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    FACULDADE SAGRADA FAMLIA

    THAS HELENA MARTINS SPINELLI

    CIGANOS: A Etnografia dos inis!"is#$

    PONTA GROSSA%&'(

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    THAS HELENA MARTINS SPINELLI

    CIGANOS: A Etnografia dos inis!"is#$

    Trabalho de Concluso de Cursoapresentado a Faculdade SagradaFamlia FASF para obteno dottulo de licenciada em CinciasSociais.

    Orientadora: s. Aila !illela "ol#an.

    PONTA GROSSA%&'(

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    THAS HELENA MARTINS SPINELLI

    CIGANOS: A Etnografia dos inis!"is#$

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado para obteno do ttulo de

    licenciado em Cincias Sociais na Faculdade Sagrada Famlia FASF.

    $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$

    Orientadora

    $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$

    embro %&

    $$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$

    embro %'

    (ata da apresentao: $$$)$$$)'%&*

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    D"di)o "st" tra*a+,o a todos os a-igos )iganos

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo primeiramente a (eus+ pela ,-+ sade e disposio e a todos /ue+

    direta ou indiretamente contriburam para este trabalho.

    0 ,amlia+ /ue me apoiou em todas as decis1es desde o momento /ue optei em

    reali#ar mais um curso superior. 2specialmente ao 3uliano+ meu esposo+ /ue

    este4e ao meu lado com pacincia e apoio necess5rio. Agradeo

    especialmente a minha ,ilha 2loah /ue pacientemente compreendeu todas as

    4e#es em /ue ,alei: 6A mame est5 estudando78.

    Aos pais+ /ue souberam comemorar as con/uistas+ mas tamb-m escutar as

    /uei9as e aconselha4am a no desistir do meu obeti4o+ e principalmente

    cuidaram da 2loah em todos os momentos de minha ausncia.

    Aos pro,essores+ Adrian Clarindo+ Ana ;aula Al4es+ (aniela eorgiane >. ?. ;leim+ >ismo C. da Sil4a+ 3oseli To#etto+ 3uliano . (eitos+

    . @osso+ ui#a B. de Arao+ arcelo ;u#io+ ;ablo Ornelas+ ;riscila .

    Tribec= e @odrigo >. Sonni /ue colaboraram para minha ,ormao. inha

    imensa admirao e respeito ;ro,essora Francisca 3lia pelo incenti4o. Ao

    pro,essor 3os- >aldino por aceitar ,a#er parte da arguio deste trabalho.

    A ;ro,essora Aila !illela "ol#an pela pacincia+ dedicao e ateno+ /ue at-

    mesmo em seus momentos pessoais mais di,ceis no mediu es,oros para

    DdesE orientar esse trabalho.

    Aos colegas de turma+ em especial a Sheila Frana /ue durante os trs anos

    de curso ou4iu minhas /uei9as e me orientou. 0 3uliane "arbosa /ue anima4a

    minhas noites com um sorriso encantador.

    Aos amigos con/uistados durante a etapa de pes/uisa. Agradeo Caro ara e

    Adriana artins+ anoel @. Florindo e ao ;ro,essor 24erson+ por conselhos e

    incenti4os.

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    Ciganos+ descendentes ciganos e pessoas /ue acreditaram e con,iaram no

    meu trabalho.

    A Cl5udio o4ano4itch+ admir54el por sua luta incessante em ,a4or da causa

    cigana+ seu po4o7

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    6Amar - 4i4ermos em comunidade+- repartir o po+ nossas alegrias e at- nossas a,li1es.

    G no abandonar nossos irmos /uando precisam.G nunca negar o ombro amigo+ a mo ,orte e o incenti4o 4ida8.

    ;receitos da sabedoria cigana.

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    RESUMO

    2sta etnogra,ia - sobre os ciganos Calon /ue 4i4em atualmente em ;onta>rossa H ;@. O obeti4o - retratar uma populao heterognea /ue+ apesar denumerosa+ - praticamente desconhecida pelo pblico e raramente e9posta

    Dainda mais de ,orma positi4aE na grande mdia. ;rocurouHse analisar asdi,iculdades da comunidade e dar 4o# a essas pessoas+ a ,im de demonstraruma relao e9istente entre ciganos e no ciganos /ue ainda esbarra na ,altade in,orma1es a respeito da cultura deste grupo -tnico. ;ara tanto+ ,oiselecionada uma bibliogra,ia amparada em Florncia Ferrari+ Frans oonen e@odrigo Tei9eira para discutir o modo de 4ida cigano e Fredri= "arth /uepossibilita conceituar as ,ronteiras e9istentes entre cigano e no cigano.Pa+aras.),a": 2tnocentrismoI ciganosI ,ronteiras -tnicas.

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    A/STRACT

    This proect is an ethnographical studJ about a gipsJ communitJ currentlJ li4ing inthe citJ o, ;onta >rossa ;@. The aim o, this Kor= is to portraJing aheterogeneous population. Although large the communitJ is 4irtuallJ un=noKn bJ

    the general public and rarelJ e9posed Dpositi4elJE in the mainstream media. t Kasalso tried to analJ#e the communitJLs di,,iculties and gi4e them 4oice in order todemonstrate the relationship betKeen gipsJ and nonHgipsJ Khere the maoritJ o,people ha4e no in,ormation about their culture+ on the contrarJ+ most o, them ha4e amisconception about this ethnic group. The re4ision o, literature o, this Kor= isbased on Florncia Ferrari+ Frans oonen and @odrigo Tei9eira to discuss thegJpsiesL KaJ o, li,e and Fredri= "arth Kho alloKs conceptuali#ing the boundariesbetKeen gJpsJ and non gJpsJ population.0"12ords:2thnocentrismI >JpsiesI 2thnical "oundaries.

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    LISTA DE IMAGENS

    I-ag"- &' apa da (i5spora Cigana '3I-ag"- &% oradia Cigana %3

    I-ag"- &4 apa dos acampamentos ciganos no"rasil

    44

    I-ag"- &5 Tabela de acampamentos ciganos por

    2stados no "rasil

    45

    I-ag"- &( apa da locali#ao do Acampamento

    H Bsina Copel

    46

    I-ag"- &7 !ista e9terna do acampamento Car5H

    car5

    55

    I-ag"- &6 Organi#ao e9terna das barracas 55

    I-ag"- &3 Organi#ao interna da barraca 55I-ag"- &8 Co#inha cigana 5(I-ag"- '& Organi#ao dom-stica das barracas 5(I-ag"- '' Organi#ao dos utenslios dom-sticos 57I-ag"- '% !estimentas H Cl5udio o4ano4itch e

    sua esposa

    (7

    I-ag"- '4 "andeira Cigana (3

    SUM9RIO

    ' INTRODU;O &8% TRAAMO MO "@AS %'4 CIGANOS EM PONTA GROSSA 4&

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    4$' (2SC@PO (O CA;O 4%4$'$

    '

    O >o?so " o )igano 46

    4$'$

    %

    O s"ntido do >o?so >ara os )iganos 43

    4$'$

    4

    A organi@aBo do >o?so 5&

    4$'$

    5

    A organi@aBo das *arra)as 5%

    4$'$

    (

    R"+a"s d" tra*a+,o 53

    4$'$

    7

    A "s)o+aridad" " a a+fa*"ti@aBo (&

    4$'$6

    Co-?nidad" " fa-!+ia (4

    5 CONSIDERAES FINAIS 7&REFERNCIAS 74

    ' INTRODU;O

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    O conte9to histQrico dos ciganos no "rasil abre a possibilidade de

    compreender como tais po4os esto organi#ados+ a ,im de preser4ar suas

    ra#es -tnicas e culturais+ e /ue entre os ciganos ainda perdura uma condio

    de parcial 6ine9istncia8& diante ao poder pblico e a sociedade em geral: sto

    nos remete a ideia de /ue+ embora esteam presentes em nossa sociedade+

    no so notados+ ou melhor+ no so 4istos com bons olhos+ 5 /ue no se

    en/uadram nos padr1es comportamentais capitalistas de nossa sociedade+

    portanto+ so e9cludos'.

    Mo Rmbito poltico+ a populao cigana te4e seu reconhecimento atra4-s

    da Secretaria de ;olticas de ;romoo da gualdade @acialH S2;;@);@ e os

    princpios da ;oltica Macional de (esen4ol4imento Sustent54el dos ;o4os e

    Comunidades Tradicionais ;M;CT+ instituda pelo (ecreto .%% de %U de

    ,e4ereiro de '%%U. Toda4ia ,oi a partir de '%&' /ue se intensi,icou o di5logo

    com o >o4erno Federal para o atendimento s demandas e especi,icidades

    dos po4os de cultura cigana+ mesmo assim+ permanecem em uma condio de

    4isibilidade estereotipada e deturpada.

    O obeto de estudo ,oi em especial os grupos da subdi4iso Calon+ na

    cidade de ;onta >rossa ;@+ tendo como obeti4o principal compreender as

    ,ormas de organi#ao -tnicas dos po4os ciganos e as suas caractersticas+

    sendo eles nVmades e habitantes de barracas.

    Foram locali#ados durante o perodo de pes/uisa de#embro de '%&W a

    abril de '%&* H /uatro acampamentos ciganos em ;onta >rossa ;@. O

    primeiro che,iado por seu 24eraldo ,ica4a no "airro Santa Vnica em ,rente

    2scola unicipal Sebastio Sil4a+ o segundo no mesmo bairro sQ /ue nas

    1 O poder pblico reconhece os po4os ciganos+ portanto+ no - uma condio de ine9istncia

    total e sim parcial. Toda4ia o reconhecimento ainda - muito incipiente 4isto /ue+ no - de ,atoposto em pr5tica+ e9emplo+ em dia 'X de maro de '%&'+ ocorreu uma reunio entrerepresentantes do inist-rio da Cultura H inC+ nstituto do ;atrimVnio ?istQrico e ArtsticoMacional H ;?AM+ inist-rio do (esen4ol4imento Social H (S+ Secretaria de ;olticas ;araulheres H S;+ inist-rio da 2ducao H 2C+ inist-rio da Sade H S e do ConselhoMacional de ;romoo da gualdade @acial H CM;@ em /ue ,oi decidida a reali#ao de uma;len5ria >o4ernamental 6;olticas ;blicas e os ;o4os de Cultura Cigana8+ no dia '* de maiode '%&'+ no @io de 3aneiro. A reali#ao nessa data tinha por obeti4o incluir a ati4idade decelebrao do (ia Macional dos Ciganos ' de maio+ institudo pelo (ecreto de '* de maiode '%%. (ata desconhecida da maioria dos brasileiros+ o /ue demonstra /ue - umreconhecimento no papel.

    2 O conceito de e9cluso denota /ue os po4os ciganos so 4istos pela sociedade+ toda4ia so

    por ela e9cludos. ;or-m+ o ttulo desse trabalho e9pressa o sentimento 4i4enciado por taispo4os e demonstrados no decorrer desta etnogra,ia.

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    pro9imidades da Bsina de Transmisso de 2nergia pertencente CO;2

    DCompanhia ;aranaense de 2nergia 2l-trica do ;aran5E e - o mais relatado

    neste trabalho+ de4ido condio ,i9a dos acampados.

    O terceiro ,ica4a nas adacncias do bairro Car5HCar5+ prQ9imos a

    @odo4ia de acesso a ;almeira ;@ che,iado por seu 2ste4o e o /uarto+ /ue

    4erdadeiramente ,oi o primeiro a ser contado+ ,ica4a no bairro "orato+ na/uele

    momento comandado por (ona aria Sophia+ mas neste reali#ouHse uma

    nica 4isita+ melhor retratado nas considera1es ,inais.

    Sendo assim+ no se procurou apenas elementos culturais para de,inir

    este po4o+ mas sim um olhar mais atento+ com 6lentes ampliadas8 DA@AA+

    &XXWE para as conunturas /ue os prQprios indi4duos selecionam e manuseiam

    como componentes do processo de identi,icao -tnica sea este pela autoH

    atribuio ou pela atribuio alheia+ mas /ue so 6sinais diacrticos8 D"A@T?+

    &XXI CA@(OSO (2 O!2@A+ &XUI CBM?A+ &XYE.

    ;ara tanto+ reali#ouHse uma pes/uisa bibliogr5,ica a ,im de entender

    /uem seriam os po4os ciganos+ e posteriormente empreendeuHse uma

    pes/uisa de campo buscando a locali#ao dos ciganos na cidade de ;onta

    >rossa.

