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BRASITEIRAS
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A Historia dasConstituig6es
Brasileiras
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A Historia das
Constituiq6es
Brasileiras200 anos de luta contra o arbitrio
Marco Antonio Villa
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Copyright @ 201I, Marco Antonio Villa
Diretor editorial Pascoal Soto
Coordenagdo editorial Taini Bispo
Produqio editorial Fernanda Ohosaku
PreparaQao de textos Iraci Miyuki KishiRevisio de textos Mercia Menin
Projeto grdfico e diagramagao A2Pesquisa iconogrdfica: Sdnia OddiTratamento de imagens: Pix Art
Dados internacionais de catalogaqio na publicaeao (ClP)
(C6mara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Villa, Marco AntonioA hist6ria das constituiqoes brasileiras / Marco
Antonio Villa. -- Sdo Paulo : Leya,201l.
Bibliografia
rsBN 978-85-8044-258-8
L Brasil - Politica e governo - Hist6ria
2. Constituieoes - Brasil - Historia L Titulo.
tt-t0414 cDD-320.981
indices para catalogo sistematico:
L Brasil : Constituieoes : Hist6ria politica320.981
2. Constituiqdes brasileiras : Hist6ria politica320.981
2011
Todos os direitos desta ediqio reservados d
TEXTO EDITORES LTDA.
[Uma editora do Grupo Leya]
Rua Desembargador Paulo Passaliqua, 86
01248-010 - Pacaembu - 56o Paulo - SP - Brasil
www.leya.com.br
"Hd uma s€rie de fatores, que a lei nio substitui,
e esses sao o estado mental da naq6o, os seus
costumes, a sua infancia constitucional..."
Macneoo DE Assrs
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Sumdrio
AprresentaE6o.........g
Capltulo 1
ll|24: liberal, mon5rquica e escravista... ......... j3
Capltulo 2
lll91: liberdade, abre as asas sobre n6s?.... .........................25
Capltulo 3
l')14: n5o havia lugar para os liberais .... . .....43
Cnpltulo 4
l() 17: o autoritarismo tupiniquim.... ...............6 j
Capltulo 5l(146: as aparOncias enganam....... .................g1
Capltulo 6
l()()/: em ritmo de parada mi1itar........... ........93
Capltulo 7
Itlfl8: uma Constituigao para chamar de sua?......... .......... I 1 1
Cepltulo 8( ) \tl o as liberdades: um desencontro permanente...............................13.l
llelr,rincias Bibliogr6ficas. .......14g
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ApresentagSo
l:s r,r, nvRo coNrA A HrSroruA nes constituiq6es brasileiras, relacionan-
clo-as aos respectivos momentos hist6ricos. NZo 6 mais um liwo
rlc Direito Constitucional. Longe disso. Pretende mostrar como,
na maioria das vezes, oS textos constitucionais estavam distantes
rla realidade brasileira. Acabei destacando um grande nfmero de
l)ilssagens absurdas, desconhecidas em qualquer Carta de algum
;rals com tradiqio democratica , n6,o para desqualifical as constitui-
qOcs, mas para demonstrar que a perman€ncia desse exotismo tem
rclaqAo direta com a forma de fazer politica no Brasil'
Em vdrios momentos da nossa hist6ria vivemos sob regimes
clitatoriais. As liberdades democrdticas vigoraram por periodos
rnuito restritos. Na verdade, s6 teriamos democracia plena apos a
lrromulgaqio da Constituiqio de 1988. Portanto, ao falar de uma
iociedade d.emocr6tica, nosso universo temporal, infelizmente, €
nruito restrito.
Fiz uma analise sumdria das Constituiqoes, destacando seus
l)ontos mais relevantes. Enfatizei as "pegadinhas" autoritdrias dos
t(rxtos constitucionais e como foram usadas para limitar as liber-
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Este ndo e um liwo acadcmico. e hngiraffi?fffirfril apesquisa buscou ter o cuidado de uma reconstruQao detalhada dos
A Hrsronra oas Corusrrrurgors BnnsrLrrRas
pontos considerados centrais das constituiqOes e do momento emque foram produzidas. Cada Constituigdo mereceu um capitulo eno fi.m foi dedicado um especialmente ao supremo tribunal Fede-ral, o guardid,o da Carta (ou das Cartas, afinal tivemos tantas), masque nem sempre cumpriu com suas atribuiqOes legais.
Os poderes Executivo e Legislativo estao presentes no liwo,
do cidadao e das libe
dairlsmqs g.t.*Qffiglff;, ,m,
"" rr.peil""frh24)
e seis rrv rrrrl/urrv \ruz r/ L )gI)
na Repriblica (1891, 1934, 1937, 19+6, 1967 e tgBB). pode ser
comPode ser que Machado de RsJii tenii raraiffiau esramos na
fase da infdncia constilr,rcignal. Mas quando uu*ilGli.i?
masVC
livro
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Auio 13 lrl0 0[ ..]Ai'Ji.lli() N: ,tr98
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H HK{-H-,{,\\.J,,\)$,
il,,).'.':' 2),|,t'li. r'\";i:;,.-'. n/i
,,it'i_k\1,i,;# , t tl24'. liberal, mondrquica e escravista
L r I'r Rr()r)o col.oNlAl, que, na pratlca, se encerrou em
, ',l,,rl;r chegada de D. Joao VI ao Brasil, nao vigorou
, ,,rr,t iltri('l1o no reino portugu€s ncm, cvidentemente,
,, ,,r plirreira Constituigio nasceu com o processo de
I , r r ,'\pos o retorno de D Joio VI a Portugal, em 1821,
,, ,,, ,ll clcigOes para compor a representaQao brasileira
,lu( ('slavam preparando a primeira ConstituiQao de
, ,|,,il rr )rilnra politrco licou cada dia mais complicado. A
,, , (,rt( \ o Parlamento da epoca
-criou uma serle de
, , rr o,. rntcresses brasilcirrrs. A antiga col6nia tinha su-
' ,r r, )| il( ilnrcnte a metr6pole. Era uma aberraQAo manler
, , .nr ,.r rlo rrntagonismo de interesses. Quando D. Pedro
; , ,rrr,rn( ( cr no Brasjl (9 de janeiro de 1822), recusando-
i, r r ,,r,li rrr clas Corles de regresso a Portugal, a indepen-
r r1r.I lrtttXima.,,' ',,,,1, lil.).1-, o principe regente recebeu o titulo de Pro-
I , ,r I '( r l)('t rro do Rr-asil, conce dido pelo Senado da CA-
L ,1, i,rni rro. Em 3 de junhcl desse ano, expediu um
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A Hrsr6nra DAS CoNsrrulcoEs Bnasrre nns
decreto convocando uma Assemblcia (-rlnstitrrirrtc. Nrro ('slilvrl cla-
ro quais eram suas reais atribuiQocs, l)()is, ('nr l)()llrr1',:rl, t'slriva em
andamento, nas Cortes, a redaceo rlc unr:r novrl (.orrsl itrric'iro, que
serviria para todo o Imp€ric'r, inclttirtrlo, ollvilrrrrcrrtr', o llilrsil.
