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ARTIGO

FORDISMO, TOYOTISMO E VOLVISMO:'"OS CAMINHOS DA INDUSTRIA

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO• Thomaz Wood, Jr.

Engenheiro Químico pela UNICAMP, Mestrando emAdministração de Empresas da EAESP/FGV eProfissional do Setor Fibras e Polímeros da Rhodia S.A.

* RESUMO: A partir dos anos setenta, a supremacia euro-americana no mundo industrial tem sido desafiada pela cres-cente economia japonesa. Liga-se este fato aos métodos deprodução e à forma de organização do trabalho dominante nascompanhias dos países industrializados ocidentais. Este tra-balho investigará três pontos da questão: a ascensão e quedada produção em massa - o "Sistema Fordista"; o nascimen-to e as características do "Sistema Toyota" e o surgimento do"Sistema Volvo". Pretende-se, ao final do trabalho, ter pro-duzido uma visão geral sobre o processo de transformação ereestruturação da indústria neste século.

6 Revista de Administração de Empresas

* PALAVRAS·CHAVE: Reestruturação da indústria, organi-zação do trabalho, métodos de produção.

.,f(- ABSTRACT: After the 70's, the american-europeansupremacy in the industrial world has been chalenged by theJapan rising economy. It is said that this fact is dose linkedto the production methods and work organization dominantin the companies of industrialized western countries. Thispaper will investigate tree aspects of the question: the rise andfall of the mass production - the "Fordist System"; the birthand caractheristics of the "Toyota System" and the emergenceof the "Volvo System". It is intended, at the end of the work,to produce a general view of the transformation process andthe restructuring of industry over this century.

* KEY WORDS: Restructuring of industry, work organ-ization, methods of production.

São Paulo, 32(4): 6-18 Set,/Out. 1992

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FORDISMO, TOYOTISMO E VOLVISMG...

A nous la liberté é o título de um filme dodiretor francês René (Jair.

A estória mostra dois companheiros defuga da prisão; um só deles bem-sucedido,assinale-se que em detrimento do outro.Eles são os protagonistas de uma sátira àindústria - sociedade - que reduz o ho-mem a uma máquina.

O bem-sucedido na fuga, interpretadopor Raymond Cordy, sobe rápida e habil-mente no mundo industrial, tornando-seum importante empresário. O outro, HenriMarchand, após cumprir sua pena,perambula inocentemente pela narrativa,conservando o ar alegre e um desapegosincero, tentando sempre aceitar o inespe-rado.

O reencontro dos dois amigos, agorahabitando mundos diametralmente opos-tos, dá início a uma reviravolta na estória.Henri vai trabalhar na fábrica de Raymonde suas ações vão potencializar a recon-versão do amigo.

Na seqüência final, a fábrica - umquase personagem - é entregue por Ray-mond aos operários, que não têm outrasatividades que não sejam pescar ou dis-trair-se em jogos. Enquanto isso, a produ-ção é feita por autômatos.

Os dois amigos seguem seu caminho,pela estrada, com uma trouxa de roupasnas costas e cantarolando a canção que dátítulo ao filme.

O diretor usa o vasto complexo indus-trial como moldura para uma crítica bemhumorada aos processos desumaniza-dores. Em essência, defendem-se, de ma-neira por vezes ingênua, mas sempre poé-tica, os valores básicos do ser humano.

O filme é de 1931.

INTRODUÇÃO: OS SISTEMAS GERENCIAISE SUAS IMAGENS

A partir da década de setenta, a lide-rança industrial até então incontestável dosEstados Unidos e da Europa Ocidentalpassou a ser desafiada pelo Japão.

Advoga-se que este fato está estreita-mente ligado ao declínio da forma de or-ganização do trabalho dominante nas em-presas ocidentais.

O modelo de produção fordista estaria,por isso, sendo substituído na indústriamanufatureira em todo o mundo por no-vos conceitos e princípios.

Este trabalho abordará este tema a par-tir de três metáforas desenvolvidas porGaret Morgan no livro Images of Organ-izatíon.' Para criar um campo analítico,estas metáforas serão contrapostas a trêsdiferentes sistemas gerenciais.

Assim, na primeira parte, será descrita aimagem da organização como máquina e,em seguida, abordado o tema da produçãoem massa a partir do caso da Ford.

Na segunda parte a empresa analisadaserá a Toyota e a imagem escolhida, a daorganização como organismo.

Na terceira parte, finalmente, será to-mada a metáfora do cérebro e abordado ocaso da Volvo.

ORGANIZAÇÕES COMO MÁQUINAS:FORO E A PRODUÇÃO EM MASSA

As origens da organização mecânica 2

A palavra organização vem do gregoorganon, que significa instrumento. Orga-nizações são, portanto, uma forma de as-sociação humana destinada a viabilizar aconsecução de objetivos predeterminados.

Mas este conceito perdeu força práticaem algum ponto do desenvolvimento ca-pitalista, quando as organizações passarama ser fins em si mesmas. Pode-se afirmarque esta transformação está de algumaforma ligada à mecanização do trabalho esuas conseqüências.

Passamos, a partir de um certo estágiodo processo de industrialização, a usarmáquinas como metáforas para nós mes-mos e a moldar o mundo de acordo comprincípios mecânicos. O trabalho nas fá-bricas passou a exigir horários rígidos,rotinas predefinidas, tarefas repetitivas eestreito controle.

A vida humana sofreu profunda trans-formação. A produção manual deu lugar àprodução em massa; a sociedade rural deulugar à urbana e o humanismo cedeu aoracionalismo. Todo o sistema de valores ecrenças foi afetado. "...Tudo que era sólidodesmanchou no ar ..."3

Max Weber observou o paralelo entre amecanização da indústria e a proliferaçãodas formas burocráticas de organização.Segundo ele, a burocracia rotiniza a ad-ministração como as máquinas rotinizam aprodução.

Weber definiu a organização burocráti-

©1992, Revista de Administração de Empresas / EAESP / FGV, São Paulo, Brasil.

1. MORGAN, Gareth. Images ofOrganization. Beverly Hills, Sage,1986. Além das imagens utilizadasno presente trabalho, Morgan tam-bém desenvolve as seguintes ima-gens para organizações: culturas,sistemaspolíticos,prisõespsíquicas,fluxo e transformação e instrumen-tos de dominação.

2. Idem, ibidem, capo2, pp. 19-37.

3. A frase original é de Karl Marx:"Tudo que é sólido desmancha no ar,tudo que é sagrado éprofanado, e oshomens são finalmente forçados aenfrentar com sentidos mais sóbriossuas reais condições de vida e suarelação com outros homens". Citadoem BERMAN, Marshal. Tudo que ésólido desmancha no ar - a aventurada modernidade. São Paulo,Schwarcs, 1990, p. 93.

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4. MORGAN, Gareth. Op cit, p. 204.

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ca pela ênfase na precisão, velocidade,clareza, regularidade, confiabilidade eeficiência atingidas através da criação deuma divisão rígida de tarefas, supervisãohierárquica e regras e regulamentos deta-lhados.

