I
Exercício Físico e Perceções da Qualidade de Vida em
Sobreviventes de Cancro
Relatório de Estágio
Relatório de Estágio apresentado com vista à obtenção do
2º ciclo em Atividade Física e Saúde, da Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto, ao abrigo do Decreto-
Lei nº 74/2006, de 24 de março, na redação dada pelo
Decreto-Lei nº 65/2018 de 16 de agosto.
Orientadora: Professora Maria Paula Santos
Ana Luísa Polónia Miranda
Porto, 2019
II
Exercício Físico e Perceções da Qualidade de Vida em
Sobreviventes de Cancro
Ficha de Catalogação Polónia, A. (2019). Exercício físico e Perceção da
Qualidade de Vida em sobreviventes de Cancro.
Porto: A. Polónia. Relatório de estágio profissionalizante apresentado para a
obtenção do grau de Mestre em Atividade Física e Saúde, apresentado à
Faculdade de Desporto da Universidade do Porto.
Palavras-chave: Cancro, Exercício Físico, Qualidade de Vida
III
Agradecimentos
No decorrer deste percurso de 5 anos, que parece estar agora a terminar são
diversas as palavras de agradecimento a quem tenho que deixar.
Em primeiro lugar, e como não fazia sentido de outra forma, para a minha mãe.
Sem ela e a sua paciência infindável, o apoio incondicional ao longo deste
percurso, nada disto teria sido possível. Para a minha irmã, que me tem
acompanhado de tão perto neste percurso, nos momentos mais altos, mas
também nos mais baixos.
Para a minha orientadora de estágio, a Professora Maria Paula Santos, que me
apresentou e desafiou neste projeto, e me ajudou no decorrer deste ano.
E claro, não posso faltar para todos os meus amigos, os que fiz na faculdade,
mas também os que trago comigo desde sempre. Todos eles foram
indispensáveis para que este percurso corresse da forma como correu, sem eles
nada teria sido igual.
Em último e não menos especial, à FCDEF, esta casa que me acolheu nestes 5
anos, e que sem sombra de dúvida vai deixar saudade.
Obrigada.
IV
V
Índice Geral
Introdução ............................................................................................................................. 2
Revisão da Literatura .......................................................................................................... 4
Epidemiologia do Cancro ............................................................................................... 4
Atividade Física ................................................................................................................ 9
Atividade Física e Cancro ............................................................................................. 12
Qualidade de Vida .......................................................................................................... 18
Qualidade de Vida e Prática de Exercício Físico ..................................................... 19
Contexto da Prática ........................................................................................................... 24
Metodologia......................................................................................................................... 28
Participantes ................................................................................................................... 28
Entrevistas....................................................................................................................... 28
Análise dos dados ......................................................................................................... 29
Resultados e discussão ................................................................................................ 29
Grupo 2: Perceções acerca da qualidade de vida ................................................... 29
Prespetiva de Saúde ...................................................................................................... 30
Qualidade de Vida .......................................................................................................... 32
Reflexão Final ..................................................................................................................... 34
Limitações ........................................................................................................................... 36
Conclusão e Perspetivas Futuras ................................................................................... 38
Referências Bibliográficas ............................................................................................... 41
VI
VII
Índice de Quadros
Tipos de Tumores………………………………………......…………………......…5
Graus de Intensidade da Atividade Física………………………....…………...10
Materiais…………………………………………...…………………………...….…25
Distribuição da Aula………………………………………………………….....….25
Exercícios do circuito…………………………………………………………..….26
VIII
IX
Resumo
A doença oncológica é considerada a epidemia do século. No entanto, o número
de sobreviventes provenientes desta patologia tem aumentado. Isto deve-se à
evolução terapêutica, o que evidencia que os tratamentos para o cancro, do qual
destacamos a quimioterapia se têm mostrado promissores. Associados aos
tratamentos surgem vários efeitos adversos com um impacto significativo na
qualidade de vida dos doentes.
Segundo a Liga Portuguesa contra o cancro, este trata-se da proliferação
anormal de células. Por norma, as células crescem e dividem-se para formar
novas células. No seu ciclo de vida, estas envelhecem, morrem e são
substituídas por novas. No entanto, algumas vezes este processo ordeiro e
controlado corre mal, pelo que se formam células novas, sem que estas sejam
necessárias; ao mesmo tempo, as células velhas não morrem. Este conjunto de
células extra forma um tumor. O cancro é um tema muito estudado, tendo como
objetivo final ser encontrada a cura. Até lá, pretende-se estudar as mais variadas
formas de atenuar os seus efeitos colaterais, numa tentativa de diminuir a dor
causada a todos os pacientes.
Comparativamente a alguns anos atrás, o conhecimento sobre esta matéria tem
evoluído e muitas técnicas têm sido desenvolvidas para garantir aos pacientes
melhores condições, melhores tratamentos e também uma vida cada vez melhor
sob o véu desta doença.
No entanto, apesar dos esforços e claramente de algum sucesso, ainda são
inúmeras as pessoas que diariamente sofrem com esta doença.
Perante esta problemática, que tem tomado proporções imensas a nível mundial,
o objetivo principal deste relatório foi analisar até que ponto a prática de exercício
físico regular, poderia trazer melhorias na qualidade de vida de um grupo de
sobreviventes de cancro.
Palavras-Chave: CANCRO, EXERCÍCIO FÍSICO, QUALIDADE DE VIDA
X
XI
Abstract
Cancer is considered the epidemic of this century. However, the number of
survivors who have suffered from cancer has been increasing in the last few
years . This is due to the evolution of new therapeutics, which show that the
treatments for cancer, among which chemotherapy, have been improving and are
promising of a better future. Along with these treatments, several negative effects
appear and bring a bad significant impact on the quality of life of the patients.
According to the “Liga Portuguesa Contra o Cancro” cancer is an abnormal
growth of cells. Normally, the cells grow and divide themselves to form new ones.
However, sometimes this natural and controlled process goes wrong, new cells
appear without being necessary, while the old cells do not die. This extra number
of cells forms a tumour. Cancer is one of the most studied diseases, the one
which has had more research, so that some day a cure may be found. Until then,
and as it hasn´t been found yet, we are meant to find the best ways to minimize
the effects that cancer brings, trying to soften the pain caused in the patients.
Compared to a few years ago, the knowledge on this matter has improved a lot
and many new techniques have been developed to assure that the patients can
have better conditions, better medical care and a better life, always knowing that
they still have cancer.
Nevertheless, in spite of all the efforts and of course and of some success, there
is still a lot of people who suffer from this disease every day.
Facing this huge problem that has been growing worldwide, the main goal of this
report is to analyze how the regular physical exercise practice might bring an
improvement on the quality of the life in a group of cancer survivors.
Key- Words: CANCER; PHYSICAL EXERCISE; QUALITY OF LIFE
XII
XIII
Lista de Abreviaturas
AF- Atividade Física
QV- Qualidade de Vida
EF- Exercício Físico
METS- Equivalentes metabólicos
ACSM- American College os Sports Medicine
1
2
Introdução
O presente relatório tem como objetivo mostrar o trabalho desenvolvido ao longo
deste ano letivo, no âmbito de um projeto da Associação Portuguesa de
Leucemias e Linfomas (APLL), no projeto “De Volta à Forma”.
Este projeto no qual estive envolvida tem como principal objetivo fazer com que
os doentes oncológicos comecem a praticar exercício físico, tornando-se, assim,
mais ativos. Deste modo, irão conseguir garantir uma melhor qualidade de vida
perante as limitações que a condição oncológica lhes causou.
No contexto das aulas, foram tomadas decisões capazes de responder às
adversidades e problemas de cada aluno, tendo em conta a sua situação clínica.
