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Anais Eletrônicos do IV EHECO, Campo Grande, MS, 2017, ISSN 22374310

HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESPECIAL DE MATO GROSSO DO SUL:

trajetórias normativas para o sistema estadual de ensino

Mariuza Aparecida Camillo Guimarães Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

E-mail: mariuza.guimarã[email protected]

Eliza Emilia Cesco Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

E-mail: [email protected] Resumo Em consonância com as normas nacionais, os conselhos estaduais de educação, investidos de suas funções normativa, consultiva e deliberativa e com base em fundamentos e princípios estabelecidos, normatizam para os seus respectivos sistemas de ensino, tendo em vista a sua realidade. O Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul, que nasceu em 1979, juntamente com a instalação do Estado, aprova, em março de 1982, a primeira norma referente à educação especial para o Sistema Estadual de Ensino de MS, que já contava com a Diretoria de Educação Especial, vinculada à estrutura da Secretaria Estadual de Educação, criada por força do Decreto 1.231, de 23 de setembro de 1981. Buscando refletir sobre o processo histórico da educação especial em Mato Grosso do Sul (MS), far-se-á o recorte a partir das normas aprovadas pelo Conselho Estadual Educação, no período de 1982 a 2016, sobre a temática em epígrafe. Nessa linha, o presente artigo trata da discussão dos conceitos e concepções presentes nas normas norteadoras da educação especial para o Sistema Estadual de Ensino do Mato Grosso do Sul, durante esse período: Deliberações do Conselho Estadual de Educação 261/1982; 4827/1997; 7828/2005, dentre outras, com vistas a explicitar a constituição da história da educação especial no Estado. Os dados foram coletados por meio de pesquisa documental e o modo de análise teve sustentação no referencial foucaultiano, que permite o entendimento da palavra em suas concepções e intencionalidades. As normas evidenciam a trajetória da educação especial demarcadas pelas abordagens médico-psicopedagógica, da integração e da inclusão, em conformidade com as políticas desenvolvidas em nível nacional em cada momento histórico. Palavras-chave: Educação Especial. Mato Grosso do Sul. Trajetória normativa. 1. Introdução

Este artigo é resultado de estudos desenvolvidos durante as pesquisas das autoras,

bem como, quando da preparação de material para ministração de aulas na graduação e

na pós-graduação lato sensu. Ressalta-se ainda que a experiência profissional como

docentes na educação superior e como conselheiras do Conselho Estadual de Educação

proporcionou não apenas estudar, mas compor comissões que deram origem às políticas

que ora são apontadas como constitutivas das políticas públicas em educação especial

desenvolvidas no Estado de Mato Grosso do Sul (MS) a partir de 1981.

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Pretende-se aqui discorrer sobre os processos que constituíram a história da

educação especial no MS e sobre o papel do Conselho Estadual de Educação na sua

normatização, desde os primeiros passos dados em 1981, no entendimento de que a Lei

n. 5692/1971, então vigente, atribuía aos conselhos de educação a regulamentação dos

serviços de atendimento educacional a pessoas com deficiência.

Nessa lógica, o Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul (CEE

MS), criado em 1979, juntamente com a instalação do Estado, aprovou normas

estabelecendo conceitos e concepções para a educação especial no Sistema Estadual de

Ensino do Mato Grosso do Sul, que serão aqui apresentadas juntamente com outros

documentos considerados relevantes para a compreensão do processo histórico em

epígrafe.

Os dados foram coletados por meio de pesquisa documental e o modo de análise

se dará a partir do referencial foucaultiano, que apresenta elementos que nos permitem o

entendimento da palavra em suas concepções e intencionalidades. As normas emanadas

do CEE MS evidenciam a trajetória da educação especial, demarcadas que são pelas

abordagens médico-psicopedagógica, da integração e da inclusão, respectivamente, em

conformidade com as políticas desenvolvidas em nível nacional em cada um dos

momentos históricos tratados neste texto.

2. Para começo de conversa: a implantação do Estado de Mato Grosso do Sul

A divisão do Estado de Mato Grosso, sonho antigo das lideranças políticas e

econômicas que viviam no sul do Estado, tornou-se realidade, por meio da Lei

Complementar n. 31, em 11 de outubro de 1977, com a instalação do governo do novo

estado – Mato Grosso do Sul, em 1º de janeiro de 1979.

