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Universidade Federal do Rio Grande do Sul Instituto de Fsica Mestrado Acadmico em Ensino de Fsica

EPISTEMOLOGIAS DO SCULO XX

Alberto Ricardo Prss

Monografia

apresentada

como

requisito para aprovao na disciplina Fundamentos Epistemolgicos para a Pesquisa em Ensino de Fsica, ministrada pelo Prof. Marco Antonio Moreira em 2007/2.

Porto Alegre RS Maro 2008

2Epistemologias do Sculo XX Alberto Ricardo Prss Resumo No presente trabalho, so apresentados textos que resumem diversas epistemologias desenvolvidas ao longo do sculo XX. Os textos foram produzidos com base em um livro especfico, mas foram consultadas leituras complementares. Palavras-chave: epistemologia, filosofia da cincia, pesquisa em ensino de cincias.

Epistemologies of Century XX Alberto Ricardo Prss Abstract In the present work, texts are presented that summarize diverse epistemologies developed to the long one of Century XX. The texts had been produced on the basis of a book specific, but complementary readings had been consulted. Key-words: epistemology, philosophy of science, research on education of sciences.

3SUMRIO 1. Apresentao 2. Introduo 3. A Epistemologia de Popper 4. A Epistemologia de Kuhn 5. A Epistemologia de Lakatos 6. A Epistemologia de Laudan 7. A Epistemologia de Toulmin 8. A Epistemologia de Bachelard 9. A Epistemologia de Feyerabend 10. A Epistemologia de Bunge 11. A Epistemologia de Maturana 12. A Epistemologia de Mayr 13. Concluso Apndice: Epistemologias do Sculo XX Quadro Comparativo 4 5 6 14 21 27 34 40 48 53 61 70 78 79

41. APRESENTAO Esta monografia foi elaborada como trabalho de concluso da disciplina de ps-graduao Fundamentos Epistemolgicos para a Pesquisa em Ensino de Fsica, ministrada pelo Prof. Marco Antonio Moreira em 2007/2. Os textos apresentados foram baseados nas leituras referenciadas, nas leituras consultadas, nas aulas do Prof. Moreira, nos debates feitos durante o semestre e em conhecimento anterior. Minha preocupao foi estritamente pessoal. Procurei produzir textos onde eu pudesse organizar o raciocnio e compreender a epistemologia do autor analisado. Procurei usar fontes confiveis, quando as leituras principais apresentaram lacunas.

52. INTRODUO Segundo a Wikipdia (2008): Epistemologia ou teoria do conhecimento (do grego [episteme], cincia, conhecimento; logos], discurso) um ramo da filosofia que trata dos problemas filosficos relacionados crena e ao conhecimento. A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os mtodos e a validade do conhecimento (da tambm se designar por filosofia do conhecimento). Ela se relaciona ainda com a metafsica, a lgica e o empirismo, uma vez que avalia a consistncia lgica da teoria e sua coeso fatual, sendo assim a principal dentre as vertentes da filosofia ( considerada a "corregedoria" da cincia). Podemos ver a importncia da epistemologia citando o fsico Hermann Bondi no seu livro O Universo como um todo: Quando uma atividade se desenvolve com a velocidade e sob a presso com que o trabalho cientfico realizado, difcil muitas vezes parar e analisar o que se est realmente fazendo. Felizmente os filsofos da Cincia o fizeram por ns. Entretanto, alguns cientistas modernos do pouco valor aos estudos epistemolgicos. Vejamos o caso de Steven Weinberg, ganhador do Prmio Nobel, em seu livro Sonhos de uma teoria final: A maioria dos fsicos concordaria que uma falcia lgica partir da observao de que a cincia um processo social e chegar concluso de que o produto final, nossas teorias cientficas, moldado por foras histricas e sociais que agem nesse processo. Essas idias no afetam de forma alguma a cincia ou os cientistas. O perigo que representa para cincia vem da possvel influncia sobre aqueles que no participaram do trabalho cientfico, mas dos quais a cincia depende, especialmente sobre os encarregados de financiar a cincia e a nova gerao de cientistas em potencial. muito importante que o cientista, o professor e, por que no, o cidado comum saiba que a cincia uma construo humana e como tal deve ser entendida. Por mais popperianos que alguns cientistas sejam, com certeza se eles conhecerem o verdadeiro pensamento de Popper, a relao entre cincia e sociedade certamente ser menos tensa. Em relao ao ensino em geral e , em particular, ao ensino de cincias, inegvel que no se pode separar o ensino do contedo cientfico e o ensino das idias que esto ligadas a esse contedo.

63. A EPISTEMOLOGIA DE POPPER

Introduo Karl Raimund Popper (1902-1994) nasceu Viena, licenciou-se em matemtica e fsica e se doutorou em Filosofia pela universidade local em 1928. Embora no tenha sido membro da famosa Escola de Viena, foi simptico com as idias defendidas, mas criticou muito dos postulados adotados. Ensinou de 1937 a 1945 na Universidade de Canterbury, na Nova Zelndia e, mais tarde, na Universidade de Londres. Morreu em 1994. A contribuio mais significativa de Popper a filosofia da cincia foi sua caracterizao do mtodo cientifico. Em seu livro A Lgica da Pesquisa Cientfica, criticou a idia prevalecente de que a Cincia , em essncia, indutiva. Props um critrio de demarcao que denominou falseabilidade, para determinar a validade cientifica, e negou o carter hipottico-dedutivo da Cincia. As teorias cientficas so hipteses a partir das quais se podem deduzir enunciados comprovveis mediante a observao; se as observaes experimentais adequadas revelam como falsos esses enunciados, a hiptese refutada. Se uma hiptese supera o esforo de demonstrar sua falseabilidade, pode ser aceita, ao menos em carter provisrio. Nenhuma teoria cientifica, entretanto, pode ser estabelecida de forma definitiva. No livro A Sociedade Aberta e seus Inimigos (Popper, 1987), Popper defendeu a democracia e apresentou problemas as implicaes supostamente autoritrias das teorias polticas de Plato e Marx. O presente trabalho foi inspirado na leitura do livro Conjecturas e Refutaes (Popper, 2006), publicado originalmente em 1963. O Crculo de Viena Para entender as idias de Popper, precisamos conhecer as idias neopositivistas do chamado Crculo de Viena (Wikipdia, 2008a). O Crculo foi um grupo de filsofos e cientistas, organizado informalmente em Viena volta da figura de Moritz Schlick. Encontravam-se semanalmente, entre 1922 e finais de 1936, ano em que Schlick foi assassinado por um estudante universitrio irado. Muitos membros deixaram a ustria com a ascendncia do partido nazista, tendo o crculo sido dissolvido em 1936. Membros proeminentes do Crculo foram Rudolf Carnap, Otto Neurath, Herbert Feigl, Philipp Frank, Friedrich Waissman, Hans Hahn. Receberam as visitas ocasionais de Hans Reichenbach, Kurt Gdel, Carl Hempel, Alfred Tarski, W. V. Quine, e A. J. Ayer (que popularizou a obra deles em Inglaterra).

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A filosofia do sculo XX teve vrios marcos fundamentais. Um deles surgiu nos princpios do sculo em Viena. Durante o sculo XIX, a filosofia idealista colidiu frontalmente com os interesses cientficos. A filosofia desligou-se da cincia e das suas preocupaes. Aos poucos cada uma delas vo se tornando autnomas e no dependem uma da outra. Os idealistas vo contra as pretenses e os avanos que desde o sculo XVII produziram diferentes disciplinas cientficas, guiam a filosofia por caminhos distintos a os dos cientistas. Esta separao foi temporria, pois um novo movimento filosfico estava comeando a surgir: nascia o que hoje chamamos de filosofia da cincia, apoiada nas disciplinas cientficas a crescente influncia no conhecimento humano. Os fundadores eram pensadores fascinados pela fora da experincia na comprovao e pelo avano que este mtodo proporciona as disciplinas cientficas. Junto com a predileo pelas disciplinas cientficas, houve tambm o auge da lgica apoiada na matemtica, que converteu esta disciplina filosfica no mtodo adequado para o conhecimento da realidade e numa nova forma de verificao. Os nomes que se destacaram foi os de Wittgenstein, Russel e Whitehead. A verificao das proposies pode ser feita com mtodos lgicos que vo decidir se podem ser ditas e se tem sentido ou no. O avano das disciplinas cientficas e o nascimento desta nova concepo da lgica propiciaram novos ares filosficos. Um grupo de jovens filsofos, ma maioria deles provenientes de disciplinas cientificas, estava disposto a colocar ordem no conhecimento cientifico e a descobrir a verdadeira essncia de seu mtodo. No incio do sculo XX e durante os poucos perodos de paz, a reflexo sobre o mtodo cientfico recebeu um impulso decisivo. Na Universidade de Viena formou-se um grupo de cientistas e filsofos dispostos a unificar o pensamento cientifico. A idia era consolidar esta nova forma de pensar. O primeiro inspirador intelectual do grupo foi o fsico alemo Ernst Mach (1838-1916), que foi professor de filosofia da cincia de 1895 at 1901 na Universidade de Viena. As idias de Mach podem ser resumidas a dois princpios: 1. A cincia fenomenalista: a cincia est dedicada ao estudo dos fenmenos, que so nicos e reais. S estuda os fenmenos e qualquer pretenso de ir mais alm da experincia impossvel. 2. A cincia no se move entre parmetros de verdade e falsidade. Prope que a cincia no pode ir alm dos fenmenos. A idia central que a cincia seria capaz de conhecer os fatos, os fenmenos e servir de instrumento eficaz para a consolidao da espcie humana. Qualquer outra pretenso de estaria fora do alcance deste saber. Mediante a cincia, o homem completava sua adaptao a Natureza. Rapidamente os membros do Crculo de Viena perceberam que as idias de Mach careciam de fora lgica, sendo sumariamente intuitiva. Foi por causa disso que surgiram os grandes debates do grupo.

8Em 1922, Moritz Schlick tornou-se professor de filosofia de cincias indutivas na Universidade de Viena. Um grupo de filsofos e cientistas, incluindo a Rudolf Carnap, Herbert Feigl, Kurt Gdel, Hans Hahn, Otto Neurath, e Friedrich Waismann, sugeriram a Schlick que iniciassem encontros regulares para discutir cincia e filosofia. Chamaram-se inicialmente a Associao Ernst Mach, mas ficaram conhecidos como o Crculo de Viena. Sob a coordenao de Schlick, o grupo iniciou a leitura da obra filosfica Tractatus logicus-philosophicus, de Wittgenstein, publicada em 1922. A leitura da obra de Wittgenstein contribuiu para que os membros do crculo adotassem uma lgica que carecia a obra empirista de Mach. Em 1929, sob a coordenao de Rudolf Carnap (1891-1970), o grupo comeou a ordenar as propostas e a publicar manifestos (Wikipdia, 2008d). Os membros do Crculo defendiam que o mtodo cientfico como o nico caminho para o conhecimento da realidade (Wikipdia, 2008a). aqui que nasce a defesa das cincias experimentais como as nicas que podem explicar a realidade. A experincia e as proposies elementares da cincia so a nica linguagem verdadeira. De todo esse debate, nasceu a postura conhecida como empirismo lgico. Nesta postura, o fundamento do conhecimento est na experincia, assim como os demais empiristas, mas exige que exista uma anlise lgica da linguagem das proposies que realmente tem sentido. Temos que, qualquer concepo filosfica que mantenha uma atitude metafsica, no mais do que uma construo de mitos e teorias filosficas que no tem razo de ser e que sucumbem ante o avano da cincia. As proposies da metafsica, por exemplo, no podem ser verdadeiras porque no podem ser verificadas segundo esses critrios. A filosofia se salva porque se converte numa atividade dedicada a analise lgica da linguagem. a ferramenta que possibilita a verdade da cincia, j que a nica disciplina que capaz de discernir entre proposies com sentido (verdadeiras) e proposies sem sentido (falsas). A filosofia a atividade que mostra a realidade, numa viso neopositivista, com o empirismo lgico atuando como o caminho para alcanar a verdade. Popper no freqentou as reunies do Crculo (ibid.), mas foi uma figura central na recepo e na crtica s suas doutrinas. Por algum tempo, alguns membros do grupo encontraramse regularmente com Ludwig Wittgenstein (a fase inicial da sua filosofia foi racional-positivista). Conjecturas e refutaes Em 1934, com o apoio do Crculo de Viena, Popper publicou sua primeira obra, A Lgica da Pesquisa Cientfica. Nela ele faz uma anlise do mtodo cientifico. O interesse de Popper estava centrado em dois problemas: 1. O problema da induo. 2. O problema da demarcao.

