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Page 1: Fotos:MarceloFerreira/CB/D.APress SEMINÁRIO ... · 2019-08-26 · verdadeabsoluta” CésarMattos, secretário de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia

» SIMONE KAFRUNI

Acomplexidade da legisla-ção tributária do país fa-vorece a sonegação e osabusos éticos, provoca

um alto grau de judicialização ecompromete a competitividadedas empresas brasileiras. Com asinalização do governo de que areforma tributária está na pautaprioritária, o momento é propí-cio para ampliar a discussão so-bre uma simplificação dos im-postos. Essas foram as principaisconclusões das autoridades e es-pecialistas que participaram, on-tem, do Correio Debate — Éticaconcorrencial e simplificação tri-butária, realizado no auditóriodo jornal, com apoio da Associa-ção Nacional das Distribuidorasde Combustíveis, Lubrificantes,Logística e Conveniência (Plural)e do Combustível Legal.

A importância do seminário foiressaltada pelo diretor-presidentedo Correio, ÁlvaroTeixeira da Cos-ta, sobretudo por conta do mo-mento pelo qual passa o país. “Es-tamos numa encruzilhada. Ou va-mos subir como um foguete ou va-mos perder mais uma oportunida-de. Temos que fazer com que essepaís avance. Existem, hoje, proble-mas graves na tributação, que pre-cisa ser simplificada”, disse.

Simplificação tributária e éti-ca concorrencial são dois temasde extrema relevância para a in-dústria de combustíveis, afir-mou o presidente da Plural, Leo-nardo Gadotti. “O setor é o quemais arrecada nas 27 unidadesda Federação. São R$ 150 bilhõespor ano em impostos, com umacomplexidade enorme, não sóem nível estadual, com regrasque mudam frequentemente,como também em nível federal”,assinalou. O executivo alertoupara outro problema perversoprovocado pela complexidadedo sistema tributário: a sonega-ção. “Estudos recentes apontamque chega a R$ 7,2 bilhões só nosetor de combustíveis”, revelou.

Na abertura do seminário, opresidente do Superior Tribunalde Justiça (STJ), João Otávio deNoronha, destacou que a judi-cialização tributária é um malao Estado e que os tribunais es-tão atolados de processos ques-tionando impostos, porque a le-gislação favorece o abuso ético.O ministro explicou que, noBrasil, só é competitivo quemsonega, porque o sistema tribu-tário é muito complexo. “O so-negador tem um grau de efi-ciência maior, e nem semprequem descumpre a norma estáconscientemente inadimplen-te, porque as regras mudam otempo todo”, afirmou.

Segundo o presidente do STJ,tanto a sua Corte quanto o Su-premo Tribunal Federal (STF)têm pendências de mais de 10anos. “Vivemos um ajuizamentoexcessivo. O Brasil é o país da ju-dicialização”, assinalou. “O abu-so ético pode ser do ente públicoem questões de tarifas ou de em-presas menos escrupulosas. Etrava o país. É hora de buscar

uma solução”, ressaltou. Noro-nha afirmou que é preciso mo-dernizar “o capenga sistema ju-diciário” do país. “No STJ, inves-timos em inovação, mas, numpaís com o espírito de alta liti-giosidade como Brasil, não hátecnologia que vença”, assina-lou. “É hora de criar uma Corteespecial, para que as coisas nãodemorem tanto”, sugeriu.

PrevisibilidadeO presidente do STJ ressaltou

que o país passa por um mo-mento extremamente difícil.“Quando a gente pensa que vaimelhorar, piora. Quando nãoestamos perplexos, estamospreocupados. Não consegui-mos instalar um ambiente desegurança jurídica, de previsibi-lidade, no país”, disse. Noronhadeclarou que até o passado éimprevisível no Brasil. “Não ébrincadeira. Olhando as de-mandas na Justiça, são comunsações discutindo planos de 15,20 anos atrás”, revelou.

