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#83 MARÇO ‘13 O BOLETIM DO QUE POR CÁ SE FAZMENSAL / DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

A Vida é o Bolor do Mundo

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Fazendo Editorial

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Editorial83Ano da publicação dos livros “Arqui-tectura nos Açores: subsídios para o seu estudo” e “Escultura nos Açores

-1983” do investigador e colecciona-dor terceirense Francisco Ernesto de Oliveira Martins. O escritor, professor e filósofo, Onésimo Teotónio Almei-da, publica “A Questão da Literatura Açoriana”. É inaugurado o museu da Graciosa, que recupera uma casa ru-ral, uma adega e um moinho, exibindo canhões do século XV, uniformes e barcos baleeiros. A Biblioteca Pública

O Verde.

O desenho é composto de técnicas mistas, sobrepostas e unidas pela cor comum, aquela que o olho guarda com maior harmonia no Faial: o verde.

De clima instável, o degradé acompa-nha a flutuação metereológica que quem habita a ilha sente na pele.O papel guarda assim a memória das texturas que nascem da intervenção humana.

e Arquivo de Angra do Heroísmo edi-ta “Manuel Joaquim de Andrade um editor açoriano na cidade de Angra: catálogo de uma exposição.” A área envolvente ao porto de Vila do Topo, ilha de São Jorge, é classificada como Reserva Natural Parcial, pelo Gover-no Regional dos Açores. Angra do Heroísmo acorda em Setembro com um aparatoso incêndio no interior da Catedral da Sé que lhe destruiria de forma irreversível o seu interior, es-pecificamente a sua talha dourada dos altares, os órgãos de tubos e o teto em caixotões. O centro histórico da cidade de Angra é elevado a Cida-de Património Mundial da UNESCO, tornando-se pioneira na atribuição deste título em Portugal, completan-do trinta anos desta efeméride. A 28 de Setembro é inaugurado o Aeródro-

Ceci Lombardi

DirecçãoAurora RibeiroTomás Melo

CapaCeci Lombardi

Colaboradores Ana Besugo Carlos Alberto MachadoCristina LouridoDaniela SilveiraFernando NunesJúlio ÁvilaLuís BicudoLuís C.F. HenriquesRuth BartenschlagerRegina Venâncio SilveiraVictor Rui Dores

Layout DesignMauro Santos Pereirawww.comunicaratitude.pt

PaginaçãoTomás Melo

RevisãoCarla Dâmaso

Propriedade Associação Cultural Fazendo

Sede Rua Conselheiro Medeirosnº 19 — 9900 Horta

Periodicidade Mensal

Tiragem 500 exemplares

Impressão Gráfica O Telégrapho

As opiniões expressas nesta edição são dos autores e não necessariamente da direcção do Fazendo

Capa

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mo do Corvo, com uma pista de 800 metros de comprimento. O postal má-ximo CEPT Açores traz consigo a ban-deira do arquipélago açoriano e custa 12 escudos e cinquenta centavos. No continente, Mário Soares substitui Francisco Pinto Balsemão no cargo de primeiro-ministro de Portugal (IX Governo Constitucional-PS/PSD). Nas salas de cinema estreiam-se os filmes

“Zelig” do nova iorquino Woody Allen e “La Nave Va” do italiano Federico Fellini.

Do nosso convívio desaparecem o ci-neasta mexicano Luis Buñuel, realiza-dor de filmes como “Susana”, “Le Chien Andalouz” ou “Los Olvidados”, e ainda Hergé, autor de banda desenhada do célebre “Tintin”.

“Estás cá? Quando partes? – As duas perguntas seguidas

são características dos micaelen-ses que mantém o gosto de re-ceber os forasteiros. Daí a mani-festação de alegria ao encontrar alguém que se encontrava em-

barcado (estás cá?) e a pergunta imediata querer saber quando dei-

xará a ilha (quando partes?), porque se pretende recebê-lo em casa e, para

isso, tem de se conhecer a sua agenda de compromissos.” in Dicionário Senti-

mental da Ilha de São Miguel de A a Z, de Fátima Sequeira Dias, 2011

Esta observação feita por uma ilustre mi-caelense que faleceu pouco depois de eu ter

tomado conhecimento do seu trabalho e que eu tanto, mas tanto, gostaria de ter conhecido, pode ser estendida a todos os açorianos (arris-

co a afirmar até que a todos os ilhéus). Mas já cá voltamos.

Acontece de vez em quando, num jantar de ami-gos ou num passeio, que um deles, dos amigos, por motivos tão inadiáveis quanto inconvenien-tes, nos abandona e se vai, deixando o grupo que resta desfalcado, desasado, informe. O que fica é outra coisa, não a mesma. Perde-se uma centelha de alegria se for um amigo humorado, de sarcas-mo se ele for mais para o retorcido ou de conexão se aquela alma que abalou fosse o elo de ligação entre todas as outras.

Os grupos são assim somatórios de vontades e ainda mais que a pura soma das suas partes. Um grupo cria uma nova identidade, a do grupo, a alma

conjunta. Uma nova energia ou, para usar uma palavra muito em voga no associativismo e na política: uma nova sinergia. E

ilhas habitadas

Fazendo CrónicaFazendo Crónica

ainda que muito abstracto possa ser este conceito, reconhecemo-lo: será a identidade de uma turma de adolescentes a mesma quando a professora está presente e quando não está? Non...

A palavra “egrégora”, segundo apurei na internet (essa gigante e estranha egrégora) não é anterior ao séc. XIX. Encontrei muitas referências a ela em sites ligados ao ocultismo ou maçonarias, mas nem sequer sabia que daí vinha nem me parece coisa da qual eu vos possa falar com alguma propriedade, até porque nesses meios nem sempre é utilizada com este sentido que comummente damos hoje em dia e que me levou a escrever este texto. A definição da wikipédia é: “Egrégora, ou egrégoro para outros, (do grego egrêgorein, Velar, vigiar), é como se denomina a entidade criada a partir do coletivo pertencente a uma assembleia, ou seja, é um campo de força cria-do no Plano Astral a partir da energia emitida por um grupo de pessoas através dos seus padrões mentais e emocionais.” Peguemos nesta noção de egrégora como entidade (conceito mais concreto e personifi-cado do que o de identidade) criada a partir da coe-xistência de um grupo.

Entendo a ilha (qualquer ilha) como um palco, onde os personagens (nós) actuam, entram e saem de cena, transformam e fazem progredir a narrativa e por aí afora. Claro que não é só nas ilhas, isto até se pode extrapolar para o mundo inteiro, imenso palco daquilo a que chamamos “a História”. Dentro do uni-verso, cada um de nós vive a sua história, nos limites do seu tempo e espaço (e na sua imaginação tam-bém ela mais ou menos limitada).

egrégoras em mutação

ninguém cá vem só para

comer bifanas

Mas é que nas ilhas ainda se mantém a importância da via-gem. Como quando há ainda nem 100 anos se escrevia no jornal que fulano tal filho de tal tinha vindo dos Cedros estudar para a Horta. A escassez dá importância às coisas. Hoje todos os jovens cedrenses es-tudam na Horta e é tão natural que nem sai nos jornais (à normalidade ninguém lhe liga, e ainda bem).

Mas vir às ilhas ou de cá sair continua a ser caso de conversa e de reparo, de atenções e de perguntas. Tem que haver mais moti-vações para vir de Lisboa ao Faial do que para parar em Vendas Novas. Ora, ninguém cá vem só para comer bifanas. A SATA leva e traz os personagens, alguns outros chegam e saem bravamente por mar, e enquanto cá estão (esse dourado e frutuoso momento que vai desde o

“chegar” até ao “partir”) aproveitamos todas as possibilidades dramáticas desses novos actores e estes por sua vez aproveitam as nossas e tam-bém as maravilhas cenográficas do décor (nesse campo altamente cotadas, as ilhas, sim senhor).

E a cada vinda e ida de alguém a egrégora da ilha altera-se. A entidade que nós somos transforma-

-se. Umas vezes mais fervilhante (sobretudo no Verão) outras mais intelectual (o Inverno ajuda). E dela resultam coisas, palpáveis ou imaginadas. Da-mos conta que a vinda deste ou daquele persona-gem nos tornou mais isto ou mais aquilo e percebe-mos o que se perdeu com a ida de tal ou tal pessoa. Mudanças culturais, afectivas, sociais, cognitivas, sei lá. A todos os níveis... E a vida é isto, ir, vir, ficar... transformar. Estarmos atentos...