As organizações burocráticas são capa-zes de rotinizar e mecanizar cada aspectoda vida humana, minando a capacidade deuma ação criadora.

A origem da Teoria Clássica da Admi-nistração está ligada à combinação deprincípios militares e de engenharia. Ogerenciamento, sob este prisma, é vistocomo um processo de planejamento, orga-nização, comando, coordenação e controle.

•••••••••••••••••••••••Ainda hoje muitas indústrias, oumesmo unidades ou departamentosdentro de empresas, encontram na

administração científica uma respostapara os seus problemas. Mas istopressupõe condições ambientaisestáveis, produtos com poucasmudanças ao longo do tempo e

previsibilidade do fator humano.

•••••••••••••••••••••••O desenvolvimento conceitual foi mar-

cado pelos trabalhos do francês Fayol, doamericano Mooney e do inglês Urwick.Eles interessaram-se pelos problemaspráticos de gerenciamento e codificaram asexperiências de organizações de sucessopara que servissem de exemplo.

Princípios como unidade de comando,divisão detalhada do trabalho, definiçãoclara de responsabilidade, disciplina eautoridade passaram a ser chaves para oêxito das organizações.

O respectivo projeto organizacionalconsidera a empresa como uma rede departes interdependentes, arranjadas numaseqüência específica, e apoiada em pontosdefinidos de rigidez e resistência.

A modernização dos conceitos originaisinclui dois pontos-chave:

• primeiro, uma flexibilizaçãodo princípiode centralização, visando a dotar as orga-nizações de maior capacidade de ação emambientes complexos;

• segundo, um maior reconhecimento dolado humano, ainda que o princípio sejao de adaptar o homem às necessidades daorganização, e não o contrário.

A idéia central continua sendo que asorganizações são sistemas racionais quedevem operar da forma mais eficientepossível.

Um engenheiro americano, dotado deum caráter obsessivo, que ganhou a repu-tação de "inimigo do trabalho humano", étido como o grande mentor do geren-ciamento científico. Seu nome: FrederickTaylor.'

Taylor desenvolveu uma série de prin-cípios práticos baseados na separação entretrabalho mental e físico e na fragmentaçãodas tarefas. Estes princípios são aplicadosaté hoje tanto nas fábricas como nos escri-tórios.

O efeito direto da aplicação dessesprincípios foi a configuração de uma novaforça de trabalho marcada pela perda dashabilidades genéricas manuais e um au-mento brutal da produtividade. Por outrolado, passaram a surgir problemas crônicoscomo absenteísmo e elevado turnover.

A utilização desses princípios marcou aexpansão industrial americana e foi umadas suas chaves de sucesso durante muitotempo.

Enfocar e administrar as organizaçõescomo máquinas significam fixar metas eestabelecer formas de atingi-las; organizartudo de forma racional, clara e eficiente;detalhar todas as tarefas e, principalmen-te, controlar, controlar, controlar ...

Após dois séculos de industrialização edesenvolvimento capitalista, temos estesvalores já interiorizados. Quando do seusurgimento, o gerenciamento científico foivisto como solução para todos os proble-mas. Ainda hoje muitas indústrias, oumesmo unidades ou departamentos dentrode empresas, encontram na administraçãocientífica uma resposta para os seus pro-blemas. Mas isto pressupõe condiçõesambientais estáveis, produtos com poucasmudanças ao longo do tempo e previsi-bilidade do fator humano.

Ocorre que a aceleração das mudançassócioculturais e econômicas tem levado aodesaparecimento dessas condições. Alémdisso, as organizações orientadas peloenfoque gerencial mecanicista tendem a

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FORDlSMO, TOYOTlSMO E VOL VISMo. ..

gerar um comportamento caracterizadopela acefalia, falta de visão crítica, apatia epassividade. O foco do controle sobre aspartes inibe o autocontrole e o controleentre as partes, resultando num baixo graude envolvimento e responsabilidade eprovocando nessas organizações umafragilização diante do ambiente.

O mecanicismo baseia-se na racio-nalidade funcional ou instrumental, queindica o ajuste das pessoas e funções aométodo de trabalho ou a um projetoorganizacional predefinido. Uma racio-nalidade substantiva, ao contrário, enco-rajaria as pessoas a julgar e adequar seusatos às situações, incentivando a reflexão ea auto-organização."

Uma outra limitação das organizaçõesmecanicistas reside no seu princípio deassumir uma racionalidade individual que,associada à competitividade, leva a umtodo de eficiência duvidosa.

Por outro lado, a mobilização das pes-soas ao redor da organização, e não o in-verso, leva a uma limitação da utilizaçãodas capacidades humanas, com conse-qüências negativas para a organização.

Concluindo, pode-se dizer que oenfoque mecanicista tomou-se muito po-pular por razões justas. Ele foi, e ainda é, achave do sucesso de muitas organizações.Sua influência ultrapassou as fronteirasculturais e ideológicas, afetando todo omundo. Nossa maneira de entender a rea-lidade e nossos comportamentos ficaramdefinitivamente marcados. Os princípiosarticulados por esta visão passaram a in-tegrar os modelos de poder e controleexistentes.

Vivemos, entretanto, um novo período,caracterizado pela alteração acelerada doambiente. Tanto do ponto de vista domercado de trabalho, quanto sob o aspec-to organização, a realidade é diferentedaquela que gerou a visão mecanicista.

Henry Ford e a produção em massa

Será abordado, a seguir, o surgimentodo conceito de produção - e consumo -em massa, focalizando a indústria auto-mobilística.

Poucas como ela espelham tão bem osprocessos de mudança ocorridos neste sé-culo. Sua evolução está diretamente ligadaao desenvolvimento do pensamento ge-

rencial e das escolas administrativas. Sehoje este vínculo é menos evidente, não émenos verdade que o seu estudo e a suaanálise ainda podem fornecer valiosossubsídios para compreensão dos fenôme-nos organizacionais.

O início do ciclo de produção capitalis-ta caracterizou-se fundamentalmente pelaseparação do trabalhador dos meios deprodução. Mas foi o surgimento dasgrandes fábricas e das linhas contínuas queaceleraram as mudanças, alterando radi-calmente os sistemas organizacionais.

Na indústria automobilística, durante operíodo de produção manual, as organi-zações eram descentralizadas, ainda quelocalizadas numa única cidade. O sistemaera coordenado diretamente pelo dono,que tinha contato com todos os envolvidos:clientes, operários, fornecedores etc,"

O volume de produção era baixo, oprojeto variava quase que de veículo aveículo e as máquinas-ferramenta eram deuso geral.

A força de trabalho era altamente espe-cializada e muitos empregados tendiam aabrir sua própria empresa após algunsanos de experiência.

Os custos de produção eram altos e nãocaiam com o aumento do volume. Sóos ri-cos podiam comprar carros que, em geral,eram pouco confiáveis e de baixa quali-dade.

