ilhavirtualpontocom
FEVEREIRO 2013 NÚMERO 18
Fev. 2013 NNº 18
EDITORIAL
O homenageado deste número é o poeta e
cronista José Chagas, conforme escolha de 50%
das pessoas que votaram na pesquisa em nossa pá-
gina no Facebook. O poeta nascido na Paraíba e
que escolheu o Maranhão como novo lar concor-
reu com nomes importantes como Bandeira Tri-
buzi e Nauro Machado, e teve a preferência do pú-
blico.
Mas este número não se limita a José Chagas,
sobre o qual colhemos algumas apreciações críti-
cas de importantes estudiosos de nossa literatura,
falamos também da poesia de Ana Luíza Almeida
Ferro, com seu novo livro de poesia: O Náufrago e
a linha do horizonte, recentemente publicado, e da
musica de Ary Otello, além do centenário de nas-
cimento do grande teatrólogo Cecílio Sá.
Novamente pedimos que quem quiser pode
colaborar com textos (poemas, contos, crônicas,
artigos) de até duas laudas, pois a ideia do infor-
mativo é dar espaço para quem produz e estuda
nossas letras.
Até o próximo mês!
Página 2 ILHAVIRTUALPONTOCOM
O informativo literário ILHAVIRTUALPONTOCOM é parte inte-
grante do projeto de pesquisa Sistema Literário Maranhense,
financiado pela Faculdade Atenas Maranhense e conta com a
participação de Susane Ribeiro (pesquisadora-bolsista) e José
Neres (coordenador da pesquisa).
Página 3 NÚMERO 18
Primeiro conheci José Chagas atra-
vés do que ele escrevia, depois o
conheci de vista, pelo meado dos
anos 50, quando minha mãe o mos-
trou a mim na rua, matando a curi-
osidade que eu tinha pelo menos
de vê-lo, pelo excelente conceito
que ele já gozava nos meios intelec-
tuais de São Luís. Tinha lançado o
Canção da Expectativa e era, sem
dívida, o melhor cronista da cidade,
lúcido, corajoso e independente,
com um estilo extraordinariamente
sedutor. (Arlete Nogueira da Cruz— em Sal e Sol, Rio de
janeiro, Imago, 2006, p. 93)
José Chagas, em seus li-
vros de poesia e nos seus
volumes de prosa, tanto
enobrece a língua portu-
guesa como coloca-se no
mesmo patamar das
grandes vozes da moder-
na poesia brasileira. Nes-
se patamar, como se sa-
be, só há lugar para artis-
tas que reinventam a lite-
ratura ou reinventam-se.
Na obra de Chagas, há o
coloquialismo da lingua-
gem , o humor usado com
arma para desvendar a
realidade o gosto pelo
verso curto e livre. Ele
atribui isso à influência da
literatura de cordel, e os
contatos com os cantores,
violeiros e repentistas
que mararam sua incur-
são na vida literária. (Felix
Alberto Lima – no livro
Chagas em Pessoa. São
Luís: Fundação Municipal
de Cultura, 2006. P. 59)
Página 4 ILHAVIRTUALPONTOCOM
Chagas no lançamento do livro Chagas em Pessoa
O impressionante em Chagas é a capacidade de unir ele-
mentos de seu laboratório técnico à mais alta expressivi-
dade emotiva do produto daí resultante, o ajuste do sig-
nificado ao significante, a redução, em muitos de seus
poemas, da expansividade cósmica a um único ponto ca-
paz de sintetizar em apenas um trecho-temário a solidão
de que é possuidor. (Nauro Machado – No livro As Esferas Lineares. Im-
peratriz: Ética, 2009, p. 106)
Página 5 NÚMERO 18
José Chagas entre os acadêmicos Ceres Costa Fernandes e Jomar Moraes (fonte da imagem: internet)
José Chagas é um grande
poeta do Maranhão, e
dele já temos ais de uma
vintena de livros, para a
felicidade de todos os
que apreciam ver a poe-
sia cultivada em timbres
de consciente elevação e
constante espontaneida-
de. (Sebastião Moreira
Duarte – No prefácio do
livro Da Arte de Falar
Bem. São Luís: Instituto
Geia, 2004)
Página 6 ILHAVIRTUALPONTOCOM
Olhe aí a palafita crescendo sobre a maré. O homem que nela habita caranguejo ou peixe é. Caranguejo que se irmana com os bichos dos lamaçais, na condição desumana de caminhar para trás, de voltar à pré-história, - vergonhosa marcha à ré - e afogar sua memória no ir e vir da maré.
