PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Heitor de Andrade Carvalho Loureiro
O COMUNISMO DOS I MIGRANTES ARMÊNIOS DE SÃO PAULO (1935-1969)
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
São Paulo – SP 2012
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Heitor de Andrade Carvalho Loureiro
O COMUNISMO DOS I MIGRANTES ARMÊNIOS DE SÃO PAULO (1935-1969)
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em História Social, sob orientação da Profª. Drª. Yvone Dias Avelino.
São Paulo – SP 2012
ERRATA
Na página 70, parágrafo terceiro, onde se lê “Ações como a de 26 de agosto
de 1986”, leia-se “Ações como a de 26 de agosto de 1896”.
Banca Examinadora
------------------------------------------------------------------------- Profª. Drª. Yvone Dias Avelino
------------------------------------------------------------------------- Profª. Drª. Maria Aparecida de Paula Rago
------------------------------------------------------------------------- Prof. Dr. Frederico Alexandre de Moraes Hecker
A todos aqueles que em qualquer momento da
história do Brasil, por diferentes razões,
tiveram suas vidas invadidas e reviradas pela
Polícia Política.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Marcelo e Eliana que forneceram a
estrutura afetiva e material para que eu pudesse fazer este trabalho, mesmo que isso tenha
acarretado minha mudança de Juiz de Fora para São Paulo e a consequente ausência nessa
fase tão especial do crescimento da minha irmã. Espero que as portas que se abram com a
conclusão dessa etapa da minha carreira ajudem a amenizar os momentos importantes que eu
perdi.
Da mesma forma, agradeço à Helenice, que topou encarar comigo esse projeto e
dividiu comigo as alegrias, euforias, incertezas, angústias e os demais sentimentos
conflitantes que são inerentes a uma pesquisa. É clichê, mas não deixa de ser verdade: eu não
conseguiria sozinho. Obrigado por me manter firme ao chão quando eu teimava em sair dele.
Estendo meu agradecimento a seus pais e irmãos, que cada um ao seu jeito, também me
incentivaram nessa caminhada.
Destaco a importância da orientação da Profª. Drª. Yvone Dias Avelino que, com
conselhos sábios, me deu a liberdade necessária para pesquisar e escrever o trabalho que eu
sonhei em fazer. As observações do Prof. Dr. Frederico Alexandre de Moraes Hecker tiveram
a mesma importância nesse sentido.
A Pedro Bogossian Porto, minha gratidão por ser um interlocutor incansável e um
pesquisador obstinado, cujo trabalho permitiu que a minha pesquisa estivesse alicerçada em
terreno mais sólido.
A toda coletividade armênia de São Paulo, por ter aberto suas portas para mim nos
mais diferentes momentos, acreditando no meu trabalho, fornecendo material ou
simplesmente oferecendo amizade e apoio. Com o risco de cometer injustiças e me esquecer
de alguém, menciono especialmente: Armen Pamboukdjian, Vivi Balekian, James Onnig
Tamdjian, Marcelo Mirzeian, Denis Tchobnian, Catherine Chahinian e às famílias Mekitarian,
Magarian e Ghazarian. Reitero o meu reconhecimento a Stepan Hrair Chahinian, Charles
Apovian, Der Boghos Baron e Fernando Mangarielo, pessoas especiais que abriram suas
bibliotecas e casas para as minhas incursões.
Divido os méritos dessa pesquisa com o Prof. Dr. Hagop Kechichian, cuja
biblioteca é passagem obrigatória de qualquer pesquisador que estude a história dos armênios,
no Brasil ou exterior. A quantidade e qualidade dos documentos de seu acervo, bem como o
seu conhecimento sobre o assunto foram essenciais para que esse trabalho fosse realizado. Se
me restaram algumas perguntas sem respostas durante a pesquisa, elas seriam em número
infinitamente maior se eu não tivesse o apoio do professor ao longo desses anos.
Aos professores e colegas do Programa de Estudos Pós-Graduados em História
Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o meu reconhecimento da
importância das diversas discussões travadas durante as disciplinas e reuniões para o
amadurecimento das minhas reflexões.
Aos colegas da International Association of Genocide Scholars (IAGS), em
especial Uğur Ümit Üngör e Carlos Antaramian; da Fundación Luisa Hairabedian/Centro
Latinoamericano de Estudios sobre Genocidio y Derechos Humanos (CLEGDH),
principalmente Federico Hairabedian e Alexis Papazian; a turma de 2011 do Genocide &
Human Rights University Program (Zoryan Institute/University of Toronto), especialmente
Daniel Ohanian e Vahe Sahakyan. Estendo os meus agradecimentos a Marc Madoyan,
Eduardo Kozanlian e Diran Avedian, que contribuíram cada um da sua maneira para que essa
pesquisa pudesse ser desenvolvida. Também ressalto a ajuda de Alexandre Linares, sempre
atento a qualquer vestígio que pudesse contribuir para a elucidação de algum ponto obscuro
da pesquisa.
Aos funcionários do Arquivo Público do Estado de São Paulo, que sempre me
atenderam gentilmente nas várias horas que passei nessa instituição.
Por fim, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
pelas bolsas concedidas, fundamentais para a concretização do trabalho que aqui se apresenta.
RESUMO
Este trabalho tem como finalidade compreender o que foi o comunismo dos
armênios em São Paulo entre 1935 e 1969 e a consequente vigilância e repressão da Delegacia
Especializada de Ordem Política e Social (DEOPS/SP). Assim, discorremos sobre a saída dos
armênios do Império Otomano e a chegada destes em São Paulo, observando também a
passagem pela Síria e Líbano, onde esses refugiados recriaram suas vidas e sociedade após o
genocídio iniciado em 1915. Vimos também como os armênios se inseriram na sociedade e
economia da capital paulista, fundando suas próprias instituições e entidades ao longo dos
anos. Por fim, analisamos como o comunismo se desenvolveu no interior da coletividade
armênia de São Paulo, em contraponto a outras tendências políticas que diferiam entre si no
modo de encarar a história recente da Armênia e a organização da vida comunitária na
diáspora. Para tanto, foram observadas as trajetórias de Levon Yacubian e Jacob Bazarian
à frente de entidades e publicações como o “Ararat – a voz do povo armênio”, jornal que foi
confiscado e investigado pela Polícia Política sob a acusação de subversão. Destarte, foram os
prontuários da DEOPS/SP as principais fontes dessa pesquisa, ao lado de publicações da
coletividade que não foram apreendidas pelas autoridades policiais, que nos permitem
reconstituir a ação desses armênios que eram entusiastas do comunismo como uma forma de
apoiar a Armênia Soviética.
Palavras-chave: Armênios, Comunismo, DEOPS/SP.
ABSTRACT
This paper investigates the Armenian Communism in São Paulo between 1935
and 1969 and the surveillance and repression of Delegacia Especializada de Ordem Política e
Social (DEOPS/SP). Thus, it is analyzed how the Armenians escaped from the Ottoman
Empire and how they came to São Paulo. Their passages through Syria and Lebanon, where
they rebuilt their lives and society after the Genocide started in 1915, are also observed. It is
also discussed how the Armenians were embedded in São Paulo society and economy
establishing their own institutions over the years. Finally, it is examined how Communism
was developed into the Armenian Community in São Paulo, in opposition to other political
groups who had different views on the Armenian recent history and Diaspora organizations.
Therefore, it is observed the paths of Levon Yacubian and Jacob Bazarian, in charge of
associations and press like “Ararat - a voz do povo armênio”, a newspaper which was
confiscated and investigated by Political Police under the charge of subversion. The criminal
records of DEOPS/SP are the main sources of this research, as well as the community press
that were not captured by police authorities. Through these documents it is possible to restore
the action of the Armenians who supported Communism as a way to support Soviet Armenia.
Keywords: Armenia, Communism, DEOPS/SP
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACASP – Associação Cultural Armênia de São Paulo AHK – Acervo pessoal do Prof. Dr. Hagop Kechichian AIB – Ação Integralista Brasileira APESP – Arquivo Público do Estado de São Paulo APN – Agência de Notícias Novosti BN – Biblioteca Nacional CNA – Conselho Nacional Armênio DEOPS/SP – Delegacia Especializada de Ordem Política e Social de São Paulo EJB – Externato José Bonifácio - Hay Azkain Turian Varjaran FRA – Federação Revolucionária Armênia - Tashnagtsutyun HOM - Associação Armênia de Assistência - Hay Oqnutian Miut'yun IC – Internacional Comunista ODL – Organização Democrata Liberal - Ramgavar PCB – Partido Comunista do Brasil RSS – República Socialista Soviética SAMA – Sociedade Artística de Melodias Armênias - Clube Armênio SEC-MAPA – Sociedade Esportiva e Cultural - Mocidade Armênia de Presidente Altino SEV – Serviço Especial de Vigilância UASP – União Armênia de São Paulo UGAB – União Geral Armênia de Beneficência
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................. 12
CAPÍTULO I - Mascates, sapateiros e empresários: um estudo da imigração armênia em São Paulo ......................................................................................................................................... 30
1.1 Genocídio e diáspora: fim e recomeço ...................................................................... 32
2.2 De mascates e sapateiros a empresários .................................................................... 38
CAPÍTULO II – Instituições armênias na diáspora: partidos e agremiações políticas .......... 53
2.1 Instituições religiosas, educacionais e culturais ........................................................ 54
2.1.1 As Igrejas Armênias ........................................................................................... 55
2.1.2 Instituições educacionais armênias em São Paulo .............................................. 57
2.1.3 As Associações culturais e esportivas ................................................................ 59
2.1.4 Primeiros esforços .............................................................................................. 59
2.1.5 Entidades de compatriotas .................................................................................. 60
2.2 Partidos e agremiações políticas ................................................................................ 61
2.2.1 Partido Revolucionário “Hentchakian” .............................................................. 62
2.2.2 A Organização Democrática Liberal (ODL) – Ramgavar .................................. 66
2.2.3 A Federação Revolucionária Armênia - FRA .................................................... 69
CAPÍTULO III - O comunismo armênio em São Paulo e a vigilância da DEOPS/SP .......... 80
3.1 O funcionamento da DEOPS/SP e o projeto autoritário em vigor no período .......... 81
3.2 As primeiras incursões da DEOPS/SP sobre o comunismo dos armênios em São Paulo................. .................................................................................................................... 89
3.2.1 A “União Armênia de São Paulo” e a primeira expressão institucional do apoio à Armênia Soviética .......................................................................................................... 92
CAPÍTULO IV - O jornal “Ararat – a voz do povo armênio” e seus idealizadores: o comunismo a serviço da Armênia .......................................................................................... 102
4.1 Levon Yacubian: de jornalista promissor a preso político ...................................... 107
4.2 Jacob Bazarian: de militante comunista a crítico da URSS ..................................... 118
4.3 “Ararat – a voz do povo armênio” ........................................................................... 132
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES ........................................................... 152
Terra soviética, terra livre - Armênia! Você experimentou o destino cruel no passado, Seus filhos se esforçaram por você, Agora você se tornou a casa dos armênios! (...) A grande Rússia estendeu-nos sua mão amiga Nós criamos um novo e forte Estado O sábio partido de Lênin Conduz-nos triunfalmente ao Comunismo! Trechos do hino da República Socialista Soviética da Armênia, por Armenak Sarkisyan e Aram Khachaturian, 1944.
12
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Tive também informação de que há vários dias foi uma carrocinha de leite assaltada por indivíduos estrangeiros, residentes nas imediações da Rua Ararimã, tendo estes últimos dito ao leiteiro que não se zangasse, pois a revolução comunista estava para chegar e isso era só o princípio1.
Subscreve essa declaração o investigador João Telles de Souza, em documento
enviado ao delegado de Ordem Social em 1º de dezembro de 1935, na cidade de São Paulo. O
trecho supracitado foi retirado do prontuário do professor da escola armênia, Nazareth
Avedikian. De acordo com o documento, a queixa foi prestada por supostas vítimas de
agressão física por parte de “indivíduos de credo comunista”2.
Segundo Souza, as investigações concluíram que a prática de espancamento era
uma tática utilizada pelos armênios da região para com todos aqueles que não “comungam de
suas ideias”. Além disso, o investigado obrigaria todos os alunos de sua escola a
comparecerem às aulas com uma faixa vermelha no uniforme, em homenagem a Lênin3.
Segue nesse tom todo o prontuário do professor Avedikian, fichado pela
DEOPS/SP como comunista, assim como diversos outros armênios residentes na cidade de
São Paulo entre as décadas de 1930-1960. A repressão da Delegacia de Ordem Política e
Social de São Paulo – DEOPS/SP4 – 1924-1983, criada, segundo Regina Célia Pedroso, em
um contexto de repressão política e formação ideológica contra aqueles que fossem julgados
prejudiciais para a manutenção da ordem vigente5, recai assim sobre uma boa fração da
coletividade armênia, que segundo o entendimento das autoridades repressivas, eram “todos
que pertencem a Armênia Soviética6 e são comunistas, adeptos e admiradores de Stalin”7,
1 Prontuário 3.125 – Nazareth Avedikian. Fundo DEOPS/SP, APESP. A fim de evitar repetições desnecessárias, cabe ressaltar que todos os prontuários citados neste trabalho são oriundos do Fundo DEOPS/SP do Arquivo Público do Estado de São Paulo – APESP. 2 Idem. 3 Idem. 4 A sigla DEOPS/SP se refere a denominação de “Delegacia Epecializada de Ordem Política e Social”, nome pelo qual a repartição foi chamada em diferentes períodos ao longo da década de 1930, ou ainda a “Delegacia Estadual de Ordem Política e Social”, seu primeiro nome. Mas também é comum acharmos na literatura referências a sigla “Dops”, referente à Delegacia ou ao Departamento de Ordem Social. AQUINO, Maria Aparecida de, et. alii. (2001). No Coração das Trevas: o DEOPS/SP visto por dentro. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, p. 19. Para este trabalho, utilizaremos DEOPS/SP, como é nominada a instituição no Fundo DEOPS/SP do Arquivo Público do Estado de São Paulo, onde recolhemos grande parte do material desta pesquisa. 5 PEDROSO, Regina Célia (2005). Estado Autoritário e Ideologia Policial. São Paulo: Laboratório de Estudos sobre Intolerância/Humanitas/FAPESP, pp. 112-114. 6 Embora estes tenham emigrado antes de 1920, quando a Armênia foi colocada sobre jurisdição da Rússia bolchevique. 7 Pront. 98.526 – Ararat. Esta citação também está presente no prontuário de Avedikian, uma vez que as investigações sobre o jornal apontam o professor como um dos assinantes do jornal Ararat – A voz do povo
13
numa tentativa de rotulação dos inimigos políticos. Assim, nos cabe perguntar: se a
disseminação do “credo comunista” entre os brasileiros já assustava as autoridades, o que
podemos inferir quando refletimos sobre indivíduos ligados a um país que a essa altura era
república integrante da URSS? Taciana Wiazovski e Eric Godliauskas Zen nos mostram que
eram justamente os imigrantes oriundos dos países pertencentes à URSS e seus satélites os
mais perseguidos pela DEOPS/SP sob a acusação de comunismo8.
É embebido nesse caldo político que, de acordo com Tucci Carneiro, a DEOPS/SP
assume a dianteira da repressão para “domesticação das massas”, homogeneizando diferentes
tendências e desarmando os pensamentos considerados “potencialmente perigosos”9. Regina
Célia Pedroso, por sua vez, afirma que segundo a ótica do Estado, “o comunismo é o
elemento desagregador da sociedade, contra a moral e bons costumes, sendo expresso pela
destruição e pela violência alardeados contra o estado getulista”10.
Assim, pretendemos entender o que foi o comunismo dos armênios durante os
anos de 1935 e 1969, bem como a repressão que acompanhou atenta a movimentação
ideológica da comunidade em São Paulo. O que podemos inferir previamente é que os
armênios rotulados como comunistas se encaixavam perfeitamente no perfil estereotipado que
a repressão criou para enquadrar os elementos indesejáveis: “os revolucionários, os
contestadores, os sindicalistas, os estrangeiros, os operários, os anarquistas e os
subversivos”11.
Entretanto, transportar automaticamente para todos os armênios de São Paulo o
rótulo de comunistas é um erro e precisa ser evitado a todo custo. E mesmo entre os
esquerdistas, não podemos afirmar que havia uma homogeneidade12. Assim, para lograrmos
êxito em nossa proposta, precisaremos de uma análise sobre a imigração armênia no Brasil,
bem como de suas nuances políticas, que dividem a comunidade desde os primeiros
imigrantes chegados ao país. Apenas após ter dado este passo, poderemos entender em
armênio, órgão dos armênios simpáticos à URSS. No trabalho “A Imprensa Confiscada pelo DEOPS”, os autores também mencionam o jornal Ararat e o processo supracitado. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci & KOSSOY, Boris (2003). A Imprensa Confiscada pelo DEOPS. São Paulo: Ateliê Editorial, pp. 114-117. 8 WIAZOVSKI, Taciana (2001). Bolchevismo e Judaísmo: a comunidade judaica sob o olhar do DEOPS. Módulo VI – Comunistas. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial, p. 37; ZEN, Erick Reis Godliauskas (2010). Imigração e Revolução: lituanos, poloneses e russos sob vigilância do Deops. São Paulo: Edusp. 9 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (1999). “O Estado Novo, o Dops e a ideologia da segurança nacional”. In: PANDOLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, pp. 335-336. 10 PEDROSO, R. (2005). op. cit., p. 129. 11 Ibid., p. 114. 12 Como podemos perceber, por exemplo, na ação do italiano Antonio Piccarolo no Brasil, que apesar de ser o líder dos socialistas italianos em São Paulo, mantinha uma posição crítica perante a URSS e o comunismo. Cf. HECKER, F. Alexandre (1989). Um Socialismo Possível: a atuação de Antonio Piccarolo em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz Editor.
14
profundidade e com a lucidez necessária o que foi o comunismo no seio da coletividade
armênia brasileira, qual foi o seu alcance e, principalmente, em que medida isso ameaçava o
Estado então representado pela DEOPS/SP13.
O recorte temporal – 1935-1969 – insere-se não por acaso em dois períodos
autoritários da história republicana brasileira. Em dezembro de 1935, foi fichado como
comunista o primeiro armênio – o já citado Nazareth Avedikian – inserido no contexto de
vigilância e perseguição suscitado pela ação dos militantes de esquerda na década de 1930. Na
data da queixa, o Brasil vivia o ápice do “medo vermelho”. Em 1934, militantes do PCB
dispersaram uma manifestação dos Integralistas na Praça da Sé, enfurecendo as forças
conservadoras. Um ano depois e menos de um mês antes do prontuário ser aberto, levantes em
diversos quartéis do Brasil foram rapidamente sufocados pelo governo Vargas, enquanto a
imprensa dava ampla cobertura ao que ficou pejorativamente conhecido como Intentona
Comunista14.
Mil novecentos e sessenta e nove foi o ano de encerramento das atividades da
revista Armênia, último empreendimento editorial de Jacob Bazarian15. Outrora envolvido nas
publicações Verelk e Ararat - a voz do povo armênio, ambos orientados ao apoio do
comunismo na Armênia, a revista Armênia já não continha mais aquele discurso militante de
dez ou quinze anos antes, sendo inclusive, o último número, uma espécie de sepultura do
comunismo de Bazarian, na qual ele explica os motivos de sua mudança de postura em um
artigo intitulado “Porque me divorciei do comunismo”16. Tal número da revista contendo o
referido texto é anexado ao prontuário de Bazarian como prova de seu rompimento com o
comunismo, na ocasião que o prontuariado requisitou um atestado de antecedentes criminais
na Polícia Política. Portanto, o fim da revista e dos registros de Jacob Bazarian no Fundo
DEOPS/SP são marcos ideais para fecharmos o recorte da pesquisa.
As balizas temporais deste trabalho abarcam diferentes períodos políticos da
história do Brasil e de São Paulo. Contudo, preferimos manter tal recorte a fim de respeitar os
limites que a própria documentação nos impõe. A revista Armênia não foi a última ação
individual ou coletiva de armênios e descendentes filtrada pela Polícia Politica. Entretanto, a
publicação foi a última evidência expressiva de que a repressão conseguiu reunir para provar 13 “Ao Estado não interessava permitir a manifestação de comunidades organizadas – aqui entendidas como grupos com projetos políticos, étnicos ou culturais diversificados –, o que explica sua insistência em manter regulamentos que se antecipassem ao risco da rebelião”. CARNEIRO, M. (1999). op. cit., p. 336. 14 VIANNA, Marly (2007). “O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935”. In: FERREIRA, Jorge. & DELGADO, Lucília. O Brasil Republicano. Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2ª Ed., p. 74. 15 Pront. 95.621 - Jacob Bazarian. 16 Revista ARMÊNIA. São Paulo, maio-junho de 1969, ano III, nº 16, pp. 13-15. Acervo do Prof. Dr. Hagop Kechichian (AHK).
15
a subversão de armênios em São Paulo. Portanto, consideramos o fim dos trabalhos da revista
– sendo inclusive o seu último número anexado ao prontuário de Jacob Bazarian – um
importante marco na ação política de uma fração dos armênios na capital paulista.
As primeiras famílias armênias em São Paulo datam dos anos 1890. Segundo
Roberto Grün, esta pequena leva de armênios ocupava o mesmo espaço dos sírios e libaneses,
também atuando como mascates e, após acumularem capital suficiente, alguns conseguiram
constituir uma bem sucedida elite de origem imigrante em São Paulo17.
Entretanto, foi o Genocídio Armênio – 1915-1923 – o grande responsável pelas
expressivas comunidades armênias dispersas pelo mundo. Primeiro genocídio do século XX e
o mais longo da história18, este fenômeno foi uma ação sistematicamente organizada pelo
governo turco-otomano – tomado pelo Comitê União e Progresso, alcunhado de partido dos
“Jovens Turcos” –, com a finalidade de exterminar a população armênia das províncias
orientais do Império Otomano. Este processo servia a um propósito: manter vivo o Império
que apresentava sérias rachaduras em suas estruturas, após anos de crises econômicas e
políticas, que custaram à Constantinopla a perda dos Bálcãs, derrota da qual o governo
otomano nunca iria se recuperar. Aniquilar os armênios era uma tentativa de evitar que estes
entrassem em uma ebulição revolucionária que poderia culminar na independência desta
região, o que seria o fim do já fragilizado Império Otomano. Cerca de 1,5 milhão de armênios
foram mortos19 e 350 mil emigraram antes ou depois das matanças20. O mapa da diáspora
armênia não deixa dúvida do tamanho da destruição: Aharon Sapsezian estima que, enquanto
viviam na Armênia Soviética cerca de 3,1 milhões de armênios, outros 3,5 milhões estavam
espalhados pelo mundo21.
17 GRÜN, Roberto (1992). Negócios e Famílias: armênios em São Paulo. São Paulo: Sumaré, p. 19. Oswaldo Truzzi nos chama a atenção que no Oriente Médio, a atividade de mascate era mais comumente desempenhada por armênios, judeus e gregos, enquanto os sírios e libaneses eram, sobretudo, agricultores e artesãos. Interessante notar como a lógica de armênios – de mascates para artesãos – e sírios e libaneses – de artesãos para mascates – se inverte ao chegarem no Brasil. TRUZZI, Oswaldo (2005). Sírios e Libaneses: narrativas de história e cultura. São Paulo: Companhia Editora Nacional, p. 28. 18 Tese sustentada por Campolina Martins. Como não houve um reconhecimento do Genocídio por parte da República da Turquia – herdeira legal do legado turco-otomano – não podemos falar em um desfecho jurídico na questão, permanecendo em aberto até hoje. CAMPOLINA MARTINS, Antônio Henrique (1998). “Armênia, um povo em luta pela liberdade: o mais longo genocídio da história”. Dossiê – Direitos Humanos. In: Ética e Filosofia Política. Juiz de Fora: UFJF, v. 3, nº 1, p. 154, nota 16. 19 “The First World War led to the killing of an uncounted number of Armenians by Turkey – the most usual figure is 1.5 millions – which can count as the first modern attempt to eliminate an entire population”. HOBSBAWM, Eric (1996). The Age of Extremes. Nova York: First Vintage Books, p. 50. 20 SAPSEZIAN, Aharon (1988). História da Armênia: drama e esperança de uma nação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 160. 21 SAPSEZIAN, A. (1988). op. cit., pp. 161-162.
16
Ao contrário de outras etnias, não houve uma política pública de incentivo à
imigração armênia para o Brasil22, assim como houve para a França, por exemplo, onde os
armênios serviram como mão-de-obra substituta aos franceses mortos durante a Primeira
Guerra Mundial23. Por este motivo, não é de se espantar o pequeno número de armênios que
emigraram para o Brasil se comparado com trabalhadores oriundos de outros países, ou ainda
se pensarmos nas cifras de imigrantes armênios em nações que incentivaram o aporte destes.
Conforme veremos no capítulo I, apesar de não haver estimativas confiáveis e definitivas,
acreditamos que existam cerca de 40 mil armênios no Brasil, em sua maioria, localizados em
São Paulo24.
A chegada do maior contingente de imigrantes armênios se concentrou entre os
anos de 1924-1926, alcançando o número de cinco mil armênios no país em 193525, atraídos
muitas vezes pelas experiências dos árabes na Síria e no Líbano – países nos quais os
armênios se refugiaram no primeiro momento –, que remetiam cartas às famílias contando das
vitórias e conquistas no Brasil26.
A origem da maior parte dos armênios brasileiros remete à região da Cilícia – ou
Armênia Menor, localizada às margens do Mar Mediterrâneo –, sendo Marash a principal
cidade de origem destes indivíduos27, o que colaboraria para a organização e a criação de
laços de sociabilidade na terra de destino28. Kechichian afirma que os primeiros que aqui
chegaram se organizaram em pequenas sociedades e conseguiram iniciar pequenos negócios,
principalmente vinculados às atividades comerciais de mascate29. Também veremos no
22 Embora um caso muito curioso revele que o político e escritor Medeiros e Albuquerque tentou articular, sem sucesso, a vinda de armênios para São Paulo e Amazonas durante o governo Campos Sales. MEDEIROS E ALBUQUERQUE, J. J. C. C (1982). Quando Eu Era Vivo. Rio de Janeiro: Record, pp. 212-213. No mesmo sentido, há no Acervo do Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores, no Rio de Janeiro, uma correspondência do Diretor dos Serviços Econômicos e Comerciais no Brasil para o Adido Comercial do Brasil em Alexandria informando ao destinatário que não haveria interesse por parte do governo brasileiro em patrocinar uma “corrente migratória” de armênios para o país, em 1930. Ficha 834, doc. EC/992, Disponível em <http://www.arqshoah.com.br/arqshoah.aspx?id=717>, acesso em 18/03/2012. 23 SAPSEZIAN, A. (1988). op. cit., p. 164. 24 Cerca de 25 mil na Grande São Paulo, segundo Aharon Sapsezian . SAPSEZIAN, Aharon. (2010). História Sucinta e Atualizada da Armênia. São Paulo: Emblema, p. 288. 25 KECHICHIAN, Hagop (2000). Os Sobreviventes do Genocídio: imigração e integração armênia no Brasil, um estudo introdutório. São Paulo: Tese de doutorado em História Social, FFCHL/USP, pp. 32 e 51. 26 Ibid., p. 31. 27 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 14; KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 24. 28 Interessante notar que este é um fenômeno comum às etnias do Oriente Médio. Os sírios de Juiz de Fora – MG também são provenientes majoritariamente de uma mesma cidade: Yabroud. BASTOS, Wilson de Lima (1988). Os Sírios em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Paraibuna, pp. 22-27. Isso se dá, segundo Oswaldo Truzzi, graças a base identitária situada no tripé aldeia, família e religião, crucial para o entendimento de sírios, libaneses e em alguma medida, também pelos armênios. TRUZZI, O. (2005). op. cit., pp. 2-3. 29 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 33.
17
capítulo seguinte como, uma vez estabelecidos e relativamente estabilizados, os imigrantes
direcionavam seus esforços para a confecção de calçados.
Mais do que um ofício e fonte de renda, as oficinas/sapatarias armênias na cidade
serviam como as primeiras áreas de sociabilidade entre os imigrantes. Em função do negócio,
os armênios se reuniam e se apoiavam, com o intuito de fomentar novos artesãos que haviam
chegado há pouco e ainda não tinham condições de sobreviver em São Paulo. Assim, os
armênios adaptados e financeiramente estáveis no Brasil, como Rizkallah Jorge Tahanian,
subsidiavam os recém-chegados com capital e matéria-prima para que estes pudessem iniciar
as vidas no novo país30.
A partir daí, a vida social e política da comunidade tomou forma. As primeiras
sociedades e associações foram fundadas, com o intuito de construir os dois fundamentais da
existência do armênio na diáspora: as igrejas e os partidos31, a partir dos quais outras
instituições se desdobravam. A construção de instituições educacionais era outro objetivo de
primeira hora da comunidade nos seus primórdios. Além disso, sociedades culturais e
recreativas também afloraram no seio da coletividade nas décadas de 1920 e 1930, bem como
agremiações da juventude armênia, encenando peças e cantando músicas armênias em corais.
As agremiações partidárias também são instituições fundadas no raiar da
coletividade armênio-brasileira. Em São Paulo, assim como em toda a diáspora armênia,
destacam-se três principais partidos: Federação Revolucionária Armênia – FRA, Partido
Revolucionário – Hentchakian – e Organização Democrata Liberal – ODL. Assim, os
partidos fecham o ciclo orgânico e mutável das instituições armênias, que como todas as
outras etnias imigrantes, “formalizaram, em algum grau, suas etnicidades, fundamentadas por
identidades articuladas à origem nacional”32. Diante de toda a ebulição político-partidária
característica da comunidade armênia, aliada ao contexto instável da política brasileira entre
as décadas de 1930-60, não seria de estranhar a movimentação dos imigrantes já radicados,
seja nas agremiações de compatriotas, seja nas entidades brasileiras. Nesse sentido,
pretendemos entender o porquê das autoridades da DEOPS/SP investigarem armênios sob a
acusação de comunismo, ideologia perigosa à nação naqueles tempos, segundo a ótica do
Estado.
Para os armênios, apoiar a URSS não era necessariamente um gesto de apoio ao
comunismo. Até mesmo a ODL, partido de centro-direita, mantinha diálogo e de certa
30 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., pp. 46-49. 31 SAPSEZIAN, A. (1988). op. cit., p. 167. 32 SEYFERTH, Giralda (1999). “Os Imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo”. In: PANDOLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, p. 202.
18
maneira, era entusiasta da Armênia Soviética, uma vez que foi a anexação do país à URSS o
que garantiu a manutenção do torrão nacional longe da constante ameaça turca. Nas palavras
da historiadora Mary Matossian, em artigo escrito na década de 1970:
Hoje não há Estado armênio, a não ser o da República Socialista Soviética da Armênia. E, sejam quais forem as falhas que apresente, a Armênia Soviética é o único foco do orgulho nacionalista e da criatividade cultural dos armênios. A atitude de seus habitantes naturais pode variar do entusiasmo à hostilidade; mas poucos armênios condenam todos os aspectos da vida que lá se vive. Afinal de contas, é a Armênia33.
Todavia, convém lembrar que não havia entre as agremiações diaspóricas
armênias no Brasil, um partido essencialmente comunista34, mas sim indivíduos e entidades
simpatizantes com os ideais comunistas que poderiam militar entre os brasileiros e divulgar
suas ideias entre os patrícios.
Voltando ao professor Nazareth Avedikian, prontuariado citado no começo desta
apresentação, as investigações da DEOPS/SP não são conclusivas sobre as motivações
comunistas do professor para a suposta agressão. Tampouco é comprovadamente comunista o
furto da carroça de leite, atribuída a estrangeiros ansiosos pela revolução35. Diante de tal
quadro, podemos afirmar que por vezes a DEOPS/SP era chamada a intermediar conflitos
sociais sem relação com problemas políticos, com a alegação de que uma das partes foi
movida por interesses partidários subversivos em sua conduta. Para Maria Luiza Tucci
Carneiro “tanto o DIP36 quanto o Dops funcionaram como engrenagens reguladoras das
relações entre o Estado e o povo”37. Regina Célia Pedroso frisa que “as deduções que a polícia
fazia acerca da suspeição eram em geral balizadas a partir dos estereótipos atribuídos de
antemão”, chegando até mesmo a fabricar provas para incriminar o suspeito de atividades
subversivas e que, muitas vezes, havia delatores que entregavam um individuo a repressão
como comunista por motivos pessoais, alheias às questões políticas38.
Segundo o prontuário de Avedikian havia uma movimentação política na zona
norte de São Paulo, através de reuniões comunistas na casa de um armênio, comandadas por
um padre não identificado. Embora cerca de cinquenta anos mais tarde o professor negue ser
33 “A vida no Estado armênio da URSS”, em O Estado de São Paulo, domingo, 27 de setembro de 1970 (AHK). 34 Embora Nubar Kerimian, em tom pejorativo, defina o Hentchak enquanto tal, justamente porque os socialdemocratas mantinham diálogo com a Armênia Soviética, algo que a Federação Revolucionária não fazia. Veremos isso mais detalhadamente no capítulo II. KERIMIAN, Nubar (1998). Massacres de Armênios. São Paulo: Comunidade da Igreja Apostólica Armênia, 2ª ed., p. 252. 35 Pront. 3.125 – Nazareth Avedikian. 36 Departamento de Imprensa e Propaganda. 37 CARNEIRO, M. (1999). op. cit., p. 339. 38 PEDROSO, R. (2005). op. cit., pp. 140-142.
19
comunista, declarando ser neutro ante as posições partidárias39, é inegável o engajamento
político de alguns de seus compatriotas. Entretanto, tal engajamento não pode ser visto como
uniforme ou coeso, tendo o comunismo diferentes usos para a diáspora armênia no Brasil.
Em entrevista a um jornal de Londrina – PR em 1983, o também investigado José
Balikian40 afirma que “nosso país [a Armênia] sempre foi muito pobre. Lá, só existiam
escolas primárias. Hoje, com o socialismo, eles tem de tudo”41. A declaração de Balikian pode
envolver um entusiasmo com o comunismo, bem como com a manutenção do território
armênio com fronteiras bem delimitadas e a melhoria da condição de vida da população da
RSS da Armênia se comparada aos tempos otomanos. Nesse sentido, o comunismo e o
nacionalismo armênio são indissociáveis.
Na mesma direção vai o depoimento do ator e político Stepan Nercessian sobre o
seu pai, Garabed. Notório comunista, Garabed desencorajou o filho Stepan a alimentar ódio
ou sentimento de vingança para com os turcos, pois, segundo ele, mais do que armênios, eles
eram comunistas e, o trabalho dos armênios comunistas pelo mundo não era a vingança, mas
sim lutar para que aquelas atrocidades nunca mais aconteçam com a humanidade42. Nessa
declaração, apesar de não versar sobre a RSS da Armênia, Garabed deixa transparecer o papel
do armênio na humanidade, em consonância com a tradição internacionalista do comunismo,
mas sem esquecer a origem ancestral.
Porém, é Levon Yacubian43 um dos casos mais proeminentes dos usos do
comunismo dentro da coletividade armênia em São Paulo. Em artigo escrito ao jornal Ararat
de dezembro de 1949 e janeiro de 1950, Yacubian glorifica Stálin, chamando o líder da URSS
de “melhor dos amigos incondicionais de nossa Pátria [Armênia]” e “patrimônio imortal da
humanidade”44. Nestas falas, percebemos o entusiasmo de Yacubian com o líder soviético,
que para ele é figura crucial para a sobrevivência da Armênia no mundo.
Além de um entusiasta do socialismo enquanto forma de governo ideal para a
Armênia, a postura política defendida pelo autor ataca diretamente a posição da Federação
Revolucionária Armênia, o maior dos partidos políticos armênios na diáspora, que nunca
aceitou o país como uma República Socialista Soviética. Assim, a rixa dos armênios
comunistas com a FRA era oriunda dos rumos que a República da Armênia tomara e as
medidas adotadas na Pátria-Mãe acirravam os ânimos na coletividade paulista.
39 KERIMIAN, N. (1998). op. cit., p. 279. 40 Pront. 98.433 – José Balikian. 41 Jornal Folha de Londrina. 08 de agosto de 1983. Acervo da família Balekian. 42 Depoimento de Stepan Nercessian. Documentário “Chegados: Armênia”. Canal Futura, 2007. 43 Pront. 73.631- Levon Yacubian. 44 ARARAT – a voz do povo armênio. Ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1.
20
Com isso, podemos perceber que o comunismo dos armênios em São Paulo está
longe de ter apenas uma faceta. Para além da ideologia política, o comunismo serviu como
uma importante arma de crítica e oposição no interior da coletividade armênia.
A presente pesquisa justifica-se na carência crônica de obras e trabalhos que
versam sobre a imigração armênia no Brasil. Podemos afirmar com segurança que poucas
pesquisas até o momento tentaram compreender o fenômeno migratório armênio de uma
forma ampla. Há a necessidade de nos debruçarmos sobre documentos nunca antes utilizados
– ou se utilizados, não devidamente aproveitados – como os prontuários da DEOPS/SP para
ampliar as fronteiras da historiografia sobre os armênios no Brasil, a fim de trabalhar uma
série de acontecimentos que nenhum outro corpus documental pôde detectar. A abundância de
prontuários fichando os armênios como “comunistas”, bem como outras fontes disponíveis
em diversas instituições de São Paulo, nos autorizam a dizer que certamente ainda há muito
desta história por contar, do engajamento político dos imigrantes armênios em São Paulo, seja
para transformar a realidade enquanto forasteiros em um país novo, seja para garantir a
manutenção da Pátria-Mãe.
O estudo dos movimentos de esquerda no Brasil é campo inesgotável de temas
originais de pesquisa, além de crucial no cerne da história republicana brasileira. As
esquerdas45, com todas as suas nuances e tendências, atuaram no sentido de promover
mudanças e rupturas na trajetória política nacional, o que as torna peças políticas
fundamentais e objetos de pesquisa em potencial das ciências humanas. As análises desses
atores políticos através dos prontuários da DEOPS/SP “se prestam para compor a memória
coletiva retirando do anonimato cidadãos que, num passado recente, protestaram contra a
desigualdade racial, social e política”46.
Citando Antonio Gramsci, Edward Said acredita ser primordial deixar clara a
“dimensão pessoal” que a pesquisa possa ter47. Durante toda a graduação em História,
realizamos uma série de leituras e pesquisas sobre o genocídio armênio. Paralelamente a isso,
estivemos presentes na coletividade armênia de São Paulo em diversas ocasiões ao longo
45 Quando nos referimos à “esquerda”, estamos de acordo com a definição de Norberto Bobbio na qual “o que faz um movimento de libertação um movimento de esquerda é o fim ou o resultado a que se propõe: a derrubada de um regime despótico fundado na desigualdade entre quem está em cima e quem está embaixo na escala social, percebido como uma ordem injusta, e injusta precisamente porque inigualitária, porque hierarquicamente constituída; e a luta contra uma sociedade na qual existem classes privilegiadas e, portanto, em defesa e pela instauração de uma sociedade de iguais juridicamente, politicamente, socialmente, contra as mais comuns formas de discriminação [...]”.BOBBIO, Norberto (1995). Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 2ª reimpressão, pp. 19-20. 46 CARNEIRO, M. & KOSSOY, B. (2003). op. cit., p. 9. 47 SAID, Edward W. (2007). Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 56-57.
21
destes anos, principalmente nos dias 24 de abril, data em que todos os armênios rememoram
os mortos no genocídio. O que mais nos marcou nessa experiência é que, apesar de terem uma
pauta comum, que é a memória de um genocídio e a luta pelo seu reconhecimento, os
armênios de São Paulo não estão imunes a um afastamento da vida comunitária.
Por diversas vezes, tomamos conhecimento de histórias sobre brigas, dissidências
ou mesmo de certa apatia no seio da coletividade que enfraqueceram ou modificaram
substancialmente através dos anos as instituições e instâncias, inclusive decretando o fim de
algumas delas. Tal realidade nos instigou, pois, é intrigante como um grupo imigrante
relativamente pequeno e concentrado em uma cidade pode ser tão heterogêneo do ponto de
vista político. Ainda que muitos tivessem um sentimento em comum sobre o que era ser
armênio, algumas divergências políticas que existiam mesmo antes da vinda para o Brasil
colocaram pessoas e instituições em posições opostas da coletividade.
Esta pesquisa nasceu após uma série de consultas ao Arquivo Público do Estado
de São Paulo. Fomos até lá para mapear o que existia sobre os armênios, a fim de saber se era
possível iniciar uma pesquisa a partir dos documentos que por ventura lá existissem. Logo no
primeiro dia, encontramos alguns prontuários de armênios “comunistas”, que nas incursões
seguintes se revelaram existir em um número considerável. Mesmo após alguns anos
frequentando alguns espaços na coletividade, não tínhamos conhecimento deste “comunismo
armênio” o qual a DEOPS/SP observou com tanto afinco.
Tal discrepância de informações causou, em um primeiro momento,
estranhamento. Com o andamento da pesquisa, percebemos que os armênios comunistas,
ainda que tivessem alguma expressão dentro da coletividade entre as décadas de 1940-60, não
foram de forma alguma o grupo político mais forte. Com o passar dos anos, como veremos
mais à frente, tal grupo perdeu força até se dissolver, tendo a sua existência permanecido viva
em dois lugares: na memória de todos que viveram aquela época e estiveram em quaisquer
dos lados postos, e nos arquivos da repressão da DEOPS/SP. Ou seja, fazer uma pesquisa
sobre esta fração da coletividade é, em primeiro lugar, revisitar experiências de pessoas que
atuaram politicamente e que por uma série de razões, foram solapadas da memória atual da
coletividade. E mais, a pesquisa revelou que muitas diferenças entre os armênios datam dos
primórdios da organização da coletividade em São Paulo, o que permite observar como foram
criados alguns dos desafios que estão colocados atualmente no cotidiano da coletividade.
Em segundo lugar, refletir sobre os armênios e a repressão da DEOPS/SP é
escrever mais um capítulo de como tal órgão agia com os imigrantes. Uma importante linha
de pesquisa desenvolvida ao longo dos últimos anos logrou êxito ao estudar como diversos
22
grupos étnicos radicados no Brasil foram vigiados e repreendidos pela DEOPS/SP por
“atividades subversivas”. Dezenas de judeus48, lituanos, russos, poloneses49, alemães50,
portugueses51, espanhóis52, dentre outros, tiveram que dar explicações para a Polícia Política
por estarem, supostamente, praticando atividades perigosas para o Brasil. É uma lacuna na
historiografia existente um estudo que se preocupe com a atenção que a DEOPS/SP deu para
os armênios entre as décadas de 1930 e 1960. Dentro dessa delimitação temporal, podemos
perceber no ambiente nacional a radicalização dos atores políticos e, como não podia deixar
de ser, a militância política da comunidade armênio-paulista também chegou ao seu apogeu.
A proximidade que esses imigrantes gostariam de ter com a Pátria-Mãe fez com
que muitos assinassem jornais e frequentassem clubes onde a “armenidade” pudesse ser
vivida. Evidentemente, este tipo de prática por parte de uma comunidade estrangeira não era
bem quista tanto pelos intelectuais autoritários, como pelo governo e burocracia estatal.
Assim, muitos armênios ditos comunistas pela DEOPS/SP na realidade eram apenas pessoas
que assinavam jornais ou que procuravam participar da coletividade. Isso nos leva a outro
objetivo de nosso trabalho: compreender como a DEOPS/SP via esta comunidade sob o
prisma do anticomunismo e do preconceito para com os estrangeiros entre os anos de 1930-
1960.
A literatura já existente sobre a temática tem limitações que nos impossibilitam
eleger um trabalho como obra de referência nos estudos da imigração armênia no Brasil.
Contudo, não será o presente trabalho que se colocará enquanto pedra angular dos estudos
sobre a imigração armênia para o Brasil. Nossos esforços não são no sentido de fazer uma
história social da imigração armênia no Brasil, passando detalhadamente por uma discussão
de números de imigrantes, motivos que levaram a imigração, atividades realizadas pelos
imigrantes, localidades ocupadas no Brasil, etc. Ainda que isso seja indispensável para a
realização da pesquisa, tal sistematização de informações será feita somente com o intuito de
oferecer um panorama desta imigração, a fim de que se torne possível discutir os aspectos
políticos da fração brasileira da diáspora armênia.
48 WIAZOVSKY, T. (2001). op. cit. 49 ZEN, E. (2010). op. cit. 50 DIETRICH, Ana Maria (2007). Caça às Suásticas: o Partido Nazista de São Paulo sob mira da Polícia Política. São Paulo: Imprensa Oficial. 51 HECKER, Alexandre (2009). “A repressão aos imigrantes portugueses em São Paulo: os subversivos e os outros”. In: SOUZA, Fernando, et. alii. Nas Duas Margens: os portugueses no Brasil. Porto, Portugal: Afrontamento/Cepese. 52 NEGRÃO, João Henrique Botteri (2005). Selvagens e Incendiários: o discurso anticomunista do governo Vargas. São Paulo: Laboratório de Estudos sobre Intolerância/Humanitas/FAPESP.
23
Na ausência de um estudo consistente da imigração armênia, lançaremos mão dos
trabalhos de Clark Knownton e Oswaldo Truzzi sobre os sírios e libaneses em São Paulo, pois
ambas as etnias apresentam similaridades com os armênios, tanto antes quanto depois da
imigração para o Brasil53.
Mais recentemente, Pedro Bogossian Porto defendeu uma dissertação de mestrado
em antropologia na Universidade Federal Fluminense que, felizmente, trouxe novas reflexões,
problemáticas e fontes para o estudo dos armênios no Brasil54. Consideramos o trabalho de
Porto, até o momento, o esforço acadêmico mais completo no que diz respeito à temática. Por
meio de inúmeros depoimentos colhidos com descendentes de armênios no Rio de Janeiro e
em São Paulo, além de uma minuciosa observação do cotidiano da coletividade, o autor, em
trabalho intitulado “Construções e reconstruções da identidade armênia no Brasil”, se
preocupa em analisar as diferentes formas de manifestação de uma identidade armênia, seja
através das instituições existentes em São Paulo ou na ausência destas, como no Rio de
Janeiro55. Assim, o papel de tais instituições no cotidiano dos armênios em São Paulo pode
ser utilizado aqui para compreender melhor o funcionamento destas, a fim de enriquecer as
análises sobre tais espaços na coletividade paulistana.
Não era o propósito de Porto refletir sobre as nuances políticas dos armênios no
Brasil, ainda que isso apareça tangencialmente nos depoimentos colhidos pelo autor e em
alguns trechos de sua obra. Por isso, acreditamos que a pesquisa aqui realizada e o trabalho
supracitado são complementares para o entendimento dos armênios no Brasil, principalmente
em São Paulo.
Antes dos esforços de Pedro Bogossian Porto, os trabalhos mais consistentes que
tínhamos sobre os armênios no Brasil eram “Negócios e famílias” de Roberto Grün56 e “Os
sobreviventes do Genocídio” de Hagop Kechichian57.
53 KNOWLTON, Clark (1960). Sírios e Libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo: Anhambi; TRUZZI, Oswaldo (2009). Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: UNESP, 2ª edição ampliada. 54 PORTO, Pedro Bogossian (2011). Construções e Reconstruções da Identidade Armênia no Brasil. Rio de Janeiro: dissertação de mestrado em Antropologia, ICHF/UFF. 55 A ausência de instituições no Rio de Janeiro pode ser observada através do informativo Massis, autodefinido como uma “circular autônoma mensal de cultura e notícias armênias do Rio de Janeiro”. No editorial de um número de junho de 2001, há queixas contundentes sobre a falta de instituições armênias na capital fluminense. O jornal, único órgão que desempenha tal papel, ao se aproximar do seu sétimo ano de existência, expressa o receio de não continuar suas atividades por falta de apoio dos patrícios. Massis. Rio de Janeiro: Ano V, nº 45, junho de 2001, p. 1. 56 GRÜN, R. (1992). op. cit. 57 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit. Embora alguns poucos trabalhos estudem secundariamente a imigração armênia, como as teses de doutoramento de Sônia Maria de Freitas e o trabalho de Márcio Mendes da Luz. FREITAS, Sônia Maria de (2001). Falam os Imigrantes: memória e diversidade cultural em São Paulo. São Paulo: Tese de doutorado em História Social, FFCHL/USP; LUZ, Márcio Mendes da (2011). “Ararat, Hermon e Sion paulistanos”. In: HECKER, Alexandre & MARTINS, Ismênia [org.]. E/Imigração: histórias, culturas,
24
O trabalho de Grün, datado de 1992, foi pioneiro no estudo da imigração armênia
para o Brasil58, se pensarmos em uma pesquisa com um pouco mais de profundidade se
comparado aos poucos artigos que tínhamos até então59. Entretanto, o estudo não esgota a
temática, permitindo novas incursões dos historiadores. Todavia, é um trabalho louvável se
pensarmos que foi vanguarda neste campo e feito por um indivíduo externo à comunidade
armênia, o que dificulta a inserção no objeto de estudo. A explanação que Grün faz sobre a
inserção da segunda e terceira geração de armênios na sociedade e, principalmente, nas
universidades brasileiras é certamente o ponto alto de sua análise60.