No final do século XIX,a indústria esta-va atingindo um patamar tecnológico eeconômico,quando Henry Ford introduziuseus conceitos de produção, conseguindocom isto reduzir dramaticamente custos emelhorar substancialmente a qualidade.

O conceito-chave da produção emmassa não é a idéia de linha contínua,como muitos pensam, mas a completa econsistente intercambiabilidade de partes,e a simplicidade de montagem. Antes daintrodução da linha contínua, Ford já tinhareduzido o ciclo de tarefa de 514 para 2minutos; a linha contínua diminuiu estenúmero à metade.

As mudanças implantadas permitiramreduzir o esforço humano na montagem,aumentar a produtividade e diminuir oscustos proporcionalmente à elevação dovolume produzido. Além disso, os carrosFord foram projetados para uma facilidadede operação e manutenção sem preceden-tes na indústria.

5. Uma discussão aprofundada so-bre estes conceitos pode ser vistaem GUERREIRO RAMOS, Alberto.Modelos de homem e teoria admi·nistrativa. Revista de AdministraçãoPública, Rio de Janeiro, 18(2):3·12,abr./jun. 1984.

6. WOMACK, James P; JONES,Daniel T. & ROOS, Daniel. Themachíne Ihal changed lhe world.Nova Iorque, Rawson Associated,1990, cap 2.

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Ford também conseguiu reduzir drasti-camente o tempo de preparação das má-quinas fazendo com que elas executassemapenas uma tarefa por vez. Além disso,elas eram colocadas em seqüência lógica.Oúnico problema era a falta de flexibilidade.

Esta combinação de vantagens compe-titivas elevou a Ford à condição de maiorindústria automobilística do mundo e vir-tualmente sepultou a produção manual.

Em contraste com o que ocorria no sis-tema de produção manual, o trabalhadorda linha de montagem tinha apenas umatarefa. Ele não comandava componentes,não preparava ou reparava equipamentos,nem inspecionava a qualidade. Ele nemmesmo entendia o que o seu vizinho fazia.Para pensar em tudo isto, planejar e con-trolar as tarefas, surgiu a figura do enge-nheiro industrial.

.n •••••••••••••••••••••

Um aspecto complicador do uso daimagem de organizações como

organismos é o pressuposto implícitoda utilização de um modelo

discreto, no qual as espécies e suascaracterísticas são bem definidas.As organizações, por sua vez,

tendem a ter características comvariação contínua.

•••••••••••••••••••••••

7. Idem, ibidem, p. 39.

Neste novo sistema, o operário não tinhaperspectivas de carreira e tendia a umadesabilitação total. Além disso, com otempo, a tendência de superespecializaçãoe perda das habilidades genéricas passoua atingir também os demais níveis hierár-quicos.

A Ford procurou verticalizar-se total-mente, produzindo todos os componentesdentro da própria empresa. Isto se deu pelanecessidade de peças com tolerâncias maisestreitas e prazos de entrega mais rígidos,que os fornecedores, ainda num estágiopré-produção em massa, não conseguiamatender.

A conseqüência direta foi a introduçãoem larga escala de um sistema de controlealtamente burocratizado, com seus pro-blemas próprios e sem soluções óbvias.

Depois de algum tempo, Ford estavaapto a produzir em massa praticamente

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tudo de que necessitava. Mas ele mesmonão tinha idéia de como gerenciar global-mente a empresa sem ser centralizandotodas as decisões. Esta é uma das princi-pais raízes do declínio da empresa nosanos 30.

Foi Alfred Sloan, da General Motors/,que resolveu o impasse que vitimou Ford.Sloan divisionalizou a empresa implan-tando um rígido sistema de controle. Alémdisso, criou uma linha de cinco modelosbásicos de veículos para atender melhor omercado (a Ford tinha apenas o modelo T)e criou funções na área de finanças emarketing. Desta maneira, ele conseguiuestabelecer uma forma de convivência dosistema de produção em massa com a ne-cessidade de gerenciar uma organizaçãogigantesca e multifacetada.

Por décadas, o sistema criado por Forde aperfeiçoado por Sloan funcionou per-feitamente e as empresas americanasdominaram o mercado de automóveis.Mas, a partir de 1955,a tendência começoua se inverter. O modelo começava a darsinais de esgotamento.

Na Europa, grandes fabricantes surgi-ram aplicando os mesmos princípios, masdesenvolvendo veículos mais adaptados àscondições do continente. Paralelamente, aforça de trabalho tornou-se cada vez maisreivindicativa em torno de questões comosalários e jornadas de trabalho.

A crise do petróleo dos anos 70 encon-trou as indústrias européias e americananum patamar de estagnação. A ascensãode novos concorrentes, vindos do Japão,colocou definitivamente em cheque o mo-delo de produção em massa.

Estaria o declínio da indústria em geral,e da americana em particular, ligado aoparadigma taylorista-fordista?

Taylor publicou o seu livro Principies ofScientific Management em 1911.Seus prin-cípios influenciaram rapidamente fábricas,escolas, lares e até mesmo igrejas.

Quinze anos mais tarde, em 1926,Fordpublicou o artigo "Mass Production". Oimpacto dos conceitos relatados moldou as .organizações ao longo de décadas e a suainfluência atravessou fronteiras geográfi-cas e ideológicas.

Vários pesquisadores agora se detêm noestudo da mensuração do grau em que apermanência deste paradigma impediu, oudificultou, a evolução da indústria oci-

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dental e sua perda de competitividade re-lativa. Através desta análise pretendemconstruir planos para superar o impasse.

Parece óbvio que a existência do para-digma não é suficiente para tudo explicar.Questões como a falta de políticas indus-triais melhor definidas e orientadas, odeclínio da qualidade da educação emvários níveis, o fenômeno do capitalismode papel e os movimentos sociais em geralpodem e devem ser considerados se qui-sermos estabelecer um quadro referencialmais amplo,"

Mas é igualmente verdade, e facilmen-te observável, que os princípios adminis-trativos próprios deste paradigma tendema se tornar anacrônicos e impraticáveisdiante do quadro de mudanças que hojeocorrem. O que é importante notar é queesta afirmação tende a ser validada pelaprática, mas ainda não o é em toda a suaamplitude. Isto equivale a dizer que partedos princípios tayloristas-fordistas aindasão válidos em muitas condições específi-cas de empresas, meio ambiente, tecno-logia, países, etc,"

ORGANIZAÇÕES COMO ORGANISMOS:lOVOlA· ASCENSÃO DA PRODUÇÃOFLEXíVEL

A descoberta das necessidades or-ganizacionais e dos imperativos do meioambiente'?

No início do século, a idéia de que em-pregados são pessoas com necessidadescomplexas, que precisam ser preenchidas,para que possam ter uma performanceadequada no trabalho, não era nada óbvia.

Elton Mayo foi um dos primeiros a co-dificar as necessidades sociais no local detrabalho, a identificar a existência e im-portância dos grupos informais e a enfocaro lado humano da organização.