O poeta José Chagas não é maranhense (ele nasceu no Esta-
do da Paraíba), mas seus vínculos com o Maranhão datam de
longos anos. Aqui, chegou e integrou-se efetivamente à nos-
sa cultura, com uma contribuição para as letras – poesia, crô-
nica, sobretudo, que pretendemos avaliar nas suas reais di-
mensões. A sua produção literária é extensa e, por isso, exige
uma apreciação crítica multiforme para evitar um enfoque li-
mitado. (Carlos Cunha – em As Lâmpadas do Sol, São Luís: Fon-Fon, 1980,
p. 83)
Página 7 NÚMERO 18
Fonte da imagem: internet
Ainda não se sabe qual a arma a ser usada no intrincado pro-
cesso do desarmamento de que tanto falam os que adoram fazer dema-
gogia. Há sobre isso muita conversa fiada e desconfiada, que vem de
longe no tempo, e que até hoje não tem chegado a qualquer resultado
satisfatório. Trata-se de uma guerra que se contradiz ou de uma luta pelo
avesso. De um modo geral, as armas são fabricadas para as guerras e
guerrilhas, tanto que não deixa de ser curioso que se pretenda fazer uma
guerra contra as armas e por pessoas desarmadas. Nem se faz necessário
dizer que essa é a mais desigual das lutas, num filme já tantas vezes exi-
bido e em que os bandidos evidentemente levam mais vantagem do que
os mocinhos, que, no caso, além de não terem armas ainda caem em ar-
madilhas.
Sempre me causou dúvida o empenho ingênuo, para não di-
zer imbecil, dos que pregam o desarmamento das pessoas pacíficas e
esquecem os que se armam com o fim deliberado de ameaçar, assaltar,
matar. E é isso o que se tem verificado nas tantas campanhas de desar-
mamento promovidas por aí e das quais são encarregados alguns indiví-
duos que se improvisam de pacificadores pela metade. São campanhas a
favor dos bandidos, pois estes podem invadir tranquilamente uma casa,
sabendo que lá dentro não há ninguém armado. É bem mais fácil e mais
cômodo tirar a arma de uma pessoa pacata. E não há nada mais estúpido
do que, depois disso, deixar uma arma na mão do assaltante, já que aí o
pretenso desarmamentista não se arrisca a tomá-la. Também você não
pode ter porte de arma para defesa pessoal. O bandido pode portar e até
importar. Quem se importa?
Por isso tiram a arma que você por acaso tenha em sua resi-
dência, mas não a do marginal que está lá fora, na rua, pelo que você
tem que se trancar, ficando até impedido de sair de casa, por falta abso-
luta de segurança pública. Alegam que você, como pessoa de bem, não
tem experiência com armas e corre perigo, embora fique sujeito a um
perigo maior, na mão do malfeitor, que é perito no assunto. Mas já então
é esse um problema seu, cuja solução é você não reagir quando der de
cara com o assaltante. Deixá-lo agir em paz.
Não é por outra razão que já em certas cidades as gangues é
que mandam. Determinam a hora de abrir e fechar o comércio, marcam
horário para a população se recolher, assumem enfim o poder, por conta
própria, e até as autoridades constituídas obedecem, porque afinal essas
só têm coragem de desarmar a população. E o pior é que, conforme di-
zem, estão aprovando assim um chamado Estatuto do Desarmamento.
Várias vezes já escrevi inutilmente sobre essa visão errada que sempre
persistiu.
Página 8 ILHAVIRTUALPONTOCOM
CR
ÔN
ICA
DE
JOSÉ
CH
AG
AS:
A G
UER
RA
DES
AR
MA
DA
No entanto, há poucos dias, para grande
surpresa minha, li afinal a esse respeito uma notícia
diferente. Dizia um jornal que “deputado quer defla-
grar operação de desarmamento de bandidos e pede
ajuda do Exército.” Acrescentava enfaticamente que
“ao contrário do que os apressados possam imagi-
nar, o desarmamento não seria da população de
bem, mas dos bandidos.” Eis algo novo sob o sol de
São Luís. É certo que, nas condições em que vive-
mos hoje, neste país, não se pode ir de logo acredi-
tando em iniciativas dessa natureza. Mas, que diabo,
há pelo menos aí um pouco de lógica. É já um passo
dado para fora do absurdo. Temos enfim alguém
que pode não chegar aonde quer, mas vai na direção
certa.
Só que há um detalhe a considerar e que
pode causar certa dificuldade à operação sugerida
pelo deputado. É que ele, ao apelar para a ajuda do
Exército, justifica isso dizendo que “hoje os solda-
dos do Exército não fazem nada, não protegem nada
e estão apenas sugando o Estado.” Não creio que
sejam palavras que possam soar bem ao ouvidos de
uma instituição à qual se pede auxílio. E essa mu-
dança de perspectiva traz outro fato a ser lembrado.