Hagop Kechichian, por sua vez, tem o mérito de ser o único armênio-brasileiro
doutor em História ativo na coletividade armênia de São Paulo. Fato que ganha ainda mais
peso se lembrarmos que sua tese foi sobre as origens e o estabelecimento da comunidade na
qual ele está inserido. O pertencimento de Kechichian ao seio da coletividade abriu-lhe portas
para conseguir depoimentos, fotografias, documentos e outras informações que ele pôde usar
para realizar sua pesquisa61. A tese de Kechichian serve como ponto de partida para outras
pesquisas, na medida em que seus capítulos curtos, que podem ser lidos independentemente
da ordem numérica, não encerram as discussões propostas, mas ensejam novas incursões nas
fontes a fim de complementá-las. Os esforços do autor em enumerar alguns chefes de família
armênios e suas respectivas profissões, por exemplo, pode ser um ponto de partida
interessante para o estudo da coletividade, uma vez que podemos assim procurar determinado
indivíduo apontado por Kechichian em arquivos, revistas e jornais da época pelo nome,
mapeando com maior facilidade a vida de cada personagem e inserindo-os assim no contexto
da pesquisa.
Entre Roberto Grün e Hagop Kechichian estabelecem-se poucas semelhanças.
Enquanto Grün puxa a parte teórica de seu estudo para a sociologia, baseando-se quase que
fundamentalmente em entrevistas feitas na coletividade, Kechichian não define um aporte
trajetórias. São Paulo: Expressão e arte. Sueli Martini também realizou um importante trabalho sobre a imigração armênia, porém, restrito a cidade de Osasco. MARTINI, Sueli (2004). IAN - Sufixo da Identidade: presença da comunidade armênia no processo de urbanização de Osasco. São Paulo: dissertação de mestrado em História pela PUC-SP. 58 Excluindo obviamente, a monumental obra do padre Yeznig Vartanian, também fichado pela DEOPS/SP – pront. 98.399 – tido como colaborador do jornal comunista Ararat, sobre a colônia brasileira, escrita em armênio. VARTANIAN, Yeznig (1948). Brazilioh Hay Kaghuthë: Badmagan Degheguthiunner ev Jamanagakruthiun 1860-ên Mintchev 1947-i Vertchë. Buenos Aires: Siphan. [em armênio]. 59 KECHICHIAN, Hagop (1983). “Imigração armênia no Brasil”. In: Jornal do Imigrante. São Paulo: ano V, nº 58, janeiro/fevereiro de 1983; KEROUZIAN, Yessai Ohannes. (1983). “Sinopse sobre a colônia armênia do Brasil: da imigração à atualidade”. In: Jornal do Imigrante. São Paulo: ano V, nº 58, janeiro/fevereiro de 1983, p. 14 (AHK). 60 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 62. 61 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit.
25
teórico. Entretanto, esse último possui uma vasta bibliografia específica da história dos
armênios e também do fenômeno migratório, o que falta a Grün. Talvez pelo fato de ter sido
nascido e criado no seio da coletividade armênia em São Paulo, esse autor conseguiu mais
documentos escritos e iconográficos que são escassos em Grün e são essas suas principais
fontes de trabalho. Sobre os aspectos políticos da comunidade armênia no Brasil, Roberto
Grün pouco acrescenta, enquanto Kechichian os menciona rapidamente, embora não haja um
acúmulo que permita ao autor repassar ao leitor informações precisas sobre as agremiações
políticas62.
Outros trabalhos também merecem atenção, ainda que não versem exclusivamente
sobre a imigração armênia: Aharon Sapsezian e Nubar Kerimian63. Sapsezian destina dois
capítulos de sua obra “História Sucinta e Atualizada da Armênia” à diáspora, sendo um deles
direcionado especificamente à comunidade brasileira. Embora seja uma análise pertinente, é
baseada exclusivamente na vivência do autor no seio da coletividade armênia no Brasil,
carecendo assim de empiricidade segundo os métodos acadêmicos64.
O trabalho de Nubar Kerimian, por sua vez, requer bastante atenção ao ser
analisado. Com poucas informações escritas pelo autor, o livro é mais uma compilação de
informações sobre a Armênia e o Genocídio do que propriamente uma obra autoral. Com
diversas declarações de aliados políticos dos armênios na época, o trabalho de Kerimian tem o
intuito de ser um subsídio para o lobby pró-Causa Armênia ao invés de lançar luzes sobre um
assunto específico. É sabido que após a grande diáspora armênia oriunda do genocídio de
1915-1923, as comunidades armênias ao redor do mundo, depois de estabilizadas social e
economicamente, começaram a se preocupar em ter o seu genocídio reconhecido
mundialmente, com uma dupla função: fazer justiça ao 1,5 milhão de armênios mortos, bem
como pleitear os territórios históricos da Armênia. Começou-se assim um movimento
intelectual para fomentar os debates e alicerçar os argumentos dos armênios, que visavam
sensibilizar políticos e opinião pública brasileira para o genocídio que motivou a vinda deste
povo para o país. É nesse contexto que estão inseridas diversas traduções e publicações sobre
a história dos armênios e do Genocídio, assim como a obra de Nubar Kerimian. Entretanto, o
trabalho do autor não nos será útil além do seguinte ponto: nos mostrar algumas
movimentações políticas e sociais de uma fração da coletividade – os correligionários da
Federação Revolucionária Armênia.
62 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., pp. 98-104. 63 KERIMIAN, N. (1998). op. cit. 64 SAPSEZIAN, Aharon. (2010). História Sucinta e Atualizada da Armênia. São Paulo: Emblema.
26
Nenhuma das obras
citadas faz qualquer tipo de
menção a armênios comunistas
no Brasil e suas atividades, o
que nos revela que a própria
coletividade por meio de seus
intelectuais fez uma clara
escolha ao não escrever sobre o
grupo político que definimos
como objeto de estudo. Cabe ao nosso trabalho apurar quais foram os motivos para a tomada
de tal escolha e, assim, avançar mais um capítulo na historiografia da imigração armênia no
Brasil e dos imigrantes rotulados como comunistas pela repressão entre os anos de 1930-
1960.
Pudemos averiguar a riqueza documental existente no Fundo DEOPS/SP e a
importância deste acervo para o estudo da imigração armênia no Brasil. Segundo nossos
levantamentos, existem 411 prontuários de armênios divididos nas mais diversas
nacionalidades, sendo que destes 139 – cerca de um terço do total – tem como atividade
descrita o comunismo. Para cotejar esses números, vejamos os portugueses: segundo povo
imigrante mais numeroso no Brasil, 5.371 indivíduos foram fichados pela DEOPS/SP, sendo
que em 174 casos os portugueses foram enquadrados como “comunistas”65. Isto é, ainda que o
número de imigrantes portugueses fichados seja treze vezes maior do que o número de
armênios, percentualmente, os comunistas armênios são mais expressivos que os portugueses.
A metodologia utilizada para identificar os prontuários de armênios no Fundo
DEOPS/SP do APESP foi a observância do sufixo ian ou yan nos sobrenomes dos
prontuariados. Tal partícula, característica dos nomes armênios, nos permitiu contornar o
problema dos registros em diversas nacionalidades daqueles armênios que saíram do interior
do Império Otomano. Esse método de identificação de armênios nos registros oficiais também
foi utilizado pela pesquisadora Nélida Elena Boulgourdjian, segundo Kim Hekimian, ao
procurar fazer uma contagem dos armênios que entraram na Argentina no começo do século
XX66. Embora a própria autora reconheça que tal método pode ter uma grande margem de
erro – no caso dos armênios na Argentina, 37% dos imigrantes não possuíam ian no
65 HECKER, A. (2009). op. cit., pp. 126-132. 66 HEKIMIAN, Kim. (1990). “Armenian immigration to Argentina: 1909-1938”. In: Armenian Review. Volume 43, n. 1/169, p. 90.
Sem informações
(272)
66%
Comunista (139) 34%
Figura 1: Gráfico referente às categorias nas quais os armênios estão enquadrados. Fonte: Fundo DEOPS/SP – APESP.
27
sobrenome – essa é a única maneira viável para identificarmos os nossos objetos de estudo em
meio a milhares de registros.
Argentina; 1 Armana; 2 Armena; 27
Armênia; 8
Brasileira; 75
Francesa;
2
Grega; 1
Iraniana; 2
Israelita; 2
Libanesa; 19
Pessoa
jurídica; 10
Persa; 1Romena; 1
Sem nacionalidade;
210
Síria; 23
Turca; 21
Figura 2: Gráfico que indica as nacionalidades dos armênios fichados pela Polícia Política. Fonte: Fundo DEOPS/SP-APESP.
No que tange às fontes utilizadas, principalmente – embora não exclusivamente – os
prontuários da DEOPS/SP, as analisaremos cientes de que os prontuários policiais, muito
além de registrarem, ficham determinado indivíduo como inimigo da nação, reunindo para
isto documentos que sirvam como prova para incriminar o sujeito67. Ana Maria Dietrich
chama atenção para que os documentos reunidos como evidências de um crime são filtrados
pela Polícia Política, necessitando assim de cuidado redobrado do historiador ao analisar esta
construção feita pela repressão a fim de produzir um discurso e criar uma memória
particular68. Luiz Edmundo Moreas69 nos alerta para o perigo da massa documental aqui
utilizada como fonte principal, pois se for descuidado:
o historiador corre sério risco de transformar em conhecimento o erro involuntário ou mesmo proposital dos agentes repressivos, ou seja, aquilo que o preconceito e o interesse da instituição policial e do Estado Autoritário produziram como informação70.
67 DIETRICH, A. (2007). op. cit., p. 31. 68 Ibid., p. 32. 69 Em prefácio ao trabalho de Dietrich. 70 Ibid., p. 22.
28
Eric Godliauskas Zen frisa a importância que os prontuários da DEOPS/SP têm para a escrita
de uma história dos vencidos, uma vez que a repressão, ao reunir documentos supostamente
subversivos, preservou substancialmente a memória e a história dos dissidentes do regime
vigente71. Carlo Guinzburg destaca a natureza indireta de tais fontes: são escritas por
indivíduos ligados ao que o autor chama de uma cultura dominante, ou seja, as ações dos
indivíduos vigiados e reprimidos chegam até nós através de filtros que as deformam72.
Entretanto, por vezes, são apenas essas fontes que os historiadores têm para trabalhar um
determinado assunto. Assim sendo, temos que trabalhá-las cientes dos riscos que corremos.
Atentos a isso, poderemos analisar com sobriedade os prontuários da DEOPS/SP
que rotulam os armênios como comunistas e entender o porquê destes serem fichados
enquanto tais. Para isso, usaremos a própria retórica da repressão, contida no interior do
prontuário, cruzada com informações externas à DEOPS/SP e próprias da comunidade, como
por exemplo, jornais e revistas. Dessa forma, pretendemos escapar das armadilhas colocadas
pela DEOPS/SP e despir as fontes da construção feita pela repressão a fim de incriminar
determinado indivíduo como um subversivo inimigo do país.
Ao nos referirmos a jornais e revistas, temos em mente principalmente o jornal
“Ararat – a voz do povo armênio” 73. De caráter soviético-comunista74, o jornal se enquadra no
que Boris Kossoy chamou de “jornalismo revolucionário ilustrado”75 e é fonte rica para
entendermos a ação dos armênios “comunistas” em São Paulo. Também coletado como prova
para indiciar armênios subversivos, pretendemos usar o Ararat contido em prontuários da
DEOPS/SP como fontes para recuperação das ideias políticas que corriam na comunidade
armênio-paulista. Assim, a leitura dos jornais, a identificação de seus colaboradores, dos
autores e de seu público-alvo é indispensável para dar mais um importante passo no nosso
mapeamento das ideias comunistas na coletividade.
Em determinados momentos deste trabalho, os prontuários do Fundo DEOPS/SP e
as publicações da coletividade armênia de São Paulo não serão suficientes para montar um
determinado quadro, principalmente sobre a trajetória individual de alguns militantes
armênios. Para evitar essa lacuna e sem nenhuma pretensão de fazer uma história oral dos
71 ZEN, Erick Reis Godliauskas (2005). O Germe da Revolução: a comunidade lituana sob a vigilância do DEOPS. São Paulo: Laboratório de Estudos sobre a Intolerância/Humanitas/FAPESP, pp. 17-18. 72 GUINZBURG, Carlo (1991). O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, p. 18. 73 Outras publicações também serão usadas para complementar alguns aspectos da pesquisa. Entretanto, apenas o Ararat e a revista Armênia foram recolhidas pela Polícia Política. 74 CARNEIRO, M. & KOSSOY, B. (2003). op. cit., p. 114. 75 KOSSOY, Boris (2003). “O jornalismo revolucionário ilustrado” In: CARNEIRO, M. & KOSSOY, B. op. cit., p. 11.
29
armênios na capital paulista, lançaremos mão de alguns depoimentos orais colhidos de forma
pontual durante a pesquisa.
Com o intuito de cumprir os objetivos aqui definidos, dividiremos o presente
trabalho da seguinte forma: no capítulo I, discorreremos de forma panorâmica sobre o
Genocídio Armênio, principal motivo da saída dos armênios de seus territórios e a Diáspora
que se formou em direção ao ocidente. Também fará parte deste capítulo a chegada destes ao
Brasil e suas primeiras formas de organização no país. No capítulo II, a discussão caminhará
no sentido de compreender como funcionou o mundo da política para os armênios no Império
Otomano e na diáspora, principalmente em São Paulo. Assim, pretendemos deixar claro o
contexto político com o qual estamos dialogando na presente análise. O capítulo III destinar-
se-á a compreender o funcionamento da DEOPS/SP e como foram as primeiras incursões
deste órgão na coletividade armênia de São Paulo. No capítulo IV, dissertaremos sobre as
trajetórias de Jacob Bazarian e Levon Yacubian à frente do jornal Ararat – a voz do povo
armênio. Interessará aqui compreender principalmente o modus operandi da repressão sobre
essa coletividade e quais eram as estratégias dos armênios para manifestar as suas opiniões
sobre a política na Pátria-Mãe. Nas considerações finais, refletiremos sobre as discussões
feitas ao longo do texto, a fim de propor algumas interpretações da situação sociopolítica dos
armênios em São Paulo.
30
CAPÍTULO I - Mascates, sapateiros e empresários: um estudo da imigração armênia em São Paulo
O movimento de imigração dos armênios para São Paulo está inserido em um
fenômeno mais amplo identificado como a diáspora armênia. Ainda que grandes movimentos
migratórios tenham como razão, na maioria das vezes, a busca por melhores condições de
sobrevivência, o genocídio armênio inaugurou no século XX a fuga de um povo ante
condições objetivas que determinavam o seu extermínio.
Para Stuart Hall, uma diáspora pressupõe uma fronteira de exclusão e a
construção de um “outro” que opõe quem está dentro e quem está fora de uma determinada
fronteira cultural76. Assim foi construída a diáspora armênia, que uniu milhões de armênios ao
redor do mundo em torno de um ser armênio refugiado por conta da catástrofe. Ao mesmo
tempo, a diáspora separou milhares de armênios que antes viviam juntos em vilas e cidades
otomanas em diversos países diferentes.
Uma diáspora criada a partir da expressão máxima da violência – o genocídio –
possui traços peculiares. Ao intencionar o extermínio completo de um povo, a ação genocida
persegue e destrói uma série de elementos culturais – religião, música, literatura, dança,
idioma, bens materiais etc. – que dificilmente são reconstruídos. Nesse sentido, a ação do
governo otomano em 24 de abril de 1915, que prendeu e matou os membros da intelligentsia
armênia do Império Otomano77, revalida a tese que é no campo da cultura, no qual a
hegemonia turca foi imposta, que as transformações e lutas são operadas78.
Quando emigraram, os armênios levaram consigo uma carga cultural
incomensurável para os países que os receberam. E reconstruíram, de certa forma, em
diferentes pontos do globo, as estruturas que tinham nas cidades e aldeias nas quais eles
residiam no Império Otomano. Entretanto, tal processo de identidades na diáspora não se dá
sem o contato com a diferença, marcada pela cultura dos países receptores. Na Diáspora, “as
identidades se tornam múltiplas”79 e, ao mesmo tempo em que os armênios continuam a
serem-no, eles absorvem elementos dos países onde residem, resultando em um híbrido, um
76 HALL, Stuart (2009). Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 1ª edição atualizada, pp. 32-33. 77 BALAKIAN, Peter (2004). The Burning Tigris: the Armenian Genocide and America’s response. Nova York: Harper Perennial, pp. 211 e 216. 78 WILLIAMS, Raymond (1979). Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores, p. 113. 79 HALL, S. (2009). op. cit., p. 26.
31
processo no qual duas ou mais culturas entram em choque e criam algo novo80. É isso que nos
importa no presente trabalho: compreender como a comunidade armênia de São Paulo,
inserida na dinâmica desta cidade, continuou a desenvolver suas atividades na diáspora e
criou uma série de outras estratégias e trajetórias inéditas que só foram possíveis graças ao
resultado do choque das diferentes culturas no mesmo local.
Segundo o historiador Alexandre Hecker,
Os estudos sobre a história da e/imigração merecem toda a atenção dos estudiosos neste início do século XXI. Por um lado, promovem o entendimento de processos históricos que se encontram na base do desenvolvimento de sociedades tão ativas, multifacetadas e problemáticas como a que se formou no estado de São Paulo. Por outro, são obrigados a levar em consideração preocupações que gravam o mundo contemporâneo. Se toda a história é sempre história contemporânea, os estudos sobre imigração o são de forma ainda mais presente, já que recolocam temas e críticas cuja inter-relação do passado com o presente é intrínseca81.
Se os estudos sobre imigração são por si só um tema sempre contemporâneo, isso
se torna muito mais evidente no caso da imigração armênia constituída enquanto diáspora,
consequência direta de um genocídio ainda negado pelos seus perpetradores. Para
compreender esse movimento de pessoas, tentaremos apreender qual foi o processo de saída
dos armênios dos territórios que ocupavam historicamente no Império Otomano, até a
chegada ao Brasil. Uma vez nesse país, importa a forma como eles se inseriram na economia
e sociedade paulista.
No âmbito do estudo dos armênios em São Paulo, lançaremos mão do estudo de
Oswaldo Truzzi sobre os sírios e libaneses na cidade82, uma vez que tais etnias também
compõem os casos de imigração majoritariamente urbana, e ambos os povos ocuparam os
mesmos nichos sócio-econômicos que os armênios. Ademais, como veremos adiante, muitos
armênios fugiram das suas aldeias no Império Otomano e rumaram para cidades na Síria e,
posteriormente, Líbano, o que os dota ainda mais de elementos que os fazem se assemelhar
com os grupos étnicos receptores em ambos os países. O trabalho de Clark Knowlton, por sua
vez, traz mais informações sobre os armênios do que o de Truzzi, por ter sido realizado na
década de 1950, ou seja, quando ainda era possível perceber melhor a proximidade de
armênios, sírios e libaneses em São Paulo83.
80 GLISSANT, Édouard (2005). Introdução a uma Poética da Diversidade. Juiz de Fora: Edufjf, pp. 17-18. 81 HECKER, Alexandre. “A repressão aos imigrantes portugueses em São Paulo: os subversivos e os outros”. In: SOUZA, Fernando, et. alii. (2009). Nas Duas Margens: os portugueses no Brasil. Porto, Portugal: Afrontamento/CEPESE, p. 121. 82 TRUZZI, O. (2009). op. cit. 83 KNOWLTON, Clark (1960). Sírios e Libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo: Anhambi.
32
Ao observarmos o caso dos sírios e libaneses para traçarmos em paralelo a
história social dos armênios em São Paulo, tentamos resolver de uma forma objetiva a
carência de bibliografia específica para o caso dos armênios, o que nos força a recorrer a um
estudo referente a outro grupo étnico, mas que, de forma geral, joga luzes também sobre o
povo aqui analisado.
Para entender a trajetória específica de alguns armênios, bem como o amplo
movimento que a comunidade fez em torno do negócio de calçados, analisaremos alguns
periódicos de circulação restrita da coletividade, principalmente a “Revista Armênia”.
Idealizada e coordenada em 1967 por Jacob Bazarian, filósofo formado pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo e doutor pela Academia de Ciências da União
Soviética84, a revista não tem um caráter tão militante como outras publicações que ele
mesmo dirigiu, como o jornal Ararat – a voz do povo armênio, sendo mais um veículo de
difusão da história e cultura armênia, bem como das atividades e negócios dos membros da
comunidade armênio-brasileira. Assim, a observação de seus anúncios e publicidades é um
exercício valioso para compreender melhor o desenvolvimento dos negócios armênios em São
Paulo.
4.1 Genocídio e Diáspora: fim e recomeço
Primeiro genocídio do século XX, a perseguição sistemática de armênios no
interior do Império Otomano, planejada e executada pelo governo controlado pelo Comitê
União e Progresso – facção turca chauvinista –, causou um impacto muito maior do que o
contido ao analisarmos a cifra inimaginável de 1,5 milhão de mortos. O genocídio se perpetua
no imaginário social de ambas as partes. No caso dos armênios, segundo Pedro Bogossian
Porto, o extermínio em larga escala iniciado em 1915 constitui em “mito fundador” destes
indivíduos na diáspora85. É a partir do genocídio que os armênios resignificam toda a sua
história e a reproduzem recheadas de valores que seriam inerentes ao ser armênio e que teriam
aflorado durante as persecuções genocidas entre 1915-1923. Entretanto, pensar em um
genocídio como um marco fundatório é algo curioso. Segundo Glissant, ter um “mito
fundador” valorizado é uma característica de sociedades “atávicas”, isto é, que possuem ou
intentam possuir uma identidade de “raiz única”, excludente de outras raízes que estão ao seu
84 BAZARIAN, Jacob (1973). Mito e Realidade sobre a União Soviética: análise imparcial do regime soviético por um ex-membro do Partido Comunista. São Paulo: Record, 2ª edição revista e ampliada. 85 PORTO, P. (2011). op. cit., p. 15.
33
redor86. Para o autor martinicano, é justamente a valorização da raiz única que causa
genocídios, ao rotular quem é o “eu” e quem é o “outro” e identificá-lo muitas vezes como
inimigo87. Nesse sentido, embora tenha sido grupo-alvo de um genocídio causado em grande
parte pelo fortalecimento do discurso nacionalista turco e, consequentemente, do
fortalecimento da raiz deste povo em detrimento dos demais, principalmente dos armênios,
estes últimos, face aos efeitos da intolerância, definiram como estratégia de sobrevivência de
sua cultura a continuidade da diferença do “nós somos armênios”88 versus “eles são turcos”.
Em suma, a experiência do Genocídio, para Pedro Bogossian Porto, foi um marco importante
para a formulação da pertença armênia a uma nação diferente daquela otomana, na qual viveu
durante séculos89.
A necessidade da sobrevivência obrigou os armênios a empregarem diferentes
estratégias. A apostasia – e a consequente “turquificação” – foi a saída para muitos.
Converter-se ao islamismo parecia o mal menor ante a iminência da morte. Contudo, foi a
fuga para outros países a principal chance de sobrevivência que tinham os armênios
perseguidos no interior das fronteiras do Império Otomano. Vilas e cidades no que hoje
corresponde à Síria, Líbano, Palestina e Egito receberam milhares de armênios que formaram
por lá dinâmicas comunidades. No Líbano e Síria, foram criadas diversas instituições,
principalmente por missões humanitárias oriundas da Europa e EUA, para auxiliar na
recepção destes emigrantes90. Pouco a pouco os armênios foram se estabilizando nesta
primeira fase da diáspora, reconstruindo famílias, negócios e a sociedade, como as Igrejas e as
agremiações políticas.
86 GLISSANT, E. (2005). op. cit., pp. 74-75. 87 Ibid., p. 107. 88 Sem que isso necessariamente tenha acarretado uma homogeneidade deste “nós”. 89 PORTO, P. (2011). op. cit., p. 27. 90 MIGLIORINO, Nicola (2008). (Re)constructing Armenia in Lebanon and Syria: ethno-cultural diversity and the state in the aftermath of a refugee crisis. Nova York e Oxford: Berghahn Books.
34
Todavia, para um grande número de armênios, o Oriente Médio não era o destino
final. Muitos embarcaram em navios europeus rumo ao ocidente. O porto de Marselha, no sul
da França, foi a principal entrada de armênios na Europa91, que desenvolveram na própria
cidade portuária uma importante coletividade, assim como em outras cidades da França. Mas
também foi nas cidades francesas que muitos armênios cogitaram a possibilidade de continuar
a viagem, rumo à América.
Para muitos emigrantes, fossem armênios, sírios ou libaneses, não era claro o que
seria a América. Muitos relacionavam tal nome com os EUA, local de origem das missões
protestantes que se instalaram no Oriente Médio nas primeiras décadas do século XX e era
para lá que desejavam ir, ainda que outras circunstâncias os tenham enviado para o sul92.
Outros compreendiam que o termo designava algo mais amplo e complexo, porém, muitos
não tinham certeza em que porto da América desembarcariam após tomar o navio em
91 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 31. Ressaltamos também a importância de portos como os de Liverpool, Gênova, Nápoles, Trieste e Amsterdã. HEKIMIAN, Kim. (1990). op. cit., p. 91. 92 TRUZZI, O. (2009). op. cit., pp. 47-48.
Figura 3: Rotas de deportação de armênios das principais cidades do Império Otomano para o Oriente Médio. Fonte: Massis Post. Disponível em <http://massispost.com/?p=108>, acesso em 19/03/2012
35
Marselha. O certo é que o Brasil não era o destino preferencial dos armênios, sobreviventes
do Genocídio, que partiram do Oriente Médio e Europa rumo à América. Isso pode ser
claramente visualizado através dos dados da diáspora armênia pelo mundo:
País Armênios
Rússia 2.250.000
EUA 1.400.000
França 450.000
Líbano 234.000
Ucrânia 150.000
Síria 150.000
Argentina 130.000
Polônia 92.000
Turquia 80.000
Irã 80.000
Canadá 80.000
Uzbequistão 70.000
Austrália 59.400
Alemanha 42.000
Brasil 40.000
Uruguai 19.000
Venezuela 2.500
Chile 1.000
Honduras 900
México 500
Figura 4: Diáspora armênia. Fonte: ARMENIA 2020: Diaspora-Homeland issue paper (2003). Yerevan, Armênia: Arak-29 Foundation, pp. 3-4.
Ainda que tais números sejam controversos, é possível compreender claramente a
dimensão da diáspora no mundo e a sua distribuição. O Brasil não figura como um dos
principais destinos dos armênios no mundo. Ainda que tenha um número mais expressivo de
armênios do que outros países americanos, os 40 mil armênios no Brasil93 ficam muito aquém
dos 130 mil residentes na vizinha Argentina ou dos quase 1,5 milhão na poderosa diáspora
norte-americana.
93 Embora a publicação armênia contabilize 40 mil armênios no Brasil, o número mais recorrentemente citado é entre 20 e 25 mil. GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 17; KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 66; SAPSEZIAN, A. (2010), op. cit., p. 288; MADOYAN, Marc (2007). Arméniens en Amerique du Sud: immigration, insertion et structures communautaires a Buenos Aires, São Paulo et Montevideo. Paris: Université Paris X, Départament de Sociologie, Mémoire de Master 2, pp. 48-49.
36
Não há um número exato de quantos armênios emigraram para o Brasil. Roberto
Grün refere-se a algo em torno de 20 a 25 mil armênios, número este que é reproduzido por
Hagop Kechichian94. Aharon Sapsezian não ousa fazer uma estimativa precisa, mas nos revela
acreditar que haja cerca de 50 mil armênios somando principalmente Brasil e Uruguai, mas
também no Chile, Venezuela e México95. Entretanto, em reedição de seu trabalho, Sapsezian
também adere ao número de 25 mil96. O documentário televisivo “Chegados: Armênia”, de
2007, por sua vez, estima em 40 mil o número de armênios no Brasil atualmente97,
contabilizando assim os descendentes. A mesma cifra é utilizada por Pedro Bogossian Porto98.
Consonante com estas estimativas está o trabalho de Giralda Seyferth, no qual os armênios
não figuram na lista de etnias que continham mais de 100 mil indivíduos no Brasil no século
XX99, embora algumas fontes na coletividade superestimem o tamanho para além desta
cifra100.
Seja nos EUA, Canadá, Argentina ou Brasil, os armênios conseguiram se
estabelecer e criar comunidades, com diferentes trajetórias de país para país, mas com
instituições e traços em comum por todo o mundo. É isso que nos importa aqui: as estratégias
e trajetórias dos armênios para sobreviverem e se desenvolverem socioeconomicamente em
São Paulo.
A primeira característica a se observar na imigração desse povo para o Brasil é
que da mesma forma que judeus, sírios e libaneses, a imigração armênia foi
predominantemente urbana. Embora tenha havido uma experiência rural, com a vinda de
algumas famílias com destino às fazendas de café no interior do estado de São Paulo, a
tentativa não logrou êxito, sendo tais indivíduos levados para a capital pouco depois101.
Roberto Grün destaca o caráter urbano dos armênios, destacando que a grande maioria destes
imigrantes no Brasil se instalou nas cidades de São Paulo e Osasco102. Os que foram para essa
última, na época ainda como distrito Presidente Altino, desenvolveram a criação de gado
94 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 17; KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 66. 95 Para a imigração de armênios no México, cf. ANTARAMIAN, Carlos (2009). “La Merced, mercado y refugio. El caso Armenio”. In: ISTOR. Cidade do México: División de Historia del Centro de Investigación y Docencia Económicas (CIDE), pp. 106-140; SAPSEZIAN, A. (1988). op. cit., p. 166. 96 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 288. 97 O documentário pode ser assistido em formato não-oficial no website YouTube: <http://www.youtube.com/watch?v=D2q-EwXKRic> acesso em 09/03/2010. 98 PORTO, P. (2011). op. cit., p. 52. 99. Os armênios são tidos pela autora como uma etnia pouco expressiva estatisticamente. SEYFERTH, G. (1999). op. cit., p. 202. 100 O Conselho Nacional Armênio em São Paulo estima entre 70 e 100 mil o número de armênios no país. FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo: segunda-feira, 26 de março de 2012, p. A3. 101 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., pp. 49-50. 102 GRÜN, R. (1992). op. cit., pp. 22-23.
37
leiteiro para o trabalho com os derivados do leite, mas tão logo Osasco se urbanizou, os
armênios daquela região também procuraram se inserir em ramos tipicamente urbanos, como
a confecção e o comércio de sapatos103.
A imagem dos “armênios sapateiros” está enraizada na coletividade. Ainda
segundo Roberto Grün, um comerciante de sapatos descendente de armênios estima que 50%
do comércio varejista de calçados de São Paulo estejam sob controle de membros deste
povo104. Sebastião Burbulham, descendente de armênios e presidente do Sindicato de
Indústrias de Calçados no Estado de São Paulo por seis anos, estimava que 60% da produção
de calçados estivessem nas mãos de armênios no ano de 1967105. Para Marçal Rizzo, foi um
armênio – Avak Bodouian – o pioneiro na fabricação de sapatos no polo de calçados infantis
de Birigui, interior do estado106. Mesmo em Campo Grande, os armênios viam a si mesmos
como detentores do monopólio do comércio calçadista na capital sul-mato-grossense107.
É fato que existe uma sobrerrepresentação de imigrantes armênios nos negócios
ligados aos calçados. Isso pode ser facilmente percebido numa análise rápida de publicações
da coletividade. Na publicação comemorativa aos dez anos da Sociedade Recreativa Marachá,
datada de 1957, há nada menos do que 39 anúncios de fábricas e lojas de calçados, ocupando
mais da metade da brochura108. Dez anos depois, a publicação de vinte anos da Marachá, por
sua vez, traz 22 anúncios ligados ao ramo calçadista, além de inúmeras outras propagandas de
armarinhos, tecidos, dentre outros109. Tal prática se tornou uma tradição para os armênios de
São Paulo e assim permanece até hoje. Sônia Maria de Freitas já havia atentado para este fato
em sua tese de doutorado. Analisando um calendário armênio de 1941110, ela percebeu que
50% dos 48 anunciantes da publicação estavam ligados aos calçados111.
É evidente que a coletividade armênia em São Paulo não tinha tamanho o
suficiente para absorver toda a produção de sapatos de seus conterrâneos. Logo, a propaganda
103 MARTINI, S. (2004). op. cit., p. 76. 104 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 9. 105 Revista ARMÊNIA . São Paulo: outubro de 1967, ano I, nº 3, p. 24. 106 RIZZO, Marçal Rogério (2005). A Evolução da Indústria Calçadista de Birigui: um estudo sobre a capital brasileira do calçado infantil. Birigui, São Paulo: Boeral Editora, p. 20. 107 ARCA – revista do Arquivo Histórico de Campo Grande (1992): “Emigração: de como árabes e armênios se instalaram em Campo Grande”. Campo Grande: Arquivo Histórico de Campo Grande, nº 3, p. 6. 108 SOCIEDADE RECREATIVA MARACHÁ. 10º aniversário de grandes realizações. São Paulo: 15 de novembro de 1957 (AHK). 109 SOCIEDADE RECREATIVA MARACHÁ: 20 anos a serviço da cultura e do progresso dos marachtsi da coletividade armênia do Brasil. São Paulo: 15 de novembro de 1967 (AHK). 110 Impresso por Garabed Amiralian, responsável pela primeira tipografia capaz de imprimir em caracteres armênios em São Paulo. Em um dos números do jornal Ararat, é possível ver um anúncio dos serviços da família Amiralian neste ramo. ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo, ano IV, nº 37-38, outubro-novembro de 1949, p. 3. 111 FREITAS, S. (2001). op. cit., p. 94.
38
nas publicações de circulação restrita aos armênios não tinha como finalidade aumentar as
vendas dos produtos fabricados e comercializados por eles. Anunciar a loja, os produtos e o
nome da família nas páginas das publicações era uma forma de angariar prestígio e status no
seio da comunidade. A prática corroborava que aquele imigrante conseguiu vencer, após
sobreviver a um genocídio, o cotidiano em terras estranhas e a chegada ao Brasil, sem
conhecer os costumes e a língua do país.
Contudo, há muito que pensar entre a fuga do Império Otomano e a presença no
comércio calçadista na cidade de São Paulo. É sobre isso que nos iremos debruçar a partir de
agora.
4.2 De mascates e sapateiros a empresários
Os trabalhos mais tradicionais sobre a coletividade armênia de São Paulo datam
de meados do século XIX a chegada dos primeiros armênios ao Brasil112. Caracterizada por
empreitadas individuais, normalmente de homens em busca de oportunidades profissionais, a
chegada da primeira leva de armênios no Brasil ganhou força nos últimos anos da década de
1890. Alguns armênios entraram no Brasil pelo Rio Grande do Sul, via Uruguai, exercendo
atividades de mascateação nas cidades gaúchas e ampliando assim a clientela113.
Foi justamente a atividade de mascate que permitiu inicialmente que os armênios
se inserissem economicamente nos países da América do Sul114. Oswaldo Truzzi reflete em
seu trabalho de referência sobre os sírios e libaneses em São Paulo o porquê desses povos
terem se tornado mascates no Brasil, uma vez que em suas terras de origem tal prática era
característica de gregos, judeus e armênios115. Para o autor, a estrutura fundiária presente no
país nos primeiros anos do século XX não favorecia que os recém-chegados se tornassem
camponeses, sendo a atividade comercial a alternativa que se apresentou mais viável para
esses indivíduos116.
Para os armênios, tal processo de inserção econômica no Brasil é ainda mais
claro. A pouca necessidade de habilidades específicas para a realização da mascateação117,
112 VARTANIAN, Y. (1948). op. cit.; KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 36. 113 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 46. 114 Clark Knowlton declara que entre os 229 mascates que ele entrevistou em 1950, 22 eram armênios – sobretudo da cidade de Marash – o que demonstra que alguns armênios ainda se dedicavam à mascateação, mesmo após quase 20 anos decorridos da chegada da maior remessa de imigrantes. KNOWLTON, C. (1960). op. cit., p. 141. 115 TRUZZI, O. (2009). op. cit., p. 51. 116 Idem. 117 Ibid., p. 54.
39
inclusive o conhecimento básico do idioma, permitiu que esses imigrantes se aventurassem
pelo interior até chegar a regiões que permitissem o desenvolvimento comercial. Assim, os
primeiros armênios no Brasil chegaram a São Paulo nas décadas de 1900 e 1910, mas,
sobretudo, na década de 1920, se estabelecendo no centro da cidade, juntamente com os sírios
e libaneses, nas imediações das Ruas 25 de março, Pagé118, Santo André119 etc120.
118 Atual Rua Comendador Afonso Kherlakian. 119Atual Rua Comendador Abdo Schahin. 120 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., p. 109.
40
Figura 5: Mapa do centro de São Paulo em 1951. Em destaque, a região das Ruas 25 de Março, Santo André e Pagé. Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Disponível em:
<http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas/1951.jpg>, acesso em 01/09/2011
41
Pouco a pouco, alguns mascates acumulavam capital, que permitia a eles abrir
uma pequena loja e evitar as fatigantes viagens pelo país. Assim foi com Karnig, primogênito
e chefe da família Bazarian. Ao chegar ao Brasil em 1928, se dirigiu para o interior de São
Paulo. Na cidade de Itapetininga, mascateou miudezas como meias e lenços em feiras e festas
de igrejas, até acumular capital para abrir a primeira loja, que também serviu de residência. O
armarinho prosperou e outras lojas foram abertas e administradas pelos irmãos de Karnig. Em
1934, a família deixou de vender para o público amplo e concentrou esforços no comércio
atacadista, fornecendo mercadorias a comerciantes menores121. Da mesma forma aconteceu
com Rizkallah Jorge Tahanian, sírio de Alepo, mas de origem armênia, que já na sua cidade
natal fundia metais e, no Brasil, conseguiu abrir a sua própria empresa nesse setor – A Casa
da Boia – e tornou-se o principal benemérito da comunidade armênia de São Paulo122.
A partir da Casa da Boia de Rizkallah Jorge, muitos armênios se inseriram na
economia paulistana. O proprietário desse estabelecimento fornecia insumos para os
compatriotas e esses partiam negociando os produtos feitos com aquele material. Quando a
situação permitia, os armênios abriram pequenas oficinas de confecção e reparo de calçados,
lançando mão da borracha, cola, linha, etc., financiadas por Jorge123. Segundo Grün, o
empresário dava crédito ao conterrâneo recém-chegado mediante a apresentação deste por
alguém ligado à comunidade – sobretudo à Igreja – formando assim uma hierarquia dentro da
coletividade, bem como uma cadeia de prestígio e respeito dos seus pares124.
Todavia, a entrada maciça dos armênios na indústria calçadista em São Paulo não
foi tão rápida assim. Baseado no Almanaque de 1930, Knowlton nos traz que das 735 lojas
varejistas registradas na cidade de São Paulo, apenas 24 eram de sírios e libaneses, sendo
todas as demais de armênios. Na mesma época, das 153 sapatarias mencionadas, apenas sete
eram de armênios, enquanto 24 tinham sírios ou libaneses como proprietários125. Ou seja, na
década de 1930, os armênios ainda se dedicavam mais ao comércio do que à pequena
indústria calçadista.
Porém, em pouco tempo, tal panorama mudou. Os armênios deixaram de lado o
comércio varejista para se dedicarem aos calçados, enquanto os sírios e libaneses
121 BAZARIAN, Jacob (1988). A Trajetória de um Patriota Armênio: a vida e as atividades do comendador Karnig Bazarian. São Paulo: edição do autor, pp. 16-17. 122 TRUZZI, O. (2009). op. cit., p. 52. 123 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 48. 124 Ibid., pp. 48-55. 125 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., pp. 148-150.
42
permaneceram no ramo126. Refletindo sobre isso, Knowlton indagava-se nas últimas linhas de
sua obra:
Será essa especialização o resultado da concorrência, de modo que cada grupo acabou por se encontrar nas atividades que lhe permitem sobreviver melhor e às quais está mais bem ajustado, ou será devido ao fato de ter o grupo encontrado certas ocupações vagas, de modo que pôde infiltrar-se nelas sem ter de enfrentar a forte competição de outros grupos?127
Boris Fausto acredita que isso se deu pelo conhecimento prévio do ofício, vindo
junto com os imigrantes de sua cidade natal128. Roberto Grün também leva em conta a
possibilidade da habilidade adquirida previamente, mas destaca que tal análise está embebida
da própria visão que os armênios têm de seu principal ofício129. Para o autor, os armênios
oriundos da cidade de Marash – maioria na coletividade de São Paulo – acreditam que seus
antepassados já eram hábeis artesãos com o couro no Império Otomano, vindo daí a
“vocação” que os inseriu de forma definitiva na economia de São Paulo130. Opinião
semelhante tem Pedro Bogossian Porto, que ressalta ainda que a entrada no negócio de
calçados requeresse um capital inicial menor do que a ourivesaria e a joalheira, setores
também muito apreciados por armênios em suas cidades-natal131. O historiador turco Taner
Akçam pontua que na região de Marash, 80% dos comerciantes e homens de negócios antes
do genocídio eram cristãos132. Ou seja, os armênios que chegaram ao Brasil já
desempenhavam funções mercantis e fabris na Ásia Menor e Oriente Médio, porém, não
acreditamos que tal hipótese seja suficiente para explicar a sobrerrepresentação de armênios
no ramo calçadista em São Paulo.
A visão do armênio como um laborioso povo dentro das fronteiras do Império
Otomano é antiga e tem duas origens: a primeira é oriunda dos próprios armênios, que se
colocavam como hábeis comerciantes e artesãos, para se distanciar do turco tido como rude,
bárbaro e nômade; a segunda imagem foi alimentada por setores da sociedade turca pré-
genocídio, para justificar a morte dos armênios, pois estes seriam “os judeus do oriente”,
segundo a definição de um oficial nazista durante o III Reich133.
126 Embora os primeiros armênios a chegarem a São Paulo tenham seguido a trajetória sírio-libanesa também no ramo de armarinhos e tecidos. KNOWLTON, C. (1960). op. cit., pp. 118-119. 127 Ibid., pp. 189-190. 128 FAUSTO, Boris (1991). Historiografia da Imigração para São Paulo. São Paulo: Sumaré, p. 32. 129 GRÜN, R. (1992). op. cit., pp. 39-41. 130 Ibid., pp. 39-40. 131 PORTO, P. (2011). op. cit., p. 42. 132 Passados dois anos do começo do Genocídio, apenas 5% destes eram cristãos. AKÇAM, Taner (2004). From Empire to Republic: Turkish nationalism and the Armenian Genocide. Nova York: Zed Books, p. 142. 133 BALAKIAN, P. (2004). op. cit., p. 148.
43
Inevitavelmente, muitas das análises sobre os armênios no Império Otomano ou
sobre o Genocídio iniciado em 1915 ficaram embebidas deste estereótipo que não refletia a
realidade da população armênia. Segundo Arnold Toynbee, em texto publicado em 1916, os
armênios dominavam cerca de 90% de todo o comércio no Império no começo do século
XX134. O embaixador dos EUA no Império na época do genocídio, Henry Morgenthau,
atribuía aos gregos e armênios a força econômica otomana135. Todavia, Stepan Astourian
pontua que 70% dos armênios otomanos viviam como camponeses, longe das grandes
cidades136.
É fato que os armênios eram protagonistas na economia otomana no começo do
século XX. Isso é comprovado pela política sistemática de sequestro de propriedades
armênias em províncias como Adana e Diyarbekir. Nessas regiões, o governo dos Jovens
Turcos confiscou grandes produções de algodão, seda e cobre, pertencentes a armênios para
redistribuí-las entre turcos, a fim de nacionalizar a economia otomana e eliminar o armênio,
elemento cristão, do mercado137.
Contudo, ainda que haja a sobrerrepresentação armênia no comércio otomano, não
podemos fazer uma relação direta disto com a especialização étnica na fabricação e comércio
de calçados em São Paulo a partir da década de 1930. Nesse sentido, a afirmação de
Knowlton pode ser esclarecedora:
Informantes armênios relatam que os sapateiros armênios imigrados em meados de 1920 dedicaram-se aos calçados ao chegar ao Brasil. Estabelecendo-se no meio dos sírios e libaneses da Rua Pagé, alugaram salas e trabalhavam com afinco. O sapateiro cortava o couro e dava forma ao sapato, enquanto sua esposa e filhos cuidavam da parte mais fácil, isto é, a costura. Aos poucos muitos deles puderam comprar maquinaria e instalar pequenas indústrias. Emigraram outros armênios os quais, por sua vez, depois de aprender o negócio, montaram suas próprias fábricas. Pouco a pouco, a colônia armênia na cidade de São Paulo especializou-se na manufatura e venda de calçados138.
Segundo o autor norte-americano, baseado em informantes da coletividade, foi no
Brasil que os armênios iniciaram o ofício de sapateiros. Por mais que a profissão fosse
conhecida de alguns em Marash ou em outras cidades otomanas, é pouco provável que a
maioria expressiva dos armênios exercesse essa profissão antes de emigrar. Tal argumento
134 TOYNBEE, Arnold J. (2003). Atrocidades Turcas na Armênia. São Paulo: Paz e Terra, p. 111. 135 MORGENTHAU, Henry. (1918). Ambassador Morgenthau’s History. Nova York: Doubleday, Page and Company, p. 166. 136 ASTOURIAN, Stephan H. (2004). Modern Turkish Identity and the Armenian Genocide: from prejudice to racist nationalism. Yerevan: Museum-Institute of the Armenian Genocide of the National Academy of Sciences of Republic of Armenia, p. 9. 137 ÜNGÖR, Ugur Ümit & POLATEL, Mehmet (2011). Confiscation and Destruction: the Young Turk seizure of Armenian Property. Nova York/Londres: Continuum. 138 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., p. 147.
44
ganha força se pensarmos que armênios radicados em outros países, como no México,
também se destinaram à fabricação e comércio de sapatos e não eram oriundos de Marash,
como os armênios paulistanos139.
Para compreender essa questão, antes de observarmos a cidade de origem dos
artesãos, devemos perceber qual foi a trajetória dos armênios após o Genocídio. Muitos
armênios aprendiam uma profissão nas cidades da Síria ou Líbano, onde estavam refugiados.
Por exemplo, Avak Bodouian, sapateiro pioneiro em Birigui, aprendeu o ofício com o pai, que
já exercia a profissão desde os tempos que morava na província de Adana140. Mas Bodouian
também pertencia a uma minoria. Acreditamos que a grande maioria dos refugiados tenha
aprendido o ofício nos diversos orfanatos espalhados pelo Oriente Médio após o genocídio e
alguns exerceram a profissão por algum tempo nas cidades da Síria e do Líbano141. Nessas
instituições, mantidas por grupos filantrópicos ocidentais como missões protestantes norte-
americanas, os órfãos poderiam aprender a trabalhar com o tecido, couro etc., dependendo da
aptidão e vontade da criança142. Segundo um informante de Kim Hekimian, depois de fugir de
Marash, um refugiado se dirigiu a Beirute, onde estudou numa escola americana e aprendeu o
ofício de sapateiro143. Nas casas para os órfãos mantidas pela Near East Relief, uma
instituição fundada nos EUA para dar apoio às vítimas do Genocídio Armênio, estima-se que
132 mil órfãos foram amparados em locais onde poderiam receber cuidados médicos,
educação e alimentação144. Em suma, a educação profissionalizante recebida nos orfanatos
por uma grande parcela das crianças sobreviventes ao genocídio foi fundamental para dotá-los
de um ofício que lhes seria útil tanto no Oriente Médio quanto na Europa e América.
Roberto Grün chama a atenção para o fato dos italianos em São Paulo trabalharem
com calçados de melhor qualidade do que os feitos pelos armênios, desconstruindo assim em
parte o mito da habilidade ancestral ímpar destes imigrantes145. Também antes dos armênios,
os sírios e libaneses fabricavam e vendiam chinelos e calçados, mas abandonaram o ramo com
a chegada e concorrência dos armênios146. Para Grün, a inserção dos armênios no ramo dos
calçados em São Paulo se deu graças a necessidade deste tipo de produto para abastecer uma
139 ANTARAMIAN, C. (2009). op. cit., pp. 117-118. 140 RIZZO, M. (2005). op. cit., pp. 22-23. 141 MIGLIORINO, N. (2008) op. cit., pp. 76-77. 142 BAIDARIAN, Mariam [org.] (2011). Não se Deve Esquecer: memórias de um sobrevivente do genocídio armênio. São Paulo: Scortecci, p. 63. 143 HEKIMIAN, K. (1990). op. cit., p. 91. 144 ADALIAN, Rouben Paul. “Near East Relief and the Armenian Genocide” In: Encyclopedia Entries on the Armenian Genocide. Washington: Armenian National Institute. Disponível em <http://www.armenian-genocide.org/ner.html>, acesso em 22/08/2011. 145 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 40. 146 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., p. 147.
45
população crescente de trabalhadores de uma cidade em expansão147. Márcio Mendes da Luz
compartilha desta mesma opinião de Grün, em trabalho que compara sírios, armênios e
judeus148.
Ou seja, a especialização profissional desse grupo de imigrantes deu-se como
forma de aproveitar o nicho econômico do local no qual eles se instalaram. Em entrevista à
Revista Armênia, o fabricante de calçados Zaven Sapsezian explica que o “preço do calçado
deve acompanhar, sempre, o valor do poder aquisitivo do consumidor”149. Isto é, o calçado
produzido pelos armênios na São Paulo dos anos 1930, por exemplo, devia se encaixar no
perfil do consumidor-alvo daquela época, ou seja, operários e trabalhadores.
É evidente que, mesmo diante de tal explicação, o argumento do domínio prévio
do ofício tem sim alguma relevância para o entendimento da sobrerrepresentação dos
armênios no mercado de calçados. Isso inclusive ajuda a capitalizar simbolicamente o produto
feito pelos armênios e seus descendentes, na medida em que um produto feito da forma que
faziam pais e avós nas terras ancestrais, cujo conhecimento sobreviveu a um genocídio e foi
trazido para o Brasil, tem todo um significado que pode inclusive ser convertido em um preço
mais elevado para a mercadoria150.
