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Para reduzir números alarmantesde afogamentos no Brasil,prevenção é palavra de ordem

Para reduzir números alarmantesde afogamentos no Brasil,prevenção é palavra de ordem

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Reportagem de Sabrina Becker

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E, por que não entrar na água para se refrescar,já que é verão? Todos adotam a ideia e aproveitama ocasião. Brincadeiras e alegria fazem parte docenário, até que algo não sai conforme o esperado.Um dos jovens presentes no passeio se distanciaum pouco do grande grupo e percebe que já nãotoca o fundo do rio com os pés. Inicia aí umacena angustiante de afogamento. O irmão, toma-do pelo desespero de tentar ajudar, chega próximoda vítima e acaba vivenciando a mesma situação.Ao ver os dois filhos à beira da morte, o pai, exí-mio nadador e confiante na sua experiência, joga-se na direção dos jovens. Os três, movidos peloinstinto de sobrevivência, tentam agarrar uns nosoutros e acabam morrendo, juntos.

A cena descrita acima é fictícia, porém, muitocomum. Mais de 70% dos afogamentos commorte registrados no Brasil acontecem em águadoce, longe dos serviços especializados que sãoos responsáveis pelo salvamento aquático e busca.

DIFERENÇASAo citarmos este tipo de serviço, é importante

esclarecer as diferenças entre o resgate de vítimasubmersa e a busca de cadáver. David Szpilman,diretor médico e fundador da Sobrasa (Socieda-de Brasileira de Salvamento Aquático), explica –no Manual de Salvamento Aquático da entidade– que a linha que separa uma situação da outra sebaseia no tempo máximo de parada cardiorres-piratória da vítima. O especialista, que é referênciainternacional em salvamento aquático, aponta queo tempo limite de submersão com possibilidadede ressuscitação é de uma hora – registrado norelógio, já que em situações de forte estresse e-mocional esta contagem pode ser estimada de for-ma errada –, sendo este parâmetro adotado úni-ca e exclusivamente para casos de afogamentoou hipotermia, que possuem tolerância muitomaior quanto à falta de oxigênio. Após uma horade submersão, a vítima já é considerada corpoou cadáver. Neste caso, trata-se de busca ao cor-po, que não é tratada como urgência e o efetivode guarda-vidas é desativado, permanecendo umpequeno grupo no local para continuação dasbuscas. Vale lembrar que, geralmente, este traba-lho deve-se à evolução da vítima de submersãonão encontrada e que o guarda-vidas precisaráde maior apoio de equipamento e de uma equipede mergulho, pois a situação requer uma técnicamais apurada e aparelhagens que já se distanciamda atividade fim deste profissional.

Citando o socorrista especializado em ocorrên-

m acampamento em família à beira deum rio. Almoço bem servido, conversa,diversão, uma bebida para descontrair.

cias na água, é importante diferenciar, ainda,ambas nomenclaturas que recebe: salva-vidase guarda-vidas – esta segunda, a mais utilizadaatualmente. Em entrevista concedida à RevistaEmergência, em novembro de 2012, Szpil-man dissertou sobre este tema. “Antigamente,usávamos salva-vidas. No entanto, isto denotauma atitude reativa, ou seja, ele parte para sal-var. A nomenclatura mudou para guarda-vi-das, e não foi aqui no Brasil, foi lá fora, poisagora o profissional não salva apenas, masguarda a vida. Então, ele tem uma atitudeproativa e reativa. A palavra guarda-vidas de-nota uma amplitude maior de responsabilidadee de trabalho”, registrou. A palavra salva-vidas,porém, ainda é utilizada em alguns estados doBrasil, como Rio Grande do Sul e Bahia.

NÚMEROSO artigo “Afogamento – Perfil epidemiológi-

co no Brasil ano de 2010” (http://www.sobra-sa.org/biblioteca/obitos_2010/Perfil_afoga-mento_Brasil_2012.pdf), publicado por Szpil-man, em 2012, informa que, de acordo com aOMS (Organização Mundial de Saúde), 0,7%de todos os óbitos no mundo ocorrem porafogamento não intencional, totalizando maisde 500 mil óbitos anuais passíveis de preven-ção (8,5 óbitos/100 mil habitantes). No mes-mo contexto, mais de 10 milhões de criançasentre um e 14 anos são internadas por estacausa (uma a cada 35 hospitalizações leva aóbito). Estes números, porém, não são exatos,uma vez que deve-se considerar casos nãonotificados e sem confirmação de óbito.

