PEDRO PEREIRA LEITE
RELATORIO DE AVALIAÇÃOCURRICULAR
(extrato)
DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
UNIVERSIDADE LUSÓFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS
FACULDADE DE ARQUITECTURA E ARTES
LISBOA
JULHO 2009
Relatório de Avaliação Curricular
Julho de 2009
2 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Índice
1.1 Fragmentos das Imagens de África nos museus de Lisboa ........................................... 3
1.1.1 Museu do Carmo ................................................................................................... 5
1.1.2 Museu Nacional de Arte Antiga ............................................................................ 6
1.1.3 Museu do Chiado ................................................................................................ 10
1.1.4 Museu da Sociedade de Geografia ...................................................................... 13
1.1.5 Museu Nacional de Arqueologia Dr. Leite de Vasconcelos ................................. 16
1.1.6 Museu Nacional de Etnologia .............................................................................. 29
2 Análise Crítica e Transversal dos Temas Abordados ........................................................... 35
2.1 O lugar da herança africana nos museus lisboetas ..................................................... 35
3 Resultados Provisórios do Roteiro ...................................................................................... 45
6. BIBLIOGRAFIA DE REFERENCIA ............................................................................................ 48
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1.1 Fragmentos das Imagens de África nos museus de Lisboa A viagem pelos museus da velha capital do Império que ora se apresenta têm como
objectivo testar exercícios de leitura das narrativas sobre o outro africano e sobre o
modo como na actualidade se expressam na instituição museológica. Não têm como
objectivo efectuar um estudo exaustivo da narrativa africana, que em si constituiria um
tema de tese, nem sobre a história dos museus de Lisboa
Foi pensado como uma viagem pela cidade, pelos seus ritmos
com pontos de paragem em museus e em sítios públicos. A
viagem também não é cronológica nem sequencial. Foi
constituída por fragmentos de tempo, partilhados com os filhos,
umas vezes em tempo de lazer, outras com intenções de análise,
mas sempre com alguma informalidade. Repito o objectivo era
construir e testar uma grelha de analise sobre a presença do e
não ver se o outro e como o outro está representado. As
conclusões serão portanto, também fragmentos de memórias.
A intencionalidade desta viagem foi-se formando no espírito lentamente ao longo de
vários meses. Só no momento da escrita, este processo narrativo tomou esta forma.
Também por isso o seu carácter fragmentário. Ela no entanto é indubitavelmente
marcada pela experiencia paulista, e pela leitura da cidade e
dos seus museus, formalizada pelos trabalhos de Cristina
Bruno e Maria Ignez Franco. Mais do que um quadro completo
são esboços preliminares dum quadro que poderá ser pintado
no futuro1.
A herança africana é um assunto mal resolvido pela cultura
portuguesa. Quando viajamos pela cidade, por exemplo, do
escavacado Cais das Colunas, há mais duma década isolado do
Rio2, deparamos, sobretudo aos Domingos, com uma cidade
colorida. Gente Africana há muito radicada circula de forma
intensa. Visíveis uns pela cor da pele, mais hibridizados outros,
apenas visíveis se soubermos os sítios de encontro3. Vive a
cidade. Frequenta os restaurantes. Concentra-se no Rossio. O Palácio da Independência
1 A propósito do Centenário da Republica, por exemplo, pensamos poder completar este quadro.
2 Nesta viagem recordei momentos de criança, em que nos domingueiros passeios de Primavera
as famílias lisboetas comiam um sorvete no Rossio e desciam pela Rua Augusta, olhando as
montras das novidades, para as mães as modas, para os pais as livrarias e as lojas de licores.
Com ela notei que a minha filha de 12 anos nunca tinha visto o Cais das colunas, nem nunca
tinha descido a rua da moda. Essa cidade tinha-se multiplicado por múltiplos centros urbanos. 3 Por exemplo em Lisboa, o Restaurante João do Grão, na Ruas dos Douradores, é um ponto
habitual de almoço da comunidade de angolanos. Em 2003 fizemos uma viagem com o autor
angolano Pepetela. Fomos a vários pontos do país, numa viagem ao longo de 3 semanas. Nessa
viagem entramos nestes mundos, em que gentes dos trópicos se encontram em locais para
celebrarem as vidas e ouvirem as histórias de lá.
Ilustração 1-Largo de São Domingos em Lisboa
Ilustração 2- Cartaz de Festival Musical integrados nas Festas de Lisboa (2006)
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é de manhã uma cidade africana, tal é a cor o linguajar, as roupas e o comércio.
Curiosamente o largo de São Domingos africano foi há poucos anos colocada uma
lápide de “mea culpa” da cidade de Lisboa aos Judeus
supliciados pela Inquisição, cujo paço prisão se
encontrava nesse local. É curioso como nestas euforias
de contrição rememorativa do passado, ainda ninguém
se tenha lembrado de simbolicamente pedir desculpa
aos africanos que os portugueses traficaram. Um
esquecimento que significa que o assunto ainda não está
resolvido na consciência nacional?
Coloquemos o problema preliminar. Ao viajarmos na
cidade, no seu centro e nas suas periferias, Lisboa é, e
sempre foi uma cidade colorida. Cidade de acolhimento,
cidade mãe. Olhamos para os africanos e interrogamo-los.
Onde trabalham. Profissões menos qualificadas. Há
excepções é claro. Empregados no McDonalds, nas
Bombas de Gasolina. São os clientes matinais dos
autocarros que afluem aos centros de escritórios e
empresas que necessitam de limpezas, na construção das
casas que habitamos ou nas estradas que viajamos. Gente
indispensável, tão indispensável que agora reparei no caos
da minha casa, onde a Fátima não vem há um mês, tudo
porque o pai do marido faleceu, e a moça aproveitou o dever
para com os mortos e juntou as férias em Cabo Verde onde só
vai de 5 em 5 anos. Como tínhamos visto com Marcelo
Cunha, no museu da cidade, a herança africana não estava
presente. A questão era pois saber se nos outros museus, de
arte, de história, de arqueologia a herança africana estava
presente, seja nos objectos, seja através das suas actividades.
Por exemplo, em Setúbal no Museu do Trabalho, sabemos
que nos seus trabalhos com a comunidade são trabalhadas as
heranças africanas.
Isabel de Castro Henriques4 necessitou a trabalhar na longa duração a herança ou as
heranças africanas em Portugal. Afirma a propósito desta presença ausência: “ Esta
lógica do corpo (da cor) se permite que os africanos organizem as suas vidas, não deixa
por isso de constituir um obstáculo à sua plena integração na sociedade dos homens”
(op.cit, 233). E prossegue: “Estes preconceitos pertencem à criação duma leitura
polémica e negativa aplicada durante séculos aos africanos e reactualizada pela
dominação da guerra colonial do século XX (…)“, para concluir mais à frente “A
espessura da cor parece asfixiar as probabilidades do acesso ao conhecimento e, por
isso, os africanos estão impedidos de entrar nessa área específica, que permite a
4 HENRIQUES, Isabel de Castro (2008) A herança Africana em Portugal, Lisboa CTT
Ilustração 5 – Presença no Espaço Publico
Ilustração 4- Gentes das Áfricas no Espaço Publico
Ilustração 3 – Capa do Livro de Isabel Castro Henriques
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organização de sociedades harmónicas” (op.cit .234). A leitura de Isabel Castro
Henriques permite revelar que a memória portuguesa também
é negra, e que essa negritude está bem presente em todos os
domínios da nossa vida. “O inventário da herança permite
hoje, mais do que ontem, identificar a maneira consistente
como os africanos souberam e quiseram integrar-se na
sociedade portuguesa, tornando-se inteiramente portugueses e
participando na renovação do imaginário e na construção do
facto nacional” (op.cit, 235).
Folheando o excelente livro onde estas palavras foram escritas, verificamos que, a
maioria dos objectos deste inventário, são hoje objectos de museus, de arquivos ou
bibliotecas. Estão inscritos em património. São objectos do quotidiano. O que
procuramos fazer foi procurar a narrativa destes objectos nos museus da cidade para
procurar a forma como a cidade está dentro do museu. Olhar para o museu com olhar
museológico. Saber se a comunidade, esta comunidade cultural, e esta território que
também é o deles, está dentro do museu. De alguns museus. E mais afoitamente se há
africanos no museu. Escolhemos alguns museus, apresentamo-los de seguida
individualmente, para mais a frente fazermos uma leitura de síntese.
1.1.1 Museu do Carmo
O Museu Arqueológico do Carmo está instalado nas Ruínas do Convento do Carmo
desde 1864. É um exemplo da visão romântica do património,
a preservação e exposição de objectos de outros tempos em
locais com as marcas do tempo. Possidónio da Silva, o seu
impulsionador instala aí a Real Associação dos Architectos
Civís e Archeologos Portugueses.
Para o aproveitamento do espaço do Convento de Nossa
Senhora do Monte do Carmo foram realizadas obras de
adaptação, com aproveitamento das capelas para instalação de
exposição de artefactos (peças miúdas). Na em 1900, o director
Conde de Januário instala na sala do capítulo uma livraria
(biblioteca), dentro dos princípios defendidos por Frei Manuel
do Cenáculo5 para a Biblioteca Publica de Évora em 1805. Estes princípios reunir as
colecções e livros num mesmo espaço. As reuniões da Associação realizavam-se no
interior do museu.
5 Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas, (1724-1814). Doutor em Teologia pela Universidade de
Coimbra. Bispo de Beja e Arcebispo de Évora. Admirados de Luís António Verney e das
políticas do Marquês de Pombal. Foi um impulsionador da criação de bibliotecas, como a
Biblioteca Nacional, que é criada com o espólio da biblioteca da Real Mesa Censória (que assim
se torna publica), da Biblioteca da Academia das Ciências, criada com a biblioteca do Convento
de Jesus. Em Évora cria a biblioteca e o museu.
Ilustração 6 – Sabores de Africa nas mesas de Lisboa
Ilustração 7 capa de Livro sobre Obra de Possidónio da Silva
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Silva Leal (sob o pseudónimo de Sá Villele) escrevia em 1876 “Os museus são hoje
tidos, mais do que nunca, como um dos melhores e mais importantes recursos, para o
estudo das sciencias e das bellas-artes e da industria. As nações mais civilizadas,
disvellam-se na propagação e no enrequicimento d’estes templos da illustração (...)
Mas entre todos os museus, os que ultimamente vão atraindo mais
atenção, e as diligências dos sábios de todos os paízes, são os
museus archeologicos, espacialmente o de archeologia pré-
historica” 6
A sua colecção é constituída por arcas tumulares medievais,
provenientes de vários conventos de Lisboa, a Pia baptismal da
Ajuda, armas frontispícios e janelas, portas, pesos e medidas. Uma
sala com as colecções de material lítico, e metais. Em 1900, por
influência do Conde Januário chegam vários objectos exóticos, por
ele incorporadas no museu e provenientes das suas viagens. Entre
estas preciosidades encontram-se as célebres múmias peruanas e
instrumentos musicais chineses, e armas africanas. No início do
século são também incorporados nos museus animais empalhados,
sementes desconhecidas em Portugal, criando-se um “gabinete de
antiguidades” fora de época, mas ao gosto dos visitantes do tempo.
Após a implantação da Republica estes elementos estranhos
são expurgados, regressando o museu à sua vocação
arqueológica.
Em 1946 teve obras de beneficiação através da Direcção Geral
dos Edifícios e Monumentos Nacionais, que duraram 2 anos,
reabrindo ao público em 1948. Nessa altura a adaptação do
museu foi feita a partir do edifício. Os objectos foram
distribuídos em função do espaço disponível, incluindo
paredes, como se duma decoração se tratasse. Não se verificou
um plano cronológico, como na época era considerado
necessário para uma narrativa pedagógica, optando-se por se
manter as linhas de equilíbrio do edifício.
A partir dessa época a sua evolução estagnou. As obras que recentemente foram
realizadas no espaço do museu mantiveram a concepção inicial, introduzindo melhorias
no espaço público. Como museu romântico não têm nada de África no seu interior. É
um museu que continua a ter uma linguagem doutro tempo e a falar de realidades
também elas já fora das preocupações dos museólogos.
1.1.2 Museu Nacional de Arte Antiga
6 LEAL, Silva (1878) As Ruínas do Carmo, Lisboa tipografia Universal, pag 14.
Ilustração 8 –Mumia peruana no Museu do Carmo
Ilustração 9 – Capa do Catálogo sobre as colecções do musue e história do museu
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O Museu Nacional de Arte Antiga 7procura apresentar um acervo de seiscentos anos da
história portuguesa europeia no âmbito da pintura, escultura e
arte ornamental (cerâmica, ourivesaria, mobiliário) de que
possui um rico espólio distribuído por várias colecções de que
destacamos: pintura portuguesa e das escolas espanhola,
italiana, alemã, holandesa e flamenga; escultura; ourivesaria;
cerâmica e tapeçaria.
O museu localiza-se actualmente na Rua das Janelas Verdes
em Lisboa, ocupando os edifícios do Palácio dos condes de
Alvor e o antigo convento de Santo Alberto.8. A origem da
instituição verifica-se em 1884, a partir dum espólio de obras
de arte apresentados em 1882 no Palácio dos Marqueses de
Alvor numa “Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental Portuguesa e Hespanhola”
que reuniu um conjunto de obras depositadas na Academia de Belas-Artes, na altura
instalada no Convento de São Francisco. Mais um conjunto de colecções particulares e
outros objectos recolhidos um pouco por todo o país. A exposição teve como curador
Conde de Almedina.
7 Elaborado a partir de PEREIRA, Maria LEVASS, (1973) O Museu Arqueológico do Algarve
(1880-1881), subsídios para o estudo da museologia em Portugal, Dissertação apresentada ao
curso de conservador de museu, Lisboa, Separata dos Anais do Município de Faro, 1981, com
SANTOS, Maria Alcina Ribeiro Correia Afonso (1970), Aspectos da Museologia em Portugal
no Século XIX, - Lisboa, Lisboa, Dissertação Apresentada no exame fina do Curso de
Conservador de Museu, Direcção Geral do ensino superior e das Belas Artes, 139 p 8 O Palácio Alvor foi mandado construir em 1690 por D. Francisco de Távora, conde de Alvor;
o filho vendeu-o a Matias Aires da Silva de Eça, provedor da Casa da Moeda; posteriormente,
ainda, foi adquirido por Paulo Carvalho de Mendonça, irmão do Marquês de Pombal, a quem
acabará por pertencer, através de herança. Tendo permanecido na família do Marquês, foi por
diversas vezes alugado, primeiro a Gabriel Gildemester, cônsul holandês em Lisboa e, por
último, ao Estado que aí acaba por realizar a Exposição de Arte Ornamental. Ao longo de todo
este período, o edifício sofreu várias campanhas de obras que desvirtuaram a sua traça original.
Contíguo ao Palácio, a oeste, ficava o Convento de Stº. Alberto, também conhecido por
Convento das Albertas, de freiras carmelitas descalças, fundado em 1584 pelo arquiduque
Alberto, de cujo interior apenas se conservou a capela, integrada no museu como um excelente
exemplo de decoração de azulejos e talha dourada, típicos em Portugal entre os séculos XVII e
XVIII.
Ilustração 10- Capa do Catálogo da Exposição Portugal e o Mundo
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8 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
A questão da criação dum museu com o espólio das obras depositadas na Academia de
Belas Artes já tinha vindo a ser discutida deste o início do século XIX. À abolição das
ordens religiosas em 1834, por decreto de 28 de Maio, provocou a incorporação dos
bens pertencentes aos conventos no erário público. Em 1835 é
nomeada um Comissão para Estudar a estudar, classificar e
organizar todos os objectos recolhidos dos conventos. A criação da
Academia de Belas Artes de Lisboa em 25 de Outubro de 1836 vai
assumir esta função. Aí surgirá “Galeria Nacional de Pintura” com
funções, para além da conservação do espólio, organizar
exposições públicas de Belas-Artes e de formar artistas e artesãos.