Com o tempo, muitos conseguiram aumentar as suas oficinas – até então de
caráter doméstico – para fábricas com um bom número de funcionários. A Fábrica de
Calçados Dadian, segundo prontuário da Delegacia de Ordem Política e Social em 1944,
possuía 45 operários e uma produção anual que chegava a quase 65 mil pares de calçados151.
No ano de 1947, Avak Bodouian, pioneiro do ramo em Birigui, produzia de 40 a
50 pares de sapatos e botinas por dia, empregando dez pessoas na “Indústria da Calçados
Biriguiense”152. Após idas e vindas, em 1968, Bodouian abriu nova fábrica na cidade do
interior paulista, com produção diária de 800 pares, já firmando sua empresa como uma
grande indústria153.
147 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 44. 148 LUZ, M. (2011). op. cit., p. 185. 149 Revista ARMÊNIA . São Paulo: janeiro/fevereiro de 1969, ano II, nº 14, p. 12 (AHK). 150 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 41. 151 Pront. 108.936 – Fábrica de Calçados Dadian. 152 RIZZO, M. (2005). op. cit., p. 22. 153 Ibid., p. 23.
46
Em 1964, Kervork Pamboukian, natural de Marash, teve um prontuário aberto em
seu nome na DEOPS/SP154 por conta de um incêndio que destruiu sua fábrica de artefatos de
borracha – provavelmente matéria-prima para calçados – causando um prejuízo de quinze
milhões de cruzeiros155.
Em 1967, a Companhia de Calçados Semerdjian, proprietária da marca “Calçados
Merci” possuía fábrica própria, depósito de vendas a atacado e uma filial no Rio de Janeiro156.
A trajetória da Merci começu em 1928, com a chegada ao Brasil de Ohannes Semerdjian, o
pioneiro na família. Em 1930, os Semerdjian já possuíam uma pequena fábrica, aumentando
de tamanho gradativamente até alugarem um galpão com 1000 m² em 1947, adotando o nome
de “Merci”157. Segundo Freitas, foi também a família Semerdjian a responsável pela primeira
fábrica especializada em maquinário para a indústria calçadista no Brasil, no início da década
de 1950158.
Alguns armênios investiam apenas no comércio dos calçados, seja no atacado ou
varejo. Ainda em 1967, é possível ler no anúncio da “Creações Cry’s Calçados” que a
empresa possui três lojas na cidade de São Paulo159. As “Casas Econômica”, por sua vez, se
vangloriavam de serem “a maior rede de calçados de São Paulo”, tendo 39 lojas a disposição
do cliente160. A “Calçados Moleza” também possuía quatro lojas bem localizadas no centro da
cidade, mostrando assim a prosperidade dos negócios de calçados entre os armênios161.
Hagop Kechichian destaca a grande quantidade de oficinas e lojas de sapatos
pertencentes aos armênios na Rua Pagé – atual Rua Comendador Afonso Kherlakian – no
centro de São Paulo. Era muito comum que o local de fabricação e venda dos calçados fosse o
mesmo das residências de diversas famílias armênias, otimizando espaço e barateando o custo
de vida, bem como mantendo sempre uma vigilância ao local de trabalho, vulnerável a roubos
e incêndios162. Com o tempo, muitos armênios enriqueceram e se mudaram para regiões mais
nobres da cidade – a exemplo dos sírios e libaneses163 –, enquanto outros que não tiveram a
mesma trajetória procuraram regiões com valor de imóveis mais baixos para viver e manter
154 Como veremos mais a frente, nem sempre um prontuário aberto era sinônimo de subversão por parte da pessoa fichada. No caso de Pamboukian, a Polícia entrou no caso a fim de averiguar as razões do incêndio. 155 Pront. 139.842 – Kervork Pamboukian. 156 Revista ARMÊNIA . São Paulo: julho de 1967, ano I, nº 2, p. 2 (AHK). 157 FREITAS, S. (2001). op. cit., p. 94. 158 Idem. 159 Revista ARMÊNIA . São Paulo: outubro de 1967, ano I, nº 3, p. 33 (AHK). 160 Op. cit., novembro/dezembro de 1967, ano I, nº 4, p. 2 (AHK). 161 Op. cit., janeiro/fevereiro de 1968, ano I, nº 5, p. 21 (AHK). 162 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 12. 163 TRUZZI, O. (2009). op. cit., pp. 103-104.
47
seus negócios calçadistas, como as regiões de Santana e Imirim, na zona norte da capital
paulista164. Sobre tal fenômeno, Clark Knowlton explica:
[...] grupos de imigrantes ao entrar numa cidade grande, em geral formam colônias compactas em zonas de aluguel baixo, de construções velhas e de cortiços localizados perto do centro comercial ou de bairros industriais importantes. À medida que membros do grupo de imigrantes aprendem a língua e se elevam na escala profissional, tendem a deixar a zona inicial e mudar-se para distritos residenciais melhores, formando colônias secundárias. Com o tempo, os que continuaram a sua ascensão, na estrutura ocupacional e social da comunidade, mudam-se para bairros melhores ainda, formando uma nova concentração secundária ou então mudam-se para zonas habitadas por membros de diversos grupos, e gradualmente cortam seus laços com o seu grupo étnico165.
Ainda segundo o autor americano, a alta no preço dos imóveis na região da Rua
25 de março se deu após a II Guerra Mundial, sendo neste momento que os armênios menos
favorecidos economicamente procuraram na zona norte um local para instalarem suas oficinas
de calçados e residências166. Entretanto, a análise dos prontuários da DEOPS/SP nos permite
questionar tal assertiva. Nascido em Marash em 1907, o professor Nazareth Avedikian foi
investigado pela Polícia Política em dezembro de 1935 por suspeita de praticar atividades
comunistas. À época da investigação, o imigrante residia à Rua Ararimã, nº. 13, nas
redondezas do cemitério Chora Menino, no bairro do Imirim167. Ou seja, o prontuariado em
questão já residia na região antes mesmo do início da II Guerra Mundial, o que indica que tal
processo de mobilidade espacial dos armênios em São Paulo é anterior ao que Knowlton
concebeu.
164 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., pp. 124-125. 165 Ibid., p. 111. 166 Ibid., p. 125. 167 Pront. 3.125 – Nazareth Avedikian.
48
Figura 6: Região do Chora Menino em 1951. As setas indicam as ruas Ararimã e dos Portugueses, logradouros indicados com frequência nos prontuários. Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano. Disponível em: <http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/img/mapas/1951.jpg>, acesso em 01/09/2011.
Embora seja notável a sobrerrepresentação de armênios nos ramos de calçados em
São Paulo, os anúncios nas publicações da coletividade deixam claro que havia uma
diversificação na atividade econômica dos indivíduos. Roberto Grün (1992, p. 40) indica que
grande parte da terceira geração de armênios abandonou o setor produtivo e se dedicou ao
comércio e serviços. Kechichian esclarece que alguns armênios tentaram permanecer no
negócio de tecidos, típico de ex-mascates, mas a concorrência forte dos sírios e libaneses não
permitiu uma evolução neste ramo168. Nesse sentido, o autor está em consonância com
Knowlton, que é da mesma opinião169. Tal afirmativa, todavia, pode ser relativizada, pois não
são poucos os anúncios que nos deparamos de armênios cujo negócio seja o de tecidos e
vestuário, sendo Levy Gasparian, armênio de São Paulo que operava um grande lanifício no
estado do Rio de Janeiro, um dos maiores industriais têxteis do Brasil na década de 1960170.
O apelo de fazer dos filhos “doutores”, assim como Truzzi percebe nos sírios e
libaneses171, também ocorreu entre os armênios. A decisão de educar os filhos para ingressar
em profissões liberais era uma forma relativamente rápida de ascensão social daquela família
que teve que trabalhar durante anos no comércio ambulante ou de estabelecimentos172. Truzzi
168 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 12. 169 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., p. 124. 170 Revista ARMÊNIA . São Paulo: novembro/dezembro de 1967, ano I, nº 4, p. 7 (AHK). 171 TRUZZI, O. (2009). op. cit. 172 Ibid., p. 148.
49
menciona que na década de 1920, o médico da comunidade sírio-libanesa, Chucri Zaidan, era
o preferido pela coletividade armênia para tratar os seus doentes173. É possível encontrarmos,
inclusive, um anúncio de seus serviços em uma publicação da comunidade armênia174 e ainda
uma nota do editor da revista Armênia que menciona que Zaidan era o “médico da colônia
armênia há quarenta anos”175. Ou seja, podemos inferir que neste tempo, os armênios ainda
não tinham formado doutores que pudessem servir à comunidade176. Entretanto, a segunda
geração já desfrutava de ampla inserção na universidade. Stepan Soukiassian, imigrante
oriundo de Marash, aprendeu o ofício de alfaiate em Beirute, Líbano, exercendo esta profissão
no Brasil desde sua chegada em 1926. Bem sucedido em São Paulo, Soukiassian se casou e
teve quatro filhos – três mulheres e um homem –, dentre os quais dois se formaram médicos,
uma engenheira química e a caçula, arquiteta177. Outros partiram para bacharelados que de
alguma forma pudessem ser instrumentalizados para a otimização dos negócios da família.
Nesse sentido, a graduação em Administração ganhou importância no seio da coletividade
armênia em São Paulo178.
Para Robertro Grün, a possibilidade de cursar uma faculdade ampliou os
horizontes de muitos descendentes de armênios que passaram a se sociabilizar fora dos
círculos internos da comunidade179. Assim, muitas famílias formaram “doutores” que
procuraram se destacar entre seus pares através da sua profissão, como aos que criaram o
Hospital Monte Ararat em São Paulo, ou os inúmeros armênios ligados à engenharia,
arquitetura e construção civil180. Também merecem destaque àqueles envolvidos com o
mundo das finanças, como os diretores do “Banco Induscred de Investimentos S.A”, fundado
173 TRUZZI, O. (2009). op. cit. P. 163. 174 Revista ARMÊNIA . São Paulo: outubro de 1967, ano I, nº 3, p. 24 (AHK). 175 Op. cit., fevereiro de 1968, ani I, nº 5, p. 2 (AHK). 176 A relação da coletividade armênia com as profissões liberais, aos moldes do que Truzzi realizou com os sírios e libaneses é um estudo ainda a ser desenvolvido por pesquisas futuras. TRUZZI, O. (2009). op. cit. 177 “Exemplo de bom imigrante armênio Stepan Soukiassian: em terra brasileira desde 1926”. In: Jornal do Imigrante. São Paulo: ano VII, nº 73, abril/maio de 1984, p. 8 (AHK). 178 GRÜN, Roberto (2002). “Dinheiro no bolso, carrão e loja no shopping: estratégias educacionais e estratégias de reprodução social em famílias de imigrantes armênios”. In: ALMEIDA, Ana Maria F. & NOGUEIRA, Maria Alice [org.]. A Escolarização das Elites: um panorama internacional da pesquisa. Petrópolis: Vozes, pp. 67-69. 179 GRÜN, R. (1992). op. cit., p. 62. 180 Idem. É possível ler na Revista Armênia inúmeros anúncios de empreendimentos imobiliários, como a “Corbala Incorporadora e Construtora Ltda.”, dirigida por Hamparzum Balabanian, ou a “Dadian Engenharia e Construção Ltda.”, dos engenheiros Paulo e João Dadian. Revista ARMÊNIA . São Paulo: julho de 1968, ano II, nº 9, p. 9; Revista ARMÊNIA . São Paulo: julho de 1967, ano I, nº 2, p. 23, respectivamente (AHK).
50
em 1959 pela família Kissadjikian181, ou a “corretora de títulos e câmbios Montanarini”, do
diretor financeiro José Tchakmakian182.
As Casas Pejan, de propriedade dos irmãos Varujan e Pedro Burmaian183 são
outro bom exemplo de como o comércio de calçados pode servir como trampolim sócio-
econômico para os armênios de São Paulo. Os Burmaian entraram tardiamente no negócio de
calçados. Ainda em abril de 1963, é possível ler o anúncio dos serviços de advocacia de
Varujan Burmaian, no jornal Tribuna Armênia, do qual o próprio era o diretor responsável184.
Foi mais ao final da década de 1960 que os Burmaian abriram a “Pejan” e iniciaram uma
trajetória ascendente na economia nacional.
Paralelamente a isso, os irmãos criaram o “Sofisa S.A. Crédito, Financiamento e
Investimentos” em 1961, como forma de financiamento e crédito à pessoa física185. Em 1990,
o nome foi mudado para Banco Sofisa S.A., consolidando assim a empresa de origem
familiar186, hoje coordenado por Alexandre Burmaian, filho de Varujan, como uma das
grandes instituições financeiras do Brasil, com patrimônio líquido estimado em 2010 em 770
milhões de reais187.
Ainda que Varujan Burmaian tenha usado o ramo calçadista como trampolim
sócio-econômico, largando-o mais tarde para se dedicar a atividades financeiras, houve uma
continuidade na família no ramo original. Ricardo Burmaian, outro filho de Varujan, dirigia a
calçados DIC nos anos 1980, voltada para um público mais amplo. Nos anos 2000, Ricardo
Burmaian investiu pesado nos shoppings centers, tendo participação em quatro deles no
estado de São Paulo. Mas os calçados continuaram sendo o carro-chefe de Burmaian. A
World Tennis, grande rede de lojas de calçados esportivos no Brasil, em 2010 tinha cerca de
181 Em um dos números da revista Armênia, na lista de anunciantes regulares, vem escrito “Kissadjikian Irmãos – Banco Induscred de Investimentos S.A.”. Revista ARMÊNIA . São Paulo: julho de 1968, ano II, nº 9, p. 1 (AHK). 182 Revista ARMÊNIA . São Paulo: outubro de 1967, ano I, nº 3 (AHK). 183 Também anunciante regular. Op. cit., julho de 1968, ano II, nº 9, p. 1. 184 TRIBUNA ARMÊNIA . São Paulo: abril de 1963, p. 3. Acervo de Stepan Hrair Chahinian. 185 Website do Banco Sofisa. Disponível em <http://www.mzweb.com.br/sofisa/web/conteudo_pt.asp?idioma=0&tipo=7471&conta=28#1>, acesso em 19/03/2011. 186 Em uma notícia da Gazeta Mercantil de 10 de abril de 2007, é possível observar que os principais acionistas do banco ainda são membros da família Burmaian. Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?page=&cod=367353>, acesso em 19/05/2011. 187 “Informações do Banco Sofisa S.A. em Atendimento à Instrução CVM 481/09”. Disponível em: <http://www.mzweb.com.br/sofisa/web/arquivos/Sofisa_Proposta_Adm_20110419_port.pdf>, p. 4, acesso em 02/02/2012.
51
170 lojas espalhadas em todo o país e fazia parte do grupo Vahrcav, que controla ainda
lanchonetes e lojas de jeans188.
Os Burmaian são o exemplo para a trajetória que Roberto Grün descreve sobre as
gerações de armênios nos negócios. Para o autor, enquanto a primeira e a segunda geração se
envolvem com pequenas oficinas e indústrias e comércio voltado para uma clientela de baixa
renda, a terceira geração investe pesado em um público-alvo de maior poder aquisitivo, com
negócios mais ousados em novos ambientes, como o shopping center, ou até mesmo a
internet189. A rede mundial de computadores ampliou o escopo de possibilidades para que
armênios e descendentes continuassem a trabalhar com os calçados de uma forma bem
diferente da prática inaugurada por seus pais e avós. O melhor exemplo nos anos 2000-2010
certamente é a Netshoes. Criada pelo empresário Márcio Kumruian, a empresa vende calçados
e material esportivo pela internet, sem uma loja física, tendo a sua movimentação financeira
em 2011 estimada em 600 milhões de reais190. Em 2011, a Netshoes ampliou seus negócios
para outros países da América Latina, como o México191.
Contudo, as transformações das características dos negócios dos descendentes de
armênios tendem a passar pela universidade. Na medida em que a academia cria espaços para
os descendentes de armênios ampliarem seus laços sociais e econômicos, ela desarticula de
certa forma a “armenidade”, pois leva para fora das instituições da coletividade a vivência dos
seus indivíduos192. Amizades, casamentos ou sociedades são feitas com brasileiros e/ou outros
grupos de imigrantes, completando assim a integração total dos armênios na sociedade
brasileira. A universidade se tornou uma ferramenta importante para os descendentes de
armênios manterem os negócios da família, através dos conhecimentos técnicos aprendidos
nas faculdades. A partir dessa qualificação, os descendentes de armênios procuravam se
diferenciar dos pais e avós, ao direcionarem os negócios para um público de maior poder
aquisitivo em ruas de alto padrão ou shopping centers na capital paulista193. Ou seja, fazer um
filho “doutor”, além do status social obtido pelo diploma, se tornou uma questão de
sobrevivência dos negócios em um mundo cada vez mais competitivo.
188 “Dono da World Tennis negocia a compra da Roxos e Doentes”. In: Valor online. Disponível em <http://www.valoronline.com.br/impresso/empresas/102/109990/dono-da-world-tennis-negocia-a-compra-da-roxos-e-doentes> acesso em 17/04/2011. 189 GRÜN, R. (1992). op. cit., pp. 61-67. 190 “A Netshoes abre o jogo”. In: IstoÉ Dinheiro. Disponível em <http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/65184_A+NETSHOES+ABE+O+JOGO>, acesso em 05/09/2011. 191 “Llega hoy brasileña Netshoes, líder de AL en venta de zapatos en Internet...”. In: El Universal.mx. Disponível em <http://www.eluniversal.com.mx/columnas/92283.html>, acesso em 20/10/2011. 192 GRÜN, R. (2002). op. cit., p. 70. 193 Ibid., p. 72.
52
Em suma, a imigração armênia para o Brasil se deu da seguinte forma: foi um
processo predominantemente urbano, feito por indivíduos que chegaram ao Brasil na sua
maioria nas décadas de 1920-1930, vindos de vilas da Síria e Líbano, mas oriundos da região
da Cilícia no Império Otomano194. No Brasil, os pioneiros viram na mascateação uma maneira
de se inserir rapidamente na economia, garantindo assim a sua sobrevivência e manutenção no
novo país. Após acumularem algum capital, abriram pequenas lojas e oficinas, evitando assim
os deslocamentos próprios do tipo de comércio ambulante que praticavam, numa trajetória
muito parecida com os árabes, seus contemporâneos de imigração e vizinhos, tanto nas
cidades no Oriente Médio quanto no centro de São Paulo.
As gerações subsequentes conseguiram apoio nos pioneiros, que forneciam
insumos para que estes pudessem trabalhar no Brasil. A fabricação de calçados de baixo custo
para trabalhadores se apresentou como uma boa alternativa de inserção dos armênios em uma
São Paulo em franca expansão industrial. Embora seja clara a especialização ocupacional dos
armênios no ramo dos calçados, há também muitos membros desta comunidade operando em
atividades próximas, como tecidos, vestuários ou armarinhos, e também temos bons exemplos
de empresários armênios no mundo dos imóveis, construção civil e finanças.
Já por volta de 1936, havia 57 estabelecimentos calçadistas em nome de armênios
em São Paulo195. Foram nessas inúmeras oficinas que a vida social da coletividade começou a
tomar forma. As primeiras reuniões religiosas, seja de fiéis da Igreja Apostólica Armênia ou
da Presbiteriana foram feitas nos mesmos espaços das sapatarias196. Da mesma forma
surgiram as primeiras representações no Brasil de agremiações partidárias armênias, seguindo
a organização que existia no Império Otomano e, posteriormente, no Líbano. Clark Knowlton
chama a atenção para que na Rua Barão de Duprat, onde os armênios possuíam lojas e
fábricas, foram alugadas salas que abrigavam “desde a Igreja Presbiteriana Armênia até
grupos políticos revolucionários”197.
Ou seja, em torno das relações de trabalho os armênios se sociabilizaram e a partir
daí criaram suas igrejas, escolas e instituições sociais e políticas, tão características desse
povo. Os calçados, embora não exclusivamente, foram sólidos alicerces da fixação dos
armênios em São Paulo, proporcionando a eles tanto a sobrevivência imediatamente após a
sua chegada, bem como a ascensão social em São Paulo ao longo dos anos.
194 KECHICHIAN, H. (1983). op. cit., p. 12. 195 Idem. 196 Idem. 197 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., p. 129.
53
CAPÍTULO II – Instituições armênias na diáspora: partidos e agremiações políticas
Após adquirirem condições mínimas de subsistência em São Paulo, os armênios
iniciaram um processo de construção de uma coletividade, ou seja, de solidificação de
instituições – formais ou não – que tinham como finalidade a manutenção do arcabouço
cultural o qual o governo otomano tentou destruir por meio do genocídio iniciado em 1915.
Para Nicola Migliorino, as associações e entidades são novos pontos de referência no sentido
de socializar os armênios em torno de tradições culturais que necessitam ser preservadas, bem
como dar coesão ao grupo imigrante para que o indivíduo consiga prover suas necessidades
dentro daquela coletividade198.
O genocídio deixou mais do que mortos. A ação perpetrada pelo Comitê União e
Progresso confiscou e destruiu inúmeros bens materiais e provocou a dispersão de centenas de
milhares de pessoas que encontraram uma relativa segurança em campos de refugiados no
Oriente Médio, principalmente na Síria e no Líbano199. Além de lutarem diariamente pela
sobrevivência nesses campos, os refugiados precisavam recriar laços de sociabilidade e
relações sócio-pessoais destruídas pelos massacres. A estrutura familiar foi devastada pelo
desaparecimento de milhares de homens, criando um desequilíbrio de gênero nos campos de
refugiados, bem como um grande número de crianças de todas as idades que permaneciam em
orfanatos ou sob a guarda de famílias muçulmanas que muitas vezes obliteravam suas reais
identidades. Por outro lado, a situação extrema colocou lado a lado armênios de diferentes
classes sociais, origens e culturas, o que permitiu que novas relações interpessoais fossem
criadas para substituir as que foram rompidas com as deportações200.
Aharon Sapsezian definiu as igrejas e as agremiações partidárias armênias como
os dois pilares da vida diaspórica, responsáveis pela preservação da identidade nacional201.
Ainda que haja inúmeras instituições relevantes para a vida comunitária armênia na diáspora,
a maioria delas são ramificações dessas duas matrizes. Contudo, o processo de formação das
instituições em diferentes partes da diáspora é distinto, ainda que apresente semelhanças entre
si. A seguir, veremos como as principais entidades armênias se desenvolveram em São Paulo,
principalmente as correntes políticas que disputaram espaço e poder na coletividade desde as
suas origens.
198 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 62. 199 Ibid., pp. 32-33. 200 Ibid., p. 45. 201 SAPSEZIAN, A. (1988). op. cit., p. 167.
54
4.3 Instituições religiosas, educacionais e culturais
Em geral, as primeiras instituições armênias na diáspora tinham o objetivo de
prestarem assistência aos compatriotas mais necessitados, seja no país hospedeiro, seja na
Anatólia e Oriente Médio, onde milhares de refugiados viviam em parcas condições. Já no
final do século XIX, havia instituições de caridade no Oriente Médio ligadas à Igreja
Apostólica Armênia, onde mais tarde também surgiram organizações como a União Geral
Armênia de Beneficência – UGAB, fundada no Cairo em 1906 por Nubar Boghos Paxá, além
de asilos, sanatórios e orfanatos criados na década de 1920 para atender a leva de refugiados
pós-genocídio que se instalavam na região do Levante202. Nos EUA, instituições semelhantes
atraíam centenas de refugiados que viam o país como símbolo de liberdade e paz203. Na
Argentina, entidades assistenciais existiam desde o começo da década de 1910, também
contribuindo para o estabelecimento dos imigrantes pioneiros e funcionando como chamariz
para os que vieram na sequência204.
No Brasil, a situação seguiu o mesmo padrão: os imigrantes pré-genocídio se
preocuparam em montar redes de ajuda mútua e entidades que organizassem algum tipo de
auxílio para os necessitados durante a I Guerra Mundial e o genocídio. Nesse sentido,
segundo Hagop Kechichian, em 1915 foi criada em São Paulo a Cruz Vermelha Armênia205
com a intenção de angariar recursos e enviá-los para o Fundo de Salvação Nacional, sediado
em Paris e chefiado por Boghos Nubar Paxá206. Em 1917, a Sociedade Armênia de
Beneficência foi fundada para substituir a Cruz Vermelha, mas na prática a função era a
mesma: arrecadar fundos e enviá-los para a Europa, a fim de serem redirecionados para os
armênios em condições delicadas na Anatólia, Oriente Médio e Cáucaso207. As mesmas
pessoas que estavam envolvidas nesses esforços também se mobilizaram no sentido de
pressionar o então presidente Epitácio Pessoa a defender os armênios na Conferência de Paz
de Paris em 1919, sendo apoiados pelo engenheiro Mihran Latif, tido por muitos como um
dos primeiros armênios chegados ao Brasil208, e pelo escritor francês Etienne Brasil209.
202 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., pp. 62-64. 203 HEKIMIAN, K. (1990). op. cit., p. 88. 204 Ibid., p. 97. 205 Não confundir com a Associação Armênia de Assistência (Hay Oqnutian Miut'yun – HOM), entidade internacional presente em toda a diáspora armênia que também é conhecida como Cruz Vermelha Armênia. A instituição criada no Brasil em 1915 apenas partilhava do mesmo nome da HOM, mas sem nenhum tipo de relação entre elas. 206 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 40. 207 Ibid., pp. 40-41. 208 Ibid., p. 36. 209 Ibid., pp. 42-43.
55
Com o considerável aporte migratório pós-genocídio, sobretudo na segunda
metade da década de 1920, outras instituições foram criadas em São Paulo com o intuito de
dar conta da demanda espiritual, educacional e cultural dos armênios na sociedade receptora.
Na diáspora armênia, as igrejas têm um papel primordial na construção dessas esferas da vida
social. Assim, entidades foram fundadas para consolidar o desejo comunitário de erguer os
templos e dar materialidade às distintas comunidades religiosas. Em São Paulo, assim como
na maior parte da diáspora armênia, os fiéis são divididos entre a Igreja Apostólica Armênia, a
Igreja Católica Apostólica Armênia e, genericamente, a Igreja Protestante Armênia.
4.3.1 As Igrejas Armênias
Em 1923, foi criada uma comissão para a fundação da comunidade da Igreja
Apostólica Armênia de São Paulo. Enquanto a comissão angariava fundos para erguer o
templo, o recém-chegado padre Gabriel Samuelian se incumbiu de oficializar a criação da
Igreja junto às esferas eclesiásticas competentes210. Assim, em janeiro de 1924 foi celebrada a
primeira missa em rito armênio no Brasil, mas ainda não em uma igreja própria, que somente
seria erguida alguns anos mais tarde211. Em 1938, em terreno doado por Rizkallah Jorge na
Rua Senador Queiroz, próxima às Ruas Pagé e Santo André, núcleo da coletividade armênia
naquele momento, foi erguida a Igreja Apostólica Armênia de São Paulo. Contudo, o templo
foi demolido em 1945, devido ao projeto de urbanização do centro da capital paulista que
atingiu a região nessa época, no mandato do prefeito Francisco Prestes Maia212. No mesmo
ano, o mesmo benemérito comprou outro terreno para a construção da nova igreja, dessa vez
na então Av. Tiradentes213, entre os bairros da Luz e do Bom Retiro, outro local de
aglomeração de armênios em São Paulo. E em 25 de março de 1945, segundo Sônia Maria de
Freitas, os padres Gabriel Samuelian e Yesnig Vartanian sagraram a pedra fundamental do
templo, inaugurado oficialmente em abril de 1949214 e nomeado Igreja Apostólica Armênia de
São Jorge. Para Pedro Bogossian Porto, o nome da Igreja foi escolhido também como uma
forma de homenagem a Rizkallah Jorge215.
210 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., pp. 69-70. 211 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 288. 212 FREITAS, S. M. (2001). op. cit., p. 97. 213 Atualmente o trecho onde a Igreja está localizada pertence a Av. Santos Dumont. 214 Ibid., p. 97. 215 No topo do altar da Igreja, há as iniciais “R. J.” de Rizkallah Jorge com a data de 1949, ano de inauguração do templo. PORTO, P. (2011). op. cit., p. 62.
56
Mas o imponente prédio da Igreja Apostólica Armênia de São Jorge não foi o
primeiro templo desse rito no Brasil. O pioneirismo nesse sentido é da pequena, mas concisa,
coletividade instalada no distrito de Presidente Altino, atual município de Osasco. Oriundos
em sua maioria da cidade otomana de Sis216, os armênios de Presidente Altino foram para a
região atraídos pela oferta de emprego em um frigorífico e também pelos preços acessíveis
dos terrenos no local, diferentemente do centro de São Paulo onde os imóveis tinham valor
mais elevado. Em 1928, o terreno foi comprado graças ao esforço conjunto dos moradores da
região e em 1935 a primeira missa foi celebrada no local, ainda com as obras inacabadas217.
Assim surgiu a Igreja Apostólica Armênia de São João Batista, catorze anos antes de sua irmã
na capital paulista.
O desejo de erguer o templo para os serviços dos armênios católicos é tão antigo
quanto o dos gregorianos. A Capelania da Missão Armênia Católica foi criada em 1935 pelo
padre Vicente Davidian, em resposta aos pedidos dos católicos de Marash que residiam na
capital paulista desde 1923218. Contudo, a Igreja só foi erguida em 1971, na Av. Tiradentes,
muito próxima da Igreja Apostólica Armênia. Entre as décadas de 1930 e 1960, as missas
católicas armênias eram realizadas na Igreja São Cristovão, na mesma avenida219. A primeira
missa no templo próprio foi realizada no natal de 1967, com a igreja ainda em construção. O
terreno da igreja foi comprado por Cirille Zohrabian e o comendador Avedis Clemente
Kherlakian foi o presidente da Missão, que contava com outros armênios que a essa altura
haviam prosperado economicamente em São Paulo220. Para angariar fundos, a Missão
realizava eventos tais como sorteios de rifas e bazares221. Na década de 1970, com a
construção do templo, a então missão ganhou autonomia e se tornou uma paróquia do
Exarcado Católico Armênio para a América Latina222.
Em São Paulo, as primeiras atividades da Igreja Central Evangélica Armênia – do
ramo presbiteriano – datam de meados de 1926, quando o reverendo Michael Bitchmaian
tomou a frente da congregação e iniciou os trabalhos que foram oficializados em 1927223.
Nesse ano, os protestantes já realizavam ofícios nas casas dos fiéis e, segundo Aharon
Sapsezian, pouco depois alugaram um salão para a celebração dos cultos224. O templo próprio
216 MARTINI, S. (2004). op. cit., pp. 35-36. 217 Idem. 218 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 72. 219 Ibid., p. 73. 220 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano I, nº 5, janeiro/fevereiro de 1968, p. 10 (AHK). 221 Ibid., p. 11. 222 SAPSEZIAN, Aharon (1997). Cristianismo Armênio. São Paulo: Bentivegna, p. 193. 223 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 73. 224 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 287.
57
só foi erguido na década de 1950, nas proximidades das demais igrejas armênias em São
Paulo225, em frente onde seria construída anos mais tarde a estação Armênia do metrô. Na
cidade de Ferraz de Vasconcelos, onde alguns armênios se estabeleceram na década de 1930
por acharem a cidade geograficamente parecida com Marash226, foi mantida uma capela
ligada à Igreja Central Evangélica Armênia em São Paulo227.
No rastro da organização e criação das igrejas, foram também feitos os primeiros
esforços para a constituição de escolas onde os descendentes dos imigrantes pudessem
aprender os valores culturais tidos como vitais para a manutenção de uma identidade armênia
na diáspora.
4.3.2 Instituições educacionais armênias em São Paulo
Antes da fundação e construção de uma escola, havia pequenos grupos que se
organizavam no sentido de prover instrução para um pequeno número de jovens. Assim
sendo, segundo Hagop Kechichian, foi fundada uma escola primária em 1928 por uma
entidade feminina denominada “As Armênias Progressistas”, sobre as quais não encontramos
nenhum registro além desse228.
Ainda segundo o historiador, em 1931 houve a unificação dos esforços
educacionais feitos por entidades isoladamente no Conselho da Igreja Apostólica Armênia,
que criou o Hay Askain Turian Varjaran229 – Escola Nacional Armênia Turian – regularizado
apenas em 1935, conforme chama a atenção Pedro Bogossian Porto, num período de aumento
do controle do governo Vargas às instituições de ensino. Data desse período a adoção do
nome Externato José Bonifácio (EJB), para ocultar o caráter étnico da educação na instituição
e evitar problemas com as autoridades governamentais230. O prédio do EJB só foi inaugurado
em 29 de fevereiro de 1948, em edifício anexo à Igreja Apostólica Armênia de São Jorge e ao
Centro Armênio231. É possível encontrar numa publicação da coletividade textos que tornam
públicas as necessidades da escola e pedem contribuições para que seja possível inaugurá-la.
225 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 290. 226 FREITAS, S. (2001). op. cit., p. 91. 227 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 290. 228 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 92. Ainda segundo o historiador, a Sociedade Recreativa e Beneficente Marachá criou a escola Yeghiche Turian no mesmo ano que as “Armênias Progressistas”. Entretanto, a Marachá somente foi fundada em 15 de novembro de 1947, quase vinte anos mais tarde. SOCIEDADE RECREATIVA MARACHÁ: 10º aniversário de grandes realizações. São Paulo: 15 de novembro de 1957 (AHK). 229 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 95. 230 PORTO, P. (2011). op. cit., p. 75. 231 REVISTA CULTURAL BRASIL-ARMÊNIA. São Paulo: ano 2, nº 16, abril de 1948, p. 20 (AHK).
58
Em um desses textos, há uma lista de beneméritos que contribuíram para a aquisição de
carteiras e quadros negros para o novo prédio232. Em outro, há uma nota sobre um torneio
beneficente de Buraco em prol do EJB233.
O atrelamento da educação com as instituições religiosas não foi uma
exclusividade do EJB e da Igreja Apostólica Armênia. Em 1931, uma pequena escola primária
foi fundada pela Igreja Evangélica234. A Igreja Católica Apostólica Armênia também manteve
uma instituição educacional até 1992, com a colaboração das Irmãs de N. S. da Imaculada
Conceição235. Em Osasco, a instrução das crianças, que antes era feita nas casas dos armênios,
passou a ser realizada numa ramificação do EJB naquela cidade – denominado Khirimian
Askain Varjaran, ou Escola Nacional Khirimian –, que durou até os anos 1960236. Em 1932,
segundo a pesquisa de Sueli Martini, havia 45 crianças matriculadas na escola que tinham
aulas das matérias regulares, além do idioma armênio e outras ligadas à cultura armênia. Com
o tempo, o número de alunos descendentes de armênios diminuiu e o de brasileiros sem
ascendência desse povo cresceu, o que também aconteceu nas demais instituições étnicas já
citadas237.
Um esforço educacional laico por parte da comunidade foi a fundação da cátedra
de armênio na Universidade de São Paulo em 1964, idealizada pelo professor Eurípedes
Simões de Paula e dirigida até 1975 por Yessai Ohannes Kerouzian. Contudo, o bacharelado
em armênio levou alguns anos até se enraizar. Em 1967, Fernando Celso de Castro
Mangarielo – que depois viria a se tornar o proprietário da Editora Alfa-Ômega e editor de
Jacob Bazarian – e sua companheira na época, Clarice Lima, ingressaram no curso de armênio
da USP para evitar que o mesmo fechasse as portas recém-abertas por falta alunos
interessados238. No ano seguinte o cenário mudou drasticamente: 54 candidatos se
inscreveram para prestar os exames vestibulares que dão acesso ao curso, no qual 34 foram
aprovados, ainda que apenas uma estudante tivesse ascendência armênia239.
232 REVISTA CULTURAL BRASIL-ARMÊNIA. São Paulo: ano 2, nº 13, janeiro de 1948, p. 30 (AHK). 233 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano I, nº 5, janeiro/fevereiro de 1968, p. 9 (AHK). 234 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 287. Embora Kechichian afirme que a fundação dessa escola tenha acontecido em 1937. KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 74. 235 SAPSEZIAN, A. (1997). op. cit., p. 193. 236 MARTINI, S. (2004). op. cit., pp. 113-114. 237 Ibid., pp. 114-115. 238 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano I, nº 2 Julho de 1967, p. 18 (AHK). 239 Op. cit., ano I, nº 5, janeiro/fevereiro de 1968, p. 9 (AHK).
59
4.3.3 As Associações Culturais e Esportivas
As associações culturais e esportivas fundadas pelos armênios em São Paulo
principalmente a partir da década de 1930 não eram, em sua grande maioria, autocéfalas e
independentes. Quase todas elas eram ramificações de outras instituições, como partidos
políticos ou igrejas. Entretanto, isso não quer dizer que todos os seus frequentadores
necessariamente eram partidários de determinada agremiação política ou credo religioso.
Muitos armênios iam aos clubes esportivos e associações culturais no intuito de viver
socialmente a coletividade, através de festas, bailes, corais ou torneios esportivos. Tal
fenômeno era acentuado pelo veto não explícito da elite paulistana, que de início, não
permitia o ingresso dos imigrantes que enriqueceram e pleiteavam participar dos círculos
sociais nos tradicionais clubes e entidades da cidade. Assim, os armênios – a exemplo dos
sírios e libaneses240 – precisaram criar seus próprios espaços sociais.
4.3.4 Primeiros esforços
Excetuando as já citadas entidades criadas no ínterim do socorro às vítimas do
genocídio, a primeira organização institucional dos armênios em São Paulo foi em torno da
comissão fundadora da comunidade em 1924, marcada pela realização de um recital no Teatro
Municipal em janeiro de 1925 dedicado aos órfãos do genocídio241. Nesse mesmo ano, foi
criada a “Sociedade dos Jovens” e o “Clube Atlético Armênio”, sobre as quais não temos
muitas informações, além de uma malfadada tentativa de unificação de ambas em 1925242.
Em 1928, foi organizada a “União Salmo Tzor de Presidente Altino”, no atual
município de Osasco, com o intuito de servir como mantenedor da cultura armênia nesse
distrito afastado da capital paulista e, por consequência, do núcleo da coletividade armênia no
Brasil, mas também tinha em seu estatuto o compromisso com o auxílio e assistência aos
compatriotas necessitados243. Em 1942, as atividades esportivas foram separadas na
Sociedade Esportiva e Cultural – Mocidade Armênia de Presidente Altino (SEC-MAPA), que
também manteve uma escola por algum tempo244.
240 TRUZZI, O. (2009). op. cit., p. 113. 241 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 75. 242 Ibid., p. 76. 243 MARTINI, S. (2004). op. cit., pp. 110-111. 244 FREITAS, S. (2001). op. cit., pp. 90-91.
60
4.3.5 Entidades de compatriotas
As proporções continentais do Império Otomano e seu caráter multiétnico e
multilinguístico dificultavam a construção de uma sólida e preponderante identidade única
otomana, em detrimento a uma identificação de pertença baseada principalmente nas relações
construídas dentro das vilas e cidades espalhadas por todo o Império. Sobre isso, Oswaldo
Truzzi mostra em sua obra como as identidades dos sírios e libaneses eram forjadas mais
pelas referências das vilas nas quais residiam antes de emigrar do que necessariamente por um
sentimento de ser sírio ou libanês245. Nesse sentido, é compreensível a tentativa desses
imigrantes de recriar os laços de sociabilidade nos países receptores de acordo com as
afinidades construídas ainda no Oriente Médio e Ásia Menor. Assim, foram fundados em São
Paulo diversos clubes e entidades cujos membros eram preferencialmente originários de
determinada vila, como os clubes Homs, Rachaya, Zahle, Sociedade Beneficente Beirutense
etc246.
Com os armênios não foi diferente. Algumas das entidades de primeira hora em
São Paulo foram justamente essas que congregavam compatriotas de uma determinada vila no
Império Otomano. Em março de 1929, foi criada a filial paulistana da Sociedade Compatriota
de Zeytun247, cidade essa que organizou resistência armada aos massacres do sultão Abdul-
Hamid II no final da década de 1890 e também às investidas genocidas em 1915, o que
despertou a ira das autoridades estatais e tornou-a lendária para os armênios248. Entre as
atividades da Sociedade, estavam a encenação de peças e outras expressões artísticas que
reconstruíam as histórias das resistências na cidade249. Outra sociedade compatriota foi a dos
sobreviventes de Fendedjak, uma vila próxima de Zeytun, fundada em meados de 1929 com
os mesmos propósitos da outra instituição250. A “União dos Compatriotas Armênios de
Aintab” também data da mesma época251. Não temos registro do período de funcionamento de
nenhuma delas, nem dos motivos do encerramento de suas atividades.
Certamente, a entidade de compatriotas mais relevante em São Paulo foi a
“Sociedade Beneficente e Cultural Marachá”, formada por oriundos de Marash, cidade-natal
da maior parte dos imigrantes armênios que se estabeleceram na capital paulista. Fundada em
245 TRUZZI, O. (2009). op. cit., p. 110. 246 Ibid., p. 113. 247 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 100. 248 Cf. MEKHITARIAN, Nichan (2005). O Reino Armênio da Cilícia e História de Zeytun. São Paulo: Edições Inteligentes. 249 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 100. 250 Ibid., p. 104. 251 SIPAN: órgão da comunidade armênia da Igreja Apostólica Armênia do Brasil. São Paulo: nº 12, 15 de agosto de 1983, p. 2
61
15 de novembro de 1947 por iniciativa de Karnig Bazarian – irmão mais velho de Jacob
Bazarian, cuja trajetória veremos em capítulos seguintes –, Krikor Apovian e mais 16
conterrâneos252, a Marachá teve como objetivo:
a divulgação cultural das tradições armênias em São Paulo, da maior integração de nossa gente na coletividade bandeirante do mais amplo entendimento e da firme cooperação dos filhos de Marash com os armênios procedentes de outras cidades e regiões de nosso saudoso país [...] os filhos de Marash procuram sustentar em São Paulo, como o fazem em todas as partes do Mundo, a tocha ardente e iluminadora da fé dos seus antepassados, sempre confiantes no futuro da Armênia e do povo armênio253.
Primeiramente sediada à Rua 25 de março, mudando-se depois para a Av. Santos
Dummont, próximo à Igreja Apostólica Armênia de São Jorge, a Marachá promovia diversos
eventos como teatro, danças, bailes, torneios de tênis de mesa, corais, além da manutenção de
um bar, uma biblioteca e de classes de língua armênia para aqueles que estivessem
interessados em aprender o idioma ancestral254. Além dessas atividades, havia diretorias
específicas para as mulheres e para os jovens, delimitando exatamente qual era o espaço de
cada grupo dentro da entidade255. Tal entidade funcionava em constante diálogo com outras
associações de compatriotas de Marash espalhadas pela diáspora, criadas ainda no Levante,
no primeiro momento da fuga do Império Otomano256.
4.4 Partidos e agremiações políticas
Em comum, as entidades tem a preocupação em formar espaços de sociabilidade
em torno de características e ideias comuns a um grupo de armênios em São Paulo.
Evidentemente, em uma comunidade não muito extensa praticamente toda concentrada em
uma só cidade, a proliferação de entidades é indicativo de que havia uma pluralidade de ideias
e que em algum ponto elas eram divergentes e incompatíveis, de modo que era necessária a
criação de novas instituições para expressar ideias não contempladas pelas organizações já
existentes.
A história dos armênios no final do século XIX e começo do século XX é
marcada pela criação de movimentos nacionais e políticos para dar vazão aos anseios de
reformas que proporcionaram uma melhor condição de vida para os armênios no interior do
252 SOCIEDADE RECREATIVA MARACHÁ: 10º aniversário de grandes realizações. São Paulo: 15 de novembro de 1957, p. 43 (AHK). 253Ibid., pp. 35-36. 254 Ibid., p. 44. 255 SOCIEDADE MARACHÁ: 20 anos a serviço da cultura e do progresso dos marachtsi da coletividade armênia do Brasil. São Paulo: 15 de novembro de 1967, pp. 25 e 27-29 (AHK). 256 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 57.
62
Império Otomano, ou até mesmo agremiações cujas ideias de revolução e independência
chacoalharam a estrutura de todo o Império257. A ação de tais organizações, seja na esfera
política legal, seja na organização de resistências às investidas genocidas, foram decisivas nos
acontecimentos que moldaram a história dos armênios no interior do Império e na diáspora. A
seguir, veremos como os principais partidos políticos foram criados e desenvolvidos e como
operaram em São Paulo.
4.4.1 Partido Revolucionário “Hentchakian”
O Partido Revolucionário Hentchakian258- conhecido pela forma abreviada de seu
nome, Hentchak, palavra em armênio para “trombeta” ou “sino”, objetos que denotam ato de
despertar – foi um dos primeiros movimentos políticos armênios sistematizados na forma de
agremiação política, criado com o intuito de lutar pela Questão Armênia – isto é, de
autonomia dos armênios no Império Otomano – e por justiça social259. Fundado em 1887 na
cidade de Genebra, Suíça, o Hentchak foi um empreendimento levado a cabo por jovens
armênios oriundos de cidades da porção russa da Armênia fortemente influenciados pelo
marxismo, já nessa altura amplamente difundido e discutido na Europa, mas também pelo
nascente movimento revolucionário russo – principalmente por Plekhanov e pela organização
Narodnaya Volia – que se expandiu no começo do século XX260.
Em 1888, o programa do partido foi publicado no seu órgão homônimo,
defendendo o caminho do socialismo e do nacionalismo para os armênios dos três impérios –
russo, otomano e persa – atingirem sua liberdade e autonomia261. Em sete meses, cerca de 700
militantes ingressaram as fileiras do Hentchak só em Constantinopla, capital do Império
Otomano262, criando bases à agremiação formada por uma elite intelectual na diáspora. Tal
explosão de adeptos permitiu que em meados de 1890, dois anos após a fundação da
agremiação, os primeiros protestos organizados pelo Hentchak acontecessem no Império,
exigindo que o sultão Abdul-Hamid II fizesse reformas na estrutura política do país a fim de
melhorar a condição das minorias, principalmente nas províncias do interior. O protesto foi
duramente reprimido pelo Estado, resultando em vinte armênios mortos, cerca de 300 feridos
257 TERNON, Yves (1996). Les Arméniens: histoire d’un génocide. Paris: Seuil, 2ª ed., p. 87. 258 Atualmente é chamado de Partido Social-Democrata Hentchakian. 259 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 27. 260 MINASSIAN, Anahit Ter (1982). “L’Arménie et l’éveil des nationalités (1800-1914)”. In: DEDEYAN, Gerard [org.]. Histoire des Arméniens. Paris: Privat, p. 465. 261 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 90. 262 Idem.
63
e muitos presos, inclusive membros da cúpula do partido. Segundo Yves Ternon, essa foi a
primeira vez em séculos que as autoridades otomanas autorizam que tropas atirassem contra
cristãos no Império Otomano263. No ínterim de eventos semelhantes, as potências europeias –
que pressionavam o sultão a reformar o Império Otomano – condenaram as ações do
Hentchak, pois, embora tenham dado visibilidade ao problema dos armênios no interior do
Império, os protestos serviram de pretexto para que o sultão reprimisse com violência,
legitimando o uso da força como uma medida de reintegração da ordem no país264.
A década de 1890 foi uma época de expansão do Hentchak, com a fundação de
representações em diversas cidades onde havia coletividade estabelecida de armênios, bem
como a organização e publicação de material teórico para orientar a ação revolucionária dos
armênios, como o “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels, traduzido para o
armênio em 1894265. Ao final dessa década, o partido havia sido responsável por diversas
manifestações em Constantinopla, bem como pelas rebeliões das cidades de Sassoun e
Zeytun, que foram desarticuladas pelas forças do sultão.
No entanto, a audácia das ações do Hentchak teve como consequência, além da
dura repressão por parte do governo otomano, a perda de apoio político por parte de algumas
lideranças, que divergiam da direção do partido no que dizia respeito a grandes ações
revolucionárias e aos caminhos institucionais que a agremiação poderia tomar para atingir
seus objetivos. A ação de uma ala do partido no IV Congresso da II Internacional Socialista
sediado em Londres em 1896 foi denunciada pelos membros do Hentchak do Império
Otomano e Egito como uma tentativa de vincular a causa armênia ao movimento operário
russo e fraquejar na luta perante o conservadorismo da sociedade muçulmana e da burguesia
capitalista ocidental266. Assim, houve uma cisão no Hentchak, que passou a contar com um
grupo chamado de Hentchakian Verakazmial – Hentchakian reorganizado – com base nas
células do partido no Império Otomano, Egito e EUA, enquanto a outra ala ficou isolada nas
células da Armênia Russa e Bulgária, mantendo o socialismo no programa, mas renunciando a
grandes manifestações267.
263 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 91. 264 Ibid., pp. 92-93. 265 MINASSIAN, A. (1982). op. cit., p. 466. 266 Idem. 267 Ibid., pp. 466-467.
64
As atividades do partido, seja em manifestações públicas de descontentamento
com o tratamento dos armênios nos impérios Otomano, Russo ou Persa, seja na organização
de resistências armadas às investidas do sultão Abdul-Hamid II, fizeram com que muitas
lideranças do Hentchak fossem os
primeiros a serem procurados pelas
forças do Comitê União e Progresso
no início do genocídio, em 1915. Os
vinte líderes do partido enforcados
em uma praça de Constantinopla em
junho daquele ano se tornaram
símbolos da resistência armênia e
ainda hoje são lembrados pelos
partidários do Hentchak.