9Para resolver esses dois problemas, ele seguiu caminhos diferentes dos neopositivistas. Aps estudar o marxismo e as idias de Einstein, Popper procurou encontrar as chaves do mtodo cientifico. Com a ajuda de alguns membros do Crculo, concluiu que o critrio emprico dos neopositivistas no tinha sustentao. Entretanto, concorda que fundamental distinguir entre cincia e metafsica. o problema da demarcao. Para Popper, a metafsica possui um conjunto de enunciados que podem ter sentido, porm no podem submeter-se a provas experimentais. Com esse raciocnio, torna-se mais realista que o os integrantes do Crculo. Ele admite um valor a metafsica, mas como no podem se submeter a provas experimentais, no rene as garantias necessrias para a Cincia. O critrio de demarcao deve permitir distinguir entre teorias cientificas e teorias pseudocientficas. As teorias pseudocientficas so aquelas com alguma aceitao na Cincia, mas segundo Popper, no renem a mesma capacidade e critrios da cincia. O problema que as teorias pseudocientficas aparentam ser cientificas e acabam enganando a sociedade. Nessa linha de raciocnio, temos que buscar um critrio prprio do mtodo cientfico que possa dar conta do avano da cincia. Popper props que o caminho da comprovao emprica dos enunciados cientficos seria o caminho correto. O problema que nem sempre possvel realizar a comprovao. Motivo? Popper (Popper, 2006) apresenta trs: 1. No possvel induzir de uns poucos casos uma lei geral. Toda induo falsa. No se pode inferir de dados singulares, uma lei universal. Teramos que comprovar cada um dos casos para saber se nossa induo verdadeira. 2. Se no podemos induzir, tampouco confivel o sentido subjetivo cartesiano de certeza. O fato de estarmos certos de algo no critrio adequado para demonstrar a verdade de alguma teoria. A certeza no o critrio. 3. Os dados que servem para a comprovao emprica de uma teoria no so dados puros, esto na verdade carregados de teoria. Assim sendo, a comprovao nunca pode ser direta, pois sempre h teoria e no dados puros para se comprovar. Por tanto, no se pode chegar a verdade de uma teoria cientifica, j que os critrio utilizados at aquele momento no permitiam isso. Ento, qual critrio adotar? A verificao direta nunca possvel, porm podemos analisar as proposies cientificas que compem uma teoria e caso no correspondam realidade, demonstra-se a sua falsidade. Assim sendo, a verificao de uma teoria no possvel, mas podemos adotar a falseabilidade como nico critrio de demarcao. Dessa forma, a cincia se distingue da pseudocincia, pois admite a possibilidade de falseao de suas teorias. Na cincia se admite e se deseja a possibilidade de que a teoria no seja verdadeira; numa pseudocincia, isso no ocorre, pois as teorias so verdadeiras e no permitem modificaes. Popper consciente de que o critrio de falseabilidade pobre, pois precisamos admitir, pelo menos, que os enunciados falseadores sejam verdadeiros enquanto falseadores. Mas afirma que esse o nico caminho possvel. Um problema srio nas idias falseacionistas que se no podemos verificar e o que importa a falseabilidade, todo conhecimento puramente conjectural. Temos conjecturas que

10ainda no foram falseadas. O mtodo da cincia ser o de tentativa e erro, ou conjecturas e refutaes. Dessa forma, Popper deu a resposta ao Crculo de Viena: a falseao o critrio de demarcao. Isso tudo nos levar a pensar na cincia como uma sociedade aberta, onde no se afirmam verdades, mas com idias prontas para serem contestadas e carem por terra. Num primeiro momento o falseacionismo para explicar o desenvolvimento da cincia, mas sem poder encontrar um critrio de verdade, a cincia parece perder certa confiabilidade. Mas Popper no estava preocupado com isso. O que ele queria era distinguir, demarcar, o que atividade da cincia das atividades que pretendiam ser cientificas. A racionalidade O falseacionismo abre caminho para a crtica, ou seja, a possibilidade de que um tenha razo e outro no. A chave para resolver os impasses surgidos deve estar na racionalidade. Quando uma teoria derrota a sua antecessora, ela obrigatoriamente deve ampliar os limites da anterior. Ela deve ser capaz de resolver um nmero maior de problemas. Ao assumir uma atitude racionalista, Popper diz que: "Podemos ento dizer que o racionalismo uma atitude de disposio a ouvir argumentos crticos e aprender da experincia. fundamentalmente uma atitude de admitir que eu posso estar errado e vs podereis estar certos, e, por um esforo, poderemos aproximar-nos da verdade. (...) Em suma, a atitude racionalista (...) muito semelhante atitude cientfica, crena de que na busca da verdade precisamos de cooperao e de que, com a ajuda da argumentao, poderemos a tempo atingir algo como a objetividade" (Popper, 1987, p. 232, apud Lang, 1996). As limitaes e insuficincias do falsificacionismo A histria da cincia rica em exemplos que mostram que as primeiras formulaes de novas teorias, que implicaram novas concepes imperfeitamente formuladas, no se abandonaram e desenvolveram-se apesar das aparentes falsificaes, o que traduz uma enorme felicidade para o desenvolvimento da cincia. Se os cientistas tivessem seguido estritamente metodologia do falsificacionismo, as teorias que hoje se consideram em geral como os melhores exemplos de teorias cientficas, nunca teriam sido desenvolvidas, porque teriam sido rejeitadas logo sua nascena. Em qualquer exemplo de uma teoria cientfica clssica, no momento da sua primeira formulao, possvel encontrar afirmaes observveis que foram geralmente aceites nessa poca e que eram consideradas incompatveis com a teoria. No entanto, estas teorias no foram rejeitadas e foram fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento cientfico.

11Mapa conceitual da epistemologia de Popper

Figura 1 Um mapa conceitual sobre a epistemologia de Popper

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Diagrama V Epistemolgico de Gowin da Epistemologia de Karl Popper

Concluso Tanto os membros do crculo de Viena como Popper, pretendiam solucionar o problema de demarcao. Embora Popper tenha obtido respostas mais eficientes que os neopositivistas, em muitos casos o resultado acaba sendo idntico. Os neopositivistas desejavam enterrar as teorias metafsicas, mas Popper aceitava as teorias metafsicas e as pseudocincias, pois elas inspirariam, em muitos casos, o avano da cincia, ainda que no fossem teorias cientficas. A pretenso de Popper era distinguir as teorias cientficas das teorias pseudocientficas. O critrio de falseao a chave de tudo. Desde o ponto de vista crtico, a pretenso neopositivista no conseguiu salvar a derrota do critrio emprico. A cincia cada vez mais complexa e, como ressaltou Popper, os dados esto sempre carregados de teoria. No cabe, por tanto, a verificao emprica das teorias j que elas no esto compostas de dados puros. Para Popper o crescimento da cincia se d em termos de conjecturas e refutaes. As conjecturas so postas a prova e submetidas a refutao atravs do exerccio da crtica da comunidade cientifica.

13Referncias Carnap, R. (1978). La superacin de la metafsica mediante el anlisis lgico del lenguaje en A.J Ayer, El positivismo lgico. Madrid: Fondo de cultura econmica. Popper, K. R. (2006). Conjecturas e Refutaes. Coimbra: Almedina. Silveira, F. L. (1996). A filosofia da cincia de Karl Popper: o racionalismo crtico Caderno Catarinense de Ensino de Fsica, Florianpolis, v.13, n.3: p.197-218, dez. 1996. Acessado em 21 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://www.if.ufrgs.br/~lang/POPPER.pdf. Wikipdia (2008a). Crculo de Viena. Acessado em 21 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=C%C3%ADrculo_de_Viena&oldid=9240453. Wikipdia (2008b). Moritz Schlick. Acessado em 21 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Moritz_Schlick&oldid=9214616. Wikipdia (2008c). Karl Popper. Acessado em 10 de Maro de 2008, Disponvel em http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Karl_Popper&oldid=9495895. Wikipdia (2008d). Rudolf Carnap. Acessado em 18 de Janeiro de 2008, Disponvel em http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Rudolf_Carnap&oldid=9005010.

Obras Consultadas Popper, K. R. (1987). A sociedade aberta e seus inimigos. (2. tomo) So Paulo: EDUSP. Popper, K. R. (2006). A lgica da pesquisa cientfica. So Paulo: Pensamento-Cultrix. Massoni, N. T. (2005). Epistemologias do Sculo XX. Textos de apoio ao professor de fsica, v.16, n.3, 2005. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Moreira, M. A. (2006). Breve introduo s epistemologias de Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan, Bachelard, Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27. Programa Internacional de Doctorado em Enseanza de las Ciencias. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS.

144. A EPISTEMOLOGIA DE KUHN

Introduo Thomas Samuel Kuhn (1922-1996) nasceu em Ohio. Iniciou sua carreira acadmica como fsico terico, graduou-se e doutorou-se (1949) em Fsica por Harvard, mas devido a circunstncias profissionais foi levado a se preocupar com a histria da cincia e as implicaes filosficas. Foi em Harvard, quando teve que preparar um curso de cincias para no cientistas, que pela primeira vez, ele utilizou exemplos histricos de progressos cientficos. Dessa experincia, Kuhn percebeu que a cincia, numa perspectiva histrica, era muito diferente da apresentada nos livros de Fsica ou mesmo de filosofia da cincia. (Wikipdia, 2008). A partir da seu interesse se voltou ao estudo da Histria da Cincia, largando a Fsica e se dedicando por completo. Permaneceu em Harvard como professor assistente de Histria da Cincia at 1956, indo ento para Berkeley para lecionar a mesma disciplina. Permaneceu em Berkeley at 1961. De 1964 at 1979 ocupou a mesma ctedra em Princeton. Posteriormente mudou-se para Boston e lecionou no MIT at sua morte em 1996. As preocupaes de Kuhn estavam relacionadas com questes do tipo (Kuhn, 2006): 1. Como a cincia realiza suas pesquisas? 2. Existe um nico padro na atividade cientfica? 3. Existe um nico padro na atividade cientfica que se possa aplicar ao longo da histria? 4. A que se deve o aparente xito da cincia na obteno de conhecimento? 5. O conhecimento acumulativo ao longo da histria? Muitos autores consideram que as idias de Kuhn desencadearam um terremoto na filosofia da cincia, ao inaugurar um discurso que privilegia os aspectos histricos e sociolgicos na anlise da prtica cientfica, desvalorizando aspectos lgico-metodolgicos. bem verdade que Bachelard, dentre outros, j haviam tocado nas questes histricas da cincia. Ao analisar a histria da cincia, ele concluiu que o conhecimento cientfico no cresce de modo cumulativo, mas sim de forma descontnua, com saltos qualitativos que no podem ser justificados em funo de critrios de validao do conhecimento cientfico. A justificao est em fatores externos, nada relacionados com a racionalidade cientfica.