O Convento de S. Francisco depressa se revelou impróprio para tão
intensa actividade e as colecções de arte não tiveram o tratamento
museísitico de relevo. A academia transforma-se essencialmente
numa instituição formadora, onde professores como Tomás da
Anunciação e Francisco Metrass ensinam. Em 1860 a Academia é
reformada com base na crítica ``a reprodução acrítica de modelos e
apontava para a necessidade de a escola dispor de galeria de estudo
para os alunos pudessem observar obras de arte e explorar uma
obra de arte. Surge assim uma necessidade de criar uma “galeria de pintura”. Em 1875
com a reforma do ensino de Belas-Artes do Marques de Sousa Holdstein a questão dos
museus de arte é referida como uma necessidade educativa essencial. Eram os
argumentos na altura “auxiliar de ensino, elemento civilizador “, “instrução do povo”,
“distracção”, “embelezamento e enriquecimento da capital”, “recolha das riquezas
dispersas” e que deveriam ser criados em Lisboa e outras terras da província. Neste caso
propõe-se a criação de museus de etnologia com objectos das colónias.
Ainda no Ano de 1875, um vogal anónimo desta comissão, faz publicar uma brochura
“observações sobre o actual estado de ensino da arte em Portugal, a organização dos
museus e o serviço de monumentos Históricos e de Arqueologia, oferecido à Comissão
nomeada por Decreto de 10 de Novembro de 1875”9
No entanto, a ideia da criação de um museu que expusesse a colecção aí armazenada só
encontrará resposta em 1882 no decurso da Exposição de Arte Ornamental, no Palácio
dos Condes de Alvor. A exposição foi inaugurada pelos reis D. Luís de Portugal e D.
Afonso XII de Espanha. A mostra apresentava ao público português as peças que
haviam figurado numa exposição de arte da Península Ibérica realizada no ano anterior
em Londres. O êxito que conheceu, o elevado número de visitantes que teve e a
polémica que suscitou foram elementos determinantes para que se começasse a
considerar o palácio como uma hipótese viável para a concretização desse espaço em
museu. Dois anos depois, o Estado comprou o edifício das Janelas Verdes que lhe
estivera alugado e determinou que para lá fossem transferidas as colecções que se
encontravam sob a responsabilidade da Academia. Durante toda a década de 70 a
discussão sobre a organização museológica das artes é uma constante. A questão da
9 Lisboa, Imprensa Nacional , 58 p
Ilustração 11 - Estatueta em Madeira do Congo
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9 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
criação do museu de Belas Artes transparece das folhas de despesa da Academia, como
intenção de investimento. A Exposição de 1882 e a sua transformação em museu resulta
portanto duma reflexão desenvolvida no âmbito da comunidade e a exposição de 182 é
uma oportunidade que dá visibilidade pública, a partir da qual a constituição do museu
foi possível.
Uma discussão sobre o papel da Academia de Ciência, a Academia de Belas Artes (na
Época Academia de Lisboa)
O Museu de Belas Artes e Arqueologia abriu ao público a 12 de
Junho de 1884. A colecção foi enriquecida com doações (espólio de
peças de pertencentes à rainha D. Carlota Joaquina, entretanto
vendidas em hasta pública, após a derrota miguelista); colecções
legadas ou adquiridas com verbas oferecidas para esse fim por
diversas personalidades entre as quais poderemos destacar os reis D.
Fernando II e D. Luís, o conde de Carvalhido, o visconde de Valmor,
o conde dos Olivais e Penha Longa, entre outros; e, por fim, peças
adquiridas pela própria Academia a particulares ou em leilões. São
directores deste museu, António Tomás da Fonseca (1884-1895),
António José Nunes (1895-1900). Manuel de Macedo (1901-1911)
Em 1895 foi realizada uma Exposição de Arte Sacra Ornamental10
A Implantação da República em 1910, e a publicação da Lei da Separação da Igreja e do
Estado leva à incorporação de bens dos Palácios, Sés e demais edifícios episcopais cria
um novo fluxo de objectos. O Decreto de 26 de Maio de 1911 vai desdobrar o Museu de
Belas Artes e Arqueologia em duas instituições museológicas distintas: o Museu
Nacional de Arte Antiga, que continua na Rua das Janelas Verdes e engloba todas as
colecções anteriores a 1850. As colecções adquiridas a partir desta data são
reconduzidas ao antigo convento de S. Francisco, dando origem ao novo Museu
Nacional de Arte Contemporânea.
O novo conservador José de Figueiredo impõe uma dinâmica nova no museu,
constituindo-o como um centro de investigação e crítica de arte, nem sempre bem vista
o pela intelectualidade do tempo. Criou um Grupo dos Amigos do Museu que, entre
outras actividades de carácter cultural, foi agente activo da aquisição de novas peças
para a colecção (acervo), e levou a cabo uma importante campanha imprensa, para
sensibilizar a opinião pública para a remodelação das instalações. Só em 1940, com as
comemorações dos centenários, e a inauguração da Exposição “Os primitivos
Portugueses” foi aproveitado o espaço do convento das Albertas, contíguo ao Palácio
Alvor e que fora entretanto derrubado, como um Anexo ao Museu.
Após a exposição o edifício sofreu obras de remodelação tendo sido abertas novas salas,
criadas instalações para bibliotecas, zonas de exposição, o gabinete de estampas e um
auditório. Ainda durante os anos 50, o Grupo de Amigos do Museu, de forma
10
Descrita em GONÇAVES, António Manuel (1965), As origens do museu nacional de Belas-
artes, Lisboa, Museu Nacional de Belas Artes.
Ilustração 12- Saleiro em Marfim da Costa do Marfim
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10 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
voluntária, iniciaram as acções educativas com Madalena Cabral11
. Era nessa época
director do museu João Couto, que havia sucedido a Reinaldo dos Santos.
Em 1982 com a XVII Exposição do Conselho da Europa,
realizaram-se importantes obras no anexo, com a criação
duma nova entrada criou-se um amplo salão para
exposições temporárias. Nesta entrada foi instalado uma
loja e um bar.
Actualmente o Museu Nacional de Arte Antiga oferece-
nos três grandes núcleos museológicos: arte portuguesa
que engloba pintura, escultura, pintura luso-flamenga;
influência da África e Ásia através de objectos de origem
africana, chinesa, arte nanbam e arte indo-portuguesa; e
arte estrangeira na qual encontramos pintura europeia do
séc. XIV ao XIX, artes ornamentais, ourivesaria e têxteis.
Da exposição temporária, Portugal e o Mundo, falaremos a
seguir. Os objectos de África reduzem-se à cadeira do Rei
do Congo. Há, na abordagem mobiliário do século XVI, uma nítida influência de
formas ornamentais mais próximas do mediterrâneo. Todavia o museu não apresenta
nenhuma leitura dessa especificidade, preferindo integrar a pintura, as artes decorativas
na linha da “integração europeia”, na sua afiliação a uma história de arte como expoente
duma civilização, como expressão duma nação. Nessa viagem esquece aquilo que agora
procura mostrar com exposições temporárias. Interessante esquecimento.
1.1.3 Museu do Chiado
O Museu nacional de Arte contemporânea, no Chiado é fundado pelo Decreto de 26 de
Maio de 1911, instalado provisoriamente no antigo Convento de são Francisco, onde já
se encontrava instalada a Academia Nacional de Belas Arte, A Biblioteca Nacional e o
Governo Civil. Integra as colecções de arte incluídas no Museu de Bellas Artes e
Arqueologia posteriores a 1940. Trata-se portanto de um museu pós-romantismo.
Carlos Reis foi o seu primeiro director (1911-1914) que instala o museu, sendo
sucedido por Columbano Bordalo Pinheiro até 1929. Durante esse período, da
afirmação do modernismo, o espaço do museu é alvo dum projecto de remodelação do
Arquitecto Luís Monteiro, sendo o espaço museográfico organizado em torno de oito
salas que mostravam o movimento romântico, o naturalismo e algumas manifestações
da arte moderna. O período do terceiro directo Adriano de Sousa Lopes, pintor
moderno, amplia as instalações e envolve-se num diálogo entre o modernismo e o
academismo, que na época dominava o ensino em Belas Artes. A partir de 1944 até
1959, com Diogo de Macedo, também modernista, a acção do museu vai ampliar-se. Na
época a “política do espírito” de António Ferro ditava orientações para a estética
nacional. As exposições de Belas Artes eram vividas emotivamente pelos intelectuais
lisboetas. O director sobre aproveitar o momento para abrir o museu à comunidade e
dialogar com a modernidade. Foram não só incorporados novos artistas, como o espaço
11
Ilustração 13 - Reprodução do quadro de Criado (proprietario holandês)
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dos museus e as suas exposições eram frequentadas pelos estudantes de Belas Artes. O
museu incorpora muitos jovens pintores em início de carreira, como Júlio Pomar,
Vespeira Resende, etc. A partir de 1945 o museu passa a dispor de uma entrada
autónoma (da do Largo da Biblioteca Pública) e constitui-se o Grupo de Amigos do
Museu Também sob o seu impulso, publica um conjunto de
monografias sobre os artistas representados nas colecções e
impulsionou a participação do museu em importantes bienais de
arte (Veneza, São Paulo) que contribuíram para criar um prestígio
internacional do museu.
A sua morte em 1959, com a substituição pelo pintor Eduardo
Malta conduz o museu para um momento “negro” da sua história,
iniciando-se uma feroz perseguição à arte moderna e uma
valorização do naturalismo. Na época verificou-se um amplo
movimento de contestação desta nomeação por parte dos
intelectuais lisboetas. Macedo havia enviado para estagiar nos EEUU Carlos Azevedo
para preparar a sua sucessão. A nomeação de Malta leva ao abandono de Azevedo que
passa a colaborar com a entretanto recém-formada Fundação Gulbenkian.
O consulado dos Malta no Museu de Arte Contemporânea foi um período de paralisação
do movimento de acompanhamento das artes e da sua comunicação com o público. Em
1970, Maria de Lourdes Bertholo inicia um movimento de modernização,
desenvolvendo vários projectos em parceria com galerias de Lisboa para aquisição e
exposição de obras de pintores. Várias obras de melhoramento foram efectuadas durante
este período. Por exemplo, a electrificação do museu só foi concluída em 1977. Apesar
dos esforços desenvolvidos o museu havia perdido a sua ligação com a comunidade e
não conseguiu recuperar o protagonismo. A política de aquisição também não se
mostrou adequada, tendo sido adquiridas muitas obras irrelevantes, que representam um
esforço de conservação muito elevado, para uma mostra das rupturas da arte
contemporânea e das suas vanguardas. Em 1987 o museu foi encerrado para
reinstalação das reservas, consideradas então como estando em risco de deterioração,
sem que a cidade tivesse dado pela falta deste museu.
O Incêndio do Chiado em 1988 e o apoio de mecenas foi criada a
“Association pour le Chiado” e desenvolvido um projecto de Jean
Michel Wilmotte para renovação do espaço museal. Em 1994 o
Museu do Chiado abre ao público tendo como directora Raquel
Henriques com novos espaços. No espaço de entrada do museu
foi criado um pátio onde foram dispostas esculturas e um
pequeno jardim que pode ser usufruído com o Bar. Dispõe de
uma ampla sala de exposições e duma loja no primeiro piso. No
corpo do edifício foram mantidos elementos que registam a
memória histórica, nomeadamente a presença dos fornos de cozedura do pão.
Ilustração 14 - Capa de Almada Negreiros para exposição em 1934
Ilustração 15 – Busto em Madeira da exposição
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Actual director Pedro Lapa desenvolve uma política de exposições ode procura mostrar
diálogos entre as várias escolas de pintura, os momentos de ruptura. Não têm uma
exposição permanente, sendo que as exposições vão-se sucedendo no espaço ao longo
do tempo.
O Museu dispõe de um serviço educativo, que conta com a colaboração de Catarina
Moura 12
que desenvolve várias actividades com público e com a comunidade. Os
públicos do museu são classificados em três tipos: Escolas do ensino básico e
secundário, universitários e grupos com visita marcada. Para cada um dos grupos são
desenvolvidos trabalhos específicos de busca duma relação com o acervo. O objectivo e
inter-relacionar o visitante com uma experiencia de interrogação com a obra. Durante o
fim-de-semana são também oferecidas a possibilidade de integração de visitantes
espontâneos em “workshops”
Por exemplo com as escolas desenvolve o
projecto “ O Visível e o Invisível” onde
procura desvendar as técnicas de pintura, de
ruptura com a geometria clássica e de
reconstrução da dimensão estética, do uso
das cores. O objectivo da presença do
museólogo é desencadear um processo de
leitura, uma técnica, que depois é incentivada
a ser utilizada pelo visitante na construção
dos seus próprios percursos.
O trabalho com a comunidade envolve, para além do desenvolvimento de protocolos
com as escolas da área de inserção dos museus (Madragoa, Bairro Alto) para utilização
do espaço do museu como espaço de aprendizagens, são ainda desenvolvidos trabalhos
com comunidades específicas em cooperação com o sistema de saúde.13
Em 1934, no âmbito do Congresso Colonial é feita uma exposição denominada “Arte
Indígena Africana, com uma selecção de obras de Luiz de Montalvor e Textos do Diogo
de Macedo.14
que a seguir falaremos. Não encontramos África neste museu, mas
encontramos uma abertura e uma sensibilidade à comunidade.
12
Os serviços educativos surgem nos anos 50 no Museu de Arte Antiga com Madalena Cabral e
Madalena Cagigal do Museu Nacional dos Coches. Era na época grupo de “senhoras
beneméritas” (voluntarias do Grupo de Amigos do Museu) que organizavam as visitas de
grupos escolares. A fundação Gulbenkian é o primeiro museu a dispor de serviços educativos
autónomos. Com Manuela Guedes. A introdução dos serviços educativos na organização dos
museus do Estado data de 1980 e a sua legislação é de 1981 13
Por impossibilidade de tempo não pudemos participar numa desta iniciativa, que serão
retomadas em Setembro. 14
Lisboa, Edição Ática, 1934
Ilustração 16 – Mascaras de Moçambique na Exposição
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13 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
1.1.4 Museu da Sociedade de Geografia
A questão dos museus etnológicos portugueses encontra-se bem trabalhada na tese de
Maria Manuel Cantinho Pereira em 15
“O museu etnográfico da
Sociedade de Geografia de Lisboa”. A questão do olhar sobre o
outro africano está presente, pelo menos, desde o século XV. Do
outro humano e do outro natural, já que essa componente de
exploração é igualmente interessante para entender a confrontação
com o diferente e a diversidade. Dos documentos de Valentim
Alexandre e da Carta de Pêro Vaz de Caminha, até à historiografia
mais recente muito se tem reflectido sobre o contacto e as trocas
culturais. A tese de Maria Manuel tem a vantagem de fazer uma
leitura actualizada sobro o processo de formação de processos
museológicos com base nos objectos provenientes de outras áreas
culturais, como enquadramento do surgimento da Sociedade de Geografia de Lisboa,
uma instituição privada, mas que será determinante para a concretização do “projecto
colonial/imperial africano no século XIX”.
Estes objectos chegam essencialmente como curiosidades. Até ao século XVIII existem
notícias sobre as suas existências mas não temos imagens nem descrições que permitam
efectuar uma análise de conteúdo. A partir desse século, verifica-se que o espírito
científico de recolha e sistematização duma colecção, aquilo a que pudemos chamar de
um museu se verifica por via da Academia das Ciências, por determinação da coroa e
por via das Instituições de Ensino. Mesmo assim, apenas no início do século XIX se
conhecem as primeiras pesquisas sistemáticas nas “Nações Ultramarinas” (op.cit.65).
As primeiras referências concretas a objectos encontram-se no “Diário” manuscrito da
viagem que o Arcediago de valência fez a Portugal em 1872, D. Francisco Perez Bayer,
que indicava o museu do Marquês de Anjeja , onde se viam armas de los índios de
madera, instrumentos para cortar arboles e labrar” (citado por OLIVEIRA, 1971, 24).