Outra contribuição notável foi dada porAbrahan Maslow. Ele conceituou o serhumano como organismo psicológico queprocura satisfazer suas necessidades decrescimento e desenvolvimento, motivadopor uma hierarquia de necessidades fisio-lógicas, sociais e psicológicas.

Herzberg e McGregor, por sua vez,abordaram a questão da integração dosindivíduos nas organizações através defunções mais enriquecedoras. Isto levaria a

maiores níveis de criatividade e inovação.Surgiu daí a idéia de Gerenciamento dosRecursos Humanos, trazendo conceitoscomo autonomia, autocontrole, envol-vimento e reconhecimento.

Os membros do Instituto Tavistock, daInglaterra, foram os iniciadores da Abor-dagem Sociotécnica, procurando traçaruma correlação de interdependência entreas necessidades técnicas e humanas nasorganizações."

Outra contribuição, a Teoria dos Siste-mas, considera que as organizações sãosistemas abertos e devem encontrar umarelação apropriada com o ambiente paragarantir sua sobrevivência.

Dentro dessa visão, três questões colo-cam-se para as organizações:

• ênfase no ambiente, aí incluindo compe-tidores, sindicatos, clientes, governo, co-munidade etc.;

• compreender-se como inter-relação desubsistemas;

• estabelecer congruências entre os dife-rentes sistemas e subsistemas, num pro-cessocontínuo de identificação e correçãode disfunções.

Ainda outra corrente dentro destecampo conceitual, a Teoria da Contingên-cia, teve seus primeiros trabalhos desen-volvidos nas décadas de 50 e 60por Burnse Stalker, correlacionando o ambiente e ascaracterísticas das organizações, e por JoanWoodward, enfocando a questão do im-pacto da tecnologia na estrutura.

Amoderna teoria contingencial tem tidocontribuições dos trabalhos de Lawrence eLorsch. Eles enfocam essencialmente anecessidade de diferenciação das organi-zações para fazer frente aos diferentes tiposde mercado e o imperativo da flexibilidade.

Mintzberg, por sua vez, desenvolveuuma tipologia das organizações na relaçãocom o meio ambiente. Para ele, a organi-zação efetiva depende de uma série deinter-relações entre estrutura, porte, idade,tecnologia e as condições da indústria naqual ela opera.

Num extremo, Mintzberg coloca a Bu-rocracia Mecânica, que só é eficiente emambientes estáveis e executando tarefassimples. No outro extremo, está a adhocra-cia, capaz de sobreviver em ambientesinstáveis e executar tarefas complexas. A

8. Sobre a questão da educação edas líticas industriais, verTHUhJW, Lester C. The zero sumoNova Iorque, Simon & Schuster,t 985. Sobre a questão do capitalis-mo de papel, REICH, Robert B. Apróxima fronteira americana. Rio deJaneiro, Record, 1983.

9. Ver HOUNSHELL, David A. Thesame old principies in the newmanufacturing. Harvard BusinessReview, Boston, pp.54-61, nov./dec.1988. O autor considera que os ja-poneses,naverdade,nãoquebraramo paradigma de Taylor e Ford, mas olevaram a um outro nível de refina-mento. A segunda parte do trabalhodiscutirá mais amplamente a ques-tão.

10. MORGAN, Gareth. Op cil., capo3, pp. 39-76.

11. Ver JAQUES, Elliol./nterventionet changement dans /'entreprise.Paris, Dunod, 1972e GARCIA, R.M.Abordagem sócio-técnica: uma rá-pida avaliação. Revista de Adminis·tração de Empresas, 2~3):71-7, jul.!seI. 1980.

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12. WOMACK, James P; JONES,Daniel T. & ROOS, Daniel. Op cit.cap 3.

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forma de estrutura matricial é freqüen-temente observada entre essas organiza-ções.

Sob a visão contingencialista, a questãoque se coloca são a identificação dos fato-res de sucesso para a sobrevivência numambiente dinâmico e a adequação práticadas características organizacionais. O ob-jetivo é aproveitar as oportunidades evencer os desafios colocados pelo meio.

Uma crítica que pode ser feita à visãocontíngencíalísta é que ela superestima opoder e flexibilidade das organizações esubestima o poder do meio ambiente.

Tomando emprestada a Teoria da Evo-lução de Darwin, a visão da EcologiaPopulacional diz que o ambiente é o fatorcrítico na definição de quais organizaçõestêm sucesso e quais falham.

O ciclo de variação, seleção, retenção emodificação das características das espé-cies é então visto como a chave para a so-brevivência. Este enfoque de alguma formacomplementa a visão contingencialista.

As duas teorias anteriores enfocam aorganização e o ambiente como fenômenosseparados. A Ecologia Organizacional, quese pode considerar como uma síntese,toma o ecossistema total, considerando aevolução contínua dos modelos de intera-ção envolvendo os organismos e seu am-biente.

Kenneth Boulding cunhou a expressão"sobrevivência da adequação, não sobrevivên-cia do mais adequado". Organização e meioestão engajados num modelo de co-criação,onde um produz continuamente o outro.

Uma conseqüência prática desse en-foque é contrapor o princípio de competi-ção ao de colaboração. No primeiro, o focoestá na sobrevivência do mais apto. Mas aatitude competitiva significa uma ameaçaà gerenciabilidade do mundo social. Já nosegundo, o foco está na sobrevivência daadaptação. Isto leva ao aparecimento devalores comuns e à solução partilhada deproblemas. É o caminho das associaçõesprofissionais, das joint-ventures e outrostipos de alianças.

Um aspecto complicador do uso daimagem de organizações como organismosé o pressuposto implícito da utilização deum modelo discreto, no qual as espécies esuas características são bem definidas. Asorganizações, por sua vez, tendem a tercaracterísticas com variação contínua.

Além disso, um organismo representa umavisão exageradamente concreta, enquantoque as organizações são fenômenos soci-almente construídos.

Mas, vencidas essas dificuldades, pode-se dizer que essa visão tem uma série depontos positivos: permite compreender asrelações entre organização e meio; enfocaa sobrevivência como objetivo central; va-loriza a inovação e, finalmente, depreendeuma busca de harmonia entre estratégia,estrutura, tecnologia e as dimensões hu-manas.

Toyola· a ascensão da produção flexível12

Será abordado, a seguir, o surgimento doconceito de produção flexível, mais uma vezfocalizando a indústria automobilística.

De uma certa forma, esta estória tem seuinício na anterior. Na primavera de 1950, ojovem engenheiro EijiToyoda empreendeuuma visita de três meses às instalações daFord em Detroit. Após este período, eleescreveu uma carta para a sede de suaempresa, no Japão, dizendo singelamenteacreditar que "havia algumas possibilidadesde melhorar o sistema de produção".

De volta ao seu país, Toyoda e o seuespecialista em produção, Taiichi Ohno,refletiram sobre o observado na Ford econcluíram que a produção em massa nãopoderia funcionar bem no Japão. Destareflexão, nasceu o que ficou conhecido porSistema Toyota de Produção - ou Pro-dução Flexível. Junto com ele tambémnasceu a mais eficiente empresa automo-bilística conhecida até hoje.