Na diáspora pós-
genocídio, o Hentchak, que já era um
partido diaspórico por definição,
confirmou tal característica e se
solidificou em países como Síria,
Líbano, EUA, França, Egito e
Grécia268, a essa altura como uma
agremiação social-democrata. Com a
Revolução Russa em 1917 e o crescimento do comunismo na região, uma fração do partido se
aproxima dos bolcheviques, pois, segundo Jean-Pierre Alem, a sovietização da Armênia a
partir de 1920 contemplou as aspirações iniciais do Hentchak, o que permitiu que o partido
apoiasse o programa comunista no país269, ainda que a social-democracia tenha se tornado a
principal rival do comunismo soviético na década de 1920270. Tal proximidade fez com que os
partidários da Federação Revolucionária Armênia – declaradamente anticomunistas, como
veremos a seguir – acusassem o outrora aliado Hentchak de terem abandonado as aspirações
históricas armênias e formado com a ODL – outro partido político armênio – e o governo da
RSS da Armênia uma frente única para atacar a FRA271.
268 ALEM, Jean-Pierre (1961). A Armênia. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, p. 97. 269 Ibid., p. 98. 270 PINHEIRO, Paulo Sérgio (1992). Estratégias da Ilusão: a revolução mundial e o Brasil 1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª. ed., p. 163. 271 KERIMIAN, N. (1998). op. cit., p. 252.
Figura 7: Primeira diretoria do Hentchakian em São Paulo. O primeiro em pé, à esquerda, é o alfaiate Stepan Soukiassian. Sentado à sua frente, está Yervant Mekitarian, um dos responsáveis pelo jornal Hayastan Tsayin na década de 1940 (Acervo da família Mekitarian).
65
Em São Paulo, o
Hentchakian foi fundado em
1932272 como uma
ramificação da União
Cultural Sharyun de Buenos
Aires273. Ligada ao partido,
foi criada uma ala estudantil
que funcionou até 1934,
realizando eventos sociais
ligados à cultura armênia274.
Não há mais informações
sobre o funcionamento do
partido no Brasil na
bibliografia ou documentos,
nem registros de ações ou
iniciativas que mostram até
quando as suas atividades
foram mantidas em São Paulo. Por isso, é necessário recorrer ao depoimento de Walter
Mekitarian, filho de Yervant Mekitarian, fundador e principal liderança do partido em São
Paulo.
Segundo o seu filho, Yervant Mekitarian chegou ao Brasil em 1929. Oriundo de
Erzurum, ele foi com a família para Constantinopla durante a I Guerra Mundial e de lá fugiu
para a Grécia no início do genocídio. Nesse país, Mekitarian passou apenas seis meses,
rumando rapidamente para a França, onde viveu durante nove anos antes de rumar para São
Paulo. Na capital paulista, trabalhou como mascate entre 1930 e 1931, se casando com a irmã
de Stepan Soukiassian nesse ano. A união o aproximou do cunhado tanto profissionalmente –
272 De acordo com Walter Mekitarian, filho de um dos fundadores do partido, Yervant Mekitarian , em entrevista concedida em sua residência, em São Paulo. Apesar disso, Hagop Kechichian afirma em sua tese de doutorado que o Hentchak foi fundado em 1928, tendo promovido em julho de 1929 uma missa em homenagem aos vinte líderes enforcados em Constantinopla em 1915. KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 102. Preferimos adotar a data informada por Walter Mekitarian, pois ela está de acordo com o ano que está estampado na bandeira do Hentchak na fotografia da primeira diretoria do partido (Figura 7), enquanto no trabalho de Kechichian não há referência para corroborar 1928 como o de fundação da agremiação. 273 MADOYAN, Marc (2007). op. cit., p. 109. 274 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., p. 102.
Figura 8: Reunião do Hentchakian em São Paulo em 1932 mostra que o partido tinha certo apelo na coletividade armênia naquele período (Acervoda família Mekitarian).
66
no ofício de alfaiate – quanto na política, pois ambos tinham posições políticas semelhantes
que resultaram na fundação da filial brasileira do partido em 1932275.
Intelectual e orador de destaque na coletividade armênia de São Paulo, Yervant
Mekitarian se dedicou a partir de 1947 ao jornal Hayastan Tsayin – A Voz da Armênia – a
fim de levar aos seus compatriotas notícias e discussões sempre avalizadas pela sua leitura
partidária da situação mundial pós-II Guerra Mundial. Apesar de um primeiro ano próspero, a
publicação não mais conseguiu se manter apenas com as assinaturas, tendo que encerrar as
atividades três anos após o seu início276. Endividado graças ao alto custo e baixo retorno
financeiro do jornal, Yervant Mekitarian abandonou a política partidária por volta do ano de
1950, data que também marca a decadência das atividades do Hentchak em São Paulo, cujos
poucos militantes foram absorvidos pela União Geral Armênia de Beneficência em 1964,
quando da sua fundação, pois essa instituição reconhecia a RSS da Armênia enquanto
expressão pátria do povo armênio – pauta comum ao Hentchak –, em contraste com a FRA,
opositora do regime soviético.
4.4.2 A Organização Democrática Liberal (ODL) – Ramgavar
Em 1885, foi criado por Megherditch Portoukalian e Khrimian Hairig o primeiro
partido revolucionário armênio chamado Armenakan, na cidade de Van, interior do Império
Otomano277. O objetivo do Armenakan era a luta pelo direito dos armênios governarem a si
mesmos, a despeito do sultão. O partido foi um dos responsáveis pela organização da
resistência na cidade de Van278 às investidas das tropas de Abdul-Hamid II nos massacres de
1896, que mataram cerca de 10 mil armênios279. Suas atividades logo foram colocadas na
ilegalidade e as lideranças do partido foram perseguidas.
Com a dissidência no Hentchak em 1896, a ala denominada Hentchakian
Reorganizado se aproximou das lideranças do Armenakan e uniram ambas as agremiações em
um só partido em 1908, numa reunião no Cairo, Egito. A nova força política foi chamada de
Partido Democrata Constitucional, de orientação liberal, e atuou na resistência de algumas
cidades ante as investidas genocidas em 1915. Com a entrada de outras frentes políticas, o
partido foi transformado na Organização Democrata Liberal – Ramgavar (ODL) em
275 Walter Mekitarian. Economista. Entrevista concedida em sua residência, no bairro do Morumbi, São Paulo, 20/04/2012. 276 Idem. 277 SHAHINIAN, Haig (1984). Conceitos Básicos da Organização Democrata Liberal Armênia. São Paulo: Associação Cultural Tekeyan, pp. 5-6; TERNON, Yves (1996). op. cit., p. 89. 278 SHAHINIAN, H. (1984). op. cit., p. 7. 279 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 133.
67
Constantinopla em 1921280. A ODL, apesar de seu caráter de centro-direita, também
reconhecia a legitimidade do governo soviético na Armênia, o que também a colocou numa
posição de oposição à FRA281. Segundo Haig Shahinian, teórico do partido, a sovietização da
Armênia, para além de ser um acontecimento “feliz ou triste”, foi:
a única solução para a subsistência do Estado armênio, diante da ameaça turca, a ponto de concretizar seu plano de aniquilação total da Armênia. A ODL crê que diante da impossibilidade de defender atualmente nossa subsistência, a presença russa no Cáucaso marxista, czarista ou seja do regime que for, é preferível à exposição aberta frente a Turquia. À ODL, não lhe interessam os qualificativos dados à Armênia pelos governos circunstanciais [nesse ponto, um ataque direto à FRA, que esteve à frente da república armênia de 1918-1920]. Considera terminantemente necessária a conservação do território nacional posto que sua desaparição impossibilitaria a concretização dos ideais da ODL em um futuro. É por isso que sustenta a iminente necessidade de manter o pouco que se pôde salvar282.
Na diáspora, a ODL opera por meio da Associação Cultural Tekeyan283 e da
União Geral Armênia de Beneficência – UGAB, que embora não seja uma entidade
institucionalmente ligada à Organização, tem na prática seus principais diretores como
pertencentes aos quadros do partido. Nas palavras de Haig Shahinian: “para a ODL é
terminantemente necessário lutar pelo engrandecimento desta instituição [UGAB], e pela
vigência de seus princípios originais”284. Para o escritor francês Jean-Pierre Alem, claramente
de orientação pró-FRA, a ODL é um “partido sem massa, mas rico, [...] deve a influência que
lhe resta, ao controle da ‘União Geral Armênia de Beneficência’, poderoso organismo que
comporta escolas, dispensários, associações de caridade, e desenvolve suas ramificações em
numerosos países”285.
A UGAB foi fundada no Cairo, Egito, em 1906 por Boghos Nubar Paxá, visando
ao auxílio aos armênios que foram atingidos por perseguições e crises no Império Otomano
durante o final do século XIX e começo do século XX. Com o genocídio iniciado em 1915, a
União teve um papel-chave no auxílio às vítimas do genocídio, principalmente na manutenção
de orfanatos e na construção de escolas na diáspora, a fim de promover espaços onde a cultura
armênia pudesse ser preservada286.
280 SHAHINIAN, H. (1984). op. cit., pp. 8-9. 281 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 56. 282 SHAHINIAN, H. (1984). op. cit., pp. 26-27. 283 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 67. 284 SHAHINIAN, H. (1984). op. cit., p. 25. 285 ALEM, J. (1961). op. cit., pp. 100-101. 286 JORNAL DO IMIGRANTE. São Paulo: ano VII, nº 83, fevereiro de 1985, p. 12 (AHK).
68
A filial da UGAB em São Paulo foi inaugurada em 27 de agosto de 1964287, por
vinte e três membros da coletividade reunidos em um salão anexo à “Indústria de Calçados
Merci”, de propriedade de Ohannes Semerdjian288, partidário moderado da Federação
Revolucionária Armênia. Como a instituição foi de estabelecimento tardio no Brasil – se
comparado com a filial argentina que existe desde 1911289 –, a construção de uma sede
própria foi mais rápida, pois os principais benfeitores já eram prósperos homens de negócios
na capital paulistana, podendo assim fazer consideráveis aportes de recursos para erguer a
sede social de 3.500 m² no bairro de Alto dos Pinheiros em 1974290.
Com a fraca expressão do Hentchak e a decadência das organizações armênias de
caráter comunista em São Paulo – conforme veremos no capítulo seguinte –, a UGAB
aglutinou boa parte daqueles que apoiavam a Armênia Soviética e eram contrários a política
oposicionista da Federação Revolucionária Armênia. No limite, após a fundação da UGAB
em 1964 houve a unificação de simpatizantes do comunismo, da socialdemocracia – ideologia
à qual o Hentchak adotou após abandonar a ação revolucionária – e da centro-direita em uma
só entidade, o que alimentou o discurso de consolidação de uma “frente única” de oposição à
FRA, sustentados por alguns integrantes desse partido291.
Um exemplo dessa unificação de correntes na UGAB é Stepan Soukiassian:
nascido em Marash em 1910, o imigrante que chegou ao Brasil em 1926 era quadro do
Hentchak em São Paulo, mas também participava da Sociedade Beneficente e Cultural
Marachá, bem como da União Geral Armênia de Beneficência292. Outro exemplo é Paren
Bazarian, irmão de Jacob – idealizador do jornal Ararat - a voz do povo armênio. Em 1949,
Paren Bazarian foi fichado pela Polícia Política por ser assinante do jornal editado pelo irmão
e na década de 1960, foi um dos fundadores da UGAB, sendo sua esposa, Regina Woskergian
Bazarian, presidente da entidade por dois mandatos293.
287 Data informada pelo website da UGAB Brasil, embora Sônia Maria de Freitas date de 1º de setembro de 1964 a fundação da entidade. FREITAS, S. (2001). op. cit., pp. 99-100. A UGAB no Brasil. Disponível em <http://www.ugab.com.br/historia_ugab_brasil.html>, acesso em 05/03/2012. 288 FREITAS, S. (2001). op. cit., pp. 99-100. 289 HEKIMIAN, K. (1990). op. cit., p. 97. 290 JORNAL DO IMIGRANTE. São Paulo: ano VII, nº 83, fevereiro de 1985, p. 12 (AHK). 291 KERIMIAN, N. (1998). op. cit., p. 252. 292 JORNAL DO IMIGRANTE. São Paulo: ano VII, nº 73, abril/maio de 1984, p. 8 (AHK). 293 Op. cit. Ano VII, nº 83, fevereiro de 1985, p. 12 (AHK).
69
4.4.3 A Federação Revolucionária Armênia - FRA
A Federação dos Revolucionários Armênios nasceu da reunião de vários
movimentos revolucionários – como grupos ligados aos partidos Armenakan e Hentchakian –
em Tiflis – atual Tbilisi, na Geórgia, cidade mais importante para os armênios no Cáucaso294,
onde viviam cerca de 200 mil deles295 – no ano de 1890 por iniciativa de Christapor
Mikaelian e Simon Zavarian296. A luta pela independência está pautada no primeiro parágrafo
do manifesto inaugural da organização: “armênios, hoje, a Questão Armênia entra numa nova
fase. Após séculos de escravidão, a Armênia exige a sua Liberdade”297, embora Nicola
Migliorino afirme que tal pauta não estivesse posta nos primeiros momentos da FRA298.
Nesse manifesto, a FRA conclama todos os armênios para lutarem pelos seus direitos, seja
“jovem, velho, rico ou eclesiástico”, todos teriam um papel a desempenhar na missão
revolucionária que resultaria na independência da Armênia299.
A princípio, o Hentchak tomou parte na Federação, delegando à nova agremiação
a tarefa de conclamar as bases através do Droshak300, órgão do partido, enquanto o primeiro
ficaria responsável pelas formulações teóricas que modelariam a ação revolucionária301.
Contudo, um ano depois da fundação da FRA, o Hentchak rompeu com a agremiação, com o
argumento que uma ala nacionalista teria tomado o controle do partido, negligenciando o
socialismo e a justiça social. Após isso, a FRA foi reformulada – atendendo pela nova
denominação de Federação Revolucionária Armênia – pelas mãos dos dois fundadores, além
de Stepan Zorian – de codinome Rostom – em um programa de onze pontos, nos quais a
organização tomou de fato feições de um partido político e define o modus operandi da luta
“a propaganda, a educação revolucionária das massas, a autodefesa armada, o terrorismo, a
sabotagem, a execução dos funcionários do governo e dos delatores armênios”302. É nessa
reformulação que o partido definiu a forma descentralizada de ação, com comitês regionais
que se articularam nas diversas cidades com presença armênia substancial, que reportavam ao
bureau central em Tiflis e à redação do Droshak que a essa altura era mantida em Genebra,
Suíça, na mesma cidade onde o Hentchak foi fundado.
294 TERNON, Yves. (1982). “Le génocide de Turquie et la guerre (1914-1923). In: DEDEYAN, Gerard [org.]. Histoire des Arméniens. Paris: Privat, p. 506. 295 MINASSIAN, A. (1982). op. cit., p. 473. 296 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 95. 297 DROSHAG – Associação Cultural Armênia. São Paulo: Novembro de 1970, p. 1. Acervo de Simão Kermian. 298 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 28. 299 DROSHAG, op. cit., p. 1; TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 96. 300 “Bandeira”, em armênio. 301 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 96. 302 Idem.
70
Com a divisão ocorrida no Hentchak em 1896, a FRA ganhou força na
mobilização dos armênios que tinham o partido socialista como referência303. A Federação
compareceu no 4º congresso da II Internacional Socialista – mesmo evento no qual houve a
cisão no partido adversário – como observadora, redefinindo a partir disso seu programa, cujo
modo de luta seria uma vasta insurreição revolucionária em todo o Império Otomano.
Ademais, a luta contra a opressão tsarista foi posta também como prioridade – ao lado da
derrubada do sultão otomano – conseguindo simpatizantes no Cáucaso. Tal definição foi
aprovada pelo III congresso da FRA em Sófia, Bulgária, em 1904304.
No IV Congresso da Federação – Viena, 1907 –, houve a opção pelo socialismo,
mas com o privilégio da Questão Nacional. Na mesma ocasião, a FRA decidiu se tornar
membro oficial da II Internacional, com violenta oposição dos bolchevistas russos, que
denunciaram a natureza burguesa e nacionalista do partido305. Yves Ternon pondera que tal
adesão da FRA foi uma manobra política para angariar o apoio da esquerda ocidental,
simpatizante com a Causa Armênia306.
Paralelamente a essas discussões, a FRA teve participação na revolução russa de
1905 e na revolução liberal persa em 1906307. A ação repressiva tsarista pós-1905 se abateu
sobre os armênios na forma da suspensão dos privilégios que os armênios gozavam no
Império Russo, como por exemplo, a autonomia da Igreja Apostólica Armênia308. Tal fato fez
com que tanto o clero quanto uma parte da elite armênia tivessem uma postura hostil à FRA, o
que era agravado pela pauta socialista – e por definição, anticlerical – cuja Federação flertava
desde o final do século XIX309. Ações como a de 26 de agosto de 1986, quando um grupo da
FRA liderado por Armen Karo tomou o Banco Otomano em Constantinopla ameaçando
explodir o prédio se a constituição de 1876 não fosse restaurada310, também eram polêmicas e
não contavam com grade apoio entre a população armênia, que temia uma retaliação furiosa
por parte do Estado otomano, ainda que tais atos contribuíssem para dar visibilidade mundial
à Questão Armênia.
303 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 156. 304 Ibid., pp. 156-157. 305 Ibid., p. 158. 306 Idem. Opinião compartilhada por Anahit Ter Minassian. MINASSIAN, A. (1982). op. cit., p. 477. 307 ALEM, J. (1961). op. cit., p. 98. 308 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 159. 309 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 41; TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 159. 310 MINASSIAN, A. (1982). op. cit., p. 472.
71
Com a vitória dos Jovens Turcos e a derrubada do sultão Abdul-Hamid II em
1908, a constituição de 1876 foi retomada e a FRA – aliados dessa oposição turca311 –
abandonou as armas e partiu para a política parlamentar312, o que prejudicou uma resistência
mais consistente quando das investidas genocidas a partir de 1915, motivo de críticas agudas
por parte do Hentchak, a essa altura já reorganizado313. Mesmo assim, à revelia do bureau do
partido, alguns militantes continuaram mobilizados a fim de defender suas vilas e cidades314.
a) A República de 1918
Com a primeira fase da Revolução Russa em fevereiro de 1917, ascendeu ao
poder desse país um governo provisório simpático à Causa Armênia, que governou somente
até outubro do mesmo ano, quando a Revolução atingiu a sua segunda fase, na qual o
comunismo se consolidou como a ideologia política dominante315. Os bolcheviques, ao
contrário dos seus predecessores, não eram simpatizantes dos movimentos nacionais na
Transcaucásia – região de Geórgia, Armênia e Azerbaijão – que ainda em 1917 montou um
comitê transnacional a fim de barrar o avanço comunista na região. Tal comitê era composto
pela FRA, pelos mencheviques georgianos e pelo partido Mussavat do Azerbaijão316.
Os armênios russos se organizaram no Conselho Nacional Armênio (CNA),
composto por quinze membros, entre populistas, social-revolucionários, social-democratas,
mas com maioria de partidários da FRA. O CNA organizou um corpo de voluntários para
servir como exército, uma vez que com a Revolução Russa, as tropas que antes ocupavam o
Cáucaso e impediam o avanço dos turcos não existiam mais317. No início de 1918, com a
assinatura do Tratado de Brest-Litovsk entre Rússia e Turquia, as lideranças da Geórgia e
Azerbaijão – à revelia da FRA – declaram a independência da República Federativa
Democrática Transcaucasiana318. Contudo, a nova república não durou mais que alguns
poucos meses. No final de maio, a Geórgia se colocou sob proteção alemã e se declarou
independente, seguida pelo Azerbaijão, que fez o mesmo no dia 28 daquele mês. Isolado, o
CNA não teve alternativa senão acompanhar os vizinhos. Também em 28 de maio de 1918, o
311 Os documentos que selam a aliança entre a FRA e o Comitê União e Progresso estão disponíveis no website do Arquivo da Federação. <http://arfarchives.org/?p=680#more-680>, acesso em 12/03/2012. 312 TERNON, Y. (1996). op. cit., pp. 174-176. 313 MINASSIAN, A. (1982). op. cit., p. 480. 314 KATCHZNOUNI, Hovannes (1955). The Armenian Revolutionary Federation Has Nothing to Do Anymore. Nova York: Armenian Information Service, p. 4. 315 PASDERMADJIAN, Hrand (1986). Histoire de L’Arménie. Paris: Librarie Orientale H. Samuelian, 4ª ed, p. 416. 316 Ibid., p. 417; TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 495. 317 TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 495. 318 Ibid., pp. 497-498.
72
Conselho declarou a
independência das províncias
armênias e a formação de um
governo nacional319.
A declaração de
independência em 28 de maio de
1918 é um dos capítulos mais
controversos da história dos
armênios e é motivo de
discussões entre grupos políticos
rivais por toda a diáspora. De
acordo com Yves Ternon, o país
não tinha condições de se tornar
independente e se manter sobre suas próprias pernas320. Em primeiro lugar, o CNA e a maior
parte da burguesia armênia estava em Tiflis, principal centro intelectual armênio321, que agora
era a capital da Geórgia independente. Baku, capital do Azerbaijão, era outra cidade vital para
os interesses dos homens de negócios armênios. Yerevan, que se tornou a capital da
República da Armênia, não era mais do que uma cidade rural e pouco povoada, com cerca de
30% da sua população composta por muçulmanos azeris. Em julho de 1918, sob pressão dos
georgianos, o CNA abandonou Tiflis e partiu para Yerevan, a fim de governar o país em seu
próprio território322.
O caótico cenário político era agravado pela gravíssima situação humanitária. A
população da Armênia era composta basicamente de refugiados do genocídio iniciado em
1915. Como se já não bastasse, a produção agrícola estava reduzida em 75% da sua
capacidade, o que acarretou uma grande fome entre a população. O cólera, o tifo e o inverno
rigoroso entre 1918 e 1919 foram outros fatores que colaboraram para a morte de 20% da
população armênia durante esses anos323. O caos foi amenizado graças à ajuda humanitária
vinda de entidades norte-americanas que fizeram doações de dinheiro, mantimentos, remédios
e enviaram médicos e enfermeiros para tratar os doentes. A radicalização do nacionalismo na
319 TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 495. 320 Ibid., p. 499. 321 Segundo a historiadora Mary Matossian em “A vida no Estado armênio da URSS”, em O Estado de São Paulo, domingo, 27 de setembro de 1970 (AHK). 322 TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 506. 323 Ibid., p. 507.
Figura 9: Lenin (de pé) no congresso fundador da Terceira Internacional em 1919. No pano de fundo, é possível ver a frase "Viva a III Internacional" em armênio, o que revela a importância desse povo para os planos dos bolcheviques. Fonte: Lenin Internet Archive. Disponível em :<http://www.marxists.org/archive/lenin/photo/1919/002.htm>, acesso em 19/03/2012.
73
Geórgia e Azerbaijão fazia com que os armênios que viviam nesses países deixassem-os e
emigrassem para a Armênia, o que agravava a situação crítica que a nova república vivia324.
A FRA, que já era a principal força política no país, se tornou ainda mais forte na
medida em que os populistas abandonaram o governo, deixando o caminho livre para a
Federação ocupar os quatro – num total de nove – principais ministérios de Estado, inclusive
tendo a prerrogativa de nomear o Primeiro Ministro325, cargo o qual por toda a duração da
República foi ocupado por um quadro desse partido.
A ascensão de Mustafá Kemal – Atatürk – na Turquia revigorou o nacionalismo
nesse país, que partiu para uma retomada de territórios controlados pelos Aliados e ocupados
pelos armênios ao final da I Guerra Mundial. Nesse sentido, a Cilícia – região historicamente
de forte presença armênia – foi ocupada pelas tropas kemalistas, causando a fuga de milhares
de armênios que tentavam retomar suas vidas após o genocídio. Tal campanha fortaleceu a
imagem de Kemal no país, que reclamava o direito de comandar a Turquia na cidade de
Ancara, em detrimento do governo vacilante em Constantinopla. Paralelamente a isso, Kemal
negociava com a Rússia bolchevique a consolidação das fronteiras entre os dois países, que
passava necessariamente pela questão dos territórios armênios que separavam as possessões
de Moscou e Ancara326.
Em 1919, os turcos avançaram sobre os territórios armênios recuperando as
regiões que hoje compõem as províncias orientais da República da Turquia e vitimando cerca
de 200 mil armênios. A essa altura, já havia sido organizado em Tiflis o Partido Comunista
Armênio – com cerca de três mil membros – que propunham a sovietização da Armênia, a fim
de manter a extensão territorial do país, que estava seriamente ameaçada pelo avanço das
tropas kemalistas. Entretanto, a FRA era totalmente contrária à ocupação soviética da
Armênia, mesmo com o aumento da pressão em 1920 e com a sovietização do Azerbaijão,
cuja capital abrigava um importante núcleo bolchevique que contava inclusive com armênios
em sua composição327.
O ímpeto da ofensiva turca aos territórios armênios surpreendeu a bolcheviques e
partidários da FRA, que se viram obrigados a negociar para não serem subjugados pelo
governo de Kemal Atatürk. Em novembro de 1920, assumiu o primeiro ministro Simon
Vratsian, que assinou em dezembro um tratado com a Turquia, abrindo mão dos territórios
que eram por direito da Armênia – de acordo com o Tratado de Sèvres – e reconhecendo as
324 TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 509. 325 Ibid., p. 506. 326 Ibid., pp. 514-515. 327 Ibid., pp. 516-517.
74
novas fronteiras328. Como se não bastasse esse duro golpe, foi iniciada por ordem de Josef
Stálin uma ofensiva contra a Armênia, com o intuito de derrubar o governo da FRA e
sovietizar o país, a exemplo do que havia acontecido com o vizinho Azerbaijão e aconteceria
meses mais tarde com a Geórgia. O fragilizado exército armênio se recusou a combater o
Exército Vermelho que avançava rapidamente sobre o território. Em dezembro de 1920,
lideranças da FRA iniciaram as negociações para a proclamação de uma república armênia
socialista e independente.
Um comitê revolucionário foi criado para cuidar dessa transição, composto por
cinco comunistas e dois membros da ala esquerdista da FRA. Todavia, a aliança entre as duas
forças políticas não durou muito tempo. Em 20 de dezembro de 1920, o Comitê aprovou que
as leis da República Socialista Federativa Soviética da Rússia seriam aplicáveis à Armênia329.
Tal medida foi seguida de um profundo processo de sovietização do país, que contou com a
perseguição da Federação Revolucionária Armênia, cuja resistência, em fevereiro de 1921,
conseguiu derrubar temporariamente o governo soviético e foi abafada pelo XI Exército,
vindo da Geórgia330. Os membros da Federação que conseguiram escapar da prisão e
fuzilamento se retiraram para a Pérsia – e depois se dirigiram para o Oriente Médio –,
deixando o caminho livre para Alexandre Miasnikian, que toma a frente da missão de
sovietizar o país, implantando a Nova Política Econômica – NEP331.
Em 1922, a Armênia passou a compor a Federação das Repúblicas Soviéticas da
Transcaucásia ao lado de Geórgia e Azerbaijão até 1936, quando uma nova constituição
soviética foi promulgada e cada um desses países se tornou uma República Socialista
Soviética, autônomas entre si332. Com a perda de territórios nos conflitos armênio-turcos e a
assinatura de um acordo entre bolcheviques e turcos que devolveu cerca de 25.000 km² e 27
mil habitantes da Armênia para a Turquia333, a RSS da Armênia se tornou a menor das quinze
repúblicas que compunham a URSS334, com 889 mil habitantes335. Apesar disso, a
sovietização impediu o avanço das tropas turcas e a consequente ocupação de toda a chamada
“Armênia Russa” pelos soldados de Ancara. Uma vez no bloco bolchevique, as preocupações
328 TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 518. 329 Ibid., p. 519. 330 De acordo com Mary Matossian em “A vida no Estado armênio da URSS”, em O Estado de São Paulo, domingo, 27 de setembro de 1970 (AHK); TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 519. 331 TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 519. 332 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 199. 333 TERNON, Y. (1982). op. cit., p. 519. 334 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 199. 335 MOURADIAN, Claire (1990). L’Arménie: de Staline à Gorbatchev – histoire d’une république soviétique. Paris: Ramsay, p. 305.
75
territoriais se voltavam para dentro, em disputas com os vizinhos Geórgia e, principalmente,
Azerbaijão.
b) A FRA na diáspora
A sovietização da Armênia infligiu à FRA uma dupla derrota: primeiro, alijou o
partido do poder no país que governou praticamente sozinho por dois anos; e segundo,
transformou a Armênia independente – não obstante a gama de problemas que o país tinha –
numa nação sob tutela externa. A primeira experiência de um país livre e independente desde
a medieval dinastia dos Bagratidas336 foi derrotada junto com o projeto de nação da FRA.
Contudo, se a derrota na Armênia foi um duro golpe para as ações do partido no
país, foi também a oportunidade de reconstrução da entidade na diáspora e a manutenção de
seus projetos – agora fortemente carregados de uma pauta anticomunista – em diversos países.
Ou seja, a impossibilidade da vitória na Pátria-Mãe forçou o partido a optar pela diáspora337.
A FRA fez do Líbano, por exemplo, um de seus principais redutos. Operando na região desde
1901, a agremiação política mantinha um forte núcleo anticomunista na região desde 1920338,
formado por quadros que já se opunham aos bolchevistas desde o início da influência desses
no Cáucaso.
Foi também na diáspora que o partido estruturou suas ramificações, como a
Associação Armênia de Assistência339 – HOM, na sigla em armênio –, ala feminina da FRA
fundada em Boston, EUA, em 1910340; ou o braço esportivo Homenetmen – Istambul,
1918341; ou ainda a ala cultural denominada Hamazkayin – Cairo, Egito, 1928342. Através
dessas instituições, a FRA conseguiu inserção nas populações diaspóricas armênias por todo o
mundo e angariou a simpatia destas, tornando-se a principal força política armênia na
diáspora, a despeito da ODL e dos social-democratas Hentchakian. Em países como Líbano,
Síria, Rússia, Egito, França, EUA, Canadá, Argentina, Uruguai e Brasil, a FRA obteve o que
nunca possuiu no Império Otomano e na Armênia Russa: o apoio popular para suas ações. Em
alguns lugares, como no Líbano, a força política da FRA tomou tamanha dimensão que em
1934 os políticos libaneses disputavam o apoio da Federação nas eleições parlamentares que
336 PASDERMADJIAN, H. (1986). op. cit., p. 421. 337 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 58. 338 Ibid., p. 56. 339 Hay Oqnutian Miut'yun, em armênio. 340 Ibid., p. 62. 341 Ibid., p. 65. 342 Ibid., p. 67.
76
aconteceram naquele ano, pois sabiam que o partido tinha a capacidade de aglutinar um
grande número de armênios que votavam em bloco no candidato indicado pelos líderes343.
A influência da Federação Revolucionária Armênia chegava até mesmo à Igreja.
Nos anos 1930, a Igreja Apostólica Armênia com sede em Etchmiadzin, então uma cidade da
RSS da Armênia, foi reestruturada, embora o país estivesse sob a tutela da URSS. Dominada
pelo sentimento anticomunista, a FRA não era simpática à Igreja, pois temia que os clérigos
ligados à Etchmiadzin servissem como espiões do regime soviético e pudessem delatar as
ações da diáspora para os comunistas na Armênia. Frente a esse quadro, a FRA declarou
reconhecer no Patriarcado da Grande Casa da Cilícia – sediado em Antelias, Líbano – a chefia
da Igreja Apostólica Armênia e não em Etchmiadzin. A divisão chegou às últimas
consequências, com dois atentados a sacerdotes ligados à Santa Sé na Armênia, um nos EUA
em 1933 e outro em Damasco, Síria, em 1956344. A divisão dos dois patriarcados foi
oficializada em 1962 e em algumas comunidades, como em Toronto, Canadá, permanece até
hoje uma cisão clara entre as duas sedes, estando, por exemplo, a Igreja Apostólica Armênia
de Santa Maria – ligada ao patriarcado da Cilícia – localizada num complexo pertencente à
FRA e a Igreja Apostólica Armênia da Santíssima Trindade – que responde a Etchmiadzin –
instalada em uma área comum à filial da UGAB na cidade, entidade tradicionalmente ligada à
ODL.
O anticomunismo não estava restrito à política diaspórica. Durante a II Guerra
Mundial, os militantes da FRA em Paris declararam apoio à Alemanha Nazista345, pois ambos
tinham um inimigo comum: a URSS e, se a guerra fosse vencida pelo Eixo, poderia ser a
oportunidade para a Armênia reconquistar a sua independência. Muitos armênios chegaram a
integrar a Legião Armênia, voluntária na Wehrmacht – forças armadas alemãs durante o III
Reich – e lutaram ao lado de voluntários azeris, georgianos, russos, etc. contra os Aliados346.
Cabe ressaltar, entretanto, que não há vínculo institucional conhecido entre a Legião Armênia
e a FRA. A oposição ao comunismo soviético, aos demais partidos políticos diaspóricos
armênios, o flerte por parte de alguns membros com o Eixo durante a II Guerra Mundial e a
exacerbação do discurso nacional em negação à Armênia Soviética deram à FRA, aos olhos
de alguns críticos, contornos de um partido ultranacionalista que se aproximava da direita, à
revelia de sua origem marxista. No romance histórico “The Story of the Last Thought” do
343 MIGLIORINO, N. (2008). op. cit., p. 59. 344 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., pp. 206-207. 345 ALEM, J. (1961). op. cit., p. 101. 346 JURADO, Carlos Caballero & LYLES, Kevin (1991). Foreign Volunteers of the Wehrmacht 1941-45. Londres: Osprey Publishing.
77
escritor alemão Edgar Hilsenrath, há uma passagem na qual dois armênios discutem sobre
política e um apresenta os partidos ao outro, sendo o Hentchak indicado como a expressão
marxista dos armênios e a FRA como a voz do “nacionalismo radical armênio de direita”347.
Ainda, em uma das muitas discussões travadas nas páginas de publicações da coletividade
armênia em São Paulo, o Ararat critica duramente uma atitude de um dirigente da
agremiação, a qual o jornal classifica como “partido reacionário, cuja colaboração com os
nazistas durante a última guerra é sobejamente conhecida”348.
Em São Paulo, partidários e simpatizantes da FRA se organizaram em 1928 em
uma filial da Associação Cultural Armênia349, denominação pela qual o partido opera na
América do Sul350. Em 1929, a entidade organizou uma solenidade para comemorar o 11º
aniversário da República de 1918, além de eventos alusivos ao aniversário da FRA e a queda
da cidade de Hadjin, onde os armênios também montaram uma resistência contra as investidas
genocidas351.
Na década de 1940, houve uma profusão de entidades criadas para agregar
armênios e descendentes em um conjunto de ideias ou valores. Em 1941, é criada a Sociedade
Artística de Melodias Armênias (SAMA) por Arsen Mikaelian352, um emissário enviado pela
FRA ao Brasil a fim de fundar espaços na América do Sul onde os seus correligionários
pudessem se reunir e conviver dentro dos costumes ancestrais e, obviamente, compor com as
demais entidades do partido na diáspora uma rede de contatos e ações em prol das diretrizes
traçadas pelo comitê central. Até 1948, a entidade era sediada à Rua Paula Souza, não muito
distante das Ruas 25 de Março, Pajé e Santo André, reduto dos armênios àquela época353. As
principais atividades da SAMA estavam ligadas a projetos musicais, como a organização de
um coral – sob a regência do maestro Vahakn Minassian354 – e a produção de um programa
radiofônico homônimo aos domingos355.
Em 1947, a SAMA iniciou a publicação da “Revista Cultural Brasil-Armênia”, de
periodicidade mensal no início, mas com alguns números saindo de forma bimestral ou até
mesmo trimestral. Publicada em formato brochura, totalmente em português e com um
trabalho gráfico elaborado, a revista se preocupava nos primeiros números em deixar claro a
347 HILSENRATH, Edgar (1990). The Story of the Last Thought. Londres: Scribners, p. 249. 348 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 31, abril de 1949, p. 4. 349 A filial paulistana se chama Associação Cultural Armênia de São Paulo (na sigla, ACASP Ho.Hi.Ta-Tro). 350 MADOYAN, M. (2007). op. cit, p. 106. 351 KECHICHIAN, H. (2000). op. cit., pp. 98-99. 352 JORNAL DO IMIGRANTE. São Paulo: ano V, nº 58, janeiro/fevereiro de 1983, p. 18 (AHK). 353 FREITAS, S. (2001). op. cit., p. 99. 354 Cf. CONCERTO SINFÔNICO do Vahakn Minassian (1964). São Paulo: Centro Armênio (AHK). 355 REVISTA CULTURAL BRASIL-ARMÊNIA. São Paulo: maio-junho de 1957 (AHK).
78
condição de armênios e brasileiros na qual todos os seus leitores estavam inseridos. Tal
discurso fica claro, por exemplo, ao analisarmos a capa do terceiro número da publicação, que
traz no layout do título uma composição com as imagens do Monte Ararat e do Pão de
Açúcar, símbolo de Armênia e Brasil, respectivamente, ainda que para muitos armênios da
coletividade armênia de São Paulo, o Pão de Açúcar nunca tenha sido visualizado ao vivo.
Abaixo do título, há a imagem do poeta brasileiro Castro Alves, seguidas no interior da
revista por poemas de sua autoria, bem como uma pequena biografia356. No mesmo número,
contudo, é possível ler também a biografia de um literato armênio, como uma forma de
contrapor Castro Alves a um autor armênio à altura357.
Além de servir como elo entre as culturas brasileira e armênia, a revista contava
com notícias sociais – reportando sobre nascimentos, falecimentos, casamentos, etc. –,
eventos como bailes e shows, textos extensos sobre a história da Armênia traduzidos para o
português e também colunas nas quais a política era o principal ponto de pauta. Era através
desses espaços que a FRA marcava sua posição antissoviética e travava uma batalha,
sobretudo com a União Armênia de São Paulo e alguns dos seus membros, que por meio de
seu boletim Verelk e do jornal Ararat – a voz do povo armênio defendiam e divulgavam a
prosperidade da Armênia sob a égide do comunismo. Tal postura da FRA poderia se exprimir
em textos traduzidos de lideranças do partido como Simon Vratsian. Em seu livro “Armênia e
a Questão Armênia”, cujos trechos foram traduzidos e publicados na revista, Vratsian discorre
sobre o governo soviético na Armênia – o qual alijou o próprio autor da presidência do país –
ressaltando que “a revolução bolchevista e a subsequente cooperação amistosa russo-turca,
foram de trágicos efeitos para a sorte da Armênia e da questão armênia”358. Também os
editores da revista escreviam seus textos de crítica ao comunismo. Nesse sentido, podemos
encontrar notícias de censura de intelectuais armênios na URSS, bem como a condenação do
programa de repatriamento de armênios para a Armênia Soviética359, ação essa que era
apoiada pela União Armênia de São Paulo.
A revista circulou de forma interrupta de 1947 até 1950, tendo suas atividades
paralisadas até 1957, quando o projeto foi retomado – com a periodicidade seriamente
comprometida – durando apenas até meados de 1958, quando foi interrompida de vez. A
interrupção da primeira fase da revista coincide com o fechamento da sede na Rua Paula
356 REVISTA CULTURAL BRASIL-ARMÊNIA. São Paulo: ano 1, nº 3, março de 1947, pp. 1-7 (AHK). 357 Ibid., p. 11. 358 REVISTA CULTURAL BRASIL-ARMÊNIA. São Paulo: ano 1, nº 7-8, julho/agosto de 1947, pp. 17-18 (AHK). 359 Op. cit., ano 2, nº 15, março de 1948, pp. 5-6 (AHK).
79
Souza e a mudança para uma sede provisória no Centro Armênio, junto ao prédio da Igreja
Apostólica Armênia na região dos bairros do Bom Retiro e Luz. Em 1962, a SAMA comprou
um terreno de cerca de 7.000 m² nas proximidades do Parque do Ibirapuera360 – na zona sul de
São Paulo, não muito distante de entidades correlatas de sírios, libaneses e outras etnias
imigrantes, que por sua vez seguiam para regiões da cidade onde a elite paulistana estava
presente. Tal processo de locomoção corrobora a ideia de Clark Knowlton, que afirma que os
imigrantes quando enriquecem seguem as atitudes das elites tradicionais, como uma forma de
angariar prestígio social na sociedade receptora361.
Em 28 de dezembro de 1968, a nova sede da SAMA – a partir de então
consolidada como “Clube Armênio” – foi inaugurada no número 1450 da Avenida Prof.
Ascendino Reis, com a presença de diversas autoridades de instituições armênias do Brasil e
Argentina, além de vereadores, deputados e o prefeito da cidade de São Paulo, Faria Lima362.
Tais presenças demonstram que os armênios na década de 1960 já gozavam de amplo
prestígio social junto à sociedade paulistana, o que justificava a presença do prefeito que, em
discurso, fez menção ao sofrimento causado pelo genocídio e a contribuição que a fundação
do Clube daria no sentido de oferecer uma vida mais pacífica a um povo que tanto sofreu363.
A fundação da nova sede da SAMA-Clube Armênio foi seguida de uma intensa campanha de
associação de armênios por meio de aquisição de títulos da entidade, como uma forma de
angariar novos membros através da oferta de estrutura recreativa e esportiva ímpares na
coletividade armênia de São Paulo364.
Das ramificações da FRA, apenas a Associação Armênia de Assistência – HOM –
se estabeleceu tanto em São Paulo quanto em Osasco. A filial paulistana da ala feminina do
partido foi criada em 21 de janeiro de 1934 com o intuito de preservar a cultura e prover
assistência social aos que necessitam365. Nos primeiros anos de funcionamento, a HOM se
dedicou a auxiliar na manutenção do Externato José Bonifácio e anos mais tarde fundou uma
casa de repouso para os idosos da coletividade que necessitassem de abrigo e cuidados
especiais366. A ala esportiva Homenetmen nunca operou em São Paulo, provavelmente pelo
360 JORNAL DO IMIGRANTE. São Paulo: ano VII, nº 83, fevereiro de 1985, p. 10 (AHK). 361 KNOWLTON, C. (1960). op. cit., pp. 120-121. 362 JORNAL DO IMIGRANTE. São Paulo: ano VII, nº 83, fevereiro de 1985, p. 10 (AHK). 363 Idem. 364 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano II, nº 14, janeiro-fevereiro de 1969, pp. 14-17 (AHK). 365 FREITAS, S. (2001). op. cit., p. 99. 366 MADOYAN, M. (2007). op. cit., p. 107.
80
fato da SAMA-Clube Armênio desempenhar a função para qual o braço esportivo da FRA
fora criado. O setor cultural – Hamazkayin – somente foi fundado em São Paulo em 2008367.
Não há registros nos arquivos da DEOPS/SP sobre o funcionamento de quaisquer
dessas entidades mencionadas acima, nem mesmo da ativa Federação Revolucionária
Armênia, cujas atividades eram de grande adesão dentro da coletividade armênia de São
Paulo e a denominação do partido, por si só, já seria capaz de despertar suspeitas nas
autoridades policiais entre os anos 1930 e 1960 – ainda que a agremiação estivesse
“disfarçada” de Associação Cultural Armênia de São Paulo. Por outro lado, a estrutura e o
funcionamento da União Armênia de São Paulo foram dissecados pela Polícia Política, que
via na entidade uma importante célula subversiva que operava no seio dos armênios na capital
paulista, ainda que a entidade fosse menor do que a instituição correlata da FRA e os seus
impressos – seja o Verelk ou o jornal Ararat – fossem de periodicidade menos regular e de
qualidade gráfica inferior à Revista Cultural Brasil-Armênia.
Tal constatação é sintomática do tipo de inimigo contra o qual a DEOPS/SP
lutava: os estrangeiros, mas principalmente aqueles que apresentavam pautas como o
anarquismo ou o comunismo como orientação de sua ação em São Paulo368. Nesse sentido, as
entidades de imigrantes que não se encaixavam nesse estereótipo funcionavam sem grandes
problemas com a Polícia Política, em muitos casos trabalhando junto com as autoridades
policiais no sentido de delação dos compatriotas envolvidos em atividades tidas como
subversivas369.
Nos capítulos seguintes, veremos como a Delegacia Especializada de Ordem
Política e Social de São Paulo funcionava e qual era o perfil das entidades e pessoas que a
Polícia Política tinha como perigosas para a ordem estabelecida na sociedade paulistana e
brasileira.
367 Disponível em <http://www.armenia.com.br/Hamazkayn/HAMAZKAYN.htm>, acesso em 14/03/2012. 368 Ainda que durante a II Guerra Mundial os fascistas também tenham se tornado alvo da Polícia Política. 369 Como no caso do consulado lituano em São Paulo que delatava à DEOPS/SP os imigrantes que estavam envolvidos em atividades comunistas. ZEN, E. (2010). op. cit., p. 79.
81
CAPÍTULO III - O comunismo armênio em São Paulo e a vigilância da DEOPS/SP
Não é possível falar em um partido ou agremiação política oficialmente comunista
fundada por armênios no país, como acontece com outras tendências políticas armênias ou
com comunistas oriundos de outros países. O que existiu no Brasil, mais especificamente em
São Paulo, foram ações de alguns armênios e descendentes em apoio e exaltação do
comunismo e à Armênia Soviética, que a partir da década de 1920 se tornou parte integrante
da URSS.
Este capítulo tem por finalidade compreender justamente o movimento desses
armênios entusiastas do comunismo em São Paulo, elencando os principais nomes e as
principais iniciativas nesse sentido. Evidentemente, tal ação não passou despercebida nem
pela coletividade armênia, muito menos pelo Estado, por meio de seu braço repressor e
vigilante que tinha em São Paulo, na Delegacia Estadual de Ordem Política e Social –
DEOPS/SP, a Polícia Política –, a sua principal expressão. Portanto, nas páginas seguintes,
discorreremos também acerca da vigilância da DEOPS/SP sobre os armênios em São Paulo e
de como estes agiam na cidade e no estado, apesar do cerco fechado pela repressão estatal.
São justamente os documentos produzidos pela DEOPS/SP no exercício de suas
funções de vigilância e repressão dos “elementos nocivos” à ordem estabelecida as principais
fontes de pesquisa para recontarmos essa história. Os prontuários criados pela Polícia Política
para identificar todos aqueles que atentassem contra a ordem são documentos riquíssimos
para mergulharmos no mundo daqueles que, de diferentes maneiras, lutavam por uma
sociedade diferente da que existia. Contudo, sempre que possível, as informações dos
prontuários serão cruzadas com outros materiais como periódicos da coletividade ou livros e
artigos, a fim de enriquecer a análise.
Entretanto, antes de começarmos a destrinchar o perfil das principais personagens
do comunismo armênio em São Paulo, vamos nos concentrar no propósito da criação e
funcionamento da DEOPS/SP para compreendermos o contexto da vigilância sobre os
armênios em São Paulo e entender o que a Polícia Política rotulava de “comunismo” na ação
desta coletividade de imigrantes entre os anos de 1930-1960.
4.1 O funcionamento da DEOPS/SP e o projeto autoritário em vigor no período
82
A Delegacia Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo foi criada pela lei
nº 2.034 de 30 de dezembro de 1924370 e teve diferentes denominações ao longo dos anos, de
acordo com as mudanças administrativas que eram feitas a fim de aperfeiçoar o trabalho desta
repartição371. Apesar da mudança constante de nomes e siglas, a função principal da
Delegacia se manteve a mesma durante os anos de 1930-1960:
(...) a prevenção e repressão das infrações que atentavam contra a existência da política e da República; contra a Constituição da República; forma de seu governo e contra a atual organização social; contra a segurança interna da República; sedição e ajuntamento ilícito; contra a segurança dos meios de transportes ou comunicação e das sociedades secretas e contra fraudes eleitorais. Eram também atribuições da Delegacia o processo de entrada de estrangeiros no território nacional (...); a organização das estatísticas operárias pelos métodos mais adequados; a fiscalização e observação do trabalho e da movimentação operária e as decorrentes das leis e decretos em vigor; a preservação e repressão ao anarquismo e demais doutrinas de subversão social372.
Ou seja, as atribuições do DEOPS/SP eram claramente as de uma Polícia Política, que sob a
lógica da suspeição, combatia as ideologias tidas como exóticas, trazidas ao Brasil pelos
estrangeiros que aqui aportavam373, sendo o comunismo a principal ameaça de desagregação
da sociedade brasileira. O historiador Rodrigo Patto Sá Motta chama a atenção para o fato de
que embora não tenha sido somente o anticomunismo a causa da criação das Polícias Políticas
pelo Brasil, foi o combate a tal ideologia a “principal razão de ser” destas repartições374,
nascidas a reboque dos movimentos tenentistas e operários que ocorreram durante a primeira
metade da década de 1920, principalmente os acontecimentos em São Paulo em 1924375.
A ação da Polícia Política era altamente invasiva e autoritária. Ao menor indício
ou suspeita de crime político, os agentes públicos vigiavam e perseguiam o suspeito, além de
invadir residências e outros estabelecimentos em busca de tudo que servisse como prova de
subversão da ordem por aquele indivíduo nocivo ao projeto de nação levado a cabo por
Getúlio Vargas em 1930376. Fotografias, cartas, livros, jornais, revistas e qualquer tipo de
material “suspeito” era filtrado e recolhido pelos policiais e anexados aos prontuários pessoais
e dossiês dos investigados. A esses prontuários, eram anexados os pareceres dos
370 PESTANA, José César (1955). Manual de Organização Policial do Estado de São Paulo. São Paulo: Escola Paulista de Polícia de São Paulo, p. 188. 371 Para todas as denominações da DEOPS/SP, cf. AQUINO, M. (2001). op. cit., p. 19. 372 Decreto n. 4715, de 23 de abril de 1930, Art. 92 e 94 apud: PEDROSO, R. (2005). op. cit., pp. 113-114. 373 DIETRICH, A. (2007). op. cit., p. 34. 374 MOTTA, Rodrigo Patto Sá (2010). “Comunismo e anticomunismo sob o olhar da polícia política” In: Locus: revista de história. Juiz de Fora: Edufjf, v. 30, nº 1, p. 21. 375 PINHEIRO, P. (1992). op. cit., p. 110. 376 A DEOPS/SP foi criada em 1924, mas foi aperfeiçoada e ganhou novas atribuições principalmente após 1930 com a ascensão de Vargas. De modo geral, não houve profundas rupturas na ação repressiva da polícia ou do Judiciário entre a Primeira República e o governo Vargas, mas sim uma otimização de suas funções nesse sentido. Ibid., p. 127.