Mais tarde, o celebre Museus Mayanese do padre José Mayne terá objectos que
poderemos classificar de etnográficos, e que vão integrar o Museu da Academia das
Ciências. (ibidem) Ainda segundo Veiga de Oliveira, estes dois museus atestam a
relação entre a etnologia e a história colonial.
Aliás será a Academia das Ciência que em 1797 remete instruções aos seus associados
no ultramar, para remeterem para o Museu objectos desses países. Na maioria dos casos,
terão sido enviados objectos de história natural.
A Associação marítima colonial, criada em 1838, constituída ela ala radical dos
Setembristas, e com sede no Arsenal do Alfeite, terá sido, como diz Manuela Cantinho,
o grupo responsável pela afirmação da necessidade da exploração africana e da
15
CAENTIBHO, Maria Manuel Cantinho (2005) O Museu Etnográfico da Sociedade de
Geografia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian. Tese de Doutoramento em Antropologia
Cultural no ISCTE
Ilustração 17 – Capa de Livro sobre o Museu da Sociedade de Geografia
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14 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
necessidade dum “muzeu” em Lisboa para apresentar as potencialidades do comércio
com as colónias. Esse museu abre em 1844 com objectos coloniais. Esta função de
colecções de produtos coloniais transporta uma componente de acção prática que
procura o que existe, mostra para poder utilizar. Estamos portanto perante uma atitude
de olhar o muzeu como um instrumento de desenvolvimento.
Curiosamente, Cantinho faz publicar uma Portaria de Sá da
Bandeira, de 19 de Julho de 1838, em que, em nome da Rainha,
manda o governador da província de Moçambique, formar uma
biblioteca, num edifício publico adequado e “convidando os
moradores para concorrerem para a sua formação” . Da parte do
reino serão enviados livros pertencentes os extintos conventos das
ordens religiosas. Alem disso, acrescenta “sua Magestade
recomenda a creação dum museu, destinado principalmente á
colleção dos productos mais raros de África; e ultimamente, a de
um Jardim Botanico, que contenha as mais interessantes plantas africanas e sirva para
aclimatar as de outras partes do globo. (op.cit , 73). Ao lermos esta parte aprecemo-nos
que essa biblioteca ainda sobrevive na Ilha de Moçambique, que como se sabe era na
época a cidade capital da colónia.
Voltando à colecção colonial, sabemos que em 1870 o Ministério da Marinha criou o
Museu Colonial, na direcção Geral do Ultramar, reuniu colecções e exposição de
produtos coloniais. Instalado no Arsenal do Alfeite, não está clara a sua distinção em
relação ao museu de marinha. Em 1892 o museu foi extinto e o seu espólio integrado na
Sociedade de Geografia de Lisboa. Faziam parte do seu espólio os padrões de pedra de
Angra do Ilhéu, De Bartolomeu dias, do Cabo de Santa Maria, de Diogo Cão, de são
Jorge do Congo Mina, o sarcófago com as relíquias de Afonso de Albuquerque, o
telescópio a cadeira de Levigstone, dois globos de Cornelli, um vitral com o retrato de
Fernão de Magalhães, portulanos e espécies e curiosidades exóticos (madeiras, tecidos,
plantas). Na época existiam réplicas de africanos das colónias com os respectivos trajes
regionais. Existia igualmente uma colecção em barro, com a s figuras regionais
coloniais.
Este museu integra-se na lógica da participação nos eventos Congressos Internacionais,
feiras internacionais, comemorações que a partir da segunda metade do século XIX
abundavam em Portugal. Serviam fundamentalmente para depósito entre eventos,
disponibilizando os acervos.
Quando em 10 de Novembro de 1875 é criada a Comissão Central Permanente de
Geografia, na sequência da participação de José Júlio Rodrigues no Congresso
Internacional de Ciências Geográficas, inicia-se uma frutuosa cooperação com outros
países, na troca de produtos, mapas e publicações de carácter geográfico. Entre os vários
objectivos desta sociedade encontrava-se a troca de produtos coloniais. Nomeados os
vogais pelo Estado instalado no Ministério da Marinha a sociedade organiza um museu
etnográfico.
Ilustração 18- Reprodução de Catálogo de colecção
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15 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Ora o conjunto de personalidade que se reúnem na Sociedade de Geografia de Lisboa
(nome pelo qual passa a ser conhecida a partir de 1876, vão iniciar um esforço de
conhecimento dos territórios africanos, e asiáticos. As expedições trazem sempre os
seus espólios, de objectos recolhidos nas campanhas, que alimentam a colecção de
etnologia. Ou seja, como diz Maria Manuel Cantinho, (op.cit, 114) o paradigma
comercial é substituído pelo paradigma cientifico. Os objectos são incorporados pelo
seu valor cientifico, de conhecimento, em prejuízo dos valores comercias, que
continuam a existir ao nível dos grandes certames internacionais. Esta emergência do
cientismo está ligada à emergência do positivismo (método) à vida cultural lisboeta, às
conferências do casino, ao grupo dos Estudos Superiores de Letras. Um conjunto de
factores que vão fazer evolucionar os museus para espaços de
cultura. E será durante estas viagens que se reunirão os principais
acervos etnológicos nos vários museus, nomeadamente o do
Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa. Manuela Cantinho
marca a institucionalização do museu em 1892, com a
incorporação do espólio do Museu Colonial e com a criação da
identidade de Museu Etnográfico e Colonial. O percurso seguido
pelo museu até aí é bastante difuso, inclui diversas integrações,
sem uma estratégia específica. A partir de 1892, o projecto
museológico assume-se e a organização interna do museu passa a
mostrar colecções. Esta colecções são variadas passam por
objectos do quotidiano, objectos sagrados (estatuária),
fotografias, memórias e livros de homens da ciência e da
missionação.
O desenvolvimento do museu e das suas colecções encontra-se muito bem referenciado
por Maria Manuel Cantinho. Resta salientar que o actual edifício ocupado pela
Sociedade de Geografia, na central Rua das Portas de Santo Antão na Baixa lisboeta é
construído de raiz pela instituição em 1897.
O modelo de organização do espaço manteve-se até à actualidade. A sociedade
desenvolve um conjunto de actividades, através das suas várias secções, mantêm uma
importante biblioteca com milhares de títulos (foi-nos
referido 300.000) sobre temas coloniais, cartas geográficas
e dispõe cerca de 50.000iamgens digitalizadas. Publica
ainda o Boletim desde 1875. O museu encontra-se instalado
no Salão Portugal (há uma sala Gil Eanes com o espólio do
antigo museu colonial) que segue uma organização de
espaço comum no final do século XIX para galerias de
Estudo, com um amplo espaço central desafogado, para
conferências ou exposições temporárias, e com um
conjunto de2 pisos de galerias com armários a forrar as
Ilustração 19 – Estatuetas em Madeira dos Bijagós
Ilustração 20 – Banco em madeira de Moçambique
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16 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
paredes. Nesses armários, ainda visíveis nos dias de hoje, os objectos eram depositados
para estudo. A inauguração da sala Portugal é efectuada juntamente com as
comemorações do 3ª centenário da chegada de Vasco da Gama à Índia.
Este museu do final do século XIX demonstrou alguma vitalidade durante os primeiros
anos da sua existência. Gradualmente, a partir da emergência do Estado Novo com o
crescente distanciamento entre a posição da Sociedade de Geografia e a política
colonial, o museu perdeu dinâmica de intervenção. A sua intervenção no congresso
colonial de 1934 (Porto) é diminuta. Quando se pensa na fundação dum museu do
colonial português (ver museu de etnologia) o museu da sociedade de geografia está
praticamente esquecido.
Este museu continua a poder ser visitado por marcação. Em cerca de 1, 5 horas efectua-
se uma visita com guia ao museu que se encontra numa fase de transição. Estão em
curso trabalhos de conservação. Actualmente o conceito expositivo da colecção de
etnologia é o agrupamento por temas. Armas, instrumentos de música, mascaras,
instrumentos de trabalho. Actualmente o museus dá espacial destaque às peças do
oriente (China e Japão), devido ao maior número de visitantes que procuram estes
temas.
1.1.5 Museu Nacional de Arqueologia Dr. Leite de
Vasconcelos
Fundado em 1893 com o nome de Museu Etnográfico
Português e instalado então numa sala dos serviços
geológicos, foi uma iniciativa de José Leite de Vasconcelos,
apoiada por Bernardino Machado16
(então ministro das
obras públicas, comércio e industria) Leite de Vasconcelos,
médico, dedicava-se aos estudos de filologia e etnologia
desde 1893. A etnologia era para Leite de Vasconcelos a
ciência maior, a ciência e a Influência de Frei Manuel do
Cenáculo17
são uma inspiração.
16
Bernardino Machado (1851-1944) nasceu no Rio de Janeiro. Lente de Matemática e Física na
Universidade de Coimbra, Maçom desde 1874 (da qual foi Grão-mestre entre 1895-1899). Foi
Ministro no governo de Hintze Ribeiro. Foi uma figura muito activa na área da divulgação da
ciência e defensor da escola, bibliotecas e museus. Cria na Universidade de Coimbra o Museu.
Foi duas vezes presidente da Republica, nunca completando o mandato (1917 e 1926). Viveu
exilado até 1940. 17
Veja-se VASCONCELOS, José Leite de (1898) O Museu de Cenáculo em Beja em 1791:
Notícia extraída de um manuscrito, Lisboa, Imprensa Nacional,,p. 7 Vasconcelos Trata-se
duma leitura do discurso de Frei Manuel do Cenáculo sobre a inauguração da colecção do
museu do cenáculo em 15 de Março de 1791,em Beja. Era um manuscrito que se encontrava na
biblioteca do Visconde da Esperança, na quinta da Manisolam “ Catalogo dos principais
manuscritos, da livraria editado em Évora em 1897. O museu era constituído pela colecção de
arqueologia, feita por André de Resende, patriarca da arqueologia portuguesa, no século XVI.O
manuscrito “feito á pena de Frei José Lourenço do Valle, e reportam è descrição (inventário) do
museu criado em Beja por Frei Manuel do cenáculo, quando Bispo de Beja continha produtos
Ilustração 21 - Capa de publicação sobre Leite de Vasconcelo
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17 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Com Leite de Vasconcelos afirma-se o projecto museológico, a instalação do museu nos
Jerónimos (1902), uma dotação orçamental própria. A constituição deste museu é
influenciada pelo espírito da época : -Em 1959, o então director do MNAA, António
Manuel Gonçalves, em homenagem ao Museólogo Leite de Vasconcelos18
afirmava que
este interesse pela arqueologia havia começado
em 1857, com a criação da Comissão Geológica,
onde participaram nomes da ciência geológica tais
como Geólogos Pereira da Costa, Carlos Ribeiro e
Nery Delgado. Nesta altura, paralelamente aos
trabalhos de Possidónio da Silva, os arqueólogos
Augusto Filipe Simões Borges de Figueiredo e
Martins Sarmento vão efectuar os primeiros
trabalhos de arqueologia e organizar, em Lisboa o
I congresso de Antropologia e Arqueologia Pré-
história em 1880. Neste congresso participam
Gabriel Pereira, Santos Rocha, Estácio da Veiga, Pereira Botto, Martins Capela e Leite
de Vasconcelos, que irão dar continuidade aos trabalhos em vários pontos do país.
A criação do primeiro núcleo museológico de arqueologia é feita nas instalações da
Comissão Geológica,19
à Academia das Ciência. Como já vimos a Associação dos
Arquitectos Civis Portugueses, ao tomar posse do Convento do Carmo, instala aí o
Museu Arqueológico em 1864. Em Coimbra o Museu de Antiguidades é instalado em
1873. Em Santarém, em 1876 é cria o primeiro museu regional, ao qual sucede o de
Elvas em 1880 e o Museu Martins Sarmento (Arqueológico) de Guimarães em 1884.
Nesse mesmo ano abre o Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia, no palácio das
Janelas Verdes, mas onde a arqueologia não têm galeria. A proposta de Leite de
Vasconcelos visa suprir a ausência desse museu em Lisboa “uma galeria nacional de
arqueologia que emparceira-se com as outras capitais europeias” p. 46. Havia aqui
uma nítida vontade de abordar o museu como uma instituição científica de investigação
e comunicação, distinguindo-se assim do museu “romântico do Carmo” que não se
orientava para a comunicação e comprovação duma ideia, que era a ideia de filiação
de ethnografia selvagem e moderna, e produtos de história natural. “Disto restam ainda algumas
coisas no Museu de Évora” Leite de Vasconcelos exalta exaltação a abertura deste museu ao
público, que terá sido, em Beja o primeiro museu público.
18 GONÇALVES, António Manuel (1959) “ O Arqueólogo Leite de Vasconcelos” in Separata
do I volume das Actas e Memórias do I congresso Nacional de Arqueologia,,Lisboa , tipografia
portuguesa, pp45-60
19 A Comissão Geológica Nacional é criada em 1857, com a missão de proceder aos
levantamentos geológicos existentes em Portugal. Recorde-se que pelo menos desde 1840,
Claude Deschamps, um francês ao Serviço da Companhia de Mineração Transtagana, havia
procedido aos levantamentos geológicos de áreas de mineração. As riquezas minerais eram a
riqueza procurada como fonte de matéria-prima para as industrias (nessa época os minerais
metálicos de cobre e magnésio). É os trabalhos desta comissão, que procede aos primeiros
levantamentos arqueológicos e etnográficos.
Ilustração 22 – Aspecto de sala de exposições do MNAE à época de leite vasconcelos
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18 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
genética do povo português numa antiguidade anterior à formação da Nação. Recorde-
se que Leite de Vasconcelos participou activamente no Centenário de Camões, em
1880, e foi director da Biblioteca Nacional (188=) onde criou um pequeno Museu de
antigualhas (mais tarde são transferidas para o Museu de Arqueologia) e Editou a
Revista Lusitânia, onde publica inúmeros estudos sobre filologia. Nesta revista
colaboram grandes nomes das letras.
Durante toda a década de oitenta, na sua correspondência abundam a referência à
necessidade e anseio da criação de um Museu de Etnologia. Com a sua criação pelo
decreto de 20 de Dezembro de 1893. Leite de Vasconcelos é nomeado seu primeiro
director. A colecção base é a colecção de Estácio da Veiga20
, depositada na Academia
de Belas Artes, tendo sido então adquirido aos herdeiros destes, a restante colecção21
.
Também a colecção de Leite de Vasconcelos é integrada. Ocupando duas salas dos
Serviços Geológicos, no Convento de Jesus à Academia das Ciências. O museu deveria
servir de fundamento ao museu de antropologia integrado nessa Comissão dos Serviços
Geológicos. Entre 1894 e 1897 funcionaram duas
secções Arqueologia antigas e modernas. Ainda nesse
ano Leite de Vasconcelos funda a revista o Arqueólogo
Português22
, cujo primeiro Numero sai em Janeiro de
1895, onde serão publicados os resultados dos trabalhos
de investigação que Leite de Vasconcelos lança por
todo o país, desenvolvendo basta correspondência com
as elites locais23
O espólio cresce por via das doações e
20
MOITA, Irisalva ( 1959) “O Plano do Museu Etnológico do Dr. Leite de Vasconcelos”, in
Separata da Revista Municipal, nº 78, 1959, 39 p. Este trabalho foi desenvolvido a partir a
dissertação da autora no concurso para conservadora adjunta dos Museus, Palácios, e
Monumentos Nacionais. Em 4 de Agosto de 1955. Nele apresenta-se uma leitura sobre o
projecto de Leite de Vasconcelos para o Museu Etnográfico. O museu representa uma ideia da
atribuição duma unidade estrutural ao povo português. É o projecto de Leite de Vasconcelos de
atribuir uma especificidade. É igualmente apresentado o percurso legislativo, é feita uma análise
do percurso Ideográfico e expositivo e efectuada uma proposta de actualização. Não será
concretizada pelo directo da época e Irisalva Moita, bolseira do IAC efectuará vários trabalhos
no ME, sento nomeada conservadora do Museu da Cidade em 1974.