É que, segundo a mesma notícia, a bandidagem tem
aparato de primeiro mundo, enquanto o Exército é
ainda do terceiro e está praticamente sem recursos
para enfrentar armamentos de última geração, como
os de que dispõem os elementos da marginalidade.
Mas esclarece o jornal que a ação de desarmamento
consistirá em visitas estratégicas aos bairros de mai-
or periculosidade para tomar das mãos dos bandidos
as armas de grande alcance. E será que faz parte da
estratégia a pressa de tornar público o modo como
vão agir? Há ainda o argumento de que não é admis-
sível que os bandidos tenham armas poderosas e os
policiais só disponham de simples revólveres. Daí o
empenho de tirar daqueles as armas de grande al-
cance. Donde se conclui que não haverá desarma-
mento propriamente dito, mas apenas um esforço
para que a luta seja de igual para igual. (O Estado
do Maranhão 06/09/2003)
Página 9 NÚMERO 18
Por José Neres
Na poesia contemporânea, em que predominam os versos brancos
e livres, além da espacialização das palavras, poucos são os escritores que
dominam a versificação sem matar o sentimento poético. Muitos sabem
escandir versos com perfeição, mas quase nada têm a dizer. Outros – em-
bora cheios de conteúdo – preferem as formas soltas, sem preocupações
métricas. Raros são os que conseguem fazer poemas e, dentro de uma for-
ma estabelecida previamente, pôr a essência poética das palavras. É nesse
último grupo que se deve estudar José Chagas.
Paraibano de nascimento, maranhense por opção e poeta por ins-
tinto, talento e vocação, José Francisco das Chagas, ou mais simplesmente
José Chagas, é autor de uma alentada e bem construída produção poética.
Sua bibliografia já superou a marca de três dezenas de livros publicados e
certamente esconde mais alguns volumes em sua gaveta de preciosidades
literárias. Em José Chagas, o leitor pode encontrar um pouco de tudo no
que diz respeito à arte poética: crítica social, filosofia, metalinguagem,
lirismo e sentimento telúrico.
Dono de um estilo que valoriza a plástica do poema sem deixar em
segundo plano o conteúdo da mensagem a ser passada, podemos encontrar
na obra desse poeta uma infinidade de recursos técnicos e estilísticos que
bem poucos ousariam tentar. Uma mistura de clássico e moderno eleva o
que poderia ser apenas regional à dimensão de universal. Tirando alguns
poemas de caráter panfletário (tão bem construídos que em nada diminu-
em o valor conjunto da obra), os poemas de José Chagas tratam de temas
que são comuns a todos os homens do presente do passado e do futuro e
de qualquer lugar da Terra. Em alguns casos, basta que tiremos o nome da
cidade de São Luís para atingirmos o tom cosmopolita dos versos.
Em MaréMemória, por exemplo, podemos encontrar diversas pas-
sagens em que o ritmo dos versos não deixa que a leitura seja interrompi-
da. Em um fôlego, o leitor devora o texto e entra em contato com uma re-
alidade tão clara quanto a linguagem empregada. Impressiona como uma
realidade tão crua possa ser transcrita de um modo tão belo.
Página 10 ILHAVIRTUALPONTOCOM
AR
TIG
O: C
HA
GA
S: P
OEM
A E
PO
ESIA
O pequeno livro Os Telhados, que alterna versos livres e metrificados,
traz momentos de pura reflexão. O eterno questionar humano aparece de modo
denso e intrigante, deixando-nos a certeza de que “contemplar os voos parece
trabalho fácil / mas deles cai sobre nós a angústia de ficarmos”. As metáforas
são bem construídas, exigem esforço mental. Até o espaço em branco no papel
ganha importância. Nada está no texto por acaso e a construção dos neologis-
mos aproxima o leitor da interpretação, como é o caso de:
Aquimeuontem
meuhoje
lá a manhã lá
em que a relação presente-passado-futuro é suscitada pela junção de advérbios e
pronomes e pelo distanciamento do elemento dêitico “lá”.