Com a lndepend€ncia, em sctcrr)l)11), :r Asst'rrrlrlt'i:r ( .orrsl ituin-
te se transformou na fundadora cllr vitlrt lt'i1:rl lrt;rsilt'u rr Srr:r plirnei-
ru tarefa era a de redigir a C.or-rsl i t l l i r,r rt r
Foram eleitos 100 depr-rtacltls. A trtrrior tlcllr'.:rq;ro t'r:r tlc Minas
Gerais (20), segulda dc Pcrnittttltttt o ( l i ), Srrrr l';rrrlo (r)), liro dc Ja-
neiro e Ceara (ambos conr tl). A Itrrionrt t'rrr l,,rrrrrrtlrr llor llrrchareis
em Direito (26), mas haviit trttttlrt'trr tlt:.,.'rnl',rrl',rrrl.,rt r (.22-), c[gdt.t
(19) e militares (7).A primeira rcrltnial() ()(()r'r1'lr ()rl() nr(.,(,, ,1, ;r,rr:,. L rrr I cle maio
de 1823. O imperarlor lcz trnr rlistrrr:,,r nir ',(',.,,,r(r tlr'rrlrt'r'tura, com
ameaQas implicltas lt "lict'rrt ios;r lrlrt'rtlrrtlt ( ont lrrrrr rlizcndo que
espelava que a Cartil "tltt'rt'\';t rt nttttlr;t ilillx'ilill ;r( ( rl:r('it()". A reSpOS-
ta daAssembleia il lltllr tlt'l). I't'tlro I ;rr rllrrot;rv;rrr llossibilidade de
umconfljto entrc os potlt'tr's ( ) volo, rt'rlr1'rrlrr por Arrtirnio Carlos,
irmao deJos6 Btlniliic:io, r'rrttstrlt trrrlrr o l',rtn,rr,;r tlrr lntlcpend€n.cia,
dizia que aAssetlblcilt n:r() lriun,l (,:, \'()l(,', r,', t'lrttlos "rllcrecendo os
direitos da Nagao, cnr blrixo ll()l()(ilil.,l () ilnl( () lRrrrtl rlc Vossa Ma-
jestade Imperial, clltc r)rl() tlt':t';;t ('ir (lu( nr rn(',nr() n;r() cr)nvem fao
degradante sacriIicitl", (' (ltlr' ;t:, l)t('n()l';rltv:t:, rl:t (.ottlil, que com-
pletariam o ideal cla nt0ttlttrltttlr, "r1rrrrtrtl,, :.( ( ()ilsr r.vi-im em raias
pr6prias, sao a mais c{icitz tlt'lt's;r rlos rlrrt'rtos tlo t itlrrclao e o maior
obstAculo a erupeio cla tilrrrrirr tlt'rqrrlrltlrrcr tlt'norrrirrlrgio que seja"I.
Depois de dezcnrts clt'st'ss,,t's (' nlurl() tlcllrrlt', ()
l)rqetoconsti-
tucionai ndo foi do agracl<l clo irrrllt'r':rtlt)r'. llrrr nrrut() lrbcral para um
autocrata. Impedia, por cxcrrrplo, tlrrt' llrrrk'sst' tlrssolvcr a CAmara.
Pouco depois, Bonificio saiu clo gt)Vt'r'rro A rrovrr rrrlnrinistragao deu
uma guinada em direQao rl()s i|rtcl'('ss('s tlos 1lo|l rrgrrcscs. Em novem-
bro, a tensdo chegou ao aLrgc: chocltrcs crrlrt'ticllrcliros brasileiros e
portugueses, jornais atacanclo o Ministclio c I). I'cclro I, alem de
1. HOMEM DE MELLO, Francisco lgnntio M;rrtrrrrclcs A (tr)rsliluinl( p(ronte ahistbria
Brasilia, Senado Federal, 1996, p. 7.
14
1824: llberal, monSrquica e escravista
ameaQas de dissolugao da Constituinte. A linguagem dos perio-
dicos era extremamente violenta. O Tamoio,jornal dos irmAos An-
dradas, e um bom exemplo. Nele, os ministros do imperador eram
ridicularizados. O da Fazenda, Nogueira da Gama, era chamado de
'Jesuita versatil, de cuja improbidade, mesquinhez de ideias e nuli-
dade em administraqao fi.nanceira ningu€m duvida". O da Justiga,
Montenegro, era considerado "um corpo sem alma, incapacidade
personificada, e debaixo da envernizada fronte e chocho rosto, sal-
picado de sorriso apaLeLado".)
As tiltimas sess6es tiveram grande audi€ncia: centenas de po-
pulares assistiram aos debates. Em 1o de novembro de 1823, ofi-
ciais das guarnigOes miiitares, no Rio de Janeiro, dirigiram-se aoimperador exigindo a expulsao dos Andradas da Constituinte. D.
Pedro contemporizou e pediu aos deputados que adotassem medi-
das para garantir a paz publica. Em 11 de novembro, a Assembleia
declarou-se em sessao perrnanente. AntOnio Carlos fbi o maior
defensor da independOncia dos constituintes, para que pudessem
concluir seu trabalho, ameaqados pelas pressOes do poder militar
do imperador: "NAo admito, pois, restriq6es d liberdade de impren-
sa; quero € que se diga ao governo que a falta de tranquilidade
procede da tropa e nAo do povo, e que a Assembleia nlo se acha
em plena liberdade, como e indispensavel para deliberar, o que so
podera conseguir-se removendo a tropa para maior distdncia". De
nada adiantou seu protesto. A Assembleia foi cercada por centenas
de soldados, e a Constituinte foi dissolvida. Parlamentares foram
presos. Um deles, o mesmo Antenio laJlgs,_ir6nico, na saida do
predio, saudou, ao passar ao lado d. ffii&u ??liiiil6dirai'Res-
p??6 ffiii6- 36ii'-fl446;rr e6'ffiafr,tilATiiira'Ti5f 6iii'f, o3' $blpeti"'de'E*add' iid"Bra;ii."-****
4.gukyra foi derrotada pelo canhao. O poder impds pela lorqa
sua vontadJ'Os ifrnldbs'AndradeS$ose Bonif6cio, Ant6nio Carlos
2. MONTEiRO ,Iobias. Histdia do Imptno: a elaboragio da Independ6ncia. Rro deJaneiro:
F Brigulet, 1977 , p. 806-7 .
3. RODRIGUES,Jos6 Hon6rio. A AssembleiaCon stituinte de 1823. Petropolis Yozes,1974,
p.).16-7 e222.
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A Hrsrdnn ors Corusrrurgors BRnstrerRas
e Martim Francisco) e mais trcs deputados foram deportados paraa Franqa. Numa curiosa inversdo, no ato de dissoluqao da consti-tuinte, D. Pedro I afirmou que outorgaria uma constituigio.,dupli-cadamente mais liberal". Justificou at€ as pris6es: "As pris6e, ugtrufeitas serio pelos inimigos do Imp€rio consideradai despoti"cas.Nio sdo. v6s vedes que s6o medidas da poltcia pr6prias para evirara anarquia e poupar as vidas desses desgragados, para que possamgozar ainda'tranquilamente delas e n6sde sossego',. Disse que,,og€nio do mal inspirou danadas tensOes a esprritos inquietos e mal--intencionados e soprou-lhes nos dnimos o fogo da disc6rdia',. Deacordo com ele, "foi crescendo o esplrito de desuniio; derramou--se o fel da desconfianqa", e os constituintes ,,maquinavam
planossubversivos e riteis aos seus fins sinistros, ganhavam uns de toa-fee ing€nuos com as lisonjeiras ideias de firmar mais liberdade, esseidolo sagrado sempre desejado e a mais das vezes desconhecido".a
Para ganhar tempo e evitar resist0ncia em outras provincias, oporto do Rio de Janeiro foi fechado. euando as provincias, final-mente, receberam a notlcia, repudiaram veementemente. A Bahiaprotesrou, manifestou reprldio pelo fechamenro da consrituinre,solicitou a libertaqio dos deputados presos e que o imperadormantivesse o sistema constitucional. D, pedro ndo se fez de rogad,o.
Respondeu: "Quanto a m6goa da provrncia pela dissoluqao da As-sembleia, nio fora menor a de seu paternal coragao, quando se viuna dura e indispensdvel necessidade de dar ao rear e generoso povobrasileiro esse motivo de descontentamento".t
As provincias receberam muito mal o fechamento da Cons_tituinte, mas foi em Pernambuco e no ceara que a resist€ncia
foi maior e levou A eclosflo da ConfederagAo do Equador, emlB24' os rebeldqlforam reprimidos violenramente e d,ezenas d,e
lideres, morto bi fuzilado em janeiro de 1825, noRecife. o pai do escritoiJilsd de Alencar, o padre Jos€ Martinia-
i824: liberal, mon5rquica e escravista
no de Alencar, foi preso, acusado do crime de rebeliao (acabourecebendo o perdao imperial). o tio do escritor, Tristio de Alen-car Araripe, morreu em 1824. s6 a familia Alencar perdeu oitomembros na rebeliao.
@o dourar seu autoritarismo, chegou at6
i,q"" t"Constituinte, po
"-g*Llogq esqltqcdg. Quatro meses depois, pela "graqa de Deuse undnime aclamaqdo dos povos", o imperador outorgou a nossaprimeira Constituigao. Fingindo humildade, logo na apresentaQao,dizia que enviou o projeto ds Cdmaras aguardando sugest6es, que,
evidentemente, nio ocorreram - nem seriam aceitas. Tudo fez,como escreveu, para a "felicidade politica" do povo brasileiro. Nioesqueceu de destacar que a Constituigio foi outorgada ,.em
nomeda Sandssima Tiindade".