21 LEITE DE VASCOCELOS (1915), História do Museu Etnológico Português (1893-1914),
Lisboa, Imprensa Nacional, pag 2 22
A publicação do Arqueólogo Português é iniciada em 1895, após a entrada em funcionamento
do Museu Etnográfico. Foi autorizado pelo Prof. Severiano Augusto da Fonseca, director da
Repartição dos Serviços Técnicos de Minas e Industrias. Foi uma publicação regular entre 1895
e 1934, publicada em fascículos mensais. O último é publicado em 1941, pelo Museu
Etnográfico. Agregada em anuários que deu origem aos 30 volumes (29+1) que foram
posteriormente republicados pela INCM (1983) . Destinava a dar conta das noticias das
descobertas arqueológicas em todo o país. O nº 1 contém o programa editorial, que corresponde,
grosso modo ao programa de investigação de Leite de Vasconcelos no seu Museu. Percorrendo
todas as épocas da arqueologia, as notícias dão conta dos achados do programa.
2323 Por exemplo, em 1915, após vários anos de correspondência com Manuel Mendes, Leite de
Vasconcelos efectua uma “Excursão à Estremadura Transtagana”, onde analisa as varias
Ilustração 23- exposição etnográfica
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19 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
do trabalho de excursões do director-fundador.
Vejamos qual era a visão deste museu “Este museu procura reunir elementos materiais
que concorrem para o conhecimento total da vida do homem do nosso solo desde o
alvorecer da idade da pedra até ao presente, tipos físicos, trajos, indústrias, costumes,
crenças, habitações, arranjo doméstico, gosto artístico, folganças; a sobreposição da
civilização pré-romana, romana, visigótica, arábica e posteriores; tudo o que define o
nosso povo” 24
Em 1897 a Academia das Ciência cede o espaço do claustro do Convento de Jesus, onde
passa a integrar a colecção lapidar, e ainda nesse mesmo ano o nome Museu Etnológico
é substituído por Museu Etnográfico. O objectivo é evitar a confusão com o Museu
Etnológico Colonial, da Sociedade de Geografia. A sua missão era “contribuir, pela
exposição permanente dos objectos, respeitantes a todas as épocas da nossa
civilização, desde as mais remotas, para o conhecimento das
nossas origens, vidas e caracteres do povo português” 25
“O Museu Ethnográphico Português, com sede provisória no
Edifício da Academia Real das Sciencias de Lisboa, onde estão
instalados outros estabelecimentos scientíficos, passou por
decreto de 26 de Junho de 1897, a denominar-se Museu
Ethologico Português, denominação que melhor corresponde
ao seu actual, embora modesto e vagaroso, desenvolvimento.
Este Museu tem por fim contribuir, pela exposição permanente
dos objectos respectivos a todas as epochas da nossa
civilização, desde as mais remotas, para o conhecimento das
origens, vida e caracteres do povo português.
Com quanto se procure dar aos objectos certa disposição artística, e haja de se
attender a diversas condições materiais de installação, o que pois principalmente se
deve buscar no Museu é o methodo scientifico de classificação e do arrumo, de modo a
que os objectos fallem, por assim dizer, mais à intelligencia do visitante do que aos
olhos. Não se estanhe por isso se, ao lado de um bello instrumento de sílex, de osso ou
de marfim, se vir um caco, ou ao pé de uma estátua de mármore estiver uma inscripção
partida: é que às vezes só um caco, pela natureza da sua pasta, pela sua superfície
alisada ou tosca, pelo seu bordo, pela sua ornamentação, pode determinar-se uma data
e uma filiação histórica; e só pelo fragmento de uma epigraphe póde resolver se um
problema importante, a situação de um oppidum, a decifração dum texto littertario
obscuro, a restituição duma palavra, ou mesmo duma língua antiga.” P. 1-2
antigualhas. No Louzal identifica o Castelo Velho do Louzal, ma estrutura defensiva na rota dos
minérios. 24
in “Revista Lusitana” Vol III, p 193 25
LEITE DE VASCONCELOS (1915): História do Museu Etnológico Português (1893-1914),
Lisboa, Imprensa Nacional, pag 91
Ilustração 24- fotografias de tipos africanos utilizado por Leite de Vasconcelos
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20 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
(…)“
“Como o Museu conta ainda com muito pouco tempo de existência, e eu trabalho nisto
gratuitamente, não posso, por causa de outros trabalhos officiais, e de da falta de
pessoal que me ajude, a consagrar-me a elle senão nos dias feriados, - as colecções que
o constituem, apesar de nelas terem sido incluídas as que o benemérito Estácio da
Veiga com suprema dedicação e magnifico êxito organizou no Reino do Algarve, não
são por ora tão grandes como eu desejaria. Ainda assim estão já representadas no
Museu Ethnologico Português as seguintes colecções:
A) Antropologia, em relação ao sul
a. Crânios prehistoricos
b. Crânios luso-romanos
c. Crânios luso-wisigothicos
B) Ethnographia, em relação mais ou menos, a todo o país:
a. Prehistorica (muito bem representada)
b. Protohistorica;
c. Luso-romana (muito bem representada)
d. Luso-arabe
e. Portuguesa (antiga e moderna)
Quem quiser estudar, por exemplo, a evolução da cerâmica, pode
fazê-lo, a partir de tempos antiquíssimos, pois o Museu possue muito
vasilhame do período prehistorica, romano, árabe, sem falar de
innumeros fragmentos prehistoricos com a mais variada
ornamentação, e em diversos exemplares do período wisigothico e
português propriamente dito.” (p. 2-3)
De seguida dá conta de outras colecções Elementos de Estudo, como
lhe chama, como ephigraphia, as estelas funerárias ao deus lusitano
Endovellicus, inscrições em língua ibérica em latim, em grego e em árabe.
Ilustração 25 . Mulher africana com trajes rituais
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21 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
“Como órgão do Museu Ethnológico publica-se ora mensalmente, ora bimensalmente,
desde 1895, o Arqueólogo Português (com estampas) que conta já com dois volumes
completos” p. 2-3)26
Este livro é efectuado a propósito de necessidade de transferência do museu. Não está
nesta altura determinado para onde. Falava-se do Arsenal ou das Cortes (São Bento), a
propósito das comemorações do centenário da Índia (1898).“Logo que os trabalhos de
installação do Museu Ethnológico Português o permittam, esta abrir-se-há ao publico.
(…) cooperando assim o museu, pela sua parte, nesta grande festa nacional e
patriótica. (p. 4)
Em 1894 o pano do museu contempla as secções de Arqueologia (dividida em tempos
pré-históricos, Tempos proto-históricos e tempos históricos). Recorde-se que na época a
história era caracterizada pela existência de escrita. A segunda
Divisão, que incluía os Celtas, os Fenícios e os Lusitanos, admitia a
existência de algumas “notícias escritas”, quer em inscrições quer
em autores antigos. O espólio desta Divisão “D” iniciava-se com a
fabricação dos metais (bronze, cobre e ferro). A última divisão “J”
abarcava toda a arqueologia desde a fundação da até ao século
XVIII. A II secção de “Ethonografia”incluíam os objectos de uso
comum, decorativo, de uso religioso, instrumentos de trabalho,
incluindo uma reprodução duma sala alentejana. Por motivos de
ordem museológica (leia-se segurança) foram criadas duas secções
autónomas Numismática (colecção de moedas antigas, gregas,
ibéricas, romanas, visigótica e árabes) e colecção de jóias.
Em 1899, a orgânica do museu deixa a Comissão dos Serviços Geológicos e passa a ser
tutelada pelo Conselho Superior dos Monumentos Nacionais. As duas secções passaram
a três. Com a criação da secção antropologia antiga e moderna., com uma divisão de
Etnografias Colonial Portuguesa (a) e Arqueologia Estrangeira (pré-história europeia e
colecção egípcia) e por falta de espaços impunha-se a transferência do edifício dos
Serviços Geológicos . O Museu imaginado como espelho duma nação deve conter nele
todos os elementos que o compõem, Por isso as três secções correspondem a esse
objectivo, “são partes dum corpo” um projecto ideal da Nação para além do Estado, pela
ligação do presente aos homens do passado, e através do conhecimento dos habitantes
do território pretende criar um forte consciência nacional.
“O Museu é destinado a representar a parte material da vida do povo português, isto é,
tudo a que esse respeito etnicamente nos caracteriza”. 27
26
in VASCONCELOS, José Leite de, (1897) O Museu Ethnológico Português (1883-1897) ,
Lisboa, Imprensa Nacional, . 4 pag.
27 in o Arqueólogo Português Vol XXXIX, p 210
Ilustração 26 – Africano a transportar água
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22 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Em 21 de Novembro de 1900 é autorizada a transferência para o Mosteiro dos
Jerónimos. É instalado na ala onde estivera o Museu Agrícola. A transferência é
conduzida em 1903. No entanto, a partir de 1901 é autorizada a criação duma biblioteca,
um gabinete fotográfico, um gabinete de desenho e uma oficina de restauro. Fica
dependente da Direcção Geral das Obras Públicas e Minas e o museu continua a crescer
com a incorporação de novos artefactos provenientes de todo a país e das viagens de
Leite de Vasconcelos. A instalação nos Jerónimos é acompanhada por Leite de
Vasconcelos e Félix Alves Pereira, seu colaborador, com uma reformulação do projecto
expositivo segundo uma linha cronológica e etnográfica (I secção) e Geográfico e
temático (II secção). A III secção apresentará (antropologia) será apresentada uma
ordem geográfica (antropologia antiga) e cronológica (antropologia moderna)
Com a implantação da Republica em 1910 passa a depender do Ministério do Interior,
juntamente com os outros museus nacionais, do seu conselho de Arte e Arqueologia.
Nessa época levanta-se uma polémica no parlamento (deputado Eduardo de Almeida). É
nesse período que é organizada uma sindicância à administração de Leite de
Vasconcelos. A publicação da história dos Museus
Etnológico Português é a resposta a esta sindicância28
. O
motivo terá sido uma longa viagem que o director havia
feitos ao Egipto e Médio Oriente, onde tinha feito a
aquisição de vários artefactos. Entretanto em 7 de Junho de
1913 o Museu passa a depender do Conselho de Arte e
Arqueologia, agregado à Faculdade de Letras onde
Vasconcelos era lente desde 1911. Em 1914 são efectuadas
obras de melhoramento no espaço do museu, com ampliação das instalações e em Julho
é publicado o regulamento do Museu onde Leite de Vasconcelos expressa os seus
princípios de museologia
1. Incorporação. Recolha por todo o país de acordo com um plano
a. Critério de Classificação “Ao discernimento e bom senso das pessoas que
superintendem nesses museus deve no entanto ficar a decidir, em caso de
dúvida, para qual dos museus deve ir um objectos” (p. 53) referindo-se à
escolha museu etnografia, arte ou industrias
2. Conservação e Exposição “il est un laboratoire e il est un thèatre” p
53.Museu como livro de estudo
3. Documentação. Leite de Vasconcelos como homem enciclopédico expressa-
se através das publicações. As suas Notas de viagens e notas de estudo é
publicado, as aquisições são noticiadas “jamais coloques no museu um
objecto sem rótulo”, afirma Leite de Vasconcelos.
28
Decorrente da legislação republicana proibiu-se igualmente a acumulação de empregos
públicos (Vasconcelos era igualmente Conservador da Biblioteca Nacional)
Ilustração 27 -Aldeia africana
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23 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Em 1920 Leite de Vasconcelos inicia a publicação do Boletim de Etnografia,
Publicação do Museu Etnológico Português, por ele dirigida. Saem 5 números29
. No seu
primeiro numero escreve Leite de Vasconcelos “Constando o Museu Ethnologico de
duas secções principais, Arqueologia e etnografia, e tendo, já desde 1895, como órgão
d’aquela o Acheologo Português, terá agora como órgão da segunda secção o presente
boletim, que porém não se circunscreverá nas cousas possuídas pelo museu, mas
tomará mais largo âmbito, como o archeologo faz.” (advertência preliminar),
prosseguindo “O boletim estudará os objectos etnográficos (ergografia e ergologia30
)”.
Assim considera a arqueologia como a etnologia do passado, e o estudo dos objectos
materiais que provêm da tradição, é, por assim dizer, arqueologia do presente.
Em 1929, no nº 4, (pp. 21-31) publica artigo sobre etnografia colonial. Há beira da
reforma era regente da cadeira de arqueologia na Faculdade de Letras e usava o método
de analogia de objectos para explicar os povos pré-históricos associados aos povos
primitivos. Neste artigo tem um referência ao objecto de madeira Sado pelos Macondes
que habitavam no Norte (Niassa).
Em 1922 Leite de Vasconcelos inicia a reformulação do programa, para a integração das
quatro alas do convento, previstas no projecto original de
reconstrução dos Jerónimos. Esse espaço tinha previsto a
ocupação pelo Secção etnológica e para a abertura dum espaço
dedicado à expansão marítima e dos descobrimentos, mais tarde
ocupado pelo Museu de Marinha31
e que não foi concretizado
Em 1929 o programa do museu tinha sido cumprido. As secções
de arqueologia e Etnografia eram as melhores do país, embora a
3ª secção estivesse apenas esboçada. Nesse ano Leite de
Vasconcelos é nomeado director honorário titula que matem até
ao seu falecimento em 1941 e o museu passou a chamar-se
Museu Etnográfico Leite de Vasconcelos32
.
29
nº 1 ,(1920)Lisboa, Imprensa Nacional, 52 p; nº 2 (1923, 60 . p ; nº 3 (1924), 47 p.; nº4,
(1929) 58 p.; nº 5 Lisboa, 1938, 103 paginas, com índice alfabético dos vol 1 a 5. 30
Ergologia e Ergografia - estudo das técnicas de trabalho e descrição das técnicas do trabalho 31
O Museu de Marinha havia sido criado em 1836, pelo rei d. Luíz na dependência da
Secretaria de Estado de Negócios da Marinha, com base nas colecções de produtos exóticos
enviados para Lisboa pelos oficiais cirurgiões da armada. Funcionaria na Sala do Risco. Durante
o século XIX foram reunidos vários elementos considerados exóticos. Em 1863, é anexo à
Escola Naval (no Arsenal). Nessa época foram integrados no espólio vários modelos de navios,
reunidos pela armada desde o século XVIII. Em 1916 foi destruído pelo incêndio que lavrou no
arsenal. Em 1934 é decidida a sua transferência para no edifício dos Jerónimos que só será
concretizada em 1962 (Agosto) Em 1947 é integrada a colecção de miniatura de embarcações e
o museu está instalado no Palácio do Conde Farrobo. Em 1965 o museu abre ao publico
Planetário Calouste Gulbenkian. 32
Como síntese, embora Leite de Vasconcelos tenha tido múltipla actividade, é possível
verificar que as funções de museólogo estavam incluídas na sua prática. Veja-se a propósito
(GONÇALVES, 1954, 55-57). Incorporação, a sua prática de aquisição e compra tornou o seu
Ilustração 28 - Africano com instrumentos de trabalho
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24 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Foi nomeado director interino Manuel Heleno. Manuel Heleno reforma o plano do
museu. Mantiveram-se as várias secções do museu (biblioteca, oficina de restauro,
gabinete de fotografia, gabinete de desenho. Manuel Heleno inicia no museu um
ambicioso plano de escavações arqueológicas, cujos espólios são enviados para o
museu, criando, na década seguinte um problema de espaço. Daqui resultou igualmente
uma valorização da sua componente arqueológica, que em 1932 é reforçada com a
competência exclusiva para a condução de escavações arqueológicas no país. O objecto
de interesse da arqueologia continuou a incidir nas origens arcaicas do povo português.
A etnologia mercê duma visão sem objectivos ficou secundarizada na actividade do
museu.