No Brasil, em 2010, 6.590 pessoas morreramafogadas, sendo que esta foi a segunda causageral de óbitos na faixa entre cinco e nove anos,terceira entre um e 19 anos e quinta entre 20 e29 anos. Trata-se de uma constatação que nãoé motivo de orgulho, já que somos o país queocupa a terceira posição no ranking de mortespor afogamento. Nesta perspectiva, calcula-seque quatro crianças com idade até 14 anos mor-rem afogadas por dia no Brasil. Comparadoaos acidentes de trânsito, o risco de morte porexposição ao afogamento é 200 vezes maior.Além da questão que concerne o óbito, a per-da de vidas, esta estatística onera de forma con-tundente os cofres públicos. Os custos dos afo-gamentos na orla somam mais de 228 e 273milhões de dólares no Brasil e nos EUA, res-pectivamente. São números alarmantes parauma realidade cada vez mais presente. Porém,

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é possível eliminar em 100% este tipode ocorrência? Não. Mas, de acordo comSzpilman, os números podem ser redu-zidos drasticamente. “Afogamento nãoé acidente, não acontece por acaso, temprevenção, e esta é a melhor forma detratamento. Ela pode reduzir, em média,de 85% a 90% o número de afogamen-tos”, aponta.

PREVENÇÃOEste é um consenso entre especialistas

em resgate e salvamento aquático e so-corristas que atendem este tipo de ocor-rência: a prevenção é a única maneirade reduzir os óbitos por afogamento.“Nada substitui o trabalho do guarda-vidas. Porém, é impossível que este pro-fissional esteja em todos os lugares, poristo, o trabalho de prevenção deve sermuito forte”, destaca o presidente da So-brasa, coronel RR Joel Prates Pedroso.Ele destaca que o trabalho da entidadetem seus pilares fixados na prevenção,com o objetivo de diminuir a mortalida-de por afogamento, por meio da consci-entização de toda população em diferen-tes faixas etárias. “Para isto, contamoscom dirigentes da diretoria em 22 esta-dos”, diz. Para chegar a este objetivo, aSobrasa realiza inúmeras atividades du-rante todo o ano, eventos esportivos, re-creativos, culturais e educacionais, porintermédio dos serviços de salvamentoestaduais ou regionais, por todo Brasil.“Cada estado possui uma realidade. Al-guns têm praia durante o ano inteiro. Emoutros, a época de praia é sazonal. Ou-tros não contam com litoral, mas pos-suem praias de água doce, piscinas etc.Sendo assim, os estados se responsabili-zam pelo serviço de salvamento e é comeles que atuamos para implementar, cadavez mais, ações para a prevenção”, deta-lha Prates.

TÉCNICASAs técnicas para busca e resgate aquá-

tico variam de acordo com a situação ecom o local onde ocorrem. Entretanto,Szpilman enfatiza a preocupação emunificar os treinamentos a fim de for-necer todo o conhecimento necessárioaos guarda-vidas, onde quer que atuem.“Estamos voltados para a prevenção epara unir todos os profissionais no senti-do de termos uma grade curricular úni-ca, ou seja, para que o guarda-vidas queseja formado no Rio de Janeiro seja pare-

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cido com o do Rio Grande do Norte ecom o da Bahia. Então, temos uma gra-de curricular em que o guarda-vidas depiscina tem que fazer 52 horas/aula nasua formação; o guarda-vidas de rio, 90horas/aula e o guarda-vidas de praia, 110horas/aula. Existe uma diferença que éjustamente para o guarda-vidas de pisci-nas, pois sobre o mar, corrente, oceano-grafia, tempo, estes temas não precisamser ensinados”, reitera Szpilman.

De acordo com o “Manual de Salva-mento Aquático da Sociedade Brasilei-ra de Salvamento Aquático – Sobrasa”,uma vez que resgate de vítima submersae busca de cadáver são duas situaçõesdiferentes, as técnicas para quem atuanestas ocorrências também se diferem.A publicação aponta três ocasiões e astécnicas usadas no resgate de vítimassubmersas (veja Box Técnicas para Res-gate de Vítimas Submersas).