Aurora Ribeiro

Ceci Lombardi nasceu em São Paulo (1982), vive e trabalha entre Lisboa e Londres (que é cinzenta). Trabalha com pintura, ilustração, água e cor.Visitou os Açores em 2009 e os “bró-culos verdes” das ilhas ficaram grava-dos na sua memória. Quatro anos de-pois pinta, desenha, rabisca e colora a sua nostalgia.

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Sapateia(de São Miguel)A dança constituiu sempre um ato eminentemente social, cumprindo uma função integradora. Dança(va)-

-se e canta(va)-se para exteriorizar a alegria de viver, por um lado, e, por outro, pela necessidade de fazer uma espécie de catarse. É o caso da Sapa-teia da ilha de S. Miguel, caracterizada pela sua energia rítmica. A melodia desta cantiga assenta so-bre os acordes da tónica e da dominan-te. A letra varia. Ora tem uma vertente lírica:

Sapateia amor aquiAmor do meu coraçãoSe tu choras, também choroVê lá se te quero ou não.Ou uma veia mordaz:Se o padre cura soubesseO que a sapateia temLargava de dizer missaSapateava também.

Mas há referências menos jocosas, como por exemplo a alusão às con-dições sócio-económicas da maioria da população micaelense de outros tempos:

Sapateia, meu bem, sapateiaAi vira e volta a sapateiaAi quantas vezes, ai quantasO jantar serve de ceia.

(Isto num tempo em que o jantar era o almoço e a ceia o jantar).É ou não verdade que “quem canta seus males espanta”?

Victor Rui Dores

O organeiro Heitor Lobo terá nascido em Vila Real, por volta de 1496, vindo a morrer depois de 1571. Lobo, que partilha o mesmo apelido que o compo-sitor do início do século XVII Duarte Lobo, é tido como um dos primeiros organeiros portugueses. O primeiro órgão que se sabe ter construído foi para o Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, entre 1530 e 1532. Pela documentação que chegou aos nossos dias, tem-se uma boa descrição deste instrumento, que voltou a ser reconstruído em 1541 e ainda em 1559. Lobo terá sido também autor de um grande ór-gão para o coro alto da Sé do Porto (em 1537-1538) e mais dois de pequena dimensão. Alguns dos tubos

deste órgão ainda sobreviveram até ao século XVIII, tendo sido incorporados no órgão que construiu Manoel Lourenço da Conceição para aquela Sé. Lobo ainda construiu um órgão para as Igrejas de S. Salva-dor (Vilar de Frades, Barcelos), em 1551, e de Nossa Senhora da Oliveira (Guimarães), em 1562.Heitor Lobo entra ao serviço da Sé de Évora em 1544, permanecendo até 1553. Terá sido durante este período que construiu o grande órgão para esta Catedral, que sobreviveu até à actualidade. Este ins-trumento é conhecido pelas suas características so-noras únicas, resultado de uma exímia construção dos tubos aliada a uma baixa pressão de ar. Apesar

de ter sofrido várias alterações desde a sua constru-ção, este instrumento é um claro exemplo da orga-naria portuguesa de quinhentos: um instrumento que possuía os requisitos para o repertório da época. Através das fontes documentais, nomeadamente as relativas a Santa Cruz de Coimbra, poder-se-á dizer que Heitor Lobo terá sido um organeiro bastante conceituado, apesar de praticamente todos os seus órgãos (à excepção do de Évora) terem sido substi-tuídos no início do século XVIII.

Luís C. F. Henriques | www.luiscfhenriques.com

Uma Nota BiográficaHeitor Lobo

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Ernesto era branco e bonitinho. Olhos avermelhados e uma cauda longa em tons rosa. Corria até ser ven-cido pelo cansaço dentro da roda chiadeira no canto da gaiola. Até ontem correu e correu, não por gosto, não por opção, mas porque um não sei o quê o fazia galgar quilómetros todos os dias desde o acordar ao repouso. Ontem, porém, parou um pouco e começou a pensar. “Para que corro eu se não chego a lado al-gum? Não faz sentido que me esfalfe dia após dia se verei sempre o sol por entre estas grades.” E mais pensou, mas também não incomodemos demasiado a privacidade do ratinho. Certo é, e importante na sua biografia, que nunca mais voltou a correr, limi-tando-se a comer, dormir e pensar. Hoje, o Dr. Sousa diagnosticou-lhe uma maleita própria dos da sua espécie e lançou-o ao Félix, o rafeiro preto que pas-sava horas a salivar olhando para a gaiola. E o mais absurdo é que Ernesto nem ensaiou uma tentativa de fuga, pois já não sabia como correr.

Júlio Ávila

ErnestoFazendo Prosa

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Esculpir SonsPedro vinha com uma ideia no bolso e outra na cabe-ça. Deseja que a música seja mais como o azul, mais como a poesia, mais como a dança – e a música é.

- As estrelas, Pedro, não te esqueças das estrelas--do-mar.

Pedro reparou na Marta ao 1º dó. Susteneu-se. Le-var-lhe-ia ainda alguns ensaios até se aperceber que não ouvia realmente qualquer outro instrumento na banda, senão a trompa.

- E para que precisas tu tanto do ré, do mi ou do fá, não te basta estar aqui?Pedro não tem respostas para as perguntas de Mar-ta, nem perguntas para as suas respostas.

- Sim!Os cruzamentos acontecem e passam. Os encontros acontecem e ficam. A música já não vinha de fora, saía de dentro. Em melodia e harmonia.Há mais filarmónicas do que ilhas no arquipélago. Quase tantas quantas as baleias no mar dos Açores, um pouco menos que as cagarras no céu. Só na Ilha do Pico são catorze. TODOS aprendem música. Mui-tas gerações de tocadores.Quilómetros de fins-de-semana em concertos, pro-cissões e demais festas pagãs. Resmas e resmas de pautas ensaiadas metodicamente, com rigor e con-centração. Maestros dedicados.

- Traz o teu instrumento. Ou então usa os nossos. Im-portante mesmo é que venhas com vontade de inte-

ragir e descobrir que quando o assunto é música são todos bem-vindos!A música narra histórias, fabrica sonhos, povoa a imaginação de cores, bemóis e outros sóis. Tem pronúncia. O que nos diria um maestro se juntasse palavras aos seus gestos? Como espirra uma banda filarmónica? Quão diferentes podem ser duas inter-pretações da mesma paisagem sonora? Que instru-mento é aquele que parece zangado? Como é que a melodia desse telemóvel foi parar a uma sinfonia clássica?De repente ao virar da esquina, tropeça-se numa banda filarmónica. Aconteceu-me com a Sociedade Filarmónica “Lira Madalense” (Sete Cidades, Pico). Fundada em 1899, é composta actualmente por 57 elementos dos 11 aos 76 anos, dirigida pelo maestro Reginaldo Neves. Desde há longo tempo almejava aprender a ler uma pauta musical, tocar um instru-mento parecia-me demasiado difícil. Fui. Aprendi. No momento de escolher o instrumento pedi flauta transversal, o maestro simpático mas assertivo de-clarou: Já tenho duas. Vai para saxofone! Eu assim fiz. E gostei.A intervenção das filarmónicas através do ensino, di-vulgação, fruição musical, criação artística e sociali-zação, amplificam a função indispensável de serviço público junto das populações onde estão inseridas. Sons e ritmos a pulsar, compassos binários, terná-

rios ou aquilo que cada um conseguir “assobiar”. Dançam notas no vento, afiam-se claves, colcheias e semi-fusas. Timbres de mão-dada na conjunção de percussão e sopros. Manifestações de regozijo na companhia familiar e de amigos, o despique quando se juntam agremiações diferentes. Sons na rua em manobras peregrinas. Alegria e Arte vivida no quoti-diano, que privilégio!A música ensina a ouvir, apreciar o mundo e o valor maior do Silêncio. Tomemos uma pausa, como se houvesse um botão, ponhamos a mão sobre a ore-lha para ouvir em mono e imaginemos mesmo, mes-mo tudo isto a ser: partilha artística, confluência de linguagens estimuladoras, território de liberdade de expressão e realização.Na Terceira houve um uôrquechòpe de Música Com Todos: agentes infiltrados numa missão (em)pos-sível ultra–secreta foram vasculhar o Palácio dos Capitães-Generais à procura de sons em objectos da vida doméstica. Pretendia-se encontrar e identificar, em flagrante delito, vida musical em ruídos banais suspeitos de participarem na criação de música. Ex-plorando instrumentos em staccato, legato, forte e piano descobriram que a música, até em versão pic-cola, é sempre grande!Toda a Arte é uma permanente Revolução.