Em 1955 Manuel Heleno defendeu a criação duma 4ª secção fundamental através do
desdobramento da secção colonial. Defendia a transformação do “museu do povo
português em museu do mundo português”, conforme refere Irisalva Moita (op.cit
pag.12 )33
. Segundo Irisalva esta descaracterização do museu levaria à integração de
duas correntes culturais distintas e independentes. (a colecção indígena não apresenta
influências europeias), defendendo a manutenção da colecção com as características
dada por Leite de Vasconcelos, “dando porém, grande desenvolvimento, dentro da
secção português os objectivos, às profundas alterações produzidas na raça, costumes e
mentalidades do povo português pelas influências das correntes exóticas, a partir do
século XVI, não esquecendo, porém, que os objectivos ali apresentados devem reflectir
a presença de duas raças em conjugação cultural. As restantes colecções de arte e
etnografia indígena, puras da influência portuguesa, devem estar presentes, no plano,
apenas como secção complementar” (op.cit, pag. 13). Essa ideia será posteriormente
desenvolvida. De acordo com a necessidade de actualizar o discurso museográfico e
museológico. Com uma secção denominada “ Originalidade e Continuidade da Cultura
Portuguesa”.
Voltando à proposta de Irisalva Moita de 1959, e as seu discurso de actualização do
plano do museu propõe agora integrar as originalidades da cultura portuguesa reveladas
pela arqueologia “nos últimos 50 anos”. Segundo Irisalva, que durante a década de 50 se
dedicara ao estudo das cultura pré-históricas, Vasconcelos limitar-se a procurar as
influências castrejas. Havia que recuar nas colecções, com a integração das culturas
museus no maior do país, fora de situ, Conservação e Exposição, a sua política de museu como
um livro que apresenta um discurso sobre a lusitanidade. Em termos expositivos o edifício dos
Jerónimos apresentava diversas dificuldade, nomeadamente as suas amplas janelas por onde
entrava uma luz intensa, dificultava a apresentação das peças. O segundo piso, esconso e com
pouca iluminação também não era mais favorável. “Com tal condicionalismo e estribado no
critério científico e didáctico de apresentação, pode dizer-se que sempre o Museu Etnológico
expos em satisfatórias condições: -um mostruário monumental, pouco atraente pela sobriedade
claustral, nunca espectacular, mas reconfortante para o estudioso da antiguidade lusíada.(op
cit 55). A componente documentação (investigação) fez com que o museu fosse reflexo da
personalidade. Tudo com as devidas anotações, referências. Contudo, aponta-se a crítica da falta
de capacidade de síntese (Orlando Ribeiro . Finalmente a divulgação, feita através das revistas. 33
A mesma observação foi efectuada durante as provas públicas de fim de curso para
conservadores Abril 1958
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25 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
lacustres do vale do Guadiana e as suas evoluções na costa portuguesa, reveladas por
Zbyszewsky a partir de 1940 nos terraços fluviais do Tejo. Integração das influências do
paleolítico superior34
. Em relação ao neolítico, defende a introdução do neo eneolítico
da do estudo das influências megalíticas do sudoeste peninsular. (surgiram assim as
classificações de Dólmenes com câmara rectangular, Dólmenes de câmara poligonal e
sem corredor desenvolvido, Dólmenes de câmara poligonal e corredor desenvolvido,
Galerias cobertas, Monumentos campaniformes do tipo alcacerense, Cistas megalíticas,
procurando um discurso expográfico que defende a continuidade cultural destas
manifestações através da idade do ferro. Perante o desconhecimento sobre as
manifestações sobre o calcolítico, tece algumas considerações sobre a chegas das
influências célticas (século IV) e o florescimento da cultura castreja (século III).
Defende ainda a representação de três zonas. Norte do Tejo e Sul do Tejo, com uma
divisão entre Norte do Douro (casas de planta arredondada) e sul do douro (casas de
planta rectangular), os Castro do Centro Litoral, como representantes da influência
Ibero-mediterrânica. Alem disto defendia também a, dentro e espírito da representação
da originalidade do povo português, a inclusão das representações pictóricas, fenómenos
artísticos à época pouco conhecidos.
Depois o plano prossegue, com a defesa da representação forte dos lusitanos, enquanto
elemento base da formação étnica dos portugueses, província pouco romanizada. Os
vestígios germânicos e árabes são pouco representativos no plano, pois a autora
considera que foram rapidamente absorvidos pela população residente, mais numerosa e
com características culturais mais fortes. Segue com uma leitura da história medieval.
Em relação ao contacto com os “povos exóticos” refere :
“No século XVI, porém, um novo abalo vem ferir profundamente a continuidade
antropológica e cultural do povo português. Os descobrimentos, pondo-nos em
contacto com povos, raças, credos e costumes diferentes, deram origem a uma dupla
influência: a que exercemos sobre populações indígenas, levando-lhes a nossa língua e
a nossa religião e a que recebemos em troca, com a entrada de elementos exóticos que
vieram enriquecer e abastardar o património nacional. Além da miscigenação étnica
processada, não só como meio de adaptação dos portugueses às regiões tropicais, mas
também como única forma de manter o equilíbrio populacional na própria Metrópole,
onde a população diminuía assustadoramente sacrificada nas viagens, a influência na
cultura e na mentalidade portuguesa, principalmente nos meios urbanos, foi sem
dúvida, das mais profundas da nossa história.
Os contactos com os povos do Oriente - persas, Hindus e chinas, habituados a luxos
desconhecidos dos ocidentais, altera profundamente as nossas tradições e modos de
vida. A alimentação é enriquecida com elementos exóticos e tornadas acessíveis as
especiarias, entram no uso comum; a mesma sumptuosidade reflecte-se no vestuário
34
Note-se que a questão dolménica se prende com a especificidade da cultura portuguesa.
Vários autores procuraram alicerçar nestas culturas a origem mítica da nacionalidade (António
Quadros). Outros alicerçaram nesta cultura a vocação de terra de cruzamentos (terra híbrida)
entre o Norte Atlântico e o Sul Mediterrânico (Orlando Ribeiro)
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26 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
onde além de ricos veludos, lhamas e cetins que comprávamos na Flandres e na Itália
com dinheiro das especiarias, banalizavam-se as seda e os brocados orientais, a
população torna-se exigente e rodeia-se de conforto e grande aparato, tornando-se
vulgares nos interiores portugueses do século XVI, os tapetes persas, as colchas da
índia e louças da china.
Depressa os elementos exóticos são assimilados pelos naturais que, por sua vez,
impõem os seus gostos aos artífices indígenas. Desta fusão notável, principalmente no
domínio das Artes, nasce essa interessante corrente artística denominada Arte Indo-
portuguesa, ricamente documentada nas nossas artes decorativas dos séculos XVII e
XVIII (cerâmica, mobiliário, bordados, ourivesaria, etc.) A Influência cultural do Brasil
e da África Negra, devido ao atraso em que se encontravam essas populações, não foi
tão notória, sendo porém profunda a miscigenação racial com elementos das duas
origens. Entretanto, já não referindo as interessantes esculturas, tão representativas da
nossa presença na África Equatorial, no capítulo dos costumes, alguma coisa
aproveitamos do seu contacto: influências na alimentação, certos costumem (uso das
redes de descanso, o costume de trazer para cãs pássaros engaiolados, etc.
A partir do século XVI não mais deixou de se fazer sentir na cultura portuguesa a
influência dos povos que contactamos ou que colonizamos e lentamente algumas das
suas manifestações foram-se introduzindo, arreigando nos costumes, acabando por se
tornar profundamente nacionais; tal como
aconteceu, por exemplo com as colchas de Castelo
Branco, e os tapetes de Arraiolos, estes últimos de
inspiração nítida dos sumptuosos tapetes persas.
(op. cit pag, 28-29)
Nos parágrafos seguintes reflecte sobre a influência
do século XIX, onde segundo a autora as influência
francesas e a cópia do que se faz lá fora se sobrepõe à tradição portuguesas. E termina o
capítulo afirmando “ Não quero chegar ao ponto absurdo de defender o desprezo pelo
que as nações mais civilizadas do que nós têm criado. O progresso não se faz dentro de
muros fechados, mas nasce no entrechoque de várias influências. O valor de cada povo
estará, porém, no modo e força de reagir a essas influências, sabendo adapta-las à sua
sensibilidade, marcando-as com o cunho da sua personalidade, tornando enfim próprio
o que era alheio, sem se deixar arrastar por uma simples imitação passiva” (op.cit,
pag. 30)
De seguida apresenta o plano para a reforma e actualização da linguagem museológica
segundo os critérios das secções de dentro destas segundo um critério cronológico
evolutivo. A novidade é a inclusão do século XVI, com a proposta de introdução da
“corrente exótica” constituídos pelos objectos que transformaram os modos de vida,
tipo tapetes, bordados, cerâmica chinesa, e pela corrente indo-portuguesa e afro-
portuguesa, mobiliário, baús, cerâmica da companhia das índias, estuaria ou produção
nacional com influências doutros povos (tapetes de Arraiolos, colchas)
Ilustração 29 - Aldeia Africana
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A secção de etnografia não apresenta alteração em relação ao proposto por Leite de
Vasconcelos, tanto mais que entre a arqueologia e a etnografia a separação dos campos
são pouco nítidos. Em relação à última secção, antropologia antiga e moderna, propõe a
representação das ossadas e a explicação das transformações étnicas observada.
Manuel Heleno35
sucede a Leite de Vasconcelos como director em 1929. Ai
permanecerá até 1964. No museu de arqueologia desenvolveu várias actividades de
escavações. Foi uma personalidade polémica no âmbito da arqueologia, gerindo com
muitas cautelas a sua investigação. Apenas os seus alunos tinham conhecimento das
informações científicas de realizava e ficou conhecido por manter as reservas do museu
fora da investigação pública. Não deixou grandes marcas.
Em 1954 quando se realiza o “I congresso Nacional de Arqueologia36
, em Dezembro de
1958, organização patrocinada pelo Instituto de Alta Cultura, e pela Junta de Educação
Nacional, é realizado, em homenagem a Leite de Vasconcelos, Mendes Correia, na
Conferência de abertura salienta o contributo de
“Leite de Vasconcelos, fautor da consciência
nacional”. O congresso foi presidido por Prof.
Pereira Dias da Junta de Educação, a Comissão
de Honra é constituída por Manuel Heleno, da
Faculdade de Letras e director do Museu
Etnológico, o Eng. António Castelo Branco,
Director da comissão dos Serviços Geológicos,
e a sua I secção é dedicada à “Homenagem ao
museólogo Leite de Vasconcelos” e é dirigia
por António Manuel Gonçalves do MNAA.
Curiosamente nos trabalhos da V secção dedicada a “Pré-historia do Ultramar”, foi
Considerando que Leite de Vasconcelos tinha sido o pioneiro da arqueologia
ultramarina. Nessa secção foram apresentados trabalhos de J.R. Santos Júnior,
Arqueologia de Moçambique: o que está feito e o que falta fazer”, Manuel Simões
Alberto com Riqueza Arqueológica da Região Sul do Save – Inventários das Estações
Arqueológicas, Lereno Antunes Barradas “Arqueologia de Manica e Sofala” que
identifica a região como corredor de penetração no continente, Octávio Rosa Oliveira
Achado arqueológico de Raro Valor no território de Manica e Sofala, onde documenta
uma figura em bronze, representando um crocodilo, encontrado junto dos montes
35
Manuel Domingues Heleno Júnior, (1894-1970). Doutorado em Letras, foi Director do Museu
de Arqueologia, professor de arqueologia da Faculdade de Letra, de que foi director: Fundou o
Instituto de Arqueologia, história e Etnologia, integrado no Instituto de alta Cultura, Foi vogal
da Junta Nacional de Educação, do Conselho Nacional dos Museus, académico de número da
Academia Portuguesa de História e do Centro de Estudos Históricos Ultramarinos. 36
MOITA, Irisalva (1959) “-I Congresso Nacional de Arqueologia” in Separata da Revista
Ocidente, Vol LVI pp218-232
Ilustração 30 - Grupo familiar em Africa
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28 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Siluwe, junto da presumível estradas das palmeiras que ligava as Minas de Manica ao
Egipto . Havia ainda uma Secção X dedicada à Museologia, dirigida por João Couto
director do curso de Conservadores, que funcionava nos três museus nacionais (Arte
Antiga, Arte Contemporânea e Etnologia)
Em 1964 Manuel Heleno é substituído por Fernando Almeida que se mantém director
até 1974. Curiosamente é ainda Manuel Heleno que assina o programa de Instalação do
Museu na Cidade Universitária em Lisboa, que não será construído. Nessa altura
funcionavam nas suas instalações as aulas de arqueologia, os institutos de Arqueologia e
Etnografia e o estágio de conservadores de museus do Instituto de Alta Cultura.. Nesse
programa enumeram-se as salas e secções do museus, que mantêm a estrutura.
O edifício, a construir, englobava cinco salas de entrada, onde seria criado um “prólogo
do museu” com uma explicação da síntese da vida material e psíquica do povo
português (evolução da caça, pesca, pastorícia, agricultura, industrias, transportes
habitação, vida intelectual e artística e religião), depois 4 salas para a Idade da Pedra ( 4
salas), 6 para a idade dos metais, 7 salas para o período lusitano e romano, sala para a
paleo-cristãos e visigodo, sala arábica, sala medieval, e 4 salas para arqueologia
comparada. A secção de Ourivesaria e numismática previa 3 salas. A Etnografia
dispunha de sala para 12 temas , mais duas salas para etnografia insular e ultramarina.
Previa ainda depósitos, colecções de estudo, sala de exposições temporárias, serviços
administrativos, biblioteca e arquivo e serviços técnicos. Um plano que mantêm o
projecto de Leite de Vasconcelos.
Em 1965, o Museu passa a Chamar-se Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia, em
virtude da publicação do Regulamento Geral dos Museus de Arte. História e
Arqueologia. Em 1965 havia sido criado o Museu de Etnologia do Ultramar, que
parcialmente sobrepunha as áreas museográficas. Fernando Almeida adopta as linhas de
pensamento museológico de Leite de Vasconcelos, reajustando a maior pendor
arqueológico de Heleno. É nesta época que são concretizadas algumas incursões do
museu no exterior, conforme o espírito das “concepções nórdicas”, como na época se
chamava aos museus de ar livre. E as peças de etnografia eram as que
melhor se adaptavam a este conceito. Durante este período que foram
introduzidas algumas modernizações nos processos expositivos, no
sentido de conferir alguma interactividade com as colecções e foram
criados os serviços educativos. Fernando de almeida era partidário da
apresentação das peças de arqueologia no seu próprio ambiente,
naquilo que se poderá chamar “princípio da redução ecológica”
(GOUVEIA, 1997: II-90). O assunto da reformulação do museu foi
amplamente discutido na Junta Nacional de Educação, nunca se
tendo concluído, sobretudo na discussão relativa ao modelo do
museu. Universitário ou Nacional).
De 1974 a 1980 o museu entra numa fase de letargia, que é
Ilustração 31 -Desenho de Estatua Maconde em Madeira
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29 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
ultrapassada com reformulação d espaço museológico. A maioria das peças são retiradas
para reservas e as salas passam a ser ocupadas essencialmente por exposições
permanentes. A grande exposição “Portugal, das origens à época romana” marca o
início deste ciclo. Note-se que em 1979 a Faculdade de Letras deixa de ser responsável
por este museu passando a ser tutelado pela Secretaria de Estado da Cultura. A partir de
1989 o museu passa a representar apenas as colecções de arqueologia. Actualmente Luís
Raposo mantêm esta filosofia de actuação e modernização.
1.1.6 Museu Nacional de Etnologia
Foi fundado em 1965, com o nome de Museu Etnológico do
Ultramar, sendo seu director Jorge Dias (1907- 1973). Este museu
é criado como consequência da acção do seu Director e seus
colaboradores37
. Em 1947, em Coimbra, é criado o Centro de
Estudos de Etnologia onde se desenvolvem os estudos pioneiros
de antropologia cultural38
. A morte de Leite de Vasconcelos 1941
havia tinha constituído o fim dum ciclo de estudos sobre a
etnografia do povo português, que se iniciara com a geração
romântica a partir de 1824, com nomes como Almeida Garrett,
João Pedro Ribeiro e Alexandre Herculano), se prolongara com
Teófilo Braga (1843-1924), Adolfo Coelho (1847-
1919),Consiglieri Pedroso (1851-1910) e Carolina Michaelis de
Vasconcelos (1951-1925). Tinha sido uma geração que havia
sobretudo efectuado a recolha de tradições da cultura popular39
. E dentro desta geração,
Leite Vasconcelos tinha sido o que havia convertido o projecto de recolha da tradição
num discurso museológico.