A criação do Estado ensejou a instalação de instâncias administrativas, dentre

elas a denominada Fundação de Educaçãoi que contava em sua estrutura com a

Coordenadoria Geral de Educação e nela uma Equipe de Educação Especial, oriunda do

Mato Grosso uno. Existiam, nesse momento, algumas instituições especializadas já

instaladas no então novo estado, Mato Grosso do Sul: Instituto Sul-Mato-Grossense para

Cegos Florivaldo Vargas-ISMAC (1957), as APAES de Campo Grande (1967) Dourados

(1973) Corumbá (1971), Três Lagoas (1975) e Naviraí (1977) e a Sociedade Pestalozzi

de Campo Grande, em 1979.

No âmbito do serviço público, Guimarães (2001) aponta que no período da

criação da Estado existia um serviço de educação especial, cuja responsável era a

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professora Alzira da Silva Andrade, que contava com 33 classes especiais para Deficiência Mental

Educável - DME e 2 classes especiais para Deficiência Auditiva - DA).

Importante ressaltar que, no período da criação do Estado de Mato Grosso do Sul,

o Brasil estava sob a vigência da Lei 5692, de 11 de agosto de 1971 (BRASIL, 1971, p.

5), que, a exemplo da Lei De Diretrizes e Bases da Educação, Lei 4024/1961, por ela

alterada, trazia dispositivos de regulação para o atendimento educacional das pessoas com

deficiência.

Na vigência das respectivas LDBs, atribuía-se aos Conselhos de Educação em

âmbito estadual a responsabilidade do cumprimento a esse dispositivo da Lei. O primeiro

marco, em nível nacional, deu-se com a criação, em 1973, do Centro Nacional de

Educação Especial (CENESP), órgão do Ministério da Educação, que visava expandir a

política da educação especial como uma ação de Estado, posto que, até este momento, a

maior demanda vinha sendo atendida por instituições especializadas, que tiveram papel

fundamental na atuação dos governos, quando da realização de atividades isoladas na

primeira metade do Século XX. (GUIMARÃES, 2005).

Bueno (1993) reforça o papel das instituições especializadas nas ações que

culminam na constituição de um Grupo Tarefa, por meio da Portaria n.86/1971 do

Ministério da Educação, à época, para pensar políticas mais abrangentes que as

campanhas e outras ações isoladas desenvolvidas no período. O trabalho deste Grupo

Tarefa indicou para a instituição de um órgão próprio, com vistas a desenvolver uma

política pública nacional, o que foi contemplado pelo Decreto n.72.425/1973, que criou

o CENESP.

Da mesma forma, Mato Grosso do Sul procedeu para a criação de uma estrutura

de educação especial no âmbito da Fundação de Educação. À época, vinham sendo

realizadas algumas discussões, em razão da determinação da ONU, em 1976, de que 1981

seria o Ano Internacional da Pessoa com Deficiência. O que foi retomado em 1980: 1981

seria apenas o marco inicial de um trabalho em prol da pessoa com deficiência, que teria

prosseguimento durante toda a década. Cada Estado Membro deveria compor uma

Comissão para elaborar um Plano de Ação de longo prazo.

2.1 Continuando: a educação especial no contexto do novo Estado

Na linha da valorização da pessoa com deficiência proclamada pela ONU, em

10 de março de 1981 o Governo de MS promoveu, no Teatro Glauce Rocha, solenidade

de abertura do Ano Internacional das Pessoas Deficientes (sic) no Estado, cuja sessão foi

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presidida pela primeira dama do Estado e Coordenadora da Fundação de Assistência

Social de Mato Grosso do Sul (FASUL), Sra. Maria Aparecida Pedrossian, que se

pronunciou na abertura, conclamando a sociedade sul-mato-grossense a assumir a tarefa

de acolhimento às pessoas com deficiência. Esse pronunciamento e uma mensagem do

Governador Pedro Pedrossian referente ao evento foram publicados no Diário Oficial de

Mato Grosso do Sul. Ainda, nesse mesmo Diário Oficial, foi publicada ordem do

Governador para que as obras públicas no âmbito do Estado, em execução ou a serem

executadas contassem com rampas de acesso para pessoas com deficiência. (MATO

GROSSO DO SUL, 1981)ii.