Cristina Lourido

Antes de Começarde Almada NegreirosEstreia dia 5 de Abrilno Teatro Faialense

Teatro de Giz

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José Ribeiro Pinto, autor do programa de rádio “Os Sabores do Jazz”, que comemorou no passado dia 3 de Fevereiro 21 anos de vida (emitido na RDP Açores desde 1992), cofundador do festival Angra Jazz e o grande impulsionador da Orquestra AngraJazz. Engenheiro Civil de formação. Em 2009 é homenageado pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo aquando da sessão comemora-tiva dos 475 anos de elevação de Angra a cidade em que foi distinguido com a medalha municipal de mé-rito cultural de Angra do Heroísmo.

Sr. Eng.º. Lembra-se do seu primeiro contac-to com o Jazz, ou em que altura começou a ganhar-lhe o gosto?Comecei a ouvir Jazz tinha uns 5/6 anos, porque o meu pai gostava muito de Jazz, principalmente gostava de ir ver as Big Bands de Swing. E naquele tempo vivíamos em Lisboa, nos anos 50, e eu lem-bro-me perfeitamente de estar a fazer os trabalhos de casa, o pai estava a trabalhar, e eu ouvia rádio em ondas curtas de emissões de rádios america-nas, ouvia Glenn Miller (http://www.youtube.com/watch?v=ZJE-onnw2gM) e Duke Ellington (http://www.youtube.com/watch?v=bHRbEhLj540) , de-pois entrei naquela fase da juventude em que ouvia os Beatles e os Beach Boys e em 68/69 quando en-trei para a universidade volto às sonoridades do Jazz e a partir daí nunca mais larguei o Jazz.

De Engenheiro a locutor de rádio como surge esta oportunidade? Rádio era algo que dese-java fazer?Sempre estudei a ouvir rádio, desde cedo nutri uma imensa paixão pela rádio.Tive a minha primeira experiência quando entrei para a Universidade, na Faculdade de Ciências de Lisboa. Transmitíamos programas de rádio apenas para a sala do refeitório, mas nós fazíamos aqueles programas como se fosse a coisa mais séria deste mundo. Eu e um colega na altura fazíamos um pro-grama pop-rock , mas conhecíamos um amigo nosso que tocava num grupo de Jazz e propusemos que ele tivesse uma espécie de 15 minutos de Jazz no nosso programa.

Como surge a oportunidade na Rádio Difusão Portuguesa-Açores?Surgiu em 1991, embora se tivesse concretizado em 1992, o Paulo Henrique Silva e a São Rocha que já trabalhavam na RDP convidaram-me eles iam come-çar no dia 15 de Fevereiro de 1992 com um programa na nova grelha das 21h às 00h todos os dias e con-vidaram-me para eu fazer todas as segundas-feiras meia hora sobre a história do Jazz. Eles já me conhe-ciam porque eu já fazia umas coisas na anterior Rá-dio Horizonte, uma rádio pirata que existia no Alto Das Covas e aí fazia um programa de Jazz com o José Manuel Gaspar Correia. Quando acabou a série com

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Entrevista +Jazzeles surgiu a oportunidade e o convite para fazer um programa autónomo.

O Sr. Eng.º é cofundador do Festival Angra Jazz que tem tido uma evolução notável a par dos melhores festivais a nível nacional e internacional. Qual o segredo para se ter um festival de sucesso, à parte de um bom cartaz claro?Ponto número um é sempre um bom cartaz, em se-gundo eu referia a disciplina, e também uma gran-de carolice. Tem de se gostar muito daquilo que se faz. Importante também é ter uma boa relação com a comunicação social. Eu costumo dar como exem-plo o Cristiano Ronaldo ir jogar à ilha das Flores: se ninguém souber que ele lá esteve é mentira que ele lá tenha estado. Aqui é a mesma coisa, temos de ter cá um jornalista do Público ou um jornalista do Expresso senão ninguém sabe no Continente que tivemos aqui o Kurt Elling (http://www.youtube.com/watch?v=iXprs8-U5nA) a dar o melhor concer-to do ano de todos os concertos de Jazz que houve em Portugal. E é por isso que o nosso festival é co-nhecido a nível nacional e internacional, porque os músicos gostam de cá vir e como é evidente cria uma experiência e uma maturidade que faz com que as coisas corram todas bem. Depois são os músicos a di-zerem aos agentes que adoraram e posteriormente são os agentes a procurarem-nos e eles próprios pu-blicitam nas suas páginas e jornais dos seus países.

Na sua opinião qual a maior dificuldade que encontra um músico de Jazz nos Açores?Não têm onde tocar e portanto tocam muito poucas vezes, este é que é o nosso grave problema. Porque temos músicos belíssimos com muita qualidade, mas poucos deles conseguem solar, porque não têm onde tocar acabando por ter uma falta de autocon-fiança, não têm um incentivo para treinar.

Quais as suas preferências musicais no geral?Adoro música clássica, ainda esta manhã estive a ouvir Mozart. Adoro os Beatles os The Doors adoro o Jim Morrinson. E também gosto imenso de fado, mas sou extremamente exigente porque gosto de fado bem cantado. Eu acho que o fado é a música que mais se parece com o Jazz. Um fadista que cante como deve de ser tem de swingar, quer dizer ele não swinga ele estila como se diz na linguagem do fado, que no jazz chamamos swingar. Adoro o Camané, Carminho, Ana Moura…são grandes nomes da músi-ca Portuguesa.

Se pudesse prever a evolução do Jazz Açoria-no onde nos veria ou gostaria de ver dentro dos próximos 10 anos?O que eu gostava era que houvesse mais jovens a tocar Jazz, mais músicos de Jazz mais consolidados e que houvesse maior oferta de concertos. E natural-mente que esses músicos fossem tocar ao continen-te e fossem conhecidos a nível nacional.

No +Jazz acreditamos que o Jazz é música para a alma, partilha dessa opinião?Claro que sim, eu diria que não há Jazz sem alma, um músico que toque sem sentimento sem alma não está a tocar Jazz está a tocar uma música corrida.

Entrevista de Daniela Silveira para +JAZZ

Marco Menezes Martinsacademia das artes e da juventude da ilha terceira

Marco Menezes Martins, musicalmen-te conhecido por Puto Ems, venceu recentemente o concurso “Desafio a DJ́ s Produtores/ Descobrir os Açores 2013”, com o hip pop “Orgulhosamen-te”, o que lhe dará direito a participar na primeira edição dos Azores Fringe Festival, a realizar entre 19 e 30 de Junho na vila da Madalena, Ilha do Pico. Este cantor de hip-hop de origem ter-ceirense está a preparar um álbum intitulado “Luz”, com data prevista de lançamento para o dia 1 de Outubro, ao mesmo tempo que está envolvido na produção do EP do Jay, chamado

“Jason’s Room” e o LP do Fugitivo, am-bos a serem lançados também este ano.

Como é que foi a génese deste projecto?O começo foi muito simples e inocente. Desde 94 que ouvia Hiphop, deliciava-

-me com o conteúdo que era uma “fo-tografia” de cidades quatro vezes mais problemáticas que a minha, e nunca pensaria em tentar escrever nada. Contudo, certo dia, comecei a ter a ne-cessidade de fazer parte deste mes-mo “movimento” e, assim, lentamente, comecei a escrever algumas letras, embora, sem pensar em expor ou até mesmo fazer canções como hoje em dia.