Dos 179 artigos, reservou BB para o poder Legislativo. Mas oapreqo pelo Parlamento nao era sincero, tanto que o manteve fe_
chado por dois anos e meio - s6 foi reaberto em 1826. Mesmoassim, reduziu o periodo do seu funcionamento a quatro mesespor ano. Democr6tico,"pero no mucho", o imperador limitou quemdeveria ser eleitor. Todos eram iguais, mas uns eram mais iguaisque outros. As eleiq6es seriam indiretas. No municfpio votariamos maiores de 25 anos, livres (30olo da populagdo era escrava), e
excluiam-se os criminosos, criados e quem ndo tivesse renda anualminima. Os eleitos nos municipios seriam eleitores para as outrasduas esferas: a provincial (como eram chamados os estados) e anacionai. De acordo com o artigo 94, era necessdria renda minimaanual de 200 mil-rdis. Assim, o crit6rio era a renda (chamado cen-sitario) e nio envolvia a arfabetizagio, como serii disposto, no fi.mdo Impdrio, pela Lei saraiva, de IBB1. pelo projeto da constituinte,a restrigAo da renda tinha c_
mandioca, dai a expressd
A Constituiqao comegava cofrTfrffifrmaqa6Eisa, logo noprimeiro artigo: "o Imperio do Brasil 6 a associaqio politica detodos os cidadaos brasileiros". Todos, para o imperador, era uma
4. Para a inregra desse manifesto, ver BoNAVIDES, paulo; ANDMDE, paes de. Histlidconstitucional doBrasil. Brastlia: OAB, 200g, p. 563-6.5. Apud RoDRIGUES, Jos6 Hon6rio. A Assembleia constituinte de 1823. petr6polis: Vozes,1974, p.230.
1617
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A HtsrOnra DAs CoNsTtrutcoEs Baas rrtRns
infima minoria: os Iivr('s c qttc livt'sst'ttt ti'tttl;t ttttttitllit. (luc. na-
quela €poca, nao era dcsltrczivcl () tolttt'i(o tlc "ciclaclac)", em
vezdesergeral, como rcprcse tttllttl('tlo 1l,tv,, t ottr tlilcittls demo-
craticos, serviu para rcstrillgir'. llsst' tlt'svirltlillll('lll() l)('l-lllaneceu
ao longo do tempo, tanto (ltt(' rtt'rtltott vtt.rttttlo vot lrlrtrltl llolicial.E comum ouvir um policial litlrttttlo tlttt' o "t itlrrtl;t,r sc cvadiu";
aqui o conceito democruttic't), llttlll:t t ttlt'l ttrvt'l'slto, vittltt sin6ni-
mo de meliante.
Democracia., parlr () itttltt'tlttlot, t't:r lt,rrr tlt'stlt tlttt'torrtrolada. O
Senado seria eleito - tlc I()tttLt l1'sl lll;r, (()lll() ('llt t'st iPrtlltclcl -, mas
os eleitores somcntc itrclic lrt tlttr r :,ttrt:, ;ttt lt tt'lt( lits ll( ) irlrllcrador. Dos
tr€s mais votados, utrr tlclcs st'ti;t l't ollttrlo(
) ttrlttrtlllto seda vitali-cio. Assim, seriallr cvt(lttlrts, l;llll() (ltlrlllto Posstvt'1, lts eleigOes para
o Senado. Machackl rlt'Assis, r1tt, tltrrrtttlt) l()v('lll, (rabalhou como
setodsta do Dicir.to r/o liirr l( l(tttt'tt(t. t,rlltttttlo rts scssOes do Sena-
do, retratou cont() lt vitltlit it't llrt lt' l t ;ttl:,lol ttt;rvrt rrt lttcla Casa em um
cendculo de anc:ilios. () Mrtttlttt''. tlt' ll;trtlt:tt'ttt, tlttltttclo chegava ao
Senado, "mal sc lttltlilr;t1tt'rtt tltttrttt,,. t '.ttlrtt :ts t'stitdas; arrastava
os p€s at€ a circlcir"lt | | lrrrr :,('( o (' tltttr:rtlt, | .I. Ntrs cerimdnias de
abertura e cnccrfliltt('rll();ltit :tv:lvrl () rtsl)( ( l() t ottt lr l:trcla de senador.
Se usasse barbr, ltoclclirr tltslltrr,':rr o t ltttp:ttlo t't'ltgc:lhado dos teci-
dos, a cara rasltlttlit it(('tllttrtvit llrt' ;t ,1., rt;titrrtlt"'.
Precaviclo, rl itttllt'tlttlrrt t(':.('lv()tl II ltrttgos l)llra tratar da"fa-
milia impcrial t'sttrt tlrtlrtr,'rttt" Alltr;rl, ttt'ttt t'lt'ct'lt clc ferro. Deter-
minou que caltcrilt lt() l)ilt:' rll:ltrl( l sc'tts lttttttil.rcs, c a Assembleia
determinarla tts vrtlotts tllts tlttt:tqot's Nrro s(' ('s(lttcceu de si mes-
mo efez uma rcclitt.llit(il() (()lt:jl tlrtt tottltl tto;ttligtl l0B: "A dotaqdo
assinada ao prcsclr(('itttltct'lttlot ('it stllt rttt,qttstlt csposa dever6 ser
aumentada. vist() 11111' lt\ ( ll( ttll5t:tll( l:ls illtt;tis tt:ttr permitem que
se fixe desde ja ttnlrt s()trllt lttlct;ttltillr ittt tlt'trllll de suas augustas
pessoas e dignidrttlc tllt tltr,'lto".
Sequioso, e scut clistittgtrit' os l'('( ttt's()s Ilttlliliares daqueles ort-
gin6rios do Erdrio nitciottitl - tlrttttlo itltt'itl it uma prdtica nociva,
que se manteve no Bresil -, it-rt1.rtls lllills tll-ll artigo, o l15: "Os
palacios e tenenos nacionais, possuiclos atr-talnlcnte pelo senhor D.
18
.t,:
1 Bg4:liberal, mondrqri.u'.'.r.rruijjl
Pedro I, ficarao sempre pertencendo aos seus sucessores; e a naQaocuidarii nas aquisigOes e construq6es que julgar convenientes paraa dec€ncia e o recreio do imperador e sua familia".
Preocupado ao extremo em manter o poder absoluto, mesmocom o manto de imperador constitucional, imp6s mais Uql--artigoqk$,gg;rga}zgfu
-t._--O^"gg-v,gl1r3.d,gl.p.lovincialseriu,,nomerJ"p"f"Apg1a$o-r._qu_e _g.podgra remover, quando enrender que assim
c€*J31g.ag_h9g-q9*i_v,],.q*-o_.d-9*".-E:R.d.qll Como no niiiil os i,iu,rr.""-_plos sio sempre seguidos, o Estado Novo (r937 -rg45) e a ditaduramilitar implantada em 1964 usaram tambem desse artificio e im-puseram d forga os governadores estaduais como meros delegados
do poder central.
_ pentro desse perfil autoddrio, o imperador reservou apenas14 artigos constitucionais para o Judiciario - trds a mais q.,. o,dedicados aos recursos pecunidrios da famflia real - e restnngiua.qualtopQd_. ? 3llglomia dos juizes. Mesmo afirmando que-,,op,oflg11udi9$! e 1ndlpenqgnre:; b a41go 154 determinava que o"Imperador podera suspenddJos [os juizes] por queixas cont.a elesleitas, precedendo audiencia dos mesmos juizes. inrormagao neces-saria. e ouvido o Conselho de Estado''.