A citada manifestação da então primeira dama indica, ainda, a proposição

governamental de criação de cinco (5) centros de atendimento às pessoas com deficiência,

em Campo Grande, Dourados, Corumbá, Três Lagoas e Ponta Porã com vistas à

reabilitação. Os termos utilizados no âmbito do Governo, à época, refletia a concepção

assistencialista que norteava este trabalho no Brasil, que visava à “recuperação de

deficientes” e à preparação para o ingresso em atividades produtivas com o objetivo de

“promovê-los socialmente”.

Apesar do caráter assistencialista evidenciado, o envolvimento do poder público

foi determinante para a implementação de ações na área educacional para atendimento

das pessoas com deficiência.

Merece destaque o significativo papel na articulação com o poder público, que

exerceu o médico psiquiatra Dr. Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior, à época, professor

da Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso (FUCMAT), hoje, Universidade

Católica Dom Bosco (UCDB) e Conselheiro do Conselho Estadual de Educação.

Enquanto docente da FUCMAT, ele organizara, em 1980, um grupo de estudos com o

objetivo de desenvolver estudos sobre os diversos níveis de prevenção dos problemas de

aprendizagem do escolar, cujos resultados foram levados ao Governo e culminou na

instituição de um Grupo de Trabalho para apresentação de uma proposta de política

pública para o Estado.

A oficialização do Grupo de Trabalho pelo Governo do Estado se deu por meio

do Decreto 915/81, de 24 de fevereiro de 1981, com o objetivo de propor a estruturação

de um sistema de educação especial no âmbito da Fundação de Educação que tivessem

como finalidades o planejamento e a elaboração de programas de atendimento às pessoas

com deficiências. O citado Decreto determinava, ainda, que o relatório deveria ser

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finalizado em 60 (sessenta) dias e ser entregue ao Conselho Estadual de Educação a quem

cabia a regulamentação das políticas de educação especial. (MATO GROSSO DO SUL,

1981)

O Grupo de Trabalho foi composto por Secretários Adjuntos de Educação, de

Saúde e de Desenvolvimento Social, representantes do CEE, representante da Equipe de

Educação Especial da Secretaria de Educação e representante da FUCMAT. (MATO

GROSSO DO SUL, 1981):

O Dr. Luiz Salvador de Miranda Sá Júnior, coordenador do Grupo de estudos que

deu origem ao Grupo de Trabalho e um dos representantes do CEE/MS presidiu os

trabalhos. A conclusão dos estudos do Grupo de Trabalho instituído pelo Decreto

915/1981, apontou para a criação da Diretoria de Educação Especial em MS, vinculada à

Coordenadoria Geral de Educação, o que se deu por meio do Decreto 1.231, de 23 de 23

de setembro de 1981, (DO 678, de 24/9/1981), que tratou das competências da Secretaria

de Educação e de sua estrutura básica. (MATO GROSSO DO SUL, 1981).

Segundo Guimarães (2001, p. 32), a Diretoria de Educação Especial, no âmbito

da Secretaria de Educação “[...] tinha como objetivo a implementação da política de

Educação Especial no Estado de Mato Grosso do Sul e, como princípios norteadores,

aqueles estabelecidos pelo CENESP/MEC”, que já vinham sendo desenvolvidos em

alguns estados.

No período em que os estudos do Grupo de Trabalho se desenvolviam, um grupo

de profissionais de MS das áreas da educação, da saúde e da assistência foram

selecionados para a realização de estágio no Centro de Orientação Médico

Psicopedagógica (COMPP/FHDF) e demais serviços de educação especial do Sistema de

Ensino do Distrito Federal, entre 22 de abril de 1981 a 14 de maio de 1981, com vistas à

criação e implantação de serviços similares em nosso Estado.

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Como resultado desse processo, em 1982, foi aprovada, pelo CEE MS, a primeira

norma de educação especial no âmbito do Sistema Estadual de Ensino, Deliberação

CEE/MS n° 261, de 26 de março de 1982, publicada no DO de 12 de abril de 1982, e

implantado, em Campo Grande, o Centro Regional de Assistência Médico

Psicopedagógica e Social (CRAMPS), previsto como uma das modalidades de serviços

de educação especial na Deliberação. (MATO GROSSO DO SUL, 1982)

A Deliberação CEE/MS 261/1982 foi embasada na abordagem médico-

psicopedagógica, que era a tendência norteadora da educação especial no Brasil neste

momento histórico, a partir da grande influência que a medicina exerceu na educação de

pessoas com deficiência.