A partir de que material é que de-cides fazer as tuas composições musicais?Em termos de temas para as canções, não há nada especifico, ou seja, não há temas que abordo e que não abor-do, sempre que sinto a necessidade de escrever, escrevo. Em termos ins-trumentais, também é um bocado do mesmo, se bem que há estilos musi-cais mais propícios que outros.

Quais são as tuas influências mu-sicais?São muitas, literalmente muitas. Em termos de Hiphop propiamente dito, sou fã de Mos Def, Nach, NBC, J Cole, etc. Em termos de música em geral, gosto desde a música francesa (Jac-ques Brel , etc), até Bossa Nova (Tom Jobim, Vinicius, Chico Buarque, etc), ao Rock anos 60, e claro, o soul de Chica-go. Esta abertura à música foi devida

Puto Ems

aos meus pais, que desde sempre metiam a altos berros em casa esses artistas e eu, felizmente, comecei a gostar (risos).

O que é que estás a preparar nes-te momento?Aqui vai a lista (risos). Neste momen-to estou a preparar principalmente o meu álbum chamado “Luz”, que talvez seja lançado dia 1 de Outubro deste ano, o EP do Jay, chamado “Jason’s Room” e o LP do Fugitivo, ambos a se-rem lançados também este ano. Jun-tamente com isto tudo, temos alguns concertos a realizar, tal como outras

“Surpresas” que não posso adiantar muito mais.

Qual foi a reacção das pessoas da Ilha Terceira nas tuas primeiras actuações? Já actuaste em ou-tras ilhas?Eu comecei a actuar tardiamente, só dez anos depois é que iniciei as minhas lides no palco, com muita pena minha. Por ter começado muito tarde penso que não estranharam assim tanto, porque já tinha algum nome. Em 2011 tive a sorte de ter actuado em várias ilhas como São Miguel, São Jorge e Pico, contudo, uma pessoa gostaria e precisaria de muitos mais concertos, porque isto torna-se uma droga (salvo seja claro).

O tema “Cidade do Gelo” parece ser um libelo de protesto contra

Fazendo Música

O que é que gostarias de dizer à juventude açoriana?Que tenham orgulho nas artes que se praticam na região. Não tentem ir bus-car ao longe algo que têm tão perto, apoiem, divulguem o que é nosso. É claro que temos mil e uma plataformas na internet para divulgar os nossos produtos, mas no fim do dia, não há melhor divulgação que a palavra. Por isso, sem nós, os “de casa”, tudo será muito mais difícil.

Pensas que aquilo que fazes se pode considerar político?Não. Penso que o que faço é uma reac-ção à política, é uma tentativa de des-crever as consequências de políticas talvez erradas. Se fosse para compa-rar o que faço à política, considerava a minha música, o “partido do povo”, pois é literalmente o que vejo no dia-a-dia.

Entrevista de Fernando Nunes

uma geração que está perdida, inclusive a geração dos pais des-ta mesma geração, concordas?Penso que a palavra protesto não será a apropriada. A cidade do gelo talvez tenha sido uma tentativa de mostrar a uma sociedade diurna o que aconte-ce quando dormem. É claro que todos nós sabemos que há noitada, que há álcool e drogas, mas o que talvez não sabemos é que hoje em dia, o que se vê nos filmes é literalmente o que acontece na ilha, e é isto que pelo me-nos a mim arrepia. A cidade do gelo é um “cartão de visita” ao submundo, o qual descrevo como um mero es-pectador. É claro que indirectamente critico uma juventude com valores opostos aos meus e critico também a geração anterior (os pais) por não te-rem dado a educação devida, mas no fim do dia, a canção é mesmo a tal des-crição desse tal mundo de uma forma pura sem rodeios.

Sentes que aquilo que fazes é açoriano e universal ao mesmo tempo?Completamente. Por muito que eu es-creva dos açorianos para os açorianos, em termos estratégicos, e de artista, penso internacionalmente, em tentar chegar ao maior número de pessoas. Aqui no estúdio temos o lema de “Pen-sar só na região é pensar pequeno” por isso, o que fazemos, por muito que re-presente a ilha e, consequentemente a região, tem como alvo o mundo.

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Baleias e BaleeirosOs Filmes Que Por Cá Se Fazem

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Baleias e Baleeiros vai ser um filme, mas ainda não é. É um projecto que começou em 2010 e que, só após dois anos de trabalho e de inúmeras tentativas fa-lhadas de ser financiado no Continente e nos Açores, conseguiu em 2012 uma bolsa de criação artística através do Governo Regional dos Açores.

Desde cedo começou a fascinar-me a baleação americana e a participação açoriana nesta indústria. Imagino muitas vezes as aventuras vividas pelos numerosos açorianos que durante o sec XIX embar-caram clandestinamente em barcas ou brigues ba-leeiros. Muitos queriam apenas uma passagem para terras da América, não sonhando que navegariam pelos mares do mundo à caça da baleia, antes de de-sembarcarem na costa norte-americana. Outros te-riam ouvido histórias na primeira ou na terceira pes-soa e ansiavam por ver o mundo para além daqueles rochedos. Gostava de ter conhecido um daqueles homens, mas esses são os velhos que contavam his-tórias aos pais dos meus avós.

Li o Dias de Melo (a minha grande referência) e o Herman Melville, entre outros romancistas, histo-riadores, biólogos e poetas. Vi os documentários que se fizeram em época de caça nos Açores. Come-cei a filmar o meu avô em 2009. As histórias que me contou do seu tempo de baleeiro eram inacreditá-veis.

Dediquei os últimos tempos a ver e rever tudo aquilo que filmei: as entrevistas aos bale-eiros, as regatas de botes, o negócio de observação de cetáceos;

algo que continuarei a fazer nos próximos meses. A questão que se me coloca todos os dias enquanto monto o filme é: como se ligam estes temas?

Fui procurando cada vez mais baleeiros. A caça já não pode ser filmada e para mim tudo reside na im-portância dos seus testemunhos, na maneira como eles falam, nas palavras que usam, nas histórias de que se lembram. Todo este processo constitui uma reflexão sobre quem foi o meu avô e os da sua gera-ção, e a vida que eles viram transformar-se. Só eles me fazem sonhar.

O meu avô começou a balear aos 16 anos; lá ia ele arriando o bote de corrida logo que o foguete reben-tava na vigia. Caçou baleias antes de haver rádio, co-municando com as vigias através de sinais de pano e de fumo. Rebocou baleias a força de remos, antes de haver lanchas a motor. Desmanchou baleias no por-to de Santa Cruz antes de haver fábricas nas Lajes, em S. Roque ou no Porto Pim. Os baleeiros estão a desaparecer e não vão voltar a existir homens como eles. Os mais antigos lutavam constantemente com a natureza, tanto na terra como no mar, pela sobre-vivência nas ilhas.Os baleeiros são o exemplo maior dessa luta: sabiam que a morte podia estar perto a cada arriada, e tal-

vez por isso o meu avô mostre tanta vida e um imenso carácter aos 88

anos de idade. Ainda não sei qual vai

ser o resultado

do filme, mas, seja ele qual for, retratará apenas o meu ponto de vista sobre o que me contaram mais de 40 baleeiros.

Lembro-me do Sr. José Silveira, das Ribeiras do Pico; contou-me: “O meu avô esteve na América a balear, voltou e fundou a primeira companhia baleeira de Santa Cruz, a Companhia Americana (…)”. E pensar que essa técnica ancestral de caçar baleias chegou vagamente até nós. Os ilhéus voltavam, transfor-mavam os botes americanos em botes açorianos e lançavam-se de terra, em vez de partirem de um navio num mar distante. A técnica era praticamente a mesma, uma canoa que faz de vela e faz de remo, um arpão e uma linha para perseguir o animal, uma lança para o matar. De preferência tudo em triplica-do. E competiam os homens entre si para ver quem chegava primeiro, para ver quem apanhava mais baleias. Que confusão devia ser nesse mar! Botes daqui, botes dali, lanchas pra terra, lanchas pro mar. Baleias mortas, baleias trancadas, linhas cruzadas, botes partidos, homens no mar, homens mortos.