Nao satisfeito com tanta concentraQao de mando, D. pedro Icriou mais um poder, o quafto: .o pqder Moderador, que era
.dele_
gado privativamente ao Imperador como chefe supremo da naEdo,,.E mais: 9 artigo.gg determjnava que "a pessoa do Imperador € in- .-
F.9_1-4-yg-l"g sagrada; ele nao esra suleito_q
re-sponsab-ilidade alguma,,.A16m disso, "o Imperador e o chefe do pod-er exeiutivo;;. pii .rr"sentimento de poder absoiuto
que pode explicar a forma como,em I831, abdicou do trono, apos forte pressdo popular. Sem apoiomilitar' D. Pedro I teve de optar pela ren...ncia. No texto de cincolinhas, em um papel sem trmbre, escreveu: .Usando
do direito quea Constituigao me concede, decraro que hei mui voluntariamenteabdicado na pessoa do meu mui amado e prezad.o filho o Sr. D.Pedro de Alcintara". o documento nao tem destinatdrio, nem ex-plicita do que abdlcou. Nao precisava. para D. pedro I, o poder erauma extensao de si mesmo. O pior € que fez escola.
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j
{]
I
L
A Hrsr6nta ors CorusrrutcOrs BRlstLrtRls
f'\to e acidental que o autoritarismo esteja tao presente no Bra-
/srl. O paislftnasceu com uma organizaqao polltica antidemocrdtica.
E o poder nunca se reconheceu Como arbitrilfio. Ao contrArio, D.
pedro I inaugurou o arbitrio travestido de defensor das liberdades -a esquizofrenia de um discurso liberal e uma prdtica repressiva. No
mesmo ano da ConstituiQdo c'lutorgada, escrcvetl que era indigno
um governante "que n6o ama a liberdade de seu pals e que nao da
uo, porro, aquela justa liberdade", Continutlu: "Amo a liberdade
",,. -. visse obrigado a governar sem uma ConstituiQAo, imedia-
mmente deixaria de ser imperador, porcltlc qucro governar sobre
coraq6es com briO e honra, coraqoes livres". Ilncontrou lesposta
dos autenticos liberais, como Clipriano llilrilta: "Os habitantes do
Brasil desejam ser bem governados mas nio se submeter ao domi-
nio arbitrdrio",o E foi ainda mais clircto: cle "ndo € o nosso dono".
No fim da Constituiqdo, o imperador incluiu algumas garanLias
politicas e civis no artigo 179. Mesmo perseguindo, ameagando e
prendendo jornalistas que criticavnm seus atos, a Carta fala que
Itodos podem comunicar os sclls
'fnsamcntos
p.r palavras, es-
critos, e publica-los pela imprensil, sL'|m depcndoncia de censura".
Nio 6 o que a prdtica imperialdcmonstrou. Em junho de 1823, o
jornalista Luls Augusto May, reclator clc A Malagueta, acreditando
no,.liberalismo" do imperaclor, fcz duros ataques ao seu governo.
Emvezdo respeito A liberdade de imprensa, lbi alvo de um barbaro
espancamento na pr6pria casa por um grupo de quatro mascarados
(aigumas fontes informam que o prdprio Pedr. I teria participado
do ato). Ironicamente, o mesmo artigo constitucional dispoe que
"todo cidadao tem em sua casa um asilo inviolAvel"'Ainda proclamando os direitos do cidadao, e mantendo a disso-
ciaqao entre o Brasil real e O legal, a ConstituiQao determinava que
,,ascadeias serdo seguras, limpaS e bem arejadas, havendo diversas
casas para separaqdo dos rdus, conforme suas circunstAncias e na-
tlreza de seus crimes". Mas pior, muito pior, € o patilgraf'o 19' do
1824: Iiberal, mondrquica e escravista
mesmo artigo: "Desde ja ficam abolidos os agoites, a tortura, amarcade ferro quente, e todas as penas crueis". A ironia e a crueldade des-se paragrafo sao enormes. Ate 1886, dois anos antes da Lei Aurea,os escravos continuavam a ser castigados barbaramente pelos seusdonos. Durante todo o Imp€rio vigorou o Codigo Criminal, que, noartigo 60, determinava que, se "o reu for escravo e incorrer em penaque nao seja a capital ou de gal€s, ser6 condenado d de agoites, e,depois de os sofrer, serd entregue a seu senhor, que se obriga.rA a tra_z6-lo com um ferro, pelo tempo e maneira que o juiz determinar".Ja o artigo 44 dispunha que "a pena de gales sujeitard os r€us a an-darem com calceta no p6 e corrente de ferro, juntos ou separados".T
Tal castigo foi abolido so apos a morte de dois"r.rurro,
que ri_nham recebido uma pena de 300 aqoites cada um. O fato o.orr", u
apenas 70 quilOmetros do Rro de Janeiro. Teve enorme repercussaoe o Parlamento acabou aprbvando a eliminagao desse castigo cor-poral. Mas nio foi tao simples assim. parlamentares defensores daescravidao, como o Bardo do Bom Retiro, argumenraram que coma extinqao da pena de agoites restariam as "de gales e de prisao comtrabalho, e penso que nenhuma destas ser| efi,caz com relagAo aoescravo. Para muitos, a de prisdo com trabalho, sendo este, comodeve ser, regular, tornar-se-d at6 um melhoramento da condigdosenio um incentivo ao crime".
Q99Jgf 9{*l*g*n:-{'"ss*$J-gj9"P3*1_;ry:.9Jlah.ell'.s-ff ._.'_a-vo-1:glo-peJm3nege-qllgllqgslggrpo-,_Alongevidadedaescraviddo
dstffi itilrro-i.u. k#Jg,*gd$-pe011":l11:*pp:-ds-krpsre*m**1gr*trre o p""d; ;;ipe na escravatura
foi a aboligao do trafico, ocorrido depois de 40anos de pressoes brirdnicas, pela Lei Eusebio de eueiros (1850).Nos anos 1860, vdrios acontecimentos favoreceram o movimentoemancipacionista no Brasil: a Guerra do paraguai (1864_1870), oca_sido em que milhares de escravos foram libertados e enviados aoscampos de batalha para seMr no lugar dos seus proprietarios (a
6. SOUSA, OctAvio Tarqufnio de. A vLdu tle D' Pedro I Volume II
O11'rnpio, 1954, p. 60I-2.
20
7. Apud GOUfART, Jos6 Alipio. Dd. palmat1ia ao patibulo. Rio de JaneiroI971, p. 80 e I2l-2.
Conquista,io de Janeiro: Jos€
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A Hrsronn DAs CoNsrtrureoEs BnastretRls
lei permitia esse absurdo); a Guerra Civil Americana (1861-1865),
com a consequente vit6ria dos nortistas, favorAveis ao tdrmino da
escravatura; a extinqao da servidio na Russia (1861); a aboliqao da
escravidao nas colOnias dos imp€rios franc€s e portugu€s. Em I871,
depois de intensos debates, foi aprovada a l-ei Rio Branco (tambem
conhecida como Lei do Ventre Livre), que pretendia transformar
o regime de trabalho gradualmente, sem abalar a estrutura econ6-
mica. Mesmo assim, encontrou lbrte resistOncia, especialmente nas
provincias cafeeiras. Na CAmara, a lei fbi aprovada por 65 votos; dos
45 contrarios, 30 foram de representantes dos produtores de cafe,
principal produto de exportaqio do pais. O fundo de emancipaqdo
criado pela lei obteve poucos resultados: os proprietarios aproveita-
rampara libertar escravos cloentes, portadores de defici€ncia fisica,
cegos, em suma, aqueles "imprestaveis" para o trabalho.
O movimento abolicionista foi um produto dos anos 1880. Foi
no CearAque, pela primeira vez, o abolicionismo se transformou em
um movimento de massa. Em 16 meses libertou 23 mil escravos.
Do Cear6, o movimento chegou ds provincias do Amazonas e Rio
Grande do Sul, onde loram libertados 40 mil escravos. Em lBB5,
a Lei Saraiva-Cotegipe (tambem chamada Lei dos Sexagenarios) li-
bertou todos os escravos mairtres de 65 anos. Foi consideradamera-
mente protelatoria da aboliqao total da escraviddo, um instrumento
para esvaziar o crescente movimento abolicionista, que tinha como
principal figura o deputado pernambucano .Jclaquim Nabuco.