83
investigadores, os avanços e alterações do processo em questão e outros documentos
relevantes que, por ventura, mudassem o rumo das investigações, quase sempre, em
detrimento dos interesses do réu.
Um bom exemplo deste tipo de apreensão que tem como finalidade provar a
infração do investigado é o caso do sapateiro Agop Boyadjian. Preso em 1949 juntamente
com Levon Yacubian ao irem aos correios retirar uma correspondência suspeita, Boyadjian
teve sua residência vasculhada por agentes da Polícia Política. Diante das evidências
recolhidas com os acusados, o delegado adjunto Thomas Palma Rocha, responsável pelo
Serviço Especial de Vigilância, definiu o material como “copioso e convincente de suas
atividades comunistas”, tendo a polícia o poder de zelar pela “defesa e soberania
nacionais”377. Entretanto, a análise feita pelo Juiz de Direito Manoel Itagiba Porto não
convergiu com a opinião do delegado adjunto. O magistrado afirmou que “tudo quanto se
apurou não passa de mera presunção”, acolhendo a argumentação do advogado de defesa,
para quem tudo não passava de “medismo da Polícia Política da capital”378.
Ana Maria Dietrich destaca que, muitas vezes, os investigadores iam atrás de
documentos que encaixam nos rótulos criados a priori pelo Estado. Os agentes da repressão
interpretavam as leis de acordo com as suas convicções, muitas vezes ignorando ordens da
Justiça, o que deixava os cidadãos a mercê dos interesses das autoridades policiais379. O
jornalista Levon Yacubian foi um dos alvos dessas arbitrariedades da Polícia Política. Quando
da ocasião de sua prisão em 1949, o jornalista foi mandado para a Casa de Detenção, onde
ficou preso de meados daquele ano até o início de 1950, mesmo tendo sido absolvido em
outubro de 1949 pelo juiz supracitado380. Um abaixo-assinado foi organizado pelos estudantes
da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo – onde Yacubian
estudava – protestando contra a atitude do então Departamento de Ordem Política e Social de
São Paulo que mantinha o colega detido ilegalmente381. O caso foi divulgado pelos números
37-38 do jornal “Ararat – a voz do povo armênio” de outubro-novembro de 1949, que
manchetava a absolvição de Yacubian e Boyadjian, bem como noticiava o abaixo-assinado
realizado pelos colegas do jornalista e afirmava ainda que coletividades armênias no exterior
também se manifestavam contra a manutenção da prisão do compatriota. O jornal define a
atitude policial como
377 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian. 378 Idem. 379 DIETRICH, A. (2007). op. cit., p. 38. 380 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 381 Idem.
84
(...) das mais arbitrárias, porquanto é inconcebível que, alguém apesar de absolvido, continue preso. Erradamente em princípio, desrespeitando a constituição de 46, espezinhando o Poder Judiciário, desprezando o mais elementar direito humano, a polícia só tem a perder, porque desmoraliza-se á medida que comete monstruosidades desta espécie382.
Essa atitude da polícia, que se coloca acima da justiça e da própria constituição
nacional, estava inserida na lógica de constantes atropelos à legalidade, que vem de longa
data, passando pela revolução de 1930. As forças armadas, principalmente o exército, se
colocavam no papel de árbitro da política nacional desde a proclamação da república em
1889383. Entre a renúncia de Washington Luís e a posse de Getúlio Vargas em três de
novembro de 1930, uma junta militar assumiu o poder e justificou a intervenção como uma
maneira de evitar o derramamento de sangue do povo brasileiro384. Ainda antes da posse de
Vargas, a mesma junta emitiu um manifesto em 27 de outubro de 1930 alertando a população
para os elementos perigosos e nocivos à ordem social385, mostrando assim que o medo do
“perigo vermelho” já estava presente no Brasil mesmo antes da criação da Aliança Nacional
Libertadora, dos levantes de 1935386.
Nesse contexto, em 1934, as Polícias Políticas de todo o país foram colocadas
sobre jurisdição do executivo, por meio da direção centralizada na Chefia de Polícia do
Distrito Federal, que passou a comandar diretamente as ações policiais em todo o país, à
revelia do Ministério da Justiça387. A vinculação da Polícia Política ao executivo tinha como
finalidade, além do controle direto do presidente e governadores sobre as DEOPS, a utilização
das ações de repressão e desarticulação de movimentos suspeitos como formas de propaganda
política do governo, que mostrava à população como as autoridades estariam combatendo o
perigoso inimigo comunista e outras ideologias “alienígenas” e perigosas à sociedade388.
Se as ações da Polícia Política estavam subordinadas às autoridades políticas,
fazendo dos próprios a “encarnação da lei”, nas palavras de Dietrich389, por vezes os agentes
da ordem pública eram chamados a intermediar relações pessoais, que pouco ou nada tinham
a ver com crimes políticos, mas que eram delatados enquanto tais pela população, justamente
por reconhecerem na DEOPS essa instituição capaz de regular várias instâncias da vida social.
382 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 37-38, outubro-novembro de 1949, p. 1. 383 SKIDMORE, Thomas (1969). Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Saga, 2ª ed., p. 25. 384 Idem. 385 Ibid., p. 29. 386 SILVA, Carla Luciana (2001). Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto Alegre: Edipucrs, Coleção História, 41, pp. 48-50. 387 ZEN, E. (2010). op. cit., p. 57. 388 Ibid., p. 58. 389 DIETRICH, A. (2007). op. cit., p. 42.
85
A política de delação incentivada pelas autoridades permitia que muitos indivíduos
denunciassem vizinhos, conhecidos ou colegas de trabalho como perigosos e subversivos,
quando na verdade, o que estava por trás das denúncias eram desavenças pessoais em
diferentes graus390.
O já citado Agop Boyadjian nos fornece outro exemplo de delação cujas
motivações políticas não ficaram suficientemente provadas. Em 13 de agosto de 1942,
Boyadjian denunciou para a Polícia Política o dentista e maestro da comunidade armênia
Vahakn – ou Wahakn – Minassian por ser simpático ao nazismo e comemorar o afundamento
de navios brasileiros por submarinos do Eixo391. Segundo a denúncia de Boyadjian, Minassian
seria nazista e dava banquetes em Santo Amaro para regozijar-se das baixas brasileiras ante a
ofensiva alemã392. Preso para averiguação no dia 21 de agosto de 1942, o maestro passou
treze dias detido sem ser ouvido pelas autoridades, tendo apenas contra ele uma acusação feita
por um compatriota sem embasamento de qualquer tipo. Em junho de 1943, quase um ano
após os acontecimentos, Minassian compareceu à delegacia para ser interrogado pelo
delegado. Na ocasião, Minassian declarou não conhecer seu acusador pessoalmente e
desconhecer qualquer tipo de motivação que tenha levado Boyadjian a fazer tal denúncia. O
dentista aproveitou o ensejo para pedir uma acareação com Boyadjian, a fim de esclarecer os
fatos. As testemunhas ouvidas depuseram no sentido de confirmar que tudo não passava de
boatos infundados. Assim, a autoridade competente julgou as denúncias “sem fundamento” e
arquivou o processo393.
Não é possível, com base na documentação dos prontuários, compreender o
porquê da acusação de Boyadjian. Diante dos fatos apresentados, não há elementos suficientes
para concluir que a delação do sapateiro e a detenção de Minassian tivesse algo de político ou
que atentasse contra a sociedade brasileira, o que justificaria, na ótica da repressão, a ação.
Mesmo sem provas e baseado apenas na palavra de um cidadão que já tinha antecedentes
criminais – Agop Boyadjian foi preso em 1940 por porte ilegal de armas394 – a Polícia Política
não hesitou em deter Minassian e mantê-lo na prisão por quase duas semanas. O caso
exemplifica como bastava pouco para que um cidadão fosse arrancado do seu lar e colocado
390 ZEN, E. (2010). op. cit., p. 61. 391 Pront. 17.834 – Wahakn Minassian. Minassian possui outro prontuário na DEOPS, com o nome grafado como “Vahakn”. Nesse prontuário, consta apenas um pedido do dentista e maestro para obtenção de passaporte a fim de viajar para a Argentina em 1946 (Pront. 66.154 – Vahakn Minassian). Talvez ao ter fornecido o nome grafado de outra forma, o maestro e dentista teve outra ficha aberta e o registro antigo, onde constava a sua passagem anterior pela polícia, não veio à tona. 392 Pront. 17.834 – Wahakn Minassian. 393 Idem. 394 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian.
86
atrás das grades e mantido lá, desrespeitando todos os princípios democráticos em nome da
segurança nacional.
Se ampliarmos o nosso olhar para outras fontes de pesquisa externas aos
prontuários da DEOPS/SP, podemos achar algumas pistas que indiquem uma provável
motivação para a contenda. Vahakn Minassian era um homem público e bem conhecido na
coletividade armênia em São Paulo. Nascido em Erzerum em 1905395, Minassian viveu em
Constantinopla até 1919, sob a tutela do patriarcado armênio da cidade, onde estudou até
1922, quando se viu obrigado a ir para Paris, fugindo das perseguições contra os armênios na
Turquia396. Após anos estudando música na Turquia e na França, Minassian se muda para o
Brasil em 1927, onde estuda odontologia, mas sem nunca abandonar a música397. Nos
primeiros anos da década de 1940, quando da fundação da União da Mocidade Armênia, no
que viria a se tornar a Sociedade Artística de Melodias Armênias – SAMA –, Minassian
organiza um coral e se torna o maestro do grupo, encontrando assim um local onde pode
expressar as suas habilidades musicais em consonância com a cultura armênia398.
Conforme vimos no capítulo anterior, a SAMA, onde o maestro organizou um
coral e foi entusiasta de primeira hora, era um braço da FRA em São Paulo. No programa do
Concentro Sinfônico do maestro Vahakn Minassian, em razão da estréia do músico em uma
apresentação aberta ao público armênio e à crítica especializada399, é possível ler várias
resenhas sobre apresentações anteriores de Minassian, inclusive em festividades ligadas à
FRA, como o 70º aniversário da agremiação política, ou ainda a comemoração à primeira
independência da Armênia, em 28 de maio de 1918400. É sintomático que o maestro Vahakn
Minassian, em 1961, de acordo com a resenha contida no programa do Concerto Sinfônico,
tenha participado das festividades, inclusive executando o “Mer Hairenik” – Nossa Pátria-
Mãe – que era o hino nacional da república de 1918-1920401. Com a anexação da Armênia
pela URSS, os símbolos nacionais existentes até então, como a bandeira tricolor, o brasão de
armas e o hino nacional foram substituídos por outros coerentes com a nova realidade da
Armênia. Assim, o Mer Hairenik continuou a ser executado apenas pelos partidários da FRA,
que não reconheciam a Armênia Soviética enquanto a expressão pátria dos armênios no
mundo, mas sim mais um dos muitos jugos sob os quais o povo armênio esteve submetido ao
395 VARTANIAN, Y. (1948). op. cit., p. 267. 396 CONCERTO SINFÔNICO do Vahakn Minassian (1964). São Paulo: Centro Armênio, p. 31 (AHK). 397 Idem. 398 Ibid., p. 34. 399 Ibid., p. 2. 400 Ibid., pp. 30-31. 401 Ibid., p. 30.
87
longo da história. Em suma, o registro de que o maestro Vahakn Minassian executou a canção
na década de 1960 comprova o alinhamento ideológico que este tinha com a FRA.
Vimos ainda no capítulo anterior que alguns partidários da Federação
Revolucionária Armênia se aproximaram do Eixo durante a II Guerra Mundial, por
acreditarem que uma vitória deste grupo contra os Aliados colocaria um fim à URSS e
libertaria a Armênia da opressão soviética. Não sabemos em que medida este apoio
reverberou entre os integrantes da FRA em São Paulo, muito menos temos elementos para
afirmar que o maestro seria um dos entusiastas desta postura. Contudo, num exercício de
conjectura, o apoio de uma parcela da FRA aos países do Eixo, contra o inimigo em comum
que era a URSS, poderia ter sido facilmente associado a um apoio strictu sensu ao nazismo do
III Reich, ainda mais em um cenário de radicalização das posições políticas durante uma
guerra mundial e em um período que muitas organizações políticas armênias viviam o seu
apogeu no Brasil.
É curioso notar que o prontuário de Minassian não recebeu o rótulo “nazismo” por
parte dos agentes da Polícia Política, como era praxe da prática policial, talvez pelo fato da
associação do maestro com tal ideologia não ter sido comprovada402. Era o comunismo o
principal inimigo da Polícia Política e do Estado a partir da revolução de 1930. Embora a
historiadora Carla Luciana Silva chame a atenção para que o anticomunismo estivesse
presente no Brasil em diferentes momentos da história403, não sendo inaugurado, portanto,
com os levantes de 1935, foi a partir dos anos 1930 que este perigo se tornou mais concreto,
devido à maior organização do PCB404. Citando Paulo Sérgio Pinheiro, a autora argumenta
que já em 1934, havia uma movimentação das forças armadas a fim de limitar os direitos
constitucionais com base no “perigo vermelho”405. Antes ainda do lançamento da Aliança
Nacional Libertadora em 30 de março de 1935, quando Luiz Carlos Prestes foi aclamado
como presidente de honra da organização406, já transitava na Câmara dos Deputados um
projeto de Lei de Segurança Nacional para cercear as liberdades individuais407.
Contudo, as organizações de direita de viés autoritário também foram alvos da
Polícia Política, principalmente depois do putsch integralista em 1938 e a entrada do Brasil na
II Guerra Mundial em 1942, ao lado dos aliados, contra a Alemanha Nazista e os países do 402 De todos os prontuários de armênios que localizamos no Fundo DEOPS/SP do APESP, não consta nenhum tipo de atividade além do “comunismo”, excetuando, é claro, aqueles que não têm nenhum tipo de atividade vinculada aos seus prontuários. 403 SILVA, C. (2001). op. cit., p. 15. 404 Ibid., p. 48. 405 Ibid., p. 50. 406 VIANNA, M. (2007). op. cit., p. 81. 407 SILVA, C. (2001). op. cit., p. 50.
88
Eixo. Os integralistas, principalmente por meio da Ação Integralista Brasileira – AIB –
fundada em 1932, foram aliados valiosos do Governo Vargas, principalmente na montagem e
implantação do Estado Novo em 1937408. Contudo, após a ilegalidade dos partidos políticos
em 1938 e as divergências entre integralistas e Getúlio Vargas por mais espaço no governo,
uma ala da AIB tentou tomar o Palácio Guanabara, sede do governo federal409. Até então, os
jornais e publicações integralistas circulavam sem problemas pelo país, garantidos pelos
poderes locais, conservadores e católicos por tradição, de acordo com Maria Luiza Tucci
Carneiro410. Os nazistas foram tolerados pelo governo Vargas, servindo inclusive como
exemplo e inspiração para as práticas de eugenia levadas a cabo após a implantação do Estado
Novo411. A partir de 1938, algumas medidas como a nacionalização da educação e a
obrigatoriedade do ensino em língua portuguesa começaram a restringir a ação dos imigrantes
alemães412. O cenário mudou definitivamente em 1942, com a entrada do Brasil na II Guerra
Mundial, quando os alemães passaram a ser vigiados pela Polícia Política e sujeitos às
mesmas práticas que a repressão utilizava para calar os que eram tidos como militantes de
esquerda413.
Portanto, é perfeitamente compreensível que Boyadjian, ao denunciar um
compatriota por supostamente comemorar o afundamento de navios brasileiros por
submarinos alemães, desencadeasse por parte da Polícia Política uma investigação sobre o
fato. Contudo, ainda que houvesse a disposição da DEOPS/SP para vigiar as ações da direita,
era a subversão de esquerda o principal alvo das autoridades. Isso se torna claro ao lermos,
por exemplo, o Manual de Organização Policial do Estado de São Paulo, escrito por José
César Pestana e publicado em 1955, como um material didático para a formação de policiais
no estado414. Pestana descreve da seguinte forma as atribuições do serviço secreto da Polícia:
“tem a árdua missão de descobrir os planos de agitação ou de revolução de organizações que
visem, por meio violento, a mudança do atual regime social e político [...] sua atividade mais
importante é o combate ao Partido Comunista”415. Para Rodrigo Patto Sá Motta, este tipo de
408 MAIO, Marcos Chor & CYTRYNOWICZ, Roney (2007). “Ação Integralista Brasileira: um movimento fascista no Brasil (1932-1938)”. In: FERREIRA, Jorge. & DELGADO, Lucília. O Brasil Republicano. Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2ª ed., pp. 47-48. 409 Ibid., p. 48. 410 CARNEIRO, M. (2003). op. cit., p. 25. 411 DIETRICH, A. (2007). op. cit., pp. 55-56. 412 Ibid., p. 57. 413 Ibid., p. 61. 414 PESTANA, J. (1955). op. cit., p. 3. 415 Ibid., p. 207.
89
publicação, embora disfarçado de material didático para a formação de policiais, eram
verdadeiros “tratados de combate ao comunismo”416.
Destarte, voltaremos as atenções a partir de agora justamente para a ação da
DEOPS/SP de repressão aos armênios em São Paulo, que segundo a Polícia Política, estava
ligada ao comunismo.
4.2 As primeiras incursões da DEOPS/SP sobre o comunismo dos armênios em São
Paulo
Entre os dias 23 e 27 de novembro de 1935, eclodiram em guarnições militares de
Natal, Recife e Rio de Janeiro os levantes que ficaram conhecidos pejorativamente como a
“Intentona Comunista”. Organizadas pelo PCB, as ações de 1935 foram pensadas para
aproveitar o momento propício para a revolução no Brasil, de acordo com a análise que a
Internacional Comunista fazia do país, baseada nas revoltas tenentistas na primeira metade da
década de 1920, especialmente em São Paulo417. Tais acontecimentos, juntamente com a
Coluna Prestes, seriam para a IC a centelha do movimento revolucionário brasileiro, já que na
América Latina, segundo a leitura da Internacional, era o exército o elemento mais
revolucionário418.
Contudo, se 1935 era o momento ideal para a revolução, segundo a análise da IC,
os acontecimentos decorrentes dos levantes não comprovaram na prática o que a instância
máxima do comunismo mundial havia teorizado. O fracasso da ação mostrou a deficiência de
uma estratégia que priorizava a mobilização das forças armadas e negligenciava a
participação popular, segundo Paulo Sérgio Pinheiro419. Aproveitando o ensejo dado pelos
levantes, o governo Vargas incutiu o pânico na população brasileira via imprensa,
denunciando o plano moscovita de dominação do Brasil e enrijecendo a vigilância e a
repressão aos suspeitos de subversão420.
416 MOTTA, R. (2010). op. cit., p. 22. 417 PINHEIRO, P. (1992). op. cit., pp. 76-77. 418 Ibid., pp. 185-187. Embora Marly de Almeida Vianna acredite que os levantes de 1915 foram fundamentados na tradição golpista e autoritária de uma parcela do Exército, tendo como causas principais os fatores internos de insatisfação dos militares, principalmente do Exército, ao invés de uma motivação comunista orientada pelo PCB e pela Internacional Comunista. VIANNA, M. (2007). op. cit., pp. 80 e 84. 419 PINHEIRO, P. (1992). op. cit., p. 308. 420 Ibid., p. 319.
90
Esse é o contexto da investigação de Nazareth Avedikian421, primeiro armênio
fichado por “comunismo” que pudemos encontrar no Fundo DEOPS/SP. Nascido na cidade
de Marash em 1907, Avedikian tem a sua primeira alteração registrada em seu prontuário em
09 de dezembro de 1935422, quando o país ainda tentava compreender o que teria acontecido
nos quartéis do Brasil durante os Levantes. Na ocasião, a autoridade responsável relata que foi
procurada pelos cidadãos José Pela, Lucinda Sabuja e Efigina Ketejam, que relataram que
eram vizinhos de Nazareth Avedikian, professor da Escola Armênia do bairro, e que este
participava de reuniões de caráter comunista. Nessas oportunidades, havia a presença de um
padre armênio de nome desconhecido, também partidário do credo de Moscou423. A denúncia
afirmou que a escola onde o professor Avedikian lecionava obrigaria os estudantes a usarem
uma faixa vermelha, simbolizando assim o Partido Comunista. Relatava ainda que, no
aniversário da Revolução Russa, grandes festas em homenagem a Lênin e outros líderes
soviéticos seriam promovidas e aqueles que não participassem das comemorações seriam
maltratados e agredidos, sob dizeres que anunciavam “o triunfo do Partido Vermelho424”.
No dia seguinte, o investigador João Telles de Souza apurou as denúncias. Em
relatório enviado ao delegado de Ordem Social, o investigador ratificou as acusações dos três
indivíduos que deram parte à Polícia Política. Souza credita a ação violenta e subversiva a um
grupo de armênios chefiados por Panos Kapugian425, morador do bairro do Chora Menino,
que por meio da violência angariava apoio às ideias comunistas426. Com base nas suas
incursões, o investigador afirmou que o professor Nazareth Avedikian de fato obrigava seus
alunos a usarem a faixa vermelha alusiva à Revolução Russa e as pessoas que viviam na
região tremulavam bandeiras da mesma cor, também em apoio aos ideais comunistas. Além
disso, há o relato do assalto à carrocinha de leite, narrado no começo deste trabalho, no qual
consta que indivíduos estrangeiros – sem definir de qual nacionalidade seriam – teriam
tomado a mercadoria de um leiteiro, justificando a ação pela chegada da revolução
comunista427. Não está explícito no relatório como o investigador teria chegado à conclusão
que estes “indivíduos estrangeiros” seriam armênios e muito menos, das motivações
revolucionárias do crime.
421 Pront. 3.125 – Nazareth Avedikian 422 Idem. 423 Idem. É possível encontrarmos entre os prontuários de armênios no Fundo DEOPS/SP o registro do padre Yesnig Vartanian (Pront. 98.399), que consta como assinante do Ararat. Todavia, não temos como afirmar categoricamente que Vartanian seja o sacerdote que comparecia às reuniões. 424 Pront. 3.125 – Nazareth Avedikian. 425 Curiosamente, não encontramos nenhum prontuário para esse indivíduo. 426 Pront. 3.125 – Nazareth Avedikian. 427 Idem.
91
Dois dias depois, o professor investigado compareceu à Delegacia de Ordem
Social a fim de prestar esclarecimentos sobre as denúncias. Entretanto, no seu prontuário, há
apenas a confirmação de Avedikian que lecionava na Escola Armênia situada na Rua Benta
Pereira nº 50 – a poucas quadras da Rua Ararimã, onde morava – e que a instituição de ensino
era totalmente legalizada e funcionava de acordo com os requisitos do Estado428.
As informações contidas no prontuário de Avedikian não são esclarecedoras. Não
existe um interrogatório ou registros de prisão do acusado. Sendo assim, torna-se difícil
compreender se as acusações de fato procedem e se havia um entusiasmo pelo comunismo nas
vizinhanças dos bairros Imirim e Chora Menino, na zona norte paulistana. Tampouco é
possível averiguar se os estudantes da Escola Armênia em questão usavam faixas e portavam
bandeiras vermelhas em festividades relacionadas às lideranças soviéticas. Concretamente,
temos somente as acusações dos três cidadãos – sobre o quais também os documentos
contidos no Fundo DEOPS/SP não fornecem maiores informações – e a confirmação do
investigador, cujos métodos para averiguação das denúncias não são claros e, portanto, pouco
confiáveis para os nossos propósitos.
A última informação acrescida no prontuário de Avedikian é uma cópia da lista de
assinantes do jornal “Ararat – a voz do povo armênio”, sobre o qual pormenorizadamente
falaremos mais tarde. Essa lista foi confiscada em 1949 – ou seja, catorze anos depois das
denúncias contra o professor – no contexto de repressão à imprensa tida como subversiva e
anexada ao prontuário de cada um dos que assinavam o periódico. Mas também não houve
uma investigação decorrente desta apreensão.
Contudo, no compêndio de documentos e informações que constitui o trabalho
“Massacre de armênios”, de Nubar Kerimian429, encontramos uma pequena biografia do
professor, narrada por ele mesmo ao autor em 1985. Nessa narrativa, Nazareth Avedikian
conta como sobreviveu ao genocídio, apesar da morte de seus pais e irmãos. Logo em seguida
à menção da chegada do professor ao Brasil em 1927 – ou seja, na época das denúncias,
Avedikian estava a oito anos no país – o professor esclarece: “Não sou comunista e não torço
para nenhum partido, sou Chesoc [neutro]”430. O sintomático aqui é a menção aparentemente
desconexa da sua neutralidade. No final da vida, já com oitenta anos, Nazareth Avedikian fez
questão de afirmar a sua neutralidade em relação aos partidos políticos – armênios,
subentende-se – mas, mais do que isso, ele negou enfaticamente ser comunista.
428 Pront. 3.125 – Nazareth Avedikian. 429 KERIMIAN, N. (1998). op. cit., p. 279. 430 Idem.
92
Podemos nos questionar sobre o significado dessa afirmação, cinquenta anos
depois de ter sido fichado como “comunista” nos arquivos da Polícia Política. No
depoimento, Avedikian afirmou que “o progresso para libertar a Armênia está muito lento,
estou desesperançado”431. Ou seja, é nítido o desânimo do professor ante a política levada a
cabo na Armênia, que a essa altura ainda fazia parte da URSS. Portanto, é plausível pensar
que após todos os anos sob tutela soviética, Avedikian tenha perdido as esperanças que seria
pelas mãos da URSS que os armênios teriam seus territórios recuperados junto à Turquia e
enfim a justiça seria feita. Pode ser decorrente desta frustração a negação veemente do
comunismo. Ainda, Avedikian pode ter aproveitado a oportunidade da visibilidade que lhe
seria dada no livro de Nubar Kerimian para negar de forma definitiva para a coletividade
armênia de São Paulo as acusações de comunismo, violência e autoritarismo feitas ao seu
respeito por vizinhos à Polícia Política anos antes.
Apesar de não ser possível precisar a trajetória política de Nazareth Avedikian nos
documentos escritos aos quais tivemos acesso, as informações desconexas e rarefeitas que
temos são reveladoras. Primeiro, da atmosfera de insegurança que pairava sobre São Paulo e o
Brasil logo após os levantes de 1935, a ponto de delações pouco fundamentadas e
investigadas serem levadas à diante pelas autoridades. Todavia, a negação do comunismo por
parte do acusado cinquenta anos após a imputação desse rótulo expõe as implicações no
mínimo negativas do “ser comunista” na mentalidade da coletividade armênia em São Paulo
também na década de 1980.
4.2.1 A “União Armênia de São Paulo” e a primeira expressão
institucional do apoio à Armênia Soviética
Se a trajetória de Nazareth Avedikian é difícil de ser compreendida por meio dos
prontuários da Polícia Política, o mesmo não acontece com outros indivíduos que estiveram
ligados a instituições, como a Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo” (UASP)432,
fundada em 20 de agosto de 1944433. Em fevereiro de 1950, durante o governo de Eurico
Gaspar Dutra, os agentes do então denominado Departamento de Ordem Política e Social
procuraram Zaven Sabundjian, primeiro secretário da UASP, a fim de solicitar que este
abrisse a sede da entidade – localizada na Rua Dr. Itapura Miranda, nas imediações do
431 KERIMIAN, N. (1998). op. cit., p. 279. 432 Pront. 94.341 – Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. 433 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº 17, agosto de 1947, p. 6 (AHK).
93
Mercado Municipal – para que os investigadores executassem uma vistoria no local434. Após a
busca e a apreensão no local, Sabundjian foi levado ao Serviço Especial de Vigilância, a fim
de prestar esclarecimentos às autoridades sobre as atividades da União.
Na repartição, o secretário descreveu a sua trajetória de vida. Embora em seus
documentos conste a naturalidade de Marash, Turquia, o interrogado afirmou ser legalmente
apátrida, embora se considere armênio, uma vez que a nacionalidade turca não lhe cabe de
acordo com o princípio de jus sanguinis vigente na Europa. Feita esta ressalva acerca de sua
origem, Sabundjian deu as explicações solicitadas pelas autoridades sobre o funcionamento da
entidade. O secretário afirmou que as atividades políticas da UASP cessaram quando da
retirada da embaixada da URSS do Brasil. Tais atividades consistiam numa campanha de
repatriamento de armênios para a Armênia Soviética, além de encampar a luta em prol da
recuperação dos territórios armênios ocupados pela Turquia, de onde a maioria dos armênios
da diáspora são oriundos435.
Desde a anexação do que sobrou dos territórios armênios pela URSS até 1936,
cerca de 42 mil armênios de toda a diáspora foram repatriados para a então Armênia
Soviética436. Após o fim da II Guerra Mundial, o governo soviético acenou com a
possibilidade de lutar pela retomada dos territórios armênios sob controle turco e, por volta de
1946, uma nova campanha de repatriamento foi lançada em todo o mundo. Cerca de 360 mil
armênios da diáspora manifestaram a vontade de partir para a Armênia Soviética, a fim de
ocupar os territórios históricos de onde foram expulsos por consequência do Genocídio
iniciado em 1915. A postura dos EUA e aliados de estreitar laços com a Turquia, frustrando
assim os planos soviéticos de anexação da parte oriental do território turco, bem como um
esfriamento dos incentivos soviéticos pela repatriação de armênios vindos da diáspora,
enfraqueceram as campanhas de retorno para a Armênia pelo mundo. Nesse sentido, ao invés
dos 360 mil esperados, cerca de cem mil imigrantes aportaram na Armênia Soviética até
1949437.
Em 1947, foi protocolado junto à Delegacia de Ordem Política e Social um pedido
de criação de uma “comissão de auxílio a repatriação de armênios”438, que tinha por
finalidade orientar aqueles membros da coletividade armênia no Brasil que desejavam voltar à
Armênia, “apesar de terem aportado nesta terra hospitaleira e segura”, na palavra dos
434 Pront. 94.341 – Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. 435 Idem. 436 AGBU: Armenian General Benevolent Union. Nova York: Volume 20, nº 2, novembro de 2010, p. 5. 437 Ibid., pp. 5-6. 438 Pront. 86.428 – Comissão de Auxílio a Repatriação de Armênios.
94
requerentes439. Para dirigir os trabalhos desta comissão, foram nomeados “alguns membros de
melhor conceito na coletividade armênia”440, quais sejam, Takvor Guiragossian441, Yervant
Mekitarian442, Estepan Abkarian443, Hovnan Tecekalian e, por fim, o primeiro secretário da
UASP, Zaven Sabundjian444. Ainda segundo o documento, o governo da Armênia – oblitera-
se que este governo é parte integrante da URSS – atendendo aos anseios de muitos armênios
na diáspora que desejavam voltar à Pátria-Mãe, iniciou uma política de retorno destes ao país.
Para Argentina, Brasil e Uruguai, coube uma quota de mil armênios que poderiam entrar na
RSS da Armênia no ano de 1947445. Após a averiguação dos antecedentes criminais dos
solicitantes – nada constando contra nenhum deles –, o documento não indica se o pedido foi
deferido ou se algum armênio que vivia no Brasil teria emigrado para a Armênia Soviética
neste contexto.
A ação de incentivo da repatriação de armênios para a Armênia Soviética
encampada pela UASP e descrita por Zaven Sabundjian estava em consonância com o que
acontecia em toda a diáspora. Na França e nos EUA, por exemplo, organizações armênias
eram fundadas para facilitar a emigração para a Pátria-Mãe, ao mesmo tempo em que faziam
propaganda do regime soviético armênio para os compatriotas que estavam distante do país446.
Por outro lado, o encerramento das atividades políticas da entidade coincide com o abandono
da política imigratória soviética em 1949, mas também com a proibição do PCB em 1947 e o
acirramento da Guerra Fria447. Ou seja, a UASP operou nesse sentido enquanto havia um
horizonte favorável para o incentivo da emigração de armênios para a URSS.
Na sequência do depoimento, Sabundjian afirmou que era anticomunista,
inclusive tendo contribuído com a Polícia Política no intuito de evitar que elementos
subversivos se infiltrassem na UASP. Nesse sentido, a diretoria da entidade teria advertido
Jacob Bazarian, Levon Yacubian e Agop Boyadjian que, descontentes com os rumos da
UASP, abandonaram a instituição fundando o jornal “Ararat – a voz do povo armênio”448, que
439 Pront. 86.428 – Comissão de Auxílio a Repatriação de Armênios. 440 Idem. 441 Secretário da UASP na gestão de 1946. VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº 13, agosto de 1946, p. 5 (AHK). 442 De orientação marxista e membro do Partido Social-Democrata Hentchakian. Mekitarian foi também um dos fundadores de um jornal bilíngue em São Paulo, o Hayastan Tsayin, em 1947. VARTANIAN, Y. (1947). op. cit., pp. 537-539. 443 Idem. Também secretário da UASP na gestão de 1946. 444 Pront. 86.428 – Comissão de Auxílio a Repatriação de Armênios. 445 Idem. 446 MOURADIAN, C. (1990). op. cit., pp. 313-317. 447 SKIDMORE, T. (1969). op. cit., pp. 93-94. 448 Pront. 98.526 – Ararat e Pront. 98.416 - A Voz do Povo Armênio.
95
“mantém uma linha tipicamente comunista e que não interessa, nem à União e nem à
verdadeira colônia armênia de São Paulo”, nas palavras do primeiro secretário449.
No final de seu depoimento, Zaven Sabundjian reafirmou sua conduta coerente
com as tradições armênias e a postura de manter-se distante de questões políticas. Nesse
sentido, não caberia à UASP manifestar-se contra ou a favor da URSS450. Para garantir a
postura anticomunista da entidade, Sabundjian afirmou que iria pedir junto ao presidente da
UASP a solicitação no Ministério da Justiça de um interventor brasileiro, “no sentido de
evitar a infiltração de elementos nocivos aos interesses nacionais, ajudando-os a cumprir as
leis vigentes e a manter em funcionamento a UASP.”451. Com essa estratégia colaboracionista,
o primeiro secretário esperava afastar de uma vez por todas as suspeitas de comunismo da
UASP, dos seus membros, bem como de si mesmo.
Contudo, se analisarmos a trajetória da União Armênia de São Paulo durante os
anos 1940 não encontraremos a postura neutra ante a URSS sobre a qual Sabundjian informou
à DEOPS/SP. Em 1945, no primeiro aniversário de fundação da UASP, foi lançado o Verelk –
em armênio: recuperação; homônimo de um dos muitos jornais armênio-soviéticos editados
na França na década de 1920452 – boletim informativo da entidade, de circulação interna453.
Inicialmente de periodicidade mensal, bilíngue e de confecção quase artesanal nos primeiros
números, os textos em português eram datilografados e os em armênio eram manuscritos e
reproduzidos em mimeógrafo, devido à falta de uma tipografia no Brasil que fosse capaz de
imprimir os caracteres armênios em larga escala454.
É inegável a postura entusiasta do boletim acerca da Armênia Soviética e da
URSS. Ainda que os textos contidos no Verelk não sejam densos teoricamente, discutindo
princípios do marxismo-leninismo ou do comunismo, os artigos analíticos sobre o que
acontecia da República Socialista Soviética da Armênia eram claramente de aprovação à
política levada a cabo por lá. No nº 9-10 de abril-maio de 1946, a capa anuncia uma
“homenagem aos deputados armênios eleitos pelo povo para o Parlamento Soviético”, com as
449 Pront. 94.341 – Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. 450 Idem. 451 Idem. 452 MOURADIAN, C. (1990). op. cit., p. 313. 453 Infelizmente, não tivemos acesso à coleção completa do Verelk. O material que foi possível recolher inicia-se nos nº. 9-10 de abril-maio de 1946 até o nº 17 de agosto de 1947. Não temos conhecimento se este foi o último número do boletim. 454 Embora Garabed Amiralian tenha confeccionado no Brasil um calendário armênio em 1941, na tipografia Massis, as obras maiores como o livro de Yesnig Vartanian eram impressos na Argentina. VARTANIAN, Y. (1948). op. cit.
96
fotografias de tais políticos: Anastas Mikoyan e Matzag Babian455. A fundação da UASP, do
boletim interno Verelk e alguns anos mais tarde do jornal Ararat, se deu na mesma época que
os políticos armênios estavam em seu apogeu na política e burocracia soviética, por isso
nomes como Mikoyan e Babian ganharam destaque nas páginas de tais publicações. Segundo
Marc Ferro, essa fase ocorreu durante os anos 1940-50, decaindo após a saída de Kruschev do
comando da URSS456.
No texto de abertura desse número do boletim, com um perfil de editorial, além de
uma saudação aos deputados eleitos, há a afirmação da Armênia Soviética enquanto expressão
pátria legítima do povo armênio: “após muitos séculos de escravidão, ressurge a Armênia,
autônoma progressista e rejuvenescida”457. Conforme vimos no capítulo anterior, os
partidários da Federação Revolucionária Armênia – agremiação política mais expressiva em
São Paulo – não encararam a RSS da Armênia como um país livre e independente, mas sim
como mais uma opressão e jugo sobre os quais a Armênia viveu por toda a história. Assim, a
afirmação do autor do texto que a república soviética em questão é sim o torrão nacional dos
armênios, nos parece uma resposta à conduta da FRA através dos anos.
O mais curioso no editorial deste número são as iniciais “Z. S.” ao final,
indicando assim ao leitor quem o teria escrito. Excetuando os textos de autoria de Jacob
Bazarian e Levon Yacubian, os demais eram normalmente assinados apenas pelas iniciais dos
autores. A prática de assinar com as iniciais pode ter sido utilizada a fim de despistar os
leitores estranhos, que não saberiam identificar os autores apenas com as primeiras letras dos
nomes, mas também identificar os que escreviam aos olhos dos membros daquele grupo que,
conhecendo os colegas, saberiam quem seria o autor apenas por essa pista. Sendo assim,
torna-se impossível confirmar quem é o autor de determinado texto, porém é plausível que “Z.
S.” seja referente ao primeiro secretário Zaven Sabundjian, cujo depoimento dado à Polícia
Política quatro anos mais tarde refutaria veementemente o envolvimento da UASP ou de seus
membros com o comunismo. Essa tese ganha força ao encontrarmos a fotografia de
Sabundjian no número treze do boletim, publicada junto a outros membros da diretoria da
UASP. Abaixo de sua foto, há a legenda “Zaven Sabundjian – diretor do ‘Verelk’” 458. Ou seja,
o depoimento dado para a repressão pode ter sido uma estratégia para despistar a polícia das
455 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº. 9-10, abril-maio de 1946 (AHK). 456 FERRO, Marc (1983). A Manipulação da História no Ensino e nos Meios de Comunicação. São Paulo: Ibrasa, p. 203. 457 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº. 9-10, abril-maio de 1946 (AHK). 458 Op. cit., nº 13, agosto de 1946, p. 9 (AHK).
97
atividades da UASP ou mesmo negar a postura de anos antes, fruto da cisão na entidade que
originou o jornal Ararat, publicação essa que nos anos 1950 manteve o tom entusiasta da
Armênia Soviética que antes era feito pelo Verelk.
A leitura do boletim nos dá a dimensão
de seu papel: primeiro, informar aos leitores o que
acontecia na União Armênia de São Paulo e na
coletividade; segundo, dar notícias gerais sobre a
Causa Armênia e outras comunidades da diáspora; e
terceiro, exaltar a República Socialista Soviética da
Armênia através de textos alusivos à sua história,
cultura, política, etc. Esse último elemento fica claro
em números como o de novembro de 1946459, cuja
capa traz em grandes caracteres vermelhos a frase
“Salve 29 de novembro”, em alusão ao 26º
aniversário da RSS da Armênia. Em tal número, o
editorial – desta vez sem assinatura, mas no mesmo
estilo dos anteriores subscritos por “Z. S.” – enaltece
a data:
A República Socialista Soviética da Armênia, completa mais um ano de existência. São portanto 26 anos de “regimem” [sic], que
deram a “Haiasdan”460 um esplendor e um progresso admiráveis. Nós, armênios do exterior, comemoramos esta data com grande orgulho, porque ela tem um significado todo especial para o nosso coração de patriota. Foi neste dia memorável que se implantou na Armênia, o “regimem” que lhe assegurou a liberdade econômica e social. Foi nesta data que os armênios, após 600 anos de indescritíveis martírios, encontraram a paz e a tranquilidade. Hoje, quando recebemos notícias alvissareiras do repatriamento de todos os armênios do exterior, sentimos nossos corações emocionados pela esperança de novo pisar o solo pátrio461.
Nesse trecho, é possível novamente identificar um claro apoio à Armênia Soviética e a
compreensão que esta república é a cristalização dos anseios do povo armênio que sofreu
“indescritíveis martírios”. Além disso, há também a menção à política de repatriamento de
armênios para a RSS da Armênia, cujo depoimento de Zaven Sabundjian à DEOPS/SP deixa
459 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº 16, novembro de 1946 (AHK). 460 “Armênia”, no idioma armênio. 461 Ibid., p. 2.
Figura 10: Capa do boletim informativo da União Armênia de São Paulo, Verelk. Fonte: Acervo do Prof. Dr. Hagop Kechichian.
98
claro que era uma das principais funções da UASP, encabeçadas por ele próprio, conforme
vimos no prontuário da comissão criada para este fim462.
Apesar de ser temática recorrente nas páginas do boletim, a política não era o
único assunto da publicação. Notícias sociais, anedotas, indicações de literatura e cinema
também podem ser encontradas no Verelk. Isso dá a dimensão que a UASP não era uma
agremiação política, com feições de partido, ao contrário de outras instituições armênias em
São Paulo. Atividades esportivas como tênis de mesa tinham lugar na sede da entidade, sob a
tutela da “Erevan”, braço esportivo e juvenil da União463. Apresentações teatrais e musicais
também eram eventos corriqueiros, os quais mobilizavam um grande número de adeptos da
União e em toda a comunidade464. A apreensão pela DEOPS/SP de uma lista com 46 nomes
de candidatos à diretoria da entidade em 1950 nos revela que era expressiva também a
participação de mulheres – treze candidatas à diretoria, algumas fichadas pela Polícia Política
por esse fato465.
Figura 11: Apresentação teatral produzida pela juventude da União Armênia de São Paulo. (Acervo da família
Magarian).
462 Pront. 86.428 – Comissão de Auxílio a Repatriação de Armênios. 463 Erevan (ou Yerevan) foi a capital da RSS da Armênia e se mantém como centro da administração nacional na atual República. 464 De acordo com o depoimento de Haroutiun Magarian. Aposentado. Entrevista concedida em sua residência, no bairro da Casa Verde, São Paulo, 13/02/2012. 465 Como por exemplo: Pront. 116.549 – Anahid Poladian ou Pront. 116.569 – Kassia Magarian, dentre outros.
99
Figura 12: Atores da UASP em cena. (Acervo da família Magarian)
Figura 13: Membros da juventude da UASP trajados com o figurino da peça. (Acervo da família Magarian)
Não encontramos anexado junto aos prontuários de armênios e descendentes o
boletim Verelk, tampouco foi aberto um prontuário exclusivamente para a publicação, como
100
aconteceu com o jornal “Ararat – a voz do povo armênio”. Entretanto, segundo o prontuário
de Levon Yacubian466, a Polícia Política realizou a apreensão de doze números do Verelk na
residência do jornalista, na ocasião de sua prisão em junho de 1949, inclusive lançando mão
de artigos assinados pelo jornalista a fim de interrogá-lo e acusá-lo467.
A última alteração registrada no prontuário da UASP data de 1963. Na ocasião,
foi reportado ao então Departamento de Ordem Política e Social que três latas contendo
quinze rolos de filme chegaram aos correios tendo como destinatário a União Armênia de São
Paulo. Sendo o remetente de Yerevan, capital da RSS da Armênia, a Polícia Política
“presumiu”, segundo suas próprias palavras, ser material comunista e subversivo,
necessitando então a apreensão para que a censura fosse executada468. Embora endereçada à
UASP, o endereço de entrega, segundo o prontuário, era para a “Importadora Comercial Ótica
Cine Foto Poladian e Cia. Ltda.”. O proprietário do estabelecimento, Valtevar Manouc
Poladian, então com 48 anos, negou enfaticamente à Polícia Política que tenha solicitado tal
material, declarando que, desde que chegou ao Brasil, em 1931, nunca teria voltado à
Armênia, porque segundo ele: “a União Soviética dominou o seu país; que, como é um
convicto democrata e não querendo permanecer em seu país sob o jugo moscovita, fugiu para
a Grécia e de lá para o Brasil [...]469. Poladian teve que escrever uma carta ao remetente dos
filmes, solicitando que não enviasse mais aquele tipo de material. A carta, bem como uma
tradução, encontra-se anexada ao prontuário470. Embora a enfática negativa de Poladian de ter
pedido o material ou de envolvimento com o comunismo, os prontuários revelam que o
mesmo foi presidente da UASP em 1945, na mesma gestão que tinha Jacob Bazarian como
vice-presidente e Zaven Sabundjian como primeiro secretário471. Ou seja, é possível que
Poladian tenha recebido o material por ter sido o primeiro presidente da entidade, anos antes.
Não sabemos ao certo quando a UASP encerrou as atividades, embora houvesse
um pedido de fechamento da entidade correndo na Delegacia Especializada de Ordem Social
em 1952472. O que é perceptível, se analisarmos os boletins internos, é que depois da saída de
Jacob Bazarian, Levon Yacubian e Agop Boyadjian em 1947473, a linha editorial do
466 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 467 Idem. 468 Pront. 94.341 – Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. 469 Idem. 470 Idem. Em 24 de maio de 1963, Pedro Melemendjian solicitou a liberação dos filmes, que seriam sobre a invasão de tropas nazistas à Armênia. As autoridades aceitaram liberar um dos filmes, enquanto outro, sobre a ocupação da Armênia por tropas russas, continuaria retido por ser “pura propaganda comunista”. 471 Pront. 98.526 – Ararat. 472 Idem. 473 Pront. 121.455 – Levon Jacobian. Este é outro prontuário de Levon Yacubian, com o nome grafado de forma diferente.
101
informativo foi alterada. Após a edição em homenagem ao 26º aniversário da RSS da
Armênia,474 de novembro de 1946, o número seguinte só foi publicado em agosto do ano
seguinte, como edição comemorativa ao aniversário de três anos da UASP e aos dois anos do
Verelk. Nesta edição, não é possível encontrar textos entusiastas à Armênia Soviética como
antes, tampouco notícias sobre a política na URSS que diziam respeito aos interesses
armênios. O editorial enaltece o crescimento da União Armênia de São Paulo e as ações da
entidade na coletividade armênia paulistana, enquanto afronta os críticos e opositores, que
segundo o autor, “tem seus dias contados” 475.
Entretanto, não é o abandono por parte do Verelk de uma linha editorial mais
pautada nas discussões políticas que sepultou a expressão pró-Armênia Soviética da
coletividade armênia em São Paulo. O declínio do boletim marca também a criação do jornal
“Ararat – a voz do povo armênio”, que seria o órgão mais entusiasta do regime soviético que
já foi publicado pelos armênios em São Paulo.
474 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº 16, novembro de 1946 (AHK). 475 Op. cit., nº 17, agosto de 1947 (AHK).
102
CAPÍTULO IV - O jornal “Ararat – a voz do povo armênio” e seus idealizadores: o
comunismo a serviço da Armênia
O afastamento de Bazarian, Yacubian e Boyadjian da UASP, segundo o
depoimento dado por Zaven Sabundjian, teria se dado após uma advertência da diretoria da
entidade a esses indivíduos que, insatisfeitos com as resoluções políticas da União, romperam
com esse grupo fundando um jornal independente, o Ararat – a voz do povo armênio476.
Entretanto, se analisarmos atentamente diversos prontuários criados pela Polícia Política no
contexto da repressão dos armênios em São Paulo, veremos que essa dissidência não foi tão
radical como os depoimentos indicaram.
No próprio prontuário da UASP, no qual podemos encontrar o depoimento
supracitado de Zaven Sabundjian, há o registro da apreensão na sede da entidade de registros
de assinantes do Ararat. Nessa lista, constam dezesseis nomes que de acordo com dados
cruzados pelos investigadores seriam de sócios da UASP477. Ou seja, mesmo fora da entidade
o jornal coordenado por Bazarian tinha algum apelo dentro da União, a ponto dos associados
serem assinantes e leitores da publicação dissidente.
Em 1952, na investigação aberta pela Polícia Política contra o jornal, as
autoridades já apontavam a ligação de Levon Yacubian, secretário do Ararat com a UASP –
de onde foi segundo secretário – e indicavam que a entidade seria a verdadeira sede do jornal
dirigido pelo trio. Para o delegado-chefe do Serviço Especial de Vigilância (SEV), Antônio
Ribeiro de Andrade, a UASP “era considerada um dos lugares onde se faz a mais intensa
propaganda comunista” e tinha conexões com outras instituições subversivas, como a
“Sociedade Estrela Vermelha”, com o “Comitê Russo para as vítimas da guerra” e com
jornais armênios da Argentina, supostamente comunistas478.