Estas aulas e atividades realizadas ao longo do ano letivo 2018/2019
pretenderam dar a todos os participantes uma troca de experiências e
aprendizagens. Além de uma oportunidade de se tornarem mais ativos
fisicamente, exercitando-se semanalmente, têm também neste grupo uma
vertente social, que promove a interação. Quanto a mim, enquanto profissional
do exercício físico, tive a oportunidade de evoluir nesta área, uma vez que nunca
tinha tido experiência de trabalho com doentes oncológicos.
O estudo por mim realizado, dentro do grupo, pretendeu verificar até que ponto
a prática de exercício físico pode contribuir, de forma positiva, na melhoria da
qualidade de vida de cada um.
Através da análise das entrevistas, pude concluir que, foi uma mais-valia para
todos a participação neste programa. Além de se sentirem melhor fisicamente,
otimizando a sua performance da vida quotidiana, conseguiram melhorar a sua
imagem corporal e conseguiram arranjar neste grupo algum apoio, de outros em
condições semelhantes. Foi também muito benéfico a nível da vertente social.
Todos estes fatores reunidos levam a que a qualidade de vida de cada um seja
melhorada.
3
4
Revisão da Literatura
Epidemiologia do Cancro
Estima-se que 21,6 milhões de novos casos de cancro são esperados em todo
o mundo até 2030. Esta estimativa é um aumento de 53% relativamente às
últimas estatísticas publicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em
2012. À medida que o rastreio e o tratamento continuam a progredir, o número
total de pacientes com cancro e sobreviventes irá aumentar. Embora as taxas de
mortalidade tenham diminuído, muitos pacientes ainda sofrem de sintomas
físicos e psicológicos (Tang et al., 2016).
O cancro é a principal causa de morte em países desenvolvidos e a segunda
principal causa de morte em países em desenvolvimento. Aproximadamente 1
em 4 mortes nos Estados Unidos é causada pelo cancro (Jemal A, Bray F, Center
MM, Ferlay J, Ward E, Forman D, 2011). A Agência Internacional de Pesquisa
sobre Cancro (IARC) estima que cerca de 12,8 milhões de novos diagnósticos
em todo o mundo e 7,6 milhões de mortes em todo o mundo são resultantes do
cancro, em 2008 (Jemal A, Bray F, Center MM, Ferlay J, Ward E, Forman D,
2011). Este crescente diferencial dos diagnósticos de cancro para mortes
relacionadas com ele resultou numa população de sobreviventes - aqueles
diagnosticados com cancro - que excedem 28 milhões em todo o mundo (Jemal
A, Siegel R, Ward E, Hao Y, Xu J, Thun MJ,2011). Esta crescente população de
sobreviventes emergiu de melhorias na triagem e deteção, bem como melhorias
numa variedade de tratamento, incluindo cirurgia, quimioterapia e radioterapia
(Pollock, RE.; Doroshow, JH.; Khayat, D.; Nakao, A.; O’Sullivan, B., UICC, 2012).
Apesar do sucesso dos procedimentos para identificar e controlar o cancro, uma
vez detetado, a prevenção primária é uma área de grande interesse em muitos
níveis, incluindo científico, económico e político. No entanto, as características
genéticas, estilo de vida e variáveis ambientais, influenciam de forma crucial o
desenvolvimento desta condição patológica (Danaei G, Vander Hoorn S, Lopez
AD, Murray CJ, Ezzati M. Comparative Risk Assessment collaborating group
5
Cancers 2005). São numerosos os fatores de risco associados ao seu
desenvolvimento, incluindo o comportamento sexual, substâncias que causam
dependência, e outros fatores tais como o excesso de peso e obesidade, baixa
ingestão de frutas e vegetais e inatividade física (Haslam DW, James WP, Webb,
Fife-Schaw, Ogden, & Foster, 2017).
Dependendo de vários autores, o cancro pode ser definido de variadas formas.
Para uns, o cancro traduz-se numa patologia em que há um crescimento
descontrolado e a disseminação de células - podendo afetar quase qualquer
parte do corpo. Muitos tipos de cancro podem ser evitados, evitando a exposição
a fatores de risco comuns, como por exemplo, o fumo do tabaco. Além disso,
uma proporção significativa de cancros pode ser curada - por cirurgia,
radioterapia ou quimioterapia, especialmente se forem detetados precocemente
(Demark-Wahnefried et al., 2018).
Por outro lado, o National Cancer Institute alarga a sua definição de cancro, e
nela inclui também a família e os cuidadores. Outros autores restringem este
conceito à pessoa que vive em qualquer fase após o fim do tratamento e que se
encontre aparentemente livre da doença (Little et al., 2002) e outros ainda
definem a pessoa com cancro como uma sobrevivente, se vive para além dos
cinco anos após o tratamento (Reuben, 2004).
No entanto, nem todos os tumores correspondem a cancro. Os tumores podem
ser benignos ou malignos. Os tumores malignos são cancro, enquanto os
malignos não o são.
Tipos de Tumores:
Tumores Benignos Tumores Malignos
Raramente põem a vida em risco;
Regra geral, são mais graves que
os tumores benignos;
Regra geral, podem ser removidos
e, muitas vezes, regridem;
Podem colocar a vida em risco;
6
As células dos tumores benignos
não se "espalham", ou seja, não se
disseminam para os tecidos em
volta ou para outras partes do
organismo (metastização à
distância).
Podem, muitas vezes, ser
removidos, embora possam voltar
a crescer;
As células dos tumores malignos
podem invadir e danificar os tecidos e
órgãos circundantes; podem, ainda,
libertar-se do tumor primitivo e entrar
na corrente sanguínea ou no sistema
linfático - este é o processo de
metastização das células
cancerígenas, a partir do cancro
original (tumor primário), formando
novos tumores noutros órgãos
Quando o cancro entra em metástase, o novo tumor tem o mesmo tipo de células
anormais do tumor primário. Por exemplo, se o cancro da mama metastizar para
os ossos, as células cancerígenas nos ossos serão células de cancro da mama;
neste caso, estamos perante um cancro da mama metastizado, e não um tumor
ósseo.
Mullan (1985) descreve a experiência de cancro em três fases, marcadas por
mudanças e problemas específico. A fase aguda começa no diagnóstico e
continua até ao fim do tratamento (centrada nas preocupações com o tratamento
e seus efeitos colaterais); a fase intermédia começa com o fim do tratamento, a
7
remissão da doença (denominada por «espera cautelosa», onde há consultas
regulares de vigilância e, por vezes, alguma terapêutica); a fase permanente
engloba a duração de vida do sobrevivente quando o risco de recorrência é
pequeno (Mustian KM, Cole CL, Lin PJ, et al, 2012).
Um diagnóstico de cancro e os tratamentos que o acompanham podem levar a
inúmeros sintomas e efeitos colaterais - incapacidade física, sofrimento
psicológico e aumento das necessidades de cuidados de saúde (Ferioli M, Zauli
G, Martelli AM, et al, 2018).
Os tipos de sintomas podem ser de 3 tipos - agudos, crónicos e tardios. Os
sintomas agudos desenvolvem-se antes ou durante o tratamento, e são de curta
duração. Os sintomas crónicos podem continuar por meses ou anos, e os
sintomas tardios desenvolvem-se meses ou anos após a conclusão dos
tratamentos (Mustian KM, Cole CL, Lin PJ, et al, 2012).