Quando chegou ao governo o gabinete parlamentarista liderado
porJoio Alfredo (marQo de tBBB), a aboliqao era a principal questio
politica do pais. Ogoverno tentou, inicialmente
,apoiar a aboligao
imediata, mas com um adendo: obrigava os escravos a permanecer
nas fazendas onde foram cativos, por mais dois anos. Qualquer pro-
posta protelatoria * dado o vertiginoso crescimento do sentimento
nacional abolicionista - estava f.adada ao fracasso. Restou a aboligAo
direta, imediata. O projeto tramitou rapidamente. Na Cdmara ain-
da teve nove votos contrarios, dos quais oito de representantes da
provincia do Rio de Janeiro. No Senado foi aprovada facilmente,
ainda que com objeg6es, como do senador Cotegipe: "Decreta-se
22
'1824: liberal, mondrquica e escravista
(lre neste pais ndo hii propriedade, que tudo pode ser destruidollor meio de uma lei, sem atenqio nem a direitos adquiridos, nem airrconvenientes futuros!".8 Imediatamente a lei foi sancionada pela.cgente, a princesa Isabel, no paqo da cidade. Apos o aut6grafo ieal,Nub*SS_[1l sacada para anunciar A multiddo que rinha terminadoi t escravidao.s{T-tffitj*
A C,g,fjtitgiS.ig.$; Jg?j foi a que por mais rempo permaneceucm vig€ncia. Nao necessariamente peras suas qualidades, mas pelascaracteristicasdoregimeimperial.Fpf
"gg,i"e""lLLo__,X.l},_juntamenre
com 4 Cgns\ilgleag estadunidense, a mais lg.lgS"l fudo irrai.auaque passaria poi moilifit;Cbes tbffi"6 ;6ii;?fi'Ae iiabel, sucessora
ao trono. A aboliqAo e as transformaqOes oriundas do grande de_senvolvimento da econom ia cafeeira estavam levando ao-nascimen-to de uma sociedade mais plural. contudo, o golpe militar republi-cano de 1BB9 acabou interrompendo esse processo.
i'f Apud A aboliEao no parlamento:65 anos de lutas, Ig23-1ggg. Brasilia: senado Federar,It)utl. v 2, p. f .070.
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189.l: liberdade, abre as asas sobre n6s?
Nr , lit, , r,r l,\!l ili.r, 11;1 manha do dia 15 de novembro de 1889, dona
M:u r;rrr,r, ,r .'r'losrl csl)osa de Deodoro da Fonseca, quis, por todos os
nr('r{r,r, tirrprrlr lo rlc sair de casa. O velho marechal estava doente.
Nrr rli,r ,urti uor, scrr rnedico particular tinha recomendado repou-
so rrlr',,rlrrl,r Mt'snro assim, o veiho marechal saiu, contrariando
lts l('{ ont('tr,l,rr,ot's rn€dicas e da esposa, e dirigiu-se ao Campo de
Srrrrt,rn,r.',r rlt'tlo rluartel-general do Ex6rcito.LA, depois de alguns
cuttr'r'r'lr', ntlrrlnl(:nte verbais, liderou a queda da monarquia. Ho-
|rr:. rlr'1rr,i', lor,rrrr rrgmeados os ministros do novo regime.
n tr:r',li'n(rrr loi quase nula. O regime estava desgastado e semlrrr,,r',, .,, r l,rr,, I't'11lt'rr apoio dos escravocratas e nAo conseguiu obter
:iclr',,rii., rl,r,,,,t'tolt's clinamicos da nova economia cafeeira.g"fgf-g-
lrlr, ,urr',rrr,' {'r;r runir cor1931-g-d9.p_p-U-p-A.l!t}p-o-l!a*"cli"*?,p.:i1!-h !i.+lil.rr;r lt,r'rt,r r.r.11l;11'aultirna"aleiq.ao.parialp,_e,4!al{o-ImpeJio,em-3_Q
tlt' ;rll'.lu r lr ll'lll(). I)os 125 parlamentares eleitos, apenas dois eram
tr' p r r l, l t,,l l,', ( ) l c tnor di que d--liiffiadA.r-,"otffilasuci:ssoia,ioni-
Irlut rr,rr,rl, ,r I)rrr('('sa Isabel-.,a-p.glg:..gg.,.g!+.
p{o-g1alr_rA-.d.e.1qformas
('( (rllorrri, t' ', )( lrrl\ rtcabou aC"elefandp Q.nascjmento.da-Rgppbliea E
, .r] ,j,t i' c ''t-i,.-1 i
2
4I,ENDO O FUTURO
*Entdo, cigana, qual o meu futuro?*Pele carta que tenho na mAo. . . 6 espad&!
Seth. Colalo (19-4-1919).
RTPUBLI(.A
B RAZILTIKA
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^l', / n: jl,l) Ii''#- _\5- (l [A]0 t o,,_r-^*f, , t^ n r
,'t., : $.^" 'J.,:' (, !rr.r-1,^ ,t ,). ,i .: ' , ./ \ \
mais: a introduqdo do novo regime federativo, c()m a transfer€ncia
de grande parte dos poderes do gclvcrno central para as oligarquiasestaduais, propiciou a adesao em massa dos antigrls monarquistas.
No dia t 6 de novjlgbtsde-I889__tifd!l,s_ c ra m re' publ icanos.---U-d€erfi
6FT;-tm;iir"r-,ii
r r*t m c n r ii ir,t'.r.,* ;"rime. De
acordo com o artigo lo, "fica proclamacla provisoriamente e decreta-da como forma de govemo cla nagflo brnsilcirir a Republica Federati-
va". No artigo 70 do mesmo decreto, ficou clisposto que a forma re_
publicana ficaria aguardando o "pronunciamento definitivo do votoda nagdo, liwemente expressado pclo sufrAgio prlpular". A vontadepopular teve de esperar mais dc um sdculo: s()mente em 1993 foi
realizado o plebiscito sobre os regimcs c as lirrmas de governo.
O Governo Provis6rio emitiu decretos em larga escala. A pressafoi tio grande que muitos acaharam levando o mesmo nrimero.Como soluqio, receberam, aptls o ntmcro, uma letra para distin-guir um do outro. Tlrdos vinham com uma.iustilicativa oficial dogoverno : SSUSIUg(!9_gS]gJ-d1gl9_l- 12c'
la A rmada, em-5rgg}q;fur
_qaSao" Da lista dos decretos, vale selccionai-os-miiifizarros. Ode na 78 baniu do Brasil o Visconcle de Ouro preto - riltimo chefe
de gabinete do Imp€rio -, Carlos Alonso e Silveira Martins, esre
ultimo, al6m de destemaclo, obrigado a residir em algum pais euro-peu, caso sui genens em matdria dc banimento. O 7BA confirmouo banimento do imperador e acrescentou a prclibiqdo de sua fami-lia possuir bens em territdrio nacional, O ll3E criou o cargo desecretdrio-geral do conselho de Ministros para o sobrinho predile-to de Deodoro, Fonseca Hermes, que, posteriormente, foi acusadode falsificar atas de reuniOes
do Governoprovis6rio
para favorecerbanqueiros, durante o perlodo de especulaqAo financeira conheci-do como Encilhamento.
O decreto ,12B transformou o dia 8 de dezembro em feriadonacional. Era uma forma de homenagear a Argentina. Os republicanos tinham apreqo especial para com o pais vizinho. No fim doImperio, uma questao azedava a relaqdo entre os dois paises. Era
a reivindicaqio argentina de se apossar da maior parte de Santa
Catarina. chamavam o estado brasileiro de tenit6rio das Miss6es.
26
1891: liberdade, abre as asas sobre n6s?
O Imp€rio dava d regiio a denominaqdo de Palmas. LA, de acordo
com um levantamento, moravam 5.793 babitantes, dos quais so-
mente 30 eram estrangeiros. E pior: nenhum era argentino. Mesmo
assim, Buenos Aires insistia que o teffitorio pertencia i Argentina.