15Seu primeiro livro foi A Revoluo Copernicana, em 1957, mas foi em 1962, com a publicao do livro A Estrutura das Revolues Cientficas que Kuhn se consagrou como intelectual da histria e filosofia da cincia. Com a grande repercusso do livro A Estrutura, Kuhn apresentou algumas reformulaes na edio de 1970, procurando refinar alguns conceitos. Ao longo dos anos 1970 ele escreveu diversos tratados onde responde as crticas e redefine alguns termos que haviam ficado confusos. Destacam-se a confuso com os termos paradigma e incomensurabilidade. O presente trabalho baseado no livro A Estrutura das Revolues Cientficas, mas foram consultadas diversas obras que esto referenciadas.

Cincia normal e pr-cincia Os pesquisadores que trabalham dentro de um paradigma, seja a Mecnica Quntica, a Relatividade, etc., praticam que o que Kuhn denomina cincia normal. A cincia normal articular e desenvolver o paradigma com o intento de explicar e acomodar o comportamento de alguns aspectos importantes do mundo real, tal como se revelam atravs dos resultados da experimentao, sob a ptica de uma determinada teoria e, talvez, tambm sob um programa de investigao cientfica Lakatosiano. Ao faz-lo, experimentam inevitavelmente dificuldades e se encontram com aparentes falseaes. Se as dificuldades no forem superadas, teremos um estado de crise. A cincia normal leva a tentativa de articular um paradigma com o propsito de compar-lo o melhor possvel com as evidencias empricas. Um paradigma sempre ser o suficientemente impreciso e aberto para permitir isso (algo semelhante a heurstica positiva de Lakatos). Kuhn descreve a cincia normal como uma atividade de resolver problemas governados pelas regras de um paradigma. Os problemas sero tanto de natureza terica como experimental. A cincia normal deve pressupor que um paradigma proporciona os meios adequados para resolver os problemas que surgem. Quando ocorrem fracassos na resoluo de um problema, considera-se um fracasso do pesquisador e no do paradigma no qual est inserido. Kuhn reconhece que todos os paradigmas contenham algumas anomalias, negando as correntes falseacionistas. Um cientista normal no critica o paradigma no qual trabalha. S dessa maneira capaz de concentrar seus esforos na detalhada articulao de ser pesquisador. O que distingue a cincia normal madura da atividade relativamente desorganizada da prcincia imatura a falta de acordos da comunidade nos aspectos mais fundamentais da disciplina que os congrega. Em conseqncia, de acordo com as idias de Kuhn, a pr-cincia se caracteriza por total desacordo e constante debate dos aspectos essenciais que concernem a seu objeto de estudo, de forma que impossvel abordar o trabalho de forma detalhada. Numa pr-cincia so possveis que existam quase tantas teorias como investigadores, porque cada um dos tericos se vem obrigados a construir seu prprio conjunto de princpios, para justificar seu enfoque. Um aspirante a cientista deve conhecer os mtodos, as tcnicas e as normas do paradigma resolvendo problemas normais, efetuando experimentos normais e, finalmente, fazendo alguma investigao sob a superviso de algum que j um especialista. No ser capaz de fazer uma relao explcita dos mtodos e das tcnicas que tenha aprendido, do mesmo modo que um carpinteiro no capaz de descrever plenamente o que h por traz de suas tcnicas. Por tanto, boa parte do conhecimento do cientista normal ser tcito.

16Devido ao modo como um cientista adestrado, e preciso que assim seja para que ele trabalhe de maneira eficaz, um cientista tpico ser inconsciente da natureza precisa do paradigma no qual trabalha. Entretanto, quando o seu paradigma for ameaado por um rival, o pesquisador se ver obrigado a detalhar as leis gerais, os princpios metodolgicos, metafsicos, etc., que previamente desconhecia, pois estava envolto em seu trabalho normal. Essa necessidade bvia, pois ele precisa defender seu paradigma da ameaas que podem afetar seu futuro profissional. Os paradigmas e a cincia normal Uma cincia madura est regida por um nico paradigma (ou matriz disciplinar). Esse paradigma estabelece as normas necessrias para legitimar o trabalho dentro da cincia que governa ante o grupo de seus praticantes. Coordena e dirige a atividade de resolver problemas que produzem os cientistas normais que trabalham nesse grupo. Nem todas as teorias pertencem ao paradigma. Os cientistas desenvolvem muitas teorias especulativas, anteriores ao paradigma ou durante as crises. Essas teorias podem assinalar possveis linhas de pesquisa, na busca de descobertas. Somente quando os experimentos e teoria se articulam e se encontram, surge a descoberta e a teoria se insere no paradigma. Crise Uma vez que uma nova descoberta assimilada, os cientistas esto em condies de explicar uma gama maior de fenmenos, ou explicar com maior preciso alguns j conhecidos. O fracasso das regras existentes o que serve de preldio a busca do novo. A nova teoria uma resposta direta a crise e muitas verses costumam aparecer. A crise se resolve quando surge um paradigma completamente novo que vai conquistando cada vez mais adeptos no seio da comunidade cientfica, at que finalmente se abandona o paradigma original, recheado de problemas, aparentemente irresolveis. Tal tipo de mudana descontnua constitui o que se denomina uma revoluo. O novo paradigma, cheio de promessas, e ainda livre de dificuldades (como as refutaes ou falseaes contundentes), guiar a cincia normal at que ela volte a encontrar srios problemas e surja uma nova crise, que dar lugar a uma nova revoluo. E assim sucessivamente. A reposta crise A crise a condio prvia e necessria para o nascimento de novas teorias. A deciso de rejeitar ou de aceitar um paradigma e o processo que conduz a essa deciso, envolve sempre a comparao de paradigmas com a natureza e entre eles. Ao rejeitar um paradigma sem substituir por outro, estaremos rejeitando a prpria cincia. Kuhn sustenta que no existe investigao sem exemplos contrrios. Os enigmas existem somente devido ao fato que nenhum paradigma resolve completamente todos os problemas. A proliferao de verses de paradigmas, sintoma de crise, debilita as regras de resoluo normal de enigmas, de tal modo que permite a apario de um novo paradigma. tarefa da cincia normal esforar-se por fazer que a teoria e os dados sejam coerentes; e esta atividade pode ser vista como uma prova ou busca de confirmao ou falsidade. Todas as crises comeam com a confuso em um paradigma. A transio de um paradigma para um novo paradigma pode produzir uma nova tradio de cincia normal, longe de ser um simples processo de acumulao. uma espcie de reconstruo, com o surgimento de novos fundamentos.

17As crises debilitam a imagem dos paradigmas e proporcionam dados adicionais necessrios para a troca de paradigma. A transio para um novo paradigma o que Kuhn chama de revoluo cientfica. Revoluo cientfica Considera-se revoluo cientfica a todos os episdios de desenvolvimento no acumulativo, em que um paradigma substitudo completamente ou em parte, por outro novo, incompatvel, ou seja, quando um paradigma existente deixa de funcionar de forma adequada, na explorao de um aspecto da Natureza. Quando os paradigmas entram em debate sobre a sua escolha, para Kuhn, sua funo fundamental circular e sustenta que, seja qual for o status do argumento circular, s o da persuaso. As razes pelas quais a assimilao de um novo tipo de fenmeno ou de uma nova teoria cientfica deve exigir a rejeio de um paradigma mais antigo, no se derivam da estrutura lgica do conhecimento cientfico, pois poderia surgir um novo fenmeno sem refletir-se sobre a prtica cientfica passada. A assimilao de todas as novas teorias significa a destruio de um paradigma anterior e um conflito posterior entre as escolas do pensamento cientfico. evidente que o paradigma que descobriu uma anomalia mais tarde se torne parte da cincia normal. Kuhn assinala trs tipos de fenmenos sobre os quais se podem desenvolver-se uma nova teoria: 1. Fenmenos que foram completamente explicados pelos paradigmas existentes e no proporcionaram um motivo para a construo de uma nova teoria. 2. Fenmenos cuja natureza indicada por paradigmas existentes, pem cujos detalhes s podem compreender-se atravs de uma articulao posterior da teoria. 3. As anomalias que no so assimiladas nos paradigmas existentes. S esse tipo produz novas teorias. Sem a aceitao de um paradigma no haveria cincia normal. O paradigma no poder proporcionar enigmas que no tenham sido resolvidos. A aceitao de um novo paradigma torna necessria uma definio de cincia correspondente. Alguns problemas antigos podem relegar outra cincia ou ser declarados no cientficos. A tradio cientfica que surge de uma revoluo cientfica, no somente incompatvel, mas tambm incomparvel com a que existia anteriormente. Kuhn diz que as teorias cientficas posteriores so melhores que as anteriores para resolver problemas e que so totalmente distintas. Incomensurabilidade A prova de um paradigma s tem lugar quando o fracasso persistente para obter a soluo de um problema, produz uma crise e da crise surge um candidato a paradigma. Nenhuma teoria resolve todos os problemas que se apresentam, nem freqente que as solues alcanadas sejam perfeitas. Na verdade, o imperfeito entre a teoria e os dados existentes, o que definem muitos dos enigmas que caracterizam a cincia normal.

18As razes pelas quais os paradigmas postulantes necessariamente fracassam, ao entrar em contato com os pontos de vista dos demais, tm a ver com a incomensurabilidade da tradio normal anterior e posterior a revoluo. Os novos paradigmas nascem dos antigos e incorporam grande parte do vocabulrio e dos aparatos previamente utilizados. Quem prope os paradigmas, pratica profisses em mundos diferentes. Ao faz-lo, os dois grupos de cientistas vm coisas diferentes quando mira na mesma direo desde o mesmo ponto. Cada comunidade lingstica pode produzir resultados completos de sua investigao, que ainda que sejam descritveis em frases compreendidas da mesma maneira pelos dois grupos, no podem ser explicados pela outra comunidade em seus prprios termos. Cincia e no cincia A caracterstica que distingue a cincia da no cincia, segundo Kuhn, a existncia de um paradigma capaz de apoiar a tradio que constitui a cincia normal. A mecnica newtoniana, a ptica e o eletromagnetismo, a mecnica quntica e a teoria da relatividade so amostras tpicas de paradigmas, e se qualificam como cincias maduras. Grande parte da sociologia, por exemplo, carece de um constructo de tal poder e contundncia. muito difcil encontrar uma definio precisa do conceito de paradigma, mas possvel descrever alguns dos componentes tpicos que os constituem. Entre eles, se destacam: 1. As leis explicitamente estabelecidas; 2. Os pressupostos tericos (comparvel ao ncleo central de Lakatos). 3. Alguns princpios metafsicos gerais, que guiam o trabalho de seus seguidores. Como exemplo, temos as equaes de Maxwell, que fazem parte de um paradigma que constitui a teoria eletromagntica clssica. No paradigma, teremos tambm as formas de aplicar as leis e os aspectos metodolgicos e tcnicos que os pesquisadores da rea utilizam. Como progride a cincia? De uma pr-cincia, se obtm uma cincia normal que entra em crise e origina uma revoluo. Como produto dessa revoluo, uma nova cincia normal surge e. com o tempo, uma nova crise e uma nova revoluo. Concluso Uma comunidade cientfica eficiente para resolver ou os enigmas que definem seu paradigma. O resultado da resoluo desses problemas leva ao progresso. Quando a comunidade cientfica repudia um paradigma anterior, renuncia ao mesmo tempo, a maioria dos livros e artigos em que se inclui o dito paradigma. As trocas de paradigmas levam os cientistas a se aproximarem cada vez mais da verdade. O grande mrito de Kuhn foi perceber que a escolha entre paradigmas no se fundamenta em aspectos tericos de cientificidade, mas em fatores histricos, sociolgicos e psicolgicos, ou seja, numa certa subjetividade e at mesmo numa irracionalidade, que acaba por ter um papel decisivo na imposio de determinadas teorias em detrimento de outras. (Marques, s.d.)