A citada Deliberação traz termos como: cliente, excepcional, deficiente mental

educável, treinável e dependente, oligofrenia, que designam o modelo norteador,

indicando seu distanciamento de um processo pedagógico, mas evidencia também uma

intencionalidade de buscá-lo, tendo em vista que o Sistema Estadual de Ensino aponta

para um atendimento educacional.

Essa norma indicava como serviços para o atendimento às pessoas com

deficiência: Classe comum com consultoria, Sala de Recursos, Classe Especial, Escola

Especial, Oficina Pedagógica, Oficina Protegida, Ensino Itinerante, Centros Regionais de

Assistência Médico, Pedagógica e Social (CRAMPS). Com relação às pessoas com altas

habilidades previa a definição de normas próprias.

Da proposição original, de 1981, apenas o CRAMPS de Campo Grande foi

implementado, em 1982. Dispunha de eletroencefalógrafo e audiômetro e contava com

equipe multidisciplinar, com a presença de pedagogos, professores, psicólogos,

fonoaudiólogo, assistente social, e médicos, que realizava o processo de identificação das

condições dos alunos e os encaminhamentos devidos para a consecução dos objetivos

previstos pela política de educação especial vigente.

As classes especiais e salas de recursos foram sendo expandidas, a partir dos

encaminhamentos do CRAMPS. No interior, o serviço de educação especial se manteve

com a ampliação de classes especiais e oficinas pedagógicas. Cesco (2001) afirma que os

técnicos do CRAMPS, juntamente com os da Diretoria de Educação Especial, atuavam, ainda,

na articulação de parcerias com serviços de outros órgãos e instituições das comunidades, que

pudessem apoiar a ação pedagógica com aqueles alunos identificados.

Os demais serviços indicados na norma contavam também com o apoio do

CRAMPS, mas evidenciavam um momento de transição para a integração que vinha

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sendo discutida nas políticas internacionais, nos anos 1970, nos Estados Unidos e na

Europa, a partir do movimento denominado “mainstreaming” e das definições do

Relatório Warnock. (GUIMARÃES, 2012). Tais serviços foram oficializados na forma

de política pública, apenas em 1994, com a definição pelo MEC da Política Nacional de

Educação Especial (BRASIL, 1994).

Com a aprovação da Constituição Federal de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional (LDB), Lei n. 9394/1996, o Conselho Estadual de Educação de Mato

Grosso do Sul concluiu sobre a necessidade de nova norma sobre a educação especial. A

Deliberação CEE/MS 4827/1997 foi aprovada em 2 (dois) de outubro de 1997 e publicada

no Diário Oficial de Mato Grosso do Sul, n. 4649 de 7 (sete) de novembro de 1997.

(MATO GROSSO DO SUL, 1997).

A norma trouxe novos elementos terminológicos voltados a processos

educacionais, mais de acordo com o momento histórico, tais como, “alunos que

apresentam necessidades especiais” para designar o alunado da educação especial, o que

significou um avanço em relação à LDB n. 9394/1996, que designava como “educandos

portadores de necessidades especiais”. Mas, no decorrer da norma, mantém o termo

“portadores”, que à época já vinha sendo criticado por pesquisadores.

A Deliberação CEE MS 4827/1997 apresentou como serviços a Classe do Ensino

Regular, Classe Especial, Escola Especial, Centro Integrado de Educação Especial,

Oficina Pedagógica, Unidade Interdisciplinar de Apoio Psicopedagógico (UIAP), Sala de

Recurso, dando um passo mais sólido com relação ao modelo da integração, que já era

oficial no Brasil, haja vista a Política Nacional de Educação Especial de 1994, então

vigente.

A Deliberação em epígrafe inova ao definir número de alunos para compor salas

de recursos e classes comuns, dando ênfase ao atendimento educacional em escolas

comuns, trazendo um novo elemento determinante dentro da nova concepção: a educação

escolar deste alunado como responsabilidade direta do Estado. Entretanto, as instituições

especializadas ainda têm lugar na norma que define os critérios para o seu credenciamento

e a autorização de oferta de escolarização.