Quintino Bocaiuva, ministro das Relac6es Exteriores, foi envia-
do para negociar uma soluqio para a regiAo em litigio. Incluiu na
comitiva, alem da sua familia, 14 auxiliares. Esqueceu, por6m, de
levar os mapas brasileiros. Teve de analisar os mapas confecciona-
dos pelos argentinos. Aceitou, sem discutir, todas as reivindicag6es:
chamou oficialmente a regiio de Miss6es e concordou em entregar
todo o territ6rio para aArgentina. Quando a noticia chegou ao Bra-
sil, causou grande comoqao. O Congresso platino, claro, ratificouimediatamente o tratado; o brasileiro, que s6 se instalou em 25 de
fevereiro de 189I, rejeitou. Criou-se um impasse. Para encontraruma soluqao, os dois paises concordaram com o arbitramento dopresidente dos Estados Unidos, proposra defendida pelo riltimo ga-
binete do Imp€rio e que jri tinha sido aceita pela Argentina antes
da proclamaqlio da Republica. Quatro anos depois, o presidente
Grover Cleveland apresentou laudo favordvel ao Brasil. Em tempo:
., ofuiudq.ttoqqt gsqd e*sp_lgr-cglle.lr1glAdssmf&S*Com o objetivo de refundar o Brasil, o governo criou uma
nova bandeira, quis - mas nao conseguiu - impor um novo hino(acabou permanecendo o composto por Francisco Manuel da
Silva) e, pelo decreto 1558, determinou uma nova relaqio dosferiados nacionais: "l de janeiro, consagrado a comemoragio da
fraternidade universal; 2L de abril, consagrado A comemoragao
dos precursores da independdncia brasileira, resumidos em Tira-dentes; 3 de maio, consagrado a comemoraqflo da descoberta doBrasil; 13 de maio, consagrado d fratemidade dos brasileiros; 14 de
julho, consagrado i comemoragio da Repriblica, da liberdade e da
independ€ncia dos povos americanos; 7 de setembro, consagrado
d comemorae1,,o da independ€ncia do Brasil; 12 de outubro, consa-
grado i comemoraQao da descoberta da Am6rica; 2 de novembro,consagrado 2r comemoragAo geral dos mortos; e 15 de novem-bro, consagrado d comemoraQlo da pdtrra brasileira". A lista dos
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A HrsrOnA ons CoNsrrurqoes BnlsrLErnas
fenados excluiu todas as datas religiosas, exce tuandtl o dia de Fina-dos. Incluiu datas comemorativas rcpuhlicanas, buscando associar
o novo regime com a hist6ria do Brasil, (') dcsconhecimento dos
novos feriados foi ttro grande quc o governu tcvc de editar um livro,escrito por Rodrigo Octdvio, explicando o significado das datas.
Dias ap6s o golpe de l5 de novembro, os.jornais divulgaramque havia comeqado um movimento entrc os nrembros do ClubeMilitar para, por meio de uma subscriq:io nacional, recolher fun-dos particulares para pagar a dtvida externa. Humildes funcio,ndrios priblicos acabaram sendcl coagidos a aderir, assinando umtermo em que concordavam com um descontcl mensal nos seus
salerios. SAo desconhecidos os desdobramcntos dessa campanha.Mas de uma coisa se sabe: rrAo sr1 a dlvida externa nAo foi paga,
como tambem cresceu em pr()gressilo geomdtrica ap6s o adventoda Repriblica.
Politicos que aderiram ao novo regimc logo buscaram apoiodos escritores, que estavam sedentos IX)r uma boquinha. O empre-go priblico acabou se translornranckl em sinOnimo de intelectual.56 o governador do Rio de.Janciro emprcgou quatro: Coelho Neto,Pardal Mallet, Alulsio Azevecto e Olavo llilac. Este rikimo brincavadando despachos em fbrma de vcrsos, Foram seis meses de traba-lho. Certa fleita, a professora Ana Maldonado solicitou trcs meses
de licenqa m€dica e Bilac deu o seguintc dcspacho:
"Se dona Ana Maldonado
For uma bela mulher,Tenha o dobro do ordenadcr
E do tempo que requer,
Mas se for velha e metida,
O que se chama canhdo,
Seja logo demitida,
Sem maior contemplaqdo". I
1. Transcrito em MENEZES, Raimundo, Alrrlsirr Azevcdo: r,rma vida de rornance. sao paulcr
Mailins, 1958,p.245.
28
.189'1 : liberdade, abre as asas sobre n6s?
M as o nq.ys Jggm.e;1ao*esguecs U- d^e .p-ont JoJ41 a i m prgnsa. Afi -
"A*u!s*d"*ang$-@ocandp*cJrg!1s;comoresposta, editou o decreto B5A, equiparando o crime de imprensa
ao de sedigio militar. Na justificativa usou de uma linguagem at6
enffio desconhecida nos documentos ofi.ciais: "Seria, da parte do
governo, inepcia, covardia e traiQao deixar os cr€ditos da republica
a mercC dos sentimentos ignobeis de certas fezes sociais". E con-
tinuou: "Os indivfduos que conspirarem contra a Republica e seu
governo, que aconselharem ou promoverem por palavras, escritos
ou atos, a revolta civil ou a indisciplina militar; que dir,-ulgarem nas
fileiras do Exercito e da Armada nogOes falsas e subversivas ten,
dentes a indispd-las contra a Republica, [. . . ] serao julgados militar-mente por uma comissao militar nomeada pelo ministro da Guerra
e punidos com as penas militares de sediqao".
A insdnia republicana era permanente. Em 15 de janeiro, para
comemorar o segundo m€s do novo regime, desfilaram tropas do
Exdrcito e da Marinha pelas ruas do Rio deJaneiro at€ o Palacio lta-
rnaratf, sede do governo. Um grupo de populares resolveu aclamar
Deodoro da Fonseca, Benjamin Constant e o almirante Eduardo
Wandelkolk, que estavam na sacada externa do palicio. Agulados
pelo major Serzedelo Correa, secretArio de Constant, populares
saudaram Deodoro aos gritos de "viva o generalissimo". Emocio-
nado, o velho marechal "aceitou" a promoqao a generalissimo. De
acordo com o decreto, tudo correu por "aclamagao popular". E
caso unico na historia miiitar brasileira, mais ainda porque a pa-
tente inexistia no Exercito.
Demonstrando um ar magndnimo, Deodoro resolveu promo-ver imediatamente os dois colegas de farda que o acompanhavam
na sacada'. Constant virou general e Wandelkoik, vice-almirante.
Nio satisfeito, Deodoro estendeu para todos os ministros civis a
patente de general de brigada. Da noite para o dia, Rui Barbosa,
Francisco Glic€rio, Campos Sales, Quintino Bocaiuva e Aristides
Lobo viraram generais e foram tratados como tais pelo velho gene,
ralissimo. De acordo com o decreto, "honras militares constituem
a maior remuneraqd.o que excepcionalmente se pode prestar aos
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A Hrsronrn DAs CoNsITUtCoEs BRasrLetnls
benem€ritos dapatriae que os ministros civis, p,r sua dedrcaqao eamor 2r causa priblica, se tornarn creclorcs desta distinqao,'. Eduar-do Prado, escrevendo ainda no calor da hora, resumiu bem a situa-qAo: 'Aquilo janao 6 militarismo, ncrn ditaclura, nem republica. onome daquilo (. carnaval".)
Em junho de 1890, o (iovcrno l)rrlvistirio convocou para se_
tembro as eleiqOes para aAssenrblcia c.nstituinte, que deveria serinstalada no primeiro aniversirrio da lrroclauraqio cla Repriblica. Nomesmo decreto (510) foi divulgada I proposl.a do governo para anova constituiqio. Era, inegavclnrcntr:, unra intcrler€ncia indevidado Executivo nos trabalhos da lutura (irnstituinte. para piorar, o
governo determinou que sua pr()p()sta cnrraria em vigor imediata-mente, at6 a promulgaqf,o da Constituiqf,o a scr elaborada. Al€mdisso, impOs aos constituinles a obrigar,:io de primeiramente apre_ciar o prqeto do governo. Untrc ()utrils l)ropostas, indicava que omandato presidencial seria de sei.s anos. pior: eleito indiretamentepor um coldgio eleitoral. E nrais um conjunto cle medidas que aca_
baram sendo ignoradas pekrs c,.stituintcs. L)urou pouco: quatromeses depois, pelo decret. 9 14, o govern() rcvogou a Constituigaoanterior e apresentou outra carta, que tambem ignorava a futuraConstituinte, que se reuniria nrt trr0s seguintc.