19Mapa conceitual de epistemologia de Kuhn

Figura 1 Um mapa da epistemologia de Kuhn

20Referncias Kuhn, T. S. (2006). A Estrutura das Revolues Cientficas. So Paulo, Editora Perspectiva. Marques, A. (s.d.). As Revolues Cientficas De Thomas Kuhn (1922-1996). Acessado em 20 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://www.leffa.pro.br/textos/textos_complementares/Kuhn.pdf. Wikipdia (2008). Thomas Kuhn. Acessado em 4 de Maro de 2008, Disponvel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Thomas_Kuhn. Maia, I. M. S. (s.d.). O desenvolvimento da cincia em Thomas Kuhn. Acessado em 4 de Maro de 2008, Disponvel em http://www.consciencia.org/kuhnisabel.shtml. Thomas Samuel Kuhn (s.d.). Historia de la filosofa contempornea. Acessado em 20 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://www.webdianoia.com/contemporanea/kuhn.htm.

Obras consultadas Massoni, N. T. (2005). Epistemologias do Sculo XX. Textos de apoio ao professor de fsica, v.16, n.3, 2005. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Moreira, M. A. (2006). Breve introduo s epistemologias de Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan, Bachelard, Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27. Programa Internacional de Doctorado em Enseanza de las Ciencias. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS.

215. A EPISTEMOLOGIA DE LAKATOS

Introduo Imre Lakatos (1922-1974) nasceu Imre Lipschitz na Hungria, mas trocou de sobrenome para escapar dos nazistas. Foi matemtico e filsofo, tendo inicialmente aderido a escola de Popper (Wikipdia, 2008), o qual chama de Falsacionismo Sofisticado. Ele reformulou as idias de Popper para resolver o problema da base emprica e para escapar das falseaes que no resolviam a duas classes de Falsacionismos: o Dogmtico e o Ingnuo. Em sua teoria, ele recorre a alguns aspectos das idias de Kuhn, sobretudo a histria da cincia. Na crtica a Popper, Lakatos mostra que ao longo da histria da cincia, a falseao no uma ao cotidiana dos cientistas, como ele afirmava. Para Lakatos a falseao consiste em um enfrentamento entre duas teorias rivais e a experincia. As teorias rivais se confrontam com a experincia; uma aceita e a outra refutada. A refutao de uma teoria depende do xito total da teoria rival. Desta forma, Lakatos apresenta uma nova unidade de anlise: o Programa de Pesquisa Cientfica. O presente texto baseado na obra La metodologa de los programas de investigacin cientfica (Lakatos, 1993).

Falsacionismo Assim como Popper, Lakatos afirma que os enunciados cientficos no podem ser demonstrados e to pouco possvel atribuir um grau de certeza. Deste modo, rejeita a lgica indutiva e em contraposio elaborou o dedutivismo. O falseacionismo afirma que as leis da cincia no so verificveis nem provveis, porm so falseveis. possvel determinar sob quais circunstncias empricas (observao ou experimento) essas leis resultariam falsas e, caso isso ocorra, devem ser rejeitadas e substitudas por outras. Lakatos concebe que as teorias no so verdades conclusivas, mas conjuntos de hipteses que devem ser contrastadas empiricamente e, em caso de resistirem as contrastaes, so consideradas corroboradas, mas de maneira provisria. Na epistemologia de Popper, as teorias so seqenciais e vo se corrigindo. Para Lakatos, o falsacionismo apresenta trs formas, com um grau crescente de crtica e complexidade:

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1. Falsacionismo Dogmtico. Lakatos afirma que Popper iniciou sua trajetria como falsacionista dogmtico, mas nunca publicou nada sobre isso. O mtodo do Falsacionismo Dogmtico pode caracteriza-se como no indutivo, pois sustenta que as teorias podem falsear-se, porm nunca verificar-se, e empirista porque afirma que h uma base emprica e irrefutvel para a contrastao. A definio de falseao para o Falsacionismo Dogmtico afirma que uma teoria ser falseada se for refutada pelos falseadores potenciais. Em outras palavras, se os fatos que probe forem observados, ela estar rejeitada e a falseao coincide com a rejeio. Nessa confrontao entre teoria e experincia, a Natureza atua como rbitro. A posio dogmtica porque se baseia em trs pressupostos: a) Pode trazer uma demarcao ntida entre enunciados tericos por um lado e enunciados observacionais ou bsicos por outro (distino terico-observacional). b) Os enunciados observacionais ou bsicos so demonstrados pela experincia (enunciados bsicos). c) Uma teoria cientfica se tem uma base emprica entendida como o conjunto dos falseadores potenciais de uma teoria, verificveis pela experincia (critrio de demarcao). Lakatos no concorda com esses pressupostos, pois esse critrio de demarcao exclui muitas teorias interessantes e desenvolvidas da cincia do sculo XX, porque elas no probem nenhum estado observvel de coisas. Ele tenta demonstrar que os parmetros do Falsacionismo Dogmtico no fazem uma reconstruo racional da atividade cientfica. Se aplicarmos seus critrios, resultaria que as teorias mais importantes da histria da cincia no seriam outra coisa alm de metafsica irracional e o progresso cientfico seria meramente ilusrio. 2. Falsacionismo Metodolgico Ingnuo. Na obra A lgica da investigao cientfica, de 1934, Popper evoluiu at o que Lakatos chama de Falsacionismo Metodolgico Ingnuo. Abandona-se a crena de que existe uma distino natural dentre enunciados tericos e a base emprica e agora se admite que todo enunciado da cincia so tericos, de modo que s uma deciso metodolgica pode escolher quais so bsicos (distino terico-observacional). O critrio de demarcao proposto pelo FMI diferente daquele que propunha o Falsacionismo Dogmtico. Agora uma teoria cientfica somente se conta com um conjunto de falseadores potenciais cuja aceitao depende de uma deciso convencional (critrio de demarcao). Aqui Lakatos tambm apresenta severas crticas. Ele afirma que existe um grau excessivo de convencionalismos dependentes a decises metodolgicas. Alm disso, ao confrontarmos com diversos episdios da histria, mostra-se dbil.

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3. Falsacionismo Sofisticado. Lakatos continua inquieto. Ele afirma que embora o Falsacionismo Metodolgico Ingnuo seja um avano em relao ao Falsacionismo Dogmtico, ambos mantm idias centrais que no do conta da histria real da cincia. De acordo com a histria da cincia, ele prope que: a) As confrontaes so um tripleto de enfrentamento, entre teorias rivais e a experimentao. b) Alguns dos experimentos mais interessantes resultaram muito mais da conformao do que da falseao. No jogo cientfico, sempre so mais de duas teorias rivais competindo na explicao dos fenmenos. Popper dizia que o progresso da cincia ocorreria pelo abandono das teorias que tivessem falhado. Para Lakatos, no s as refutaes so importantes, mas tambm as corroboraes. Lakatos escolhe uma unidade de anlise mais ampla que permite refletir o desenvolvimento da cincia, denominado Programa de Pesquisa Cientfica. As teorias no devem ser examinadas de forma isolada, mas sim integradas numa seqncia de teorias que com partilham um ncleo firme comum. O Programa de Pesquisa Cientfica uma sucesso de teorias T1, T2, T3,...,Tn, todas da mesma famlia, que vo surgindo a partir da anterior, tendo em comum um conjunto de hipteses fundamentais que formam seu ncleo firme, que declarado irrefutvel por deciso da comunidade cientfica. Esse ncleo se mantm protegido por um conjunto de hipteses auxiliares, o cinturo protetor ao redor do ncleo. Essas condies se referem a condies iniciais da observao e pode ser modificadas ou substitudas para ajustar a teoria e os resultados experimentais, e assim evitar que as hipteses do ncleo sejam refutadas. Cada uma das teorias que formam a seqncia prpria de um Programa de Pesquisa Cientfica, formado por um ncleo firme compartilhada e um cinturo protetor. Qualquer modificao que se faa no cinturo gera uma teoria secundria. Esse processo continua indefinidamente, at que os cientistas sigam confiantes no Programa de Pesquisa Cientfica. Cada Programa de Pesquisa Cientfica tem regras prprias que vo orientar as transformaes necessrias. A essas regras, Lakatos chama de heursticas, que podem ser: a) Negativa: probe refutar o ncleo firme. b) Positiva: apresenta uma dupla funo: - Indica quais transformaes devem ser feitas no cinturo protetor para resolver as anomalias, antecip-las e transform-las em exemplos corroboradores. - Indica como encaminhar a investigao para que conduza ao descobrimento de novos fenmenos.

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Mudanas cientficas e regras de aceitao e refutao De acordo com o Falsacionismo Sofisticado, o desenvolvimento da cincia se manifesta mediante dois tipos de mudanas: a) A mudana que se produz quando uma teoria substituda pela sua sucessora dentro de um mesmo Programa de Pesquisa Cientfica. So mudanas no cinturo protetor e pode ser progressivo, quando a teoria em seqncia prediz novos fenmenos, alm conservar todo contedo no refutado pela teoria predecessora, ou regressivo, se o desenvolvimento terico se limita a dar explicaes dos novos fenmenos por causalidade ou at por antecipao de teorias rivais. A idia de mudana progressiva proporciona um novo critrio de demarcao. Para Lakatos, s cientfico um Programa de Pesquisa Cientfica que seja progressivo. b) A mudana que se d quando h uma competio entre Programas de Pesquisas Cientficas rivais, dando a vitria a um deles. Essa mudana ocorre quando os cientistas resolvem mudar de Programa de Pesquisa Cientfica. A troca ocorre quando o novo Programa de Pesquisa Cientfica progressivo com relao ao anterior. Isso acontece quando o novo PPC tem mais contedo emprico que o anterior, capaz de prever novos eventos e uma parte da teoria foi corroborada. O Programa de Pesquisa Cientfica substitudo acabou sendo falseado, devido a seu estancamento. A falseao de um Programa de Pesquisa Cientfica no implica no seu abandono, pois ele poder recuperar-se e alcanar seu rival. Incomensurabilidade A mudana de Programa de Pesquisa Cientfica pressupe a comunicao entre cientistas que trabalham em Programas de Pesquisas Cientficas diferentes. Lakatos no acredita na incomensurabilidade das teorias cientficas. Os cientistas que trabalham num programa podem entender a linguagem do programa rival. Em alguns casos, podem at trabalhar simultaneamente em programas opostos. Experimentos cruciais Os experimentos cruciais so aqueles que permitem escolher entre teorias rivais. O tempo um fator essencial nisso. crucial um experimento que refuta uma teoria e corrobora outra, porm a disputa no deve ser dada como terminada, pois o programa derrotado pode recuperar-se mediante um desenvolvimento criativo da heurstica positiva. Se isso no ocorre dentro de certo prazo (qual seria?), ento poderemos afirmar que se tratava de um experimento crucial.