Os indícios de que o grupo que encabeçava o Ararat e a UASP ainda caminhavam
juntos são ainda mais fortes quando analisamos o último número do Verelk – alusivo ao
terceiro aniversário da entidade – ao qual tivemos acesso. Embora haja um claro
abrandamento na sua linha editorial, conforme discutimos antes, o número 17 do boletim
interno da UASP desmente a versão de cisão dos armênios entusiastas da RSS da Armênia em
476 Pront. 94.341 – Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. 477 Idem. 478 Pront. 98.526 – Ararat.
103
São Paulo. Na página sete deste número, vemos cenas do filme “Nercaht”, que mostra a volta
de muitos armênios retornando a terra-natal, enaltecendo assim a campanha de repatriamento
que foi o carro-chefe da entidade durante os seus três primeiros anos de funcionamento479.
Contudo, o mais interessante é que junto aos créditos das fotografias retiradas do filme está
escrito “gentileza de ARARAT”, revelando que foi o jornal dos “dissidentes” que cedeu as
imagens para o Verelk480.
Se o agradecimento do Verelk pelas fotos cedidas pelo jornal Ararat não fosse
suficiente para provar a continuidade da ligação entre os grupos, as páginas seguintes do
número comemorativo do boletim seriam. Na parte dedicada às notícias sociais da entidade,
junto ao anúncio de nascimento de filhos de associados, há um pequeno anúncio no qual se lê:
“Leiam e divulguem ‘ARARAT – a voz do povo armênio’” 481.
O anúncio do Ararat nas páginas do Verelk é indicativo de uma série de
estratégias criadas pelos envolvidos em ambas as publicações. Em primeiro lugar, tal
envolvimento nos indica que Zaven Sabundjian não foi preciso ao dizer à Polícia Política que
Bazarian, Yacubian e Boyadjian saíram da UASP para fundar o Ararat, denotando assim certo
grau de rompimento entre os dois grupos. Está claro pelas investigações da polícia e pelo
próprio Verelk que havia sim contato e mesmo colaboração entre o trio do Ararat e a UASP, a
despeito do afastamento dos mesmos da entidade, o que nos leva ao segundo ponto: a saída
dos fundadores do Ararat pode ter sido orquestrada pelos grupos a fim de dispersar a atenção
da repressão sobre a União Armênia de São Paulo. Criar uma nova publicação
institucionalmente desvinculada de qualquer entidade da coletividade armênia de São Paulo,
ao mesmo tempo em que a linha editorial do boletim interno da UASP é alterada, em conjunto
com uma efusiva negativa da diretoria da entidade no envolvimento com o comunismo,
convenceria a Polícia Política que a União não tinha nenhum tipo de vínculo com ideais
subversivos. A criação da nova publicação dissimularia a repressão e seria um espaço mais
livre e independente para uma postura e um discurso político mais incisivo por parte dos
editores, uma vez que não havia uma instituição por detrás, responsável pelas opiniões
emitidas nas páginas do jornal.
Antes de analisarmos o papel do “Ararat – a voz do povo armênio” na
coletividade armênia, bem como o seu discurso entusiasta do comunismo na Armênia, vamos
479 O filme foi exibido em sessão que teve lugar no Centro Armênio em 31 de maio de 1949, segundo apreensão de convites para a exibição em posse de Agop Boyadjian. Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 480 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº 17, agosto de 1947, p. 7 (AHK). 481 Ibid., p. 17.
104
examinar a trajetória de seus idealizadores, tanto sob a ótica dos prontuários produzidos pela
Polícia Política, quanto pelos rastros que eles deixaram na vida comunitária da diáspora
armênia em São Paulo.
O primeiro a ser analisado é o já citado Agop Boyadjian que, conforme
abordamos acima, tem uma trajetória curiosa de acordo com o seu rico prontuário no Fundo
DEOPS/SP. Preso em setembro de 1940 – um mês depois de ganhar 4.030 contos de réis na
Loteria Federal482 – pelo porte ilegal de um revólver, Boyadjian foi posto em liberdade no
mesmo dia após pagamento de multa483. Em 1942, a ficha do sapateiro ganha sua primeira
alteração por uma contenda política, justamente por ocasião da delação supracitada de Vahakn
Minassian. Todavia, foi em 1949 que Boyadjian enfrentou maiores problemas com a Polícia
Política.
Boyadjian – natural de Marash, Turquia, embora de nacionalidade libanesa,
sapateiro484 de instrução primária incompleta, morador da Mooca na zona leste da cidade,
com 43 anos à época da prisão, segundo o registro das autoridades policiais – foi detido junto
com Levon Yacubian às 15h do dia seis de junho de 1949, ao irem aos correios retirar três
volumes que, de acordo com a análise da Polícia Política, seriam de materiais subversivos485.
Por terem sido presos juntos, os prontuários de Boyadjian e Yacubian podem nos dizer muito
um sobre o outro, permitindo assim ao pesquisador cruzar as informações contidas em ambos
os documentos, a fim de tentar se aproximar o máximo possível dos acontecimentos.
Em depoimento dado à polícia no momento da detenção, Agop Boyadjian disse
que encontrou com Levon Yacubian na Rua Santo André – próximo à residência de Jacob
Bazarian, principal responsável pelo Ararat486 – e que o convidou para ir até os correios retirar
correspondências que teriam chegado destinadas a Bazarian487. Boyadjian, desconhecendo o
conteúdo das correspondências, aceitou fazer companhia ao amigo jornalista até o centro da
cidade488. No momento em que chegavam aos correios, os dois foram presos em flagrante e
levados para a sede do Departamento de Ordem Política e Social, onde prestaram depoimento
e ficaram detidos por doze dias antes de serem transferidos para a Casa de Detenção489.
482 CORREIO PAULISTANO. São Paulo: ano LXXXVII, nº. 25.910, sexta-feira, 23 de agosto de 1940, p. 11 (BN). 483 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian. 484 Idem. Ainda que outros documentos do prontuário declarem a profissão “industrial” para Boyadjian, é possível que a indústria em questão fosse do ramo de calçados. 485 Idem. 486 Pront. 95.621 – Jacob Bazarian. 487 Conforme nos indica um documento em posse de Levon Yacubian no momento da prisão, que o autorizava a retirar as correspondências endereçadas a Jacob Bazarian. Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 488 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 489 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian.
105
Com a prisão e o processo decorrente dela, Boyadjian teve a sua residência
revistada na presença do delegado Thomas Palma Rocha, do escrivão e de duas testemunhas.
No quarto onde residia o sapateiro, foram encontradas além dos móveis, roupas e utensílios de
uso pessoal, algumas apólices de empresas e uma caderneta da Caixa Econômica Federal490.
Não foi encontrado na busca policial nada considerado subversivo ou incriminador que
pudesse ser usado contra Boyadjian no processo que foi aberto contra ele. Entretanto, em sua
posse no momento da prisão nos correios, os policiais apreenderam uma lista de renovação de
assinaturas para 1949 do jornal Ararat, quatro talões de assinatura anual da mesma
publicação, oito convites para a exibição do filme Necaht que aconteceu no dia 31 de maio do
mesmo ano no Centro Armênio491.
Contudo, na certidão emitida pelo delegado supracitado sobre a busca e apreensão
na casa dos acusados, consta uma série de publicações confiscadas na casa de Boyadjian, que
não foram arroladas na primeira lista. Nessa segunda lista de material apreendido, há a
apreensão de 45 exemplares do Ararat, bem como de outros jornais492, incluindo o “Hoje”,
órgão do Partido Comunista do Brasil493. Não sabemos o motivo da existência da segunda
lista que, ainda que conste o nome de testemunhas e as demais formalidades burocráticas, não
está assinada por elas, nem pelo acusado. Não nos parece ser o caso da polícia “plantar”
provas contra os acusados, mas de qualquer forma é pouco compreensível tal lógica de ação
da Polícia Política.
Não está claro qual seria a participação de Agop Boyadjian no Ararat, assim como
também não conseguimos rastrear seus passos na União Armênia de São Paulo e, por
consequência, no Verelk. Pelo conteúdo do material que foi apreendido com Boyadjian no
momento da prisão e no quarto onde ele habitava, nos parece que a sua função no Ararat era
de administração das assinaturas e distribuição dos exemplares. O sapateiro não tinha mais do
que instrução primária incompleta – sua instrução foi classificada como “rudimentar” pelas
autoridades policias494 –, enquanto os outros envolvidos no Ararat, Levon Yacubian e Jacob
Bazarian, eram graduados pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Ou seja, é pouco
provável que Boyadjian desempenhasse alguma tarefa na redação dos textos publicados no
jornal. Não foram encontrados livros ou outras publicações de esquerda ou sobre a história da
Armênia na residência do sapateiro que nos indique que ele tivesse uma carga de leitura que o
490 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian. 491 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 492 Idem. 493 Pront. 87.838 – Hoje – Jornal do Povo à Serviço do Povo. Cf. CARNEIRO, M. & KOSSOY, B. (2003). op. cit., pp. 140-141. 494Pront. 73.631 – Levon Yacubian.
106
habilitasse a produzir artigos para o jornal495. O nome do sapateiro não consta sequer no
espaço reservado à informação sobre o jornal nas páginas da publicação. Nesse lugar, consta
somente o nome de Bazarian, como diretor, Yacubian, como secretário e Mary – ou Meire –
Apocalipse, a diretora-responsável pelo jornal496.
Agop Boyadjian e Levon Yacubian foram considerados elementos nocivos à
ordem pública e estavam sujeitos a expulsão do país, conforme previsto na Constituição
Federal em vigor desde 1946. Nesse sentido, a polícia, em consonância com o direito “de
zelar pela defesa e soberania nacionais, que nos impelem a representar aos mais altos poderes
da República solicitando a expulsão desses maus elementos, do território nacional”497, tinha o
poder de decidir pela retirada ou não do suspeito do país. A medida de expulsão poderia ser
aplicada a qualquer estrangeiro que de alguma forma comprometesse a “segurança nacional”.
Tal conceito genérico foi cunhado de forma ampla o suficiente para poder abarcar todos
aqueles que de diferentes formas, incomodassem as autoridades a partir de 1907, data da
primeira lei de expulsão no país498.
Assim, Boyadjian, tido como indivíduo indesejável ao país, sem laços familiares
que o prendessem ao Brasil, teve sua expulsão recomendada pelo delegado Thomas Palma
Rocha em 06 de setembro de 1949 e esperou pela execução da medida encarcerado na Casa
de Detenção. Contudo, no dia 03 de outubro, menos de um mês depois da prisão, o juiz
Manoel Itagiba Porto julgou a causa e absolveu Boyadjian e Yacubian por não considerar
subversivas as atividades de ambos, conforme já abordamos neste capítulo. Entretanto, as
autoridades de segurança pública só colocaram Boyadjian em liberdade no dia 27 de outubro,
ou seja, vinte e quatro dias após o habeas corpus ter sido expedido, após o SEV enviar um
ofício solicitando a liberação do sapateiro neste dia499.
Tal atitude das autoridades policiais e do Serviço de Segurança Pública de São
Paulo como um todo não foi mera falha de comunicação entre as repartições ou outro engano
de qualquer natureza que impediu que Boyadjian fosse posto em liberdade tão logo o alvará
de soltura fosse expedido. A manutenção da prisão do sapateiro e de Levon Yacubian foi uma
prática intransigente e deliberada por parte das autoridades policiais, que, desrespeitando a
495 Embora haja no número 31 do Ararat um texto assinado por Hagop Boyadjian. Apesar de ser homônimo do prontuariado Agop Boyadjian, não se tratam da mesma pessoa, pois segundo a chamada do texto no jornal o seu autor tinha apenas 18 anos na ocasião, enquanto Agop tinha 48 na época. Há outro artigo de Hagop no número 34. ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: Ano III, nº. 31, abril de 1949, p. 3; op. cit., Ano III, nº. 34, julho de 1949, p. 3. 496 Op. cit., Ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 3. 497 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian. 498 ZEN, E. (2010). op. cit., p. 52. 499 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian.
107
decisão judicial, apelaram para o ministro da justiça a fim de manter ambos os acusados
detidos preventivamente por mais noventa dias. O diretor responsável pela Casa de Detenção
enviou um ofício no dia 04 de outubro de 1949, ou seja, um dia após a absolvição dos dois
acusados, informando que havia recebido o habeas corpus, mas também tinha em mãos a
ordem de prorrogação da prisão de ambos, expedida pelo Ministério da Justiça500.
Podemos perceber então que a Polícia Política, dentro da sua lógica autoritária e
repressora, atropelava as instâncias constitucionais em prol da chamada “segurança nacional”.
Enquanto Agop Boyadjian é liberado tardiamente no dia 27 de outubro de 1949, quando sua
residência foi deslacrada pelas autoridades, Levon Yacubian permanece preso por mais alguns
meses – até 16 de janeiro de 1950 – a despeito da absolvição e do habeas corpus emitido
também em seu nome501.
4.1 Levon Yacubian: de jornalista promissor a preso político
Levon Yacubian e Agop Boyadjian foram presos juntos acusados de subversão,
sofreram o mesmo processo judicial, sendo absolvidos na mesma sentença. Contudo, as
semelhanças entre as duas trajetórias param por aí. Yacubian e Boyadjian tinham funções
muito distintas nas entidades que participaram e receberam tratamentos bem diferentes
também da Polícia Política.
Segundo levantamento feito à Polícia Marítima do Porto de Santos, Levon
Yacubian chegou ao Brasil em 27 de junho de 1928 com somente dois anos de idade, a bordo
do navio Valdívia, que partiu de Marselha, na França. Em seus documentos consta a
naturalidade de Alepo, Síria, ainda que a nacionalidade do jornalista seja sempre anotada
como “indefinida”, apesar do próprio se considerar armênio502.
Os primeiros registros que encontramos de Levon Yacubian na vida comunitária
armênia de São Paulo são nas atividades da União Armênia de São Paulo. Na edição referente
aos meses de abril e maio de 1946 do boletim Verelk, Yacubian, então com vinte anos,
escreveu uma pequena biografia do Marechal Ivan Bagramyan, oficial do Exército Vermelho
que comandou o I Exército na frente do Báltico e foi responsável pela captura de diversas
cidades e territórios sob domínio nazista durante a II Guerra Mundial. Em reconhecimento aos
seus feitos militares, Yacubian destaca que o oficial foi nomeado “Marechal da União
500 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian. 501 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 502 Idem.
108
Soviética” e recebeu uma alta condecoração do “generalíssimo Stalin”, sendo eleito deputado
do povo armênio para o Soviete Supremo em fevereiro de 1946503. No mesmo número, há
uma nota em uma coluna denominada “Bibliografia – os grandes escritores da UASP” na qual
se anuncia para breve a 30ª edição do “Jornalismo Noturno”, de autoria do “conhecido poeta
Leon [sic] Yacubian”504. Ainda que não haja mais informações sobre o que seria este
“Jornalismo Noturno”, tampouco algum poema que tenha tornado Yacubian “conhecido”, a
informação do lançamento da 30ª edição de um empreendimento nos dá uma ideia de que o
jornalista já vinha atuando nos círculos culturais da coletividade armênia de São Paulo505.
Yacubian começou a sua carreira de jornalista em São José do Rio Preto, no
interior do estado de São Paulo, como revisor da “Folha de Rio Preto” por volta de seus
dezoito anos de idade. Yacubian se mudou para a cidade com sua família três ou quatro anos
após chegar ao Brasil e residiu por lá entre os anos de 1937-1944506. Em 1945, o jovem
jornalista regressou para São Paulo, onde trabalhou na “Revista dos Tribunais”, além da
“Folha da Manhã”, jornal onde foi empregado até junho de 1949, quando foi preso pela
Polícia Política507. Ou seja, se as informações cedidas pelo depoente à polícia estiverem
corretas, com apenas um ano de residência em São Paulo – fixada na Avenida Cruzeiro do
Sul, zona norte da capital – Yacubian se integrou à coletividade armênia da cidade, associou-
se à recém-fundada União Armênia de São Paulo e passou a colaborar com o boletim da
entidade.
Escrevendo textos frequentemente para o Verelk, como uma resenha do livro “Os
Quarenta Dias de Musa Dagh”508, em ocasião da sua publicação no Brasil509, ou o artigo “Para
a Armênia”510, sobre a repatriação de conterrâneos para a Armênia Soviética – tema
recorrente na UASP – Levon Yacubian tornou-se uma das figuras mais ativas da entidade,
sendo inclusive eleito secretário da União durante a gestão que teve Jacob Bazarian como
503 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº. 9-10, abril-maio de 1946, p. 8 (AHK). Este artigo está assinado apenas com as iniciais “L. Y.”. 504 Ibid., p. 19 (AHK). 505 A única referência encontrada à poesia de Yacubian foi o parecer desfavorável do Jornal das Moças para a publicação do soneto “Silêncio da Tarde” de autoria do armênio, considerado “bastante fraco” pelo editor do periódico em 1942. JORNAL DAS MOÇAS. Rio de Janeiro: 26 de março de 1942, p. 90 (BN). 506 Apesar de ter regressado a São Paulo em 1941 para concluir os estudos, Yacubian desistiu deste plano em 1943, voltando para o interior. Pront. 121.455 – Levon Jacobian. 507 Idem. 508 Romance escrito pelo tcheco Franz Werfel que conta a história da resistência de uma vila armênia às investidas genocidas do governo otomano durante o Genocídio Armênio. WERFEL, Franz (1995). Os Quarenta Dias de Musa Dagh. Rio de Janeiro: Paz & Terra. 509 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº 11, junho de 1946, p. 11 (AHK). 510 Op. cit., nº 12, julho de 1946, p. 12 (AHK).
109
vice-presidente511. Provavelmente foi nos círculos da UASP que Yacubian e o então recém-
formado em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo, Jacob
Bazarian, se conheceram e começaram a trocar ideias sobre os rumos da Armênia Soviética e
da fração diaspórica no Brasil.
A amizade e a familiaridade de ideias entre os dois foram consolidadas em 1946,
com a criação do jornal “Ararat – a voz do povo armênio”512, do qual Bazarian foi o principal
responsável e tinha o jornalista Levon Yacubian como braço direito. Talvez influenciado por
Bazarian, o jornalista também ingressou na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São
Paulo, onde estudou até ser preso em 1949513.
À frente das máquinas de escrever da redação do Ararat e acumulando a função
com a secretaria do jornal514, Yacubian foi um jornalista audaz. Seus textos tinham por
característica serem diretos nas críticas e nos diagnósticos dos problemas da Armênia e da
diáspora. As análises sobre os fatos históricos da Armênia eram rigorosas nos acontecimentos,
indicando um alto grau de estudo e conhecimento, ainda que a avaliação política dos
acontecimentos fosse enviesada, de acordo com as suas ideias políticas.
Certamente, tais características contribuíram para Levon Yacubian chamar a
atenção da Polícia Política, que o monitorava desde quando ele prestou depoimento no
desenrolar da investigação de Jacob Bazarian515. Quando foi detido com Agop Boyadjian em
junho de 1949, a dupla já era investigada pela polícia que provavelmente iria efetuar a prisão
mais cedo ou mais tarde, se não houvesse o pretexto da retirada do material suspeito dos
correios516. Os textos que Yacubian escrevia no Verelk, mas principalmente no Ararat, eram
as provas necessárias para as autoridades policiais pedirem a expulsão do jornalista. Em
relatório de setembro de 1949, o delegado do caso afirma em relatório que diante das
evidências anexadas ao documento, não havia a necessidade de tecer maiores comentários
sobre a subversão de Yacubian, pois estas já eram convincentes das atividades comunistas do
acusado517.
A batida policial na casa de Yacubian reforçou o estereótipo de subversivo que a
Polícia Política ajudou a criar e manter durante os anos. Embora a relação de livros
enumerados pelas autoridades não haja muito de incriminador – sendo os títulos, na sua
511 Pront. 121.455 – Levon Jacobian. 512 Idem. 513 ARARAT – a voz do povo armênio. Ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1. 514 Ibid., p. 3. 515 O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: ano XXI, nº 47, 10 de setembro de 1949, p. 6. 516 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 517 Idem.
110
maioria, livros comuns na biblioteca de um estudante universitário, além de obras sobre a
história da Armênia e da Turquia518 –, no texto da certidão da prisão de Yacubian e Boyadjian
há vários livros e publicações que não constam na relação de livros anterior, mas que
provariam a subversão do jornalista519. Dentre o material encontrado na residência de
Yacubian, destacam-se boletins de embaixadas da URSS, títulos sobre a história soviética, a
causa palestina, material crítico ao sionismo, obras de Stalin, Lênin – como “Estado e
Revolução” – e Marx – “O Capital”, além do “Manifesto do Partido Comunista”, textos sobre
Luis Carlos Prestes e o PCB520. As publicações eram em português, inglês, francês e
espanhol, além de outros livros em “língua estrangeira”, revelando a gama de idiomas
dominados pelo jornalista. Na ocasião, a revista “O Cruzeiro”, que trazia uma série de
reportagens sobre “A 5ª Coluna Vermelha no Brasil”521, destacou a origem do material
apreendido com o jornalista:
Levon Yacubian recebia folhetos, revistas e livros escritos em russo diretamente da União Soviética, através das embaixadas russas no México e no Uruguai. Os envelopes traziam inscrições no próprio idioma russo e carimbos da foice e martelo em relevo, além de selos com a palavra “Moscou”. Yacubian se encarregava de distribuir esse material de propaganda entre os seus amigos intelectuais. Tão ousado era Levon Yacubian na sua atividade de conspiração, que mandava endereçar a correspondência de Moscou diretamente para a “Folha da Manhã”, embora o jornal nada tivesse a ver com a atividade extremista do seu funcionário522.
Se tomarmos como base os documentos anexados ao registro policial de Levon
Yacubian, a imagem que construímos do acusado é a de um indivíduo de “cultura elevada”,
nas palavras da Polícia Política, cuja vasta biblioteca comunista o habilita a escrever textos de
caráter subversivo e publicá-los num jornal de uma comunidade étnica radicada em São
Paulo, cujo país de origem a essa altura era uma das repúblicas integrantes da URSS. Tal
rótulo colaborou na construção da imagem de um criminoso de alta periculosidade para os
interesses nacionais, que deveria ser preso e expulso a qualquer preço.
A estada de Yacubian na prisão desencadeou uma crise no aparelho burocrático
composto pela polícia, judiciário e até mesmo o Ministério da Justiça. Presos em junho de
1949, Yacubian e Boyadjian foram mandados para a Casa de Detenção, a fim de esperarem o
fim do processo de expulsão de ambos do país, que ficaria a cargo da Seção de
Expulsandos523. Em setembro do mesmo ano, a expulsão do jornalista foi publicada no jornal
518 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 519 A exemplo do que ocorreu com Agop Boyadjian, há duas listas de objetos apreendidos, com itens diferentes arrolados em cada uma delas. 520 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 521 O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: ano XXI, nº 47, 10 de setembro de 1949, p. 79. 522 Ibid., p. 6. 523 Pront. 73.631 – Levon Yacubian.
111
Diário Carioca, embora não tenha sido
executada524. No mesmo mês, o Ministério da
Justiça prorrogou a prisão administrativa dos
dois acusados por noventa dias. Contudo, no
dia 03 de outubro, o juiz Manoel Itagiba
Porto acatou o argumento da defesa dos dois
armênios e os absolveu, alegando que todas
as acusações não passavam de “mera
presunção” da Polícia Política, baseadas no
anticomunismo latente desta organização,
expressado pelo advogado dos acusados. Na
mesma sentença, o juiz ordenou a emissão de
alvarás de soltura para os acusados525.
Entretanto, conforme vimos, a
libertação da dupla não foi tão rápida quanto
deveria. Boyadjian só foi solto no dia 27 de
outubro, quase quatro semanas após ser
absolvido526. A manutenção de Yacubian
encarcerado foi ainda mais abusiva. No dia
04 de outubro, ou seja, um dia após o julgamento, a Casa de Detenção recebeu o habeas
corpus dos acusados. No mesmo dia, o diretor da instituição enviou ao delegado responsável
pelo caso um ofício perguntando se deveria liberar os dois armênios, uma vez que havia
também em sua mesa a ordem de prorrogação da prisão preventiva por noventa dias, expedida
pelo Ministério da Justiça527. Enquanto isso, corria em paralelo desde o início de setembro o
processo de expulsão de Yacubian e Boyadjian, que não era uma medida judicial, mas
administrativa, competente ao poder executivo, portanto, não anulável com a absolvição dos
acusados pelo juiz528.
Começava então uma disputa entre o juiz que absolveu Yacubian e Boyadjian e o
delegado do SEV, responsável pelo caso. Em 14 de outubro de 1949, 98 estudantes da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo assinam um documento exigindo do
524 DIÁRIO CARIOCA. Rio de Janeiro: Ano XXII, nº 6493, quinta-feira, 01 de setembro de 1949, p. 4 (BN). 525 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 526 Pront. 46.273 – Agop Boyadjian. 527 Idem. 528 ZEN, E. (2010). op. cit., p. 52.
Figura 14: Fotografia do prontuário de Levon Yacubian na DEOPS/SP utilizada pela reportagem de “O Cruzeiro”. Fonte: O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: ano XXI, nº 47, 10 de setembro de 1949, p. 80.
112
secretário de segurança pública a libertação imediata do colega, em cumprimento a decisão
judicial529. A DEOPS/SP classificou o abaixo-assinado como “tática comunista”, sendo a
maioria dos signatários ignorantes quanto ao “cérebro que o concebeu e que sempre se oculta
sob o anonimato”530, se referindo a um suposto complô conspiratório comunista que agiria em
ocasiões como esta. Aproveitando o ensejo, o delegado-chefe do SEV, Antônio Ribeiro de
Andrade, opinou no sentido de que a direção da Faculdade fosse avisada de tal atividade
subversiva531.
O jornal Ararat – a voz do povo armênio deu ampla visibilidade ao caso em suas
páginas. Na primeira página da edição de dezembro de 1949 a janeiro de 1950, há uma
matéria sobre as manifestações contra a prisão de seu colaborador. Segundo o texto, no dia 13
de dezembro de 1949, os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo
fizeram uma manifestação na Rua Maria Antônia, em frente ao prédio onde Yacubian
estudava, pedindo a libertação do jornalista532. Na ocasião, dezenas de estudantes paralisaram
o tráfego na via colocando paralelepípedos como barreiras para os automóveis, retendo assim
um grande número de pessoas que passavam pela região e informando-os sobre os motivos do
protesto. Outra manifestação foi feita na Praça Ramos de Azevedo, centro de São Paulo, com
cartazes erguidos pelos estudantes que traziam dizeres contra o autoritarismo da polícia.
Outro apoio importante que Levon Yacubian recebeu foi do deputado estadual do
Partido Trabalhista Brasileiro, Castro Neves. Além de declarações dadas a grande imprensa
paulista sobre a ilegalidade de algumas ações da polícia, citando o caso, o político leu no
plenário da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo o manifesto intitulado “A Colônia
Armênia do Brasil quer a liberdade de Levon Yacubian”, que ressaltava a longa reclusão
ilegal a qual o compatriota estava submetido533.
No dia 26 de outubro, diante da pressão exercida por um setor da coletividade
armênia, pelos colegas de Yacubian, que reverberou inclusive na Assembleia Legislativa, o
juiz que absolveu o jornalista e Agop Boyadjian cobrou do delegado responsável explicações
para a manutenção da prisão de ambos. O delegado argumentou na comunicação entre os
aparelhos administrativos de segurança pública e poder judiciário que Yacubian era mantido
encarcerado, pois ele estava sob regime de expulsão do Brasil, esperando apenas o traslado a
ser providenciado pela Seção de Expulsandos. Todavia, o delegado frisou que Agop
529 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 530 Idem. 531 Idem. 532 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1 (AHK). 533 Ibid., pp. 4-5.
113
Boyadjian já estava em liberdade. O juiz Manoel Itagiba Porto considerou que a explicação da
autoridade policial não “satisfaz por completo” o seu questionamento e pediu maiores
esclarecimentos em um prazo máximo de vinte e quatro horas534.
A manutenção da prisão do jornalista e a tensão entre as autoridades policiais e o
juiz que absolveu os armênios são reveladoras do autoritarismo reinante na polícia – em
especial no Departamento de Ordem Polícia e Social – no estado de São Paulo mesmo em
períodos democráticos, como na virada da década de 1940. Tal autoritarismo não se traduz no
desacato da ordem judicial por inteiro, mas em uma seletividade do que acatar quando a
determinação do juiz vai contra o que a Polícia Política acredita ser o melhor para a segurança
pública. Portanto, quando as autoridades policiais decidem por liberar o sapateiro de 43 anos,
de ensino básico incompleto e manter na prisão o jovem jornalista universitário, isso indica o
tipo de cidadão que eles escolheram como inimigo político neste momento: aquele que
ardilosamente, se infiltra nas universidades e na imprensa, para com o seu discurso subversivo
moscovita, cativar as massas incultas e inocentes que estão à mercê deste tipo de criminosos.
Para não ceder à pressão do juiz e manter Yacubian preso, as autoridades
policiais, na figura do delegado auxiliar Elpídio Reali, mandaram um ofício ao Delegado
Especializado de Estrangeiros no dia 30 de dezembro de 1949, requisitando que fosse
efetuado “com urgência” o embarque do jornalista expulso. No dia anterior, o mesmo
delegado enviou ao cônsul da República do Uruguai em São Paulo um documento solicitando
a este um visto de trânsito “ao cidadão armênio Levon Yacubian”, o qual “deseja ir a
Montevidéu, onde há a mais próxima embaixada da URSS, a fim de receber destino
conveniente”535.
O destino de Yacubian ao ser expulso do país era incerto. O prontuário do
jornalista na Polícia Política informa que funcionários do Ministério de Relações Exteriores
consultaram autoridades polonesas sobre a possibilidade de receberem o indivíduo expulso.
Estas teriam respondido que, de acordo com a legislação da Polônia, Yacubian seria aceito em
território polonês, caso este fosse cidadão soviético536. Ainda que as autoridades brasileiras
tenham pedido para a polícia providenciar os documentos que provassem a nacionalidade de
Yacubian a fim de enviá-lo para a Polônia, isto não foi possível uma vez que ele não tinha tal
origem. A Polícia Política chegou a tal conclusão após pedir junto a Polícia Marítima de
Santos a confirmação da nacionalidade do acusado, que embora tivesse nascido na Síria, se
534 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 535 Idem. 536 Idem.
114
declarava armênio, enquanto constava nacionalidade “indeterminada” ou “apátrida” em seus
documentos537.
Este cenário ilustra bem a ignorância que pairava na Polícia Política sobre a
situação dos armênios. Como naquele momento a Armênia era uma República Socialista
Soviética, as autoridades inferiam que todos os armênios e descendentes que estavam no
Brasil eram, por consequência, cidadãos soviéticos “adeptos e admiradores de Stalin”538,
ignorando assim que os imigrantes que chegaram ao Brasil saíram de cidades que pertenciam
ao Império Otomano, antes da Revolução Russa ou da anexação da Armênia pela URSS.
Assim sendo, no modo de pensar da Polícia Política, se Levon Yacubian era armênio e a
Armênia era parte da URSS, logo, ele era comunista e cidadão soviético, de forma que a
Polônia poderia recebê-lo após a expulsão do Brasil.
Conforme vimos, a União Armênia de São Paulo, da qual Yacubian participou,
tinha como uma de suas razões de ser o auxílio de armênios que desejavam emigrar para a
República Socialista Soviética da Armênia. O jornal Ararat, do qual o jornalista era um dos
responsáveis, noticiava frequentemente este movimento de repatriação de armênios do mundo
para a “Pátria-Mãe”, que, apesar de ser uma nação diferente daquela de onde eles haviam
saído anos antes, ainda guardava elementos culturais em comum que permitiam que muitos –
porém não todos – armênios da diáspora olhassem para a experiência da Armênia Soviética e
a vissem como uma expressão pátria de seu povo.
Contudo, Yacubian e outros nutriam um sentimento diferente pela Armênia
Soviética. Além de ter a República como uma referência de sua ancestralidade, o jovem
jornalista era um entusiasta de seu regime político. Por conta disso, e talvez imbuído de toda a
atmosfera que cercava a emigração de armênios diaspóricos, Levon Yacubian cogitou a
possibilidade de ir para a RSS da Armênia e a expulsão do Brasil seria um catalisador dessa
ida. Os documentos contidos em seus prontuários no Fundo DEOPS/SP do APESP nos dão
indícios sobre isso. Primeiro, a solicitação de ir para a embaixada da URSS no Uruguai teria
partido dele, segundo a comunicação oficial entre as autoridades paulistanas e uruguaias539,
ainda que o vizinho sul-americano fosse um destino comum de expulsos políticos, segundo
Erick Zen540. O Uruguai foi um dos primeiros países a reconhecer o governo da URSS como
537 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 538 Pront. 98.526 – Ararat. 539 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 540 ZEN, E. (2010). op. cit., p. 100.
115
legítimo – em 1926 – e a estabelecer com esse país relações comerciais e diplomáticas541, se
tornando rapidamente uma referência para os comunistas de toda a América Latina.
Segundo, o próprio Yacubian declarou à Polícia Política – ainda em 1948, quando
o Ararat e seus coordenadores começaram a ser investigados – que teve interesse de ir à
Armênia, ainda que tal ideia não mais o seduzisse542. Evidentemente, diante do delegado que
tinha conhecimento do teor dos textos do jornalista bem como do apoio à campanha de
repatriação de armênios, negar veementemente que ele próprio tivesse o desejo de ir para a
RSS da Armênia soaria como um cinismo pouco prudente em um depoimento à Polícia
Política. Por isso, Yacubian explicitou tal vontade passada em sua fala. O terceiro e mais
importante indício é a existência, anexado ao seu prontuário, de um formulário em branco da
Embaixada da URSS no Brasil sediada no Rio de Janeiro, de solicitação de repatriamento para
a Armênia Soviética. O documento foi anexado em fevereiro de 1950 ao prontuário do
jornalista543, isto é, após a sua liberdade, e não está claro se o formulário era um dos vários
pertences apreendidos do acusado ou se foi requisitado pela própria Polícia Política a fim de
agilizar o processo de expulsão.
Apesar de toda a tentativa da Polícia Política em expulsar o jornalista Levon
Yacubian, passando por cima da sentença judicial que determinava a sua liberdade, as
autoridades de segurança pública liberaram o jovem armênio em 13 de janeiro de 1950,
acatando uma decisão do Ministro da Justiça Adroaldo Mesquita da Costa, após o acusado ter
cumprido uma última prorrogação de quarenta dias de sua detenção544. Assim, na briga entre
o judiciário e a polícia pela prisão e expulsão do “alienígena subversivo”, por fim, venceu a
Justiça. Entretanto, a Polícia Política deixou suas marcas na vida de Levon Yacubian e na
coletividade armênia de São Paulo.
No relatório do delegado adjunto da Delegacia de Expulsandos, Roberto de
Lorenzi, feito em janeiro de 1949, quando Yacubian ainda não estava preso, mas já era
investigado pela polícia, fica clara a visão que a Polícia Política tinha do jornalista. A
autoridade policial faz um grande discurso sobre os subversivos que atuavam na imprensa e
traziam nos seus textos a solução miraculosa para todos os problemas da sociedade545.
Contudo, para a felicidade da população brasileira, o governo estaria a postos para defender a
todos deste perigo. As autoridades “não permitem que tais ervas se alastrem, sufocando as
541 PINHEIRO, P. (1992). op. cit., p. 133. 542 ZEN, E. (2010). op. cit., p. 100. 543 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 544 Idem. 545 Idem.
116
boas plantas que, mais do que aquelas, precisam do húmus que pelas primeiras lhes é
furtado”546. Ervas daninhas essas que para o delegado seriam os jornalistas estrangeiros, que
fariam uma “verdadeira guerra química em tempos de paz”, que são como “germes nocivos à
saúde da inteligência e do espírito é um mal tão grande como, para a saúde do corpo, poluir as
águas potáveis com germes do tifo ou do cólera morbus”547.
São recorrentes no relatório do delegado sobre Levon Yacubian tais metáforas
biológicas, comparando a sociedade com um corpo e os que não se encaixavam nos padrões
estabelecidos de comportamento e conduta com “germes” ou “ervas daninhas”. A autoridade
desumaniza o acusado, qualificando-o como uma doença a ser extirpada, não como um
cidadão, ou melhor, como um ser humano. As ideias divergentes daquela entendida como
aceitável pela Polícia Política e pela ordem política posta eram indícios que aquele cidadão
que as alimentava não era mais um homem, com direitos inalienáveis, mas sim um
“alienígena”, que deveria ser neutralizado a todo custo e expulso do corpo hospedeiro. No
caso de Yacubian, o “parasita” em questão, a “cura da doença” viria pela expulsão do
território nacional. Findadas as metáforas, o relatório do delegado prossegue com outro mote
recorrente em discursos de desumanização do outro, do inimigo eleito. Agora, o delegado
coloca Yacubian como traidor, pois na pátria “liberal e democrática” que o acolheu, ele ousou
implantar ideias estranhas à nação, ameaçando instituições como a religião e a família, como
é próprio do comunismo548.
O passo seguinte do delegado Roberto de Lorenzi foi no sentido de desqualificar a
defesa de Levon Yacubian, que segundo ele, “não defende ninguém”, mas somente realiza
ataques às autoridades de segurança pública e desfere argumentos inválidos, como o de que
Yacubian não versava sobre assuntos que diziam respeito ao Brasil, sendo então insustentável
a tese de que ele efetuava uma subversão da sociedade brasileira549. De fato, se analisarmos os
textos de Yacubian tanto no Verelk como no Ararat, verificaremos que a Armênia é a
principal preocupação do jornalista, não sendo a realidade brasileira uma temática eleita como
relevante para a discussão e reflexão naqueles espaços. Todavia, para o delegado, isso é uma
falácia e para provar ele lançou mão de um texto que Levon Yacubian escreveu, no qual o
jornalista defendia que “somente com o auxílio fraternal dos povos soviéticos” a Armênia
encontrou condições para se reerguer diante dos problemas que teve ao longo dos anos.
Roberto de Lorenzi afirmou que tal excerto tem por finalidade inferir que a URSS seria um
546 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 547 Idem. 548 Idem. 549 Idem.
117
“país generoso e altruísta” que “estendeu a mão fraternal à Armênia”, o que, segundo ele,
seria mentira, pois não é vantagem para nenhum país perder a sua soberania e submeter-se à
Moscou550.
Após citar outro artigo de Yacubian, o delegado reiterou a sua posição que mesmo
sem abordar questões relativas ao Brasil em seus textos, o jornalista enaltecia de tal maneira o
regime soviético que incutia no “espírito das massas (principalmente, as nossas, de
insignificante nível intelectual) [sic]”551 a ideia subversiva e nociva de que uma nação, no
caso, a Armênia, cresceu e prosperou após entregar a sua autonomia à Moscou. E mais, para
Lorenzi, se o regime soviético é tão benéfico quanto afirma o jornalista, o delegado convida
ironicamente
o Sr. Levon Yacubian pregar na ultra-democrática Rússia, vá pregar na Praça Vermelha de Moscou ou na de Vladivostock, na Sibéria [...] terá, assim, uma ótima oportunidade para verificar qual o conceito de lá resolvem os casos de outra maneira, pois, não dispondo de tempo para processos de expulsão, são obrigados a meios... um tanto mais sumários... [sic]552.
Se já não bastasse todo o grau de preconceito, autoritarismo e intolerância do
discurso e da prática da Polícia Política e do Estado para lidar com o inimigo político, o
delegado ainda traz na sua fala a ideia que o sistema ao qual ele pertence seria justo e correto,
na medida em que na URSS a subentendida execução era a ferramenta utilizada para lidar
com os dissidentes do regime. Assim, Levon Yacubian, chamado literalmente de “espião” e
“traidor” pelo delegado, ainda teve que assistir a abertura do processo de expulsão contra ele,
sendo essa a “melhor das hipóteses” defendida por Lorenzi, que não se arriscou a explicitar
textualmente qual seria a pena que ele achava que o jornalista mereceria553.
De janeiro de 1949, quando este relatório foi escrito, até janeiro de 1950, quando
Yacubian foi solto, uma movimentação intensa ocorreu seja na Polícia Política – a fim de
expulsar o jornalista subversivo –, seja numa parcela da coletividade armênia de São Paulo,
que tentava dissuadir as autoridades de segurança pública de punir um de seus membros. O
fato é que depois de solto, não encontramos nas publicações dos armênios de São Paulo mais
contribuições do jornalista. Nos arquivos da Polícia Política, consta apenas um registro de
1976, no qual Yacubian pediu um “nada consta” à polícia para emitir uma carteira de
habilitação554. Em suma, o jornalista não foi expulso do país e nem desistiu de viver em São
Paulo, porém, a repressão da Polícia Política conseguiu calar esta voz dissidente, que não
550 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 551 Idem. 552 Idem. 553 Idem. 554 Idem.
118
mais se expressou por meio da imprensa armênia no Brasil. Contudo, este não foi o fim do
apoio armênio-brasileiro a Armênia Soviética. O colega de Yacubian, Jacob Bazarian,
continuou por mais algum tempo a dar voz a esta parcela dos seus compatriotas radicados em
São Paulo.
4.2 Jacob Bazarian: de militante comunista a crítico da URSS
De refugiado do genocídio a grande intelectual soviético, passando por
empreendimentos jornalísticos em São Paulo e em Paris, a trajetória de Jacob Bazarian é rica
em elementos para analisarmos tanto o comunismo desse personagem, como também para
refletirmos sobre o modus operandi da Polícia Política na repressão ao comunismo.
Mais do que um membro da coletividade armênia de São Paulo entusiasmado em
algum grau com a Armênia Soviética, como eram a maioria dos armênios encarados como
subversivos pela DEOPS/SP, Bazarian foi um intelectual ativo tanto na Causa Armênia
quanto nos assuntos concernentes ao mundo contemporâneo, sobretudo acerca de filosofia.
Sua rica bibliografia, que inclui alguns livros e dezenas de artigos publicados, facilita o
trabalho do pesquisador que deseja compreender a carreira desse intelectual. Para o nosso
propósito aqui, as obras de Bazarian nos dão pistas mais concretas de sua ação do que
poderíamos inferir apenas analisando as informações que foram filtradas pelos agentes da
Polícia Política.
Jacob Bazarian nasceu na cidade de Marash em 1919, caçula de uma família de
cinco filhos. Após a deterioração da condição de vida dos armênios no Império Otomano, a
família Bazarian se refugiou na cidade de Alepo, Síria em 1922. Em 1926, Jacob e uma parte
da família se mudaram para Marselha, a exemplo de outros milhares de armênios que
buscaram na cidade portuária do sul da França condição de vida melhor do que aquela que
lhes era oferecida no Oriente Médio555.
Em 1928, alguns membros da família Bazarian vieram para o Brasil, no mesmo
contexto da vinda de outros tantos armênios para a América. Em São Paulo, foram recebidos
por um tio já estabelecido na cidade que lhes deu a primeira assistência. Na década de 1930, a
família estava toda reunida no Brasil, com a exceção da mãe, que morreu num hospital
libanês. Após trabalhar de mascate, a família chefiada pelo pai, Artin, e o primogênito,
Karnig, conseguiu acumular capital e abriu a primeira loja em Itapetininga, interior de São
555 BAZARIAN, J. (1988). op. cit., pp. 14-15.
119
Paulo. Logo, os negócios se ampliaram para outros estabelecimentos comerciais na cidade e
na capital556.
Em meados da década de 1940, Jacob Bazarian já era membro de uma família
estabilizada em São Paulo, o que lhe deu condições financeiras de estudar até o ensino
superior, fato pouco comum entre imigrantes de primeira geração557. Entre 1944 e 1945,
cursou Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Paulo, ao mesmo tempo
em que trabalhava em jornais da capital paulista, dentre eles, o já citado “Hoje”, órgão do
PCB558. Antes disso, contudo, ele havia iniciado os estudos na Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo, bem como na Faculdade de Filosofia São Bento, abandonando
ambas559. Bazarian também foi discente na Escola de Sociologia e Política, de onde foi
expulso em 1944 por conta de seu envolvimento com o PCB, que naquele momento era uma
agremiação ilegal560.
Em 1945, enquanto completava a licenciatura em Filosofia na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, Bazarian requisitou sua cidadania brasileira561. Entretanto, três
anos depois de solicitar a naturalização, o filósofo foi alvo de investigação do Estado por
atividades contra a ordem do mesmo país do qual ele tentava se tornar cidadão legítimo.
As investidas da Polícia Política contra o filósofo foram motivadas pela criação do
jornal “Ararat – a voz do povo armênio” em outubro de 1946. A publicação, como vimos na
ação movida contra Levon Yacubian, era acusada pela Polícia Política de ser panfletária e
exaltar o comunismo. Nesse sentido, em 1948 iniciou-se uma investigação contra Bazarian
que resultaria no pedido de cancelamento da naturalização e a consequente expulsão do
armênio562.
A investigação ficou por conta do delegado Roberto de Lorenzi, o mesmo que, no
ano seguinte, seria implacável no caso Yacubian. Em outubro de 1948, em depoimento à
autoridade policial a fim de esclarecer a razão de ser da publicação, Bazarian afirmou que o
jornal nasceu para defender as históricas reivindicações armênias às terras ocupadas pela
Turquia e, assim sendo, garantir dimensões territoriais vastas o suficiente para receber de
volta todos os armênios que precisaram se refugiar em diversos países do mundo. Segundo o
556 BAZARIAN, J. (1988). op. cit., pp. 15-17. 557 TRUZZI, O. (2009). op. cit., pp. 145-146. 558 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 139. 559 BAZARIAN, Jacob. (1986). Intuição Heurística: uma análise científica da intuição criadora. São Paulo: Alfa-Ômega, 3ª ed., p. 29. 560 BAZARIAN, Jacob (1991). Por que Nós, os Brasileiros, Somos Assim? Os traços psicológicos característicos dos brasileiros, suas causas e consequências. São Paulo: Alfa-Ômega, 2ª ed., p. VIII. 561 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 153. 562 Pront. 95.621 – Jacob Bazarian.
120
filósofo, o jornal não teria uma linha política oficial e clara, mas seria mais um veículo de
união dos armênios em prol da sua causa. Bazarian complementou frisando que o jornal era
registrado legalmente e era impresso em língua portuguesa, portanto, não teria nada a
esconder563.
Não por acaso, os objetivos da publicação declarados pelo seu principal
responsável são os mesmos que norteavam a União Armênia de São Paulo e os textos do
boletim interno Verelk. Segundo depoimento de Levon Yacubian, Bazarian foi vice-
presidente nas duas primeiras gestões da entidade, que tinham o jornalista como secretário564,
entre 1944 e 1946. Durante esse período, podemos encontrar com frequência nas páginas do
Verelk as ideias e contribuições do filósofo para o boletim. Textos sobre a eleição de
deputados armênios para o Supremo Soviete565, a repatriação de armênios566, as
reivindicações territoriais históricas567, ou ainda sobre a coletividade armênia de São Paulo568
foram escritos por Bazarian, transformando-o no principal articulista do boletim, ao lado do
jovem Yacubian. Jacob Bazarian encontrou nas páginas do Verelk o canal para dar vazão às
suas ideias e anseios sobre a Armênia Soviética e, no exercício da função de colaborador do
boletim interno da UASP, nasceu a ideia de criar um periódico exclusivamente para esse fim.
Assim, em 1946 surgiu o jornal “Ararat – a voz do povo armênio”, capitaneado
por Jacob Bazarian, com o suporte de Levon Yacubian e a colaboração de Mary Moraes
Apocalipse569. Essa última, então com 25 anos, era esposa de Bazarian na época da fundação
do jornal e a responsável legal pela publicação, por força da exigência da legislação da época
que obrigava que o diretor de um órgão de imprensa deveria ser um brasileiro nato, a fim de
dificultar a expressão dos imigrantes tidos como subversivos nos jornais e revistas.
Demoraram dois anos para as autoridades policiais ficharem Bazarian como um
elemento perigoso à ordem pública diante de seu papel à frente do Ararat. Curiosamente, ao
contrário do que ocorreu com Yacubian, não consta no prontuário do filósofo nenhuma
menção às suas atividades anteriores na UASP ou acusações baseadas nos textos escritos no
Verelk, exceto por compor a diretoria do “Subcomitê Russo em São Paulo de Socorro às
Vítimas de Guerra”, em 1945, entidade que, embora legal, funcionava sob vigilância e
563 Pront. 95.621 – Jacob Bazarian. 564 Pront. 73.631 – Levon Yacubian. 565 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São Paulo: nº. 9-10, abril-maio de 1946, p. 4 (AHK). 566 Op. cit., nº 11, junho de 1946, p. 9 (AHK). 567 Op. cit., nº 12, julho de 1946, p. 9 (AHK). 568 Op. cit., nº 13, agosto de 1946, p. 15 (AHK). 569 Pront. 97.180 – Mary Apocalipse.
121
desconfiança da Polícia Política570. Sequer as atividades do intelectual dentro do PCB foram
citadas pelas autoridades como forma de agravar as acusações.
Entretanto, para o delegado Roberto de Lorenzi, as páginas do Ararat já bastavam
para incriminar Jacob Bazarian. Segundo o investigador, os subversivos abusariam da
liberdade brasileira e o comunismo seria incompatível com a democracia do país:
O regime aqui vigente, embora para muitos haja necessidade de verdadeira ginástica intelectual para isso compreender, é um regime democrático, onde todas as liberdades são asseguradas, onde se admite e se respeita a pluralidade político-partidária, onde se permite a qualquer do povo a disputa, por intermédio dos partidos, na forma clássica dos postulados de democracia francesa, dos postos políticos, dos de menor aos de maior responsabilidade e representação, inclusive a presidência da República, onde não existem privilégios de classes, nem diferenças de raças, religiões ou crenças, para a aquilatação dos valores individuais571.