Ainda em junho lbi dctiniclo, tanrhdnr por decrero, o regula_mento da eleiqio. Foi elaborado pelo ministro do Interior, cesarioAlvim. O ato foi severamcntc criticirckl pclos oposicionisras, poispermitia que quem estivesse no exerc{cio dc 1unqOes de confianqa,nomeado pelo Governo Provisdri., lirsse canclidato. Dessa forma,governadores, secreterios, comandantes
militares, juizes, funciond-rios administrativos e ministros poderiam ser (e foram) candidatos.Dos ministros de Deodoro, somente Benjamin constant ndo foieleito, pela simples razao de nao ter siclo candidaro. Dois irmaosde Deodoro e um sobrinho foram cleitos, apesar de desconhecidosdos eleitores. Pelo regulamento, o total de constituintes a serem
1 891: liberdade, abre as asas sobre n6s?
eleitos deveria ser de 268, dos quais 63 senadores (tr€s por estado,
al€m do Distrito Federal) e 205 deputados (a maior bancada era
de Minas Gerais, com 37 membros, seguida da de Sdo Paulo e da
Bahia, com22 cada uma).
O regulamento Alvim determinava no artigo 32 que, "no caso
de ndo saber ou n6o poder o eleitor escrever o seu nome, escreverd
em seu lugar outro por ele indicado e convidado pelo presidente
da mesa". Contudo, o decrero 2004, de B de fevereiro de 1890, noartigo 4e declarava que sdo eleitores "todos os cidadios brasileirosnatos, no gozo dos seus direitos civis e pohticos, que souberem lere escrever". Cabe
indagar: se o eleitor sabe ler e escrever, por queprecisaria que outra pessoa assinasse aata? Se o eleitor lia e escolhia
os nomes escritos na c€dula eleitoral, como nao conseguiria sim-plesmente assinar seu nome?
Mas o regulamento nio ficou s6 nisso. O presidente da mesa
eleitoral era o prefeito ou o presidente da antiga CAmara. E mais:
qualquer drivlda que surgisse no momento da eleigdo caberia ser
resolvrda pelo presidente da mesa (artigos 13 e 17). As atas seriampreenchidas em quatro vias. a primeira seria enviada para as capi-tais estaduais; a segunda,para o Minist6rio do Interior; e as duas
restantes, uma, para a Cdmara e outra, paru o Senado, que so se
reuniriam inicialmente em 15 de novembro, dois meses apos as
eleigOes. E ai, para quem a oposigao poderia recorrer? Ndo havianenhum poder independente.
A maquina eleitoral da Uni6o e dos govemos estaduais elegeu
quem bem quis. Um dos casos mais escandalosos foi o de Silva Jar-
dim. Republicano historico e considerado o grande propagandistado novo regime, resolveu ser candidato pelo seu estado, o Rio de
Janeiro. Tinha planos de presidir a Constituinte. Ledo engano. Ndofez parte da chapa do governador, nem foi eleito. Recebeu metade
dos votos do ultimo colocado da chapa oficial, Alberto Brandao, umconhecido escravocrata, que propds ao governador aplicar o ailigo295 do C6digo Criminal de modo que os libertos de 13 de maiofossem obrigados a regressar para as fazendas onde haviam sido es-
cravos. Jardim protestou, denunciou diversas irregularidades, atas
2. PRADO, Eduardo. Fastos da ditadura militar no Brasil. sao paulo: Livraria Magalhaest923,p.333.
3'l
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A HtsrOnta ols Corusrrrurgors Brrnr rr rHn',
falsas e eleigOes ficticilrs cnr v:ln(),, nrunr( tl)t()s. l)c nacla adiantou.
DesiiUdido, semanas aptis o lllt'ito, vr:ll()ll l)iltir il liuropa. Acabou
morrendo tragicamcntt' nlr ll;rli;r, ( nl lli()I, :ro visitar o Vesuvio,
caindo numa fenclit l)r'()\inl:l ;r ( r:rt('r:r c tr:r1i:rrlo llt'lo vulcao.
Demonstranclti rt orit'rrl:r('rro I;rrt;r (r' t orrr lrlgLrnt vies positivis-
ta), a Constituigao clc ltlt) I irricirtv;r r.(' rr('nl ll;t'r lclcrencia a Deus
ou, como na dc lll24, rr Srrrrlrssirrrrr lrirrtl;rtlt' ()s ttlnstituintes op-
taram pela forma "rc1-rt't's('nlrull('s tlo llovo lrlrrsilcinr". No artigo 3o
foi determinadcl cltrc;t IJni;ro rlcrnrrrcrri;r lnl]rr:u'('il clc 14.400 qui-lOmetros quaclracltls - c ( r.lrioslr rr prt't isrro tllr cxtt'nstio da demarca-
Qao * no Planalto (.cntrll, ;lrrrl "rrt'lrr t'sllrlrclt't t'r-sc a futura Capital
Federal". Scguirrclo rr vt'llr;r lllrrlit rr rrlrt iorrlrl, tlc scmltre deixar para
o dia segumtc, a lirtrrrlr crl)ilill so st'rirr lr:rrrslcr.rcla 69 anos depois.
Um mfrito tllt (.rtttsl rtur(.:l() r':l \uil ttlttcislio, especialmenle
para os noss()s plullocs, nr;rt rrtlos 1le llr pnrlixiclade. SAo 91 artigos
e mais oito clisposil:ocs tllrrrsiloli:rs. lt lr (.lrrtrr rnais enxuta da nossa
historia. Parte clisso rlt'vt' st'r' t n'rlrlrrrlrr rr ltreviclade da Assembleia
Constituintc. lnsllrllrtl;r crrr l'r tlt' rrtlvcrrrltr.(), Icve 5B dias de sessdes.
Uma comissio corrr 2l torrsl itrrirrtcs cll(la um representando umestado * em duas scnr:lnirs jrr .rplt'sc rrltrtr il l)rimelra versao do texto
constitucional. I: crn lc'vcr-t'inr tl plcrrlirio al)rovou a nova Carm. Em
grande parte, a cclcricllrclc clct:ollctr cla arncaga de um surto de febre
amarela na Capital l;crlc|al, () (lrrc :tsslrstou os constituintes.
Pela primcira vcz r.rnr iu1 ig() r()nstitucirrnal declarou que as For-
gas Armadas sao pennancntcs c cstallclcccr-r c'rs limites de obedi€n-
cia. O artigo t'l dispos clLlc "as lttrcas dc lc'l"ra c mar sao rnstituigOes
nacionals permanentes, clcstinadas a cle [Lsa cla patria no exterior e amanutenQao das leis no interior" Nao lbr acidental: um quarto dos
constituintes eram militares. Nao perclcram a opoftunidade para
defender os seus interesses corporativt'rs. O artigo 77 garantiu que
"os militares de terra e mar terao firro csllccial nos delitos militares".
Nio pode ser esquecida a pol0mica cnvolvcndo militares e governo
entre 1886 e 1889, nenr as slll)ostas amcaqas de extinQao do Exer-
cito ou de criagAo de novas forcas rrilitrrlcs O cir,rhsmo do Imp€no
era odiado pelos m111aycs. Qucrranr tcl'itLttonomja e nao mais acei-
32
1 89 1 : liberdade, abre as asas sobre nos?
tavam ser comandados "pelos casacas": dois terqos dos ministrosdas pastas militares, durante o Segundo Reinado, foram civis.
Foi mantido o funcionamento do congresso ordinariamentedurante quatro meses do ano. cada iegislatura deveria durar tr€sanos. o senado assumiu nova forma: cada estado teria direito a tr6ssenadores e o mandato seria de nove anos. Em caso de impedimen,to de um senador, seria eleito um substituto para completar o tem-po restante do mandato .Para a Cimara de[erminou-se um minimode deputados por estado: quatro. Foi ordenada arealizaqAo de umrecenseamento para estabelecer corretamente a populaqzo de cadaestado. A disposiqAo so seria colocada em prdtica 29 anos depors,
em 1920. U-*1p ponto importanre da ConstiturQao - e que ser6 muitoutilizado pela oposigao, nem sempre com sucesso - foi o institutodg fpeg,s 99191!, que nio esrava presenre na Consriruigao imperial,mas sim no Codigo de Processo Criminal de 1832.