Em termos de museologia do discurso etnográfico, Jorge Dias no Bosquejo de História
da Etnografia Portuguesa, faz o balanço das instituições museológicas existentes.
37
Entre os quais se salientam, Ernesto Veiga de Oliveira (1910- 198 ) Nasceu no Porto e
formou-se em Direito (1932) e Histórico-filosóficas (1944) na Universidade de Coimbra. Em
1932 encontra-se com Jorge Dias e inicia uma colaboração que dura uma vida. Foi subdirector
do Museu de Etnologia entre 1965 e 1973, e seu director entre 1973 a 1980. Desenvolveu vários
trabalhos, nomeadamente “Apontamentos sobre museologia: museus etnológicos lições dadas
no museu de etnologia do Ultramar, Lisboa, JIU, 1971.
Jorge Galhano e Margot Dias, Benjamim Pereira. 3838
Em Bosquejos Históricos da Etnografia Portuguesa, Coimbra, Casa do Castelo Editora,
1952, Jorge Dias descreve o contexto da apresentação da proposta de museu. Depois de
descrever a questão do contacto cultural pela gesta marítima, escreve “A influência das culturas
exóticas sobre os portugueses, as maneiras como conseguiram adaptar-se a situações novas e
as suas relações com povos além-mar com quem travaram relações – tudo isto oferece ao
antropólogo um campo de investigação extraordinário. Neste conjunto serve a cultura de
Portugal, por assim dizer, como constante, enquanto que os meios físicos diferentes e as
culturas indígenas, ao tratar-se da adaptabilidade e estabilidade da cultura portuguesa entre
1500 e 1950, servem de variável”.(op cit 26) 39
Dias distingue aqui o campo da etnologia como espaço da cultura popular, que emerge no
romantismo como reacção à cultura erudita do Aufklarüng (iluminismo)
Ilustração 32 – Capa do folheto do MN Etonologia
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30 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Aborda o Museu de Etnologia de Belém, dirigido por Manuel Heleno, que mal grado o
excelente trabalho de recolha etnográfica, não consegue representar condignamente.
Depois aborda o Museu de Arte Popular, ligado ao Secretariado de Propaganda
Nacional40
, que não tinha propósitos científicos na sua fundação.
A criação do Centro Estudos de Etnologia Peninsular em 1945, tendo como director
Mendes Correia inseria-se numa tentativa de integrar os estudos no âmbito da
internacionalização e ultrapassar a questão nacional. Recorde-se que em Coimbra havia
sido criada uma secção de Antropologia no Museu de Etnografia e História da
Universidade de Coimbra. O livro onde Jorge Dias relata esta situação apresenta várias
fotografias dos espaços museológicos, onde se pode observar os principais objectos
expostos, dentro duma tradição clássica. Note-se, que a maioria dos objectos era oriunda
do Continente português Aliás o texto apresenta um
resumo alargado de todos os museus regionais, de
componente etnográfica, que segundo Jorge Dias se
devem ao labor incasável de Leite de Vasconcelos como
divulgador da êtnos lusitana. Nesta época ainda a
questão da museologia de objectos coloniais não era
referenciada. É provável, que a partir da crescente
visibilidade do tema nas questões da UNESCO, e se
tivesse iniciado as reflexões sobre esses assuntos.
Sabemos que em 1956 Jorge Dias é convidado pelo
Instituto de Estudos Ultramarinos, para ir para Lisboa, integrar a Missão de Estudos das
Minorias Étnicas no Ultramar Português. Jorge Dias mantêm-se nesta comissão durante
cinco anos, durante a qual chefia a missão que irá elaborar o estudo antropológico “Os
Macondes de Moçambique”41
. Entre 1957 e 1962 foi professor de Antropologia
Cultural na Faculdade de Letras de Lisboa, e em 1965 conclui o seu Doutoramento em
Etnologia, o primeiro dessa especialidade.
Entretanto em 1963 havia é criado o Centro de Estudos de Antropologia Cultural, em
Lisboa onde conduz com os seus colaboradores m conjunto de intervenções, estudos e
trabalhos que levaram a criação da recolha de várias colecções de objectos africanos,
então localizados na sede do Centro de Estudos ao Príncipe Real, em Lisboa.
Paralelamente com esta colecção havia igualmente outras colecções reunidas desde
meados dos anos 40, na então Junta de Missões Geográficas de Investigações Coloniais,
que tinha por objectivo viram a integrar um futuro museu42
. Estas duas colecções vão
constituir o espólio inicial do Museu de Etnologia, criado em 1965.
Os objectos recolhidos por Jorge Dias e sua Mulher durante a sua missão em
Moçambique são publicamente apresentados em Lisboa em 1963. Essa exposição
constituiu o programa do museu, ao qual se juntam posteriormente outros elementos.
40
Ver Tese de Mestrado na Lusófona. 41
Juntamente com Margot Dias e Manuel Viegas Guerreiro. 42
(GOUVEIA, op.cit, 103)
Ilustração 33 - Plano do Museu
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31 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Note-se que aqui a questão da etnologia africana não era a questão essencial. Na época
discutia-se muito a questão de se fazer um museu do Império. Um museu que mostrasse
a grandeza da Portugalidade. Esta tensão que conduziu à formação do museu, tensão
entre a visão antropológica da cultura e a visão política da portugalidade levou a que a
vocação do museus, durante bastante tempo ficasse associado à política colonial do
Estado Novo, malgrado, outras visões menos colonialistas, nomeadamente as de Veiga
de Oliveira, que conviviam no Museu. Aliás Veiga de Oliveira, sempre privilegiou nos
seus estudos a antropologia cultural do povo português.
Note-se que aqui Jorge Dias terá aproveitado uma vontade política para concretizar um
museu, que na época, mal grado a questão da sua ideologia, transportava, em termos de
museologia alguma inovação. Jorge Dias tinha uma concepção de MUSEU como
laboratório de trabalho. Lá deveriam estar instalados a biblioteca, o arquivo, tudo o que
era necessário ao seu mister. Na concepção do Museu reivindicou, e conseguiu, uma
grande centralidade para o espaço de exposições temporárias, que na sua estratégia
inicial deu grande visibilidade ao museu, tendo sido um dos
pioneiros em Portugal da prática regular de exposições
temporárias. Em 1968, num artigo no diário de Lisboa “um
museu sem prateleiras” (7MAR1968) Jorge Dias comenta
uma exposição organizada em França por Georges Henri
Riviere “objects domestiques dês provinces de France” onde
comenta a impressão que lhe causou a apresentação de
objectos em que se conciliava a vertente científica (ordenação
por funções das estruturas sociais e dos géneros de vida” com
o aspecto estéticos, com os objectos dispostos em quadros
funcionais dentro de amplas prateleiras, sem vitrinas,
iluminadas de mofo a produzirem-se “efeitos curiosos de luz
e sombra que muito os valorizam”. Este modo de expor que
seria “importado” e continua a ser uma das características do processo expositivo do
Museu. Aliás, em 1957, quando o ICOM apresenta a ideia de criação de museus ao ar
livre, Jorge Dias verá aí uma oportunidade para a criação dum museu. Uma ideia que se
manterá ao longo dos anos.
Em 1967 realizou-se uma exposição sobre a alfaia agrícola portuguesa, que levou a uma
profunda reformulação dos processos expositivos no Museu, que foi amplamente
discutida com Veiga de Oliveira . Jorge Dias em 1969 fez uma viagem durante um ano
à Amazónia, onde recolhe a colecção de objectos da vida material que ainda pode ser
visitada. Com as constantes ausências do director, as questões museológica são
essencialmente tratadas por Veiga de Oliveira.
Veiga de Oliveira em “Apontamento sobre a Museologia” (OLIVEiRA,1971) apresenta
o manual de formação para museólogos antropólogos. Depois duma descrição sobre a
museologia e de uma explicação sobre o surgimento dos museus etnográficos no mundo
“por outro lado essa industrialização e expansão colonialista destroem as culturas locais
Ilustração 34 -Capa de Livro de Jorge Dias
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tradicionais, nacionais ou exóticas (…) estas circunstâncias estão na base da formação
dos primeiros museus e secções de etnografia” (op.cit. 22).
De seguida Veiga de Oliveira descreve o surgimento das colecções etnográfica em
Portugal, onde descreve as várias colecções que há notícia até á criação da Sociedade de
Geografia e do Museu de Leite de Vasconcelos, “o museu do Povo Português”, que
segundo o autor alargavas o objecto da etnografia ao povo português e não se limitava
aos objectos exóticos. Depois é descrita a concepção museológica de Jorge Dias, em
que o Museu de Etnologia é considerado como um museu de cultura geral, aberto à
“representação de todas as culturas”.
Em relação ao tratamento da Arte e estilos Africanos, entre as paginas 70 e 91, Veiga de
Oliveira faz uma resenha da emergência da sua interpretação pela cultura ocidental:
“logo que acordou o interesse pelas culturas chamada primitivas e que se iniciou o
estudo do homem a quem elas correspondem, surgiu o problema do significado e
natureza do fenómeno artístico nessas culturas – a arte primitiva (ou mesmo arte Negra,
como de entrada se lhe chamou” (op.cit ,70). E prossegue mais adiante: “O problema da
arte primitiva pode ser abordado de dois pontos de vista principais: o do etnógrafo, que
explica e se interessa pelos objectos na medida em que eles estão em relação com a
sociedade donde provêm, e para quem portanto a arte é um elemento dum conjunto
cultural e o do artista ou amador de arte, que aprecia as qualidades artísticas do objecto
em si mesmas, e encara este como a obra única de um génio humano; o objecto
proporciona-lhe uma emoção ou estímulo estético que, para ele constitui o seu
significado verdadeira e fundamental, abstraindo deliberadamente ou ignorando mesmo
totalmente o contexto cultural onde esse objecto foi criado e donde emana” (op.cit. 71).
Depois desta distinção considera que, do seu ponto de vista, os povos africanos não
utilizam a arte for razões estéticas (segundo grupo) a arte, e essencialmente pensa-se nas
mascaras em madeira, vale pelo seu significado ritual e é produzida em função de
códigos culturais muito específicos dentro do contexto da reprodução cultural da
comunidade. Mas há outras formas de arte, não matérias: a música, os adornos
corporais, as pinturas rupestres, os objectos de adorno pessoal. Se a escultura em
madeira é a forma mais expressiva da arte africana é fundamentalmente pela sua função
de representação social. Depois refere outro tipos de objectos, que podem surgir em
diversas áreas culturais, objectos de pedra e metálicos. Aborda ainda a questão da
tradição oral, “África é uma tradição feita sistema, o pulsar duma sociedade, mais do
que um indivíduo, a expressão dum drama colectivo, uma linguagem sagrada, um ritual
plástico, formulas mágico-religiosas para se viver e sobreviver, utensílios do
sobrenatural; a sua função é a de valor utensílio, um instrumento de magia, de
organização social, de memorial de uma cosmogonia africana” (op.cit , 74)
Reflecte depois sobre a forma de organização social das comunidades africanas , dos
ritos e das formas, das danças e das cerimónias , dos tipos de materiais que se
encontram, das personagens, dos curandeiros e dos xamãs, das iniciações e da morte.
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Sobre os aspectos da composição da estatuária, refere também algumas técnicas de
trabalho: “os escultores negros tê aparentemente sempre presente o espírito da
composição total da obra, trabalham o conjunto inteiro ao mesmo tempo por estádios
sucessivos” (op.cit, 88) A estética africana não é visual ou proporcional, mas de
significado ou de forma (op.cit 89). Por outro lado, a estatuária têm, regra geral um
elevado grau de estaticismo. O objecto contempla os seres vivos. “A arte africana é
estática. Ignora a realidade”, e têm como propósito reafirmar a ordem criada por Deus,
para quem essa realidade só tem sentido na medida em que se conforma com essa
realidade”.A representação do fragmento de vida que foge, o sopro dos deuses, do
minuto irrepetível não tem lugar na arte africana. Portanto a arte em África não é um
deleite. A margem de invenção do artista é baixa. Ou seja, concluindo, Veiga de
Oliveira reafirma que em África a Arte nada têm de primitivo. É uma arte de elevada
capacidade conceptual, “perfeitamente laborada em plena posse dos seus meios, que
exprime o mundo mental complexo dos seus autores” (op.cit 91). Termina com a
conclusão que a sua representação museus deve ser encarada como “toda a pureza na
fundura dos sentimentos que traduz, e que vai ao encontro dos valores espirituais do
Homem. “A mensagem da arte negra é afinal, mais uma vez, a mensagem do Homem.”
(op.cit 91)
Após a morte de Jorge Dias e em plena Direcção de Veiga de Oliveira e com a
democratização do país, e consequente descolonização, O Museu ultrapassa o seu
estigma “colonial” e centra-se na sua especialidade de antropologia cultural43
.
O seu espólio africano, nomeadamente a sua
colecção de mascaras (recolhidas por Jorge Dias),
tornam-se um importante activo expográfico. Já
dentro duma museologia pós-colonial são
apresentadas várias mostras no Museu (1977), na
Fundação Gulbenkian (1983). Com a direcção de
Veiga de Oliveira o museu conheceu um período
de algum dinamismo, essencialmente foi uma
escola de museologia para antropólogos, que
entretanto começam a ser formados nas
universidades portuguesas. Ainda em 1973, o Museu passa a depender do Instituto
Superior de Trabalho e Empresas.
A direcção de Margot Dias, viúva de Jorge Dias, não apresentou novidades de relvo.
Depois de durante alguns anos o acervo africano ter sido permanente, está hoje nas
reservas. Actualmente é seu director Pais de Brito.
43
Em 1973 é feita A Exposição Povos e Culturas no Museu de Etnologia do Ultramar, Separata
da Revista de Etnologia Nº 31 – Museu de Etnografia e História, Junta Distrital do Porto,
exposição essa que é reposta em 1979
Ilustração 35 - Aspecto da exposição de mascaras africanas
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Na nossa visita solicitamos acesso á colecção de Arte africana, o que por razões
burocráticas não foi possível. Do conjunto expositivo, visitamos com guia a colecção da
amazónia, constituído por um conjunto de objectos da cultura material recolhidos por
Jorge Dias. A colecção está conservada em ambiente controlado (humidade,
temperatura, e luz). É uma colecção interessante que com a ajuda da guia, especializada,
é passível de descodificação. Todas as colecções expostas no 1º piso (salas de
exposição) são temporárias. Observamos uma colecção de peças de cerâmica com o
temo da “construção do inventário” com indicações sobre as formas de elaboração dum
inventário comparativo duma colecção de cerâmica, e uma sala com uma exposição
sobre a “mulher no oriente” a partir de representações pictóricas em tecidos (saris e
tapeçaria). A exposição resultou dum estudo feito no ISCTE sobre o tema e combinava
objectos com instalações visuais e sons.
Globalmente verifica-se que este museu é um museu agarrado à produção antropológica
universitária. Situado numa zona nobre da cidade mas com pouca visibilidade e não
verificamos nenhuma interacção com o território envolvente.
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2 Análise Crítica e Transversal dos Temas Abordados
2.1 O lugar da herança africana nos museus
lisboetas
Expo 98 a marca dum tempo da reconstrução duma cidade. Uma
cidade transformada em Parque dito das Nações. A nossa viagem
pela cidade continua. Onde está a memória de África nesta cidade
reconstruída. Há flora nos Jardins Garcia da Orta, (deveria ser
escrito Horta, pois os seus conterrâneos deveriam vê-lo
diligentemente em volta da dita a ponto de lhe darem o cognome).
Há réplicas de girafas e elefantes por entre as Palmeiras da zona
Sul. No Largo das Bicas, em calçada portuguesa “Kanimambo”, e
um pedestal em cimento, vazio. E uma cidade nova sem museu. É certo que esteve aqui
para ser reinstalado o Museu dos Coches, cuja instalação
falhou porque o restauro indispensável não se
compadecia com os tempos apressados do planeamento.