    Ao longo dos anos ,oram criados estereQtipos em torno dos ciganos e

    ,a#Hse necess5rio a desconstruo dos mesmos+ 5 /ue lhes so atribudos

    alguns adeti4os+ tais como adeptos da 4adiagem+ desonestos+ 4igaristas+

    4alentes+ ladr1es... G indispens54el destacar /ue tais estigmas sociais

    negati4os permanecem di,undidos no imagin5rio da populao+ e so utili#ados

    para de,iniHlos.

    (e tal modo+ mesmo con4i4endo de acordo com as pr5ticas de

    sociabilidade e boa 4i#inhana+ os habitantes do bairro Santa Vnica em ;onta>rossa);@ H local de nosso estudo continuam reprodu#indo uma cadeia de

    representa1es negati4as+ as /uais so robustecidas todas as ocasi1es em

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    /ue as a1es ciganas so a4aliadas como des4iantes W do padro e modelo

    institudos como dignos.

    ;ortanto+ os ciganos so obser4ados de modo peorati4o+ compondo

    uma ameaa sociedade. ;or isso+ procuram organi#arHse como grupo -tnico

    correspondendo s /uest1es econVmicas e polticas do presente+ no apenas

    como uma organi#ao de ancestralidade+ mas com a de,esa e o discurso de

    igualdade de direitos perante os residentes locais.

    G de suma importRncia /ue a sociedade conhea e compreenda o modo

    como os ciganos construram sua etnicidade+ ou sea+ como tais indi4duos

    comp1em um grupamento humano baseado em laos culturais compartilhados

    e onde o mais importante - a crena em uma origem comum. 2sta - resultante

    de ,atores construdos historicamente como ancestralidade comum+ a

    linguagem+ religiosidade+ organi#ao social+ entre outros /ue legitimam

    determinada realidade e modo de 4ida socialmente construdo.

    Sendo assim+ o conceito de 2tnicidade- muito prQ9imo ao conceito de

    dentidade+ entretanto optaHse por etnicidade 4isto /ue denota um sentimento

    de pertena e9clusi4a a determinado grupo social: com isso+ trans,ormando a

    4iso habitual /ue se tem dos ciganos+ tendo como princpio as declara1es

    ,eitas pela antropQloga Florncia Ferrari em suas sugest1es para de,inir um

    campo em Antropologia: 6G preciso li4rarHse de nossas pressuposi1es+ no

    reprodu#ir nossos modelos+ tratar de no 4er no campo analogias de nossas

    ,ormas de organi#ao8 DF2@@A@+ '%%+ p. %'E.

    3A /uesto das normas sociais - e9tremamente importante+ pois a compreenso da di,erena- alcanada olhando para o comum+ obser4ando o /ue - consenso e a partir da 4er+ /ue o /ueescapa desse consenso normati4o - reeitado+ tratado como des4iante. >ilberto !elho+antropQlogo brasileiro+ retrata uma ,orma de antropologia social urbana+ assim ele propVs /ue odes4io ,osse entendido a partir da relao entre pessoas /ue acusam outros por estarem

    /uebrando 4alores e limites de uma dada situao sociocultural. Messe sentido+ o 6des4iante8seria a/uele /ue so#inho ou em grupo+ no se ade/ua s normas 4igentes e aceitas pelamaioria dos indi4duos de uma determinada sociedade. As contribui1es deste saber aoproblema dos des4iantes+ so no sentido de relati4i#ar as abordagens carregadas depreconceito e intolerRncias.

    4(esde &X%+ debates acerca dos estudos etnolQgicos 4em sendo ,re/uentes+ de4ido smuitas re4indica1es polticas no mundo /ue se apresentam como -tnicas. Meste sentido+ aetnicidade colabora para a construo do 2tnocentrismo+ do /ual do encontro de uma culturacom outra decorre+ a a4aliao recproca como um ulgamento de 4alor da cultura do outroobser4ado a partir da cultura do 6eu8+ despre#andoHse 4alores+ conhecimentos+ artes+ crenas+,ormas de comunicao+ t-cnicas+ etc+ de ,orma a criar uma resistncia e at- mesmo umahostilidade entre grupos etnicamente di,erentes /ue habitam um mesmo espao. (enotado por

    um sentimento de superioridade diante as di,erentes culturas onde se ,orma a identidade-tnica.

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    2ssa lente implica na obser4ao da realidade. !oltados aos acordos+

    4alores e conceitos /ue temos amoldados pelo ambiente em /ue nos

    colocamos. (esta ,orma+ pro4-m obrigao de relati4i#ar o /ue conhecemos+

    para nos disponibili#ar a compreender o outro.

    A etnicidade dos ciganos - estabelecida a partir de uma constante

    articulao entre presente e passado. ogo+ sempre /ue precisam a,irmar sua

    condio -tnica se 4oltam ao passado e e4ocam a ,igura dos seus ancestrais.

    Outro ,ator importante - a crena em uma procedncia comum /ue institui um

    elemento da etnicidade cigana+ e ser4e como respaldo e legitimao do grupo

    -tnico+ de modo a nortear suas a1es contemporRneas.

    ;ortanto+ constituem o /ue Fredri= "arth D&XXE e4idencia como 6,ormas

    de organi#ao social em popula1es cuos membros se identi,icam e so

    identi,icados como tais pelos outros8 Dapud ;OBT>MAT 2 ST@2FFHF2MA@T+

    &XXY+ p. &&E.

    ;or conseguinte+ a etnicidade estaria relacionada com a organi#ao

    dos grupos -tnicos+ e as ,ronteiras entre grupos di,erentes seriam mantidas

    apesar da mo4imentao e intercRmbio entre eles+ al-m do mais a etnicidade

    delimita a posio do grupo nas di4ersas rela1es+ baseadas em estatutos

    -tnicos como a,irma a seguir:

    As distin1es -tnicas no dependem de uma ausncia de interaosocial e aceitao+ mas so+ muito ao contr5rio+ ,re/uentemente asprQprias ,unda1es sobre as /uais so le4antados os sistemas sociaisenglobantes. D"A@T?+ &XXY+ p. &YE.

    Assim+ 4eremos no captulo W+ na 4iso do prQprio cigano+ atra4-s de

    trechos de con4ersas registradas em caderno de campo da pes/uisadora+ o

    que o ser cigano+ o /ue e9pressa s distin1es -tnicas ciganas.

    A maneira de identi,icar a si e aos outros pode ser e9pressa pela

    condio de oposio+ ou sea+ como um mecanismo de asse4erao da

    identidade -tnica nos /uais os indi4duos regem suas a1es amparadas na

    con,iana de uma origem comum+ /ue pode ser legtima ou ,antasiosa. as

    /ue garante a 4alidade da identidade rei4indicada e a ideia de um 6nQs coleti4o8

    D"A@T? &XXE+ bem como permite constituir distin1es+ ,ormando o /ue

    entendemos por fronteiras tnicase constituem a separao entre o nQs e o

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    eles+ isto -+ entre ciganos e no ciganos+ compondo uma relao entre

    6estabelecidos e outsiders8 D2AS Z SCOTSOM+ '%%%E.

    2sta relao - e4idenciada nos aspectos da 4ida dos ciganos e dos no

    ciganos. G analisada pelas disparidades 4eri,icadas entre ambos+ 5 /ue os

    habitantes do bairro Santa Vnica consideramHse 6superiores8 aos ciganos por

    habitar em casas endereo e emprego ,i9o H e negamHse a manter contato

    com os ciganos e9atamente por serem nVmades+ outsiders. (a mesma ,orma+

    os ciganos estabelecem uma separao D,ronteiraE entre eles os estabelecidos+

    habitantes do bairro+ onde as caractersticas /ue procedem da organi#ao

    social entre os dois decorrem da ,orma de con,igurao pro4eniente dessa

    fronteira entre ambos.

    A metodologia est5 embasada na cincia antropolQgica com respaldo em

    Fredri= "arth D&XXE /ue trabalha as rela1es entre grupos sociais e o territQrio+

    segundo a perspecti4a cultural. ;rimeiramente estabeleceuHse em ati4idades

    relacionadas ao le4antamento de in,orma1es em ,ontes bibliogr5,icas e

    leituras cl5ssicas re,erentes corrente teQricoHmetodolQgica escolhida.

    Meste sentido+ optouHse por Florncia Ferrari D'%%'E+ Frans oonen

    D'%%YE e @odrigo Tei9eira D'%%YE+ considerandoHse /ue os trs possuem uma

    linguagem parecida no distanciada uma da outra+ seguindo uma mesma

    lQgica de pensamento /ue no tenta ,lorear a histQria do po4o cigano no "rasil+

    nem tenta minimi#ar os problemas por eles en,rentados. Toda4ia+ os trs

    procuram ob4iamente segundo a metodologia de pes/uisa de cada autor+

    esclarecer ,atos e elucidar conceitos ,ormulados sobre a etnia cigana de modo

    a desmiti,ic5Hlos.

    Optamos pelo m-todo etnogr5,ico por se re,erir an5lise descriti4a de

    culturas humanas /ue se concentra em estudar 4aria1es culturais de 5reasespec,icas ou grupos tradicionais.

    A pes/uisa etnogr5,ica - uma descrio densa D>22@T[+ '%%YE um

    m-todo de in4estigao em /ue se aprende o modo de 4ida de uma unidade

    social concreta+ atra4-s da descrio e da reconstruo analtica de car5ter

    interpretati4o da cultura+ das ,ormas de 4ida+ e da estrutura social do grupo

    in4estigado+ onde o pes/uisador DetnQgra,oE esbarra em uma multiplicidade de

    estruturas conceituais comple9as+ algumas sobrepostas ou entrelaadas entresi. 2struturas /ue so ao mesmo tempo irregulares+ estranhas e no e9plcitas.

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    ;ortanto+ - um trabalho de obser4ao+ do /ual - poss4el compreender

    a cultura obser4ada a partir de sua prQpria lQgica+ tendo como resultado a

    interao entre o pes/uisador e seus obetos de estudos.

    @ecorremos obser4ao participante+ compreendida a partir das

    de,ini1es de @oberto Cardoso de Oli4eira em sua obra O trabalho do

    antroplogo: Olhar, ouvir, escreverD'%%%E.

    O autor nos permite ir a campo com a certe#a de /ue para se reali#ar a

    pes/uisa etnogr5,ica - preciso ser coerente com o olhar+ o ou4ir e o escre4er+

    5 /ue os trs so passos essenciais para o desen4ol4imento etnogr5,ico.

    Segundo o antropQlogo+ 6O olhar por si sQ no seria su,iciente8

    DCA@(OSO (2 O!2@A+ '%%%+ p. '&E. G preciso um olhar cauteloso7 O

    segundo passo - o ou4ir atentamente+ pois+ 6ganha em /ualidade e altera uma

    relao+ /ual estrada de mo nica+ em uma outra de mo dupla+ portanto+ uma

    4erdadeira interao8 DCA@(OSO (2 O!2@A+ '%%%+ p. 'E.

    ;or-m+ para /ue uma obser4ao participante se reali#e plenamente -

    imprescind4el /ue o pes/uisador assuma um papel ,rente sociedade

    obser4ada+ 4iabili#ada por meio de sua aceitao por parte dos membros da

    sociedade em estudo+ desembocando no terceiro passo /ue Cardoso de

    Oli4eira de,ine como escre4er. (o /ual+ o caderno de campose di,erencia do

    te9to ,inal:

    \...] os atos de olhar e de ou4ir so+ a rigor+ ,un1es de um gnero deobser4ao muito peculiar H isto -+ peculiar antropologia H+ por meioda /ual o pes/uisador busca interpretar H ou compreender H asociedade e a cultura do outro 6de dentro8+ em sua 4erdadeirainterioridade. Ao tentar penetrar em ,ormas de 4ida /ue lhe soestranhas+ a 4i4ncia /ue delas passa a ter cumpre uma ,unoestrat-gica no ato de elaborao do te9to+ uma 4e# /ue essa 4i4ncia

    H sQ assegurada pela obser4ao participante 6estando l58 H passa aser e4ocada durante toda a interpretao do material etnogr5,ico.D'%%%+ p. WE.

    Assim+ o /ue se pretende - obter respostas sem ,a#er perguntas: utili#ar

    do m-todo etnogr5,ico aliado histQria de 4ida por meio do ou4ir com

    con4ersas in,ormais gra4adas ou no+ mas sempre registradas em caderno de

    campo+ na obser4ao de situa1es cotidianas+ com o obeti4o de se

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    reconstruir as traetQrias e tradi1es* ciganas para compreender as suas

    implica1es identit5rias e as ,ormas de apropriao do espao.