Os diferentes tipos de sintomas podem ocorrer em qualquer fase do cancro, e
têm efeitos adversos significativos sobre o paciente. Os sintomas também
ocorrem como efeitos colaterais da medicação usada para combater a dor,
quimioterapia, e radioterapia. Como seria de prever, todos os sintomas
vivenciados pelo paciente acabam por interferir negativamente na sua qualidade
de vida (Mustian K, Peppone L, Sprod L, Janelsins M, Trevino L, Gewandter J,
Chandwani K, Heckler C, Morrow G, 2012).
Assim sendo, o cancro e o seu tratamento afetam os sistemas músculo-
esquelético, nervoso, imunológico, endócrino e cognitivo, além dos sistemas
cardiopulmonares. Deste modo, durante o seu tratamento, os sobreviventes
podem experimentar uma variedade de sintomas fisiológicos, psicossociais e
efeitos colaterais. Muitos desses sintomas e efeitos colaterais não são exclusivos
de um tipo específico de tratamento. Alguns dos sintomas mais comuns e efeitos
colaterais experimentados durante o tratamento incluem fadiga, dor,
complicações cardiovasculares e pulmonares, alterações endócrinas, fraqueza,
alterações imunológicas, distúrbios gastrointestinais e alterações na pele
(Brandenbarg et al., 2018).
8
Outro sintoma bastante comum é a perda de massa muscular e força (Schulz et
al., 2017). Estes são também sintomas associados ao processo normal do
envelhecimento e são referidos como sarcopenia primária. O termo sarcopenia
secundário é frequentemente usado para descrever a sarcopenia causada por
outros fatores, como por exemplo o cancro. A caquexia é outra síndrome de
depleção que provoca a perda de peso e perda de massa muscular devido a
uma doença subjacente. A fisiopatologia da caquexia do cancro inclui uma
combinação complexa de ingestão e absorção de energia reduzida, alterações
hormonais, metabolismo anormal e inflamação. Estudos anteriores identificaram
caquexia e sarcopenia como contribuintes para o funcionamento físico
debilitado, redução da tolerância ao tratamento, maior carga de sintomas,
redução da qualidade de vida e aumento da mortalidade (Schulz et al., 2017).
Com o aumento do envelhecimento populacional a probabilidade da população
desenvolver doenças crónicas e progressivas, associadas a processos
fisiopatológicos de evolução, é cada vez maior. Uma perda da funcionalidade é
vivenciada no percurso da maioria destas doenças associada a alterações
físicas, psíquicas, emocionais e espirituais. Torna-se então fulcral o uso de uma
abordagem que vise melhorar a QV destes doentes e daqueles que conseguiram
sobreviver à doença (Tang et al., 2016).
Enquadra-se aqui, nesta vertente da prevenção e recuperação, a prática de
exercício físico, como uma das enormes vantagens para esta situação
patológica.
9
Atividade Física
Atividade física é regularmente definida como qualquer movimento corporal
produzido pela musculatura que resulte num gasto de energia acima do nível de
repouso (Sharif et al., 2018) .
Estima-se que a infância e juventude são a altura determinante para o ganho de
hábitos duradouros de AF, até à idade adulta. Parece ser razoável assumir que
as crianças e jovens que sejam fisicamente ativas, sejam aquelas que venham
a manter esse hábito enquanto adultos. De facto, a promoção da AF na infância
e juventude baseia-se, em parte, no pressuposto de que os hábitos de AF se
desenvolvem durante estes períodos e se mantêm até à idade adulta. A AF
habitual é um comportamento complexo que tem por base hábitos e práticas
individuais (Mizota et al., 2018).
A AF pode ser categorizada em quatro subgrupos principais, que incluem a
vertente ocupacional (atividade realizada no trabalho), domicílio (atividade
realizada em casa), de transporte (atividade realizada para deslocamento) e a
recreação ou lazer (atividade realizada para prazer e / ou prazer) (Caspersen
CJ, Powell KE, Christenson GM.1995).
Para avaliar a atividade física, existem quatro parâmetros que podem ser
estimados: frequência, intensidade, tempo e tipo. Frequência é o número de dias
por semana dedicados a prática de exercício. O tempo é a duração de uma única
atividade, medida em minutos ou horas. O tipo é a modalidade e frequentemente
inclui atividades aeróbicas, força e flexibilidade. Intensidade reflete a exigência
física da atividade, incluindo intensidade leve, moderada e vigorosa (Thompson,
WR.; Gordon, NF.; Pescatello, LS., 2013) .Exemplos de atividades com
intensidades leves, moderadas e vigorosas incluem trabalho doméstico,
caminhada rápida e corrida, respetivamente (Ainsworth BE, Haskell WL, Whitt
MC, Irwin ML, Swartz AM, Strath SJ, O’Brien WL, Bassett DR Jr, Schmitz KH,
Emplaincourt PO, Jacobs DR Jr, Leon AS. 2000).
10
A maioria dos estudos epidemiológicos mede a intensidade em METs -
equivalentes metabólicos do gasto de energia. No quadro que se segue
podemos ver as divisões dos graus de intensidade:
Graus de intensidade da AF
São estas quatro componentes que formam a base da AF ou prescrição do
exercício, referido como o princípio do FITT (frequência, intensidade, tempo,
tipo).
As recomendações a respeito da prática de exercício físico, segundo a ACSM-
Colégio Americano de Medicina Desportiva, apontam para a importância de
realizar uma atividade física de intensidade moderada, pelo menos cerca de 150
minutos por semana ou 75 minutos, se a atividade for mais intensa. Para as
crianças, as recomendações são de pelo menos 60 minutos de atividade física
moderada ou mais vigorosa, todos os dias, devendo as atividades mais intensas
ocorrer pelo menos 3 vezes por semana, evitando deste modo, a habituação a
comportamentos sedentários. Assim, cada caso deve ser analisado, podendo
Atividade
insuficiente
Atividade
suficiente
Combinação de
atividades
vigorosas e
moderadas
Atividade vigorosa
- <600 METs por
min. / semana);
- 20 min. de
atividades
vigorosas todos os
dias por ≥3 dias;
- 30 min. de
atividades
moderadas;
- caminhada por
≥5 dias;
- todos os dias por
≥5 dias (pelo
menos 600 MET /
min / semana);
- atividades vigorosas por
≥3 dias (pelo menos 1500
MET min / semana);
- combinação de
atividades vigorosas e
moderadas
- caminhar durante 7 dias
(pelo menos 3000 MET /
min / semana).
11
haver algumas limitações e diferenças nas recomendações propostas ( Rock CL,
Doyle C, Demark-Wahnefried W, et al. 2012.).
12
Atividade Física e Cancro
O cancro é uma condição patológica que leva a que haja uma grande perda de
massa muscular e perda de apetite, o que irá resultar numa má nutrição,
elevados níveis de fadiga, entre outras condições (Duncan et al., 2017).
A AF relacionada com a saúde aparece como um dos fatores que pode modificar
a predisposição para dos indivíduos adoecerem (Sharif et al., 2018). Em primeiro
lugar, existem evidências bastante significativas da influência da AF na melhoria
da eficiência do sistema imunológico, facto que pode reduzir a incidência de
alguns tipos de cancro e melhorar a resistência de pacientes com AIDS-
Síndrome da Imunodeficiência adquirida. Por outro lado, a adoção de um estilo
de vida fisicamente ativo irá proporcionar uma mudança de comportamento dos
indivíduos (Mouri et al., 2018).
Perante uma doença oncológica, a esta se associa a fisiopatologia da caquexia,
que inclui uma combinação complexa de ingestão e absorção de energia
reduzida, alterações hormonais, metabolismo anormal e inflamação. Estudos
anteriores identificaram a caquexia e sarcopenia como contribuintes para o
funcionamento físico prejudicado, menor tolerância aos tratamentos, maior carga
de sintomas, redução da QV e aumento da mortalidade entre pacientes
(Brandenbarg et al., 2018).