O manual informa, ainda, que a difi-culdade da busca de cadáver está emestabelecer um método que assegure quetodos os pontos próximos à área sejamobservados ou varridos. Um único pon-to sequer que fique fora pode, teorica-mente, ser o lugar onde o corpo será en-contrado. Existem vários métodos efi-

cientes de varredura que variam em fun-ção dos recursos disponíveis e das con-dições locais: visibilidade da água, cor-rente marinha, número de socorristas oumergulhadores disponíveis, tipo de fun-do, tamanho e formato da área de pes-quisa, etc. Entre estes, está a técnica de90°, a mais indicada para um guarda-vi-das, porém, depende da visibilidade daágua.

Existe também a varredura linear, fei-ta de maneira quadricular, na qual oguarda-vidas conta com o auxílio de umcabo de cerca de dois metros, quadro

por quadro, sem deixar nenhum pontode fora. Outra opção é a varredura cir-cular, a partir de um ponto fixo, poden-do ser realizada por uma ou duas pes-soas. Por último, a varredura pendular,que é feita em locais de forte corrente-za. Para qualquer destas técnicas, um kitbásico é necessário: nadadeiras, máscara,snorkel, corda, uma boia de marcação eum peso.

Com quase 20 anos de experiência emtreinamento de resgate, o especialista emFisiologia Humana e do Esforço, Ronal-do Furlan Tafuri, explica pontos impor-

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Sobrasa pretende unificaros treinamentos paraguarda-vidas

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Como prevenirAções educativas e de conscientização são as principais

ferramentas para reduzir números alarmantes de afogamentosPara prevenir o afogamento, um dos

pontos iniciais é trabalhar diretamentecom a população. Por isto, ações que for-neçam informação, que esclareçam e,principalmente, alertem para a iminênciado perigo de afogamentos, são essenci-ais. “O afogamento envolve, principal-mente, o comportamento do banhista.Em tese, todo espelho d’água é perigoso.Em São Paulo, temos afogamentos embaldes, vasos sanitários, entre outros. Ospaíses que conseguiram controlar estetipo de acidente, o fizeram principal-mente por meio da educação. Campa-nhas educativas são fundamentais. Obanhista, seja de praias, represas, rios oupiscinas, deve ser esclarecido sobre co-mo deve se comportar nestes locais”, éo que afirma o subcomandante do GBMar(Grupamento de Bombeiros Marítimo deSão Paulo), major PM Carlos EduardoSmicelato. Segundo ele, para evitar es-tas ocorrências, alguns itens são funda-mentais, como conhecer o local, saberonde nadar, onde não entrar, evitar bebi-das alcoólicas antes do banho de mar,ou rio, etc. “E, principalmente, só entrarem locais protegidos por guarda-vidas.Este profissional é a pessoa habilitadapara informar sobre a segurança dos lo-cais de banho, bem como para fazer osalvamento quando necessário”, comple-ta. “Precisamos impactar a população,fazê-la acreditar que o afogamento éuma possibilidade que atinge a todos.Eu acho que este é o ponto X da ques-tão. Só conseguiremos atuar realmente

impactando a população, como pelamídia, mostrando e alertando que acon-tece com qualquer um. Assim, ela sesensibiliza desta possibilidade e procu-ra conhecer melhor a prevenção”, de-fende David Szpilman, diretor médicoe fundador da Sobrasa.

O especialista em Fisiologia Humanae do Esforço, Ronaldo Furlan Tafuri, di-vide a mesma opinião. “Este é o grandeproblema, digo sempre: o Brasil não temcultura nem educação em segurança”,declara. Ele defende que a prevençãonão somente de afogamentos, mas co-

tantes. “Para ações no mar existem equi-pamentos diversos, como o cesto pararesgate com helicóptero, nadadeiras, RT(Rescue Tube), no Brasil conhecido comosalsichão de resgate, prancha de resga-te, além de equipamentos como Jet skie outras embarcações. Já nas piscinas,os equipamentos básicos e necessáriossão o RT e o throw bag, que no Brasil éconhecido como cabo da vida ou cabode lançamento e também o mais indica-do em água doce em geral”, informa.Tafuri alerta, ainda, para o uso de boiascirculares, que são colocadas pendura-