    CompreendeHse a obser4ao participante+ como uma metodologia de

    pes/uisa+ necessariamente no participati4a como ato em si+ mas do

    obser4ador aceito pelo grupo pes/uisado e /ue est5 in locoe pode e9plicitar o

    /ue Cardoso de Oli4eira D'%%%E delibera como sendo o trabalho do

    antropQlogo+ bem como outros estudiosos das cincias humanas.

    O 2studo ,oi organi#ado primeiramente com a traetQria histQrica do po4o

    cigano at- sua chegada ao "rasil+ posteriormente com a bibliogra,ia

    orientadora deste trabalho. Tamb-m+ ,oram pes/uisados os ciganos em ;onta

    >rossa+ com a descrio metodolQgica do campo de pes/uisa e sua an5lise.

    Finali#aHse com a resposta ao obeti4o principal+ desmisti,icadora dos

    estereQtipos 5 mencionados e na busca de elucidar a partir da etnogra,ia a

    importRncia /ue as Cincias Sociais assumem ao obser4ar o 6outro8 apartado

    do etnocentrismo+ ou pr-Hconceitos+ amparados por Cardoso de Oli4eira:

    Tal4e# a primeira e9perincia do pes/uisador de campo H ou nocampo H estea na domesticao teQrica de seu olhar \...] Sea /ual ,oresse obeto+ ele no escapa de ser apreendido pelo es/uema

    conceitual da disciplina ,ormadora de nossa maneira de 4er arealidade H ,unciona como uma esp-cie de prisma por meio do /ual arealidade obser4ada so,re um processo de re,rao \...] G certo /ueisso no - e9clusi4o do olhar+ uma 4e# /ue est5 presente em todoprocesso de conhecimento. Dp. &X+ '%%%E.

    ogo+ o autor denota /ue o etnQlogo ao reali#ar seu trabalho de campo+

    precisa ter uma percepo do obeto ao /ual dirige seu olhar. O obeto so,re

    modi,ica1es pela prQpria leitura do pes/uisador+ da mesma maneira /ue o

    pes/uisador modi,ica seu olhar no decorrer do trabalho. sto ser5 demonstrado

    no decorrer deste trabalhoI as trans,orma1es da pes/uisadora sero

    apresentadas nas considera1es ,inais.

    5 2ric ?obsbaKn esclarece na obra 6A in4eno das Tradi1es8 o conceito de tradio.Argumenta /ue as tradi1es so in4entadas por elites nacionais para usti,icar a e9istncia eimportRncia de suas respecti4as na1es. 2le prop1e a classi,icao conceitual em trscategorias superpostas: &E as /ue estabelecem ou simboli#am a coeso social ou as condi1esde admisso de um grupo ou de comunidades reais ou arti,iciaisI 'E as /ue legitimam

    institui1es+ status+ ou relao de autoridade e WE a/uelas cuo propQsito principal - asociali#ao+ a inculcao de ideias+ sistemas de 4alores e padr1es de comportamento.

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    % TRA

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    ;arece /ue los gitanos J gitanas solamente nacieron en el mundopara ser ladrones: nacen de padres ladrones+ cranse con ladrones+estudian para ladrones J+ ,inalmente+ salen con ser ladronescorrientes J molientes a todo ruedoI J la gana del hurtar J el hurtarson en ellos como acidentes inseparables+ /ue no se /uitan sino conla muerte. DC2@!AMT2S+ '%%&+ p. WE.

    2sta era a 4iso sobre os ciganos e pouco mudou+ a histQria continua

    relegandoHos a um papel secund5rio+ no e9istindo muitos dados e9atos dos

    ciganos no "rasil+ at- pelo preconceito /ue h5 com esse grupo. Segundo a

    bibliogra,ia abordada+ os escritores e historiadores condu#iam seus estudos de

    modo a tratar o po4o cigano de ,orma in,erior+ por e9emplo+ alguns li4ros da

    literatura nacional+ especialmente Memrias de um Sargento de Milcias,

    escrito em &Y** por anuel AntVnio de Almeida.(escri1es de dicion5rios da lngua portuguesa tamb-m corroboram

    para essa construo social /ue identi,ica tal po4o da seguinte ,orma: 6Cigano:

    indi4duo de um po4o nVmade+ tal4e# da ^ndia+ /ue 4i4e principalmente de

    artesanatoI relati4o aos ciganosI nVmade+ errante+ astuto+ ladino8. DAO@A+

    '%%X+ p. &*E.

    35 em uma descrio mais completa pelo dicion5rio e9i=on+ obser4aHse

    /ue e9iste certo cuidado em e9plic5Hlos+ contudo+ ainda mant-m adeti4os /ue

    e9pressam rela1es peorati4as e /ue esto presente no imagin5rio social.

    ndi4duo dos ciganos+ po4o nVmade pro4eniente origin5rio da ^ndia+presente em 45rios pases+ com cultura+ -tica e comportamentoprQprios+ e conhecido especialmente por se dedicar a msica e adana+ a pr5tica de artesanato+ /uiromancia+ com-rcio de ca4alos+etc. indi4duo bomio de 4ida incerta \por 4e#es com uso peorati4o]negociante esperto+ 4i4o+ esperto nos negQcios+ enganador bomio+/ue no tem 4ida e h5bitos bem estabelecidos+ /ue ,a# barganha e -apegado ao dinheiroI so4ina+ procede com astcia+ sem destino e

    trapaceiro DAB2T2+ '%&&+ p. WW&E

    ;ensar a descrio ,eita por dicion5rios nos permitiu compreender o

    /uanto 4alores peorati4os sobre ciganos so rati,icados por tais descri1es.

    sto nos impeliu a analisar o conte9to histQrico dos ciganos no "rasil e nos

    abriu a possibilidade de compreender como tais po4os esto organi#ados+ a ,im

    de preser4ar suas ra#es -tnicas e culturais.

    @ecorreuHse busca de uma literatura /ue ,alasse sobre os po4os

    ciganos e encontrouHse um 4asto material bibliogr5,ico+ contudo no de ,orma

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    contundente+ logo+ pouco acadmica+ en4ol4idas com a /uesto do misticismo

    e as /uest1es esot-ricas /ue permeiam os po4os ciganos.

    A pes/uisa sobre estes po4os ainda - muito recente no pas+ portanto de

    pouca con,iabilidade+ ora por ser e9agerada em conceitos e estereQtipos do

    /ue - ser cigano+ ora por ma9imi#ar o ser cigano sem muitos cuidados

    acadmicos.

    SentiuHse a necessidade de ou4iHlos e entendHlos. _ual o signi,icado do

    ser cigano` Como o grupo est5 organi#ado` Como se mantm e conser4am

    tradi1es` Aspectos 4ariados /ue se re,erem a um po4o heterogneo+ o /ue

    demanda ele4ada ateno+ por tratarHse de uma cultura di,erente+

    historicamente margem da sociedade.

    Frans oonen+ antropQlogo ,undador do M2;2 DMcleo de 2studos e

    pes/uisas e sobre 2tnicidadeE da Bni4ersidade Federal de ;ernambuco H

    BF;2+ ,oi especialista em an5lise ciganolQgicas+ e e9plica como se estabelece

    o campo de pes/uisa sobre ciganos no "rasil.

    Mo "rasil+ /uem pretender estudar ciganos en,renta logo um enormeproblema: A ,alta de bibliogra,ia. Mas li4rarias encontrar5 /uasesomente bibliogra,ia esot-rica. uitas bibliotecas uni4ersit5rias no

    possuem um nico li4ro sobre ciganos. 2ncontrar uma li4raria oubiblioteca com bibliogra,ia cigana em lnguas estrangeiras - maisdi,cil ainda. A situao melhorou com a chegada da internet+ na /ualpodem ser encontrados li4rarias e sebos /ue possibilitam a comprade bibliogra,ia nacional ou estrangeira. Apesar de tudo+ a produociganolQgica brasileira ainda - muito redu#ida+ embora esteaaumentando nos ltimos anos. DOOM2M+ '%&'+ p. %&E.

    (iante a tal declarao buscouHse estas 6poucas produ1es

    ciganolQgicas8 DOOM2M+ '%&'+ p. %&E+ encontrouHse um nmero signi,icati4o

    de publica1es. Contudo+ elegeramHse trs autores como principais para

    embasar esta pes/uisa. 2ntendeuHse tais autores como pes/uisadores de

    carreira acadmica /ue melhor retratam o mundo cigano. So eles: Florncia

    Ferrari D'%&%E+ @odrigo Tei9eira D'%%YE e Frans oonen D'%&'E.

    A partir destes le4antamentos comeouHse a entrelaar conhecimentos

    teQricos a respeito destes po4os e percebeuHse /ue com obeti4os

    di,erenciados os trs autores acima citados+ traam uma mesma linha de

    6 CiganolQgico termo utili#ado por Frans oonen para designar literaturas /ue se re,erem aos

    estudos sobre os po4os ciganos no "rasil e na 2uropa+ em seu trabalho 6Anticiganismo epolticas na 2uropa no "rasil8+ de '%&W.

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    pensamento+ utili#am de dados /ue reconstroem a traetQria cigana desde a

    migrao para o "rasil+ at- as suas origens.

    oonen D'%&'E se re,ere s polticas pblicas em ,a4or destes grupos+

    Ferrari D'%&%E e9plica as rela1es culturais entre ciganos e no ciganos e

    Tei9eira D'%%YE ,a# a an5lise da histQria do po4o cigano no "rasil. Todos esses

    ,atores podem ser considerados importantes para a compreenso inicial destes

    po4os.

    A pes/uisa bibliogr5,ica propiciou identi,icar /ue os ciganos so grupos

    origin5rios da ^ndia+ de onde saram em contnuas ondas migratQrias a partir do

    S-culo N+ di4ididos em dois ramos migratQrios: a ;-rsia e o mp-rio "i#antino

    de onde se subdi4idiram. Segundo oonen D'%&'E+ no incio do S-culo N!

    migraram tamb-m para a 2uropa Ocidental.

    As sucessi4as migra1es e os descasos com os /uais estes grupos

    eram tratados ser4iram para di,erenci5Hlos entre eles mesmos+ pois no se

    en/uadra4am em um amplo grupo -tnico+ chamado cigano+ mas subdi4idemHse

    em outros tantos como ,risa Frans oonen:

    &. Os @om+ ou @oma+ /ue ,alam a lngua @omaniI so di4ididos em45rios subHgrupos+ com denomina1es prQprias+ como os

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    2ntre todos os grupos estudados a maior bibliogra,ia - a respeito dos

    ciganos da subdi4iso om. sto por/ue+ segundo oonen+ estes ciganos+

    costumam considerarHse a si prQprios como: 6ciganos autnticos e nobres8

    D'%&'+ p.%E+ e classi,icar as outras subdi4is1es como 6ciganos esprios8L.

    DOOM2M+ '%&'+ p.%E.

    Meste sentido+ optouHse por compreender /uem seriam os ciganos

    !n"o aut#nticos$e como estes conser4am sua cultura e tradio. 35 /ue /uase

    a totalidade dos estudos ciganos trata de ciganos om+ e praticamente nada se

    sabe dos outros grupos+ em especial os Calon+ obeto de nossa an5lise. Agora+

    iniciaHse o es,oro em compreender /uem so e de onde 4ieram+ mas

    principalmente /ual a importRncia imputada a tais grupos no cen5rio nacional

    ou no.

    Ao chegarem a 2uropa Ocidental+ no incio do S-culo N!+ os ciganos

    ainda poderiam ser identi,icados atra4-s da aparncia ,sica+ sendo a

    caracterstica mais marcante a pele escura. ?oe isto 5 no - mais poss4elI

    apesar+ da ideologia da endogamia+ costume social /ue prescre4e o matrimVnio

    entre indi4duos do mesmo grupo social+ casamentos com no ciganos sempre

    ocorreram+ de modo /ue os ciganos ,isicamente no se distinguem da

    populao no cigana+ como e9p1e Tei9eira D'%%YE em seu estudo.

    2mbora a pes/uisa no ,aa uma re,erncia /uesto racial+

    compreendida como um conceito - importante salientar o /ue oonen di#

    6ciganos racialmente puros hoe no e9istem mais em canto algum do mundo+

    e nunca e9istiram+ por/ue nunca e9istiu uma 6ra%a cigana88. DOOM2M+ '%&'+

    p. %UE. ;ortanto -+ imposs4el identi,ic5Hlos atra4-s de caractersticas ,sicas

    peculiares ou estabelecer crit-rios biolQgicos de 6ciganidade8 U DOOM2M+

    '%&'+ p. %E. 2les so pass4eis de serem identi,icados por sua etnicidade.Meste conte9to+ classi,ic5Hlos por suas caractersticas culturais e9Qticas+

    4is4eis e9ternamente+ tamb-m no ser4em para identi,icar os ciganos. O

    simples ,ato de /ue eles no possuem+ e pro4a4elmente nunca ti4eram uma

    cultura nica.