Para o verdadeiro poeta, tudo pode ser assunto de poesia, inclusive a própria
poesia. Em A Arcada do Tempo, José Chagas faz uma viagem pelo mundo da
metalinguagem e faz poemas em torno do difícil tema da poesia. Um desfile de
homens de letras e textos literários compõem as dez partes do livro. As quadras
saem ritmadas e se encaixam perfeitamente n contexto do livro. O autor teoriza
sobre o fazer poético, pois para ele
O poema acompanha
O que o homem sente
Cravado na entranha
Com unha e dente
A capital maranhense é um dos temas mais recorrentes do autor de Os
Canhões do Silêncio. Em seu livro Os Azulejos do Tempo – Patrimônio da Hu-
mana Idade, ele apresenta mais de duas centenas de sonetos com um tema cen-
tral: São Luís do Maranhão. Mas, ao contrário do que se pode imaginar, não se
trata de um livro apenas de elogios. Além de ver as belezas da cidade, o poeta
também deixa clara sua indignação com alguns dos problemas que estão enrai-
zados na Ilha. Deixa inclusive um questionamento sobrea verdadeira cidade:
Essa é mesmo a cidade azulejada,
Ou a cidade aleijada em seu azul?
Em Apanhados do Chão, o eu lírico faz um passeio por São Luís, contando fra-
gmentos da história da cidade e associando o presente ao passado. Do chão tão
conhecido, o poeta tira a essência de seus versos. O périplo do poeta não tem
um destino, mas sim um objetivo: não deixar enterrados os mitos, as lendas e a
história da cidade que o acolheu como um filho.
Página 11 NÚMERO 18
Este
te
xto
é p
arte
do
arti
go C
ha
ga
s, P
oet
a C
rôn
ico
, do
livr
o N
as T
rilh
as d
a P
alav
ra,
a se
r p
ub
licad
o e
m 2
01
3
LIVRO EM DESTAQUE
Atualmente, um bom livro de poemas geralmente tem como cartão de
visitas um bom título e uma capa que esteja alinhada com a temática a
ser desenvolvida. Mas isso não passa de detalhes técnicos que podem
ser resolvidos por um bom capista e por alguém de bom senso estético
para definir o título.
Um bom livro e poemas é aquele em que a capa passa a ser menos im-
portante que o conteúdo e no qual se perceba, a cada página o esforço
do autor (ou autora) em selecionar as palavras, o ritmo e de colocar em
cada verso algo que saia do comum e
que leve à reflexão e ao encantamento
pelas imagens desenhadas com as pala-
vras.
O mais recente livro de Ana Luíza Al-
meida Ferro é um desses trabalhos em
que o leito começa se encantado com a
bela capa, mas ao ler os primeiros poe-
mas, percebe que valeria a pena ler os
textos mesmo que o livro nem mesmo
viesse encadernado.
Os poemas trazem uma mescla de crí-
tica social, lirismo e jogos de palavras,
sem perder de vista a essência poética
e um incessante trabalho estético com
a linguagem.
É um livro para se ler aos poucos, sa-
boreando os poemas e sentindo o ca-
lor das palavras que traduzem um mo-
do poético de ver o mundo, com as
máscaras da poesia, mas sem tentar
esconder uma incômoda realidade.
Página 12 ILHAVIRTUALPONTOCOM
O Náufrago XII
O náufrago
é o alter
sitiado
pelo ego os lados
por todos
Página 13 NÚMERO 18
O homem que não era super
L’homme ivre d’une ombre qui passe
Porte toujours la châtiment
D’avoir voulu changer de place.
Baudelaire
Sob as últimas luzes da ribalta
perdido na madrugada
de vida incauta
em estéril noitada
o homem que não era super
que não era Rambo
que não era Flash
que não era Deus
Carlitos sem graça
passo em descaminho
corpo sem massa
mundo em desalinho
Os versos quase sempre românticos de Ary Otello no-
vamente encontram a voz cadenciada de Joel Mis-
tokles e como resul-
tado chega aos ouvi-
dos de quem admira
a boa música o CD
Amor de Vidro, que
deixa para o ouvinte
a sensação de estar
entre a devoção pela
alma e o desejo pelo
corpo; entre o sagra-
do da intocabilidade
do ser e a certeza de
que tudo pode ser
dessacralizado.
O estilo voz e violão
agrada aos amantes
da música e é um dos
chames do CD, que é
uma produção indepen-
dente de um artista que
procura seu lugar no
cenário musical mara-
nhense.
Contatos com o autor:
Página 14 ILHAVIRTUALPONTOCOM
Página 15 NÚMERO 18
AGENDE-SE
“Fazíamos [teatro] como brin-
cadeira, como diversão e uma
peça de autores consagrados
estava acima da nossa concep-
ção. Então a gente fazia coisas
que estavam enquadradas den-
tro da realidade popular das
nossas possibilidades.”
(Cecílio Sá— No livro Memória do Teatro Maranhense, de
Aldo Leite, p. 120)