Na década de 50, a fábrica da Toyota eralocalizada em Nagoya e sua força de tra-balho era composta essencialmente portrabalhadores agrícolas.

Após o término da Segunda Guerra, aToyota estava determinada a partir para aprodução em larga escala ..Mas, para isso,ela deveria encarar alguns problemas:

• o mercado doméstico era pequeno e exi-gia uma gama muito grande de tipos deprodutos;

• a força de trabalho local não se adapta-ria ao conceito taylorista;

• a compra de tecnologia no exterior eraimpossível; e

• a possibilidade de exportações era remo-ta.

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Para contornar parte das dificuldades, oMinistério da Indústria e Comércio japonês(MITI) propôs uma série de planos prote-gendo o mercado interno e forçando a fu-são das indústrias locais, dando assimorigem a três grandes grupos. A visão, ob-viamente, era de longo prazo. .

Trabalhando na reformulação da linhade produção e premidos pelas limitaçõesambientais, Toyoda e Ohno desenvolve-ram uma série de inovações técnicas quepossibilitavam uma dramática redução notempo necessário para alteração dos equi-pamentos de moldagem. Assim, modifi-cações nas características dos produtostornaram-se mais simples e rápidas. Issolevou a uma inesperada descoberta: tor-nou-se mais barato fabricar pequenos lotesde peças estampadas, diferentes entre si,que enormes lotes homogêneos.

As conseqüências foram a redução doscustos de inventário e, mais importante, apossibilidade quase instantânea de obser-vação dos problemas de qualidade, quepodiam ser rapidamente eliminados.

É claro que tudo isto exigia a presençade operários bem treinados e motivados.

Cabe mencionar brevemente as condi-ções das relações da Toyota com seus em-pregados: após a Segunda Guerra, pres-sionada pela depressão, a Toyota demitiuum quarto da sua força de trabalho, ge-rando uma enorme crise. Esta atitude teveduas conseqüências: o afastamento dopresidente da empresa e a construção deum novo modelo de relação capital-traba-lho que acabou se tornando a fórmula ja-ponesa, com seus elementos característicoscomo emprego vitalício; promoções porcritérios de antigüidade e participação noslucros.

Trabalhando com esta mão-de-obra di-ferenciada, Ohno realizou uma série deimplementações nas fábricas. A primeirafoi agrupar os trabalhadores em torno deum líder e dar-lhes responsabilidade sobreuma série de tarefas. Com o tempo, istopassou a incluir conservação da área, pe-quenos reparos e inspeção da qualidade.Finalmente, quando os grupos estavamfuncionando bem, passaram a ser marca-dos encontros para discussão de melhoriasnos processos de produção.

Outra idéia interessante de Ohno foipossibilitar a qualquer operário parar a li-nha caso detectasse algum problema. Isto

deveria evitar o procedimento, observadona Ford, relacionado à detecção de pro-blemas apenas no final da linha, que ge-rava grandes quantidades de retrabalho eaumentava os custos. É claro que, no início,a linha parava a todo instante; mas com otempo, os problemas foram sendo corrigi-dos e não só a quantidade de defeitos caiu,como a qualidade geral dos produtos me-lhorou significativamente.

•••••••••••••••••••••••Sob O aspecto distribuição, osjaponeses também inovaram,

transferindo para a rede de vendas oconceito de parceria utilizado com osfornecedores e construindo, com isso,

uma relação de longo termo.Conseguiu-se, assim, integrar toda a

cadeia produtiva, num sistemafuncional e ágil.

• ••••••••••••••••••••••Um outro aspecto importante, equa-

cionado, foi o da rede de suprimentos. Amontagem final de um veículo respondepor apenas 15% do trabalho total de pro-dução. Os processos precedentes incluema montagem de aproximadamente 10.000peças em 100 conjuntos principais. Coor-denar e sincronizar este sistema é um de-safio.

A Ford e a General Motors tentaramintegrar todas as etapas num sistema úni-co de comando burocrático. Além disso,uma política de vários fornecedores porpeça e escolha por critério de custo erapraticada. A questão é como fazer com quetodos os subsistemas funcionem eficiente-mente com baixo custo e alta qualidade.

A Toyota respondeu a essa questão or-ganizando seus fornecedores principais emgrupos funcionais que, por sua vez, ado-tavam o mesmo critério com os seus res-pectivos subfornecedores formando, as-sim, uma estrutura piramidal. A relaçãocliente-fornecedor era de parceria e visavaao longo prazo.

Os fornecedores da Toyota eram com-panhias independentes, reais centros delucro. Por outro lado, eram intimamenteenvolvidos no desenvolvimento dos pro-dutos da empresa.

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13. SAKAI, Kuniyasu. The leudalworld 01 japanese manufacturing.HaNard Business Review, Boston,68(6):38-42+,nov./dez. 1990.

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o fluxo de componentes era coordena-do com base num sistema que ficou co-nhecido como Just-in- Time. Esse sistema,que opera com a redução dos estoques in-termediários, remove, por isso, as segu-ranças, e obriga cada membro do processoprodutivo a antecipar os problemas e evi-tar que ocorram.

Outros aspectos da organização, a en-genharia e o desenvolvimento de produ-tos, também foram influenciados pelosprincípios adotados na produção. En-quanto nas companhias de produção emmassa o problema da complexidade téc-nica teve como resposta uma divisão mi-nuciosa de especialidades, na Toyota op-tou-se pela formação de grupos sob umaliderança forte, integrando as áreas deprocesso, produto e engenharia industrial.

Toyoda eOhno levaram mais de 20anospara implementar completamente essasidéias, mas o impacto foi enorme, comconseqüências positivas para a produtivi-dade, qualidade e velocidade de respostaàs demandas do mercado.

O sistema flexível da Toyota foi espe-cialmente bem-sucedido em capitalizar asnecessidades do mercado consumidor e seadaptar às mudanças tecnológicas.

Ao mesmo tempo que os veículos foramadquirindo maior complexidade, o mer-cado foi exigindo maior confiabilidade emaior oferta de modelos.

A Toyota necessita hoje de quase me-tade do tempo e investimento de um pro-dutor convencional para lançar um novoveículo. Por outro lado, enquanto as fábri-cas da Ford e General Motors procuramproduzir um modelo por planta, as daToyota fazem dois ou três.

O tempo médio de permanência dosmodelos no mercado também é diferente:os carros japoneses têm um ciclo de vidainferior à metade do ciclo de vida doscarros americanos.

Sob o aspecto distribuição, os japonesestambém inovaram, transferindo para arede de vendas o conceito de parceria uti-lizado com os fornecedores e construindo,com isso, uma relação de longo termo.Conseguiu-se, assim, integrar toda a cadeiaprodutiva, num sistema funcional e ágil.