Observa-se que a norma mantém as Unidades Interdisciplinares de Apoio

Psicopedagógico criadas em 1991, entretanto, dá destaque ao Centro Integrado de

Educação Especial (CIEEsp), aprovado por meio do Decreto nº 8.782 de 12 de março de

1997. Apesar da lógica da centralização nesse momento, as UIAPs foram mantidas no

interior. (GUIMARÃES, 2015).

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As políticas públicas em educação especial se caracterizam por esse movimento

de tomadas e retomadas de concepção. Em MS, não é diferente; ainda que se mantivessem

as UIAPs no interior e outros serviços, o entendimento preponderante era o de que as

proposições pedagógicas sem o apoio terapêutico não resultavam em sucesso no processo

de escolarização aos alunos com deficiências.

Essa modalidade de atendimento perdurou nos anos de 1997 e 1998, quando

houve uma nova mudança na forma de organização da educação especial com a extinção

do Centro Integrado de Educação Especial e a criação das Unidades de Apoio à Inclusão

dos Portadores de Necessidades Especiais, criadas por meio do Decreto n. 9404 de 11 de

março de 1999. (MATO GROSSO DO SUL, 1999).

Na oportunidade, foram criadas as Unidades de Apoio à Inclusão dos Portadores

de Necessidades Especiais, nos 77 (setenta e sete) municípios do Estado, com o objetivo

de ofertar serviços de educação especial e garantir a descentralização dos atendimentos

aos alunos com deficiência, condutas típicas e altas habilidades, definidos como público

para a educação especial naquele período.

Em atendimento à normatização emanada do Conselho Nacional de Educação em

2001, Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, estabelecidas

por meio do Parecer CNE CEB 17/2001 (BRASIL, 2001a) e instituídas pela Resolução

CNE CEB 2/2001 (BRASIL, 2001b), o Sistema Estadual de Ensino do Mato Grosso do

Sul, aprovou a Deliberação CEE/MS 7828, em 30 de maio de 2005, que dispõe sobre a

educação escolar de alunos com necessidades educacionais especiais no Sistema Estadual

de Ensino. (MATO GROSSO DO SUL, 2005).

Essa norma, ainda hoje em vigência, trouxe a percepção da necessidade de

construção de uma política de inclusão, mas teve o cuidado de manter os serviços

específicos de educação como classes e escolas especiais, no entendimento de que não se

pode determinar uma inclusão radical, sendo um modelo a ser implementado

gradativamente. (MATO GROSSO DO SUL, 2005).

O processo de elaboração dessa norma, durante os anos de 2002, 2003 e 2004, foi

conduzido por Comissão própria do CEE MS e envolveu os segmentos da sociedade civil

organizada: Fórum Permanente de Educação; representações de movimentos de pais e

de pessoas com deficiência; escolas comuns e especiais, organizações governamentais e

não governamentais, universidades, sindicatos de trabalhadores e patronal da área da

educação. Foram realizadas Audiências Públicas e diversas reuniões com a participação

desses segmentos e, ainda, do Ministério Público Estadual e Assembleia Legislativa.

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A citada norma estabelece como serviços de educação especial para o Sistema

de Ensino de Mato Grosso do Sul em escolas comuns: nas classes comuns; em classes

especiais (em caráter extraordinário e transitório); em ambiente hospitalar e em ambiente

domiciliar; e sala de recursos (caráter transitório para o aluno incluído na classe comum

em turno diferente dessa).

Para acompanhamento da implementação desta norma e das demais políticas de

educação especial, o CEE/MS criou, em 22 de março de 2005, a Comissão Permanente

de Acompanhamento e de Proposição de Normas de Educação Especial com

representação da sociedade civil e do governo, vigente até os dias atuais.