Hoje ainda navegamos nos nossos botes baleeiros, para desporto, longe das baleias, perto da costa. Agora as baleias fazem mais dinheiro vivas. Mas o meu avô sabia como apanhar o Moby Dick. Ele e os seus seis companheiros sabiam mesmo como apa-nhar e matar uma baleia e isso não era mais do que a vida deles.

Luís Bicudo

baleiasebaleeiros.wordpress.com

Fazendo Cultura

A Primavera da Casa do Sal

bebidas verdes de teor ambiental e sustentável e onde há quase sempre um concerto de permeio que logra ir da voz bem açoriana da Susana Coelho aos Wave Jazz Ensemble até à improvi-sação e interpretação de standards de jazz em saxofone pelo Nuno Sardinha. O registo é sempre temperado e bem refinado dependendo do tema em combinação. Situada mesmo no cora-ção da baía de Angra, tendo o Monte Brasil como horizonte e paisagem, a Casa do Sal é repetidamente poiso e abrigo da contemporaneidade e das artes, sempre com apego e respeito às tradições existentes no arquipé-lago, já para não falar das sessões de ioga, aulas de pintura, crochet saltea-do e sessões de leitura e discussão de livros que ali se podem obter. A oito de Março celebra-se o Dia Internacional da Mulher e, para além de uma conver-sa-debate com uma representante da UMAR, a Sara, irão ser apresentados

“os slides de 1972” da artista plástica Tereza Arriaga, resistente política do período salazarista, tendo ela à altu-

ra sido presa 110 dias. São os slides de uma viagem aos Açores que agora completa quarenta anos, podendo agora ser vistos os fotogramas da ilha Terceira. A 4 de Outubro de 2011, uma parte destes slides foram vistos na Ilha do Faial, na igreja de São Francisco, bem como em Novembro de 2011, na escola primária de São Roque do Pico, sede da Associação Padre José Idalmi-ro. Na altura desta última projecção houve um acompanhamento musical de Pedro Gaspar (Bandarra e Expe-rimentar Na M´Incomoda). Um ano depois, esta apresentação contará novamente com música improvisada e preparada para o momento pelo músi-co Paulo Cunha. Em suma, a Primavera muito em breve anunciará a sua chegada e a Casa do Sal – bonito nome, sem qualquer dú-vida – será um espaço cada vez maior e bem mais frequentado por todos os interessados em aprender e descobrir. Haja Angra e terceirenses para ilumi-ná-la e povoá-la de vida e alegria.

Fernando Nunes

Há um texto atribuído a Gaspar Fru-tuoso (Ribeira Grande-S.Miguel-

-Açores:1522-1591) que diz que “…é necessário ter nascido do ventre de uma mulher, numa ilha, ou morando nela, ser inoculado pelo vírus da in-sularidade”. Maior consciência terão aqueles que, tendo um dia vivido fora da ilha(s), imaginaram outras formas de vida e outros modos de preencher o quotidiano aquando do seu regres-so aos espaços insulares de origem. Estes podem bem ser os motivos que estão na base de quem tem sabido dar o corpo às noites de tertúlia que têm animado a programação da Casa do Sal nos tempos mais recentes, po-dendo nós arriscar a dizer que esta é já um caso sério de uma actividade cultural regular e consistente, ali bem junto das zonas líquidas e tempera-das do centro histórico de Angra. Nas noites de sexta-feira há, portanto, a “SALgada Cultura” que consiste em conversas que podem ir da panóplia e combinação das mais diferentes es-peciarias nos hábitos alimentares às

O AbominávelHomem das CataratasO senhor Emerenciano tem aquela idade provecta em que facilmente confunde um piano com uma jarra de flores de plástico – sobretudo quando sobre um piano apenas pairam as sombras provocadas pelas suas cataratas. Digamos, para simplificar, que o senhor Emerenciano sofria de imaginação senil – em estado irreversível.Um dia, estava o senhor senil, perdão, Emerencia-no, a tratar das suas drogas, pois droguista era a sua profissão, quando lhe entra pela botica, espa-vorida, a dona Leocádia, de profissão indefinida e prática linguareira mais do que diplomada. Venha ver, senhor Emerenciano, venha ver, depressa! E tão rápida quanto entrou, saiu da botica do senhor Emerenciano a dona Leocádia. Emerenciano, dado a mexeriquices, nem pensou duas vezes, saiu tam-bém a correr. Mal pôs a patorra direita na estrada foi colhido pela camioneta da carreira matinal. Pum! Lá foi o senhor Emerenciano pelos ares! Só acordou

no hospital da capital, enrolado em gesso. O que é que foi, dona Leocádia, o que é que aconteceu? foi a primeira frase que se lhe ouviu – aliás, ninguém a ouviu, pois quando despertou estava sozinho, e as-sim ficaria, que era pessoa sem família. A dona Le-ocádia também não poderia ter ouvido: no mesmo dia e na mesma hora em que o senhor Emerenciano fora passado a ferro pela camioneta, a mexeriquei-ra tivera um mortal ataque de coração, fulminante. Esteve, pois, o senhor Emerenciano longos três me-ses hospitalizado sem saber de Leocádia e do moti-vo por que o chamara ela à rua naquele fatídico dia. Quando chegou à sua terra apenas ficou a saber que o cemitério tinha mais uma sepultura. Emerenciano tinha os ossos mais ou menos colados mas as anti-gas forças tinham ido parar a outra freguesia. Pen-sou então em matar-se com veneno de ratos, mas logo se arrependeu, e decidiu ir à pesca. Nem vos digo como correu a pescaria, para desgraças já basta

Fazendo Prosa

o que basta…No dia seguinte, ao começo da noite, havia concerto da orquestra municipal no salão da freguesia. E lá foi ele, todo aperaltado, sempre tinha sido maestro de filarmónica, homessa! Quando chegou, estava a sala repleta e os músicos atafulhados no palco quase a darem início à função. O senhor Emerenciano olhou, olhou e de repente exclamou em alta voz: onde está o meu piano, gatunos, onde está o meu piano? A sala inteira de imediato mostrou ao droguista a sua indignação, do estilo: queres levar o piano p’ra casa?,

‘tá caladinho, vai mas é curá-la p’ró caneiro! ou: vai-te encher de veneno de ratos! O senhor Emerenciano, saindo “à francesa”, resolveu optar pela última “su-gestão”.No exacto momento da ingestão do veneno, come-çava no salão o concerto, com o tema Ilhas de Bruma.

Carlos Alberto Machado

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Montra de LerAntónio Manuel Couto Viana

Edição da Salamandra, 2001(156 páginas)

Nesta compilação de pequenos textos sobre poe-tas açorianos (de origem, adopção ou contingência), reencontramos Couto Viana na sua faceta mais en-saística. Não estamos, contudo, perante um crítico escravo de teorias ou modas, mas de alguém que demonstra uma atitude assumidamente subjecti-va e descomprometida, tanto na escolha como na abordagem dos autores. Sejam nomes consagrados ou vultos mais esquecidos nas dobras do tempo e da geografia, todos obedecem a um critério de gosto pessoal, de afinidade electiva, conseguindo Couto Viana fazer-nos aceder à sua «imagem humana e literária» (p. 68), ao mesmo tempo que nos pinta um fresco do meio geográfico e histórico em que se moviam.

Genuíno Madruga

Edição da Veraçor, 2011(168 páginas, profusamente ilustrado)

Genuíno Madruga foi o 10º velejador mundial, e o pri-meiro português, a dar a volta ao mundo em solitário, dobrando o Cabo Horn do Atlântico para o Pacífico, em cerca de 2 anos de viagem, terminada com a che-gada ao Pico em Junho de 2009. Essa proeza está agora documentada neste belo álbum, patrocinado pela Mútua dos Pescadores, Governo Regional e por diversas Câmara Municipais. Genuíno nasceu em S. João do Pico. Em 1975, conheceu Marcel Bardiaux, protagonista de 4 voltas ao mundo, entre muitos feitos excepcionais. Em 1999, Genuíno adquiriu um veleiro em fibra de vidro com 11,1 metros, que bapti-zou de Hemingway. Pouco tempo depois, às 9 horas do dia 28 Outubro de 2000, começou a concretizar o sonho e desafio que há muito acalentava: circum-

-navegar o planeta a bordo de um veleiro, façanha que terminou em 2002. Cerca de 9 anos depois, a que agora relata.