Kanimambo. Há um museu, de noto tipo, chamado
Pavilhão do Conhecimento. Ciência interactiva e
tecnologia. Há o oceanário. Segundo a lista de definição
da Unesco entra na classe dos museus, embora o cartão
do ICOM não dê desconto. A exposição era para
celebrar os oceanos. A ligação da humanidade. O
mundo global. Kanimambo.
A viagem é o processo que liga. No século XVIII as gentes endinheiradas faziam o seu
“grand tour”. Itália era o destino. A busca das ruínas da civilização clássica. O ideal
clássico da imagem única, perfeita na forma, intemporal. Sem espaço e sem tempo. Essa
narrativa no entanto confronta-se com o maravilhoso, com o outro. Com a descoberta da
diversidade. Das gentes, dos rostos, das comidas, das vestes, dos lugares. Quem vai
relata, descreve. Quanto mais exótico mais êxito têm. O desejo de viajar no tempo e no
espaço instala-se. A procura de chinesices, de móveis lacados, de outros gostos.
Kanimambo!
A busca da diversidade, da consciência da
diferença abala a racionalidade organizada das
teologias. No norte da Europa mais abertas, do
que no sul, mais teatrais e mais ritualizadas. O
Iluminismo, a luz é uma revelação sobre novos
princípios de organização social. Fora da
teologia, porque o homem naturalizara-se. Era
necessária uma nova filosofia natural para
estabelecer as bases dum novo ordenamento. As
Ilustração 36 –Girafa no Passeio de Ulisses
Ilustração 37- Inscrição no Largo das Bicas – Parque das Nações
Ilustração 38 - Base para peça escultórica
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viagens que traziam a diferença também serviam para os enciclopedistas integrarem e
racionalizarem os novos conhecimentos. Não se pense que este discurso sobre a viagem
seja para justificar as causas da evolução do pensamento. Recordemo-nos que falamos
da viagem como um processo de descoberta museológico. Um processo de
comunicação. Um indivíduo sai do ponto A para o ponto B, e quando regressa o ponto é
já um A’, porque A contém também B. Por sua vez, B passou a ser B’, porque também
contem A. Kanimambo!
Ou seja como diz o poeta44
, o que nos interessa é o processo de como um corpo adquire
sempre novas qualidades. O movimento de A para B, o confronto com B, o processo de
transformação quando (A e B) se juntam, e a memória de quando se separam (A’ e B’).
A museologia concebida como um processo de comunicação, comprometida com a
comunidade, agarra este processo de formação
de memória para a partir dele projectar o
futuro. Tem consciência do ponto de partida,
que é ele próprio chegada de outros pontos,
procura clarificar a narrativa do processo, para
na consciência do presente alavancar a
construção do futuro. Enquanto ciência de
acção mobiliza a memória para a reconstruir,
conscientemente. Memória activa portanto,
metodologia crítica como instrumento.
A viagem pelos museus e pelas memórias de
África em Lisboa, alocando as leituras da museologia paulista serviu-nos para quê e
parque o que é que isto nos é útil para a construção da nossa tese. Com referimos atrás o
objectivo é fazer uma leitura a partir duma grelha de análise.
Essa grelha que construímos, sem ser exaustiva permitiu-nos
algumas reflexões críticas.
Kanimambo significa encontro/amizade em Swaheli (ou
Suaíli) . Ora isto levanta-nos, por analogia à nossa pesquisa
as seguintes questões. A questão para além de não haver
estátua no pedestal, (não há objectos) o encontro amizade
celebra o quê? A nós europeus por os termos “civilizado”, a
eles africanos; de nós europeus para eles africanos “por se
terem deixado colonizar ou por nos terem trazido a
africanidade. Sem o objecto, a estátua não podemos interpretar. Só questionar.
Embora Afro esteja na moda. Músicas do Mundo são festivais de boa música. Não dão
enchente, mas é um negócio seguro. Sines fá-lo vinte anos. Lisboa, nas festas da cidade
44
“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/ muda-se o ser, muda-se a confiança; /todo o
mundo é composto de mudança/ tomando sempre novas qualidades “(Luís Vaz da Camões
(Líricas )Lisboa, Sá da Costa, 1979, pag 49
Ilustração 39 - Conjunto escultórico incompleto: Estétua, Mesa e Parque infantis
Ilustração 40 - Cartaz de Discoteca africana
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em 1992, introduziu o tema num dos palcos, salvo erro o do campo das cebolas
simbolicamente à frente da Casa dos Bicos. África está nas comidas. O Frango da Guia
emigrou de Angola, merchandificou-se em qualquer centro comercial. O som de África
é quente e sedutor para as noites lisboetas. Organizam-se Jogos da Lusofonia, Festivais
Universitários de Lusofonia. Mas onde está África nos Museus?
Por exemplo, na recentemente inaugurada exposição “Portugal e o Mundo” (16 de
Julho de 2009) no Museu Nacional de Arte Antiga, percorremo-la a observar onde e
como estava representada África e os Africanos. Encontramos objectos: os saleiros em
marfim da Costa do Marfim, as estátuas de madeira do Benim, o escudo de madeira do
Congo. No catálogo mais algumas referências. Exposição espectáculo para encher o
olho e para mostrar o pioneirismo da globalização.
Uma leitura, descontextualizada. Sem pessoas, sem
sentimentos, sem vida mais largado que aqueles
objectos, órfãos mostram. A guia, aborrecida e
insensível às twiners bocejantes em férias, abordava
cada peça detalhando um profundo saber. Uma hora
sobre o painel de Nuno Gonçalves. A admiração por
uma geração. Compreende-se. Mas o quadro tem
pouco do mundo que os portugueses fizeram. É um retrato duma geração, estranha
representação. Então porquê uma hora aborrecer pessoas. Quando ler o livro de visitas,
há-de ter o desgosto de verificar que as primeiras observações serão das jovens que
perpetuaram o seu desassossego em palavras de protesto.45
É certo que o catálogo
expressa a vergonhosa aventura negreira. Mas na exposição não está lá nada. E teria
sido fácil construir um espectacular espaço com grilhetas e correntes. Não houve
intenção de mostrar. É uma opção justificável, tanto
quarto de significativo. Foi uma aventura branda, sem
conflitos, que nos trouxe prosperidade. Antes era-se
mais altruísta e justificava-se que tínhamos uma
missão de civilizar. Agora nota-se todo o nosso
egoísmo societário.
Conclusão desta questão, África está presente,
subliminarmente. Politicamente correcta nos
catálogos, rudimentarmente nos objectos, na intenção
dos objectos. A cronologia do tempo é uma viagem
que parte do século XV em África e termina no século XVII, no Oriente, sem esquecer
o exotismo das plumas e das madeiras do Brasil. Revela a descoberta dum outro,
excêntrico, e não como é que o outro interagiu. É uma exposição clássica sem rostos e
45
Confesso a minha mediação no processo. As jovens eram colegas da minha filha, que me
auxiliou na visita. E enquanto nós voamos através da exposição numa hora, as moças olhavam
angustiadas a nossa liberdade, amarradas que estavam ao objecto e ao saber. Duvido que tenham
saudades. A minha filha adorou. Continua a fazer perguntas sobre aquele mundo fascinante que
descobriu. Exótico. A viagem dela continuou para além do momento. As amigas não viajaram.
Ilustração 41 - Imagens dos Africanos
Ilustração 42 - Casa de Moçambique no Portugal dos Pequeninos em Coimbra
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sem emoções. É certo que a exposição é comissariada por uma equipa vasta, na maioria
anglo-saxões. Mas parece-nos que o conceito gerador é integrar a cultura portuguesa no
mundo dos ricos, A tese do pioneirismo histórico continua a marcar o pensamento. Num
mundo global nós fomos os primeiros. Nós somos globais há mais séculos. Mas será
que isso corresponde a uma tendência geral dos museus da capital.
Vimos os casos dos vários museus, da arqueologia, de arte e etnologia. São museus
herdeiros da tradição clássica do Museu como espaço da Nação. Assim África é
etnologia. Mesmo quando se pensava no museu do Império a herança africana é ainda o
exótico. Nunca é uma reflexão interna daquilo que somos. Mais ainda 35 anos após a
descolonização, o discurso não interiorizou a herança
africana46
.
Bem, ao escrever deste modo ate parece que há uma
obrigação do discurso identitário assumir a herança
africana. Não existe essa obrigação. Os museus nacionais
que visitamos são gerados noutros tempos. Noutras eras que
projectavam a nação num passado romântico-medieval de
Possidónio da Silva, Lusitano da Leite de Vasconcelos,
Antropológico comparativo de Jorge Dias e de Veiga de
Oliveira. Na sociedade de Geografia, o heroísmo e o
exotismo conviviam na gesta da descoberta do outro, do
território do outro e dos objectos do outro. Não era o outro
que era revelado. Nas artes nacionais África eram as
madeiras no museu de arte antiga. É certo que o termo “arte” para objectos africanos era
recusado. A arte, tal como era concebida na época, era um elemento da civilização.
Selvagens não têm expressão artística.
Vai ser necessário esperar pelo modernismo português, nos diálogos culturais com as
vanguardas França e da Europa para a arte africana emergir como objecto de expressão
estética. Por isso é significativa a Exposição de Arte Indígena Portuguesa, realizada no
Museu do Chiado em 193447
.
46
A Biblioteca -Museu Republica e Resistência têm promovido algumas iniciativas neste
domínio. Muito marcadas pela memória da guerra. Por exemplo, os retornados, os espoliados,
as gentes que apanhadas nas armadilhas da história saíram, apressadamente dos territórios
africanos e regressaram ao continente, que a maioria não conhecia sequer, só agora começam a
escrever as suas memórias. Foram, tanto quanto se sabe 500.000 cidadãos. Em lado nenhum se
falou dessa memória. É chato que este discurso seja de direita. Mas essa gente têm memórias e a
sua vinda de África foi uma lufada de ar fresco na cinzenta sociedade caetanista. Mesmo que em
euforia revolucionária de cravo ao peito e cooperativa formada e comissão de moradores
reivindicativa. Não há memória institucionalizada. Será um sinal do afastamento do museu da
realidade? Ou será que a realidade não cabe no museu? 47
Não pretendemos com isto afirmar que este é um momento fundador. Não fizemos nenhuma
pesquisa que nos permita afirmar que a partir daqui as coisas foram diferentes. O que nós
colocamos é que nesta exposição o objecto africano á apresentado de forma racional, e não
como exótico. Não sabemos quando isso aconteceu. O que afirmamos apenas é que este modo
Ilustração 43- Ilustração de Almada Negreiros para exposição em 1934
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39 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
A questão da exigência duma Arte Negra era então colocada por Diogo de Macedo:
“Acreditam numa arte negra – passe o barbarismo linguístico – no senso plástico e na
espontaneidade criadora de uma arte gentílica”48
. Macedo reconhece que ela representa
uma visão do africano, do seu cosmos. Não se filia na herança clássica, mas reconhece
que é arte. Há no entanto uma valoração quando diz “ela vive ainda na idade pura da
alma humana” (op cit 2) Este estatuto de primitividade no entanto prevê que ela cresça.
“assistirão ainda os vindouros – no movimento sucessivo do progresso desta arte, na
acção transformadora do seu fundo religioso – ao nascimento da futura Vénus
Equatorial, surgindo da policromada concha, cinzelada do mundo dos silêncios da alma
negra, sob o doce embalo do rumor de pétalas de flores exóticas, na madrugada de
ébano do tormentoso continente negro? “(op cit).
São sem dúvidas baseada em juízos de
valor que não reconhece a plenitude do
objecto. Ao estabelecer a classificação de
primitiva e ao considerar que a sua
evolução natural, permitirá, no quadro da
civilização (que naturalmente os
europeus lhe levarão) ascender a um
estatuto de maioridade. “Cumpre, aos
homens de pensamento e de cultura,
incitá-la, ajuda-la, observando-a, estudando-a por um elevado e imparcial critério de
arte.” (op cit ,3) .
O objectivo da exposição, ao recolher várias peças que se
encontravam dispersas por várias colecções, publica e privadas, era
mostrar os méritos plásticos49
das colecções. Ao revelar a arte
indígena, ao revelar a capacidade de criação das populações dos
territórios estavam, no pensamento do autor, a revelar a afirmação
dos povos “sob a égide lusitana” que forma um vasto e rico
património. É portanto um discurso motivado por um pensamento
colonial. Mas dele emerge a individualidade. É certo que ao colocar a
paternidade na lusitanidade entra em contradição com a valoração
primitiva que antes lhe havia atribuído. Mas apesar de tudo, ao
abordar a sua identidade está a assumir a consciência estética,
portanto a conferir autonomia, que nos museus de etnologia não
tinham.
de apresentação é diferente do que se fazia até ao momento. E ao revelar a arte revela-se
também a humanidade. 48
MONTALVOR, Diogo de Macedo (1934): Arte Indígena Portuguesa, Lisboa, Museu
Nacional de Arte Contemporânea, pag, 1 49
A exposição terá decorrido após um conjunto de artigos sobre arte africana que Domingos de
Macedo publicou, na época no boletim “O Mundo Português”.
Ilustração 44- Paça de escultura da exposição de 1934
Ilustração 45 - Paça Escultura africana
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40 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
A curiosidade do discurso está também nas influências da sua inspiração. Ao longo do
texto surgem bastas referências à crítica de arte francesa. A autores que em França se
dedicam ao estudo da arte africana. A influência pela análise estética vem portanto
destas leituras do universo da arte, sobre o qual é colocado o discurso colonial e
nacionalista. Por exemplo, ao abordar as críticas de André Damaison50
que afirmava, a
propósito das máscaras dos pescadores das ilhas Bijagós51
que esta influencia teria sido
para lá levada pelos marinheiros portugueses, e que isso seria uma reelaboração das
imagens fantásticas das proas dos navios e dos objectos trazidos do Oriente. Sobre isto
afirma Diogo de Macedo:
“ Mas que essa arte de cá tenha sido levada é um erro: primeiro porque todos os povos
têm os dons instintivos de arte, e os de África tanto ou mais dos que os outros. Depois
se algumas reminiscências têm, são do Egipto, trazidas pelas emigrações árabes, que
bateram parte da Costa Ocidental; além disso pouco espírito das civilizações orientais
se topa nas populações da Senagâmbia, embora apareça noutras províncias africanas;
e acresce ainda, que as resoluções técnicas da composição são contrárias à nossa arte
de velhas eras, em que a singeleza, embora barbara de aspecto, era profundamente
espiritual, o que não se vislumbra na escultura de ali.” (op.cit ,8)
Esta análise, para além de exaustiva e rigorosa, porque se preocupa com várias níveis de
argumentação desmontando-os com sapiência, mobilizando a racionalidade, não deixa
de reflectir um debata que se fazia, ao tempo na sociedade. O de
conferir a capacidade artística às culturas africanas. Recorde-se a
propósito que nos antigos debates que legitimavam a escravatura, era
precisamente a identificação, por parte da igreja, se os povos africanos
tinham alma. O estatuto de alma era o conferia a direito da
humanidade. A sua não existência aproximava-os da animalidade,
legitimando portanto a condição de escravo52
. Ora o reconhecimento
da capacidade das culturas africanas, dos africanos indígenas
produzirem arte, uma arte que brota da sua essência, significa o
reconhecimento duma identidade. Uma identidade que a ideologia
colonial recusa, porque a legitimação do seu domínio sobre o outro se
baseia na recusa do seu reconhecimento e na afirmação do acto
civilizador, o acto de fazer elevar o homem à sua condição de
membro da humanidade. Se ele tiver arte, porquê a necessidade de o
civilizar?