Nestes casos a prática de exercício físico irá traduzir-se numa melhoria da QV,
tanto nos doentes sem possibilidades curativas, como também para aqueles que
conseguiram vencer a doença, mas que ainda assim apresentam grandes
debilidades por ela causada (Brandenbarg et al., 2018).
O exercício irá intervir efetivamente na redução dos sintomas, na prevenção e
compensação do declínio funcional, na otimização da mobilidade e da
funcionalidade. Deste modo, pode contribuir para que os doentes permaneçam
fisicamente mais independentes, de modo a conseguirem executar as suas
tarefas diárias com alguma facilidade (Dittus, Gramling, & Ades, 2017; Ngo-
Huang, 2017; Sheil, Guinan, Neill, Hevey, & Hussey, 2017; Wasley et al., 2017).
13
Relativamente às vantagens do exercício, pressupõe-se que este seja uma
prática programada individualmente, e continuada no tempo, isto é, que não seja
algo realizado esporadicamente. Face a estas condições, tem sido documentada
a redução da gravidade do cancro, dos seus sintomas e efeitos colaterais
relacionados com os tratamentos, bem como a melhoria da capacidade aeróbica,
da força muscular e do funcionamento físico (Rufa'i et al., 2016).
Qualquer pessoa a que lhe seja diagnosticado um cancro tem que, no seu dia-
a-dia, ter cuidados adicionais, nomeadamente fazer uma alimentação saudável
e equilibrada, praticar exercício físico (desde que não haja contraindicação
médica) e, dentro do possível, manter as atividades diárias.
Nos últimos 20 anos, a participação em programas de AF tem emergido como
uma opção para a reabilitação de sobreviventes de cancro.
Reconhece-se que o exercício pode não servir como um complemento útil para
todos os sobreviventes, no entanto, há uma base crescente de evidências que
sugerem que o exercício, por exemplo, uma caminhada rápida, produz menos
sintomas e efeitos colaterais durante o tratamento e retarda a taxa de alterações
nos sistemas fisiológicos. Como tal, o contexto do exercício durante o tratamento
oncológico, deve servir uma variedade de finalidades, de forma a torná-lo útil
para os pacientes (Mayer et al., 2018).
Segundo Brandenbarg et al, 2018, o tipo de exercício pode ter uma maior ou
menor influência em determinado sintoma. A dor e a insónia foram consideradas
ser aliviadas com exercícios aeróbicos, enquanto que a fadiga é melhorada
através de exercícios aeróbicos e de resistência.
Entre uma meta-análise de 17 estudos, a aptidão aeróbica - um marcador de
função cardiorrespiratória - melhorou significativamente em sobreviventes de
cancro durante o tratamento, no período de intervenção do exercício. A
declaração consensual do American College of Sports Medicine sobre o cancro
e exercício físico, concluiu que existe um nível de evidência de grau A, para os
benefícios cardiorrespiratórios do exercício durante o tratamento oncológico. Isto
porque, o descondicionamento do sistema cardiovascular e pulmonar é comum
14
e está associado a níveis diminuídos de AF. No entanto, parece que a
capacidade adaptativa do sistema cardiorrespiratório em se exercitar permanece
intacta durante o tratamento.
A fadiga e fraqueza muscular também são sequelas comuns do tratamento, mas
podem ser passíveis de ser exercitadas. Por exemplo, entre 121 sobreviventes
de cancro da próstata submetidos à radioterapia, a força do tórax e da perna
(medida pelo teste de oito repetições máximas) melhorou em 13,7kg e 25,2 kg,
respetivamente, durante 24 semanas de treino.
Semelhante à aptidão aeróbica, o American College of Sports Medicine,
classificou o efeito do exercício sobre a força muscular durante o tratamento para
sobreviventes de cancro da mama e próstata como nível "A" - com todos os
estudos mostrando melhorias marcantes na força muscular.
A perda óssea é uma preocupação comum entre pacientes com cancro. Baseado
num número limitado de ensaios, o exercício de intensidade moderada pode
preservar a saúde óssea. O exercício físico, incluindo principalmente a
caminhada, evitou a perda de massa óssea na coluna durante a quimioterapia
em pacientes do sexo feminino. No entanto, um estudo semelhante, usando
como ferramenta a caminhada menos intensa, não conseguiu descobrir se a
caminhada poderia prevenir a perda de massa óssea na coluna em pacientes
com cancro da mama (Schwartz de Heer & Bea, 2017). Consistente com esta
evidência, o American College of Sports Medicine sugeriu que o exercício pode
ser benéfico para a saúde óssea em sobreviventes do cancro da mama, mas
devido à evidência limitada, não forneceram uma categoria de evidência.
Existe ainda, um grande corpo de evidências epidemiológicas que concluem que
aqueles que participam em AF mais intensa têm uma probabilidade reduzida de
desenvolver uma variedade de cancros em comparação com aqueles que
praticam em níveis mais baixos de AF.
No entanto, existem ainda poucas evidências sobre a segurança da AF entre
todos os sobreviventes de cancro uma vez que na maioria dos estudos há uma
recruta seletiva dos participantes. Também não está claro se a dose específica
15
de exercício necessária é ideal para a prevenção do cancro primário ou o
controle dos sintomas durante e após o tratamento deste.
Visto por outro prisma, sabe-se hoje, que não existe qualquer dúvida de que o
excesso de gordura corporal, consumir muitas calorias e a falta de exercício
físico estão associados a um risco aumentado de desenvolver muitos tipos de
cancro- esófago, colo-rectal, mama, útero e rim. Aproximadamente 1/3 de todas
as mortes por cancro estão relacionadas com a dieta e a falta de atividade física
(Demark Wahnefried et all., 2018).
Ser fisicamente ativo pode então ajudar a reduzir o risco de cancro, uma vez que
é uma grande ajuda no controlo do peso. Este aspeto é importante uma vez que
o excesso de peso, ou mesmo, a obesidade leva a que, por norma, o organismo
a produza e faça circular mais estrogénios e insulina, hormonas estas que podem
estimular o crescimento de células cancerígenas. Por sua vez, a AF pode ajudar
também a melhorar os níveis hormonais e o modo como funciona o sistema
imunológico.
Quando se pretende iniciar um programa para pessoas nestas condições, é
importante primeiramente conhecer bem o estado clínico de cada uma. Será
também conveniente saber algumas informações de cada pessoa, tal como o
IMC. Por outro lado, e tendo sempre em conta a individualidade de cada um, a
entrega de questionários é também relevante, pois através destes conseguimos
conhecer melhor a rotina de cada paciente.
Para comprovar então a importância da prática de exercício, um estudo
demonstrou que, mulheres ativas comparadas com mulheres sedentárias,
apresentaram menor sintomatologia depressiva, menos ansiedade, maior
autoestima, melhor saúde global e QV. Isto mesmo a longo prazo após o término
do tratamento. O exercício teve correlações positivas significativas com a
autoestima, a saúde global e a QV (aspetos físicos, funcionais, emocionais,
cognitivos e sociais). Além disso, foram encontradas correlações negativas,
significativas, com ansiedade e sintomas depressivos. Pode-se concluir portanto,
que o exercício deve ser recomendado aos sobreviventes de cancro, mesmo
após o término do tratamento, pois este pode ser uma boa ferramenta para
16
alcançar maior autoestima, melhor QV, diminuição da ansiedade e dos sintomas
depressivos.