Joaquim Manuel Magalhães José Sousa Gomes

Edição Relógio D’Água, 1993(200 páginas, ilustrado)

Do Corvo a Santa Maria é, sem dúvida, um dos mais singulares livros dedicados aos Açores. Antes de mais, pelo modo fortíssimo como os textos (em que confluem poesia e prosa) de Joaquim Manuel Maga-lhães e as fotografias de José Sousa Gomes parecem aliar-se contra o cliché, o lugar-comum. E porque, ao invés de análises de carácter mais etnográfico ou sociológico, nos deparamos com um livro feito de acasos e perdas, de «corpos intocáveis e desejos que para sempre irão» (p. 71), perdidos nos corredo-res do tempo e da geografia. Um livro pessoal mas transmissível.

Manuel Tomás

Edição da Companhia das IlhasLajes do Pico, 2013 (48 páginas)

O autor picoense dedica-se, desde meados dos anos 1970, a investigações de cultura e de língua portu-guesas. O ano de 2012 deu-nos a conhecer uma ou-tra faceta sua, a de poeta. Na verdade, com a colega de escola Marta Alexandra Campos Oliveira, Manuel Gaspar, aliás, Manuel Tomás Gaspar da Costa, deu-

-nos, deram-nos, sob o nome Oliveira e Gaspar, o livro de poesia Entre Sei Lá e o Quê (edições Vieira da Silva). Ainda em 2012 saiu o livro de crónicas Pi-colândia e agora este Maroiço, igualmente de poesia (ambos Companhia das Ilhas). Um dos símbolos característicos do Pico – o “maroi-ço” – é o leit motiv para esta nova digressão poética de Manuel Tomás. «Na terra dos ilhéus / um sítio sobressai / há salgueiros e muito azul / basalto rijo / e cinzento ao vento / na aspiração dos figos / ama-relos no gosto / como o sal na rocha / e o sol à chuva / caída nos laranjais / à beira dos maroiços / onde cresce o funcho / e o mar entra pelas narinas / rasas de nêsperas / e ameixas perdidas.» (“Do lugar”, p. 11).

Carlos Alberto Machado/Companhia das Ilha

12 Poetas Açorianos

Do Corvoa Santa Maria

O MundoQue Eu Vi

Maroiço

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Fazendo Literatura

Cartas do Exílio VIIDadadatackdadadack… Xian, uma curta viagem de 12 horas, é uma cidade de 5 milhões de pessoas. Pe-quena, se comparado com Pequim (20 milhões). Há 1300 anos, durante a dinastia de Quing, Xian era a capital da China, e na altura já havia 2 milhões de habitantes dentro das suas agora bem restauradas muralhas - um conjunto de pedras maciças de uma largura de 30 metros a abraçar a parte interior da cidade. Lá em cima alugam-se papagaios e bicicletas para circundar os seus 13 km de perímetro - o único lugar onde tive confiança para conduzir …

Quinta-feira é dia de Mercado no centro da cidade (metade são muçulmanos) e cada rua tem artigos de uma certa área para vender: uma rua vende pás-saros exóticos junto a lindas gaiolas ornamentadas com tigelas pequeninas de cerâmica para pôr água ou alpista; outra rua tem vegetais e frutas de for-mas e cores nunca vistas; havia uma que era dividida em carne de um lado e tofu em todas as formas e texturas de outro. A seguir uma com animais vivos: tartarugas, ratos, cães, porquinhos-da-Índia e grilos em jaulas minúsculas; uma rua oferece especiarias e pós coloridos - e em todas estas ruas, além das me-sas e barraquinhas de vendedores e das centenas de compradores, também há o trânsito, sempre com buzinas e gritos.

Todavia, Xian não é famosa pelo seu mercado mas pelos seus soldados de Terracota - impressionante, sem dúvida, mas uma loucura! Um imperador que precisava de mais de 6000 figuras de barro, cons-truídas por 700.000 trabalhadores para lhe fazer companhia no seu mausoléu! Isso já não é loucura, antes uma presunção arrogante indescritível!

Um parque público em Shanghai, a apenas 14 ho-ras de comboio, num domingo de manhã: como nós levamos as crianças ou os cães ao parque num do-mingo, os chineses levam os seus pássaros. Em cada árvore ou arbusto há pelo menos duas gaiolas e os seus proprietários juntam-se perto para comparar talento para cantar ou a sua beleza. Há grupos de 15 pessoas na relva a praticar Tai Chi, homens a correr enquanto recitam poemas, mulheres a andar em slow motion, cada pé levanta-se desde o calcanhar aos dedos, pausa, depois a perna estende-se à fren-te, pausa, lentamente os dedos ao calcanhar, pausa, depois outra perna… e tem as mesmas máquinas de exercício que nós temos no Parque da Alagoa, só que ali todas estão ocupadas! Para acabar, que país lindo e arrebatador! Nunca pensei vir a gostar da China. Nem gostava da comida. Agora estou cheia de respeito por eles, pela sua ma-neira de tratar os outros, sempre cortês e com um sorriso - ok, se calhar por ter vindo da Rússia é muito fácil impressionar-me...

Tenho respeito pelas suas tradições e pela sua lín-gua poética - cada palavra tem dois sentidos, Xian por exemplo, para alem de ter sido a capital que uniu o país por muitos anos, o seu nome é composto por Xi = sempre e An = paz. Weiji, traduzido à letra, junta as palavers Wei= perigo e ji= oportunidade. Tenho

Fazendo Viagensir do Faial à China e voltar

Frente Mar - Cidade da Horta - 1912 vs 2012Duplas

Fazendo Comparação

respeito pela sua comida que usa ingredientes des-conhecidos e cria cheiros deliciosos e nunca vi uma pessoa, nem adulto nem criança, com peso a mais. E tenho respeito pelo tamanho do país e pelo seu nú-mero de habitantes: 1300 milhões.

Apesar disso o país também se ajusta: dezenas e de-zenas de arranha-céus brotam da terra em todas as cidades, cada um a oferecer aproximadamente 400 canis para viver e se olharmos para um mapa de mi-gração vemos que há 15 anos 75% da população vi-via nas aldeias e 25% na cidade. Hoje o ratio é 50:50. E amanhã?

Tal como disse uma vez que no Faial se vive de vez em quando por baixo de uma campânula, na China também há sempre uma, com o vidro embaciado, es-fumado... Há uma nebulosidade e névoa constantes que nunca permitem, mesmo num dia sem nuvens, ver o céu azul ou ver mais longe que 2 km e é difícil, se não impossível, localizar a posição do sol.

Ruth Bartenschlager

Page 7: Fazendo 83

Cuidar na sua Essência

Fazendo Saúde

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12.#83 MARÇO ‘13

Fazendo SaúdeGostaria de redigir esta minha reflexão de uma for-ma original, sem desacatos, rasuras ou descuidos. Nenhuma tristeza, nenhuma nota destoante que a possa desafinar. Que ao lê-la pudessem sorrir como-vidos. Uma reflexão espontânea, singela mas com felicidade e realização. É muita pretensão a minha, mas eu desejaria que assim fosse.Para mim, a palavra Cuidar tem imensos significados, peço a Deus longos anos para que possa a cada dia que passa, ter a oportunidade de a descobrir muito mais, apreciando o valor a sua beleza e magnificên-cia.Desde cedo que cuidamos, à medida que crescemos vamos tendo essa noção do cuidado, quer connosco quer com as pessoas e as coisas que nos rodeiam, torna-se uma responsabilidade que emana do inte-rior com uma energia inexplicável que só se conclui no outro, enquanto pessoa.Foi no trilho da enfermagem e nesta incessante vivência de me tornar uma cuidadora por excelên-cia, que caminho, e a cada passo descubro a multi-plicidade do cuidar como o verdadeira senda para a felicidade. Cuidar, em meu entender, significa tudo na enfer-magem: é proporcionar bem-estar e contribuir para uma boa qualidade de vida, é olhar interessadamen-te, falar com verdade e ouvir com compaixão. É reali-zar as funções que me são confiadas o melhor possí-vel com o sentimento de o fazer cada dia melhor.O ato de cuidar envolve uma ação interativa entre quem cuida e quem é recetor desse cuidado, visan-do prevenir a doença e promover os processos de re-adaptação após a mesma. Procura-se também a sa-tisfação das necessidades humanas fundamentais, a máxima independência e proporcionar a reabilita-ção por défices frequentemente através de processos de aprendizagem do cliente.Neste processo, é impor-tante saber estar e de-senvolver uma prática onde assente a ideia de que, cuidar, im-plica uma enorme responsabilidade ética, onde o objec-tivo é a adopção de atitudes, compor-tamentos e práti-cas possuindo uma visão holística do ser humano, pois, essa amplitude de perspectiva, per-mite reconhecer as minhas próprias responsabilidades e os meus deveres para com o outro,