das ao redor de muitas piscinas em clu-bes para fazer o lançamento às vítimasque estejam correndo risco de afoga-mento. “Este lançamento deve ser feitocom a boia amarrada a uma corda, pas-sando para a vítima primeiramente agar-rar a corda e depois a boia”, avisa. “Ouso do RT e do throw bag com mano-bras treinadas em exaustão em piscinase mar levam a um resgate seguro paraambas as partes, sem muito desgaste doprofissional e sem trauma ou, pelo me-nos, minimizando possíveis traumaspara as vítimas”, conclui Tafuri.

mo um todo, deveria começar nas esco-las. “Com aulas de segurança, aciona-mentos dos sistemas locais de emergên-cia e primeiros socorros, com palestrase cursos nas comunidades, núcleos debairros ou subprefeituras e manter e am-pliar os treinamentos empresariais a to-dos, não somente à brigada. Desta for-ma, cobriríamos o município todo. Den-tro de cada casa teria pelo menos umapessoa com conhecimento de emergên-cia e noções de segurança, seja o filhopela escola, o pai ou a mãe pela empresa,os cuidadores, parentes ou moradoresvizinhos pelos núcleos de bairros. Istonão é novidade, há anos é realizado empaíses desenvolvidos”, completa, afir-mando ainda que a responsabilidadetambém é dos administradores munici-pais. “Se somarmos a estas ações boavontade dos poderes públicos em levan-tarem e cruzarem dados de acidentes emrepresas, lagoas, bairros, agressões físi-cas, idade das vítimas etc, teríamos comomapear o município e, a curto e médioprazo, inserir programas de segurançana sociedade de acordo com a realidadelocal”, diz o fisiologista.

Neste sentido, a Sobrasa atua enfatica-mente para que o conhecimento se mul-tiplique em todo o território nacional pormeio de cursos, ações e projetos realiza-dos periodicamente. Em cada encontroefetivado, são entregues panfletos infor-mativos sobre prevenção em todos oscenários como lago, rio, piscina, mar, em

CUIDADOS QUE PODEM AUXILIAR NAPREVENÇÃO DE AFOGAMENTOS

Contratar um guarda-vidas para festas emresidências com piscina;

Isolar a piscina, colocando grades ao redorcom, no mínimo, 1,5 metro de altura. Estainiciativa pode reduzir os afogamentos em50 a 70%;

Ensinar adultos e, principalmente, criançasa nadar. Apesar de parecer um pouco contro-verso para alguns, o ideal seria a partir dedois anos. Porém, existe natação para bebêscom seis meses, que ensina a flutuação etc;

Incentivar o uso de coletes salva-vidas paracrianças menores de cinco anos ou pessoassem conhecimento de natação. Não permitiro uso de objetos de flutuação, como boiasde braço, pranchas, pneus, bolas e outros;

Evitar deixar brinquedos próximos à piscina,isto atrai as crianças;

Desligar o filtro em caso de uso da piscina,pois diminui o risco de sucção;

Não permitir mergulhos de cabeça em locaisde profundidade menor que 1,8 m. Fixar aviso;

Não praticar hiperventilação para aumentaro fôlego sem supervisão confiável;

Evitar a ingestão de bebidas alcoólicas ealimentos pesados antes do banho de piscina;

Sair imediatamente da piscina se houverrelâmpagos;

Não permitir brincadeiras violentas que au-mentem o risco de trauma craniano e perdasúbita da consciência;

Evitar a hidrocussão ou choque térmico. Antesde entrar na água, molhar a face e a nuca.