Percebemos a reprodução do discurso dominante do Brasil como país da democracia racial, da
liberdade de pensamento e de credo, onde diferentes ideias não só são livres para florescer,
mas também são protegidas pelo Estado e seus agentes, como o Departamento de Ordem
Política e Social. Nessa sociedade perfeita idealizada, sem privilégios de classes, na qual
qualquer cidadão poderia se tornar até presidente da República, o comunismo era o principal
inimigo, elemento desarticulador dessa paz construída sobre os pilares franceses de
democracia.
Para Roberto de Lorenzi, a principal arma do Partido Comunista para ruir este
castelo da democracia era a imprensa, tratada como “alavanca do comunismo mundial” pelo
delegado, pois o jornal “penetra em todos os lares, é passado de mão em mão, e por ele se
fazem as maiores campanhas de agitação, de ação revolucionária, de propaganda dos
métodos, de ensino das ações, de orientação dos manipuladores das massas [...]”572. Logo, a
empreitada editorial de Bazarian e Yacubian seria um instrumento do comunismo para agitar
e subverter a sociedade brasileira.
570 Pront. 1.325 – Subcomitê Russo em São Paulo de Socorro às Vítimas de Guerra. 571 Pront. 95.621 – Jacob Bazarian. 572 Idem.
122
Nesse sentido, a
justificativa que o Ararat nada
mais era do que um órgão de
reivindicação dos direitos
históricos armênios não
convenceu o delegado adjunto.
Para ele, essa era uma desculpa
grosseira, pois, as páginas do
jornal de fato serviam para
glorificar Stalin e seus feitos, bem
como tratar o regime soviético
como “a oitava maravilha do
mundo”573 e este tipo de
propaganda não era condizente
em nada com a repatriação de
armênios e afins. Ainda segundo o delegado:
não é preciso, pois, mais do que a simples leitura de um único número do jornal “Ararat” para pulverizar as declarações de Jacob Bazarian e para ficar evidente a má fé com que as prestou: a finalidade do Ararat outra não é, do que a propaganda do regime soviético entre nós574.
Involuntariamente, o delegado assumiu o modo como procedeu a investigação: após a leitura
de um único número da publicação, considerou o jornal subversivo e propagandístico do
comunismo em São Paulo. Assim sendo, o infrator Jacob Bazarian deveria ter o seu pedido de
naturalização cassado pelas autoridades, por atentar contra a ordem democrática de um país
onde a liberdade de pensamento impera, seguindo o raciocínio de Lorenzi.
Ao contrário do que aconteceu com Boyadjian e Yacubian, a dupla presa nos
correios, não é possível encontrar no prontuário de Bazarian documentação referente à
detenção, ou mesmo saber se houve um processo judiciário contra ele. Tampouco é
mencionado o resultado do processo administrativo de expulsão ou da cassação da
nacionalidade concedida ao filósofo. Os fatos que sabemos sobre a vida de Jacob Bazarian
após a investigação não constam nos arquivos da DEOPS/SP, mas sim nos textos que ele
próprio escreveu.
573 Pront. 95.621 – Jacob Bazarian. 574 Idem.
Figura 15: Na imagem, estão Agop Boyadjian (em pé, a esquerda), Levon Yacubian (sentado à sua frente) e Jacob Bazarian (sentado, a direita), juntamente de outros armênios entusiastas do comunismo em um encontro em Nova York em 1947. Ao fundo, é possível ver o brasão de armas da RSS da Armênia. Fonte: O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: ano XXI, nº 47, 10 de setembro de 1949, p. 79.
123
Em 1949, segundo a biografia que consta em um de seus livros, Bazarian foi
processado, partindo assim para a França a fim de escapar da perseguição política no
Brasil575. Lá, continuou os estudos em Filosofia, se envolveu com o Partido Comunista
Francês e conheceu personalidades como Jean-Paul Sartre e Pablo Picasso576. Em Paris,
conforme lembrou a revista “O Cruzeiro”, Bazarian participou do “‘Congresso Mundial da
Paz’, realizado em Paris, e no qual estiveram presentes também os comunistas – Mário
Schemberg, Caio Prado Júnior, Jorge Amado, Carlos Sellar e outros a respeito de que, aliás, o
‘Ararat’ deu farto noticiário”577. Alguns desses intelectuais, como o escritor baiano, eram
amigos pessoais de Bazarian, o que mostra a sua capilaridade no PCB.
Em território francês, o filósofo se envolveu na redação do jornal Arménie, órgão
da juventude comunista armênia daquele país, e também militou na célula universitária do
Partido Comunista Francês. Contudo, ele permaneceu apenas um ano na França, de onde foi
expulso em 1950 por conta das suas atividades políticas, rumando para Yerevan, capital da
Armênia Soviética578.
A ida de Bazarian para a URSS, onde ele viveria por dezesseis anos, é um ponto
de virada na trajetória do filósofo. Na Armênia Soviética, informa-nos um jornalista em
resenha anexada ao livro “Mito e Realidade sobre a União Soviética”579, Bazarian aprendeu
russo e armênio, revelando assim que o mesmo não era fluente no idioma de seus
compatriotas antes de morar na RSS da Armênia. Isso pode explicar o porquê de, ao contrário
do Verelk que era uma publicação bilíngue – ainda que impresso de forma semiartesanal –, o
jornal Ararat ser inteiramente em português.
No mesmo ano de sua chegada à Armênia, Bazarian ingressou na Academia de
Ciências da Armênia a fim de obter o título de doutor em Filosofia. Envolto no cotidiano
dessa República Socialista Soviética, Jacob Bazarian estudou e ganhou notoriedade entre os
seus compatriotas, o que lhe rendeu o mandato de deputado do Soviete Supremo da
Armênia580. Porém, a sua carreira política, que começou no seio da coletividade armênia de
São Paulo, passando pela França e culminando na Armênia, terminou em 1954, quando ele a
abandonou de vez e partiu para Moscou, para se dedicar inteiramente aos estudos
filosóficos581.
575 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 154. 576 Ibid. 577O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: ano XXI, nº 47, 10 de setembro de 1949, p. 6. 578 BAZARIAN, J. (1992). op. cit., p. VIII-IX. 579 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 138. 580 Ibid., p. 155. 581 Idem.
124
A tese de Jacob Bazarian defendida na URSS versa sobre a filosofia latino-
americana e foi defendida em 1956. Na opinião do filósofo, o brasileiro Tobias Barreto foi o
primeiro materialista a difundir as suas ideias no Brasil e o mesmo teria sido o maior filósofo
do seu tempo em toda a América Latina582. A tese foi aceita pela academia em Moscou, mas
foi muito contestada por intelectuais no Brasil, cujas críticas Bazarian publicou em anexo à
segunda edição de seu livro “Mito e Realidade na União Soviética”583.
Em 1959, o filósofo ingressou nas fileiras do Partido Comunista da União
Soviética, com a tarefa de organizar o Instituto de Filosofia. A partir de 1962, ele começou a
lecionar Filosofia Marxista para estudantes brasileiros que iam até Moscou para se formarem
nas instituições soviéticas voltadas aos militantes estrangeiros584. Esse foi provavelmente o
auge da carreira de Jacob Bazarian na URSS, quando ele tinha acesso à cúpula do PCUS e à
nomenklatura. Segundo o seu amigo, discípulo e editor, Fernando Mangarielo, Bazarian era o
elo entre o Comitê Central do PCUS e Luís Carlos Prestes por falar português e ser um
intelectual dos quadros da Academia de Ciências da URSS585.
Foram dezesseis anos de residência na URSS, a maior parte deste tempo em
Moscou. Bazarian, já desquitado de Mary Apocalipse desde a época do processo do jornal
Ararat, casou-se com uma russa e teve dois filhos586. O filósofo viveu como investigador e
professor do Instituto de Filosofia da Academia de Ciências, publicando dezenas de artigos.
Em março de 1964, ele vem ao Brasil para recolher material para pesquisas futuras587.
Contudo, o golpe militar que aconteceria no final daquele mês o obrigaria a voltar para
Moscou. Pouco tempo mais tarde, em agosto de 1966, voltou sozinho ao Brasil alegando
problemas de saúde588, após ter se “divorciado do comunismo”, conforme suas próprias
palavras em artigo publicado na revista Armênia589 e anexado ao livro supracitado590.
Depois de passar anos editando um jornal entusiasta da Armênia Soviética em São
Paulo, mudar-se para a França, onde se aproximou do Partido Comunista local e, por fim,
582 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 143. 583 Ibid., pp. 146-148. 584 BAZARIAN, J. (1992). op. cit., pp. IX-X. 585 Fernando Mangarielo. Proprietário da editora Alfa-Ômega. Entrevista concedida na sede da editora no bairro de Pinheiros, São Paulo, 15/05/2012. 586 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 65. 587 BAZARIAN, J. (1992). op. cit., p. X. 588 Idem. 589 Artigo este que foi anexado ao seu prontuário pela Polícia Política em 1971 como prova das suas práticas comunistas, ainda que o texto verse sobre o rompimento do autor com esta postura política. Pront. 95.621 – Jacob Bazarian. 590 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., pp. 63-82.
125
viver por dezesseis anos na URSS, o que teria feito Bazarian “divorciar-se do comunismo”,
deixar mulher e filhos em Moscou para retornar ao Brasil em pleno regime militar?
Havia seis anos que Jacob Bazarian morava na URSS quando aconteceu o XX
Congresso do Partido Comunista da União Soviética, no qual Nikita Kruschev, primeiro-
secretário do Partido, denunciou os crimes cometidos pelo seu antecessor, Josef Stalin591. As
denúncias balançaram os alicerces dos partidos comunistas pelo mundo, ainda que tivessem
demorado anos para chegar ao amplo conhecimento da própria população soviética592. Nesse
ínterim, muitos comunistas abandonaram os partidos, descrentes de que a postura política que
causou um fenômeno totalitário na URSS pudesse ser regenerada.
Após o XX Congresso, Bazarian ainda viveu por mais dez anos em Moscou, o que
nos faz pensar que ele não foi abalado imediatamente pelas revelações de Kruschev acerca de
Stalin, quem outrora o filósofo e Levon Yacubian chamaram de “pai dos armênios”, nas
páginas do Ararat593. Tal alcunha causou frisson na coletividade paulista. Josef
Vissarionovich Dzhugashvili Stalin nunca foi ponto pacífico entre os armênios. De origem
georgiana, país vizinho e com divergências históricas com a Armênia, à frente do governo da
URSS em 1923, Stalin colocou os territórios armênios de Artsakh – Nagorno Karabakh, com
95% de população armênia – e Nakhichevan sob tutela do Azerbaijão594.
Fernando Mangarielo argumenta que uma das motivações para a saída de
Bazarian da URSS foi o forte cerco à liberdade de expressão e pensamento. Segundo o editor
e discípulo do filósofo, a defesa pública das teses de Caio Prado Jr. – a quem conhecia
pessoalmente – por parte de Bazarian em Moscou atraiu a antipatia de alguns quadros do
Comitê Central do PCUS e de colegas da Academia de Ciências595. Sob pressão, ele
conseguiu ajuda junto ao diplomata brasileiro Dário Moreira de Castro Alves, que se
encontrava em Moscou naquele momento, para deixar o país em segurança e voltar a São
Paulo em 1966596. A gratidão de Bazarian ao diplomata e a outros membros da embaixada
591 REIS FILHO, Daniel Aarão (2007). Uma Revolução Perdida: a história do socialismo soviético. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2º edição atualizada, pp. 196-197. 592 Ibid., p. 198. 593 ARARAT – a voz do povo armênio. Ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1. 594 Os armênios nunca aceitaram essa decisão, principalmente sobre Artsakh, e reivindicam até hoje o direito sobre esse território. Na década de 1980, uma guerra estourou entre armênios e azeris, mostrando ao mundo que as questões étnicas na URSS não estavam resolvidas. SEGRILLO, Angelo (2000). O Declínio da URSS: um estudo das causas. Rio de Janeiro: Record, p. 351. 595 Fernando Mangarielo. Proprietário da editora Alfa-Ômega. Entrevista concedida na sede da editora no bairro de Pinheiros, São Paulo, 15/05/2012. 596 Idem.
126
brasileira em Moscou foi explicitada na dedicatória do “Mito e Realidade sobre a União
Soviética”597.
Em carta enviada a Jacob Bazarian, Zaven Karakhanian – partidário da Federação
Revolucionária Armênia598, ou seja, opositor ao comunismo soviético – pede explicações ao
filósofo por esse ter abandonado o comunismo. Relembrando o episódio polêmico da alcunha
dada à Stalin nas páginas do Ararat, Karakhanian perguntou ao compatriota “o que se passou
a respeito de seus ideais políticos e quais são eles atualmente, pois muita dúvida paira no ar a
respeito deles. Abra seu coração e diga se sua posição anterior [o comunismo] era fruto de sua
imaturidade”599. Tal questionamento ensejou o artigo supracitado explicando o “divórcio”.
Bazarian inicia o texto explicando porque ele se tornou comunista. Relembrando
os massacres e perseguições os quais o povo armênio sofreu durante a história, o filósofo se
coloca como vítima das injustiças que acometeram os armênios. Diante da inoperância das
grandes potências e da Igreja face ao genocídio armênio, Bazarian confessa ter sido simpático
às ideias de Hitler, que visavam, segundo o filósofo, derrotar o imperialismo e o
clericalismo600.
Contudo, o ataque à Armênia Soviética no contexto da política expansionista da
Alemanha nazista fez com que Bazarian revisse suas posições. Assim, procurou na literatura
marxista as respostas para as suas indagações acerca do mundo em que vivia. Nas palavras do
autor:
eu fui me convencendo cada vez mais que o marxismo-leninismo e o comunismo era a única solução para o estabelecimento da paz e da justiça social, tanto para o meu povo [armênio], quanto para todos os povos do nosso sofrido planeta [...] em uma palavra – tornei-me adepto fervoroso do marxismo e do regime soviético por acreditar piamente que só eles realizariam meu ideal de justiça social601.
Considerando-se um privilegiado dentre os comunistas, por ter sido contemplado
com a oportunidade de viver por dezesseis anos na URSS, Bazarian estava convencido que a
melhor forma de ver o erro no qual o comunismo consistia era viver por algum tempo no país.
Assim sendo, na opinião do filósofo, se algum dia o regime soviético caísse, seria fruto da
crítica interna de seus componentes, não dos ataques externos dos opositores espalhados pelo
mundo602.
597 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 13. 598 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano II, nº 13, novembro/dezembro de 1968, p. 9 (AHK). 599 Op. cit., ano III, nº 16, maio/junho de 1969, p. 3 (AHK). 600 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 68. 601 Ibid., p. 69. 602 Ibid., p. 70.
127
Porém, Bazarian enxergou também pontos positivos na URSS. Aos seus olhos, a
mudança da estrutura servil da Rússia para o sistema de produção em funcionamento após a
Revolução de Outubro e a estrutura de assistência social oferecida ao cidadão eram
impressionantes. Todavia, para o autor, o mesmo poderia ser obtido através do capitalismo,
sem a necessidade da violenta repressão soviética para tal. A obliteração das liberdades e
necessidades individuais, bem como o fim dos estímulos materiais que impulsionam qualquer
indivíduo, foram postos pelo filósofo como as principais causas da crise soviética que ele
diagnosticava no final da década de 1960603.
Além disso, o motivo que fez o jovem Jacob Bazarian se encantar pelo
comunismo e pela URSS não existia mais. A manutenção do torrão nacional armênio após
anos de investidas turcas, bem como a luta pela retomada dos territórios ocupados pela
Turquia eram fatores sedutores para apoiar a República Socialista Soviética da Armênia.
Entretanto, após os quatro anos em que viveu na Armênia, Bazarian chegou à conclusão que a
“igualdade de direitos, a soberania e a autodeterminação da Armênia” não existiam de fato,
sendo apenas formalidades contidas na Constituição soviética604. Outro erro crucial dos
dirigentes soviéticos, na avaliação do filósofo, foi acreditar que o comunismo – benéfico para
os russos, em sua opinião – seria o regime mais adequado para todos os povos que
compunham a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas605. Assim sendo, por acreditar em
uma Armênia livre e independente, Bazarian se tornou opositor da URSS, que passou a ser
mais um dos muitos opressores que subjugaram a sua pátria.
Ao adotar tal postura, Jacob Bazarian se aproximou do discurso dos seus antigos
adversários na coletividade armênia em São Paulo, os partidários da Federação
Revolucionária Armênia. Contudo, o filósofo se distanciou de tal discurso ao afirmar que
àquela altura, a Armênia não poderia se separar da URSS, pois enfraquecida após anos como
RSS, não teria como resistir aos ataques turcos que viriam com a aquiescência dos países
imperialistas606.
Em suma, Bazarian se declara um iludido pelos “apologistas do regime soviético”
dos quais foi leitor quando era jovem607. Anos depois, mais maduro e após ter passado
dezesseis anos na URSS, o filósofo se viu na posição de ser um crítico do regime pelo qual
lutou por tanto tempo. Em artigos como o que acabamos de analisar, ou em outros como
603 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., pp. 71-72. 604 Ibid., p. 75. 605 Ibid., p. 79. 606 Ibid., p. 75. 607 Ibid., p. 65.
128
“Comunista, onde estás que não respondes?”608, ou ainda em “Carta aberta aos
comunistas”609, o autor concentra esforços em relatar os males da postura política lançando
mão do argumento de autoridade de quem viveu a realidade soviética, envolto no “ópio da
religião comunista”610: “Quem te diz isso [as críticas ao comunismo] não é renegado, nem
agente do DOPS ou da CIA. Quem te diz isso já foi membro do Partido Comunista do Brasil e
viveu 16 anos na URSS, onde foi deputado e membro do Partido Comunista da União
Soviética”611.
A publicação do livro “Mito e Realidade sobre a União Soviética: análise
imparcial do regime soviético por um ex-membro do Partido Comunista” em 1970, no qual
podemos encontrar os artigos supracitados, causou diferentes reações no público leitor.
Algumas pessoas escreveram cartas ao autor em regozijo à sua nova postura política. Dentre
estes leitores entusiastas da nova obra de Bazarian, estavam o então presidente Emílio
Garrastazu Médici, símbolo dos anos mais sombrios da história contemporânea do Brasil, e o
Ministro da Educação, Jarbas Passarinho. Os setores da esquerda, obviamente, renegaram
Jacob Bazarian, como o mesmo menciona em prefácio ao seu livro, contudo, sem reproduzir o
teor das discordâncias ou o nome de seus críticos612. Até mesmo o seu editor e amigo,
Fernando Mangarielo, que iria publicar todas as obras de seu mentor a partir de 1973 a partir
da fundação da editora Alfa-Ômega, se recusou a publicar as edições seguintes dessa obra
crítica à URSS por não concordar com o seu teor, sendo o “Mito e Realidade” o único livro de
Bazarian que não foi editado pela empresa de Mangarielo613.
É verdade que o terror stalinista provocou a autocrítica em muitos membros dos
Partidos Comunistas pelo mundo, que abandonaram essas entidades em busca de novas
alternativas políticas. Entretanto, muitos permaneceram fiéis às posturas da esquerda, criando
novos grupos e agremiações nas quais poderiam militar pela derrota do capitalismo e pelo
socialismo. Jacob Bazarian pertence à outra frente de ex-comunistas: os que negaram a
história pessoal que tinham no Partido Comunista – e até mesmo na URSS, no caso do
filósofo – e engrossaram as fileiras contra a esquerda radicalizada. Esse movimento é
percebido pela historiadora Mary Matossian como sendo comum a muitos dos cerca de cem
608 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., pp. 83-89. 609 Ibid., pp. 115-134. 610 Ibid., p. 86. 611 Ibid., p. 89. 612 Ibid., p. 20. 613 Fernando Mangarielo. Proprietário da editora Alfa-Ômega. Entrevista concedida na sede da editora no bairro de Pinheiros, São Paulo, 15/05/2012.
129
mil armênios que emigraram da diáspora para a URSS, que se tornaram os principais críticos
do regime soviético após algum tempo vivendo na RSS da Armênia614.
Não obstante ter tecido severas críticas ao sistema político no qual militou por
anos, Bazarian permitiu ser endossado por figuras como Médici e frequentou os mesmos
círculos sociais que altos funcionários do Departamento de Ordem Política e Social, como o
delegado Alcides Cintra Bueno Filho, amigo de Karnig, irmão mais velho de Jacob615.
Após passar algum tempo escrevendo artigos sobre o cotidiano na URSS para
revistas e jornais brasileiros, Jacob Bazarian lançou-se em um novo empreendimento
jornalístico em junho de 1967: a revista “Armênia”. Definida pelo próprio como imparcial616,
a publicação noticiava amplamente os acontecimentos da coletividade armênia do Brasil –
principalmente de São Paulo, mas com destaque também para o Rio de Janeiro –, bem como
as mais importantes notícias sobre a Causa Armênia e a República Socialista Soviética,
embora com menor ênfase do que no Verelk e Ararat. O caráter militante de outrora
praticamente desapareceu.
A existência da revista nos permite mensurar o quão influente e conhecido
Bazarian era na coletividade armênia em São Paulo, mesmo passando muitos anos distante
dos seus compatriotas. Ainda que levemos em consideração o fato que seu irmão mais velho,
Karnig Bazarian, era um proeminente benemérito da coletividade, membro de diversas
entidades e destacado homem de negócios, parece-nos que a nova fase de Jacob agradou os
seus pares, que contribuíam maciçamente com a revista Armênia, ainda que seja possível
encontrar nas páginas de seu periódico constantes reclamações sobre a saúde financeira da
publicação. Em uma “lista de ouro” publicada em um dos números da revista, contamos 413
assinantes e anunciantes de diversos estados do país e até mesmo do Líbano, Turquia, França,
Argentina, EUA e Inglaterra617. É possível encontrar nas páginas da revista notas sobre
festividades da União Geral Armênia de Beneficência (UGAB)618, bem como acerca dos
eventos da Federação Revolucionária Armênia (FRA)619, duas forças políticas importantes no
seio da coletividade e tradicionalmente situadas em polos diferentes. Isso mostra o equilíbrio
no qual Bazarian vivia e mantinha a sua publicação.
614 Em “A vida no Estado armênio da URSS”. O Estado de São Paulo, domingo, 27 de setembro de 1970 (AHK). 615 BAZARIAN, J. (1988). op. cit., p. 69. 616 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 65. 617 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano I, nº 5, janeiro/fevereiro de 1968, pp. 3-4 (AHK). 618 Op. cit., ano II, nº 13, novembro/dezembro de 1968, pp. 8-10 (AHK). 619 Op. cit., ano II, nº 11, setembro de 1968, pp. 5-7 (AHK).
130
Apesar da nova fase na vida de Bazarian, Fernando Mangarielo nos revelou que a
revista Armênia – onde o próprio trabalhou como colaborador de Bazarian desde o primeiro
número620 – recebia um pequeno aporte financeiro da agência soviética de notícias Novosti –
APN, na sigla em russo – para que a publicação continuasse a existir621. Tal afirmação de
Mangarielo pode ser comprovada pela quantidade de imagens que ilustram as páginas da
revista Armênia cujos créditos são dados à APN, bem como algumas matérias que foram
traduzidas e publicadas no periódico622. O editor de Bazarian afirma ainda que alguns
exemplares da revista eram enviados para a embaixada da URSS no Rio de Janeiro, como
contrapartida pelo aporte financeiro623. Provavelmente, as revistas de Bazarian eram enviadas
para outras embaixadas soviéticas no mundo e para Moscou, da mesma forma que acontecia
com periódicos pró-soviéticos editados em outros países, como por exemplo, no México624.
Porém, em maio de 1969 foi publicado o último número da revista Armênia, que
nos meses anteriores ao seu fechamento enfrentava problemas financeiros graves, sempre
explicitados pelo editor em suas páginas. Nesse número de encerramento, Bazarian publicou o
debate que teve com Zaven Karakhanian sobre o “divórcio” do comunismo, sendo a primeira
vez em três anos de publicação que debates políticos foram travados abertamente na
revista625. Na mesma edição, há uma cobertura ampla à inauguração da Fundação Karnig
Bazarian, instituição de ensino superior aberta pelos cunhados de Jacob e patrocinada por seu
irmão mais velho em Itapetininga, no interior de São Paulo626. Nessa Fundação, Jacob
Bazarian se tornou professor de sociologia nas faculdades de Direito, Administração e
Relações Públicas627.
A revista Armênia não foi investigada pelas autoridades da Polícia Política como
aconteceu com o jornal Ararat e em menor medida, com o Verelk. A única referência que
temos a ela é o último número anexado ao prontuário de Jacob Bazarian como uma prova do
seu afastamento do comunismo, após este pedir um “nada consta” à DEOPS/SP em 1971 a
fim de regularizar a sua situação junto ao Ministério da Educação e Cultura, para lecionar na
Fundação Karnig Bazarian628.
620 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano I, nº 2 Julho de 1967, p. 18 (AHK). 621 Fernando Mangarielo. Proprietário da editora Alfa-Ômega. Entrevista concedida na sede da editora no bairro de Pinheiros, São Paulo, 15/05/2012. 622 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano II, nº 11, setembro de 1968, pp. 17-18 (AHK). 623 Depoimento concedido na sede da Editora Alfa-Ômega. São Paulo, 15/05/2012. 624 Conforme registrou a Polícia Política, o Ararat recebeu alguns exemplares do boletim informativo da embaixada soviética no México. Pront. 98.526 – Ararat. 625 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano III, nº 16, maio/junho de 1969, pp. 3 e 13-15 (AHK). 626 Ibid., p. 25. 627 BAZARIAN, J. (1973). op. cit., p. 155. 628 Pront. 95.621 – Jacob Bazarian.
131
Aparentemente, ao voltar da URSS, Jacob Bazarian teria abandonado os ideais de
esquerda e decidido partir para um empreendimento jornalístico comunitário desvinculado de
suas antigas posições político-partidárias. Contudo, o aporte financeiro – por menor que tenha
sido – da agência soviética de notícias Novosti nos indica que ainda havia um vínculo do
filósofo com as suas antigas ideias. Findada a Armênia, Bazarian se volta para a vida
acadêmica, como professor da Fundação patrocinada por seu irmão. A docência e as
atividades acadêmicas de Bazarian fogem ao recorte temporal deste trabalho, mas é válido
pontuar que, como professor universitário, o filósofo publica diversas obras de filosofia e
sociologia embebidas do materialismo dialético desenvolvido em anos de atividades na
Academia de Ciências na URSS. Em 1984, Jacob Bazarian fundou com Fernando Mangarielo
a revista Socialismo e Democracia, periódico destinado aos debates dos temas relevantes à
esquerda naquele período. Segundo Bazarian, a revista deveria ser um espaço livre de
partidarismos e aberta a todas as correntes políticas que estivessem em busca da Democracia
Socialista629. Na Socialismo e Democracia, importantes atores políticos do passado e daquele
momento, como Luís Carlos Prestes, Luiz Inácio Lula da Silva, Ulysses Guimarães, Heitor
Ferreira Lima, José Genoíno, Paul Singer, Francisco Weffort, Frei Betto, dentre outros,
assinaram artigos ou entrevistas e contribuíram para o fomento dos debates a fim de
“enriquecer seus conhecimentos teóricos, a fim de facilitar-lhes a consecução dos nossos
objetivos socialistas”630, segundo Bazarian. Ou seja, através da academia, o filósofo recuperou
a sua ação política de esquerda que parecia ter sido abandonada após a sua saída da URSS. A
trajetória política sinuosa de Jacob Bazarian pode ser muito bem traduzida na reflexão que
Fernando Mangarielo afirma ser a “quintessência” do pensamento de seu mestre: “a vida é
contraditória por excelência e a contradição é a essência da própria vida”631.
Da teoria comunista dos livros de Filosofia até chegar a fomentar um jornal de
esquerda e viver a experiência socialista soviética por dezesseis anos, Jacob Bazarian
construiu a sua trajetória como o principal nome do comunismo dos armênios em São Paulo
entre as décadas de 1940 e 1960, embora tenha revisto os seus antigos ideais em 1970. O
silêncio e o posterior desaparecimento de Levon Yacubian – seu companheiro de luta política
–, não nos permite dizer se a crítica aos tempos de “subversão” também atingiu o jornalista do
Ararat. Tendo isto ocorrido ou não, o fato é que as páginas do jornal idealizado por Bazarian
629 BAZARIAN, Jacob (1986). “Três anos em defesa do Socialismo e da Democracia”. In: Socialismo e Democracia. São Paulo: Alfa-Ômega, nº 12, outubro-dezembro de 1986, p. 7. 630 Idem. 631 Fernando Mangarielo. Proprietário da editora Alfa-Ômega. Entrevista concedida na sede da editora no bairro de Pinheiros, São Paulo, 15/05/2012.
132
e Yacubian ficaram marcadas tanto nos prontuários da Polícia Política, quanto na memória da
coletividade como expressão máxima do comunismo armênio em São Paulo. Para
exemplificar o que de fato era este comunismo peculiar deste grupo de imigrantes,
analisaremos a partir de agora o conteúdo de alguns números do Ararat.
4.3 “Ararat – a voz do povo armênio”
De uma forma panorâmica, o contexto da criação do jornal Ararat – a voz do povo
armênio já foi dado durante a análise da trajetória de seus idealizadores e colaboradores.
Cabe-nos agora refletir de forma mais aprofundada sobre o conteúdo dessa publicação e qual
era a informação que o jornal emitia para a coletividade armênia de São Paulo e para os
armênios espalhados pelo país, uma vez que o Ararat circulava em diversos estados do Brasil.
O título da publicação é carregado de significados. Ararat é a montanha bíblica
onde a arca de Noé teria encalhado após o Dilúvio e a partir desse lugar, um mundo novo e
purificado se iniciou632 e em torno da montanha sagrada, surgiram os povos que deram origem
aos armênios, que se tornariam o primeiro povo a adotar o cristianismo como religião de
Estado em 301633. Assim, o Monte Ararat é visto pelos armênios como um lugar sagrado da
sua religião e ancestralidade. Entretanto, com a conquista do reino da Armênia em 1064 pelos
turcos seljúcidas, as terras armênias foram incorporadas aos impérios que seguiram, inclusive
ao Otomano634. Anos mais tarde, após o genocídio e a recusa da República da Turquia de
desocupar as terras que os tratados internacionais declaravam como de propriedade armênia,
bem como com a negação sistemática do genocídio, o Ararat se tornou o símbolo das
reivindicações territoriais e dos apelos por justiça dos armênios. O Monte Ararat foi
desenhado no centro do brasão de armas da República de 1918 – com a Arca de Noé no topo
–, se manteve como símbolo nacional mesmo no período soviético635 e foi confirmado como
tal após a independência em 1991, que recuperou o brasão de 1918. Ou seja, quando um
armênio batiza algum empreendimento com o nome de “Ararat”, mais do que homenagear a
632 “E a arca repousou no sétimo mês, no dia dezessete do mês, sobre os montes de Ararate” (Gênesis 8:4). 633 SAPSEZIAN, A. (2010). op. cit., p. 39. 634 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 24. 635 Há uma anedota popular na diáspora armênia que conta quando representantes do governo turco reclamaram com Nikita Kruschev sobre o Ararat ser o símbolo da Armênia Soviética. Tal fato para as autoridades turcas significava uma afronta, pois a montanha era oficialmente turca e estar no brasão de armas de outro país denotaria uma intenção expansionista. Reza a lenda que a réplica de Kruschev teria sido: “Vocês tem a lua estampada na bandeira, isso significa que vocês pretendem anexá-la?”. Disponível em <http://tvtropes.org/pmwiki/pmwiki.php/TakeThat/RealLife>, acesso em 01/11/2011.
133
Pátria-Mãe, ele toma uma atitude política que demarca que aquele monte e as terras em torno
são por direito dos armênios.
É lugar-comum na imprensa militante rotular suas publicações como sendo a voz
de um grupo específico. Nesse sentido, vários jornais foram nomeados a voz de alguém ou
algo. “A Voz dos Alfaiates”, “A Voz dos Trabalhadores”, “A Voz Sionista”, “Voz Operária”,
“Voz Portuária”, “La Voz” – jornal espanhol antifascista apreendido pela DEOPS/SP – são
alguns exemplos de órgãos que se autodenominam a expressão da voz, por via da palavra
escrita, de algum grupo étnico ou de trabalhadores636. O “Ararat – a voz do povo armênio”
estava inserido na mesma lógica. Seus idealizadores pretendiam que as pautas colocadas pela
publicação expressassem os anseios dos armênios, portanto, se tornasse a voz daquele povo
ainda que na realidade o jornal fosse apenas a opinião de uma fração minoritária deste.
Algo que distingue o Ararat de outras publicações étnicas correlatas que também
sustentavam algum tipo de discurso político é que o jornal de Bazarian não circulava como
um órgão clandestino. O Ararat era credenciado junto às repartições competentes, possuía
redação à Rua Santo André nº 215 – numa via de grande concentração de residências e
negócios de armênios, na qual o próprio Jacob Bazarian residiu – e explicitava em suas
páginas os nomes dos idealizadores, ainda que a diretora-responsável Mary Apocalipse fosse
apenas uma “testa de ferro” utilizada por Jacob Bazarian a fim de driblar a legislação637.
A aquisição de um exemplar do periódico era feita mediante assinatura anual de
Cr$ 50,00, valor divulgado em edição do jornal no final de 1950638. Em relação de assinantes
extraída em junho de 1952 pelo Serviço Especial de Vigilância, constam cerca de 350 nomes
e endereços. Apesar da maioria dos assinantes serem da coletividade armênia em São Paulo, a
Polícia Política parece ter lido nome por nome para identificar possíveis conexões subversivas
com outros grupos de esquerda. Assim, os nomes de pessoas suspeitas como Caio Prado Jr
foram grifados pelos agentes da repressão. Os dados de outros tantos assinantes foram
cruzados com informações prévias do SEV, que descobriu vários suspeitos de subversão na
lista de colaboradores do Ararat. Também nos chama a atenção a inclusão de nomes de
repartições públicas como as bibliotecas municipal, da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras e da Faculdade de Direito. Outras instituições como o Sindicato dos Jornalistas, o
Consulado da Polônia em São Paulo, a Escola Livre de Sociologia e Política – onde Jacob
636 CARNEIRO, M. & KOSSOY, B. (2003). op. cit. 637 Pront. 97.180 – Mary Apocalipse. Muito embora haja um texto assinado por ela no número 34 do Ararat, no qual ela protesta pela prisão de Levon Yacubian. ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano III, nº. 34, julho de 1949, p. 6. 638 Op. cit., ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 3.
134
Bazarian havia estudado – e jornais como “O Volante” e “O Espiritualista” também constam
na lista obtida pela polícia639.
Embora os prontuários analisados não nos revelem de quando data tal lista –
apenas constando o ano que a Polícia Política a produziu – ela nos permite inferir a influência
que a publicação alcançou em seus últimos meses, entre o final de 1949 e o começo de 1950.
Apesar de não sabermos a tiragem exata do Ararat, a cifra de 350 assinantes é expressiva,
ainda mais se levarmos em consideração que em uma lista anterior publicada pelo jornal em
dezembro de 1946 constavam apenas cerca de 130 nomes, todos de armênios ou
descendentes, de diversas partes do Brasil640. Ou seja, em um período de dois ou três anos, a
publicação de Bazarian se consolidou e mais que dobrou o número de pessoas que assinavam
e recebiam o jornal, isso sem mencionarmos o público leitor amplo que poderia ter acesso à
publicação por meio de instituições ou de terceiros, sem necessariamente ser um assinante.
A repressão não ficou apenas por conta de vigiar os idealizadores do Ararat,
Jacob Bazarian e Levon Yacubian. Cada um dos cerca de 130 nomes da primeira lista ganhou
um prontuário na DEOPS por assinar o jornal, pois, de acordo com a mentalidade
homogeneizante e preconceituosa dos agentes da Polícia Política, “todos pertencem à
Armênia Soviética e são comunistas, adeptos e admiradores de Stalin”641, ou seja, são
elementos subversivos que necessitam ser investigados.
Todavia, muitos prontuários inaugurados abertos nesse contexto não têm nenhuma
outra informação anexada além de uma cópia da lista supracitada, o que indica que a Polícia
Política não levou a cabo as investigações sobre cada assinante. Como exemplo, temos o
pacato comerciante José Balikian, já citado, que residiu em Londrina – PR desde 1936 até a
sua morte642. Totalmente isolado da vida comunitária armênia que era restrita a São Paulo – e
ao Rio de Janeiro, em menor grau – Balikian era assinante do Ararat643, seu único elo com a
Pátria-Mãe. Embora um prontuário tenha sido aberto em seu nome na DEOPS/SP, não há
nenhuma outra informação contida nele, nem mesmo um pedido à Polícia Política do Paraná
para que provesse o órgão congênere paulista de informações sobre o prontuariado644. É
provável que Balikian nunca tenha sabido que havia sido fichado na polícia paulista.
639 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 3. 640 Idem. 641 Pront. 98.526 – Ararat. 642 FOLHA DE LONDRINA . Londrina - PR: 08 de agosto de 1983. 643 Pront. 98.433 – José Balikian. 644 A cooperação entre as DEOPS do Brasil era comum, como nos indica o prontuário de Miran Kalagiany, armênio residente em Uberlândia, Minas Gerais. Considerado subversivo pela Polícia Política mineira, o delegado responsável pela repartição pediu aos colegas paulistas informações sobre o prontuariado, a fim de proceder uma investigação contra ele. Pront. 37.525 – Miran Kalagiany.
135
Ao todo, são 139 prontuários no Fundo DEOPS/SP de armênios rotulados como
“comunistas” pelos agentes de segurança pública. Desses, 113 foram fichados como tais
apenas pelo fato de serem assinantes do Ararat, não havendo nada mais constando contra eles.
Em muitos outros prontuários, constava a lista de assinantes do jornal – sempre com o nome
do prontuariado em questão ressaltado com um lápis vermelho pelos policiais – e alguma
outra alteração, como pedidos de nada consta para emissão de carteiras de motoristas ou
passaportes. Em alguns casos, o atestado de antecedentes foi emitido pelas autoridades,
mesmo o requerente estando grifado como assinante do Ararat645. Em outros, o fato foi sim
um impedimento para a retirada do atestado pretendido646. Em outros casos ainda, como o do
professor Nazareth Avedikian, o fato de assinar o Ararat não serviu de centelha para
reacender uma investigação sobre suas ações políticas, como aconteceu devido às denúncias
nunca provadas de dez anos antes647.
Em suma, para mais de cem armênios e descendentes que foram fichados como
comunistas por assinarem a publicação de Bazarian, não havia nada na documentação
recolhida pela Polícia Política que permitisse associá-los com uma prática comunista stricto
sensu, como divulgação de ideias perniciosas, agitação de pessoas ou envolvimento formal
com o Partido Comunista.
É certo que para alguns, os textos publicados no Ararat eram sim em alguma
medida a expressão do que entendiam como certo para a Armênia e para a coletividade em
São Paulo, como, por exemplo, para Zaven Sabundjian, ex-companheiro de Bazarian e
Yacubian na UASP e Verelk e assinante do Ararat segundo consta na lista montada pela
DEOPS/SP em 1952648. Para outros, todavia, o Ararat era mais um órgão da coletividade
armênia publicado em São Paulo, que trazia informações relevantes sobre aquele grupo de
pessoas. As colunas sociais repletas de anúncios de nascimentos, batizados, noivados e
falecimentos, bem como de eventos sociais, eram certamente a página preferida – talvez a
única lida – de muitos leitores. Ou seja, temos que enxergar além do que o rótulo
homogeneizante da repressão nos impõe. Devemos pensar não somente quem lia esse jornal,
mas principalmente, como o liam. Para muitos, como nos parece ser o caso do comerciante
José Balikian, a leitura do Ararat era pautada pelo interesse em ter novas informações sobre
seus compatriotas em São Paulo e sobre os rumos da Armênia Soviética, expressão pátria
645 Pront. 98.525 – Yervant Mahsaredjian. 646 Pront. 98.470 – Yervant Kechichian. Nesse prontuário consta também o nome de Kechichian entre os membros da diretoria da UASP. 647 Pront. 3.215 – Nazareth Avedikian. 648 Pront. 98.526 – Ararat.
136
legítima para muitos armênios. Nesse sentido, as discussões políticas travadas por Bazarian e
Yacubian nas páginas do jornal poderiam ser ignoradas pelo leitor ou até mesmo contestadas.
Não podemos assim perder de vista o que a repressão não conseguiu apreender: assinar o
Ararat não fazia necessariamente de um armênio que vivia em São Paulo entre os anos de
1940-1950 um comunista.
Mas de fato, qual era o comunismo que estaria explícito nas páginas do Ararat que
tanto incomodava a Polícia Política? O que estava escrito nos artigos do jornal era lido da
mesma forma por armênios e pelas autoridades da repressão? Para responder as perguntas,
analisaremos panoramicamente o conteúdo de alguns números do Ararat, antes de nos
atermos a uma edição específica que seria a expressão máxima do discurso de esquerda da
publicação.
Diversos números do Ararat foram confiscados pela Polícia Política e anexados ao
prontuário de Jacob Bazarian como prova de que o jornal que ele dirigia era de caráter
subversivo e pró-soviético649. O primeiro número confiscado pela DEOPS/SP data de
novembro de 1946 – o primeiro ano de circulação do jornal –, cuja manchete é “Cerca de
800.000 armênios do exterior querem retornar à mãe pátria”, dando visibilidade àquele que foi
o carro-chefe da UASP e seria uma das principais pautas também do Ararat: a repatriação de
armênios para a RSS da Armênia650. Outro número, de 1948, traz na manchete: “Os grandes
pintores da Armênia: o acadêmico Mardirôs Sarian fala de si mesmo e dos pintores da
Armênia”651. Na matéria, há uma explanação sobre as influências que a Armênia Soviética
tem sobre a obra deste artista, destacando assim as belezas e encantos do país. Outra matéria
de destaque na capa é a que informa sobre uma pintura realizada por um artista armênio
baseada na obra de Castro Alves, com o apoio do governo de São Paulo e que estava exposta
na capital paulista naquele mês. Por fim, em meio a matérias retiradas de agências de notícias
como a France Press ou a Reuters, há um artigo sobre Henry Truman escrito por Bazarian,
denunciando a política imperialista e expansionista do presidente americano na tentativa de
por em prática o Plano Marshall652.
Portanto, a estrutura básica do Ararat era: manchete e a reportagem principal
sobre a Armênia Soviética; um artigo sobre política internacional analisada sobre a ótica
ideológica que orientava a publicação, baseado em conceitos como “imperialismo”; um artigo
sobre a coletividade armênia do Brasil ou a política nacional. No total, foram vinte números
649 Pront. 95.621 – Jacob Bazarian. 650 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano I, nº 2, novembro de 1946, p. 1. 651 Op. cit.: ano II, s/ nº, março de 1948, p. 1. 652 Idem.
137
de Ararat anexados ao prontuário de
Jacob Bazarian e mais um número, o mais
“subversivo” anexado diretamente em um
prontuário aberto para a publicação653.
Alguns números foram apenas anexados
aos prontuários sem nenhum tipo de
exame por parte da Polícia Política.
Outros, todavia, foram lidos pelos agentes
de segurança pública que destacavam com
um lápis vermelho os trechos
considerados sediciosos.
Nesse sentido, uma foto de
Stalin ao lado de um político armênio que
estampava a primeira página de um
número do Ararat, um anúncio de
transmissões da Rádio Moscou654, a
notícia sobre a outorga do Prêmio Stalin
para um músico armênio que teria
exprimido sua admiração pelo líder da
URSS655, e até mesmo votos de feliz natal
e ano novo656 foram grifados
efusivamente pelos agentes da Polícia
Política, que viam em tais linhas a prova do crime político do jornal e seus idealizadores. Os
votos de boas festas foram sublinhados porque estavam em armênio, atitude considerada
suspeita pelos repressores, que poderiam até lançar mão de tradutores juramentados para
decifrar o documento em questão, conforme nos chama a atenção Taciana Wiazovski657.
Contudo, ainda que o jornal como um todo fosse considerado suspeito pelas
autoridades, a Polícia Política precisou realizar um esforço de coleta de informações mais
claramente subversivas nas páginas do Ararat a fim de provar o crime político. De fato, esse
comunismo procurado pela DEOPS/SP não estava expresso em letras garrafais nas manchetes
653 Pront. 98.526 – Ararat. 654 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano I, nº 8, maio de 1947, p. 1. 655 Op. cit., ano II, nº 16, janeiro de 1948, p. 1. 656 Op. cit., ano II, nº 15, dezembro de 1947, p. 1. 657 WIAZOVSKI, T. (2001). op. cit., p. 25.
Figura 16: Capa do ARARAT – a voz do povo armênio. Fonte: São Paulo: ano IV, nº. 39-40, dezembro de 1949 e janeiro de 1950; Pront. 98.526 – Ararat; Cf. também CARNEIRO, M. & KOSSOY, B. (2003). op. cit., p. 115.
138
de primeira página da publicação. O que havia era um grande destaque para a Armênia
Soviética, seus feitos e realizações, mas muito por via do campo da cultura nacional ou da
Causa Armênia, como no caso dos textos que discutem a situação interna e a política externa
da vizinha e adversária histórica Turquia658. Era justamente isso que muitos armênios
buscavam ao assinar e ler a publicação de Bazarian, ou seja, saber mais sobre a RSS da
Armênia que até aquele momento, era o que eles tinham de mais próximo a uma Pátria-Mãe, e
também se inteirar dos acontecimentos da própria coletividade em São Paulo, que era
amplamente noticiada nas páginas do Ararat. O não envolvimento com a política brasileira
levou o promotor Barros Bernardes a arquivar o processo contra o jornal em março de 1949,
ainda que as ações contra Yacubian e Boyadjian por receptação de material suspeito
prosseguissem659. Na ocasião, o editorial do Ararat reafirma sua disposição em levar a frente
o projeto, atacando os adversários – supostos delatores das atividades do jornal para a política
– e agradecendo aos apoiadores da empreitada:
Quanto à oposição e traição feitas à nossa causa por uma pequena minoria de reacionários armênios e de outras nacionalidades, longe de nos enfraquecer e nos desanimar, nos fortalece e nos entusiasma consideravelmente em nossa luta patriótica, exigindo de nós o emprego de todas as nossas forças e reservas para o êxito de nossa missão [...] com mais essa vitória popular sobre os provocadores reacionários fica sobejamente provado que, nem os processos forjados, nem as ameaças de toda espécie conseguem nos afastar de nossa luta patriótica; porque, como agora, também no futuro, sempre contaremos com o apoio e a solidariedade moral e material dos armênios democratas e patriotas e com a justiça do povo brasileiro, da qual nunca duvidamos um momento sequer660.
Contudo, em dezembro do mesmo ano, o número geminado 39-40 do jornal, cuja
manchete era “Stalin e os armênios”661, reacendeu a polêmica em torno da publicação. Esse
número é o que melhor exemplifica no que consistia o comunismo dos armênios de São
Paulo, que tinha um caráter distinto dos comunismos de outras etnias e grupos políticos que
agiam no Brasil.
Essa edição tem dois propósitos principais: homenagear o 70º aniversário do então
secretário-geral do PCUS e autoridade máxima da URSS, e também dar visibilidade à questão
de Levon Yacubian, que a esta altura era mantido preso de forma ilegal pelas autoridades de
segurança pública do estado de São Paulo. É Yacubian, inclusive, o principal articulista dessa
658 É possível encontrar as discussões sobre a Turquia na manchete de três números do jornal. ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano II, nº 15, dezembro de 1947, p. 1; Ano II, s/ nº, julho de 1948, p. 1; ano II, s/ nº, junho de 1948, p. 1. 659 Op. cit., ano III, nº 30, março de 1949, p. 1. 660 Ibid., p. 3. 661Op. cit., ano IV, nº. 39-40, dezembro de 1949 e janeiro de 1950. A essa altura, o Ararat circulava bimestralmente.
139
edição do Ararat, assinando os textos de dentro da Casa de Detenção662, pois Jacob Bazarian
já estava na França desde abril de 1949, país onde procurou refúgio após as investigações
encaminhadas pela DEOPS/SP, deixando assim o Ararat nas mãos de Yacubian. Como a
Polícia Política não confiscou nenhum número da publicação entre setembro de 1948 até
dezembro de 1949, não sabemos em que medida a linha editorial da publicação foi alterada
com a ida de Bazarian para a França. O fato é que tanto o número em questão, que traz a
polêmica manchete “Stalin e os armênios”, quanto o número anterior, cuja manchete destaca a
absolvição de Yacubian e Boyadjian663, são orientadas de uma forma distinta dos números
anteriores.
Embora Jacob Bazarian continuasse a contribuir com o Ararat, sendo ainda
formalmente o diretor e remetendo textos sobre os eventos que participava na Europa,
Yacubian tomou a frente como principal redator da publicação após a saída do colega do país.
Isso é possível afirmar após a análise dos dois últimos números de 1949, nos quais os artigos
principais antes oriundos de agências de notícias ou da própria redação do jornal, agora são
assinados pelo jovem jornalista, assumindo, por consequência, a responsabilidade sobre os
mesmos.