podendo então, orientar de forma ética os meus comportamentos.É deste modo, que enquanto enfermeira de cuida-dos gerais a exercer funções em meio hospitalar, consigo justificar toda a minha prática quotidiana. Uma prática que vem crescendo por processos de formação pessoal e profissional, experiências vi-venciadas quer sejam positivas ou negativas, todas culminam numa aprendizagem contínua e transpa-recem nos cuidados de enfermagem prestados a cada cliente. Estabelecer uma relação de confiança, vinculada muitas vezes pelo primeiro encontro; ser quem de-monstrou um sorriso precursor de um acolhimento eficaz; ser quem dá informação, quem fundamenta, mas essencialmente quem escuta; quem permite que falem de si, dos seus medos, ser respeitadora

de crenças e valores próprios. Tudo isto experimen-to diariamente na relação com os clientes. Percebo que a satisfação das suas necessidades exige muita atenção, dedicação, sentido de disponibilidade, pro-fissionalismo, sentido crítico e autonomia.De fato, o centro da minha preocupação é o cliente que me comprometo cuidar. Daí, que a autonomia e a responsabilidade se configurem fundamentais nos cuidados que desenvolvo e tudo faço para que se-jam cuidados de excelência, equidade e proximidade.Agir em função do outro e ir ao encontro das suas necessidades, proporcionar-lhe momentos de alen-to que possam atenuar a dor e o incómodo causados pela situação de doença, são de fato, o fundamento de toda a relação/comunicação que se possa desen-volver. Um dia, uma cliente disse-me que eu a tinha feito muito feliz. Fiquei estupefacta, sem saber ao que ela se referia, mas ela esclareceu-me: “ …fiquei mui-to feliz quando me disseste que a minha filha podia trazer a minha maquilhagem, o que mais gosto é andar bem arranjada…” Então percebi a razão da sua felicidade e isso contribuiu para tornar mais forte a ideia de que são pormenores como este, que fazem do cuidar grandes momentos e o torna personaliza-do sem prejudicar a vivência de cada pessoa. O cuidar, é deste modo, pessoal, intencional, rela-cional, depende da vontade, do auto conhecimento, de desprendimento, de grande responsabilidade e comprometimento. O cuidar não pode ser comprado, é o que temos de mais precioso, é um pouco de nós mesmos. É uma chave especial que abre o cofre interior, onde se encontra tudo o que há de mais puro, verdadeiro e pessoal…Não é uma chave de ouro, mas com valor imenso porque vai embalada com vontade de só fa-

zer bem, só ajudar e nunca perturbar.Os frutos desse bem são colhidos

a cada dia na tranquilidade da aceitação e no sorriso

desabrochado no meio de tanto sofrimento, …na sensibilidade e na força perante a vida. É aqui que culmina a minha caminhada trilhada de trabalho, tristezas, emoções, cansaços e anseios,

…onde começa o vos-so alento e desponta a minha felicidade.

A todos Bem-haja

Regina Venâncio

Silveira

Seres humanos!Estou presa numa rede de pesca per-dida no oceano, e só me restam alguns minutos de vida. Se não me conseguir desenvencilhar desta maldita rede, que se estende por centenas de km, a pescar tudo o que mexe nos nossos oceanos, serei mais uma tartaruga marinha que entrará para as estatísti-cas da pesca acessória!Durante a luta que travo com a rede, que se emaranhou nas minhas barba-tanas e carapaça, e que me impossibi-lita agora de chegar à superfície para respirar, sou invadida por uma panó-plia de flashes de vários momentos que passei pela minha longa vida. Vem-me agora à memória o dia em que nasci. Eu, e a minha centena de irmãzinhas. Foi num dia quente de ve-rão numa praia do sudoeste da Florida. Pelo amanhecer e após cerca de três dias a escavar, chegámos finalmente à superfície. O mar estava apenas a 40 m de distância, mas para mim, que era tão pequena, a praia parecia imensa. No entanto, eram poucos os minutos que tinha para viver ou morrer. Rapidamente, sou surpreendida por um exército de caranguejos que pa-trulhavam a praia, ao qual e com sorte consigo escapar. Pelo caminho, a tris-teza é grande ao ver que dezenas das minhas irmãs não conseguem vencer tais predadores tão vorazes. Mas o perigo, naquele momento, não esprei-tava apenas por terra, mas também pelo ar. Inúmeras aves marinhas bom-bardeiam a superfície do mar a fim de conseguirem apanhar uma de nós,

Odisseia de uma tartaruga marinha

tartaruguinhas guerreiras que tenta-vam a todo o custo sobreviver. Quando por fim chego ao mar, deparo-

-me com uma forte rebentação. Deba-to-me então com tal ondulação, que com todas as minhas forças, ultrapas-so e nado para longe até atingir o mar aberto. Com barbatanas do tamanho de asas de uma borboleta, impulsiono-me, libertando-me da terra entrando no desconhecido abismo, o mar. Sou agora uma peregrina no imenso Oce-ano Atlântico e farei uma das viagens mais longas do mundo. Mas jamais me esquecerei onde nasci. Nado durante dois dias e duas noites e chego por fim à grande Corrente do Golfo. Esta será a minha rota pelo oceano, como foi para as outras gerações de tarta-rugas. Entro no coração desta intensa corrente e em poucos minutos volto à superfície para mais uma respiração, pois como todos os répteis tenho de respirar ar. Depois de mais 70 km en-contro o que procurava, um aglomera-do de algas, como se de um bote salva-

-vidas se tratasse. E pela primeira vez rendo-me ao sono.Ao largo de centenas de km, inúmeras acumulações de sargaços transpor-tam pequenos organismos. Ao meu redor existem outras viajantes em marcha. Golfinhos, baleias, mantas e tubarões, cruzam também o Oceano Atlântico. A Corrente do Golfo é como uma grande auto-estrada marinha utilizada por muitos dos animais mi-gradores do Atlântico Norte. E em cada primavera, os nómadas do mar percor-

Fazendo Ciência

rem grandes distâncias, levados pela corrente rumo à zona de alimentação de verão, no norte. Mas, a minha via-gem é incrível. Viajo na minha balsa a 8 km/h, a incrível velocidade da Corrente do Golfo. No entanto, devo confiar no meu passado, pois durante milhões de anos, tartarugas como eu, nadaram atravessando o poderoso Atlântico. Por agora, a minha balsa é todo o meu mundo. Gostaria que fos-se apenas minha, mas há outros que chegaram antes, como estes peque-nos peixes que aqui procuram abrigo e alimento ou aqueles, que passam aqui toda a sua vida, como o frágil ca-valo-marinho, que se camufla em todo este ambiente. Na imensidão do azul, a balsa é o meu único refúgio. Agora vejo estes gigantes de pedra; ilhas oceânicas perdidas no meio Atlântico, onde o meu alimento preferido abun-da: águas-vivas, caravelas-portugue-sas e outros organismos gelatinosos. Nos Açores vaguearei por cerca de 15 anos, gozando a minha juventude.