Segundo ele, há 30 anos se falaem segurança jurídica e se pro-mete reforma tributária. “Temosprofundas distorções tributárias,que promoveram guerras fiscais,criaram contenciosos entre esta-dos”, afirmou. Essa complexida-de tem consequências, garantiu.“Eleva o nível de litigiosidade. Atributação desproporcional e acumulatividade levam a uma rea-ção por parte do contribuinte,que busca a todo instante discu-tir a redução dessa carga tributá-ria na Justiça”, destacou.

Porém, de acordo com Noro-nha, não é a Justiça a sede para es-sa negociação. “A reforma tributá-ria é necessária. E a casa adequa-da para essa discussão é o Con-gresso Nacional”, orientou. “Fala-mos em eficiência. É hora de criarno Brasil, como já se criou na Eu-ropa, um imposto de valor agrega-do, com base ampla de bens e ser-viços. Com crédito abrangente,uma única alíquota”, defendeu.

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10 • Economia • Brasília, quinta-feira, 22 de agosto de 2019 • CORREIO BRAZILIENSE

Simples,correto eurgente

SEMINÁRIO / A receita de autoridades e especialistas para ocrescimento passa pela discussão dos impostos. Essa foi uma dasconclusões do CCoorrrreeiioo Debate — Ética concorrencial e simplificaçãotributária. Sonegação e judicialização estiveram em pauta

A tributaçãodesproporcional ea cumulatividadelevam a umareação por partedo contribuinte,que busca a todoinstante discutira redução dessacarga tributáriana Justiça”

João Otávio de Noronha,presidente do SuperiorTribunal de Justiça

Existe uma percepçãoequivocada,segundo a qualmais concorrênciasignifica maisgente no mercado,o que não é umaverdade absoluta”

César Mattos,secretário de Advocacia daConcorrência e Competitividadedo Ministério da Economia

A boa concorrência» CLÁUDIA DIANNI» CATARINA LOIOLA*

Um ambiente econômico comboa concorrência não precisa dediversos atores, na avaliação dosecretário de Advocacia da Con-corrência e Competitividade doMinistério da Economia, CésarMattos. Ele detalhou a conexãoentre concorrência e sonegaçãode impostos, durante o painel PLS284: O devedor contumaz e os im-pactos da sonegação de impostos.

“Existe uma percepção equivo-cada, segundo a qual mais con-corrência significa mais gente nomercado, o que não é uma verda-de absoluta. Dependendo dequem são as pessoas e por queelas estão ganhando o jogo con-correncial, tem, na verdade, umefeito oposto”, disse.

De acordo com o secretário, aconcorrência é um processo de se-leção dos mais eficientes e produ-tivos. No entanto, se o negócio estácrescendo às custas da sonegaçãode impostos, o efeito na economiaé negativo, pois frauda o mecanis-mo concorrencial. “Se a reduçãode custos é por não pagar impos-

tos, mas outro está pagando, issogera uma distorção”, afirmou.

Segundo Mattos, o objetivo dogoverno é buscar o equilíbrio entreos agentes, e não arrecadar maisimpostos. Ele defendeu os proje-tos de lei em tramitação no Sena-do, que dispõem sobre tributaçãoe equilíbrio da concorrência. O PL284/2017, proposto pela senadoraAna Amélia (PP-RS), e de relatoriado senador Rodrigo Pacheco(DEM-RO), regulamenta a Consti-tuição para prever critérios espe-ciais de tributação com o objetivode prevenir desequilíbrios concor-renciais. Já o PL 423/17, relatadopelo senador Fernando Bezerra(MDB-PE), altera o Código Penal ea Lei de Crimes Contra a OrdemTributária e se refere a mudançasde regras do pagamento e do par-celamento do crédito tributário.“Os projetos são importantes, masprecisamos de outras coisas, comoa reforma tributária, pois quantomais complexa e alta for a cargatributária, maior será o incentivopara a sonegação”.