No fim dos anos 60, a Toyota já traba-lhava totalmente dentro do conceito deprodução flexível.Os outros fabricantes deveículos japoneses também passaram a

adotar os mesmos princípios, embora nãose possa falar que isso tenha ocorrido, ouocorra, de forma completa.

O mesmo fenômeno ocorrido com osprincípios fordistas-tayloristas está agoraocorrendo com os princípios toyotistas.Nos anos 80, o mundo estava no mesmoponto de difusão da idéia de produçãoflexível.dos anos 20, em relação à idéia deprodução em massa.

Mas criar uma analogia desse tipo econcluir que a influência dos dois concei-tos sobre as organizações terá grau seme-lhante pode ser perigosamente simples. Opróprio toyotismo talvez não se reconheçaquando aplicado fora das suas fronteirasoriginais. Ao contrário, os transplantesgeográficos parecem levar a caminhos di-ferentes, ainda que mantenham algunsprincípios originais intactos.

Ainda que não se possa duvidar daevolução e do impacto causado pelas mu-danças implantadas por Toyoda e Ohno,também não é possível dissociá-las doquadro mais amplo que as gerou e as sus-tenta.

Por outro lado, um olhar mais críticopara este quadro talvez revele algumassutilezas e fraquezas corriqueiramenteignoradas.

Kuniyasu Sakai ", um empresárionipônico, advoga que a organização pira-midal, base dos grandes grupos japoneses,guarda estreita semelhança com o mundofeudal. Para ele, a base da pirâmide, cons-tituída por milhares de pequenas empresase empregando a maior parte da mão-de-obra existente, faz o papel do servo, conti-nuamente submetido a pressões para re-dução de custos, trabalhando commargensde lucro insuficientes e praticamente im-pedido de abandonar o seu clã.

Sakai considera que começam a aparecerrachaduras ameaçadoras para a sobrevi-vência desse sistema. As mais importantesestariam ligadas à queda relativa do pa-drão de devoção dos empregados às em-presas. Uma mudança sensível dos pa-drões comportamentais e culturais, osurgimento de novas atitudes e expectati-vas em relação à vida e ao trabalho com-plementariam um quadro potencialmenteperigoso.

Talvez isso seja insuficiente para abalaro sistema inaugurado pela Toyota, princi-palmente se contraposto aos sucessos já

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FORDISMO, TOYOT/SMO E VOLVISMO ...

alcançados e amplamente estudados e di-vulgados.". Segundo uma visão mais ampla, otoyotismo, em essência, não seria mais queuma evolução do fordismo." Este ponto devista encontra respaldo na análise do seusurgimento e equivale a dizer que o siste-ma estaria exposto às mesmas contradiçõesbásicas do seu antecessor. Sua vantagemcompetitiva, na comparação com o fordis-mo, seria uma maior adaptabilidade àscondições ambientais. Mas mesmo estaadaptabilidade talvez esteja se aproxi-mando de um limite de ruptura.

O conjunto de fatores da dinâmica socialacabaria por catalisar as contradições in-ternas da pirâmide, minando-a por dentro.Simultaneamente, este mesmo conjunto defatores atuaria sobre o meio, enfraquecen-do a capacidade adaptativa e a flexibilida-de do sistema."

ORGANIZAÇÕES COMO CÉREBROS - VOLVO:O CAMINHO DA FLEXIBILIDADE CRIATIVA

O rumo da auto-organizaçãol7

O modelo mecanicista enfocava a orga-nização como um conjunto de partes liga-das por uma rede de comando e controle.O modelo organicista/ contingencialistatrouxe os conceitos de integração ao am-biente, estrutura matricial, flexibilidade emotivação. Mas nenhum modelo ou siste-ma supera o cérebro como vetor de açãointeligente.

A seguir serão abordadas duas imagensdo cérebro como forma de estabelecer umaponte entre suas características e a aplica-ção dos princípios decorrentes ao mundoorganizacional.

A primeira é a imagem da organizaçãocomo sistema de processamento de infor-mações. A segunda é a da organizaçãocomo sistema holográfico.

Segundo Simon, as organizações não sãototalmente racionais, pois seus membrostêm acesso a redes limitadas de informa-ção. Esta limitação é contornada pela cria-ção de planos, normas e procedimentos,que visam a simplificar a realidadeorganizacional. Enquanto que as organi-zações de caráter mecanicista possuemsistemas decisórios rígidos, as organiza-ções de caráter organicista utilizam pro-cessos mais flexíveis.

Existe, além disso, uma ligação entre acapacidade de processamento e análise deinformações, e o modelo organizacionaladotado.

Uma questão pertinente é a avaliação doimpacto da informatização sobre a socie-dade em geral e sobre as organizações emparticular. Tornar-se-ão as organizaçõesmais inteligentes? Tudo dependerá da suacapacidade de aprender.

•••••••••••••••••••••••No projeto da planta de Uddevalla, aVolvo combinou aspectos de produção

manual com o auto grau deautomação. Isto permitiu imensa

flexibilidade tanto de produto como deprocesso, além de possibilitar umaredução da intensidade de capital.

•••••••••••••••••••••••Então, a questão a ser colocada é: como

um sistema pode ser projetado paraaprender como o cérebro? A cibernéticaenfoca esta questão através do estudo dainformação, comunicação e controle. Oponto central é a capacidade de auto-regulação.

Quatro princípios foram desenvolvidosa partir dos conceitos de single-loop(aprendizado) e double-loop (aprendizadodo aprendizado). São os seguintes:

• capacidade de sentir ou monitorar oambiente;

• relacionamento das informações colhidascom normas predefinidas;

• detecção das variações;• início da correção.

Numa organização mecanicista, ou bu-rocrática, a fragmentação do trabalho e daestrutura desencoraja a autonomia. Adicio-nalmente, os sistemas de avaliação, re-compensa e punição representam um em-pecilho ao double-loop, ou ciclo demelhoria.

Certas ações podem, entretanto, levar aodesenvolvimento dessas características.Por exemplo: encorajar posturas abertas,novas visões e riscos; evitar estruturas rí-gidas; descentralizar a tomada de decisãoe dar autonomia aos grupos ou departa-mentos.

14. Um panorama relativamente atu-alizado da indústria automobilísticano mundo e o avanço dosfabrican-tes japoneses podem ser vistos nasérie de reportagens publicadas emBusiness Week, 3147(477), abr.1990.

15. Para uma descrição instrumentaldetalhada do sistema de controle ecomando "à japonesa', ver KING,Bob. Hoshin Planning: thedevelopment approach. EUA, Goal/QPC, 1989.

16. Ver POLLERT, Anna. The"flexible firm': fixation or fact? Work,Employementand Society, Durham,2(3):281-316, seI. 1988. A autoradiscute o conceito de flexibilidade nocontexto mais amplo da economia,como interação entre '1Iexibilidades'na legislação, política, economia,estratégia, produção e estrutura domercado de trabalho.