Resumindo, as pessoas a quem lhes é diagnosticado cancro, por norma,
diminuem o seu nível de AF. No entanto, tem-se vindo a comprovar que a prática
de exercício é uma alternativa não farmacológica, segura, viável e de custo
relativamente baixo para o manejo da depressão entre mulheres com cancro de
mama. Além disso, a AF e o exercício podem ajudar os sobreviventes a reduzir
efeitos colaterais específicos e, ao mesmo tempo, podem ser uma intervenção
eficaz na redução da ansiedade (Patsou, Alexias, Anagnostopoulos, &
Karamouzis, 2018).
A realização de formas específicas de exercício regular e a manutenção de um
estilo de vida ativo podem desempenhar um papel importante na sobrevivência,
uma vez que ajudam a diminuir o risco de recorrência do cancro. Grandes
organizações de saúde, tais como a ACSM, recomendam que os sobreviventes
do cancro realizem pelo menos 150 minutos de AF moderada ou 75 minutos de
exercício aeróbico de alta intensidade combinado com um mínimo de duas
sessões de exercício de fortalecimento muscular, por semana.
No entanto, em todo o mundo, organizações diretamente relacionadas com o
cancro fornecem recomendações e diretrizes para que os sobreviventes
incorporem a AF na sua vida diária. Contudo, estima-se que apenas 10 a 20%
dos sobreviventes estarão ativos após o tratamento (Gjerset, G.M.; Fosså, S.D.;
Courneya, K.S.; Skovlund, E.; Thorsen, L.), (Pinto, B.M.; Ciccolo, J.T,2018).
O exercício prescrito tem que ser adequado a cada paciente e suas debilidades.
Isto porque, os efeitos colaterais podem afetar severamente a capacidade que
cada um passa a ter perante o exercício. Por exemplo, exercício de resistência
da parte superior do corpo progressivo e de intensidade moderada é considerado
seguro para os sobreviventes de cancro da mama, que correm o risco de
desenvolver linfedema. Assim, o exercício de intensidade moderada é
considerado seguro durante e depois do tratamento do cancro e os benefícios
do exercício regular ultrapassam largamente os riscos.
17
Apesar do perfil favorável da prática de AF ao longo de todo o processo do
cancro, ainda existem muitas dúvidas, tal como, qual a dose ideal de AF
necessária para maximizar a redução do risco de cancro.
18
Qualidade de Vida
A qualidade de vida tem sido um indicador chave dos sobreviventes do cancro,
uma vez que este se tornou um grave problema de saúde pública, prejudicando
não só a saúde como também o desenvolvimento social da pessoa.
O bem-estar ou mal-estar psicológico parecem influenciar de alguma forma o
funcionamento do organismo, a evolução da doença, o efeito da terapêutica e
até a própria longevidade (Bayes, 1994; Lazarus e Folkman, 1986). «A ênfase
na qualidade de vida é tão importante como outros objetivos de saúde e de
cuidados médicos, tais como a prevenção da doença, o atingir a cura, aliviar
sintomas ou dores, evitar complicações, oferecer cuidados humanos e prolongar
a vida» (Patrick e Erickson, 1993).
As várias definições incluem conceitos tais como bem-estar, satisfação,
felicidade, expectativas ou funcionalidade (Pais-Ribeiro, 2004).
Na área da oncologia, a QV tem sido definida como a perceção individual de
bem-estar, compreendendo uma perspetiva multidimensional que geralmente
engloba a dimensão física, psicológica, social e espiritual (Ferrel e Dow, 1997).
Apesar da evolução ao longo dos tempos, os sobreviventes de cancro ainda
passam por um enorme sofrimento físico e psicológico. Quando se fala em
sobrevivência, falha-se em refletir suficientemente sobre os efeitos físicos e
psicossociais a longo prazo. No entanto, mais atenção tem sido dada para avaliar
a QV dos sobreviventes de cancro, um conceito multidimensional que abrange
vários aspetos, incluindo tanto o funcionamento físico, emocional, mental, sexual
e social (Tang etal. 2016).
A QV reflete a experiência do indivíduo sobre as metas relacionadas à
sobrevivência e foi reconhecida como uma importante variável prognóstica e
amplamente utilizada na pesquisa sobre o cancro.
19
Qualidade de Vida e Prática de Exercício Físico
Um efeito dose-resposta da maior frequência nos programas de exercício físico
também foi associado a melhorias estatisticamente significativas na qualidade
de vida e na fadiga.
O LIVESTRONG no programa YMCA foi eficaz na melhoria da AF, fitness, QV e
fadiga relacionada com o cancro num grupo misto de pacientes, incluindo cancro
de longa duração- sobreviventes, pacientes recém-diagnosticados que recebem
terapia adjuvante e indivíduos que vivem com doença avançada. Os benefícios
foram vistos tanto em pacientes mais como menos ativos (Tworoger SS, Yasui
Y, Ulrich CM, et al., 2002).
Numa meta-análise publicada recentemente de 16 ensaios, sobre exercício em
sobreviventes de cancro, concluiu-se que o exercício melhorou
significativamente a QV em comparação com o tratamento usual, analisado em
apenas oito ensaios (50%). As possíveis razões para a melhoria na QV nesses
oito testes de exercício, em comparação com a melhoria do LIVESTRONG no
programa de exercícios do YMCA, são as diferenças na frequência das sessões
de treino.
Na meta-análise, a frequência de exercício físico, mais que duas vezes por
semana, foi associado a uma melhoria na QV e fadiga. O tempo de intervenção
também foi importante, pois o exercício melhorou significativamente a QV e a
fadiga, nos estudos durante o tratamento do cancro, em comparação com os
estudos pós-tratamento.
Observamos também um maior benefício do exercício perante a QV e fadiga
entre os participantes da LIVESTRONG no programa de exercícios do YMCA,
que recentemente completaram o tratamento e foram diagnosticados nos últimos
3,5 anos, em comparação com os participantes diagnosticados com mais de 3,5
anos e, portanto, mais longe de completar o tratamento.
Os sobreviventes de cancro devem tolerar a dor causada pela doença e também
estão sob maior pressão psicológica que as outras pessoas. Daí que, a influência
20
da interação mente-corpo leva à diminuição das funções físicas e pode até
diminuir os efeitos dos tratamentos médicos (Schmitz K, Courneya K, Matthews
C, et al., 2010).
Nos últimos anos, mais de 75% dos sobreviventes de cancro foram sujeitos a um
tratamento que combina medicação específica e medicação para reduzir os
sintomas perturbadores desta doença. Este tratamento integrativo produziu
melhores efeitos e aumento na QV.
Avanços na consciencialização pública, deteção precoce e melhores
tratamentos significam que mais pessoas agora vivem com e além do cancro.
Por exemplo, a Cancer Research mostra que no Reino Unido 50% das pessoas
diagnosticadas, em Inglaterra e no País de Gales, sobrevivem 10 anos ou mais,
e as taxas de sobrevivência duplicou nos últimos 40 anos. Esse grupo de
sobreviventes inclui pessoas em vários estágios de tratamento ativo, e aqueles
em remissão, que estão gradualmente reconstruindo a sua vida social e
profissional.
No entanto, não se deve descuidar de que forma é que estes sobreviventes ou
mesmo aqueles que ainda passam pela doença se sentem. Constata-se que
uma proporção significativa de sobreviventes de cancro experimenta má QV
(Jarrett N, Scott I, Addington-Hall J, et al, 2011). As suas principais causas
incluem depressão, ansiedade, angústia, medo de recorrência e níveis mais
baixos de suporte social, impactos nas relações familiares e sociais e
necessidade de apoio psicológico e social. O processo de diagnóstico e
tratamento é traumático e avassalador. Experiências comuns para aqueles que
vivem com e além do cancro incluem redução da capacidade física, fadiga,
mudanças na atividade sexual e maior propensão para desenvolver outras
condições médicas que afetam a função por muitos anos. Pressupõe-se
portanto, que esta população esteja, compreensivelmente, menos motivada para
integrar atividades sociais, o que pode causar numa perda de apoio (Patsou,
Alexias Anagnostopoulos & KAramouzis,2018).