* Estagiária sob a supervisão deLeonardo Meireles

O que não se quer émais litigiosidade.O que se quer sãonormas claras, que vãoser cumpridas e quetêm respaldo judicial”

Hugo Funaro,advogado tributarista

Os tipos de devedores» MARIA EDUARDA CARDIM

Asoluçãoparareduziraexcessi-va judicialização de matérias tribu-tárias e combater a figura do deve-dor contumaz passam pela identi-ficaçãocorretadostiposdeinadim-plentes, defendeu o advogado tri-butarista Hugo Funaro.“O que nãose quer é mais litigiosidade. O quese quer são normas claras, que vãoser cumpridas e que têm respaldojudicial. Então, é preciso se levarem consideração que há diferentestipos de devedores”, indicou.

Funaro apontou três tipos deinadimplentes: o eventual, o reite-rado e o contumaz. O devedoreventual é aquele que, vez ou ou-tra, não recolhe tributos, por es-quecimento ou outro motivo.“Qualquer um que se esquece depagar Imposto de Renda e pagaem atraso, poderá ser consideradoum devedor eventual”, explicou.

Já o reiterado não paga o tri-buto por um certo tempo, mas

não o faz para empreender.“Muitas vezes, esse devedor nãopaga por causa da dificuldadede determinado momento eco-nômico, no qual precisa esco-lher entre os tributos ou pagaros funcionários”, afirmou. Porúltimo, o devedor contumaz équem possui uma inadimplên-cia substancial, reiterada e in-justificada. “São empresas quefazem da falta de pagamentodo tributo o próprio objetivosocial”, ressaltou.

O advogado explicou que ca-da um precisa ser autuado deforma específica. O devedor rei-terado precisa ser cobrado comcritérios especiais de tributação,enquanto o contumaz precisaser impedido de atuar no merca-do. “O projeto de lei do Senado284 prevê isso com critérios”,sustentou. O PLS 284/2017 sur-giu justamente da necessidadeda regulamentação que caracte-riza os devedores contumazes.

A populaçãosente o impacto,pois a verbasonegada financiariainiciativas do Estado”

Fernando César Ganzer,gerente de combustíveis daReceita Estadual de Goiás

O mal da sonegação» LUIZ CALGANO

O devedor contumaz é um de-safio para a administração tribu-tária, porque usa o dinheiro dopoder público para crescer artifi-cialmente. A afirmação é do ge-rente de combustíveis da ReceitaEstadual da Secretaria de Estadode Goiás, Fernando César Ganzer.Segundo ele, com a sonegação deimpostos, o contumaz causa pre-juízos não só ao governo. “A po-pulação sente o impacto, pois averba sonegada financiaria inicia-tivas do Estado”, disse.

O cliente também é prejudi-cado, pois o devedor contumazcobra de seus fregueses o valordo imposto sobre o produto. So-bretudo, quem atua assim pro-move uma concorrência desleal,comprometendo a livre iniciati-va e o mercado, uma vez que osempresários que cumprem comas obrigações tributárias per-dem competitividade.

Ganzer também defendeu aaprovação do Projeto de Lei doSenado (PLS) 284/2017 comouma forma de fortalecer ocombate à prática de sonega-ção contumaz de impostos,pois prevê, em último caso, acassação do estabelecimento ea suspensão das atividades.“Em Goiás, nós temos uma leiestadual para combater essasações. É considerado devedorcontumaz o contribuinte quenão pagar por quatro mesesseguidos ou oito meses inter-calados”, explicou.

O gerente destacou, no en-tanto, que o PLS não anularia alegislação goiana. “Esse projetonos fortalece um arcabouço ju-rídico mais robusto para a ad-ministração tributária. Faremosmelhor o que já estamos fazen-do. Um fato delicado, por exem-plo, é justamente a suspensãoou cassação do estabelecimen-to”, exemplificou.

Presidente da Plural, Leonardo Gadotti aponta a relevância da simplificação tributária e da ética concorrencial

João Otávio deNoronha,presidente do STJ,chama a atençãopara a falta de umambiente desegurançajurídica no país

Fotos: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

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