17. MORGAN, Gareth. Op cil., capo4, pp. 77-109.

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:O~DARTIGO

18. GUERREIRO RAMOS, Alberto.Opcn.

19.CLARK, TOM; MORRIS,J. et alii.Imaginative flexibility in productionengineering: the volvo uddevallaplant. Apostila divulgada no cursoThe reestructuring 01 industry andwork organization in the 90's. SãoPaulo, EAESP/FGV, jul. 1991.

20. Os dados são relerentes a 1986/87. Ver JANNIC, Hervé. PeherGylienhammar: un patron moraliste.L'Expansion, 6/19Iev.1987, pp. 89-93 e BOURDOIS, Jacques-Henri.Peher Gylienhammar: vice-roi elemployé. Dynasteur, 1987, pp.4-9,1987.

16

A visão da organização corno sistemaholográfico pode ser descrita da seguinteforma: no cérebro, cada neurônio éconectado a milhares de outros, num sis-tema ao mesmo tempo especialista - cadacomponente tem funções específicas - egeneralista - com grande possibilidade deintercambiabilidade. O controle e execuçãonão são centralizados. O córtex, o cerebeloe o mesencéfalo são simultaneamente in-dependentes e intersubstituíveis em ter-mos de função. O grau de conectividade éalto, geralmente maior que o necessário,mais fundamental em momentos específi-cos. É esta redundância o vetor de flexibi-lidade que possibilita ações probabilísticase a capacidadede inovação.

Um projeto organizacional com essascaracterísticas, que poderíamos chamar deholográfico, deve adotar quatro princípios:

• fazer o todo em cada parte;

• criar conectividade e redundância;

• criar simultaneamente especialização egeneralização; e

• criar capacidade de auto organização.

Sem a redundância, não há reflexão eevolução. Na prática, isto significadotar defunções extras cada parte operacional, eimplica numa ociosidade de capacidadesem dados momentos. O grau de redun-dância é função da complexidade do meioambiente.

O gerenciamento deve se pautar porurna postura de maestro e criar condiçõespara que o sistema se amolde. As especi-ficações e procedimentos devem ser osmínimos necessários para que urna ativi-dade ocorra. O objetivo é dotar a organi-zação do máximo de flexibilidade e capa-cidade de inovação.

O aprendizado do aprendizado é umponto fundamental, pois evita que umexcesso de flexibilidade leve ao caos. Per-mite, igualmente, ao sistema, guiar-se emrelação às normas e valores existentes.

Pode parecer que a organização holo-gráfica seja um sonho, mas as característi-cas descritas podem ser observadas emmuitas áreas, departamentos e até empre-sas inteiras, especialmente quando estasoperam num ambiente altamente compe-titivo e onde a inovação é um fator-chave.

O desafio de projetar sistemas que te-nham a capacidade de inovar é o desafio deprojetar sistemas capazes de auto-organi-zação.

Visualizar a organização corno cérebro,ou holograma, permite estabelecer urnanova fronteira além da racionalidade ins-trumental que permeia as análises maiscomuns hoje praticadas e redirecionar aação gerencial."

Volvo: O caminho da flexibilidade criativa19

Mais urna vez será tornado um exemploda indústria automobilística. Desta vezserá utilizado o produtor sueco Volvo.

Apesar do seu grande porte - respon-de por 15% do produto nacional bruto e12.5%das exportações suecas" - a Volvotem-se caracterizado por um alto grau deexperimentalismo.

Seus experimentos, se assim os podemosdenominar, chamam a atenção por desafia-rem os princípios fordistas e toyotistas,embora muitas vezes sejam confundidoscom um simples retorno à produção ma-nual.

A introdução gradativa de inovaçõestecnológicas e conceituais nas plantas deKalmar, 1974, Torslanda, 1980/81, eUddevalla, 1989,representam um valiosocampo empírico para a análise organi-zacional.

Uddevalla, a mais nova planta, combinaflexibilidade funcional na organização dotrabalho com um alto grau de automaçãoe informatização. É também um excelenteexemplo do conceito de produção diver-sificada de qualidade.

Sua estratégia parece combinar os re-quisitos e demandas do mercado, os as-pectos tecnológicos, os imperativos do di-nâmico processo de transformação da or-ganização do trabalho e as instáveis con-dições da reestruturação da indústria.

Operando num mercado de trabalhocomplexo, a Volvo adequou sua estratégiaa dois fatores fundamentais: a interna-cionalização da produção e a democrati-zação da vida no trabalho.

Uddevalla foi concebida e construídalevando em consideração a presença hu-mana. O nível de ruído é baixo, a ergo-nomia está presente em todos os detalhese o ar é respirável.

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FORDISMO, TOYOTlSMO E VOLVISMO ...

Um armazém de materiais, no centro dafábrica, alimenta seis oficinas de monta-gem totalmente independentes. A capaci-dade de produção é de 40.000 carros porano, para um único turno de trabalho.

A planta combina centralização e auto-mação do sistema de manuseio de materi-ais, com a utilização de mão-de-obra alta-mente especializada num sistema total-mente informatizado e de tecnologia flexível.

A organização do trabalho é baseada emgrupos. Os operários foram transformadosde montadores de partes em construtoresde veículos. Assim, cada grupo conseguemontar um carro completo num ciclo deduas horas.

Altas taxas de iurnooer, absenteísmocrônico e utilização de mão-de-obra es-trangeira são de muito tempo marcas domercado de trabalho sueco. Desde a me-tade dos anos 80, os jovens suecos passa-ram a rejeitar empregos que refletissemconceitos tayloristas. Isto está ligado não sóaos constantes esforços de reestruturaçãodo trabalho como ao fato de a Suécia ter omais alto índice de uso de robôs entre todosos países industrializados.

Por outro lado, o país tem uma longatradição socialdemocrata e os sindicatostêm posição extremamente forte. Assim, oprocesso de inovações na Volvo tem sidodirigido pela empresa, mas com partici-pação ou acordo dos sindicatos.

Nos anos 70, o aumento da competi-tividade dos produtores a nível mundial, anecessidade de maior variedade de mo-delos para atender o mercado e a crescen-te pressão da mão-de-obra potencializarama racionalização da produção de veículosbaseada em automação e flexibilidade.

Nos anos 80, estas tendências foramacentuadas e acrescidas de maiores exi-gências relacionadas à qualidade dos pro-dutos. A rigidez e limitações das linhas demontagem ficaram expostas.

Na Volvo, o caminho em direção à au-tomação e ao aumento da flexibilidadeocorreu num cenário de compromisso comos conceitos de grupo autônomo de traba-lho e enriquecimento das funções.

Uddevalla situa-se numa região emprocesso de declínio econômico. O gover-no sueco ofereceu ajuda financeira à Volvopara que sua nova planta fosse ali locali-zada.

O sindicato foi envolvido desde o início,

participando dos grupos de definição eprojeto. De partida, foram estabelecidasquatro condições para a planta":• a montagem deveria ser estacionária;• os ciclos de trabalho deveriam ter nomáximo 20 minutos;

• as máquinas não poderiam fixar o ritmo;e

• a montagem não deveria exceder 60%dotempo total de trabalho dos operários.