    ;ara tanto+ amparaHse no conceito de etnicidade proposto por Fredri=

    "arth D&XXE /ue+ na opinio de ;outignat e Strei,,HFenart:

    7 Termo utili#ado por Frans oonen para designar o pertencimento -tnico do grupo cigano.

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    Substituiu uma concepo est5tica da identidade -tnica por umaconcepo dinRmica. 2le \"arth] entendeu muito bem e ,a# entender/ue essa identidade+ como /ual/uer outra identidade coleti4a Deassim tamb-m a identidade pessoal de cada umE+ - construda e

    trans,ormada na interao de grupos sociais atra4-s de processos dee9cluso e incluso /ue estabelecem limites entre tais grupos+de,inindo os /ue integram ou no \...] Os traos /ue le4amos emconta no so a soma das di,erenas 6obeti4as8 mas unicamentea/ueles /ue os prQprios atores consideram como signi,icati4os.D&XXY+ p. &&E.

    Meste sentido a etnicidade no - um conunto atemporal+ inalter54el de

    linhas culturais+ seam elas regras de conduta+ crenas+ smbolos+ 4alores+ ritos+

    linguagem+ cQdigos de polide#+ pr5ticas culin5rias ou de 4estimentas entre

    outras+ transmitidos igualmente de gerao para gerao. as ela promo4ea1es e rea1es entre um grupo e os outros dentro de uma organi#ao social.

    oonen D'%&'E utili#a da de,inio dada por Acton D&XUE+ do /ual

    cigano - 6toda pessoa /ue sinceramente se identi,ica como tal8 DACTOM apud

    OOM2M+ '%&'+ p. %XE. 2sta certamente no - uma de,inio su,iciente+ 5 /ue

    a identidade -tnica e9ige tamb-m /ue o grupo /ue se autodeclara como um

    grupo -tnico reconhea o sueito como membro.

    sto torna a /uesto problem5tica 5 /ue para obter essereconhecimento+ - preciso uma de,inio de determinados grupos

    en4ol4idos: sendo necess5rio ser reconhecido pelos prQprios ciganos+ pelas

    institui1es+ pelo prQprio 2stado e pela sociedade ci4il segundo os prQprios

    ciganos. ;or este moti4o cada 4e# mais grupos de ciganos 6esclarecidos8+

    segundo Cl5udio o4ano4itch+ buscam 6estabelecerHse em organi#a1es no

    go4ernamentais DOM>E ou Associa1es de preser4ao da cultura cigana+

    como a A;@2CH;@8. D;alestra em ;ira do Sul+ '%&E.

    Toda4ia+ cada uma dessas es,eras: Cigano+ 2stado e Sociedade Ci4il+

    possui opini1es e de,ini1es di,erentes sobre /uem - ou no - cigano. 2 como

    no e9iste uma literatura espec,ica+ 5 /ue - um campo em construo+ buscaH

    se amparo nas de,ini1es antropolQgicas dadas aos po4os indgenas no "rasil

    para poder traar um caminho seguro de identi,icao -tnica para o po4o

    cigano.

    oonen identi,ica o cigano da seguinte ,orma:

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    \...] de,inimos a/ui cigano como cada indi4duo /ue se consideramembro de um grupo -tnico /ue se autoHidenti,ica como @om+ Sintiou Calon+ ou um de seus inmeros subHgrupos+ e - por elereconhecido como membro. O tamanho deste grupo no importaIpode ser at- um grupo pe/ueno composto de uma nica ,amliae9tensaI pode tamb-m ser um grupo composto por milhares de

    ciganos. Mem importa se este grupo mant-m reais ou supostastradi1es ciganas+ se ainda ,ala ,luentemente uma lngua cigana+ ouse seus membros tm caractersticas ,sicas supostamente ciganas.DOOM2M+ '%&'+ p. %XE.

    Os ciganos om+ Sinti e Calonpossuem inmeras autodenomina1es+

    ,alam centenas de dialetos e tm os mais 4ariados costumes e 4alores

    culturais+ po4os de ri/ue#a cultural+ so di,erentes uns dos outros+ mas nem

    por isso so superiores ou in,eriores uns aos outros.

    esmo os grupos mais isolados geogra,icamente acabaram so,rendoalguma ,uso no contato com outros grupos. 2sse conceito decultura como raa sQ ser5 superado apQs a Segunda >uerra undial+cuas causas tinham como pressuposto a /uesto da pure#a-tnica D!2@AS Z (2 "@TO+ p. &%X+ '%&'E.

    Todos os ciganos tm apenas uma coisa em comum: uma longa ?istQria

    de Qdio+ de perseguio+ de discriminao pelos no ciganos+ em todos

    os pases por onde passaram+ desde o seu aparecimento na 2uropa Ocidental+

    no incio do S-culo N!.

    '.& COMT2NTO C>AMO MO "@AS

    Os primeiros ciganos /ue desembarcaram no "rasil 4ieram oriundos de

    ;ortugal. Mo 4ieram por li4re 4ontade+ mas banidos de ;ortugal. Foi o /ue

    ocorreu com 3oo de Torres+ em &*U+ /ue segundo consta na bibliogra,ia

    estudada+ ,ora condenado a cumprir uma sano criminal cuos trabalhos eram

    ,orados e a disposio do go4erno+ tendo como punio a sua 4inda e de sua

    ,amlia por um perodo de cinco anos ao "rasil. Os autores mencionados no

    e9plicam com clare#a o moti4o real da punio+ entretanto no a,irmam se ,oi

    banido simplesmente pelo ,ato de ser cigano.

    ;or este moti4o+ 3oo de Torres continuamente - mencionado como o

    primeiro cigano a 4ir ao "rasil DF2@@A@+ '%%'E+ DT2N2@A+ '%%YE+

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    DOOM2M+ '%&'E. Mo entanto+ no - poss4el saber se ele 4erdadeiramente

    embarcou+ ou se chegou ao pas.

    2ntretanto+ oonen D'%&'E en,ati#a /ue a 4inda dos ciganos para

    o "rasil+ te4e incio aparentemente a partir de &Y. Segundo a bibliogra,ia

    le4antada por Ferrari D'%%'E+ Tei9eira D'%%YE e oonen D'%&'E e9istem dois

    documentos portugueses de &Y /ue con,irmam a 4inda de ciganos

    deportados para o "rasil. Contudo+ h5 um consenso no entendimento de /ue

    ,oram en4iados ao "rasil+ mas /ue de4eriam ser remetidos a Angola+ como cita

    um documento de &U'W obtido por Tei9eira D'%%YE e disposto em ,orma de

    ane9o em seu estudo &istria dos ciganos do 'rasil.

    ;ortanto 2l @eJ M. Sr. ,oJ ser4ido e9terminar de todo o seo @n o aosciganos+ mandando os embarcar para as praas deste "rasil comordem a todos os >o4ernadores+ para /. in,alli4elmente osremetessem para Angolla+ e /ue por nenhum caso consentissem /.,icassem no continente desta Am-rica+ por ser hua gente muitopreudicial aos seos po4os por/ue no 4i4em se no dos roubos /.,asem+ cometendo e9acrandos insultos+ e por/ue pelo descuido /uehou4e em algua das praas da arinha 4ieram para estas inas4artas ,amilias de ciganos+ onde podem ,a#er maJores roubos /. emoutra nenhua parte+ e por /ue esta de4em ser in,alli4elmente pre#os+e remetidos para o @io de 3aneiro para dahJ se transportarem paraAngolla+ por/ue sQ desta ,orma se continuar5 o grande sossego em

    /ue se acha todo este pai#+ onde se no e9perimento roubos+ o /uein,alli4elmente ha4er5+ se nelle se consentirem ciganos+ e por logo /.ti4e noticias delles mandeJ prender todos /uantos entraro pellataubira e remettelos para o @io de 3aneJro+ e me tem chegado anoticia /ue dous dos taes ciganos ,ogiram do caminho...(ado nesta !illa @ica &* de 3ulho de &U'W. O Secretro+ anoel deA,,onseca de A#e4edo o escre4i. (om oureno de AlmeJda.FOMT2: "ando de &* de 3ulho de &U'W. DT2N2@A+ '%%Y+ p. UUE.

    Segundo Ferrari D'%&%E+ Tei9eira D'%%YE+ oonen D'%&'E+ os ciganos+

    comearam a ser deportados em massa para o "rasil+ mais precisamente para

    o aranho+ /ue ,oi escolhida pela Coroa ;ortuguesa para a deportao+ pois

    assim+ 6os ciganos estariam bastante a,astados das 5reas brasileiras de

    minerao e agricultura+ e longe dos principais portos da ColVnia+ do @io de

    3aneiro Sal4ador8 DT2N2@A+ '%%Y+ p. &E.

    Al-m disso+ espera4aHse /ue os ciganos pudessem ocupar as terras do

    serto nordestino+ onde habita4am apenas os ndios+ e 6a Coroa pre,eria os

    ciganos aos ndios+ por mais /ue ,ossem perigosos8. DS!2@A F?O+ '%&W+

    p. &E.

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    Outros documentos so citados por Ferrari D'%&%E+ Tei9eira D'%%YE+ e

    oonen D'%&'E: um documento de &U'W+ de !ila @ica Dhoe Ouro ;retoE in,orma

    /ue por in,ortnio ,oram en4iados as inas >erais 45rias ,amlias de ciganos.

    2ste mesmo documento determina /ue todos os ciganos e ,amiliares ,ossem

    presos e remetidos ao @io de 3aneiro. Bma 4e# /ue tudo de ruim /ue

    acontecesse pro4inha de origem cigana e /ual/uer cidado poderia prendHlos+

    entreg5Hlos s autoridades competentes+ e se poss4el apropriarHse de todos os

    bens /ue pertencessem a tais sueitos.

    oonen em uma de suas obras sob o ttulo (nticiganismo no 'rasil

    D'%&'E+ cita dois estudiosos do tema cigano no "rasil+ um deles: (ornas Filho

    D&XYE e o outro Oli4eira China D&XWE. Frans oonen di# /ue os dois

    pes/uisadores demonstraram /ue todos os documentos por eles estudados e

    /ue se relaciona4am a populao cigana+ usualmente eram medidas contr5rias

    a estas popula1es. ;ois os ciganos ,oram considerados preudiciais ao

    desen4ol4imento de /ual/uer lugar onde esti4essem 6por/ue anda4am com

    ogos e outras mais perturba1es8 DS!2@A F?O+ '%&W+ p. '%E. ogo+ todos

    os documentos busca4am mantHlos em mo4imento+ isto - a conhecidapoltica

    do dei)ar passar.

    Assim+ inas >erais e9pulsa seus ciganos para So ;aulo+ /ue ose9pulsa para o @io de 3aneiro+ /ue os e9pulsa para o 2sprito Santo+/ue os e9pulsa para a "ahia+ de onde so e9pulsos para inas>erais+ e assim se segue. Ou sea+ o melhor lugar para osciganos sempre - no bairro+ no municpio ou no 2stado 4i#inhoI ouento no pas 4i#inho ou num pas bem distante. DOOM2M+ '%&'+ p.&E.

    Segundo o antropQlogo Frans oonen D'%&'E o pes/uisador Oli4eira

    China D&XWE ,e# um trabalho com cerca de /uarenta p5ginas em sua obra: !Osciganos do 'rasil$+ no /ual aborda cada 2stado do pas+ em busca de /uest1es

    pertinentes ao entendimento de /uem eram estes po4os. FundamentandoHse

    em notici5rios de ornais e em in,orma1es de populares.

    Segundo Ferrari D'%&%E+ Oli4eira China D&XWE busca4a reunir subsdios

    histQricos+ etnogr5,icos e lingusticos sobre ciganos no "rasil com o claro

    propQsito de compro4ar a presena de ciganos desde o e9tremo sul D@SE at- o

    e9tremo norte do "rasil D@ME.

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    oonen D'%&'E esclarece /ue no estudo de Oli4eira China D&XWE as

    notcias constantemente parecem ser e9tradas das ,olhas policiais+ onde

    ciganos so apresentados como ladr1es+ 4elhacos+ criminosos+ entre outros.

    Mo entanto+ as ciganas so apresentadas como trambi/ueiras e bru9as /ue

    ludibriam a populao com a pr5tica da /uiromanciaY+ e com roubos.