25Mapa conceitual da epistemologia de Lakatos

Figura 1 Um mapa conceitual da epistemologia de Lakatos Concluso Lakatos desejou melhorar o falsacionismo popperiano e superar as objees formuladas e ele. Suas idias deram origem a concepo de Programas de Pesquisa Cientfica, onde as teorias fazem parte de uma estrutura organizada. Os elementos que constituem um Programa de Pesquisa Cientfica so o ncleo firme (ou central) e o cinturo protetor, sendo que o ncleo firme que define o programa. Um Programa de Pesquisa Cientfica se define como uma estrutura cuja utilidade guiar, tanto positiva como negativamente, as futuras pesquisas. Os programas progressistas levam a descoberta de novos fenmenos enquanto os regressivos, no.

26Uma caracterstica importante das idias de Lakatos que ele apresenta uma concepo histrica do conhecimento onde a cincia concebida como um processo de acumulao e desenvolvimento, que inclui o aproveitamento dos resultados obtidos previamente. Referncias Lakatos, I. (1993). La metodologa de los programas de investigacin cientfica. Madrid: Alianza Editorial. WikiPdia (2008). Imre Lakatos. Acessado em 25 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://es.wikipedia.org/w/index.php?title=Imre_Lakatos&oldid=15021913.

276. A EPISTEMOLOGIA DE LAUDAN

Introduo Larry Laudan nasceu em 1941 no Texas. Graduou-se em Fsica pela Universidade do Kansas e obteve doutorado em Filosofia pela Universidade de Princeton. Foi professor de vrias universidades americanas (Cornell, Pittsburgh, Hawaii, etc.) e inglesas (Londres e Cambridge), estando atualmente na Universidade Nacional do Mxico (UNAM). Laudan se ops ao neopositivismo, criticou o falsacionismo de Popper e aperfeioou algumas teses de Kuhn. Ele aderiu ao modelo reticular, sendo o qual a epistemologia, metodologia e axiologia interatuam. Desde 1986 tem aceitado o naturalismo normativo, onde perdem importncia as diferenas entre cincia e no cincia. Inicialmente Laudan foi um dos mais fiis seguidores de Lakatos. Entretanto, posteriormente ele mesmo props um modelo de evoluo da cincia. No seu modelo, Laudan conserva a matriz e algumas idias de Lakatos, tendo sido questionado quanto originalidade de suas idias, mas apresenta algumas modificaes interessantes. O presente trabalho inspirado no livro El progreso y sus problemas: Hacia una teora del crecimiento cientfico (Laudan, 1986).

Tradies de pesquisa Laudan fala das tradies de pesquisa, no lugar dos programas de pesquisa, de Lakatos. Uma tradio de pesquisa um conjunto de pressupostos gerais sobre as entidades e processos numa rea de estudo e sobre os mtodos ou tcnicas apropriadas para realizar investigaes e construir teorias nessa mesma rea. Laudan concebe as tradies de investigao, assim como Lakatos, como um conjunto de teorias em evoluo que no podem ser analisadas fora de seu contexto histrico. Uma tradio de investigao possui duas caractersticas essenciais: uma metodolgica e outra ontolgica. Ambas so interdependentes e capazes de influenciar-se uma da outra. A funo metodolgica consiste em um grupo de regras do que permitido fazer e o que no em cada rea. O desenvolvimento da tradio radicalmente dirigido por essa funo, que determina a atividade de investigao cientfica. A atividade cientfica essencialmente uma atividade dirigida a resoluo de problemas, de tal forma que a funo metodolgica deve estabelecer regras de legitimidade para propor perguntas ou problemas e formas de respond-las ou resolv-los. Esses procedimentos, tal qual Kuhn afirmava, constituem o contedo do treinamento que se deve dar aos futuros pesquisadores da rea.

28Alm das regras metodolgicas, as tradies de pesquisa possuem uma funo ontolgica, que se refere, essencialmente, aos objetos de estudo da tradio. Da mesma forma que existem mtodos legtimos e ilegtimos de estudo, h objetos e fenmenos legtimos e ilegtimos de estudo. Dessa forma, a tradio determina seus limites, seu alcance de aplicabilidade e seus critrios de relevncia cientfica. De acordo com Laudan, as tradies de investigao so delineamentos gerais de investigao e pesquisa que no devem ser, necessariamente, explicativos, preditivos ou verificveis, em contraposio as teorias que os constituem, que so. As tradies de pesquisa so vagamente normativas, ao contrrio dos programas de pesquisa de Lakatos. As trs funes importantes de uma tradio de investigao so, conforme Laudan: a) a de determinar os limites de aplicao das teorias que constituem uma disciplina; b) a de prover heursticas negativas e positivas (assim como em Lakatos), isto , proporcionar idias iniciais que permitam a formulao de teorias explicativas, preditivas e verificveis, tudo isso com o objetivo de incrementar a capacidade da tradio de pesquisa para resoluo de problemas; c) a de justificar racionalmente a existncia de teorias cientficas. Uma das caractersticas que Laudan conserva da metodologia de Lakatos o carter evolutivo e histrico das tradies de investigao. Elas so formuladas em um ambiente intelectual determinado, crescem e incrementam seu alcance de aplicabilidade, e se degradam e acabam por desaparecer para dar lugar a novas tradies. Entretanto, as mudanas ou transformaes que a histria opera nas tradies de investigao so percebidos de maneira distinta que nos programas de investigao. Para Laudan, o ncleo firme tambm modificvel, atravs do tempo, pela experincia necessariamente emprica. A tal ponto, que a tradio pode terminar seus dias com caractersticas totalmente distintas daquelas que tinha quando surgiu, circunstncia impensvel na viso de Lakatos. Laudan ameniza suas crticas a Lakatos, mas mantm as noes de progressividade e degenerao como critrios de progresso cientfico. As diferenas para Lakatos no so muito evidentes nesse ponto, mas o prprio Laudan esclarece que a principal diferena entre os dois que Lakatos considera apenas incrementos no contedo emprico, no levando em conta o contedo conceitual de um programa. Na verdade, essa uma firmao que talvez seja injusta com Lakatos. O Progresso e seus Problemas Laudan seguiu as idias de Lakatos at a morte do mesmo em 1974. Em 1977 ao publicar o livro O Progresso e seus problemas, a importncia da analise histrica na epistemologia da cincia j estava consolidada, sobretudo pelas mos de Kuhn e Lakatos. Nessa obra, Laudan no aceita os enunciados da lgica e se ope a cincia como algo racional. A cincia, para Laudan, complexa e diacrnica, pois est submetida a mudanas ao logo do tempo. Ele insiste em explicar a racionalidade cientfica a partir do progresso cientfico. Por progresso cientfico ele entende a resoluo de problemas, conceituais e empricos. O destaque dado a Histria da Cincia para a Epistemologia e para a Metodologia da Cincia evidente.

29A funo dos problemas empricos A cincia , em essncia, uma atividade de resoluo de problemas, o que Laudan afirma (Laudan, 1986). Ele explica que problemas empricos so diferentes de dados empricos. S interessam os problemas empricos, ou seja, aqueles dados que interessam a cincia e aos cientistas. A natureza dos problemas cientficos Laudan no define o que um problema cientfico, ele apenas relativiza o conceito, referindo-se as teorias que os resolvem: Se os problemas so o ponto central do pensamento cientfico, as teorias so seu resultado final (...) Se os problemas constituem as perguntas da cincia, as teorias constituem as respostas. A funo de uma teoria resolver a ambigidade, reduzir a irregularidade a uniformidade, mostrar que o que acontece de modo inteligvel previsvel. a esse complexo de funes a que me refiro quando falo de teorias como solues de problemas. (ibid.) Ele apresenta duas teses: 1. O essencial para uma teoria se responde adequadamente a perguntas interessantes. 2. Para evoluir, uma teoria mais importante perguntar se contesta a questes relevantes do que se verdadeira ou se est corroborada. Problemas empricos Um problema emprico s ser bem definido quando for resolvido por uma teoria. Por que cham-lo de problema emprico? Pela sua procedncia. Porque apesar de estar carregado de teoria, afirmamos que se refere ao mundo fsico. Porm, isso no realmente importante, pois nos interessam em quanto problema, e no o quanto possa refletir um estado de coisas reais. Muitas vezes existem problemas aparentes, que na realidade no existem Laudan cita as serpentes do mar, a gerao espontnea, o efeito curativo das sangrias, etc. Ele diz: Ainda que insistamos que as teorias so elaboradas somente para explicar fatos, isto , enunciados verdadeiros sobre o mundo, seremos incapazes de explicar a maior parte da atividade terica que se produziu na cincia. (ibid.). Outros dados empricos haviam sido ignorados para a cincia durante algum tempo e s quando chegou a ser um problema emprico para uma teoria, passou a ter importncia cientfica. Tipos de problemas empricos So trs os tipos de problemas empricos: 1. Problemas no-resolvidos (potenciais): so problemas que explicam fenmenos, mas ainda no foram resolvidos. 2. Problemas resolvidos (efetivos): so problemas reais que foram perfeitamente resolvidos pela teoria em questo.

303. Problemas anmalos: so problemas reais que no foram resolvidos pela teoria em questo, mas foram resolvidos por uma teoria rival. Laudan afirma que a transformao de problemas empricos anmalos e no-resolvidos em problemas resolvidos uma das mais importantes caractersticas do progresso cientfico. A natureza dos problemas resolvidos So aqueles que guardam relao com as teorias que os resolveu, ainda que as vezes de forma aproximada. O carter aproximado da soluo de problemas inerente a cincia. difcil que uma teoria prediga com exatido um resultado experimental. Laudan considera irrelevante a questo da verdade ou falsidade para resoluo de um problema. Segundo ele no precisamos considerar o tema da verdade e da falsidade para determinar se uma teoria resolve ou no um problema emprico concreto. A importncia dos problemas anmalos Como vimos, um problema anmalo um problema que no pode ser resolvido na teoria que se est analisando, porm foi resolvido por uma teoria rival. Trata-se de uma questo relevante, tanto sob o ponto de vista terico quanto formal, especialmente no momento de comparar teorias e verificar a evoluo das mesmas. Alguns cientistas e filsofos defendem que se devem abandonar teorias que possuam anomalias. Para Laudan, a apario de uma anomalia gera dvidas sobre a teoria que apresenta tal anomalia, porm no deve ser inevitvel seu abandono. As anomalias no tm necessariamente que ser inconsistentes com as teorias das quais so anmalas. Os problemas conceituais e sua natureza Laudan afirma que os historiadores e filsofos da cincia no haviam tratado muito bem os problemas conceituais, levados por uma epistemologia empirista da cincia. Ele defende a importncia dos aspectos conceituais e de coerncia. Se os problemas empricos so perguntas de primeira ordem sobre as entidades fundamentais de algum domnio, os problemas conceituais so perguntas de uma ordem superior sobre a consistncia das estruturas conceituais (por exemplo, teorias) que tenham sido elaboradas para responder a perguntas de primeira ordem. (ibid.) Os problemas conceituais podem ser de dois tipos: 1. Problemas conceituais internos: so aqueles que surgem, por exemplo, quando uma teoria se torna inconsistente, autocontraditria. Tambm quando existe alguma ambigidade ou circularidade na teoria. 2. Problemas conceituais externos: so aqueles que acontecem entre teorias, por exemplo, quando uma mostra inconsistncia perante a outra, ou a aceitao de uma torna a pequena a possibilidade

31de aceitao da outra. Ocorre tambm quando uma teoria que deveria reforar a outra meramente compatvel.