21
A análise sistemática de pacientes com cancro e sua QV, mostrou que
intervenções eficazes incluíam atividade TCC - terapia cognitivo comportamental
e redução do stress baseado em mindfulness.
Tomados em conjunto, os resultados de um estudo sugerem que existe uma
associação entre a QV e a quimioterapia, com os seus efeitos adversos, por um
lado, e os sintomas de ansiedade e depressão por outro. Contudo, a revisão da
literatura mostrou que a idade (<50 anos) foi considerada na maioria dos estudos
o fator preditivo de pior QV (Jemal et al., 2010; Zainal et al., 2013).
Houve uma associação significativa entre as relações conjugais e QV, na
análise multi-regressão neste estudo e o status de divorciado foi associado com
pior QV (Kim et al., (2008).
Weitzner et al. (1997), e Sprangers et al.al., (1996) observaram que, a
mastectomia está associada a um corpo menos bonito, correspondendo a uma
pior QV. Contudo, a longo prazo, grande parte da literatura atual (Ganz et al.,
2002) constata que o tipo de cirurgia não tem impacto na QV. A radioterapia é
frequentemente associada à astenia – fraqueza orgânica, e distúrbios da pele,
principalmente na fase aguda da radioterapia, que pode afetar os aspetos físico
e funcionamento psicológico (So et al., 2010). Isso poderia explicar a associação
estatisticamente significativa identificada entre a radiação e a diminuição da QV
em vários estudos (Broeckel et al., 1998; Yen et al., 2006).
Neste estudo, o tratamento por quimioterapia e a possível ocorrência de náuseas
e vómitos após quimioterapia foram significativamente associados a pior QV.
Pode ser devido aos efeitos colaterais a curto prazo e distúrbios
cardiorrespiratórios, como congestiva insuficiência cardíaca e insuficiência
pulmonar, que pode ocorrer muitos anos depois e que pode alterar seriamente a
QV a longo prazo. Um número de autores Broeckel et al., (1998); Jacobsen et
al. (1995) e Weitzner et al. (1997) relataram que o tratamento por quimioterapia
foi identificado como fator preditivo de pior QV. Afeta principalmente a imagem
corporal e o funcionamento sexual, e isso pode prejudicar a QV a curto, médio e
longo prazo. Uma das descobertas mais significativas que emergem deste
22
estudo é que os sintomas de ansiedade e depressão foram significativamente
associados a uma QV prejudicada (Lueboonthavatchai, 2007).
Medidas de QV frequentemente incluem avaliação de fadiga, depressão,
ansiedade e humor. Numa meta-análise de dez estudos, a QV durante o
tratamento melhorou com a prática de exercício físico.
Para ilustrar, 167 mulheres foram questionadas sobre os seus níveis de AF
durante o tratamento de cancro. As mulheres que participaram em pelo menos
uma sessão de exercício intensivo (vigoroso) por semana durante o tratamento,
relataram níveis de QV pós-tratamento melhorados, incluindo aspetos físicos,
funcionais, emocionais, sociais e preocupações gerais com a vida.
Ansiedade é outro resultado psicossocial geralmente estudado, pelo que, dentro
de uma meta-análise de seis estudos, o exercício foi associado a uma pequena
redução nos sintomas de ansiedade.
Relativamente à fadiga, o grupo que praticou exercício físico reduziu
significativamente sua ansiedade em comparação com a linha de base,
enquanto que o grupo de controle não experimentou nenhuma mudança nesses
níveis.
23
24
Contexto da Prática
A Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas, APLL- foi criada em 2001
por familiares de doentes com leucemias, linfomas e mielomas. Os seus
principais objetivos são melhorar a qualidade de vida dos doentes com doenças
oncológicas, garantindo o maior e mais diverso apoio neste período - distribuição
de artigos a doentes internados, apoio financeiro aos doentes carenciados
através da compra de medicamentos para tratamento ambulatório, realização de
atividades de desmistificação e informação acerca da patologia em questão e
simultaneamente, a promoção da APLL junto da comunidade em geral, através
da realização de campanhas cujo objetivo se prende com o aumento de dadores
de medula óssea.
Esta associação desenvolveu então um projeto “ De volta à forma” que tem
como principal objetivo fazer com que os doentes oncológicos se tornem mais
ativos, o que muitas vezes não acontece, nesta fase. A componente prática deste
projeto ocorre duas vezes por semana, quarta e sexta-feira, durante uma hora.
Neste período de tempo, os participantes integram uma aula, na qual um dos
objetivos é a prática de exercício físico, de forma controlada e tendo em conta a
individualidade de cada um.
O projeto tem lugar nas Piscinas da Constituição, numa sala destinada à prática
de exercícios físico, e devidamente equipada para esse efeito. Segue-se uma
tabela com o material disponível para as aulas:
25
Material
Bicicletas Step Halteres
(diferentes pesos)
Trampolins
Remo
Escada Pliométrica
Elásticos
(diferentes
resistências)
Bolas
medicinais
Box Colchões Barras Bolas de
Pilates
Cordas Bandas de
Resistência
Discos (diferentes
pesos)
Plataformas
Instáveis
Quanto ao número de participantes variava de aula para aula, no entanto,
raramente excedia as dez pessoas, geralmente nove mulheres e um homem,
entre os 45 e os 70 anos. Além disso, havia uma grande diversidade no grupo
relativamente ao estádio da doença e ao tipo de cancro.
A minha experiência com este grupo teve a duração de cerca de 8 meses. As
aulas que por mim foram planeadas e lecionadas apresentaram sempre a
mesma estrutura, variando depois os exercícios. Segue-se um quadro, no qual
estão diferenciadas as três partes na qual a aula se subdividia:
Distribuição da Aula
Aquecimento Dez minutos na bicicleta
Parte fundamental da Aula Treino de Força, Equilíbrio e
Coordenação (circuito)
Retorno à Calma Alongamentos
No aquecimento foi sempre usado um ergómetro bastante simples e no qual
cada participante podia intensificar mais ou menos o seu trabalho, consoante a
sua predisposição.
26
Na parte fundamental da aula, era então realizado um circuito, no qual, todos os
exercícios pretendiam mimetizar os padrões do movimento - deslocação,
mudanças de nível, empurrar, puxar e rodar, a fim de haver uma maior
transferência para as atividades diárias de cada um. A maioria dos exercícios
priorizava os grandes grupos musculares, assim como os músculos de
estabilidade. Além disso, eram por norma, também inseridos exercícios de
coordenação, por exemplo, na escada pliométrica, ou até mesmo no step, e
ainda exercícios de equilíbrio, usando plataformas instáveis, transferências de
peso de uma perna para a outra, deslocações em cima das mesmas plataformas.
O circuito era realizado por tempo, sendo que durante o momento de execução,
cada um conseguia intensificar mais ou menos o seu trabalho.
Segue-se um quadro com alguns exemplos de exercícios usados:
Exercícios do Circuito
Deslocações Mudanças de Nível Empurrar Puxar Rotações
Deslocações
com carga
Walking
Lunge
Agachamento
Subir e
Descer o
Step
Empurrar
a Box
Flexões
de
Braços
Remada
com
elásticos
/ barra
Rotações
com
elásticos
Abdominal
Cruzado
A aula terminava com alguns alongamentos, para os músculos exercitados, e
ainda alguns exercícios de respiração, a fim de a normalizar. No final, e não
menos importante, era sempre feito o grito de equipa “ De volta à Forma”.