Fontes: Sobrasa e Waltecir Lopes

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Reconhecer e regulamentar aprofissão de guarda-vidas aumentaráa segurança em áreas espelhadas

Gibi da Sobrasa

casa, além da reação de como tratar oafogado. Também oferece um adesivode geladeira que tem a função de fazer afamília absorver informação e não dei-xar a criança se afogar na piscina de casa.Também disponibiliza em seu site e per-fis em redes sociais, vídeos de prevençãode afogamento em praia e água doce.“Temos o Campeonato Brasileiro de Sal-vamento Aquático e Sul-Americano, emque reunimos, pelo menos, 16 estados,mais os países como Portugal, Espanha,Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela.Temos um curso de emergências aquáti-cas básico e um avançado. Básico paraleigos que querem fazer um curso me-nor, de cinco horas, gratuito, para ensi-nar como salvar e como não se afogar.Além disto, oferecemos outro curso queé o de emergências aquáticas avançado,para profissionais de saúde, em que oprograma é semelhante ao básico, só queconversamos um pouco sobre atendi-mento avançado, incluindo como entu-bar, como fazer a ressuscitação, quaissão as medidas, ou seja, todo o aparatonecessário para fazer o resgate avançadodeste afogado. Sendo um curso gratuitotambém”, afirma Szpilman.

Os corpos de bombeiros também ofe-recem palestras de conscientização erealizam projetos sociais, como o “Bom-beiro Mirim”, que busca apresentar ascrianças ao universo dos guarda-vidas,mostrando como é feito seu trabalho,além de passar informações importantessobre prevenção de afogamentos. Wal-tecir Lopes, conselheiro da Sobrasa, tra-balha com treinamentos nesta área há19 anos e afirma: “as mortes por afoga-mento podem ser prevenidas com açõeseducativas e corretivas”. Ele aponta que,

em primeiro lugar, é necessário que umadulto supervisione a criança 100% dotempo, já que as estatísticas mostram que89% dos afogamentos ocorrem por fal-ta de supervisão, principalmente na horado almoço ou logo após.

REGULAMENTAÇÃOA questão da regulamentação para o

serviço de guarda-vidas em piscinas éum tema controverso. No Brasil, atual-mente, existem legislações locais, queversam sobre a obrigatoriedade da pre-sença deste profissional em piscinas deuso público (hotel, academia, etc). Emâmbito estadual, o Rio de Janeiro tem oDecreto nº 4.447/81, de 14 de agostode 1981, Santa Catarina conta com a Leinº 11.339, de 8 de janeiro de 2000, e tam-bém existe a Lei nº 2.846, de 27 de maiode 1981, em São Paulo. Além disto, po-

demos citar a Lei Ordinária nº 8802, de20 de janeiro de 2011, no município deBelém, no Pará.

Entretanto, não existe legislação fede-ral sobre o tema, o que gera um cicloque apenas demanda mais regulamenta-ção. “Esta é uma área pouco exploradano Brasil. Como não há lei, pelo menosna maioria dos estados, que obrigue ater um guarda-vidas nas piscinas, isto fi-ca por conta de quem? De quem quiserbotar. Então, normalmente, hotéis cincoestrelas colocam porque isto é uma exi-gência de padrão de qualidade interna-cional, mas a formação dele não seguenenhum parâmetro como o guarda-vi-das de praia e isto dá uma qualidade mui-to desigual, infelizmente”, aponta Szpil-man. Ele exemplifica o caso do Rio deJaneiro, onde existe legislação que obrigaa presença de guarda-vidas nas piscinas,entretanto o preparo destes profissio-nais e as condições de trabalho não a-companham esta norma. Neste caso, se-gundo o especialista, a qualificação émuito difícil e a quantidade de piscinas,extensa, demandando a formação de umnúmero grande de socorristas. “Outradificuldade é o salário que é muito bai-xo. Diante disto, o nível e a quantidadedos interessados em seguir esta profis-são é muito pequena. No Rio de Janeironão acontece tanto, mas no resto do Bra-sil, onde não tem legislação, quem cui-da da piscina é quem limpa, quem arru-ma o vestiário, etc. Às vezes, até tem umatécnica porque procurou, às vezes não,mas não existe um padrão de qualifica-ção profissional que é fundamental.Assim, a pessoa atende o afogamentoporque está presente, mas não está pre-parada, não sabe muito bem o que fazer,então imagine a responsabilidade dela”,lamenta.