32Mapa conceitual da epistemologia de Laudan

Figura 1 Um mapa conceitual da epistemologia de Laudan

33Concluso O problema, emprico ou conceitual, resolvido a unidade bsica do progresso cientfico e o objetivo da cincia ampliar a esfera de problemas empricos resolvidos, ao mesmo tempo em que deve ocorrer uma reduo ao mnimo dos problemas anmalos e conceituais. A evoluo poder ser medida com base na contabilidade dos problemas. Referncias Laudan, L. (1986). El progreso y sus problemas: Hacia una teora del crecimiento cientfico. Madrid: Encuentro Ediciones. Obras Consultadas Massoni, N. T. (2005). Epistemologias do Sculo XX. Textos de apoio ao professor de fsica, v.16, n.3, 2005. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Moreira, M. A. (2006). Breve introduo s epistemologias de Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan, Bachelard, Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27. Programa Internacional de Doctorado em Enseanza de las Ciencias. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS.

347. A EPISTEMOLOGIA DE TOULMIN

Introduo Stephen Edelston Toulmin nasceu em 1922 na Inglaterra. Recebeu seu doutorado em Filosofia em 1948. Iniciou sua carreira de professor em 1949, tendo passado por diversas universidades, incluindo Oxford, Melbourne, Leeds, Ny York, Columbia, Stanford, Hebrew University, Michigan, California, dentre outras. Toulmin publicou extensivamente muitos livros. No presente trabalho, o foco ser no seu livro La comprensin humana I: El uso colectivo y la evolucin de los conceptos, de 1977 (publicado em ingls em 1972) . Como filsofo, foi inicialmente influenciado pelo austraco Ludwig Wittgenstein, situando-se dentro do grupo, como Popper, Kuhn, Lakatos, Feyerabend, entre outros, que criticam a concepo positivista sobre a natureza da cincia. Ao evidenciar as limitaes do positivismo, as idias de Toulmin apresentam um grande potencial em diversas reas, sobretudo no ensino de cincias, pois apresenta a evoluo do conhecimento como melhor descrito pela ao perene do esprito crtico. No seu livro La comprensin humana Toulmin volta ao tema sobre a distino entre teoria e observao,mas apresenta uma anlise epistemolgica muito interessante. Ele prope um modelo evolucionista para os conceitos, anlogo ao que Darwin props para a evoluo das espcies. A cincia parte da cultura humana e como tal est em permanente transformao: perguntas e problemas so formulados, explicaes so produzidas, ferramentas conceituais so elaboradas, etc. Para entender o carter evolutivo da cincia, preciso entender a racionalidade ligada a flexibilidade intelectual e a disposio a mudanas. Para Toulmin, aprender cincia se apropriar do acervo cultural, compartilhar significados e, ao mesmo tempo, assumir posturas crticas e vontade de mudar. Conceitos e mudana conceitual Toulmin tenta aplicar uma zoologia evolucionista na cincia, com o reconhecimento de uma dupla pluralidade: a que se d entre uma srie de disciplinas intelectuais mais ou menos separadas (as espcies orgnicas) e, dentro de cada uma delas, a que produz a existncia de agregados ou populaes de conceitos e teorias individuais (os organismos) logicamente independentes

35

Para Toulmin (Ariza e Harres, 2002) a mudana conceitual ocorre de forma gradualista, em contraposio as idias agregacionistas dos absolutistas e radicais dos revolucionrios (mudanas a margem do racionalismo). As mudanas ocorrem de forma gradual, onde qualquer transformao, lenta ou rpida, sempre est submetida a seleo crtica da comunidade. Para compreender como algum constri seus conceitos, necessrio entender como se forma a populao conceitual de onde esse algum faz parte. Quando algum nasce, sua liberdade de ao, pensamento e linguagem se v limitada pela herana lingstica e conceitual que prov a sua cultura. Aparentemente isso limita a liberdade de pensamento original, porm uma vez construdo pelo sujeito, forma-se uma plataforma atravs do qual se pode potencializar o pensamento criativo. A populao conceitual que conforma o acervo cultural da humanidade no esttica, mas se encontra em constante evoluo e tem um nico padro de desenvolvimento, diz Toulmin (Toulmin, 1977). Existe no ser humano uma tendncia natural a criatividade que o leva a produzir inovaes freqentes dos conceitos, os quais uma vez constitudos, entram em uma disputa com os estabelecidos e aceitos pela sociedade. Nessa disputa, algumas inovaes conceituais sero aceitas e se incorporaro a populao conceitual, outras sero rejeitadas e por conseqncia ignorada. O que determina a aceitao ou a rejeio das inovaes conceituais? Toulmin escabele como mecanismo chave a seleo crtica, processo que se d nos meios intelectuais locais (em funo das exigncias para resoluo de problemas tericos ou prticos de uma populao conceitual) e nos foros de competncia intelectual institucionalizados. O modelo evolucionista de Toulmin supe um mecanismo dual de inovao e seleo, graas ao contnuo surgimento de novidades intelectuais. Existe uma contnua seleo crtica pelo meio ecolgico disciplinar, por meio de seu aparato metodolgico, de forma que umas poucas dessas novidades conseguem uma posio firme na disciplina e se mantm na gerao seguinte. Evidentemente, a variao e perpetuao seletivas, ou seja, a troca e a continuidade conceitual quando entendidas por esse mecanismo, s podem acontecer dentro de um nicho ou foro de competncia, onde as variantes conceituais podem obter sucesso e demonstrar suas vantagens adaptativas. Disciplinas e empresas racionais O elemento fundamental de uma disciplina coletiva o reconhecimento de um objetivo ou ideal sobre o qual existe suficiente acordo e em termos do qual possvel identificar os principais problemas comuns. Quando este objetivo comum de carter explicativo, a disciplina cientfica. (Toulmin, 1977) As idias de Toulmin estabelecem os critrios de compacidade bem restritos, fazendo com que muitas reas de conhecimento tenham dificuldades para poderem ser consideradas disciplinas compactas. Na atualidade, satisfazem substancialmente estas condies, as cincias fsicas e biolgicas, as tcnicas mais maduras e os sistemas judiciais mais organizados. (Toulmin, 1977)

36Uma disciplina compacta aquela que possui as seguintes caractersticas conectadas entre si: 1, Suas atividades devem estar organizadas em torno de, e dirigidas para um conjunto especfico e realista de ideais coletivos acordados. 2. Estes ideais coletivos impem determinadas exigncias a todas as pessoas que se dedicam ao acompanhamento profissional das atividades envolvidas. 3. As discusses resultantes oferecem ocasies disciplinares para a elaborao de razes no contexto dos argumentos justificativos, cuja funo mostrar em que medida as inovaes nos procedimentos esto altura dessas exigncias coletivas. 4. Para tal fim desenvolvem-se os foros profissionais, nos quais so utilizados procedimentos reconhecidos para elaborar razes, para justificar a aceitao coletiva dos novos procedimentos. 5. Os mesmos ideais coletivos determinam os critrios de adequao pelos quais so julgados os argumentos que apiam essas inovaes. Existe uma gradao entre os diversos tipos de conhecimento, desde o mais elevado, uma disciplina compacta at as mais ordinrias empresas humanas.

Figura 1 Empresas Humanas Evoluo da cincia Toulmin apresenta na sua teoria evolutiva da cincia, a idia de que ainda que nossos pensamentos sejam individuais e pessoais, nossa herana lingstica e conceitual, por meio da qual se expressam, domnio pblico (Toulmin, 1977, 1999; apud Henao e Stipcich, 2008). Na anlise da construo e evoluo da cincia, Toulmin se afasta das idias subjetivistas e relativistas. Ele explica que o contedo de uma cincia compreende um repertrio de procedimentos estabelecidos e uma srie de variantes conceituais cujo processo evolutivo est ligado a um consenso geral a cerca dos critrios de seleo das variantes e dos ideais explicativos que iluminam os mesmos (Toulmin, 1977, 1999; apud Henao e Stipcich, 2008). Toulmin critica as idias de Kuhn sobre a ausncia de vocabulrio comum entre paradigmas rivais. Para ele, se segussemos a explicao de Kuhn das revolues cientficas, ao faltar de um vocabulrio comum no poderiam comunicar-se mutuamente suas discrepncias nem

37formular temas tericos comuns para a discusso e a investigao. Assim, cada cientista pertencente a um paradigma incomensurvel, veria o mundo desde o seu prprio esquema. Porm segundo Toulmin, no existem exemplos de mudanas completas na viso cientfica do mundo, isto , uma revoluo cientfica, no sentido kunheano, no pressupe uma completa descontinuidade racional. Um exemplo foi a mudana da Fsica Newtoniana para Fsica Einsteiniana, aonde o que vimos foram mudanas conceituais que levaram muito tempo de intensos debates, e os cientistas no precisaram se converter ao novo paradigma de modo irracional, mas foram convencidos por argumentos.

38Mapa conceitual da epistemologia de Toulmin

Figura 2 Um mapa conceitual da epistemologia de Toulmin Concluso Toulmin certamente foi um dos epistemlogos da cincia que mais se esforou para abolir os estigmas do formalismo, sem cair num subjetivismo. A idia de populao conceitual possui aplicaes interessantes no ensino de cincias (Ariza & Harres, 2002 e Henao & Stipcich, 2008), onde ele afirma que preciso entender a populao de onde o sujeito faz parte.

39Referncias Ariza, R. P., Harres, J. B. S. (2002). A epistemologia evolucionista de Stephen Toulmin e o ensino de cincias. Cad. Bras. Ens. Fs., v. 19, n. especial: p.70-83, jun. 2002. Acessado em 12 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://www.fsc.ufsc.br/ccef/port/19-especial/artpdf/a4.pdf Henao, B. L., Stipcich, M. S. (2008). Educacin en ciencias y argumentacin: la perspectiva de Toulmin como posible respuesta a las demandas y desafos contemporneos para la enseanza de las Ciencias Experimentales, Revista Electrnica de Enseanza de las Ciencias Vol. 7 N1 (2008).Acessado em 12 de Fevereiro de 2008, Disponvel em: http://saum.uvigo.es/reec/volumenes/volumen7/ART3_Vol7_N1.pdf Toulmin, S. (1977). La comprensin humana I: El uso colectivo y la evolucin de los conceptos. Madrid: Alianza. Obras Consultadas Ginnobili, S. (2007). Epistemologas evolucionistas y descubrimiento cientfico Universidad de Buenos Aires. Acessado em 12 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://santi75.files.wordpress.com/2007/11/epistemologia-evolucionista-y-descubrimientocientifico.pdf Massoni, N. T. (2005). Epistemologias do Sculo XX. Textos de apoio ao professor de fsica, v.16, n.3, 2005. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Moreira, M. A. (2006). Breve introduo s epistemologias de Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan, Bachelard, Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27. Programa Internacional de Doctorado em Enseanza de las Ciencias. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Tuon, Al. H. (1978). Disciplinaridad versus ssistematismo en Toulmin. El Basilisco, nmero 1, marzo-abril 1978. Acessado em 12 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://www.fgbueno.es/bas/pdf/bas10113.pdf.