Dos estudos dessa Comissão e das necessidades do Sistema Estadual de Ensino

foram, ainda, apresentadas e aprovadas pelo pleno do CEE/MS as normas: Deliberação

CEE 9367, de 27 de setembro de 2010, que dispõe sobre o Atendimento Educacional

Especializado na educação básica, modalidade educação especial, no Sistema Estadual

de Ensino de MS (MATO GROSSO DO SUL, 2010); Parecer Orientativo CEE/MS n°

56, de 21 de fevereiro de 2013, sobre a organização curricular do ensino fundamental nas

escolas especiais do Sistema Estadual de Ensino de MS (MATO GROSSO DO SUL,

2013a); Parecer Orientativo n° 308, de 4 de outubro de 2013 – sobre o atendimento

escolar de jovens e adultos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e

altas habilidades ou superdotação nas escolas do Sistema Estadual de MS (MATO

GROSSO DO SUL, 2013b).

3. A título de análise e Considerações Finais

Como se pode observar, a organização das diversas estruturas de educação

especial no Estado de Mato Grosso do Sul espelha as concepções presentes nas relações

saber/poder que regem a governamentalidade. É preciso que se criem culturas, o que se

dá, segundo Foucault (2000, p. 32), por meio do campo judiciário: “O sistema do direito e

o campo judiciário são o veículo permanente de relações de dominação, de técnicas de

sujeição polimorfas [...]”, que promovem a normalização dos processos sociais.

Estes processos não causam estranhamento, mas constituem-se no poder político

que rege a sociedade e que norteia o direito e, neste caso, falamos do direito à educação,

presente na Constituição Federal de 1988, na LDB n. 9394/1996 e em todo o aparato

jurídico que trata do tema.

No campo de estudo das políticas públicas em educação especial, ouve-se de

pesquisadores que o aparato jurídico brasileiro é avançado com relação a outros países;

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entretanto, o que não se pode permitir é que se transformem em mero discurso,

desobrigador de práticas sociais efetivas que signifiquem a garantia do direito.

Nessa linha, a discussão dos modelos a serem utilizados na área da educação tem

suscitado, no cenário nacional, interpretações díspares da legislação, especialmente no

que diz respeito à escola inclusiva, que nos últimos períodos, materializaram-se em

disputas, conflitos e enfrentamentos de grupos, que atuavam principalmente no sentido

de coibir/permitir a continuidade de escolas e classes especiais.

Em Mato Grosso do Sul, os conflitos ultrapassaram a discussão do modelo e se

ativeram nas mudanças de governo, indicando a sua constituição, mais como política de

Governo do que como política de Estado, incluindo, muitas vezes, alterações de estrutura,

que contrariam normas vigentes do Sistema. Essa questão sinaliza para um conflito no

exercício de atribuições entre o Conselho Estadual de Educação e o órgão executivo do

Sistema, disciplinadas na Constituição Estadual de 1989 e na Lei 2.787/2003.

Ainda que o Conselho Estadual de Educação tenha um vínculo administrativo

com o órgão executivo do Sistema, sua autonomia, inerente à sua natureza, enquanto

órgão de Estado, deve ser resguardada, assim como, nessa mesma lógica, devem ser

respeitadas as competências específicas do órgão executivo do Sistema.

Nesse entendimento, a Del. 7828/2005 regulamenta apenas os serviços a serem

ofertados pelas escolas que estão submetidas ao Sistema Estadual de Ensino, eximindo-

se de intervir na forma de organização da Secretaria de Educação do Estado. Apesar disto,

ainda é possível observar as rupturas e a ausência de uma avaliação que reúna a sociedade

civil, técnicos e pesquisadores para pensar os serviços de educação especial de forma a

implementá-los de acordo com as necessidades das pessoas que deles são usuárias e não

de acordo com o projeto de cada governo.

Estas problemáticas apenas serão resolvidas quando a educação atingir um

patamar de autonomia e de gestão democrática, em que a participação seja parte

integrante de sua organização, de forma a que se possa sair desse círculo vicioso de

rupturas abruptas nos serviços públicos ofertados a população, pois o alcance das

dificuldades de cada ser humano só pode ser apontada por ele mesmo.

Referências BRASIL. Lei nº 5692/1971. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5692.htm> Acesso em: 11 de out. de 2017

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i Ver <http://www.spdo.ms.gov.br/diariodoe/Index/Download/DO1_01_01_1979>Acesso em: 15 out.

2017.

ii Ver Diário Oficial do Estado de Mato Grosso do Sul n. 544 de 13 de março de 1981. Disponível em: <http://www.spdo.ms.gov.br/diariodoe/Index/Download/DO544_11_03_1981>. Acesso em: 11 out. 2017.


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