Voltando ao trabalho de Diogo de Macedo, para justificar plenamente a exposição,
depois de ter desmontado os argumentos sobre “a condição artística” remata,
socorrendo-se mais uma vez do crítico de arte francês: “l’ art africain possède dês
qualitès plastiques, ornamentales et picturales justifian pour lui un range apurés dês arts
50
Crítico de Arte. O autor não refere a fonte. 51
No museu Afro-Brasil existe uma colecção destas máscaras 52
Vejam-se os trabalhos de Isabel Castro Henriques, Pássaro de Mel, Lisboa, Edições Colibri,
2003
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41 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
universeles” (op cit, 9)53
. E com estas palavras remata “Só por si, esta afirmativa saída
da pena de tão sábia competência justifica a publicação do presente volume, visto nós,
em Portugal, ainda o não termos reconhecido claramente, apesar de possuirmos
magníficas colecções, mas às quais ainda não pudemos dar a sua devida importância,
organizando-as num ordenado Museu, para que os incrédulos abdiquem do seu
negativismo doentio.” (op cit).
O autor prossegue o seu ensaio com varias reflexões sobre a estética da “arte primitiva”,
a sua grandiosidade devido à sua simplicidade, á sua proximidade em relação à emoção
mais simples, desprovida de intenções comerciais. Por exemplo a certa altura escreve
sobre as condições de produção dos vários objectos. Por exemplo, em relação à
colecção de mascaras revela o seu contexto de uso e significado, que demonstra uma
capacidade de leitura do objecto e do seu contexto de produção com um “olhar
antropológico”. Refere igualmente os debates
entre os pintores de vanguarda, sobre a
identidade da arte negra.54
, o modo de como os
objectos africanos passaram de exóticos a
objectos de arte. Explora
ainda a diversidade regional
dos objectos. Por exemplo a
propósito dos Macondes de Moçambique diz: “
Os Macondes, que furam os beiços e as narina
para lhe introduzirem rodelas ou angreis de
madeira, assim como os Macuas do Niassa e de
Inhambane, tatuados a fogo, da nuca até ao umbigo, fatalmente produzem uma arte mais
vigorosa e inculta do que os negros de Lourenço Marques, onde a civilização lhes
simplificou o gosto, tornando mais decorativas todas as suas concepções” (op cit 22).
53
Mais uma vez a citação não apresenta a fonte. 54
Recorde-se que Picasso, Matisse e Modigliani exploraram a estética africana no âmbito dos
seus estudos e trabalhos pictóricos
Ilustração 46Escultura africana
Ilustração 47 -Representação de Moçambique na Exposição colonial em 1934
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42 UNIVERSIDADE LUSOFONA DE HUMANIDADES E TECNOLOGIAS-DOUTORAMENTO EM MUSEOLOGIA
Mais à frente, a propósito dos objectos de Moçambique vai reconhecer outras
influências culturais que marca a produção de objectos, acabando por reconhecer
implicitamente que a arte não é só”primitiva”. “Antes de ali chegar a civilização
portuguesa (…) também a Ásia lá levou as suas fortes
influências, em vários períodos de invasão, deixando
hábitos nos negros e amostras de gosto exuberante, que
explicam certos costumes que aos europeus tanto
pasmos ainda causam. “(in idem) E depois explica o
maravilhoso deste contacto. Até aí, a sua reflexão tinha-
se cingido aos objectos de madeira “A arte gentílica de
que até aqui nos têm ocupado, (…) pode dizer-se que
pertence à idade da madeira. A sua catedral A sua
razão, a sua oficina e é a floresta”.(op. cit 23). Reconhece que em certas condições são
utilizados outros materiais. N país dos Gibini o bronze (saliente-se a importância do
trabalho com os metais que implica domínio tecnológico). Das estatuetas de Marfim do
Benim (que o autor salienta a influencia portuguesa por via da Índia), a propósito dos
altos-relevos da Nigéria diz a certa altura “Em Portugal só conhecemos os da sociedade
de Geografia que o Estado devia adquirir para expos no museu das Janela
Verdes.”(op.cit. 23)
Não vamos prosseguir análise desde discurso, não que não tenha interesse, mas apenas
porque no âmbito deste nosso pequeno exercício, já dispomos dos
elementos que necessitamos para concluir. Para lá das questões e
preconceitos sobre a “arte negra”, é indubitável que aqui se opera
uma transformação no modo de apresentação do objecto africano.
Até aqui ele surge em contexto duma museologia etnológica, como
um exemplo de curiosidade sobre povos primitivos e exóticos. Uma
memória dum passado também idêntico ao nosso, estando implícito
que existe uma linha evolucionista da primitivo para a civilização.
Para além disso, todos os objectos são colocados museu como
troféus, como saque, como memórias de viagens por europeus. Os
produtores desses objectos não são chamados à musealização55
. A
sua entrada nos museus de arte representa uma autonomia em
relação ao exótico que permite que o objecto possa ser admirado como expressão da
criação. Por outro lado, esse objecto, enquanto objecto de arte, num museu permite
também que ele se constitua como uma Janela para o contexto cultural da comunidade
que o produziu, por uma operação de contextualização.
55
Eu sei que ainda não havia “nova museologia”, e provavelmente os objectos etnológicos das
culturas camponesas europeias arcaicas, nos museus da época, também não são mediados pela
comunidade. No entanto não me parece incorrecta esta observação, na medida em que ele retrata
um modo de expor, em que o que é relevante é a diferença e não a identidade do objecto. Não há
a preocupação de incorporar o contexto social e cultural. Essa “técnica” é uma aquisição
consciente da museologia contemporânea
Ilustração 48 - "Pretas da Guiné" com seios descobertos, Exposição Colonial 1934
Ilustração 49 - Fotografia de Mãe africana, apresentasda por Leite de Vasconcelos
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É essa operação que irá permitir a modernização do discurso expográfico
no museu de Etnologia anos mais tarde. É essa consciência do outro que
permite Veiga de Oliveira expressar a busca da estética e da representação
dessa estética.
De Leite de Vasconcelos e da sua secção colonial no Museu Nacional de
Etnologia, que como vimos acima nunca foi desenvolvida, em 1929
escrevia seguintes palavras no Boletim de Etnografia. “Quando Regi, na
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a cadeira de Arqueologia,
costumava às vezes, para explicar objectos pré-históricos ou proto-
históricos, mostrar objectos similares usados por selvagens, ou
reproduções: método etnográfico. Adiante se publicam algumas destas”
(Boletim de Etnografia, nº 4, 1929, p 21),
Trinta anos Depois Jorge Dias e Veiga de Oliveira organizam no então Museu de
Etnologia do Ultramar, uma exposição sobre os Macondes (1959). Objectos esses que
em 1968 integrarão a Exposição de Escultura Africana 56
, mais tarde, já em 1985
rotulada “Escultura Africana em Portugal” 57
. E ainda mais
tarde, em 1992 a Exposição África coordenada por Jill
Dias e patrocinada pela Comissão Nacional dos
Descobrimentos Portugueses58
, são os mesmos objectos
que viajam no tempo.
São olhares e discursos expográficos ainda herdeiros do
objecto e da sua condição colonial. Há sem dúvida uma
modernização do processo expositivo. Há sem dúvida uma
intenção reforçada de contextualizar os objectos. A
tentativa de abordar os objectos com novos olhares. Mas
será que esses objectos são apresentados como nossos,
apropriados pela comunidade, ou ainda são objectos dos
outros.
Mas parece-nos que a museologia da cidade ainda não produziu um processo
museológico sobre a sua herança africana. Nem no campo da arte, nem no campo da
história, nem no campo da antropologia. A Existe uma incapacidade dos museólogos de
incorporarem a diferença. Não estamos a reconhecer a herança africana, não estamos a
mobilizar essa herança para o desenvolvimento da nossa cidade. E aqui, pensamos, que
a museologia, a sociomuseologia tem um campo para trabalhar em ambiente urbano.
56
Escultura Africana no Museu de Etnologia do Ultramar Lisboa, Junta de Investigação do
Ultramar, 1968. 57
Escultura Africana em Portugal, Lisboa, Museus e Etnologia do Instituto de Investigação
Científica Tropical, 1985 58
África – Exposição no Museu Nacional de Etnologia, Lisboa, Comissão Nacional para as
Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1992
Ilustração 50 - Icone Maconde em desenho de Leite de Vasconcelos
Ilustração 51 - Escultura Maconde em Madeira do Museu de Etnologia, recolhida por Jorge Dias
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Cegados aqui, mesmo perante as insuficiências do discurso demonstrativo, porque este
não é o objectivo do trabalho, somos obrigados a
concluir que, sendo a museologia uma ciência de
acção, sendo um museólogo um mediador de
processos de desenvolvimento da comunidade, não
poderia deixar de concluir que esta constatação, da não
resolução da herança africana se deveria desenvolver
como um processo museológico em contexto urbano.
Que nele deveriam ser mobilizadas as comunidades
africanas, as memórias africanas. As memórias dos
africanos e dos europeus. Não como uma exposição exuberante, que poderia também
ser, mas um museu ao serviço da comunidade, alocando essa memória para desenvolver
a herança e satisfazer as necessidades da comunidade urbana. Essa seriam um tema para
outro trabalho.
Ilustração 52 - Imagens dos Africanos pelos Portugueses, publicado por Alfredo Margarido
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3 Resultados Provisórios do Roteiro
Aqui chegados importa concluir provisoriamente este roteiro. Passamos em revista os
vários módulos. Digitalizamos os nossos apontamentos, incorporamos os vários
materiais distribuídos ao longo dos seminários e trabalhamos sobre a bibliografia
distribuída. Fizemo-lo em relação a cada módulo atribuindo a cada professor uma
individualidade. Não que essa organização modular tenha algum significado específico,
mas porque nos parece relevante trabalhar cada um dos professores a partir do seu
contributo para a museologia. Sabemos que isso não esgota a teoria museológica, nem a
sua diversidade. Parece-nos contudo que foi um exercício necessário para interiorizar
um conjunto de conceitos operatórios que irão ser mobilizados para o nosso trabalho.
Temos consciência que não fizemos nesse capítulo a síntese. Foi mais uma análise que
nos serviu para alavancar a síntese juntamente com as leituras
complementares. Temos consciência da nossa subversão à
estrutura do relatório. Mas como é um relatório curricular,
consideramos que era importante mostrar este nosso percurso.
De seguida mobilizamos as memórias das nossas viagens e
fizemos uma síntese dos utensílios metodológicos e conceptuais
aplicados. Considerando a museologia como uma ciência aplicada,
penso que a reflexão teórica tem que ser exercida em diálogo sobre
os processos museológicos. Assim procuramos construir uma
grelha de análise da presença do outro no âmbito de dois conjuntos
de processos museológicos. Um sobre os museus paulistas, outro
sobre os museus de Lisboa.
Não foi um processo de análise pela análise, mas sim um exercício de interrogação com
os olhos postos na nossa tese, a questionar como observamos o “lugar do outro no
museu”. As leituras que procuramos imprimir foram a de uma dinâmica de viagem,
onde à medida que vamos criando registos vamos fazendo as suas leituras. Estas leituras
são dialógicas, poderíamos dizer mesmo trialógicas. Registamos (a partir da
interrogação inicial), Reflectimos (mobilizamos a teoria e dialogamos com os teóricos)
e Relemos (re-interrogamos –como mobilizamos isto para criar cultura juntamente com
os outros ?) Essa vai constituir a nota da acção metodológica que vamos imprimir na
nossa tese. Isto é um relatório dum processo que terminamos a perguntar onde está a
herança africana nos museus de Lisboa.
Voltando às conclusões deste trabalho, não procuramos tanto fazer a história de cada
instituição, mas sim tentar compreender, dentro da cada instituição o lugar da herança
africana, o contexto da sua produção, os modos de incorporação dos objectos, o
inventário desses objectos. Paralelamente visitamos os sítios, falamos com pessoas, uns
responsáveis, outros funcionários. Viajamos umas vezes sozinhos, outras vezes
acompanhados. Umas vezes com adultos, outras com os meus filhos. Vale a pena aqui
Ilustração 53 - Capa de Publicação da CML em 2009- Peças da colecção doo Escultor José de Guimarães
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prestar tributo a Mário Chagas e ao Chapeuzinho Negro da formatura do seu filho. Este
olhar do outro que na sua simplicidade nos ajuda a entender o essencial do “outro como
heterónimo”.
Este exercício sobre os museus da cidade foi sendo construído ao longo deste processo.
Temos que prestar aqui tributo a Marcelo Cunha e ao exercício prático que propôs e que
nos fez interrogar o Museu da Cidade. Já prestamos tributo a Cristina Bruno e as suas
propostas de viagens museológica. E já agora a Mário Moutinho e à sua preocupação
coma Função Social e ao Museu como entidade prestadora de serviços. Essa Leitura
permitiu equacionar a interrogação sobre o serviço destes nossos museus urbanos á
comunidade. Maria Célia, e às suas propostas de educação
museológica como processos de comunicação e participação
comunitária levou-os a interrogar os serviços educativos, as
suas propostas e a reflectir sobre que possibilidades existem
de desenvolver acções em cada local em função de cada
comunidade. A Regina Abreu e Pierre Maryland ficamos
também tributários dos seus trabalhos sobre a sistematização
da construção da identidade e sobre a subversão como atitude
crítica.
Por fim a contribuição de Judite Primo com as suas análises
sobre as políticas culturais, emerge também o contributo para
uma reflexão sobre o local dou outro em contexto museológico, na desmontagem dos
discursos e na formulação duma metodologia activa de busca das identidades a partir da
comunidade. Mas essa é uma linha de reflexão mais conclusiva, a partir da qual se irá
construir um percurso teórico e conceptual na nossa tese, e por isso lá voltaremos, com
a consciência de que aqui ainda não chegamos lá. Mas o que fizemos, com o contributo
dessa abordagem serviu-nos para efectuar a análise crítica e transversal dos temas
abordados.
Essa viagem levou-nos a algumas constatações sobre a forma de evolução do lugar da
herança africana na narrativa museológica dos museus que visitamos. Não procuramos
com isso construir uma tese, mas sim instrumentos de trabalho. Os dados que
apresentamos não são por isso dados conclusivos, embora me parecem legítimos,
porque resultaram duma metodologia científica, rudimentar é certo, mas dentro dessa
rudeza do trabalho permite vislumbrar uma realidade e uma janela de oportunidade para
a acção museológica. A nossa proposta não é naturalmente para levar a sério, pelo
menos sem que o exercício científico seja efectuado de forma mais rigorosa e exaustiva.
Mas para os nossos objectivos, de criação duma grelha de análise pensamos que
resultou.
Paramos onde devíamos estar a começar. A partir daqui é necessário reformular a nossa
problemática e repensar as nossas metodologias. O trabalho que se segue é portanto
reformular o roteiro metodológico. Reconstrui-lo para partir.
Ilustração 54 - Capa da publicação de Isabel Castro Henriques, 2009
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Esta nossa viagem, neste momento é uma viagem experimental. O objecto de análise e
projecto museológico não são realizados sobre estes objectos. Nem tão pouco estes
serão os das metodologias. Mas é a partir de aqui que as vamos construir. Aqui
procuramos apenas testar instrumentos de análise da presença do outro numa cultura, e
de que forma essa cultura os incorporou. A tese vai trabalhar sobre contextos e
comunidades diferentes.
Portanto com outros instrumentos e outras
contribuições. A abordagem teórica terá que ser
reconstruída em função disso. No terreno, confrontando
a teoria com o real, olhando os museus africanos,
interrogando-os sobre a sua função social, olhando nos
rostos das gentes, perguntando-lhes pelas suas
memórias, olhando para as suas heranças, para os
modos de sociabilidade, procurando perceber como se
foram hibridizando. PERGUNTANDO-LHES SE ME
ACEITAM COMO MEDIADOR DUM PROCESSO
MUSEOLÓGICO E TRABALHANDO COM ELES PARA CONSTRIR UM FUTURO
DELES E MEU. Para isso terei que fazer outras viagens e mobilizar mais leituras,
outros saberes e mais técnicas.
Ilustração 55 - Kanimbanbo- um encontro por consciencializar na cultura portuguesa
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Volume (com bibliografia) 2ºVolme Anexos com recortes de imprensa
biografias sintéticas de artistas.
21. APPADURAI, Arjum (2004) : Dimensões Culturais da Globalização, Lisboa,
Teorema, 2004, 304 p.