408. A EPISTEMOLOGIA DE BACHELARD

Introduo Gastn Bachelard nasceu em Bar-sur-Aube no seio de uma modesta famlia, o seu pai era sapateiro. Aps a concluso dos estudos secundrios trabalha nos correios de Remiremont at 1906 e mais tarde em Paris entre 1907 e 1913. Embora trabalhasse cerca de 60 horas por semana em Paris, prosseguiu seus estudos e licenciou-se em matemtica em 1912. Pretendeu ser engenheiro de telegrafia. Quando comeou Primeira Guerra Mundial foi alistado no exrcito. Depois da desmobilizao, foi nomeado professor de fsica e qumica em Bar-sur-Aube (Wikipdia, 2008). Aos 35 anos comeou seus os estudar e a lecionar filosofia. Seus primeiros textos foram publicados em 1928 (Ensaios sobre o conhecimento aproximado e Estudo sobre a evoluo de um problema de Fsica: a propagao trmica dos slidos). Obteve rpida projeo e foi convidado, em 1930, a lecionar na Faculdade de Dijon. Mais tarde, em 1940, foi para a Sorbonne, onde lecionou muito disputados pelos alunos devido ao esprito livre, original e profundo deste filsofo que, antes de tudo, sempre foi um professor. Obteve inmeros prmios ao longo de sua carreira. Bachelard morreu em 1962. interessante citar que (Fontes, 2008) Bachelard comeou a estudar Filosofia por ter se decepcionado com as idias que tinha sobre a Fsica, sobretudo aps a publicao da Teoria da Relatividade. Bachelard foi um homem de muitas paixes. Alm de filsofo, foi epistemlogo, cientista e poeta. A idia central da sua epistemologia que no futuro o conhecimento se basear na negao do conhecimento atual. Para compreendermos o projeto epistemolgico de Bachelard, fundamental que situemos seu pensamento dentro do contexto em que se constroem as cincias hoje em dia. Porque toda a sua obra est marcada por uma reflexo sobre as filosofias implcitas nas prticas efetivas dos cientistas. O presente trabalho baseado no livro A filosofia do no (Bachelard, 1974). Perfil epistemolgico O perfil epistemolgico um conjunto de atributos que cada sujeito possui em relao a certo conceito e em relao a certo estgio de sua cultura. claro, ento, que os perfis variam entre os indivduos para o mesmo conceito, havendo uma progresso histrica. A idia de perfil

41epistemolgico visa evitar que chamemos um indivduo de realista ou racionalista. O que ocorre cada pessoa tem uma dose de cada um dos tipos de pensamentos sobre um certo conceito. No livro A Filosofia do No (Bachelard, 1974), temos uma figura que ilustra o perfil epistemolgico de Bachelard em relao ao conceito de massa:

Figura 1 - Perfil epistemolgico da noo pessoal (de Bachelard) de massa (Bachelard, 1974) Bachelard sugere coletar os perfis epistemolgicos e formar lbuns. Uma anlise desses lbuns poderia nos dar uma outra informao importante, o chamado espectro epistemolgico, que determinaria a forma como as diversas filosofias reagem a um conhecimento objetivo particular. Obstculos epistemolgicos A noo de obstculo epistemolgico foi descrita inicialmente por Bachelard, na obra A Formao do Esprito Cientifico, publicada em 1938. Ele afirma que o cientista deve empenhar-se em superar os obstculos epistemolgicos para o progresso da cincia. Os obstculos epistemolgicos so responsveis pela inrcia e at mesmo estagnao do pensamento, sendo inerentes ao trabalho do cientista. Em Arriassecq e Greca (2006) temos: Bachelard afirma que s se constri o novo conhecimento cientfico a partir de um conhecimento anterior, que geralmente errneo e atua como um obstculo epistemolgico para o progresso cientfico. Os obstculos tm sua origem em conhecimentos subjetivos e se referem a aspectos intuitivos, experincias iniciais, conhecimentos gerais, incluindo at interesses e opinies afetivas. O conhecimento comum um obstculo para o conhecimento cientfico no sentido que o primeiro tem uma base emprica e o segundo se baseia num mundo abstrato.

42Bachelard considerava que a cincia progredia atravs da superao de obstculos epistemolgicos. Nesse sentido, deve-se ir contra o conhecimento anterior, destruindo conhecimento mal adquirido ou superando aquilo que obstaculiza o progresso. Alguns dos obstculos que a cincia dever superar so, por exemplo, a opinio e a observao bsica, que devem substituir-se pelo exerccio da razo experimental. Segundo Bachelard, a cincia no pode produzir verdade. O Primeiro Obstculo a Experincia Primeira. Nas palavras de Bachelard (Bachelard, 1974): (...) Na formao do esprito cientfico, o primeiro obstculo a experincia primeira, a experincia colocada antes e acima da crtica, que , necessariamente, elemento integrante do esprito cientfico. J que a crtica no pde intervir de modo explcito, a experincia primeira no constitui uma base segura. (...) Eis, portanto, a tese filosfica a se sustentar: o esprito cientfico deve formarse contra a Natureza, contra o que , em ns e fora de ns, o impulso e a informao da Natureza, contra o arrebatamento natural, contra o fato colorido e corriqueiro. Obstculos pedaggicos Na educao em cincia, Bachelard prope a existncia de fatores que dificultam o aprendizado. So os obstculos pedaggicos. Os obstculos pedaggicos so conhecimentos que se encontram relativamente estabilizados no plano intelectual e que podem dificultar a evoluo da aprendizagem do saber cientfico. Os primeiros obstculos" so aqueles provocados pelas primeiras experincias, quando estas so realizadas ainda sem maiores reflexes e sem qualquer crtica. Alguns exemplos de obstculos pedaggicos so: 1. Conhecimento subjetivo, cotidiano. 2. A imposio utilitarista. 3. Conhecimento prvio e concepes alternativas. 4. No compreender por que o aluno no compreende. Se particularizarmos o conceito de obstculo epistemolgico, teremos a idia de noo obstculo e obstculos verbais, destacando-se: 1. Conhecimento popular, senso comum 2. A experimentao como explorao pitoresca 3. As metforas imediatas (sem reflexo) 4. A generalizao tambm imobiliza a razo 5. O uso de termos cotidianos impregnados de imagens subjetivas (Ex.: imagem virtual) 6. O perigo da erudio: retrica excessiva

43A superao dos obstculos deve ocorrer pelo movimento dialtico entre professor e aluno visando substituio de noes do cotidiano pelo conhecimento cientfico. Isso tem como implicao: O professor deve ter slido conhecimento cientfico. Nas palavras de Bachelard: Ter acesso cincia rejuvenescer espiritualmente, aceitar uma mudana brusca que ir contradizer o passado. (Bachelard, 1974) Pensamento cientfico Vrias vezes, nos diferentes trabalhos consagrados ao esprito cientfico, ns tentamos chamar a ateno dos filsofos para o carter decididamente especfico do pensamento e do trabalho da cincia moderna. Pareceu-nos cada vez mais evidente, no decorrer dos nossos estudos, que o esprito cientfico contemporneo no podia ser colocado em continuidade com o simples bom senso. (Bachelard, 1972, p.27, apud Wikipdia, 2008) Um esquema baseado em Bachelard proposto por Constana Marcondes Cesar (Cesar, 1989; apud Simes, 1999) para descrever o pensamento cientfico: 1. O conhecimento cientfico rompe e at mesmo se ope ao conhecimento comum, pois a tcnica nos dias atuais procura determinar aspectos do real que no so dados imediatos, mas resultados construdos pelo cientista. H uma descontinuidade absoluta entre o realismo sensvel e o racionalismo cientifico do pesquisador. A hiptese cientfica apresenta uma evoluo dialtica, ou seja, no linear, com rupturas. Em conseqncia, h um corte inevitvel entre o saber comum e o saber cientfico. 2. O conhecimento cientfico superao de obstculos epistemolgicos, que esto incrustados tanto no senso comum quanto na experincia cientfica. Se a opinio pensa mal, ao ser um conhecimento no questionado, h obstculos que abrangem a histria da cincia e da educao. 3. O conhecimento cientfico retificao de erros. Retificar regularizar, normalizar os enganos, desvios e fantasias infundadas. As idias cientficas no so resumo da experincia, mas programa de ao, refinamento, preciso e esclarecimento do material emprico. Seguir a constituio da cincia compreend-la como um saber aproximativo. A histria das retificaes cientficas a prpria histria dos sistemas cientficos. 4. O conhecimento cientfico um corracionalismo. Bachelard substitui o cogito cartesiano por um cogitamos: a verdade cientfica estabelecida pelo trabalho cooperativo e pela intersubjetividade cientfica. 5. O conhecimento cientfico um materialismo racional, crtico do materialismo ingnuo, que privilegia os dados imediatos da conscincia perceptiva, e do racionalismo puro, que privilegia o cogito em detrimento da experincia. Bachelard combina as contribuies dos dois plos do conhecimento, sujeito e objeto, afirmando que a realidade, qual o cientista tem acesso, um objeto construdo pela conscincia racional, a partir dos dados da experincia. 6. O conhecimento cientfico um surracionalismo, afirmao da atividade criadora da razo em face da atividade repetidora da memria. A busca cientfica orienta-se em

44direo ao futuro (criao e novidade) e no ao passado (memria e repetio). O conhecimento surracional rtmico, uma expanso conquistadora de novas dimenses do real e um retorno estratgico aos postos avanados do saber.

A filosofia do no Bachelard defende os cientistas no podem mais se valer de sistemas filosficos estreis. Nem podem aplicar sua atividade, eminentemente aberta e sujeita a retificaes constantes, uma filosofia finalista e fechada. As idias inconformistas esto contidas em sua "filosofia do no": a histria das idias no se faz por evoluo ou continusmo, mas por rupturas, revolues, "cortes epistemolgicos". Se a verdade "filha da discusso" a filosofia no pode esquecer-se de sua tarefa essencial: converterse numa "pedagogia cientfica", preocupada com os fundamentos e os requisitos indispensveis instaurao e ao desenvolvimento de um "novo esprito cientfico".