    Como conta Frans oonen D'%&'E+ h5 documentos datados do s-culo

    N!+ /ue relatam a1es e pris1es agressi4as contra os ciganos. oonen

    a,irma tamb-m /ue embora alguns desses bandidos+ mal,eitores e assassinos

    pudessem ser ciganos+ a grande parte deles no era. SQ /ue+ nessa -poca+ se

    algo ruim acontecesse em determinada regio+ e hou4esse ciganos por perto+

    5 se sabia em /uem botar a culpa+ nada muito di,erente dos dias de hoe+

    como ser5 apresentado na se/uncia.

    Mo incio do s-culo NN+ os ciganos chegaram ao @io de

    3aneiro+ con,orme assinalam documentos de historiadores da -poca+

    mencionados por Ferrari D'%%'E e por oonen D'%&WE. 2 ali passaram a se

    en4ol4er com o com-rcio de escra4os. Os ciganos compra4am esses escra4os

    em lotes grandes+ de ricos tra,icantes da regio+ e re4endiam a particulares

    como e9plica Ferrari D'%%'E.

    Outros grupos de ciganos instalados no 2stado+ segundo conta Tei9eira

    D'%%YE+ tinham os homens e9ercendo ,un1es de caldeireiros+ ,erreiros+

    latoeiros e ouri4es+ e as mulheres re#a4am de /uebranto e reali#a4am a

    /uiromancia.

    Todas essas descri1es corroboram com o discurso de seu Cl5udio

    o4ano4itch ao e9plicar o nomadismoXcomo a 5 conhecida 6poltica do dei)ar

    passar8. 2sclarece como os ciganos eram e so tratados:

    2ntender o outro+ se colocar no lugar do outro+ conhecer o outro -,undamental. 2u 4ou ,alar do dia a dia do po4o cigano para /ue 4ocsentendam como 4i4em+ por/ue so nVmades e essas coisas todas...O nomadismo 4eio h5 muito tempo. A poltica do ,aaHo caminhar...Cigano bom - cigano longe de mim7 2 se todo mundo pensandoassim... G cigano longe de todo mundo7 2 ai incorporaram durante%%% mil anos essa /uesto do nomadismo7 2 isso migra pela/uesto econVmica... 2nto+ e9istem rotas habituais. A/ui no 2stadodo ;aran5 tem 45rias cidades onde normalmente se encontra cigano.

    8 _uiromancia se re,ere a pr5tica de leitura de mos reali#adas por ciganas.

    9 Momadismo - o modo pelo /ual o cigano tendeiro 4i4e+ sem ,i9ar pouso.

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    2 por/ue nas cidades pe/uenas` ;or/ue nas grandes no tem muitolugar+ normalmente andamos com '%+ W% barracas de &%% m+ e dano tem um espao pblico ou uma coisa assim+ para /ue parem.

    Os homens om+ con,orme assinala Tei9eira D'%%YE+ eram sedent5rios+

    apenas as mulheres desen4ol4iam determinadas ati4idades+ /ue no caso eram

    a 4enda de artigos de artesanato e a leitura de mos. ;or-m+ no /ue tangia a

    habitao+ Calone omeram iguais: casas sem moblia+ mas com abundRncia

    de tapetes 4elhos e acolchoados+ como ilustra a imagem %'.

    I-ag"- &%: Moradia )igana$ Font"

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    en4iesados+ distorcidos pela 4iso etnocntrica&% dos in,ormantes e dos

    prQprios historiadores.

    Ma realidade+ os documentos 6contam mais sobre os preconceitos dos

    no ciganos do /ue sobre a ?istQria dos Ciganos no "rasil8 DOOM2M+ '%&'+

    p.&*E+ /ue continua praticamente incQgnita. _uase todos os brasileiros ignoram

    /ue 5 ti4eram um 6presidente descendente de ciganos+ o ;residente 3uscelino

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    pro4ocando estranhe#a por seus modos culturais e de 4ida. 2 /ue nQs

    entendemos como ,ator de etnicidade deste grupo.

    A etnicidade+ com um signi,icado puramente social+ re,ereHse s pr5ticas

    e s 4is1es culturais dos Calon/ue os distingue dos outros como a lngua+

    histQria ou linhagem+ religio+ estilos de roupas+ adornos e h5bitos. Mo

    pressup1e nada inato+ trataHse de um ,enVmeno puramente social+ produ#ido e

    reprodu#ido ao longo do tempo+ onde atra4-s da sociali#ao o indi4duo

    assimila os modos de 4ida+ regras e crenas de suas comunidades.

    @essaltaHse /ue a etnicidade pode ser central para a identidade do

    indi4duo e do grupo o,erecendo uma linha de continuidade com o passado+

    mantida 4i4a atra4-s das pr5ticas das tradi1es culturais+ no sendo est5tica

    nem imut54el+ mas 4ari54el e adapt54el.

    Tei9eira D'%%YE a,irma /ue os ciganos residem em condi1es muito

    problem5ticas+ e /uase sempre prec5rias agra4adas pelas pr5ticas anticiganas+

    das /uais como demonstrado+ desde sempre+ eles so ,orados a retirarHse das

    cidades ou a 4i4er nas suas peri,erias.

    Obser4aHse /ue eles amais ti4eram boas condi1es de 4ida tendo /ue

    adaptarHse 4ida na sociedade no cigana e so,rendo do /ue Tei9eira D'%%YE

    considera como uma descaracteri+a%"o cultural5 /ue ,oram perdendo traos

    culturais DdesaparecidosE medida /ue precisa4am se adaptar a 4ida

    sedent5ria. Toda4ia a con4i4ncia com outras culturas tamb-m os ,e# dar

    no4os signi,icados a prQpria cultura

    ;ouco se conhece sobre os ciganos do "rasil+ pois no e9istem

    elementos precisos de an5lise a respeito da sua demogra,ia e condi1es de

    4ida. Ma 4erdade+ h5 muitas crendices e e9pectati4as negati4as sobre esse

    grupo. G imprescind4el conhecHlos melhor a ,im de apro,undar oconhecimento sobre as rela1es entre esta parcela -tnica /ue comp1e o

    territQrio brasileiro e a sociedade em geral.

    Os ciganos so a minoria -tnica mais 4ulner54el discriminao+ deacordo com agncias internacionais. Considerados hQspedesindeseados em di,erentes pases e continentes+ os ciganoscon4i4em secularmente com o preconceito+ a estigmati#ao e ae9cluso social+ sobretudo por sua recalcitrante mobilidade e por seumodo de 4ida particular. Apesar dos golpes da animosidade e do

    abrao ,orado da assimilao+ so cada 4e# mais e9pressi4os osmo4imentos dos ciganos+ tanto na 2uropa /uanto no "rasil+ de luta

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    por reconhecimento \...] Apesar das di,iculdades en,rentadas+ 4msendo propostas polticas de incluso dos ciganos+ como atestam osrecentes es,oros go4ernamentais com o obeti4o precpuo deresponder s suas demandas e dar conta de suas especi,icidadesculturais no "rasil. DS!A 2O Z !2>A+ '%&W+ p. %&E. &&

    Como ,icou e4idenciado o conte9to histQrico e social dos ciganos

    no "rasil se correlaciona com e9press1es de preconceito e de discriminao+

    /ue ,oram assim consolidando um estereQtipo cigano /ue ainda no ,oi

    desmisti,icado.

    Cl5udio o4ano4itch+ presidente da A;@2CH;@+ apontou em palestra

    reali#ada na cidade de ;ira do sul em maro de '%& 6O 2stado es/uece /ue

    a criana /ue nasce debai9o da tenda -. Antes de tudo+ um cidado+ sQ depois

    4indo sua origem cigana8.

    Mossa sociedade ainda os 4 de maneira estereotipada+ sem saber

    como lidar com eles+ cabendo ao poder pblico atra4-s de polticas pblicas

    assegurar a desmisti,icao de conceitos negati4os sobre eles bem como

    garantir sade+ educao+ segurana+ moradia... Toda4ia o /ue ainda se

    percebe - o /ue ariana "onomo chama de invisibilidade social+

    primeiramente por no ser poss4el determinar um nmero e9ato de /uantos

    ciganos habitam o territQrio nacional+ 4isto /ue no h5 registros espec,icos derecenseamento por parte do ">2.

    A ,alta destes registros relega aos ciganos uma condio preudicial de

    in4isibilidade+ a ,alta de endereo ,i9o e de documentao di,iculta o acesso a

    polticas pblicas.

    (essa ,orma+ no se de4em buscar elementos obeti4os para de,iniHlos.

    G preciso 4oltarHse para os elementos /ue os prQprios atores sociais

    selecionam para se manterem como tais. Al-m disso+ podeHse dar 4isibilidadeaos ciganos+ e9pondo a sua ,orma de disposio da 4ida cotidiana+ o /ue

    permite uma re,le9o acerca dos estigmas sociais /ue lhes so atribudos.

    11 ;ara melhor compreenso das polticas pblicas em ,a4or dos po4os ciganos 4er a Tese deConcluso de Curso H Ciganos no "rasil: do degredo busca por direitos sociais escrita por4ia Sudare de Oli4eira.(ispon4el em:https:))KKK.academia.edu)X*%WY%)Ciganos$no$"rasil$do$degredo$

    CWA%$busca$por$cidadania

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    2ssa ciganada ,ica ai... Mo trabalham+ no ,a#em nada+ sQ ,esta7Toda semana tem ,esta7 (a eles bebem+ bebem e depois brigam enQs - /ue temos /ue aguentar. 2u no acho usto eles ,icarem ai+mas tamb-m no tem pra onde ir. 2nto /ue ,i/ue ai. (a eu pre,irodar as coisas /uando eles pedem do /ue me atre4er a ter briga comeles7 So muito briguentos7 DA@AMA @2S(2MT2 (O "A@@O

    SAMTA MCA CA(2@MO (2 CA;O (A ;2S_BSA(O@A+'%&*E.

    ogo+ ciganos so 4istos como di,erentes+ e assim comp1e uma ameaa

    sociedade. ;or tal moti4o+ buscam se organi#ar como grupo -tnico

    satis,a#endo s suas /uest1es econVmicas+ sociais e polticas do presente+

    no necessariamente como no passado+ por-m com a conser4ao cultural

    para tentar ao m59imo minimi#ar os processos de ressigni,icao cultural ao

    /ual so submetidos. Ou sea+ a de,esa da igualdade e da liberdade culturalperante os residentes locais.

    sto possibilitou dados /ue no decorrer desta pes/uisa permitiam

    estabelecer contrapontos e colaborar para descrio etnogr5,ica. Assim+ o

    es,oro est5 na compreenso deste 6mundo cigano8+ de modo a desmiti,icar um

    imagin5rio comum ,ormado sobre eles+ mas tamb-m em compreender como os

    ciganos Calon criam suas prQprias realidades 6,ronteiras8.

    Fica claro /ue a 4iso /ue se tem+ em um panorama geral+ sobre oser

    cigano+ - bastante distorcida. Outro elemento /ue e4idencia o preconceito em

    ,ace dos ciganos - o prQprio conceito de cigano+ /ue acabou+ bem como ocorre

    com os po4os indgenas+ a indi4iduali#ar di4ersas etnias e culturas distintas em

    uma sQ+ despre#ando suas di,erentes identidades culturais e de certa ,orma+

    homogenei#ando uma opinio pblica sobre eles.

    \...] se agra4a em ,uno de /ue so maiorias as /ue geralmente

    possuem as ,erramentas para e,eti4ar as condi1es de umacon4i4ncia mais harmVnica. 2 as sociedade maorit5rias+ en4oltas nainsegurana e no medo prQprios da 6modernidade li/uida8+ esto maisinteressadas em protegeremHse e le4antarem barreiras ,ronteiriascom a ,inalidade de manter distancia todo e /ual/uer outsider+ seme9ceo. D"OMOO+ '%%Y+ p. UE.

    O in,ogr5,ico demonstra a /uantidade apro9imada de ciganos Calon/ue

    habitam o "rasil segundo a tabela &U do ">2 Dnstituto "rasileiro de

    >eogra,ia e 2statsticaE de '%&%+ mas estimaHse /ue o nmero por municpio -

    bem maior+ pois como 5 e9posto o ">2 no possui pes/uisas especi,icas.