Como referido anteriormente, as aulas mantinham sempre a mesma estrutura, o
que para mim faz sentido, pois uma vez que estamos a trabalhar com um grupo
27
de pessoas completamente diferentes, e cada uma com a sua particularidade,
deve haver sempre alguma precaução. Isto porque era notável, em alguns casos,
a falta de experiência perante a prática de exercício, a pouca destreza motora,
pouca coordenação e a falta de consciência corporal. Ainda que a predisposição
para a prática não fosse sempre a mesma, eram notáveis momentos de maior
cansaço, o que iria de imediato interferir com a aula. Além disso, estava excluída
a hipótese de alguém se sentir inferior ou menos capaz.
Senti que, perante o grupo em questão o importante seria focar no básico, nos
movimentos que lhes são exigidos na vida quotidiana, melhorar a sua qualidade,
e como consequência da boa técnica adquirida, a carga extra - que cada um
adequava a si, iria trazer melhorias nível da postura, equilíbrio, e
desenvolvimento de massa muscular, o que para esta população é como que
uma vitória perante aquilo que a condição de saúde em que se encontram lhes
tirou.
28
Metodologia
Participantes
Para aceder às perceções das pessoas que participavam no Programa De Volta
à Forma, foram realizadas entrevistas semiestruturadas aos participantes (n =
5), com idades compreendidas entre os 56 e os 67 anos, após obtido o
consentimento informado dos(as) participantes e garantida a confidencialidade
dos dados.
Entrevistas
As entrevistas, realizadas sempre pelo mesmo elemento da equipa de
investigação, decorreram na tarde do dia 29 de julho de 2019. Os participantes
foram entrevistados por ordem de chegada e, depois de realizadas todas as
entrevistas foi realizado um pequeno convívio na sala da APLL, onde foi
distribuída a Newsletter da Associação e tirada uma foto de grupo.
As entrevistas individuais foram realizadas numa sala reservada das instalações
da Liga Portuguesa Contra o Cancro, proporcionando-se um ambiente calmo,
silencioso e privado. O guião das entrevistas contemplou questões relacionadas
com (1) as perceções dos participantes acerca da importância do programa na
sua capacidade de realizar as tarefas do quotidiano; (2) a perceção da
importância do programa na sua atividade física diária; (3) a perceção do corpo
e da importância da participação no programa na sua relação com o corpo bem
como (4) a perceção da qualidade de vida e da relação com a participação no
programa. O guião foi delineado como sendo semiestruturado, pois pretendia-se
que a recolha fosse flexível em opiniões e ideias sobre os temas investigados, e
também para garantir a liberdade de introduzir novas questões em busca de mais
informação. Além desses aspetos, esta opção metodológica tornou possível
adaptar o instrumento de pesquisa ao nível de compreensão e de recetibilidade
29
do(a) entrevistado(a). As entrevistas gravadas em registo áudio foram
integralmente transcritas por duas das investigadoras.
Análise dos dados
Perante as técnicas de análise de conteúdo, optou-se pela análise temática para
inferência dos dados, que foram sujeitos a uma análise indutiva com o recurso
ao programa QSRNVivo12Pro para a sua gestão e codificação. A análise dos
dados foi realizada independentemente por duas autoras, tendo uma a
responsabilidade da edição do processo de codificação. Os resultados foram
comparados e discutidos até ser obtido um consenso. Os procedimentos de
análise e discussão foram acompanhados por uma terceira autora no sentido de
promover o confronto de crenças, valores e preconceitos.
Resultados e discussão
Através da análise de conteúdo obtido das entrevistas foram identificados 8
temas. A interpretação dos temas foi dividida em dois grupos, de acordo com os
objetivos de trabalho definidos por cada estagiária.
Assim, com a mesma amostra de dados foram realizados dois estudos, um que
incidiu a sua interpretação sobre os temas relacionados às perceções do corpo
e da imagem corporal e outro na interpretação das perceções acerca da
qualidade de vida e atividade física.
Grupo 2: Perceções acerca da qualidade de vida
Na área da oncologia, a qualidade de vida tem sido definida como a perceção
individual de bem-estar, compreendendo uma perspetiva multidimensional que
geralmente engloba a dimensão física, psicológica, social e espiritual (Ferrel e
Dow, 1997). Outras definições incluem também conceitos tais como bem-estar,
30
satisfação, felicidade, expectativas ou funcionalidade (Pais-Ribeiro, 2004).
Da análise do conteúdo das entrevistas emergem duas categorias
relacionadas com a perceção da qualidade de vida entre os participantes do
projeto “De Volta à Forma”.
Prespetiva de Saúde
Nesta categoria, emergem perceções acerca da condição crónica da doença, e
da constante preocupação com as recaídas. Apesar dos avanços que têm
acontecido ao longo dos tempos, os sobreviventes de cancro ainda
experimentaram um enorme sofrimento físico e psicológico. Quando se fala em
sobrevivência, falha-se em refletir suficientemente sobre os efeitos físicos e
psicossociais a longo prazo.
“Só vou acabar com os tratamentos, eu sei que a minha doença é incurável eu
sei que a única forma que eles têm é que a doença não evolua. Não há mais
nada a fazer. Eu sei que se acabar o tratamento vou começar com outro (risos).
Vou estar agarrado a isto (risos).”
Algumas falas apontam também para a importância do programa, no
estabelecimento de rotinas salutares.
“E quis ocupar o meu tempo. E então quis ocupar o meu tempo com algo que
fosse de encontro a minha doença, não a pensar na doença, mas aquilo que me
pudesse ajudar”
Surgem ainda referências ao programa estruturado de exercício, como um
impulsionador de outros comportamentos de promoção da saúde, como a prática
de atividade física fora do contexto supervisionado e os cuidados com a
alimentação.
31
“Sim, porque eu vejo que se eu consigo fazer aí, também sou capaz de fazer
fora. Aquilo é um abrir de mente ao nosso medo.”
“Olho ao espelho e gosto de me ver. Porque eu vejo, vejo aqui alguma coisa
definida. Também tenho hábitos alimentares diferentes. Eu tinha uma vida muito
má, porque eu era, e sou vendedor, ainda faço parte dos quadros da empresa,
eu sou vendedor. A minha vida era fora. Má alimentação, mal comido, mal
dormido, noites, copos, muita coisa, fumo. Tudo. Isso desapareceu tudo da
minha vida”.
A qualidade de vida dos sobreviventes de cancro, deve ser considerada numa
perspetiva multidimensional que abrange vários aspetos, incluindo tanto o
funcionamento físico, emocional, mental, sexual e social, que reflete a
experiência do indivíduo sobre as metas relacionadas à sobrevivência e foi
reconhecida como uma importante variável prognóstica e amplamente utilizada
na pesquisa sobre o cancro.
Neste sentido a análise de conteúdo permitiu identificar ainda outra categoria.
32
Qualidade de Vida
Nesta categoria emergem as perceções acerca da importância do programa em
diversas dimensões da vida dos participantes.
“É muito importante para mim tudo o que faço inclusivamente neste programa e
me ajuda no dia-a-dia. Sem dúvida nenhuma. Eu sinto necessidade. Para mim é
muito bom chegar à quarta e sexta-feira. É pena não haver mais um dia.”
“As pessoas acho que se agarram à desgraça, que são coitadinhos, que não
conseguem e que não podem. E então, mas é doutora, acho que o exercício
físico no nosso bem-estar é muito importante. E olho po espelho e vejo aqui o
trabalho do que é feito.”