45Mapa conceitual da epistemologia de Bachelard

Figura 2 Um mapa conceitual da epistemologia de Bachelard

46Concluso Bachelard considerava que a cincia progride atravs da superao de obstculos epistemolgicos. Com contexto educacional, algo semelhante so os obstculos pedaggicos. A epistemologia que ele prope histrica e focada na dinmica das cincias, uma filosofia aberta compreenso de sua complexidade e transformaes. A inteno de Bachelard foi de mostrar que somente a cincia pode traar suas prprias fronteiras. E para o esprito cientfico, traar uma fronteira j ultrapass-la. A fronteira cientfica no um limite, mas uma zona de pensamentos ativos e um domnio de assimilao. Referncias Arriassecq, I.,Greca, I. M. (2006). Introduccin de la teora de la relatividad especial en el nivel medio/polimodal de enseanza: identificacin de teoremas - en - acto y determinacin de objetivos obstculo. Investigaes em Ensino de Cincias.Vol. 11, N. 2, agosto de 2006. Acessado em 12 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol11/n2/v11_n2_a3.htm. Bachelard, G. (1974). A filosofia do no. Civita, V. (Ed). Os Pensadores XXXVIII. So Paulo, Abril Cultural, p. 158-245. Bachelard, G. (1974). O novo esprito cientfico. Civita, V. (Ed). Os Pensadores XXXVIII. So Paulo, Abril Cultural, p. 247-337. Bachelard, G. (1972). Conhecimento comum e conhecimento cientfico. In: Tempo Brasileiro So Paulo, n. 28, p. 47-56, jan-mar 1972. Cesar, C. M. (1989). Bachelard: Cincia e Poesia. So Paulo: Edies Paulinas. Fontes, C. (s.d.) Navegando na Filosofia. Acessado em 01/03/2008. Disponvel em http://afilosofia.no.sapo.pt/10bachelard.htm. Melo, A. C. S. (2005). Contribuies da Epistemologia Histrica de Bachelard no Estudo da Evoluo dos Conceitos da ptica. Florianpolis, PPGECT/UFSC. Acessado em 28 de Fevereiro de 2008. Disponvel em http://www.ppgect.ufsc.br/dis/12/Dissert.pdf. Oliveira, C. G. M. Filosofia Contempornea: Bachelard, In: Filosofia Virtual. Acessado em 28 de Fevereiro de 2008. Disponvel em http://www.filosofiavirtual.pro.br/bachelard.htm Simes, R. L. M. (1999). A imaginao material segundo Bachelard. Rio de Janeiro, IFCH/UERJ. Acessado em 28 de Fevereiro de 2008, Disponvel em http://www.consciencia.org/bachelarddisreinerio.shtml Wikipdia (2008). Gastn Bachelard. Acessado em 2 de Maro de 2008, Disponvel em http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Gaston_Bachelard&oldid=8914695.

47Obras Consultadas Bachelard, G. (1998). A formao do esprito cientfico: contribuio para uma psicanlise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto. Greca, I. M. e Moreira, M. A. Obstculos representacionales mentales en el aprendizaje de Conceptos cunticos. Acessado em 28 de Fevereiro de 2008, Disponvel http://www.if.ufrgs.br/~moreira/obstaculosrepresentacionales.pdf

em

Massoni, N. T. (2005). Epistemologias do Sculo XX. Textos de apoio ao professor de fsica, v.16, n.3, 2005. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Moreira, M. A. (2006). Breve introduo s epistemologias de Popper, Kuhn, Lakatos, Laudan, Bachelard, Toulmin, Feyerabend e Maturna. Texto de apoio no. 27. Programa Internacional de Doctorado em Enseanza de las Ciencias. Porto Alegre: Instituto de Fsica da UFRGS. Trovon, A. (2008) Obstculos epistemolgicos e didticos. Especializao em Educao matemtica para os trs nveis de ensino. Departamento de Matemtica UFPR. Acessado em 1 de Maro de 2008, Disponvel em http://www.mat.ufpr.br/~trovon/cursos/especializacao2008/obstaculos.pdf.

489. A EPISTEMOLOGIA DE FEYERABEND

Introduo Paul Karl Feyerabend (1924-1994) nasceu em Viena (ustria) e faleceu em Genolier (Sua). Feyerabend viveu em diversos pases, destacando-se Inglaterra, Estados Unidos, Nova Zelndia, Itlia e Sua (Wikipdia, 2008). Seus principais livros foram Contra o mtodo (1975), Cincia numa sociedade livre (1978) e Retorno a razo (1987), mas escreveu diversos outros. Para Feyerabend, a cincia no pode ser resumida a um conjunto de regras fixas e imutveis. Segundo ele, existe em qualquer cientista elementos de irracionalidade, que devem ser admitidos conscientemente e que no so incompatveis com a cincia. Sob a influncia de Popper, Kuhn, Lakatos e outros, as idias de Feyerabend comearam a surgir quando ele era professor de Filosofia na Universidade da Califrnia em Berkeley e professor de Filosofia da Cincia no Instituto Federal de Tecnologia de Zrich. Foi pesquisador em Fsica, Astronomia e Matemtica. Sua formao como fsico e como filsofo foi completada durante seu perodo em Londres, porm o que foi decisivo para o desenvolvimento das idias foi o fato de ter tido uma prtica educativa em um meio multirracial e multicultural. Feyerabend afirmava que a idia de um mtodo fixo, de uma racionalidade rgida surge de uma viso de homem demasiado ingnua, e foi por isso que props um pluralismo metodolgico, onde deveramos buscar propostas alternativas. Uma proposta de vises, temperamentos e atitudes diferentes que produzam juzos e mtodos de aproximao diferentes e onde somente um princpio pode ser definido apesar de qualquer circunstncia: Tudo vale. Esses princpios foram apresentados em Contra o Mtodo a ampliados posteriormente em Adeus a Razo. No incio dos anos 1950 Feyerabend foi a Inglaterra estudar Filosofia da Cincia na London School of Economics, onde Popper era professor. Ele conhecera Popper em 1947 e assistiu ao curso que ele ministrava. Segundo relatos (Nickels, 1998), gostou das aulas de Popper. No final de 1953, recebeu o convite de Popper para ser seu assistente, mas recusou. Em 1955 obteve um posto de professor na Universidade de Bristol graas a indicao de Popper e Schrdinger. Seu amigo Imre Lakatos ironizava (Nickels, 1998) que Feyerabend talvez tenha sido o maior divulgador das idias de Popper e das idias racionalistas criticas

49Feyerabend foi para Universidade da Califrnia em Berkeley e de Zrich. No final dos anos 1970 mudou-se para Itlia e retirou-se da docncia, mantendo-se ativo da produo de livros e artigos. Faleceu no mesmo ano que Popper, 1994. O presente trabalho foi baseado na leitura do livro Contra o mtodo (Feyerabend, 2007). Pluralismo epistemolgico Em Contra o Mtodo, Feyerabend apresenta seu ataque aos esquemas metodolgicos e se ope a racionalidade cientifica como guia para pesquisa. Ele mostra que no existe nenhuma metodologia cientifica que no tenha sido atacada em algum momento da histria. Nas palavras de Feyerabend: A idia de um mtodo que contenha princpios firmes, imutveis e absolutamente obrigatrios para conduzir os negcios da cincia depara com considervel dificuldade quando confrontada com os resultados da pesquisa histrica. Descobrimos, ento, que no h uma nica regra, ainda que plausvel e solidamente fundada na epistemologia, que no seja violada em algum momento. (Feyerabend, 2007) Ele vai mais longe: A cincia um empreendimento essencialmente anrquico: o anarquismo terico mais humanitrio e mais apto a estimular o progresso do que suas alternativas que apregoam a lei e ordem. (ibid.) Feyerabend props um procedimento contra-indutivo, baseado na contradio sistemtica de teorias e resultados experimentais bem estabelecidos e no aumento do contedo emprico com a ajuda do princpio da proliferao. O cientista deveria ser heterodoxo e propor idias contrapostas. A idia seria buscar sistemas conceituais que choquem com os dados experimentais aceitos, O cientista usaria qualquer coisa para isso: heursticas exticas, concepes de mundo, disparates metafsicos, restos e fragmentos de teorias abandonadas, etc. No h nenhuma idia, por mais antiga e absurda, que no seja capaz de aperfeioar nosso conhecimento. Toda a histria do pensamento absorvida na cincia e utilizada para o aperfeioamento de cada teoria. E nem se rejeita a interferncia poltica. Talvez ela seja necessria para superar o chauvinismo da cincia que resiste a alternativa ao status quo. (ibid.)

Crtica ao racionalismo crtico de Popper O racionalismo crtico a base da epistemologia de Popper e consiste numa oposio firme ao positivismo lgico. Tambm mostra a oposio de Popper ao empirismo baseado na natureza e na experincia dos sentidos. Na pesquisa cientfica, o cientista usa o mtodo de eliminao do erro e de colocar a prova as hipteses. Feyerabend sustenta que a maior parte das pesquisas cientficas no teriam sido feitas se seguissem um mtodo racional. Sustenta que o anarquismo deve substituir o racionalismo e que o progresso intelectual s pode ser alcanado enfatizando a criatividade e o desejo dos cientistas do que o mtodo. Em seu ataque a metodologia de Popper, ele nega o princpio da refutao como

50via para a formao de teorias por considerar que impede o desenvolvimento da cincia, j que no permite o desenvolvimento de hipteses alternativas que no tenham sido produzidas da refutao de alguma teoria. Algumas palavras de Feyerabend deixam bem claras as suas idias: De acordo com nossos resultados atuais, praticamente nenhuma teoria consistente com os fatos. A exigncia de admitir apenas as teorias que sejam consistentes com os fatos disponveis e aceitos deixa-nos, mais uma vez, sem teoria alguma. (ibid.) O mtodo correto no deve conter nenhuma regra que nos faa escolher entre teorias com base no falseamento. (ibid) A condio de consistncia, que exige que hipteses novas estejam de acordo com teorias aceitas, desarrazoada, pois preserva a teoria mais antiga e no a melhor. Hipteses contradizendo teorias bem confirmadas proporcionam-nos evidncia que no pode ser obtida de nenhuma outra maneira. A proliferao de teorias benfica para a cincia, ao passo que a uniformidade prejudica seu poder crtico. A uniformidade tambm ameaa o livre desenvolvimento do indivduo. (ibid) Crtica do critrio de demarcao Ao combater o demarcacionismo, Feyerabend procurou aproximar o conhecimento cientfico de outras formas de conhecimento. A cincia, segundo ele, muito mais semelhante mitologia do que a epistemologia est disposta a reconhecer. Segundo ele, a cincia uma das formas de pensamento desenvolvidas pelo homem, no necessariamente a melhor. A cincia possui um completo sistema de crenas que so defendidos com unhas e dentes pelos cientistas. Mas, como j foi dito, se a cincia carece de um mtodo cientfico (pluralismo metodolgico), na prtica cientfica o progresso acontece devido a mtodos irracionais e nocientficos (Tudo Vale). De qualquer forma, o dogmatismo da cincia desempenha uma funo importante. Sem isso a cincia no existiria. A cincia no nem uma tradio isolada nem a melhor tradio que h, exceto para aqueles que se acostumaram a sua presena, seus benefcios e suas desvantagens. Em uma democracia, deveria ser separada do Estado exatamente como as igrejas ora esto separadas. (ibid.) Um americano pode escolher a religio, mas no pode exigir que seus filhos aprendam magia ao invs de cincia na escola. A histria nos mostra um excesso de racionalismo, principalmente em relao ao critrio de demarcao. Em numerosas ocasies a cincia adotou mtodos, conhecimentos e estratgias de saberes que eram considerados pseudocincias. Como exemplo, a Astronomia pegou idias do pitagorismo e a Medicina atual de idias da antiga medicina chinesa

51Mapa conceitual da epistemologia de Feyerabend

Figura 1 Um mapa conceitual da epistemologia de Feyerabend Concluso Combinando as anlises histricas com a idia de que a cincia no possui nenhum mtodo particular, podemos concluir que a separao entre cincia e no cincia artificial, alm de trazer prejuzo ao av