Família de Agricultores Preserva Tradição com Casa de Farinha no Município de Ninheira
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas
Ano 8 • nº1886
Porteirinha
A farinha de mandioca é um alimento muito comum
no Brasil, faz parte das refeições diárias de muitos
brasileiros. A fabricação desse alimento tão difundido ao
longo dos tempos é considerada uma das mais antigas
técnicas de processamento de alimentos, surgida há cerca
de 2000 anos. No município de Ninheira, situado no norte de Minas
Gerais, região semiárida do país, houve sempre uma forte
tradição de produção de farinha. Cada família construía
sua casa de farinha, e ali todos os membros da família
participavam diretamente do processo, porém, com a
inserção das máquinas industriais essa forma de produção
tão antiga, tem perdido espaço para as grandes produções.
Os poucos agricultores que ainda resistem, são grandes
exemplos de guardiões de uma nobre tradição, como é o
caso de dona Ana Gomes Leal de 74 anos e seu Valdir Leal
de 78 anos, que mantém até hoje sua casa de farinha
artesanal. Isso é possível graças aos filhos do casal que
deram continuidade ao trabalho. Ana e Valdir tiveram 10 filhos, hoje todos são casados, e vivem
bem. Dona Ana conta que nem sempre foi assim, começou a trabalhar aos
7 anos de idade, as oportunidades eram poucas e as dificuldades eram
muitas. Longos períodos de seca, poucos recursos financeiros e
oportunidades de trabalho, carência de acesso a escola são alguns
exemplos. Mas a criatividade e força de vontade do casal foram
suficientes para superar as adversidades, criar os filhos e formar uma
bela família. Dona Ana conta que “as pessoas que moram na zona rural aprendem
a ser fortes, porque necessitam do esforço para sobreviver”, e uma das
alternativas encontradas pela família para superar as dificuldades
financeiras é a produção de farinha, uma atividade que a família
desenvolve há mais de 40 anos. Até hoje a casa de farinha que passou por
várias transformações mantém o caráter artesanal e é usada por seus
Setembro/2014
Dona Ana ao lado de sua horta e plantação de mandioca
Senil retirando a umidade da farinha
Senil e Cecília
Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Minas Gerais
filhos, genros , noras e netos que tiram dali parte do seu sustento.
Como é o caso de Senil, filho de dona Ana e seu Valdir casado com
Cecília a cerca de 30 anos.
O casal conta que durante o período de chuva plantam a manaíba
e, nos períodos de estiagem fazem a farinha. Cecília descreve o
processo de produção: “plantamos a manaíba, cuidamos da lavoura
durante cerca de dois anos, depois arrancamos a raiz da mandioca,
raspamos a pele, ralamos, imprensamos até sair todo o líquido, ralamos
novamente a massa e levamos ao forno para torrar. É trabalhoso, mas
no final temos a recompensa”.
Desta prática ainda fazem goma, beju e puba (farinha fina ideal
para mingaus e bolos). O processo de puba consiste em colocar a
mandioca na água por durante 8 dias, depois de puba essa mandioca é
ralada, e a massa lavada várias vezes, por fim é só esperar a massa
secar. Dona Ana conta que seus filhos foram desde muito pequenos
alimentados com puba e isso fez com que eles crescessem fortes e
saudáveis. Além da farinha, a família de dona Ana e seu Valdir tinham um
engenho para fazer rapadura e uma olaria onde fizeram as telhas que
até hoje cobrem a casa de farinha, faziam ainda fumo e tinham um mini
açougue na feira, compravam gado dos vizinhos e tiravam a carne para
comercializar. Mesmo com tantas atividades sempre se dedicaram a
lavoura, hoje produzem no seu quintal milho, melancia, abóbora, fava,
andu laranja, goiaba, mamão, chuchu, banana, coco do Pará, abacate,
palma, hortaliças como couve, alface, cebolinha, tomate, beterraba,
coentro, mandioca brava e mansa. E ainda criam animais como aves,
porcos e gado. Como diz o senhor Senil “só não inventamos o que é
desonesto, no mais já fizemos de tudo um pouco”. Comenta ele.Cecília conta que: “o biscoito chimango, que nós comemos no café da manhã é feito com
farinha, goma, ovo e leite, e nós temos todos os ingredientes em nosso quintal, não
precisamos comprar quase nada”. O excedente desta variedade de produção é levado á feira
nas manhãs de sábado garantindo renda o ano inteiro. Criatividade é a marca dessa família que não se oprime com as adversidades, mas se
mostram inventivos e perseverantes, aprendendo sempre novas atividades. “O povo da zona
rural não fica parado, não pode ficar parado, tem que lutar, e nunca ficar sem trabalhar”
finaliza dona Ana, com o rodo de torrar farinha na mão e um sorriso no rosto.
Realização Apoio
Produção de farinha Beju Hortaliças cultivadas por dona Ana
Senil e Cecília torrando farinha
Prensa Artesanal