Pensando nestes e em outros proble-mas verificados durante sua atuação nosestados, a Sobrasa propôs, em 2003, umprojeto de lei para reconhecimento daprofissão de guarda-vidas em geral. De-pois de longa tramitação na Câmara, oPLC 66/2011 aguarda parecer da Co-missão de Assuntos Sociais do SenadoFederal. “A nossa proposta de aprovaçãodesta lei federal envolve o que é precisopara ser um guarda-vidas, quanto tempode treinamento é preciso, quem é o res-ponsável por este treinamento e quemdeve organizar este treinamento. Isto éfundamental”, comenta Szpilman. Quem

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acompanha de perto o andamento doPL é o tenente-coronel Márcio Morato,do Corpo de Bombeiros do Distrito Fe-deral. “Hoje, este serviço é desempenha-do pelo Corpo de Bombeiros e onde es-tas corporações estão não tem tanto pro-blema. Mas em locais que não contamcom este serviço, quem atende?”, ques-tiona, apontando o aumento da quali-dade e segurança deste serviço comofoco da necessidade de uma legislação

Cenários específicosAções dos guarda-vidas têm suas especificações de acordo

com cada estado, porém, com muitos aspectos comunsNo Brasil, os Corpos de Bombeiros

de cada estado são os responsáveis pe-las ações que envolvem resgate e salva-mento nas águas internas e nas praiasnum limite de até 20 milhas da costa.Além deste limite, é acionada a Marinhado Brasil, que por meio de Acordo Ope-racional, pode solicitar reforço da FAB(Força Aérea Brasileira) e de outrascorporações governamentais (Polícia,Bombeiros, Defesa Civil, etc). “O Siste-

ma de Busca e Salvamento Aeronáutico(SISSAR), constituído pela portaria1.162/GC3/05, prevê como sua finali-dade trazer de volta à segurança vítimasde acidentes aeronáuticos e marítimos.Assim sendo, a FAB participa de todasas emergências aeronáuticas e marítimasque tem conhecimento. Importante res-saltar que os casos de aeronaves em e-mergência sobre o mar são consideradasOperações SAR aeronáuticas e sob res-

que abranja todo o território nacional eque aponte especificações para a atuaçãodestes profissionais em diferentes locais,carga horária obrigatória também paraos diferentes fins, salário, funções, en-tre outras questões. “Nosso objetivo éo reconhecimento e a regulamentaçãoda profissão, para aumentar a segurançaem áreas espelhadas. Atualmente não éregulamentado. Portanto, é função, nãoprofissão”, afirma.

ponsabilidade direta dos SISSAR. Nocaso de emergências com navios, embar-cações, etc, a responsabilidade é do Ser-viço de Busca e Salvamento Marítimo(Salvamar), da Marinha do Brasil, que aseu critério aciona os recursos da FAB”,informa Silvio Monteiro Junior, pilotoe coordenador de Operações SAR.

Cada estado possui suas característi-cas, particularidades e sistemas. O Riode Janeiro, por exemplo, registra uma si-tuação diferenciada, já que o Comandode Bombeiros de Atividades de Salva-mentos Marítimos, atua de forma inin-terrupta. “Como aqui é verão o ano in-teiro, o treinamento ocorre durante todoo período. Sendo que no verão estas ins-truções ficam paradas por conta da utili-zação de todos os militares nas praiasda orla de todo o estado, de Paraty aCampos”, afirma o coronel Marcos Al-meida, comandante das atividades desalvamentos marítimos da corporação.

Desde então, o comando é o responsá-vel por traçar todas as determinações ediretrizes a serem executadas nas instru-ções tecnoprofissionais, como resgateno mar, aquisição de equipamentos, pri-meiros socorros, RCP, prevenção, orien-tação de banhistas, entre outras. Anual-

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No Rio de Janeiro, treinamentoocorre o ano inteiro

contratações, contamos com o apoio lo-gístico de empresas que nos auxiliam commateriais, etc”, detalha o subcomandantedo GBMar, major Carlos Smicelato. EmSão Paulo, a média anual de salvamentosrealizados é de 4.000 nas praias.

Uma das maiores operações realiza-das com foco na prevenção de afoga-mentos é a Operação Golfinho, no RioGrande do Sul. Realizada há 25 anos, ainiciativa abrange todo o litoral gaúcho,de norte a sul, além de toda a costa docebalneável. “Onde tem praia pública, temsalva-vidas”, afirma o tenente-coronelVinicius Correa, chefe de Estado Maiore comandante dos Socorros Públicos doCorpo de Bombeiros do RS. Para 2013,a estrutura disponível abrange 1.100 sal-va-vidas distribuídos em mais de 350guaritas em todo estado, 20 ambulânci-as, três helicópteros, barcos e motosaquáticas. Em 2012, a Operação Golfi-nho registrou 1.400 salvamentos. É umdos casos em que é trabalhada a pre-venção desde cedo, já que durante asatividades da operação, é realizado tam-bém o projeto ‘Salva-Vidas Mirim’, quetreina as crianças a orientarem os a-dultos. “É na infância que se tem edu-cação, onde se faz a mudança de com-portamento”, informa o comandante.