Talvez por estar preso e pessimista sobre o seu futuro, diante das seguidas
arbitrariedades da Polícia Política ao tratar do seu caso, Yacubian ditou uma postura muito
mais agressiva nos textos publicados do que outrora. No texto principal do número 37-38 de
outubro-novembro de 1949, Yacubian conduz o texto que relata a sua absolvição, apesar da
manutenção da prisão, com um teor feroz contra aqueles que seriam os “autores intelectuais”
da prisão dele, de Boaydjian e da investigação contra o jornal664. Embora esse texto não esteja
assinado, os termos utilizados para qualificar os seus opositores dentro da coletividade
armênia são os mesmos que o próprio utiliza em um artigo assinado no número anterior. Para
Yacubian, foram os partidários da Federação Revolucionária Armênia – chamados pelo
jornalista de tachnags – que estavam por trás da sua prisão, numa tentativa de silenciar o
Ararat, entusiasta da Armênia Soviética, Estado o qual a FRA não reconhecia como uma
nação verdadeiramente livre
No número seguinte, parece que Yacubian intencionou dar uma resposta
contundente a seus opositores665. No texto principal do jornal intitulado “Os tachnags no
caminho da traição” e também no artigo de capa, sob a manchete “Stalin e os Armênios, o
662 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40, dezembro de 1949 e janeiro de 1950, p. 1. 663 Op. cit., ano IV, nº. 37-38, outubro-novembro de 1949. 664 Idem. 665 Op. cit., ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950.
140
jornalista faz severas críticas à FRA, não baseado no seu caso, mas sim com base na história
da Armênia, do final do Genocídio até a anexação pela URSS.
O texto de abertura tem um duplo propósito: comemorar o 70º aniversário de
Josef Stalin, ao mesmo tempo em que vangloria a Armênia Soviética e ataca a participação da
FRA nos acontecimentos históricos nas primeiras décadas do século XX. Nesse sentido,
Levon Yacubian afirma que os povos democráticos do mundo estão em festa pelo aniversário
do chefe máximo da URSS, com diversas manifestações na imprensa popular mundial sobre o
fato, enquanto os jornais vinculados às grandes corporações de mídia atacam “a figura
singular de Stalin”666. Assim sendo, o Ararat, “órgão popular da colônia democrática e
patriótica dos armênios do Brasil”667 se junta a essa imprensa entusiasta e exalta a data e a
importância do secretário-geral da URSS para os armênios e para o mundo.
Para o autor, o interesse humanitário pelas nações oprimidas pelo tsarismo foi a
grande virtude de Stalin. Graças a ele que a Armênia de fato se tornou independente em 29 de
novembro de 1920, data da anexação do país à URSS, quando as forças proletárias da
Armênia atenderam ao chamado dos camaradas russos e se levantaram em uma luta
revolucionária contra as forças contrarrevolucionárias da Federação Revolucionária Armênia,
expoentes da burguesia nacional668. Ao ressaltar o aspecto burguês da FRA, Yacubian está em
consonância com o próprio discurso de Moscou para com a agremiação política. Conforme
Marc Ferro analisa em uma de suas obras, os livros didáticos soviéticos que eram utilizados
para o ensino de crianças e jovens no país colocavam o partido como “burgueses” e exaltavam
a ação de líderes bolchevistas no país, em detrimento do papel da Federação669.
Com essas linhas, Yacubian ataca à tradição da FRA, entidade política mais forte
na coletividade armênia de São Paulo. O primeiro enfrentamento está em declarar a data de 29
de novembro de 1920 como dia da independência armênia, uma vez que essa é a ocasião que
a Federação lamenta ter perdido a autonomia conquistada em 28 de maio de 1918, dia esse
que os tashnags comemoram a primeira independência da Armênia. Ou seja, um dia de luto
para os partidários da FRA é a data escolhida por Yacubian para exaltar a liberdade e
verdadeira independência da Armênia. Tal comemoração em 29 de novembro já estava
666 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40, dezembro de 1949 e janeiro de 1950, p. 1. 667 Op. cit., ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950. 668 Idem. 669 FERRO, M. (1983). op. cit., p. 196.
141
presente nas páginas do Verelk670, mas sem o teor de afronta que estaria nas linhas do Ararat
anos depois.
O jornalista vai além nas qualificações empregadas a Stalin e seus feitos. Nas
linhas seguintes, Yacubian afirma que o secretário-geral da URSS é o herdeiro máximo de
Lênin, excluindo assim toda a tradição trotskista que estava em polvorosa desde o assassinato
do revolucionário em 1940, a mando de Stalin, segundo os partidários de Leon Trotsky.
Assim, Yacubian reafirma o valor das obras do líder soviético, as quais, segundo ele, estão
diretamente ligadas à libertação da Armênia, sendo Stalin “o melhor dos amigos
incondicionais de nossa Pátria [Armênia]”671, pois dele se originou uma fraternidade entre os
povos que permitiu o reflorescimento da Armênia graças ao socialismo672.
E foi justamente o socialismo pregado por Stalin, na avaliação de Levon
Yacubian, que libertou a Armênia “das forças retrógradas do governo tashnag” e “deu o poder
governamental nas mãos do povo armênio, outrora escravizado e espoliado por meia dúzia de
lacaios tashnags”673. Com a URSS, Yacubian acreditava que “estamos agora na era do
socialismo. Todos os povos são irmãos”674, ainda que o socialismo soviético tenha colocado
dois setores da coletividade armênia em São Paulo em franco enfrentamento. Ao usar o termo
“lacaio”, Yacubian se aproximou do vocabulário bolchevista russo nos primeiros anos da
sovietização da Armênia que definia os partidários da FRA como “lacaios burgueses”675,
inimigos da revolução.
Para finalizar o texto, o jornalista é explícito sobre a visão que tem de Stalin, da
Federação Revolucionária Armênia e de si próprio, enquanto colaborador do Ararat:
Josef Stalin é um patrimônio imortal da Humanidade. É a garantia da paz, entre os povos do mundo. Stalin é contra as guerras injustas dos imperialistas ianques. Stalin luta pela libertação dos povos oprimidos do mundo. ARARAT, neste septuagésimo aniversário de Stalin, reafirma a sua inflexível linha de conduta: desmascarar os tashnags, lutar contra o imperialismo e a guerra em defesa da paz. Casa de Detenção de São Paulo, Dezembro de 1949676.
Yacubian fez questão de assinar o artigo acusando a condição de prisioneiro na qual se
encontrava quando escreveu o texto. Preso porque trabalhava no Ararat, esse jornal que tinha
670 VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo. São Paulo: nº 16, novembro de 1946 (AHK). 671 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1. 672 Idem. 673 Op. cit., Ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1. 674 Idem. 675 Segundo a historiadora Mary Matossian em “A vida no Estado armênio da URSS”, em O Estado de São Paulo, domingo, 27 de setembro de 1970 (AHK). 676 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1.
142
a missão de lutar contra o imperialismo, a guerra e contra os armênios que eram contrários à
Armênia Soviética e conspiraram para colocá-lo atrás das grades, segundo o próprio inferiu.
Isto é, o jornalista assumiu a condição de preso político pelos agentes contrarrevolucionários e
imperialistas expressos nos seus opositores compatriotas e na Polícia Política e desferiu suas
críticas aos adversários, imbuído desse fervor militante que tentou ser silenciado com a
detenção.
Entretanto, esse não era o único artigo do jornal cujo ímpeto acusatório de Levon
Yacubian pode ser detectado. Também na primeira página, há o título “Viva a Armênia
Soviética” para abrir um texto traduzido do órgão soviético Pravda em dezembro de 1920677,
no qual o próprio Josef Stalin escreve sobre a sovietização da Armênia678. Nesse texto, Stalin
acusa a Entente – Império Britânico, França e Império Russo – juntamente com a FRA de
causar sofrimento à população, mas a partir da declaração da sovietização dos territórios
armênios, os cidadãos armênios encontraram a libertação. De acordo com Stalin: “só a ideia
do poder soviético deu a Armênia a paz e a possibilidade de um renascimento nacional”679. O
líder soviético exemplifica essa paz e o renascimento citando a devolução voluntária por parte
do Azerbaijão Soviético dos territórios de Zangezur, Nakhichevan e Nagorno-Karabakh à
Armênia680, territórios esses que foram devolvidos aos azerbaijanos pelo próprio Stalin
poucos anos mais tarde, permanecendo apenas o primeiro sob controle armênio.
Não obstante o alto número de textos políticos e militantes nesse número do
Ararat, ainda havia espaço para as notícias sociais e da coletividade, que tradicionalmente
ocupavam a página dois da publicação. Nessa página, há uma coluna exclusiva para notas
sobre a mocidade Erevan, braço juvenil da União Armênia de São Paulo681. Isso ajuda a
fortalecer a ideia de que os dois grupos não romperam totalmente os laços, ao contrário do
que foi dito por alguns investigados à Polícia Política.
Os desdobramentos do caso Yacubian também foram publicados pelo jornal,
desde a absolvição até a libertação, passando pelas manifestações dos estudantes e de
deputados contra a manutenção da detenção do jovem jornalista682. Também nesse número, há
as já tradicionais notícias sobre progresso da Armênia Soviética683, além de textos sobre o que
677 O texto pode ser encontrado na íntegra em Marxists Internet Archive. Disponível em <http://www.marxists.org/reference/archive/stalin/works/1920/12/04.htm>, acesso em 06/11/2011. 678 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 1. 679 Idem. 680 Ibid., p. 5. 681 Ibid., p. 2. 682 Ibid., pp. 1, 5-6. 683 Ibid., p. 4.
143
estava em discussão na coletividade armênia da França, enviados da Europa por Jacob
Bazarian.
Entretanto, o número 39-40 de fato estava dominado pela pauta política. Em outro
artigo, mais longo e mais agressivo que o anterior, Yacubian denuncia “Os tashnags no
caminho da traição”684. Neste texto, Yacubian ataca a comemoração de 28 de maio de 1918,
dia que os partidários da FRA comemoraram a independência da República da Armênia após
séculos vivendo dentro das fronteiras dos Impérios Otomano e Russo. Para Yacubian, as
comemorações dessa data sob a bandeira tricolor685 eram na realidade manifestações anti-
armênias, uma vez que havia a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas na qual a Armênia
estava representada686.
O jornalista trava uma disputa no campo da memória. Através de uma revisão da
história da Armênia, Yacubian tem por intenção provar os erros dos seus adversários
políticos. Isso fica claro quando ele compara a independência de 1918 com o apoio da FRA à
constituição otomana de 1908. Na ocasião, um grupo de turcos organizados no Comitê União
e Progresso, com o apoio da FRA, derrubaram o sultão do Império Otomano a fim de assumir
o poder e modernizar a decadente nação, inclusive por meio da promulgação de uma
constituição. Essa vitória desarticulou os movimentos armados da FRA que foram criados
com o intuito de defender a população armênia das investidas de turcos e curdos687. Contudo,
anos depois, foi o Comitê União e Progresso que arquitetou e executou o genocídio contra os
armênios. Os opositores da FRA sempre chamaram a Federação a assumir parcela de culpa no
genocídio, uma vez que a aliança com os perpetradores e a decorrente desmobilização dos
grupos armados armênios potencializou a destruição do plano sistemático de extermínio.
Levon Yacubian reviveu essa antiga rusga no campo mais delicado e sensível para
os armênios para fortalecer o seu argumento de que a Federação Revolucionária Armênia é
inimiga do povo armênio. Assim, o jornalista considera contraditória a postura de alguns
compatriotas comemorarem tanto o dia 28 de maio quanto 29 de novembro como datas
importantes para a história dos armênios, uma vez que “estas duas datas se negam e se opõem,
como a morte à vida, as trevas à luz”688. A constatação que havia armênios em São Paulo que
compareciam às duas comemorações indica que para esses a política era menos importante do 684 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 3. 685 A bandeira da Armênia Soviética era nas cores azul e vermelho, com o brasão da RSS. A bandeira utilizada pela Federação Revolucionária Armênia era vermelha, azul e laranja, a mesma que é hoje o símbolo da República da Armênia. A bandeira tricolor, portanto, era um símbolo da resistência dos armênios anticomunistas. 686 Ibid., p. 3. 687 TERNON, Y. (1996). op. cit., p. 174. 688 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 3.
144
que a vida em comunidade, pois o que importava era comparecer nos eventos organizados
pela coletividade, ainda que esses fossem diametralmente opostos. Essa parece ser também a
posição de muitos que assinavam o Ararat. Mais do que se importar com as discussões
políticas travadas nas páginas da publicação, interessava ter em mãos mais aquela publicação
idealizada por compatriotas em São Paulo.
Contudo, para alguns outros, a assinatura e leitura de Ararat poderiam sim
expressar uma proximidade de pensamentos e opiniões. Certamente, não era só Levon
Yacubian que se incomodava com a política levada pela FRA através dos anos, seja na
Armênia, seja na diáspora. Ou seja, é perfeitamente plausível que alguns armênios se
aproximaram do comunismo ou do grupo entusiasta da Armênia Soviética justamente por esse
se colocar enquanto alternativa política à Federação Revolucionária Armênia. Ainda que os
ideais e práticas comunistas não estivessem claros para todos, é possível que armênios em São
Paulo se autodeclarassem comunistas para assim se dotarem de uma pauta política a fim de
fazer frente ao discurso político da FRA.
Yacubian nos parece ser um indivíduo que lançava mão de uma interpretação da
história para desconstruir o papel da FRA ao longo dos anos a fim de enfraquecer o alcance
que a Federação tinha em São Paulo. Para o jovem jornalista, em consonância com o discurso
comunista na Armênia689, a FRA era a expressão da burguesia que desprezou a Revolução de
Outubro e a força do proletariado russo690. Os tashnags, em conjunto com setores
nacionalistas de Azerbaijão e Geórgia, se lançaram em uma batalha considera por Yacubian
como fratricida contra os russos. Enquanto isso, no outro front, o avanço das tropas turcas
tornava a situação insustentável. A única salvação para a Armênia era aceitar um armistício
assinado entre Rússia e Turquia para interromper a perda de território para os turcos.
Entretanto, tal atitude reconheceria por consequência o governo revolucionário russo. Os
nacionalistas armênios, azerbaijanos e georgianos preferiram se proclamar independentes e
criam a República da Transcaucásia para negociar diretamente com o governo da Turquia sem
precisar reconhecer os bolchevistas como governo legítimo da Rússia e por consequência,
legitimar o domínio bolchevique também na Transcaucásia691. Para o jornalista, a
aquiescência da FRA por essa decisão se deu por receio de perder o controle de cidades
importantes como Tiflis e Baku, capitais de Geórgia e Azerbaijão respectivamente.
689 FERRO, M. (1983). op. cit., p. 200. 690 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 3. 691 Idem.
145
Os turcos não cessavam de avançar sobre o Cáucaso, ameaçando chegar até Tiflis
e Yerevan. Frente a isso, a Geórgia proclamou-se independente e colocou-se sob a proteção
do governo alemão, aliado turco desde o começo do século XX, o que findou a ameaça sob o
país692. Em 27 de maio de 1918, o Azerbaijão também se proclamou independente, pois não
temia o avanço dos turcos, povo com laços históricos com os azerbaijanos. Assim, a Armênia
ficou isolada na decomposta República da Transcaucásia e a FRA declarou independência no
dia 28 de maio, à revelia dos demais partidos políticos armênios, segundo Yacubian. O
jornalista ressalta que o Conselho Nacional Armênio, órgão máximo dos armênios durante a
República da Transcaucásia e dirigido pela FRA, estava receoso de ir até Yerevan, então a
capital da nova República da Armênia para assumir o poder, permanecendo assim em Tiflis e
somente sob pressão do novo governo georgiano os dirigentes armênios saíram do país e
foram em direção à Armênia693.
Seguida a essa longa explanação sobre os acontecimentos de 1918, Yacubian
pergunta ao leitor se é esse o tipo de independência que os armênios devem comemorar. Na
opinião dele, a data de 28 de maio deveria ser um dia de luto para a Armênia, não um dia de
júbilo. Luto, pois a independência proclamada pela FRA proporcionou três longos anos de
sofrimento e lutas para a população da recém-criada república, que somente foi salva pela
“revolução de 29 de novembro de 1920. É realmente nesta data que começa a independente e
livre Armênia Soviética” 694.
Esse número do Ararat causou grande impacto sobre a coletividade armênia de
São Paulo. Embora não tenhamos encontrado nenhum texto publicado diretamente em
resposta à Levon Yacubian nos periódicos armênios que circulavam na época na cidade, a
afirmação já citada de Zaven Karakhanian em carta a Jacob Bazarian anos depois
relembrando a manchete “Stalin e os armênios” é um bom indicativo da polêmica criada pela
opinião de Yacubian695. Sobre os debates entre o Ararat e o grupo da FRA que editava a
“Revista Cultural Brasil-Armênia”, o periódico “O Cruzeiro” afirmou, em setembro de 1949:
Esse jornal circula no seio da colônia armênia bandeirante, fazendo oposição tenaz a um outro periódico da mesma colônia – o “Brasil Armênia”, publicação de um grupo de armênios nacionalistas, que sonham com uma Armênia independente e democrática nos moldes das nações livres do ocidente. Esse punhado de patriotas é mal visto e até odiado pelos comunistas armênios, entrincheirados na redação do “Ararat”696.
692 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40; dezembro de 1949 a janeiro de 1950, p. 5. 693 Idem. 694 Idem. Grifos de Levon Yacubian. 695 Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano III, nº 16, maio/junho de 1969, p. 3 (AHK). 696 O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: ano XXI, nº 47, 10 de setembro de 1949, p. 6.
146
Isto é, além de assumir o discurso das autoridades policiais, com as quais a reportagem d’O
Cruzeiro obteve as informações e as imagens utilizadas na matéria, a revista ainda se mostrou
simpática ao projeto da FRA, cujos partidários seriam os verdadeiros democratas e libertários
da Armênia, ao contrário dos comunistas subversivos do jornal Ararat.
Apesar da falta de registros que temos sobre o Ararat – a voz do povo armênio
após o número na virada de 1949 para 1950, consta no prontuário da publicação que ela teria
circulado até 1951, de acordo com o depoimento prestado por Yacubian697. Também não
temos mais registro de outros textos redigidos pelo jornalista, ainda que seja possível que se a
publicação continuou nos anos de 1950 e 1951, com Bazarian fora do Brasil, Yacubian tenha
continuado a editar o periódico.
As últimas informações sobre as atividades do Ararat que constam no prontuário
da publicação são de 1952, quando boletins de informação da embaixada da URSS no México
endereçados à publicação foram apreendidos pela Polícia Política, o que motivou as
autoridades a pedirem a reabertura das investigações sobre o jornal e a União Armênia de São
Paulo. Nesse sentido, Yacubian foi intimado a depor novamente, apenas dois anos após a sua
libertação. Na ocasião, Levon Yacubian declarou que os boletins soviéticos eram enviados
para o Ararat porque o remetente não sabia do encerramento das atividades do jornal e que
após o fechamento, ele teria ido trabalhar no jornal “O Tempo” na “Agência France Press”698.
Em janeiro de 1953, um investigador foi enviado até o local onde funcionava a
redação do Ararat, a fim de averiguar se o mesmo havia cessado suas atividades. Segundo o
relatório do policial, no número 213 da Rua Santo André não mais servia como redação de
jornal, mas sim como residência. Os inquilinos que lá estavam e foram arguidos pela
autoridade nada souberam responder sobre o Ararat. A única indicação que o investigador
conseguiu foi na Rua Barão de Duprat, onde um senhor informou ao policial que o jornal
tinha fechado as portas, pois “o redator do referido jornal se achava em Moscou, estudando ou
lecionando em uma Universidade, pois era um moço inteligente e formado pela Faculdade de
Filosofia e Ciências de São Paulo”699. Frente a isso, a nova investigação sobre o periódico não
prosseguiu.
697 Pront. 98.526 – Ararat. 698 Idem. 699 Idem.
147
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em “A Derrota da Dialética”, Leandro Konder disserta sobre os obstáculos que o
marxismo precisou enfrentar para frutificar no Brasil 700. O quase total desconhecimento do
pensamento de Karl Marx e a impossibilidade de ter acesso a sua obra no país eram latentes
até pelo menos a Revolução Russa701. Mesmo os acontecimentos de 1917 atravessaram o
Atlântico de forma confusa e foram ainda mais deturpados por intelectuais como Oliveira
Vianna, que duvidava dos benefícios do bolchevismo para o Brasil702.
Enquanto aconteciam as primeiras tentativas de organização do movimento
operário – até então de orientação anarquista – aos moldes ditados pela Internacional
Comunista, por intermédio de figuras como Heitor Ferreira Lima, Edgar Leuenroth e
Astrojildo Pereira, que iriam resultar na fundação do Partido Comunista do Brasil em 1922, o
centro do comunismo mundial tentava compreender a natureza do proletariado sul-americano
observando-o através das suas próprias lentes que viam nas ações tenentistas no Rio de
Janeiro em 1922 e em São Paulo em 1924 as primeiras ações favoráveis à revolução no
Brasil703. Por outro lado, o Estado se equipava com a instituição de departamentos de “ordem
social” para coibir ações como as que paralisaram a cidade em 1924 e para vigiar os
imigrantes e operários que poderiam por em xeque a ordem posta. Assim nasceria em
dezembro de 1925 a DEOPS/SP que em 1928 já havia identificado e fichado um terço dos
operários do estado de São Paulo704.
Paralelamente a essa realidade, os primeiros armênios chegavam a São Paulo e
lutavam para se estabelecer na cidade. Contudo, a maior parte dos imigrantes que entrariam
na cidade no final da década de 1920 e por toda a década de 1930 ainda estava em regiões da
Síria e do Líbano, onde suas instituições e entidades ajudavam a reorganizar aquela sociedade
devastada por um genocídio. Enquanto isso, a Armênia vivia seus primeiros anos como
República Socialista Soviética, o que permitiu que sua população se recuperasse
gradualmente dos horrores de anos de guerras e genocídio, embora uma grande parte de seu
700 KONDER, Leandro. (2009). A Derrota da Dialética: a recepção das ideias de Marx no Brasil, até o começo dos anos 30. São Paulo: Expressão Popular, 2ª ed. 701 Ibid., p. 108. 702 Ibid., p. 155. 703 PINHEIRO, P. (1992). op. cit., pp. 69-77. 704 Ibid., pp. 110-111.
148
território histórico e da sua população tenha sido ceifada por acordos internacionais que não
tinham os interesses armênios como prioridade.
Ainda que o marxismo e os ideais da esquerda não fossem propriamente
difundidos entre a grande maioria dos armênios nas décadas de 1920 e 1930, é inegável a
familiaridade que esses tinham com tais pautas se comparados com a maior parte dos
brasileiros e imigrantes que aqui estavam no período. Desde a década de 1890, os armênios
contavam com dois partidos revolucionários que organizaram resistências armadas às
investidas genocidas turcas em cidades como Zeytun, Urfa, Hadjin, origem de muitos
imigrantes que viriam para São Paulo anos depois. A influência russa e a consequente tutela
soviética sobre o que sobrou da Pátria-Mãe aproximaram ainda mais alguns indivíduos que
viam com simpatia os benefícios que as ideias de esquerda poderiam trazer para um povo que
precisou se fortalecer politicamente para sobreviver como nação. No Levante, a estrutura
social dos armênios era reconstruída em entidades vinculadas aos partidos políticos.
Associações assistenciais, esportivas, educacionais, culturais, escotismo, dentre outras,
estavam inseridas numa ampla rede hierarquizada que atingia toda a diáspora, com constante
intercâmbio de pessoas e ideias entre elas.
No Brasil, enquanto a IC dissolvia toda a cúpula do PCB numa tentativa de
reorganizar a ação comunista no país, que lutava para inserir suas ideias em meio ao furor
tenentista e a revolução de 1930705, as filiais da Federação Revolucionária Armênia e do
Hetchakian já estavam em funcionamento em São Paulo. Entretanto, a movimentação no seio
da coletividade, por estar voltada mais por uma organização social para dentro do povo
armênio – não apresentando ameaça à ordem e à política brasileira – não foi apreendida pelos
órgãos repressivos do Estado. Somente com o crescimento e maior organização do PCB nos
anos 1930, que teve como ponto alto os levantes em finais de 1935, que a Polícia Política
voltou o seu olhar para a comunidade armênia de São Paulo à procura de crimes políticos.
Nesse sentido, o prontuário do professor Nazareth Avedikian – cujas convicções comunistas
nunca foram comprovadas, apesar das denúncias – é o marco inicial dessa vigilância.
Na medida em que o PCB se desenvolvia em São Paulo e a URSS se estabelecia
no cenário internacional como uma potência, os armênios que se mostravam simpáticos ao
comunismo e ao regime que então imperava na Armênia se organizaram em grupos e
entidades a fim de dar uma institucionalidade a essa faceta da política armênia em São Paulo,
705 KONDER, L. (2009). op. cit., p. 206.
149
em contraposição aos partidos revolucionários, agremiações de primeira hora em toda a
diáspora. Dessa forma, a União Armênia de São Paulo, através de seu boletim interno Verelk
começou a rascunhar o apoio de uma fração dos armênios da capital paulista à URSS e ao
comunismo, enquanto processos similares aconteciam em outros países da diáspora, como
França e EUA.
Contudo, não seria antes de 04 de outubro de 1946 que os armênios paulistanos
teriam um órgão explicitamente entusiasta da Armênia Soviética. Nessa data, Jacob Bazarian
– o único armênio cuja militância era também exercida no PCB – e Levon Yacubian,
principais articulistas do Verelk, criaram o jornal Ararat – a voz do povo armênio, cuja pauta
política passava não só pelo apoio à Pátria-Mãe, mas pela crítica contundente aos rumos do
país durante o governo da Federação Revolucionária Armênia entre 1918-1920. Por conta de
textos como “Stalin e os armênios” e “Viva a Armênia Soviética”, bem como a troca de
material com instituições soviéticas ao redor do mundo, a DEOPS/SP, cuja ação já havia se
direcionado para a vigilância das atividades da UASP poucos anos antes, agiu duramente
contra os idealizadores do Ararat, resultando na prisão de Yacubian – quando esse foi retirar
uma correspondência oriunda do exterior, na companhia de Agop Boyadjian – e na ida de
Jacob Bazarian para a França e em seguida para a URSS, a fim de evitar que o mesmo
acontecesse com ele.
Não era usual nas páginas do Ararat haver discussões acerca da política brasileira,
tampouco de forma crítica à ordem posta. Quando havia referências ao cenário político
nacional, era em tom de apoio e aprovação, como no caso de uma análise do “governo
popular” do então governador do estado de São Paulo, Ademar de Barros706, ou na ocasião do
aceno positivo de Oswaldo Aranha em acatar os apelos dos armênios para que o político
intervisse em favor da questão armênia na ONU, em consonância com diversas outras nações
que, segundo o Ararat, fariam o mesmo707. Todavia, tal linha editorial pautada pela simpatia à
ordem nacional não impediu que a DEOPS/SP apreendesse exemplares do jornal, fichasse
todos os 158 assinantes do periódico em 1946, fizesse uma varredura em alguns exemplares,
que tiveram textos e fotos suspeitas grifadas em vermelho pelos policiais e, por fim, iniciasse
o processo judicial a fim de condenar Yacubian, Bazarian e Boyadjian por subversão e
consequentemente expulsar o trio do território nacional.
706 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano I, nº 6, março de 1947, p. 1. 707 Op. cit., ano II, nº 13, outubro de 1947, p. 1.
150
Todavia, excetuando Levon Yacubian e Jacob Bazarian, não havia nos arquivos
da DEOPS/SP indícios de qualquer armênio que de fato tivesse uma ação política próxima do
que a polícia entendia como o padrão do militante comunista. Embora a repartição tenha
aberto um prontuário para cada assinante do Ararat, nenhuma investigação foi feita sobre
essas pessoas que assinavam e recebiam o jornal fichado, sendo essa a razão pelo grande
número de armênios “sem nacionalidade” contidos no Fundo DEOPS/SP, uma vez que não
houve nenhum tipo de pesquisa por parte dos policiais a fim de colher maiores informações
sobre os prontuariados. Isso nos leva a seguinte questão: que tipo de comunismo os armênios
praticavam que possa explicar como ao mesmo tempo em que 139 pessoas são rotuladas pela
Polícia Política como “comunistas”, apenas três deles tem processos judiciais abertos?
Com efeito, a trajetória dessas pessoas, principalmente de Levon Yacubian – que
se afastaria da vida comunitária após ser preso – e Jacob Bazarian – que refutaria o
comunismo anos mais tarde – em pouco se assemelha com a atividade organizada pelo PCB
ou por outras coletividades imigrantes na cidade. Porém, a adoção do comunismo por alguns
armênios de São Paulo deve ser vista por outro viés, para além do cotejamento com outras
ações de militância comunista. Se os pilares dos armênios na diáspora são os partidos e as
igrejas, de acordo com Sapsezian708, ter uma pauta política é essencial para o indivíduo ser
aceito entre seus pares. Assim, a única forma de um armênio se opor às ações promovidas
pela Federação Revolucionária Armênia em São Paulo – o mais forte dos partidos armênios
em toda a diáspora – era dotar-se de uma postura política antagonista e desconstruir o que a
FRA sustentava com maior altivez: o seu papel de protagonista na história dos armênios.
Quando Levon Yacubian escreve de dentro da cadeia um texto no qual chama os partidários
da Federação de “lacaios”, não reconhece a república de 1918 como uma expressão da
independência dos armênios e critica as ações da cúpula da FRA nos acontecimentos pré-
sovietização709, ele não só enaltece o comunismo na Pátria-Mãe, como fornece argumentos
para todos aqueles que em São Paulo não concordavam com as ações da FRA no tocante à
organização da coletividade na cidade, onde o partido era hegemônico.
Em suma, se para a DEOPS/SP pouco importava os motivos da simpatia de uma
parcela da coletividade armênia ao comunismo, agindo de uma forma pragmática contra todos
aqueles que de alguma forma aderiam ao “credo de Moscou”, para os armênios havia muito
por trás do comunismo. Mais do que uma questão de justiça social, luta pela ditadura do
708 SAPSEZIAN, A. (1988). op. cit., p. 167. 709 ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano IV, nº. 39-40, dezembro de 1949 a janeiro de 1950.
151
proletariado ou da socialização dos meios de produção, o comunismo dos armênios em São
Paulo dizia respeito às questões armênias, seja na Pátria-Mãe, seja na diáspora.
152
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E FONTES
I - Fontes
a) Depoimentos orais
Haroutiun Magarian. Aposentado. Entrevista concedida em sua residência, no bairro da Casa Verde, São Paulo, 13/02/2012.
Fernando Mangarielo. Proprietário da editora Alfa-Ômega. Entrevista concedida na sede da editora no bairro de Pinheiros, São Paulo, 15/05/2012.
Walter Mekitarian. Economista. Entrevista concedida em sua residência, no bairro do Morumbi, São Paulo, 20/04/2012.
b) Prontuários do Fundo DEOPS/SP do Arquivo Público do Estado de São Paulo
Prontuário 1.325 – Subcomitê Russo em São Paulo de Socorro às Vítimas de Guerra Pront. 3.125 – Nazareth Avedikian Pront. 17.834 – Wahakn Minassian Pront. 37.525 – Miran Kalagiany Pront. 46.273 – Agop Boyadjian Pront 66.154 – Vahakn Minassian Pront. 73.631- Levon Yacubian Pront. 86.428 – Comissão de Auxílio a Repatriação de Armênios Pront. 87.838 – Hoje – Jornal do Povo à Serviço do Povo Pront. 94.341 – Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo” Pront. 95.621 - Jacob Bazarian Pront. 97.180 – Mary Apocalipse Pront. 98.399 – Yesnig Vartanian Pront. 98.416 – A Voz do Povo Armênio Pront. 98.433 – José Balikian Pront. 98.470 – Yervant Kechichian Pront. 98.525 – Yervant Mahsaredjian Pront. 98.526 – Ararat Pront. 108.936 – Fábrica de Calçados Dadian Pront. 116.549 – Anahid Poladian Pront. 116.569 – Kassia Magarian Pront. 121.455 – Levon Jacobian Pront. 139.842 – Kervork Pamboukian
c) Jornais, revistas, documentários e outras publicações
AGBU: Armenian General Benevolent Union. Nova York: Volume 20, nº 2, novembro de 2010.
ARARAT – a voz do povo armênio. São Paulo: ano I, nº 2, novembro de 1946. _____. São Paulo: ano I, nº 6, março de 1947 _____. São Paulo: ano I, nº 8, maio de 1947.
153
_____. São Paulo: ano II, nº 13, outubro de 1947. _____. São Paulo: ano II, nº 15, dezembro de 1947. _____. São Paulo: ano II, nº 16, janeiro de 1948. _____. São Paulo: ano II, s/ nº, março de 1948. _____. São Paulo: ano II, s/ nº, junho de 1948. _____. São Paulo: ano II, s/ nº, julho de 1948. _____. São Paulo: ano III, nº 30, março de 1949. _____. São Paulo: ano III, nº. 31, abril de 1949. _____. São Paulo: ano III, nº. 34, julho de 1949. _____. São Paulo: ano IV, nº. 37-38, outubro-novembro de 1949. _____. São Paulo: ano IV, nº. 39-40, dezembro de 1949 a janeiro de 1950. ARCA – revista do Arquivo Histórico de Campo Grande (1992): “Emigração: de como
árabes e armênios se instalaram em Campo Grande”. Campo Grande: Arquivo Histórico de Campo Grande, nº 3.
CONCERTO SINFÔNICO do Vahakn Minassian (1964). São Paulo: Centro Armênio. CORREIO PAULISTANO. São Paulo: ano LXXXVII, nº. 25.910, sexta-feira, 23 de agosto
de 1940. CHEGADOS: Armênia. Documentário televisivo. Canal Futura, 2007. DIÁRIO CARIOCA. Rio de Janeiro: Ano XXII, nº 6493, quinta-feira, 01 de setembro de
1949. DROSHAG – Associação Cultural Armênia. São Paulo: Novembro de 1970. FOLHA DE LONDRINA . 08 de agosto de 1983. FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo: segunda-feira, 26 de março de 2012. JORNAL DAS MOÇAS. Rio de Janeiro: 26 de março de 1942 JORNAL DO IMIGRANTE. São Paulo: ano V, nº 58, janeiro/fevereiro de 1983. _____. São Paulo: ano VII, nº 73, abril/maio de 1984. _____. São Paulo: ano VII, nº 83, fevereiro de 1985. MASSIS. Rio de Janeiro: ano V, nº 45, junho de 2001. O CRUZEIRO. Rio de Janeiro: ano XXI, nº 47, 10 de setembro de 1949. O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo: domingo, 27 de setembro de 1970. Revista ARMÊNIA . São Paulo: ano I, nº 2, julho de 1967. _____. São Paulo: ano I, nº 3, outubro de 1967. _____. São Paulo: ano I, nº 4, novembro/dezembro de 1967. _____. São Paulo: ano I, nº 5, janeiro/fevereiro de 1968. _____. São Paulo: ano II, nº 9, julho de 1968. _____. São Paulo: ano II, nº 11, setembro de 1968. _____. São Paulo: ano II, nº 13, novembro/dezembro de 1968. _____. São Paulo: ano II, nº 14, janeiro-fevereiro de 1969. _____. São Paulo: ano III, nº 16, maio/junho de 1969. REVISTA CULTURAL BRASIL-ARMÊNIA. São Paulo: ano 1, nº 3, março de 1947. _____. São Paulo: ano 1, nº 7-8, julho/agosto de 1947. _____. São Paulo: ano 2, nº 13, janeiro de 1948. _____. São Paulo: ano 2, nº 15, março de 1948. _____. São Paulo: ano 2, nº 16, abril de 1948. _____. São Paulo: maio-junho de 1957. SIPAN: órgão da comunidade armênia da Igreja Apostólica Armênia do Brasil. São Paulo: nº
12, 15 de agosto de 1983. SOCIEDADE RECREATIVA MARACHÁ: 10º aniversário de grandes realizações. São
Paulo: 15 de novembro de 1957.
154
_____: 20 anos a serviço da cultura e do progresso dos marachtsi da coletividade armênia do Brasil. São Paulo: 15 de novembro de 1967.
TRIBUNA ARMÊNIA . São Paulo: abril de 1963. VERELK: boletim informativo da Sociedade Cultural “União Armênia de São Paulo”. São
Paulo: nº. 9-10, abril-maio de 1946. _____. São Paulo: nº 11, junho de 1946. _____. São Paulo: nº 12, julho de 1946. _____. São Paulo: nº 13, agosto de 1946. _____. São Paulo: nº 16, novembro de 1946. _____. São Paulo: nº 17, agosto de 1947.
II - Bibliografia
a) Sobre a história dos armênios
ADALIAN, Rouben Paul. “Near East Relief and the Armenian Genocide” In: Encyclopedia Entries on the Armenian Genocide. Washington: Armenian National Institute. Disponível em <http://www.armenian-genocide.org/ner.html>, acesso em 22/08/2011.
AKÇAM, Taner (2004). From Empire to Republic: Turkish nationalism and the Armenian Genocide. Nova York: Zed Books.
ALEM, Jean-Pierre (1961). A Armênia. São Paulo: Difusão Europeia do Livro. ARMENIA 2020: Diaspora-Homeland issue paper (2003). Yerevan, Armênia: Arak-29
Foundation. ASTOURIAN, Stephan H. (2004). Modern Turkish Identity and the Armenian Genocide:
from prejudice to racist nationalism. Yerevan: Museum-Institute of the Armenian Genocide of the National Academy of Sciences of Republic of Armenia.
BALAKIAN, Peter (2004). The Burning Tigris: the Armenian Genocide and America’s response. Nova York: Harper Perennial.
CAMPOLINA MARTINS, Antônio Henrique (1998). “Armênia, um povo em luta pela liberdade: o mais longo genocídio da história”. Dossiê – Direitos Humanos. In: Ética e Filosofia Política. Juiz de Fora: UFJF, v. 3, nº 1.
HILSENRATH, Edgar (1990). The Story of the Last Thought. Londres: Scribners. KATCHZNOUNI, Hovannes (1955). The Armenian Revolutionary Federation Has Nothing
to Do Anymore. Nova York: Armenian Information Service. KERIMIAN, Nubar (1998). Massacres de Armênios. São Paulo: Comunidade da Igreja
Apostólica Armênia, 2ª ed. MEKHITARIAN, Nichan (2005). O Reino Armênio da Cilícia e História de Zeytun. São
Paulo: Edições Inteligentes. MINASSIAN, Anahit Ter (1982). “L’Arménie et l’éveil des nationalités (1800-1914)”. In:
DEDEYAN, Gerard [org.]. Histoire des Arméniens. Paris: Privat. MORGENTHAU, Henry. (1918). Ambassador Morgenthau’s History. Nova York:
Doubleday, Page and Company. MOURADIAN, Claire (1990). L’Arménie: de Staline à Gorbatchev – histoire d’une
république soviétique. Paris: Ramsay. PASDERMADJIAN, Hrand (1986). Histoire de L’Arménie. Paris: Librarie Orientale H.
Samuelian, 4ª ed. SAPSEZIAN, Aharon (1988). História da Armênia: drama e esperança de uma nação. Rio de
Janeiro: Paz e Terra. _____ (1997). Cristianismo Armênio. São Paulo: Bentivegna.
155
_____ (2010). História Sucinta e Atualizada da Armênia. São Paulo: Emblema. SHAHINIAN, Haig (1984). Conceitos Básicos da Organização Democrata Liberal
Armênia. São Paulo: Associação Cultural Tekeyan. TERNON, Yves. (1982). “Le génocide de Turquie et la guerre (1914-1923). In: DEDEYAN,
Gerard [org.]. Histoire des Arméniens. Paris: Privat. _____ (1996). Les Arméniens: histoire d’un génocide. Paris: Seuil, 2ª ed. TOYNBEE, Arnold J. (2003). Atrocidades Turcas na Armênia. São Paulo: Paz e Terra. ÜNGÖR, Ugur Ümit & POLATEL, Mehmet (2011). Confiscation and Destruction: the
Young Turk seizure of Armenian Property. Nova York/Londres: Continuum. WERFEL, Franz (1995). Os Quarenta Dias de Musa Dagh. Rio de Janeiro: Paz & Terra.
b) Sobre a imigração dos armênios e a trajetória destes no Brasil
ANTARAMIAN, Carlos (2009). “La Merced, mercado y refugio. El caso Armenio”. In: ISTOR. Cidade do México: División de Historia del Centro de Investigación y Docencia Económicas (CIDE), pp. 106-140.
BAIDARIAN, Mariam [org.] (2011). Não se Deve Esquecer: memórias de um sobrevivente do genocídio armênio. São Paulo: Scortecci.
BAZARIAN, Jacob (1988). A Trajetória de um Patriota Armênio: a vida e as atividades do comendador Karnig Bazarian. São Paulo: edição do autor.
GRÜN, Roberto (1992). Negócios e Famílias: armênios em São Paulo. São Paulo: Sumaré. _____ (2002). “Dinheiro no bolso, carrão e loja no shopping: estratégias educacionais e
estratégias de reprodução social em famílias de imigrantes armênios”. In: ALMEIDA, Ana Maria F. & NOGUEIRA, Maria Alice [org.]. A Escolarização das Elites: um panorama internacional da pesquisa. Petrópolis: Vozes.
HEKIMIAN, Kim. (1990). “Armenian immigration to Argentina: 1909-1938”. In: Armenian Review. Volume 43, n. 1/169, pp. 85-113.
KECHICHIAN, Hagop (1983). “Imigração armênia no Brasil”. In: Jornal do Imigrante. São Paulo: ano V, nº 58, janeiro/fevereiro de 1983.
_____ (2000). Os Sobreviventes do Genocídio: imigração e integração armênia no Brasil, um estudo introdutório. São Paulo: Tese de doutorado em História Social, FFCHL/USP.
KEROUZIAN, Yessai Ohannes. (1983). “Sinopse sobre a colônia armênia do Brasil: da imigração à atualidade”. In: Jornal do Imigrante. São Paulo: ano V, nº 58, janeiro/fevereiro de 1983.
LUZ, Márcio Mendes da (2011). “Ararat, Hermon e Sion paulistanos”. In: HECKER, Alexandre & MARTINS, Ismênia [org.]. E/Imigração: histórias, culturas, trajetórias. São Paulo: Expressão e arte.
MADOYAN, Marc (2007). Arméniens en Amerique du Sud: immigration, insertion et structures communautaires a Buenos Aires, São Paulo et Montevideo. Paris: Université Paris X, Départament de Sociologie, Mémoire de Master 2.
MARTINI, Sueli (2004). IAN - Sufixo da Identidade: presença da comunidade armênia no processo de urbanização de Osasco. São Paulo: dissertação de mestrado em História pela PUC-SP.
MIGLIORINO, Nicola (2008). (Re)constructing Armenia in Lebanon and Syria: ethno-cultural diversity and the state in the aftermath of a refugee crisis. Nova York e Oxford: Berghahn Books.
PORTO, Pedro Bogossian (2011). Construções e Reconstruções da Identidade Armênia no Brasil. Rio de Janeiro: dissertação de mestrado em Antropologia, ICHF/UFF.
156
VARTANIAN, Yeznig (1948). Brazilioh Hay Kaghuthë: Badmagan Degheguthiunner ev Jamanagakruthiun 1860-ên Mintchev 1947-i Vertchë. Buenos Aires: Siphan. [em armênio].
c) Sobre outros grupos imigrantes
BASTOS, Wilson de Lima (1988). Os Sírios em Juiz de Fora. Juiz de Fora: Paraibuna. FAUSTO, Boris (1991). Historiografia da Imigração para São Paulo. São Paulo: Sumaré. FREITAS, Sônia Maria de (2001). Falam os Imigrantes: memória e diversidade cultural em
São Paulo. São Paulo: Tese de doutorado em História Social, FFCHL/USP. KNOWLTON, Clark (1960). Sírios e Libaneses: mobilidade social e espacial. São Paulo:
Anhambi. TRUZZI, Oswaldo (2005). Sírios e Libaneses: narrativas de história e cultura. São Paulo:
Companhia Editora Nacional. _____ (2009). Patrícios: sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: UNESP, 2ª edição
ampliada.
d) Sobre a DEOPS/SP e a repressão de Estado
AQUINO, Maria Aparecida de, et. alii. (2001). No Coração das Trevas: o DEOPS/SP visto por dentro. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci (1999). “O Estado Novo, o Dops e a ideologia da segurança nacional”. In: PANDOLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci & KOSSOY, Boris (2003). A Imprensa Confiscada pelo DEOPS. São Paulo: Ateliê Editorial.
_____ (2003). “Imprensa irreverente, tipos subversivos” In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci & KOSSOY, Boris. A Imprensa Confiscada pelo DEOPS. São Paulo: Ateliê Editorial.
DIETRICH, Ana Maria (2007). Caça às Suásticas: o Partido Nazista de São Paulo sob mira da Polícia Política. São Paulo: Imprensa Oficial.
HECKER, Alexandre (2009). “A repressão aos imigrantes portugueses em São Paulo: os subversivos e os outros”. In: SOUZA, Fernando, et. alii. Nas Duas Margens: os portugueses no Brasil. Porto, Portugal: Afrontamento/Cepese.
KOSSOY, Boris (2003). “O jornalismo revolucionário ilustrado” In: CARNEIRO, Maria Luiza Tucci & KOSSOY, Boris. A Imprensa Confiscada pelo DEOPS. São Paulo: Ateliê Editorial.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá (2010). “Comunismo e anticomunismo sob o olhar da polícia política” In: Locus: revista de história. Juiz de Fora: EDUFJF, v. 30, nº 1, pp. 17-27.
NEGRÃO, João Henrique Botteri (2005). Selvagens e Incendiários: o discurso anticomunista do governo Vargas. São Paulo: Laboratório de Estudos sobre Intolerância/Humanitas/FAPESP.
PEDROSO, Regina Célia (2005). Estado Autoritário e Ideologia Policial. São Paulo: Laboratório de Estudos sobre Intolerância/Humanitas/FAPESP.
PESTANA, José César (1955). Manual de Organização Policial do Estado de São Paulo. São Paulo: Escola Paulista de Polícia de São Paulo.
SEYFERTH, Giralda (1999). “Os Imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo”. In: PANDOLFI, Dulce (org). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV.
157
WIAZOVSKI, Taciana (2001). Bolchevismo e Judaísmo: a comunidade judaica sob o olhar do DEOPS. Módulo VI – Comunistas. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa Oficial.
ZEN, Erick Reis Godliauskas (2005). O Germe da Revolução: a comunidade lituana sob a vigilância do DEOPS. São Paulo: Laboratório de Estudos sobre a Intolerância/Humanitas/FAPESP.
_____ (2010). Imigração e Revolução: lituanos, poloneses e russos sob vigilância do Deops. São Paulo: Edusp.
e) Outras obras utilizadas no contexto da pesquisa
BAZARIAN, Jacob (1973). Mito e Realidade sobre a União Soviética: análise imparcial do regime soviético por um ex-membro do Partido Comunista. São Paulo: Record, 2ª edição revista e ampliada.
_____ (1986). Intuição Heurística: uma análise científica da intuição criadora. São Paulo: Alfa-Ômega, 3ª ed.
_____ (1986). “Três anos em defesa do Socialismo e da Democracia”. In: Socialismo e Democracia. São Paulo: Alfa-Ômega, nº 12, outubro-dezembro de 1986.
_____ (1991). Por que Nós, os Brasileiros, Somos Assim? Os traços psicológicos característicos dos brasileiros, suas causas e consequências. São Paulo: Alfa-Ômega, 2ª ed.
BOBBIO, Norberto (1995). Direita e Esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP, 2ª reimpressão.
FERRO, Marc (1983). A Manipulação da História no Ensino e nos Meios de Comunicação. São Paulo: Ibrasa.
GLISSANT, Édouard (2005). Introdução a uma Poética da Diversidade. Juiz de Fora: EDUFJF.
GUINZBURG, Carlo (1991). O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as ideias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras.
HALL, Stuart (2009). Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 1ª edição atualizada.
HECKER, F. Alexandre (1989). Um Socialismo Possível: a atuação de Antonio Piccarolo em São Paulo. São Paulo: T. A. Queiroz Editor.
HOBSBAWM, Eric (1996). The Age of Extremes. Nova York: First Vintage Books. JURADO, Carlos Caballero & LYLES, Kevin (1991). Foreign Volunteers of the Wehrmacht
1941-45. Londres: Osprey Publishing. KONDER, Leandro. (2009). A Derrota da Dialética: a recepção das ideias de Marx no Brasil,
até o começo dos anos 30. São Paulo: Expressão Popular, 2ª ed. MEDEIROS E ALBUQUERQUE, J. J. C. C (1982). Quando Eu Era Vivo. Rio de Janeiro:
Record. MAIO, Marcos Chor & CYTRYNOWICZ, Roney (2007). “Ação Integralista Brasileira: um
movimento fascista no Brasil (1932-1938)”. In: FERREIRA, Jorge. & DELGADO, Lucília. O Brasil Republicano. Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2ª ed.
PINHEIRO, Paulo Sérgio (1992). Estratégias da Ilusão: a revolução mundial e o Brasil 1922-1935. São Paulo: Companhia das Letras, 2ª. ed.
REIS FILHO, Daniel Aarão (2007). Uma Revolução Perdida: a história do socialismo soviético. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2º edição atualizada.
RIZZO, Marçal Rogério (2005). A Evolução da Indústria Calçadista de Birigui: um estudo sobre a capital brasileira do calçado infantil. Birigui, São Paulo: Boeral Editora.
SAID, Edward W. (2007). Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras.
158
SEGRILLO, Angelo (2000). O Declínio da URSS: um estudo das causas. Rio de Janeiro: Record.
SILVA, Carla Luciana (2001). Onda Vermelha: imaginários anticomunistas brasileiros (1931-1934). Porto Alegre: Edipucrs, Coleção História, 41.
SKIDMORE, Thomas (1969). Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco (1930-1964). Rio de Janeiro: Saga, 2ª ed.
VIANNA, Marly (2007). “O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935”. In: FERREIRA, Jorge. & DELGADO, Lucília. O Brasil Republicano. Vol. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2ª ed.
WILLIAMS, Raymond (1979). Marxismo e Literatura. Rio de Janeiro: Zahar Editores.