A participação no programa é também percebida como fundamental para a
melhoria do bem-estar e da qualidade de vida dos participantes.
“ver gente, falar, ali a aula não é só para a ginástica, ali é para descontrairmos,
rirmos, olhe, tem de tudo um pouco e isso faz muito bem, tem-me feito muito
bem”.
O momento das aulas pode permitir usufruir de momentos de atenção individual,
e também da orientação das estagiárias, que ao longo do processo procuravam
adequar os exercícios e as cargas às condições de cada participante.
“mas acho que não faz mal, faço o que gosto, quando não posso abrando, faço
mais devagar, e as professoras são impecáveis.”
33
34
Reflexão Final
Após este trabalho desenvolvido com o grupo, posso concluir que houve
melhorias em diversos aspetos. Em alguns casos era notório o aperfeiçoamento
verificado na execução dos movimentos, assim como no tempo em que os
participantes conseguiam estar em esforço. O que no início era bastante
desafiador e quase impossível de realizar até ao fim, foi-se tornando mais fácil.
As cargas foram também possíveis de ser aumentadas.
Algo que é ainda mais compensador, é o facto de ser um tempo em que os
alunos estavam em interação, e que os podia libertar, nem que por pouco tempo,
de alguma ansiedade e mau estar psicológico associado às debilidades
causadas pela doença. Verifiquei também que estas duas aulas semanais, em
muitos, ajudaram a despoletar vontade e perceção da necessidade de, noutros
dias, por iniciativa própria realizarem algum tipo de atividade física.
Ainda assim, notei, em alguns casos a relutância perante certos movimentos,
sempre com algum “medo” associado. Considero que seria uma mais-valia os
médicos que acompanham estes doentes os incentivarem a praticar exercício,
mas talvez antes disso, desmistificar alguns receios. Explicar o porquê da
necessidade de se manterem ativos, ou como em muitos casos se iniciarem na
prática de exercício físico.
Outro ponto que penso que poderia ser mais benéfico, vendo do ponto de vista
do grupo, seria terem regularmente o mesmo professor, por lhes oferecer mais
estabilidade. Apercebi-me ao longo das aulas que os alunos, talvez pelo
momento da vida em que se encontram, preferem alguém que seja fixo.
As maiores dificuldades por mim sentidas foram, numa fase inicial, a própria
doença, com a qual nunca tinha tido qualquer contacto a nível de prescrição de
exercício. Além disso, a diversidade do grupo fazia com que tivesse que haver
constantemente exercícios opcionais, uma vez que dependendo do tipo de caso
oncológico, há movimentos que não são passíveis de ser realizados. Outro
aspeto que tornou esta experiência mais difícil foi o próprio ambiente depressivo.
Antes da aula, os alunos juntavam-se e as conversas prendiam-se,
35
frequentemente, com a doença, os tratamentos pelos quais passaram, as
sequelas com que tinham ficado, e as limitações que lhes tinhas sido impostas.
Com o tempo, e conhecendo melhor cada aluno, comecei a perceber as
limitações de cada um, podendo atempadamente planificar os exercícios
adequados a cada problemática.
Quanto ao ambiente, penso que com a convivência foi também melhorando.
Tentei criar um ambiente tranquilo, ser boa ouvinte, partilhar experiências e focar
nas coisas boas, pelo que a aula corria de um modo mais animado.
36
Limitações
Inicialmente e ainda com o mesmo projeto, estava pensado ser feito um estudo
quantitativo, no qual, através de alguns testes físicos- acelerómetros, preensão
manual, conseguiríamos testar se num início e final de época do programa teriam
ocorrido ou não melhorias. No entanto, não foi feito, uma vez que o grupo não
era assíduo, não se conseguia garantir que do início ao fim do programa viriam
todos, o mesmo número de vezes. Isto acabou de facto por se verificar, pois
houve interrupções a meio do programa.
Além disso, a própria condição de saúde, vários tipos de cancro, poderia também
condicionar em muito os resultados.
Alterado o estudo para um método qualitativo, estas limitações já não
aconteceram. Ainda assim penso que a maior limitação foi o facto de a amostra
ser reduzida e inconstante.
Um outro aspeto de extrema importância seria e existência de documentação
médica, que nos permitisse a nós, técnicos de exercício físico, estar plenos da
condição médica de cada um, de modo a podermos fazer uma planificação mais
personalizada. Refiro-me a operações realizadas, no âmbito do problema
oncológico, valores das tensões arteriais, IMC, valor de gordura visceral,
medicação administrada.
37
38
Conclusão e Perspetivas Futuras
Após esta experiência posso concluir que, tanto a nível bibliográfico, como
através da convivência com um grupo com o qual trabalhei, de facto, esta doença
afeta o ser humano a nível físico, condicionando-o no seu dia-a-dia, mas também
e drasticamente a nível psicológico. As melhorias que têm vindo a decorrer, tanto
a nível da deteção, como nos tratamentos são de facto evidentes. No entanto, e
focando mais na componente da Qualidade de Vida, acho extremamente
importante haver grupos, tais como a APLL, que promovam o exercício físico e
que consciencializem as pessoas da extrema importância de nesta fase se
tornarem ou continuarem ativas.
Nas falas apresentadas, extraídas das entrevistas, fica evidente que a existência
de programas estruturados de atividade física para doentes oncológicos pode
proporcionar benefícios em várias dimensões da vida destas pessoas,
nomeadamente na possibilidade de criar proximidades afetivas e relacionais que
se configuram na capacidade de ultrapassar os pequenos obstáculos que as
sessões de exercício oferecem aos participantes. Neste contexto, o planeamento
e execução destas sessões na situação de estágio em Exercício e Saúde,
permitiu-me não apenas desenvolver competências de prescrição e avaliação do
exercício, mas fundamentalmente, participar num processo muito mais
enriquecedor na promoção da saúde e da qualidade de vida destas pessoas.
Existem já extensas evidências que o exercício físico tem vários benefícios para
doentes oncológicos, tais como, melhorias na aptidão física, na qualidade de
vida e nos indicadores psicológicos de bem-estar, como a melhoria da sensação
de bem-estar e da capacidade de enfrentar o tratamento do cancro (Milne et al.,
2008).
No entanto, do ponto de vista da prática profissional, é sempre importante
considerar as perceções dos participantes, uma vez que grande parte dos
benefícios pode não ser objetivamente mensurada através de parâmetros
quantitativos. Assim, consideramos que a opção metodológica por um estudo
qualitativo no âmbito deste relatório de Estágio em Atividade Física e Saúde
39
poderá contribuir para uma melhor compreensão dos efeitos benéficos dos
programas de exercício estruturado para doentes concológicos, no contexto
comunitário.
Pensando num futuro próximo, objetivando uma otimização do programa, penso
que seria uma mais valia serem aplicados alguns testes físicos para comprovar
que, se a prática de exercício for constante, há certamente uma melhoria na
condição física dos pacientes. Podemos falar de testes práticos, onde se poderia
verificar um melhor desempenho, ou mesmo uma pesagem, para evidenciar
alguma perda de massa gorda e aumento de massa muscular, dados que
pudessem até ser divulgados para promover o projeto e incentivar outros a
participarem nestes programas de reabilitação física.
Além disso, e mais importante ainda, deveria ser feita uma maior promoção deste
e de outros projetos, pois seria uma mais-valia para todos os doentes
oncológicos poderem usufruir de todos estes benefícios.
Além da componente física que é estimulada, acaba também por se promover a
socialização, a entre-ajuda e o espírito de equipa. O partilhar de experiências,
gera em cada um uma atitude de maior resiliência e vontade de se superar,
perante o período de vida em que se encontram.
40
41
Referências Bibliográficas
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