O diretor médico e fundador da So-brasa, David Szpilman, afirma que, atu-almente, o Brasil dispõe de todo o co-nhecimento nesta área, o que falta éespalhá-lo para todo o território. “Pu-blicação recente que fizemos mostra queo Brasil está em primeiro lugar”,mensura, referindo-se ao artigo “Afoga-mento: tragédia sem atenção” que pu-blicou no New England Journal of Medicineem 2012. Conforme Szpilman, o Brasilestá aumentando e especializando seuconhecimento na área para enfrentar arealidade dos afogamentos. Entretanto,é unânime entre especialistas a necessi-dade de duas ferramentas: prevenção eregulamentação. Prevenir os afo-gamentos é possível por meio de açõessimples - muitas que já vêm sendo reali-zadas, junto à sociedade - em busca daconscientização quanto ao risco iminen-te de ocorrências de afogamentos. Juntoa isto, a regulamentação da atuação dosguarda-vidas em território nacional jávem sendo discutida e buscada há anos.Por meio de legislação específica, o traba-lho destes profissionais terá a referênciae o respaldo de que tanto necessita.

mente é realizado o CSMar (Curso deSalvamento no Mar), com duração desete meses, que forma os militares dacorporação e os novos recrutas em guar-da-vidas. Sua estrutura conta com 19motos aquáticas e 25 botes infláveis deresgate, além de dez embarcações decombate a incêndio e salvamento e duasaeronaves. Isto tudo está disponível paraos quatro grupamentos marítimos e osquatro quartéis híbridos que atendem to-da orla do estado, empregando 1.050guarda-vidas. “Na orla do Estado do Riode Janeiro, em 2012, foram registrados17.154 salvamentos, com 25 óbitos”,quantifica Almeida.

Já o Estado do Pará, vive uma realida-de diferente. “Possuímos cerca de 200guarda-vidas especializados e 60 mergu-lhadores, além de 18 embarcações de di-versos portes para apoio nas ocorrênci-as no meio aquático, em todo o estado.Porém, a maioria dos recursos huma-nos especializados estão no Grupamen-to Marítimo Fluvial, localizado na Re-gião Metropolitana de Belém, que ficaencarregado das maiores demandas de

busca e resgate em todo o estado”, infor-ma o major Silva Junior, da Brigada Mi-litar do Pará.

MAIS ESTRUTURASEm São Paulo, o Corpo de Bombeiros

da PMESP tem uma grande estruturaatuante na proteção a banhistas. “No li-toral, temos uma unidade especializadana prevenção e salvamento no mar, oGBMar (Grupamento de BombeirosMarítimo). Na Capital, temos tambémum Posto Aquático no 4º Grupamentode Bombeiros, que é formado por guar-da-vidas especializados na proteção aosbanhistas nas represas de Guarapirangae de Bilings. Ao longo do interior doestado, durante o verão, em algumas re-presas, o Corpo de Bombeiros designaefetivos para o trabalho de proteção aosbanhistas. No litoral, o GBMar, possuium efetivo de 600 guarda-vidas o ano to-do, sendo reforçado no verão. Este ano,380 guarda-vidas temporários foram con-tratados pelas prefeituras e 500 guarda-vidas por tempo determinado, contrata-dos pelo Estado de São Paulo. Além das

FATORES DE RISCO PARA O AFOGAMENTO:

Fonte: Artigo Afogamento: tragédia sem atenção, deDavid Szpilman, Anthony Handley e James Orlowski,publicado no New England Journal of Medicine, em 2012.

Sexo masculino;

Idade inferior a 14 anos;

Consumo de álcool;

Baixa renda familiar;

Baixo nível educacional;

Residência rural;

Maior exposição ao meio aquático;

Comportamento de risco;

Falta de supervisão.

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