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    Meste sentido+ percebeHse /ue estamos nos re,erindo a uma grande parcela da

    populao /ue comp1e o "rasil+ toda4ia /ue ainda - tratada como 6po4o

    in4is4el8.

    magem %W: apa dos acampamentos ciganos no "rasil H (ados do ">2 '%&%

    Ma atualidade - imposs4el determinar /uantos ciganos e9istem no

    "rasil+ 4isto /ue no h5 este tipo de recenseamento por parte do ">2. Fran#

    oonen a,irma+ no entanto+ /ue:

    \...] at- hoe+ nem o nstituto "rasileiro de >eogra,ia e 2statsticaD">2E+ respons54el pelos censos demogr5,icos o,iciais+ nem/ual/uer outra instituio de pes/uisa demogr5,ica+ nem /ual/uerorgani#ao noHgo4ernamental+ nem cientista algum tem ,eito umle4antamento sistem5tico e con,i54el da populao cigana. 2 nempoderia ,a#er+ por/ue muitos ciganos escondem a sua ciganidade.DOOM2M. '%&'+ p.X%E

    Segundo o site da 2mbai9ada Cigana ;hralipen @omane+ Qrgo no

    go4ernamental de preser4ao da cultura cigana no "rasil+ a /uantidade de

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    acampamentos Calonpor 2stado+ no pas+ segue de acordo com a tabela a

    seguir+ onde grandes grupos de ,amlias e9tensas e patrilineares 4i4em como

    nVmades+ mas esto em busca da sedentari#ao.

    A listagem a seguir demonstra como o nmero de acampamentos do

    mapa - contraditQrio. O ">2 ,ala em apro9imadamente %% mil habitantes

    ciganos no "rasil+ o site da 2mbai9ada Cigana ;hralipen @omane ,ala em Y%%

    mil ciganos Calon6perambulando8+ muitos sem documentos.

    magem %: ista de acampamentos ciganos por 2stados H Fonte: 2mbai9ada Cigana

    A colaborao da pes/uisa - um estudo espec,ico sobre os grupos

    ciganos em ;onta >rossa /ue rene leituras+ entre4istas e obser4a1es in locoregistradas no di5rio de campo+ e e9ige um recorte de histQrias e personagens

    a ,im de re4elar costumes+ crenas e as tradi1es desta comunidade+ cua

    histQria - transmitida oralmente de gerao em gerao permitindo a

    continuidade cultural do grupo e do mesmo modo seu sistema social.

    2ste trabalho no tem a pretenso de esgotar o tema+ mas sim de abrir

    espao para a discusso. Os relatos e as obser4a1es dos ciganos Calon-de

    ;onta >rossa rati,icam /ue o pes/uisador+ na ,uno de mediador entre as

    ,ronteiras ciganas e no ciganas+ pode apro9imar o leigo Dno ciganoE de um

    mundo longn/uo do dele. >eogra,icamente muito prQ9imo+ toda4ia+

    desconhecido.

    12 Calon se refere ao grupo tnico especialmente analisado nesta pesquisa e que uma das sudi!is"ese#istentes entre ciganos.

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    4 CIGANOS EM PONTA GROSSA

    Mos debates em torno do reconhecimento das popula1es tradicionais+

    segundo !eras e (e "rito D'%&'E+ surgiu necessidade de obser4ar as

    demandas dos processos socioculturais de tais po4os+ como a constituio

    re,erencial de identidade+ as e9perincias culturais e os distintos estilos de agir

    e modos de ser /ue os di,erentes grupos sociais constroem no interior de seus

    grupos -tnicos.

    Meste sentido+ a metodologia da obser4ao participante aliada an5lise

    teQrica permite compreender os ciganos Calon+ sem dei9ar+ de considerar o

    /ue a nQs - mais importante neste estudo como se constitui e se mant-m a

    cultura cigana inserida em um espao DterritQrioE di4ergente dos seus.

    Ademir (i4ino !a# D'%%XE ,a# re,erncia a esta /uesto ao escre4er um

    artigo intitulado !eografia e diversidade cultural$. Segundo ele+ /uando

    >rupos humanos se organi#am em determinado espao geogr5,ico+raramente estes possuem conscincia e9plcita de todosos procedimentos de signi,icao /ue so con,eridos e 4i4idoscotidianamente neste espao. D!A[+ '%%X+ p. YE.

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    ;or isso+ de4ido a no4as ,ormas de obser4ar as demandas

    socioculturais+ nos - importante e9plicar todo o ogo comple9o de analogias+ de

    4alores+ de representa1es e de identidades&W/ue concebem este espao.

    Meste caso+ o /ue se procura e4idenciar - o conunto de indi4duos /ue

    possuem um ancestral comum+ tm uma mesma cultura e moram

    geogra,icamente num mesmo territQrio+ compartilhando as mesmas

    considera1es religiosas e linguagem.

    As Cincias Sociais ao tratar das coisas /ue comp1e a sociedade+ suas

    rela1es com o mundo e a 4ida+ trata dos espaos construdos pelos homens+

    como espaos /ue se relacionam a sua composio cultural. Misto comp1e sua

    traetQria marcando os lugares com os resultados da luta pela sobre4i4ncia.

    Assim+ tomaHse por tare,a a an5lise antropolQgica por meio de um olhar

    obl/uo+ para,raseando Ferrari D'%&%E+ para compreenso da realidade.

    Assim sendo+ a Antropologia adota obriga1es maiores com a

    sociedade+ dentro de seus padr1es sociais+ de modo a aplicar o seu

    saber primordial na busca de solu1es dos problemas dessa sociedade. 35 /ue

    a Antropologia se estabelece a partir da ideia de e9Qtico+ das /uais as

    di,erenas em relao a nossa cultura nos permite perceber o outro como

    6outra cultura8 ,ormada por uma tradio particular.

    2+ o /ue ,alar sobre os ciganos /ue 4i4em em ;onta >rossa+ /ue apesar

    de habitar a mesma cidade+ alimentarHse da mesma comida+ ,re/uentar igreas+

    pai de santo+ postos de sade+ escolas+ entre outros. (i#emHse di,erentes da

    13Bm dos principais autores a discutir o conceito de identidade ,oi Stuart ?all+ iniciou are,le9o em torno do conceito de raa e ao longo dos anos &XY% o ampliou o discurso para a

    etnicidade. A rele4Rncia de suas propostas - pensar como so ,ormadas as identidades e comoelas esto sendo trans,ormadas e ,ragmentadas na modernidade. Apresenta di,erentesconcep1es de identidade+ mas as classi,ica como pontos de identi,icao+ ,eitos no interior dosdiscursos da cultura e histQria. 6Mo uma essncia+ mas um posicionamento8 D?A+ &XX p.U%E. 2sta compreenso das identidades culturais como um posicionamento - ento umcaminho /ue no encerra o conceito em uma concepo+ no estabelece binarismos+ mascompreende uma relao+ necess5ria a sobre4i4ncia das comunidades /ue compreende aidentidade cultural Outro olhar sobre a discusso de identidade - a compreenso de (enisCuche da /ual a cultura+ pode e9istir sem a conscincia de identidade DCBC?2+ &XXX p. &UE+por-m uma identidade+ no pode e9istir sem um sistema cultural. A noo de identidade+portanto+ - relacionada a noo de cultura /ue determina uma estreita relao entre aconcepo /ue se ,a# de cultura e a concepo /ue se tem de identidade cultural. 2m umaabordagem culturalista+ a n,ase no - colocada sobre a herana biolQgica+ no mais

    considerada como determinante+ mas na herana cultural+ ligada a sociali#ao do indi4duo nointerior de seu grupo cultural DCBC?2+ &XXX p. &UXE.

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    4iso cultural conhecida socialmente&. So Calone possuem uma e9perincia

    de 4ida muito di,erente da 4i4ncia social em /ue esto inseridos en/uanto

    sociedade.

    2m outras pala4ras+ o /ue - o Cigano` Como - poss4el ,alar dessa

    relao por meio da e9perincia de 4ida em oposio e9perincia do cigano`

    G para isso /ue tomaHse como instrumentos a histQria de 4ida por meio da

    obser4ao participante procurando saber reconhecer os con,litos sociais+

    econVmicos+ culturais e seus con,litos.

    Meste sentido+ a etnia cigana ,a# parte da massa de despossudos e

    e9cludos de direitos ci4is e sociais sendo segregados h5 tempos. G diante

    destas rela1es /ue se desen4ol4e o campo de pes/uisa.

    W.&(2SC@PO (O CA;O

    Mo acampamento cigano+ locali#ado em uma 5rea urbana da cidade de

    ;onta >rossa no "airro Santa Vnica+ nas pro9imidades da @odo4ia ;@H&*&+

    sada para Castro+ 4isitas periQdicas ,oram reali#adas.

    14 2ntender 4iso cultural no sentido de atribuio da cultura capitalista.

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    magem %* ocali#ao do acampamento pes/uisado >oogle mapas

    O plano de pes/uisa seguiuHse com perguntas em um primeiro sentido

    sem um roteiro espec,ico+ mas /ue busca4am estabelecer uma relao de

    a,eti4idade e con,iana entre pes/uisador e pes/uisado.

    Mas obser4a1es buscaramHse elementos alusi4os identi,icao do

    cigano e de sua ,amlia+ ao grau de escolaridade+ ,ai9a et5ria+ as ati4idades

    econVmicas+ suas origens e ra#es culturais+ e o relacionamento com os

    demais ciganos do territQrio+ bem como com os demais moradores da cidade+ e

    principalmente com os residentes das pro9imidades do acampamento.

    A histQria de 4ida nos ,oi ,a4or54el medida /ue nos utili#amos de

    instrumentos metodolQgicos da ?istQria Oral ,ormulados por 3os- Carlos Sebe

    "om eihJ D&XXYE como o registro de relatos+ a di4ulgao de e9perincias

    rele4antes e o estabelecimento de 4nculo /ue promo4e um incenti4o a histQria

    local.

    2stes instrumentos possibilitaram uma e9plicao da realidade atra4-s

    das con4ersas+ por 4e#es in,ormais+ sobre a e9perincia e a memQria

    indi4idual+ e ainda por meio do impacto /ue estas ti4eram na 4ida de cada

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    cigano. ;or meio do /ue ;hilippe 3outard e9empli,ica como 6uma no4a

    concepo da oralidade+ se reportando aos relatos orais das minorias -tnicas+

    dos iletrados+ dos marginali#ados entre outros.8 D'%%&+ p. '%&E.

    (este modo a ?istQria Oral nos permite uma metodologia de pes/uisa

    /ue

    ;ri4ilegia a reali#ao de entre4istas com pessoas /ue participaramde+ ou testemunharam acontecimentos+ conunturas+ 4is1es demundo+ como ,orma de se apro9imar do obeto de estudo. TrataHse deestudar acontecimentos histQricos+ institui1es+ grupos sociais+categorias pro,issionais+ mo4imentos+ etc. DA"2@T+ &XXY+ p.*'E.

    sto nos permitiu compreender os 4alores culturais dos ciganos+

    ad/uiridos ao longo da 4ida+ nos ,orneceu um per,il sobre a realidade e o

    cotidiano dos mesmos e de suas rela1es entre si e com os demais moradores

    na cidade.

    Foram estudados /uatro acampamentos ciganos em ;onta >rossa+

    sendo todos os grupos da subdi4iso Calon. Contudo+ apenas um dos grupos

    tem um territQrio /ue habita ,i9amente locali#ado no "airro Santa Vnica.

    O ,ormato cigano de apropriao do territQrio segundo Tei9eira -

    6direcionada por uma racionalidade comunit5ria e pelo nomadismo+ onde asrela1es de parentesco e as ati4idades econVmicas so seus prQprios limites.8

    D'%%Y+ p. WYE.

    ;ara Tei9eira+ o nomadismo no seria um ,ator de inter,erncia para a

    ,ormao do territQrio+ pois o nomadismo propicia /ue as 6,ronteiras dos

    territQrios ciganos ,ossem port5teis8. D'%%Y+ p. WYE

    Messe sentido+ podemos recorrer perspecti4a barthiana da /ual a

    ,ronteira - um entrelace entre a composio de um territQrio e a etnicidade+4inculada a um modelo de organi#ao sociopoltica da /ual as rela1es

    ocorrem a partir de um !tipo organi+acional$.

    (esta ,orma o /ue interessa a "arth - a /uesto da di,erenciao

    cultural e a conse/uente criao de ,ronteiras+ /ue segundo ele est5

    relacionada ao sentido organi#acional dos grupos -tnicos. Assim os grupos se

    organi#am para interagir e categori#ar a si mesmo e aos outros+ sendo 6 sinais

    diacrticos8 usados como smbolos /ue o grupo cria para se representar e

    mostrar /ue - di,erente+ mas /ue e9iste en/uanto unidade DgrupoE. Sendo uma

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    6reinterpretao histQrica da/uilo /ue o grupo rei4indica como seu podendo

    tornarHse 4is4el aos outros8. D"A@T? apud ;OBT>MAT e ST@2FFHF2MA@T+

    &XXY+ p.W'E

    Ainda /ue se tenham 45rios acampamentos em terrenos de outros

    propriet5rios+ o ,ato de no ter a posse no inter,ere no sentido simbQlico dos

    mesmos. 6As barracas e a solidariedade entre as ,amlias so os elementos

    /ue tornam seus territQrios port5teis8 DT2N2@A+ '%%Y+ p. WYE identi,icando um

    determinado territQrio como fronteira cigana no sentido de /ue a/uele

    determinado espao - compreendido pela demarcao -tnica dos /ue nele

    habitam.