Mas, continuo emaranhada na rede e sinto-me realmente exausta, quase no meu limite. Mas parece ainda haver tempo para mais uma recordação, que marca outro momento importante na minha vida. O dia em que regressei pela primeira vez à praia que me viu nascer. Seguindo o campo magnético da Terra, oriento a minha bússola interna rumo à praia no sul da Florida. Junto à costa encontro-me com outras tartarugas da minha espécie. Como é bom ver que para além de mim, também outras conseguiram sobreviver e chegar até aqui. Somos os preciosos sobreviven-tes de mais uma geração de tartaru-gas. Só uma, em cada dez mil, chega tão longe.Alguns machos que por ali vagueiam aproximam-se de mim com o objecti-

vo de acasalar. No entanto, é tanta a oferta que dou por mim a acasalar com muitos deles. Em bolsas especiais que possuo no meu ventre, armazeno os vários es-permas para depois fecundar os meus ovos. Assim, os meus filhotes não te-rão apenas um pai, mas sim vários. No entanto, eu e qualquer um daqueles machos, não compartilharemos as nossas vidas. Esta última parte da viagem é exclusivamente para mim e devo fazê-la sozinha. Já não me guio pela memória ancestral, senão pela minha própria, por já ter estado ali an-tes, há mais de vinte anos. Encontro agora uma terra muito diferente da que deixei. Defesas construídas, por causa da subida do mar, parecem-se um estranho labirinto de recifes que bloqueiam o meu caminho para a praia. Depois de tanto lutar para deixar a terra, luto agora para regressar a ela. Com a cabeça fora de água, altas som-bras e falsas estrelas chegam de terra. São grandes prédios e luzes que os ilu-minam. Mas a minha praia é esta! Toda a minha vida foi uma preparação para este momento. Seis mil vezes maior, regresso agora à praia onde nasci. E por isso nesta noite troco a elegância do mar pela gravidade da terra. Subo lentamente pela areia e por fim, cavo um ninho de meio metro de profundi-dade, onde deposito a minha dívida à terra. Esta antiga oferenda é o propó-sito da minha viagem de toda a minha vida. Sou mãe e triunfei!O cansaço e desespero tomam outra vez conta de mim. Há quase 1 hora que estou aqui presa e a esperança de so-breviver começa agora a desvanecer-

-se. São vários os cortes que possuo nas minhas barbatas e pescoço e só um milagre me tirará deste desastre. Lá ao fundo vejo uma sombra que me parece um mergulhador. E como um passo de magia vejo-me finalmente livre daquela rede assassina. Tal acto de bondade torna-me de novo um ser livre! Obrigado ser humano, por me salvares a vida!

Ana Besugo

Page 8: Fazendo 83

Evento

Fábrica da Primaveracentro de artes das lajes do pico23 de Março15h00 às 17h30

Dia Mundial da Poesía

poesia musicada a várias vozesMatriz da Madalena23 de Março19h30

Cinema

Os Miseráveisde Tom HooperTeatro Faialense23 e 24 de Março . 21h30Lajes do Pico22 Março . 21h00

Dia Mundial do Teatro

teatro radiofónico104.7 fm27 de Março9h30, 11h30 e 17h30

Concerto

Concerto Sinfónico de PáscoaHorta-Cameratade Kurt SpanierLocal a designar31 de Março . 21h30

Teatro

Antes de Começarde Almada NegreirosTeatro Faialense5 de Abril . 21h306 de Abril . 21h307 de Abril . 21h3014 de Abril . 21h3019 de Abril . 21h3020 de Abril . 21h3021 de Abril . 21zzzh30

“Em tempos, o Teatro começava como por magia: a magia dos festivais sagrados, a magia do momento em que as luzes se acendem. Hoje é o contrário. O Teatro é pouco desejado e quem lá trabalha merece pouca confiança. Por isso, não podemos esperar que o público compareça com devoção e atenção. Nós é que temos de captar a sua atenção e fazê-lo acreditar. Só o conseguiremos se provarmos que não há truques, que nada está escondido, abrindo as mãos e mostrando que não temos nada na manga. Nessa altura poderemos começar.” Peter Brook

Na jardinagem, poda é o ato de se retirar parte de plantas, arbustos, árvores, cortando-se ramos, rama ou braços inúteis, o que pode ser periódico e que favorece o seu crescimento, forma-a, trata-a e renova-a. Há também uma técnica açoriana de fazer com que a planta não cresça, chamada bonsai.

Música

ChamarritasCasa do PovoSão Caetano16 de Março . 21h00

Feira

Feira Rural da PedreiraCriação Velha17 de Março11h30 às 16h30

Cinema

Força RalphTeatro Faialense17 de Março . 17h00Lajes do Pico16 Março . 17h00

Feira

Mercado de TrocasCastelo de São Sebastião23 de Março . 15h00

Entrevista com o MorcegoFrederico Cardigos

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Cinema

A vida de Pide Ang LeeTeatro Faialense15 e 17 de Março . 21h30Lajes do Pico16 Março . 21h00

Oficina

Artítico-Pedagógicascom Susana MouraCentro de Formação artística da Madalena16 de Março

Evento

AlfamaUma História do FadoTeatro Faialense16 de Março . 21h30

Agenda Março ‘13

Nome: Frederico CardigosIdade: 42

Profissão: Biólogo Marinho, exercendo as funções de

Diretor Regional dos Assuntos do Mar dos Açores

O que é que pequeno-almoçaste?O habitual. Nem mais um trago de nada ou o resto de alguma coisa.

Se o Conde Drácula viesse cá às ilhas onde o levarias?Ver a lua a nascer por trás do Pico, até porque o senhor se dá mal com o Sol. Aliás, se aqui visse o Sol, neste período do ano, era mesmo um grande azar. Qual é a semelhança entre o Pico e o Faial?Pouca coisa. Têm ambas boa gente. Se não gostas de chuva o que é que estás aqui a fazer?A mi me gusta mucho! O “aqui” e a “chuva”.

Na escola que outra “disciplina” deveria ser obrigatória?Biologia marinha com especialização em espécies e ecossis-temas dos Açores. Quem conseguisse dizer o nome da disci-plina sem pestanejar já teria positiva. Porque é que tens alguns projectos na gaveta?Porque, se estivessem todos em cima da mesa, não consegui-ria trabalhar.

O que é que mais odeias na internet?A velocidade nas Flores e no Corvo. Vem, cabo de fibra óptica! Que forma de arte é que te aguça os caninos?A melodia da boa música, as cores da excelente pintura, as formas da magnífica escultura, as linhas e as entrelinhas da li-teratura espetacular e tudo aquilo que reflete a excelência de alguns seres humanos. Tenho mesmo pena de não ser hábil o suficiente para provocar as sensações que me fazem sentir os magos da arte. O que é que gostavas de ter nascido?Sei que é estranho, mas gosto de mim assim… Gostavas de ir morrer longe?Não. Gostava de ir longe, de vez em quando, e voltar aqui sempre que possível. Também podemos “ir longe” aqui, não é?

Tomás MeloGatafunhos

Fazendo Entrevista

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Horários

Horta — Madalena 7h30 10h30 13h15 15h15 17h15

Madalena — Horta8h15 11h15 14h00 16h00 18h00

Cedros — Horta7h00; 12h45; 16h00;Sábados: 8h00

Piedade — S. Roque — Madalena6h15; 13h30;Domingos e feriados: 13h15

Piedade — Lajes — Madalena5h45; 12h55;Domingos e feriados: 12h55

Madalena — Lajes — Piedade10h00; 17h45;Domingos e feriados: 9h30

Horta — Cedros11h45; 15h20 (Hospital); 18h15;Sábados: 13h15

P. Norte — Horta7h00; 12h45;Sábados: 8h00

Madalena — S. Roque — Piedade10h00; 17h45;Domingos e feriados: 9h30

Horta — P. Norte11h45; 17h30;Sábados: 13h15

Índice

83

Fazendo CrónicaIlhas Habitadas

Fazendo ProsaErnesto

Fazendo MúsicaHeitor Lobo

Fazendo MúsicaSapateia

Fazendo MúsicaEsculpir Sons

Fazendo MúsicaEntrevista +Jazz

Fazendo MúsicaPuto Ems

Fazendo CulturaA Primavera daCasa do Sal

Fazendo ProsaAbominável Homem das Cataratas

Fazendo CinemaBaleias e Baleeiros

Fazendo ViagensCartas do Exílio VII

Fazendo ComparaçãoDuplas

Fazendo LiteraturaMontra de Ler

Fazendo CiênciaOdisseia de uma Tartaruga Marinha

Fazendo SaúdeCuidar na sua Essência

Fazendo EntrevistaCom o Morcego

Gatafunhos

Agenda

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