O projeto atendeu todos os pedidos dosindicato exceto o último. Uma observaçãoimportante é que o gerenciamento daVolvo se dividia, em relação ao projeto deUddevalla, entre "inovadores" e "tradicio-nalistas". Os sindicatos alterararam o ba-lanço em favor dos "inovadores". Estaposição comprometeu-os ainda mais como sucesso do projeto.

•••••••••••••••••••••••A organização do futuro talvez

esteja ainda mais próxima de umabanda de jazz, onde a música

resulta da mescla de harmoniaseuropéias com escalas africanas, omaestro é substituído pelo senso

comum e a produção é marcada pelaimprovisação individual e coletiva,

e pelo prazer da execução.•••••••••••••••••••••••

A planta iniciou suas operações na pri-mavera de 1988 e ficou totalmenteoperacional, com cerca de mil empregados,no final de 1989. Está dividida em trêsáreas: oficinas de materiais, oficinas demontagem e prédio administrativo.

Todo o transporte de materiais é auto-matizado. Em cada uma das seis oficinasde montagem trabalham 80 a 100 operári-os divididos em grupos de oito a dez, soba supervisão de um único gerente. Cadagrupo tem todos os elementos para mon-tar três veículos simultaneamente. As ta-refas são distribuídas de acordo com ascompetências, que são constantementeaperfeiçoadas. O planejamento dos recur-sos humanos é parte integral da estratégiade produção.

O objetivo da Volvo é projetar um tra-balho tão ergonomicamente perfeito, que

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21. CLARK, Tom; MORRIS, J. el alii.Op cn., p.12.

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~11 ARTIGO

22. Ver GUERREIRO RAMOS,Alberto. A nova ciência das organi·zações, capo 4, FGV, 1989, p.71.Investigandoa questão da colocaçãoinapropriada de conceitos na Teoriadas Organizações, o autor mencionao seguinte: "Emboraa deslocaçãodeconceitos possa constituir um meiovalioso ... e legítimo de formulaçãoteórica, pode muito facilmente de·generar numa colocação inapro·priada ... Assim, na tentativa dedeslocarum conceito,pode·se estarincorrendo numa cilada intelec·tual ...'. Ao se utilizar as imagens demáquina, organismo ou cérebro paraas organizaçõesse está, simultanea·mente, criando uma forma de ver ede distorcer a realidade. Vale o aler·ta.

23. DRUCKER, Peter. The coming ofthe new organization. HarvardBusiness Review, Boston, 68(6):45·53, jan./fev. 1988.

24. HOBSBAWM, Eric J. Históriasocial do jazz. São Paulo, Paz eTerra, 1989. Ver especialmentepp.41·48: como reconhecer o jazz.

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tome os operários mais saudáveis.Além desses aspectos, existe toda uma

infra-estrutura de apoio. Cada grupo detrabalho possui salas espaçosas equipadascom cozinha, banheiro, chuveiros e até umcomputador. A planta é iluminada com luznatural e os ambientes são extremamentelimpos.

Antes de iniciar o trabalho, cada novooperário passa por um período de treina-mento de quatro meses seguidos posterior-mente de mais três períodos de aperfeiço-amento. Espera-se que, ao final de dezes-seis meses, ele seja capaz de montar total-mente um automóvel.

Uma característica interessante é que45% da mão-de-obra é feminina, o que écausa e conseqüência de várias alteraçõesno sistema de produção.

O objetivo de tudo isto é, obviamente,aumentar a produtividade, reduzir custose produzir com a mais alta qualidade.

A Volvo, especialmente na planta deUddevalla, combinou aspectos da produ-ção manual com alto grau de automação.Isto permitiu imensa flexibilidade tanto deproduto quanto de processo. Comple-mentarmente, a reprofissionalização dosoperários ajustou-se à necessidade de en-frentar a demanda por produtos variados,competitivos e de alta qualidade.

A combinação de alta tecnologia comum Criativo projeto sociotécnico tambémpossibilitou uma redução da intensidadede capital.

Além de provar-se uma alternativaeconomicamente viável, Uddevalla provouque isto é possível de se atingir através deuma organização flexível e criativa.

CONCLUSÃONa primeira parte do trabalho investi-

gou-se o que seriam organizações tipomáquina. O exemplo da Ford foi abordadopara ilustrar as razões da ascensão e que-da deste modelo administrativo.

Em seguida, foi visto o modelo que tematraído as maiores atenções no momento:o chamado sistema japonês de geren-ciamento, representado pela Toyota. Aimagem da organização como organismofoi utilizada para ressaltar o grande trun-fo do modelo, a adaptabilidade ao meio.Ao final, algumas nuvens negras foramlançadas sobre o futuro do sistema.

Finalmente, tratou-se do que parece sera mais avançada tentativa de superar al-gumas contradições básicas da adaptaçãodo homem ao ambiente de trabalho in-dustrial. Para contraponto do caso da Vol-vo utilizou-se a imagem do cérebro.

A intenção foi tentar encontrar uma li-nha evolutiva que cruzasse os três "ismos"- Fordismo, Toyotismo e Volvismo - efornecesse uma visão do processo detransformação da indústria neste século,apontando para a organização do futuro."

Este tema, de como seria a organizaçãodo futuro, tem estado presente no mercadoeditorial especializado em literatura em-presarial há pelo menos duas décadas. Oslançamentos têm se sucedido com razoávelsucesso, de onde se conclui ser, com cer-teza, um negócio rentável.

Alguns autores, entretanto, têm se des-tacado em meio ao turbilhão de títulos porapresentar visões consistentes e sensíveis.

Num artigo publicado pela HarvardBusiness Reuieio"; por exemplo, PeterDrucker fala da "vinda da nova organiza-ção". Ele prevê estruturas mais simples,menor número de níveis hierárquicos,utilização em larga escala da informática,alta flexibilidade e uma nova organizaçãodo trabalho.

Como modelo organizacional, ele cita,entre outros, o da orquestra sinfônica. Umacombinação de alta especialização indivi-dual com coordenação e sincronismotemperados por um caráter artístico.

Em realidade, Drucker apenas capta al-gumas tendências já observáveis em em-presas do presente. Utilizando os casosanalisados no decorrer deste trabalho,poder-se-ia dizer que o futuro de Druckerestá a 70 anos do Fordismo, a 30 doToyotismo e a alguns meses do Volvismo.

Mas talvez o modelo de organização dofuturo esteja ainda mais próximo de umabanda de jazz. Uma forma musical surgidano nosso século, caracterizada pela utili-zação de escalas africanas com harmoniaseuropéias, pela pequena ou quase nenhu-ma importância do maestro - substituídopela primazia do senso comum, pelo pe-queno porte, pela produção de uma músi-ca marcada pela existência de padrões mascom enorme espaço para a improvisaçãoindividual e coletiva, pela valorização dosmúsicos e, principalmente, pelo prazer daexecução." Q


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