    ;ode ser /ue os acampamentos seam para eles \os nVmades] oslugares mais importantes+ conhecidos mediante a e9perincia ntima.O acampamento compreende tanto o ambiente onde esta4am asbarracas+ /uanto o inter4alo entre essas barracas+ pois se constituiterreiro onde os ciganos trabalha4am no artesanato+ e no com-rcio+co#inha4am e+ s 4e#es+ alimenta4amHse. Messa 5rea era at-tolerada a presena de um estranho+ especialmente se ,ossepotencial cliente+ mas este di,icilmente entra4a nas barracas.DT2N2@A+ '%%Y+ p. WYE

    @eali#ouHse a pes/uisa em /uatro acampamentos di,erenciados em

    localidades e9tremamente opostas+ contudo+ neste momento a an5lise est5

    pautada no acampamento do "airro Santa Vnica+ che,iado pelo Calon4onei+

    por este ser o nico onde os moradores no se con,iguram como nVmades+

    residindo na mesma localidade. e4antando acampamento somente por

    moti4os de ,estas+ doenas+ 4isitas de parentes e busca de com-rcio para ,a#er

    seus rolos&* nas cidade#inhas /ue comp1em os Campos >erais+ sem a

    preocupao de ,a#er a busca por outro pouso&+ como eles prQprios

    comentam.O lder atual da comunidade - o Sr. 4onei e sua esposa (ona eni+

    /ue ,oram os respons54eis do processo de sedentari#ao da ,amlia na

    localidade do "airro Santa Vnica.

    15 @olos - ,orma com a /ual denominam o com-rcio de seus produtos.

    16;ouso - o territQrio habitado pelos ciganos Dso locais onde montam suas

    barracas)acampamento+ e podem ser em terrenos pblicos ou pri4ados+ cedidos+ ocupados ouarrendadosE geralmente so em locais peri,-ricos+ estrategicamente prQ9imos a rodo4ias.

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    Seu 4onei como che,e do grupo a,irmou /ue ;onta >rossa propicia

    4antagens por ser uma cidade de entroncamento geogr5,ico+ prQ9ima de

    pe/uenas cidades das /uais se ,a# com-rcio de modo mais ,acilitado e estes

    ,oram os moti4os para ,i9ar na cidade. Al-m de ser uma cidade /ue

    proporciona melhores condi1es de 4ida /ue as cidades de pe/ueno porte.

    ;areceuHnos tamb-m importante entender os moti4os pelos /uais se

    optou pela ,i9ao em um territQrio e percebemos /ue seu 4onei de4ido

    idade 5 no tinha a mesma disposio para le4antar as barracas e carregar

    suas bagagens. Sendo assim a bagagem parecia ser um empecilho ao

    nomadismo&U.

    Mo entanto+ os ciganos ,i9os obtem no sQ mais con,orto+ mas tamb-m

    respeito+ pois a populao os conhece e podem ad/uirir mais bens materiais+

    tendo maior /ualidade de 4ida e bem estarI dei9ando de ser uma 4ida de

    subsistncia apenas.

    ;odeHse perceber /ue o cigano+ como aponta Florncia Ferrari D'%%'E+ -

    um ser para o outro+ ou sea+ a importRncia da coe9istncia e das rela1es de

    4i#inhana so ,atores importantes para estabelecimento de uma relao de

    con,iana. A ,i9ao em um territQrio oportuni#a aos ciganos mostrar /uem de

    ,ato eles so. sto contraria as imagens distorcidas ,eitas sobre sua etnia.

    Segundo a tradio cigana o en4ol4erHse como os demais+ isto -+ o

    contato com os gads H termo utili#ado para designar um no cigano H -

    necess5rio para sua sobre4i4ncia e no - empecilho+ para a preser4ao de

    sua calonidade. A calonidade se constrQi a cada dia atra4-s da a,irmao de

    laos caractersticos+ do respeito a um passado comum e da in4ocao de uma

    memQria coleti4a.

    Asse4erado por suas 4estimentas+ rituais e lendas /ue no ,a#em partedo outro e+ portanto+ no podem descaracteri#ar o car5ter peculiar cigano e /ue

    permite o di5logo e a apro9imao entre ciganos e no ciganos.

    Toda4ia+ o en4ol4imento entre os sueitos /ue habitam a localidade

    promo4e uma aprendi#agem de 4i#inhana+ demarcada por ,ronteiras

    territoriais no ,i9as+ mas organi#54eis por regras implcitas de con4i4ncia+

    17 Clastres+ Sahlins e -4iHStrauss mencionam em suas pes/uisas as pr5ticas de nomadismo.

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    colocadas por cQdigos de linguagens e de comportamento+ e /ue comp1em o

    /ue identi,icamos por !fronteira cigana$.

    O lote onde esta4am de incio+ /uando comeamos nossa pes/uisa+ era

    uma grande 5rea de terreno baldio abandonado /ue pertence Bsina de

    Transmisso de 2nergia da Copel DCompanhia de ;aranaense de 2nergia

    2l-tricaE e no continha /ual/uer tipo de in,raestrutura. Mas barracas os

    ciganos no possuam banheiros e usa4am pri4adas prec5rias sem /uais/uer

    cuidados sanit5rios. A ,alta de higiene acabou gerando 45rias denncias por

    parte dos 4i#inhos e+ principalmente+ dos pro,essores das escolas prQ9imas do

    acampamento.

    O ,ato de estarem nas pro9imidades da Bsina de transmisso da Copel

    tamb-m gera d4idas /uanto possibilidade de permanecerem ali+ pois

    esta4am muito prQ9imos a alta tenso.

    ;or moti4os no Qb4ios+ Dseno as recorrentes reclama1esE ,oram

    impelidos a mudarHse desta localidade+ ocupando um local mais a,astado das

    pro9imidades escolares+ ainda /ue atr5s da Bsina Copel.

    ;ertinente com a ,ormao do territQrio est5 o sentimento dacomunidade cigana ao territQrio habitado. A ,ormao de um territQriod5 s pessoas /ue nele habitam a conscincia de sua participao+pro4ocando o sentimento de territorialidade /ue+ de ,orma subeti4a+cria uma conscincia de con,raterni#ao entre asmesmas DAM(@A(2 apud !A[+ '%%X+ p. YYE.

    Assim+ o 6pouso8 pode ser percebido tanto como o /ue est5 no territQrio

    e conse/uentemente padece de uma organi#ao+ como+ ao mesmo tempo+ de

    uma conscienti#ao indi4idual de se ,a#er parte de um territQrio.

    Conse/uentemente+ acreditamos /ue o lugar ocupado pelos ciganos+

    re,lete um no4o arrano espacial e a ,ormao de um 6tipo organi#acional8

    D"A@T? apud ;OBT>MAT Z ST@2FFHF2MA@T+ &XXY+ p.W'E /ue e9ibe um

    re,erencial b5sico da consolidao do espao 4i4ido.

    4$'$' O >o?so " o Cigano$

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    ;ara compreender a etnicidade cigana&Y - imprescind4el entender a

    organi#ao interna do pouso+ ou sea+ do territQrio onde 4i4em e ,a#em suas

    ,estas e organi#am suas 4idas.

    Os dados apresentados colaboram com a dinRmica do pouso e

    consolidao da identidade cigana no lugar+ de tal modo o pouso - entendido

    en/uanto produtor e produto da etnicidade.

    Messe sentido+ temos como re,erncia teQrica "arth D&XXYE+ oonen

    D'%&'E+ Ferrari D'%%'E e Tei9eira D'%%YE. ;ois os ciganos se percebem

    etnicamente pela acumulao de e9perincia de 4ida+ da assimilao de

    4alores transmitidos de gerao em gerao.

    Misto - importante entender o pouso+ por/ue ele tamb-m ,a# a

    separao entre ciganos e no ciganos. Ferrari D'%&%E di# /ue essa separao

    - socialmente construda e por isso no podem ser absolutas. O pouso - o

    territQrio cigano+ nele est5 um sistema de crenas /ue do origem a moral

    cigana e segundo Anne Sutherland D&XU*E do 6signi,icado as ,ronteiras

    sociais8 DSBT?2@AM( apud F2@@A@+ '%&%+ p. *UE.

    Somente a etnicidade no - capa# de protagoni#ar a relao e

    separao entre cigano e no cigano+ mas as contradi1es e cone91es /ue

    escapam totali#ao das identidades. ogo+ para ser cigano no basta

    apenas nascer+ mas todos os dias ,a#erHse cigano atra4-s da rea,irmao

    contnua de compromisso com os seus.

    4$'$% O s"ntido do >o?so >ara os )iganos

    onge de o territQrio constituir para os ciganos um aparelho de ,i9ao+ -

    um recinto ade/uado para reproduo cultural das ,amlias ciganas+ ele a4oca

    tamb-m um signi,icado particular de suas 4i4ncias e perspecti4as e de suas

    18;ara a 2mbai9ada Cigana no "rasil a etnicidade cigana tem um signi,icado puramentesocial+ por estar ligada a cultura e no ao conceito de raa. 2sta organi#ao compreendecomo um erro considerar 6po4o cigano8+ 4isto /ue+ a etnicidade - um atributo /ue todos osmembros de uma populao possuem+ e no determinados segmentos desta+ estando aetnicidade associada a grupos minorit5rios dentro de uma populao+ no em car5ter num-rico

    e sim em posio de subordinao do grupo a sociedade+ pois e9pressa a sua situao dedesamparo.

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    representa1es. O pouso cigano - lugar de histQria e de e9perincias de 4ida.

    2 no precisa necessariamente ser um territQrio onde se criou ra#es ,i9as+ mas

    sim de sentimentos a,eti4os+ atribuindoHlhe um sentimento de pertena.

    O territQrio cigano - entendido de modos distintos+ principalmente por

    sua populao heterognea. ;ara as crianas e adolescentes+ o espao denota

    uma total liberdade+ no /ual+ brinca e interage com a nature#a. Os meninos e

    meninas go#am das mordomias do mundo in,antilI 5 os adultos 4eem o lugar

    como uma e9tenso das rela1es /ue tm com no ciganos e suas cidades.

    Como e9emplo+ utili#amos as anota1es de campo da pes/uisadora

    para demonstrar como os adultos e9pressam suas rela1es com o territQrio e

    ao mesmo tempo nossos sentimentos atribudos ao local:

    Agachamos diante dos restos do /ue parecia ter sido uma ,ogueira+ eapQs olharHme resolutamente nos olhos+ me disse: !/s gostamosmuito de viver como vivemos, somos feli+es assim, quero que voc#saiba disso$. 2sse depoimento intrigouHme bastante+ sobretudopor/ue ,i/uei em d4ida se a/uela a,irmati4a te4e como propQsitodemonstrar /ue+ embora as condi1es de 4ida na/uele lugar no meparecessem ade/uadas+ o /ue importa4a mesmo era o /ue tudoa/uilo signi,ica4a para eles. Mo obstante+ achei melhor no le4aradiante essas in/uieta1es e acolher o posicionamento do Sr.2ri4aldo+ sobretudo por/ue a/uele ,oi nosso primeiro contato e euprecisa4a /ue a/uele momento representasse meu intento emrespeitar e acolher tudo a/uilo /ue ,i#esse parte da/uela etnia.D(f@O (2 CA;O W%)%)'%&E

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    magem %: Acer4o da pes/uisadora !ista e9terna do acampamento Car5Hcar5

    ;ara os idosos+ o lugar representa uma e9perincia de 4ida acumulada.

    Meste dia+ ao chegar comunidade cigana+ depareiHme com umgrupo de crianas reunido em torno de uma pessoa mais 4elhacon4ersando com eles. Todos esta4am sentados no cho e ou4iamatentamente a/uela pessoa /ue lhes comunica4a algo. Trata4aHse deum cigano idoso+ con4ersando sobre a nature#a e tudo o /ue ela nosd5 e+ em seu discurso+ a/uele senhor dei9a4a claro /ue as crianasde4eriam #elar pelas coisas da terra e proteger as plantas+ por/uedelas iriam e9trair o /ue precisassem+ como o ,ruto+ para saciar a,ome. (isseHlhes ainda /ue+ na nature#a+ tudo tem seu tempo+ /ue -preciso obedecer a esse tempo para poder tirar pro4eito das coisas+/ue a ,ruta - mais saborosa /uando esperamos seu tempo paracolher+ /ue como nQs+ ela precisa de 5gua+ lu#+ ar+ !ela precisa do sol,

    pra ficar bonita, pra crescer, como voc#s. 0nt"o, precisamos cuidardas plantas, como cuidamos da gente$.;ercebi /ue medida /ue ohomem ,ala4a+ as crianas mantinhamHse atentas a ele+ - como seesti4essem abertas a receber a/uelas in,orma1es. O grupopermaneceu durante apro9imadamente trinta minutos+ reunido+ e ,oiposs4el obser4ar /ue as crianas mais 4elhas mantinhamHse maisatentas /uilo /ue esta4a sendo abordado+ en/uanto as mais no4asle4anta4amHse e caminha4am ao redor+ procurando algo parabrincar... DCA(2@MO (2 CA;O (A ;2S_BSA(O@A W%)%)'%&E

    2ntretanto+ para todos independente de se9o ou ,ai9a et5ria+ o pouso

    cigano constitui um ambiente de trocas culturais e de histQrias de 4ida.

    O cigano tem a ,ama de ladro+ de bandido+ ,ama de trapaceiro+entendeu ou no` Mo - assim` !oc procura pra 4oc 4er noornal... Mo - cigano7 G esse po4o - racista7 !oc 4iu no ornal hoe o,ilho /ue tinha estuprado a me` Conosco isso nunca ia acontecer7Cigano no tem uma sapato. ulher gilete sabe o /ue -` Mo temum homem 4eado no acampamento7 Sim+ muito disso dai - sQ /uemno - cigano mesmo7 Ao in4-s de ,icar cuidando da 4ida do cigano+4o cuidar de /uem esta matando+ roubando e estuprando... MQstemos nossas prQprias leis7 D(OMA 2M+ (f@O (2 CA;O

    &')%)'%&E

    O signi,icado do pouso para os ciganos -+ sobretudo+ a/uele de um lugar

    propcio s suas sobre4i4ncias e de suas leis+ das rela1es estabelecidas

    entre eles e os no ciganos e desta ,orma+ a cidade+ - um local onde os

    ciganos organi#am di,erentes rela1es.

    4$'$4 A organi@aBo do >o?so

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    Os Calonse organi#am em grupos liderados por che,es+ e tem suas

    rela1es de parentesco de,inidos como rela1es de entre acampamentos. 2m

    um pouso+ comumente encontraHse casais idosos+ seus ,ilhos homens+ netos+

    outros parentes e agregados Dno ciganos casados com ciganas e /ue 4i4em

    no acampamentoE.

    A organi#ao das barracas segue o princpio da hierar/uia das ,amlias.

    Onde o principal ,undamento - o n4el de poder de cada cigano diante do

    grupo+ a idade+ e o grau de ,amiliaridade entre os pertencentes ao grupo+ sendo

    ,ato determinante para a escolha do che,e.

    2sta hierar/uia - e4idenciada pelo poder e9ercido pelo che,e+ /ue

    necessariamente no precisa ser o mais 4elho do grupo+ mas /ue - o mais

    s5bio+ com melhor trato para o com-rcio e /ue consegue congregar todo grupo

    em ideal comum+ sendo o respons54el mantenedor das tradi1es. Ser

    prestati4o - uma /ualidade /ue de,ine o che,e. 2m seguida+ e9iste uma

    obedincia aos homens da comunidade+ seguindo a lQgica da idade. Mo grupo

    6no h58 no pode ha4er H uma competio+ mas sim a contribuio para a

    manuteno do acampamento.

    Somente na ausncia do che,e e do membro mais 4elho do grupo - /ue

    decis1es so tomadas pela esposa do che,e+ caso de dona aria Sophia no

    acampamento do "airro "orato em ;onta >rossa+ na sada para o Morte do

    ;aran5.

    2m con4ersa+ seu 2ri4aldo+ conta como - ,eito para /ue o che,e sea

    escolhido. 6sso 4em de pai+ pra ,ilho. 2ra do meu bisa4V+ depois do meu a4V+

    ,oi do meu pai... !em de gerao7 G heredit5rio78 D(f@O (2 CA;O+ '%&E.

    As barracas medem em torno de '% a *% metros /uadrados+ por 4e#es

    at- mais. 2la - armada para abrigar um casal com seus ,ilhos solteiros. Os,ilhos /ue so casados possuem cada um sua barraca e ,icam abertas e aos

    olhos de todos+ entretanto no - de li4re circulao.

    Os grupos de ciganos so compostos por uma ,amlia nuclear e+

    portanto+ podem circular li4remente entre suas barracas. Apesar disso+ /uando

    se tem mais de uma ,amlia ou turma+ como eles chamam+ acampando no

    mesmo territQrio+ a circulao passa a ser restrita. Mo se pode adentrar uma

    barraca de outra ,amlia sem a companhia de algu-m+ principalmente no casodas mulheres /ue de4em ser submissas aos seus maridos.

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    A li4re circulao entre as barracas em um mesmo pouso+ mas com

    ,amlias distintas pode ser moti4o de contenda. Segundo Ferrari h5 6,ronteiras

    calon in4is4eis para o olhar gad Dno ciganoE+ e ,ronteiras gad in4is4eis ao

    olhar calon8 D'%&%+ p. 'E. sto signi,ica /ue em nossa cultura no seria moti4o

    de contenda uma mulher 4isitar a casa de uma 4i#inha sem a presena de seu

    esposo+ mas entre os calonisto - moti4o de desonra+ 5 /ue a Calin Dmulher

    ciganaE nunca pode estar desacompanhada de seu esposo ou dos parentes

    mais prQ9imos como a sogra ou o sogro.

    ;ortanto - a ignorRncia ou a indi,erena /ue na manuteno de,ronteiras entre espaos de masculinidade e da ,eminilidade /uecaracteri#a a ausncia de 4ergonha DF2@@A@+ '%&% p.*WE.

    (esta ,orma+ a organi#ao interna do pouso perpassa por uma relao

    entre o /ue - poss4el e o /ue no - poss4el ser ,eito. 2ntendidos como

    ,ormas de oposio entre puro e impuro+ certo e errado. Sendo os atos ciganos

    puros e os atos de no ciganos impuros&X.

    Mo entanto+ isto no - impedimento para casamentos entre ciganos e

    no ciganos. as - preciso /ue o gad Dno ciganoE aceite e passe a assumir

    uma ciganidade+ ou sea+ passe a 4i4er segundo os princpios estabelecidospela comunidade e os limites por eles impetrados e regulamentados pelo che,e.

    G o che,e /ue normalmente ,a# o contato entre todos os ciganos e /ue

    recebe os 4isitantes in,ormando aos demais. ;rincipalmente+ /uando so

    considerados estranhos+ sem /ue seam clientes ou /ue 4enham para

    barganhar alguma coisa.

    G importante ,risar /ue o 6che,e8+ tem a ,uno de mediador de con,litos

    entre os membros do territQrio. O Seu 4onei - o respons54el pela comunidadedo Acampamento do "airro Santa Vnica+ portanto+ tem o de4er de manter a

    ordem e a harmonia no pouso /ue - comum a todos. Assim como+ seu 2ri4aldo

    em seu pouso DSanta VnicaE+ e (ona aria Sophia D"oratoE na ausncia de

    seu esposo+ e seu 2ste4o che,e do acampamento do Car5Hcar5.

    Meste sentido+ cada ,amlia tem os limites de sua 5rea+ todas as ,amlias

    e9pressam seus modos de 4ida com suas particularidades e /ue desembocam

    19 Florncia Ferrari ,a# uso da metodologia de an5lise estruturalista de -4iHStrauss+ contudono nos aprou4e ,a#er uso de tal metodologia.

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    na identidade de cada ,amlia. ;or isso apresentamos a organi#ao das

    habita1es ciganas.

    4$'$5$ A organi@aBo das *arra)as

    2m todos os acampamentos 4isitados as barracas ,oram erguidas de

    ,orma linear+ sem cercas e sem um padro entre os acampamentos 4isitados.

    ;or-m+ o acampamento che,iado por seu 4onei - erguido em ,ormato de

    crculo+ respeitando certo limite entre as barracas de modo a possibilitar a

    pri4acidade dos moradores e e4itando a montagem das barracas uma em

    ,rente outra.

    As barracas possuem apenas um grande cVmodo+ di4idido por cortinas

    coloridas+ tapetes ou por mobili5rios+ como demonstra a imagem+ /ue no se

    re,ere ao acampamento pes/uisado de4ido a no permisso do uso de

    imagens do acampamento pelo che,e do grupo.

    magem %U: Organi#ao 29terna das "arracas. Fonte: @e4ista Catandu4a

    O interior das barracas adota uma organi#ao e,iciente para o dia a dia

    e a parte mais ao ,undo ser4e como aposento de descansoI /uando h5

    crianas+ o recinto - di4idido: os adultos dormem mais prQ9imos da lona+ e as

    crianas dormem na parte mais posterior+ na maioria das 4e#es separados dos

    adultos por um tecido.

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    magem %Y: Organi#ao nterna da "arraca. Fonte: ;ortal !ermelho.

    A parte central da barraca - utili#ada como sala e em um dos lados da

    barraca so depositados os obetos de uso ,amiliar+ como as roupas e outros

    utenslios de uso di5rio. O espao reser4ado para a co#inha - sempre o espaoda entrada+ por-m co#inham suas re,ei1es ,ora das barracas+ em um local

    considerado 5rea de ser4ios+ utili#ando ,og1es impro4isados lenha+ embora

    possuam ,og1es a g5s+ mas sem muito uso 5 /ue+ em alguns casos+ a ,alta de

    condi1es ,inanceiras para custeio do g5s+ usti,ica tal postura.

    magem %X: Co#inha cigana Fonte: Obser4atQrio da (i4ersidade

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    O espao /ue cada ,amlia tem como 5rea de ser4ios - onde

    normalmente so ,eitas as comidas da ,amlia+ la4adas as roupas e os

    utenslios dom-sticos.

    magem &%: Organi#ao dom-stica da barraca Fonte: ;roeto Casas do "rasil

    Duciana SampaioE.

    2ste espao - comumente ocupado pelas mulheres. !eamos a

    descrio da pes/uisadora sobre organi#ao do pouso che,iado por seu

    4onei no "airro Santa Vnica:

    O lugar onde a comunidade cigana escolheu para armar suasbarracas ,ica em um terreno amplo e plano+ sendo margeado por umaescola municipal+ e duas grandes ruas. G poss4el perceber+ /ue olocal no o,erece riscos para a segurana em ,uno de o local ser detr5,ego lento de 4eculos e calmo. ;or outro lado+ as condi1es doespao ,sico so bastante prec5rias+ principalmente em ,uno da,alta de condi1es de higiene+ ao redor do acampamento+ no noacampamento.2sse primeiro contato com o ambiente tende a impactar em ,uno do

    aspecto em si+ por ser e9tremamente limpo. Bm dos aspectos /uemais me impressionou+ no entanto+ ,oi limpe#a dos utensliosdom-sticos. ;ude constatar /ue os alumnios e9postos do lado dedentro das barracas esta4am todos bem limpos e brilhantes+ como se,ossem no4os. Obser4ei ainda /ue dentro das barracas ha4ia limpe#ae organi#ao dos mQ4eis e obetos+ ou sea+ mesmo no ha4endouma di4iso e9plcita entre os espaos internos+ podiaHse perceber/ue essa di,erenciao de ambientes /ue se da4a em ,uno dadistribuio dos obetos. D(f@O (2 CA;O+ &)%)'%&E.

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    magem &&: Organi#ao dos utenslios dom-sticos Fonte: Comunidade Casa

    Chegando ao acampamento do Car5Hcar5+ o che,e esta4acon4ersando com alguns ciganos do lado de ,ora da barraca+ pedilicena+ me apresentei e pergunteiHlhe se poderia con4ersar comigo.2le olhouHme descon,iado+ no entendeu a abordagem. esmoassim+ apro9imouHse de mim. ;rocurei ser clara em minha e9posio+,alei sobre meu interesse em conhecer a comunidade+ as crianas

    ciganas+ sobre a cultura cigana. ;ara isto+ gostaria /ue me permitissecon4ersar com os acampados+ desen4ol4er ati4idades e obser4arseus comportamentos durante a reali