Nem todos eram eleitores. Era preciso ter mais de 21 anos e serbrasileiro. Da lista obrigatoria de eleitores estavam exciuidos os anal-fabetos (diversamente da Constituigdo de IB24),os mendigos, os pra-eas de pre e os religiosos "de ordens mondsLicas, companhias, con_gregagoes ou comunidades de qualquer denominaqao sujeitas a votode obedi€ncia,regra ou estatuto que importe a renlncia da liberdadeindividual". Ao excluir os analfabetos, a ampla maioria dos cidadaosacima de 21 anos era mera espectadora nas eleiqOes. Entre os negrosa situagio era muito pior. Pelos dados de 1872, quando ainda har,ra,escravidao, dos 1.509.403 cativos, apenas 1.403 eram alfabetizados. i
Os juizes e miiitares poderiam ser eleitores e eleitos para qual_
quer cargo. Isso gerou um sem-numero de problemas. partidarizavaas Forqas Armadas e o PoderJudiciario, e colocava em risco cons-tantemente a lisura das eieigoes, especialmente nos eshdos onde oscoroneis exerciam enorme poder politico. No caso dos militares,excetuando os estados politicamente mais importantes (sao paulo,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul), riveram papel politico reievanrecomo governadores. Curiosamente, impunha-se a forqa, aos estran_geiros que estavam morando aqui, a cidadania brasilelra: ,,os
es_
trangeiros, que, achando-se no Brasil aos 15 de novembro de lBB9.
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A HrsrOnn oas Cotsrrturgors Bnn,,rrr trrlr,,
nao declararem, dentr() cle st.is rrrt.scs rlr'llors (lc elttrar em vigor a
Constituigao, o animo clc c'orrst.r'vrrr ;r rr;rr,iorrrrliclrrrlc cle clrigem". O
sil€ncio ou o desconhccirrrcrrlo rlrr rrorrrrrl ( ()nstitucional transfor-mavam centenas de milhir|cs clc csl r';rtrgt'i11)s ('nl br-asileiros. Isso no
, momento da grande imig|lrr,'lltt, ('slx'(.tillnl('ntc l)itra o sul do pais. O
imigrante, como seria clc cspt'r'rrr, rlr.st.orrlrt'c.irr a lingua e as leis doBrasii. Contudo, virava brlrsilt'ilr st.rrr s;rlrcr., ;tcla Iorqa.
E o voto das mulhcrcsi lrrr l8t)1, t'rrr ncnhum pais da Europaas mulheres tinham clircitos ltolttrt.os. () pr.irnciro seria a Noruega,somente em 1913. l)()rllutt(), n;t() (.irnsir trclrrriragao que a maioriados constituinl-cs lOltrnr ()l)()srt()rI's |lrrlictris clo projeto que iguala-
va os direitos polrtictls rlos lrorrrc'ns rros tlrrs rrulheres. para LauroSodre, a propr)sta c.ir "lrnlrrr;rrit.rr, tlt'sirsl rlrrla, fzrtal" para Barbosa
Lima, o votct le'rninirro sclirr rrr;ris lrltgit.o: "l).'los o direito de votoa mulher. Pois ltcnt, sr.j:r rrntlr llrrrrrlitr rlrrc tcnha, alem da mae, duas
ou tr€s filhas nrairllcs, s()glil, li:r, crrlirrr, clivcr.sas senhoras e diversos
parentes. Da-sc rrnr:r e lcic'iro. Ntls cstlrn'rrls cnr verdadeira anarquia
moral e mental. na clcic-lto rrrtrrrit.iltll, rliscor.clam; na eleigao regio-nal, discordam; na clcicurl provirrr.irrl, tliscorclam; na eleiqao geral,
discordam tambclm. ()rrc porlcriir rrc.orrtcccr? O seguinte: a mulher,em lugar de estar cntrcgrrc il cssc granclc problema, para o qualtodos os momentos sao l.rtlucrls
* l crlrrcacllo clos frlhos -, estd acen-
tuando as dissengOcs, licanclo assint clc ladtt a lnica base da esta-
bilidade, da harmonia c ckr lrrogrcsso sociais". para o pintor pedro
Americo, dos celebrcs quaclnrs A buLulhu clo Avai e Independ€ncia ou
morte, deputado pela l'araiba, "a mrssao da mulher e mais dom€s-
tica do que publica, mars moral do quc politica. Demais,a mulher,nao direi ideal e perfeita, mas simltlcsmcntc normal e tipica, nao e
a que vai ao foro nem i praga publica, ncm as assembleias politicasdefender os interesses da coletivicladc, nrzrs a que fica no lar domes-
tico, exercendo as virtudes i'eminis, basc da tranquilidade da familiae, por consequencia, da leiicidade social" Fezvoz quase solit6ria o
deptrtado baiano C€sar Zama. "Para mim e uma quesEo de direito,que tarde ou cedo serd resolvida em lavor das mulheres. Bastard que
qualquer pais importante da Europit confira-lhes direitos politicos, e
34
1 89 1 : liberdade, abre as asas sobre n6s?
nos o imitaremos. Temos o nosso fraco pela imitagao".r Com tantos
opositores, a proposta acabou derrotada por larga margem de votos.
Mas o voto femjnino teve entre seus apo-ladoreg o maior escritor
brasileilo-,^l_4aghado de"Asss Em 1894, na sua crOnica semanal, escre-
veu: "Elevemos a mulher ao eleitorado; e mais discreta que o homem,mais zelosa, mais desinteressada. Em vez de a conservarrnos nesta in-justa minoridade, convidemo-la a colaborar com o homem na oficinada politica".a Um quarto de s6cuio depois, em 1928, no Rio Grande do
Norte foi permitido o alistamento de mulheres. O argumento central
era o de que o anigo 70nAo vetava expressamente o voto das mulheres
e "todos sio iguars perante a lei" (art. 72, g 2"). Mas o numero demu,lheres eleitoras, no total nacional, foi quase que desprezivel.
O artigo sobre a eleiqio do presidente gerou muita discussdo. Oprojeto oficial defendia a "eleigao indireta, paru a qual cada estado,
bem como o Distrito Federal, constituirA uma circunscrigao, comeleitores especiais em numero duplo do da respectiva represen[a-gao no Congresso" (art.44). Contudo, o texto aprovado determinavaque a eleigao do presidente seria direta, mas, "se nenhum dos vo-tados houver alcangado maioria absoluta, o Congresso elegera, pormaioria dos votos presentes, um, dentre os que tiverem alcangado
as duas votaQoes mais elevadas na eleiqio direta". Apesar do zelo docons[ituinte, esse artigo nunca foi adotado. No entanto, a disputa foiintensa. Por apenas cinco votos (BB a 83) foi vencedora a proposta da
eleigdo direta. Rui Barbosa foi um dos adversdrios da eieigdo direta e
criticou a aprovaqao desse dispositivo: "reivindicando-a prematura-mente, por atos de impaci€ncia pueril, correremos a avenlura fakl,
segundo todas as probabilidades, de levar, pela nossa incompet€ncia,ao descredito, talvez ao ridiculo, a instituigio que, oportunamenteimplantada num estado de cultura politica menos imperfeita, acharia
entao solo adequado para lanqar raizes estAvers e benfazejas".5
3. ROLIRE, Agenor de. AConstituinLe republicana. Tomo II. Brasilia, Senado Federal, 1979,p.279-88.4. ANDRADE, Gentil de. Pensamentos e reJlexoes dt Machado de Assis. Rio de laneiro: civi,lizaqao Brasrleira. 1 990, p. I I 4.
5. Apud SAMSATE, Paulo. A ConstLtuL(do do Brasil ao alcance de todos. Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1967, p. 105.
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A Hrsronra o,ls Corusrrurgors BRns[prRas
Na Primgira Repriblica nenhum presidente foi eleiro com me-
*p*t;.; ttda populaqao no conjunt6-ffiTllirores. nasianre-iilstLii,ro . ocaso de Epitdcio Pessoa, que chegou d presid€ncia em 1919, quan_do nem sequer estava no Brasil. Durante sua "campanha", pessoa
representava o Brasil em Versalhes, na Franqa, na confer€ncia depaz, ap6s o fim da Primeira Guerra Mundial. Venceu facilmente ocandidato da oposiq6o, Rui Barbosa, com mais de 7Oo/o d.os votos.
Os oito artigos que tratavam da eleigdo para presidente da Re-priblica acabaram servindo mais para ingl€s ver. Na primeira elei-
cdo presidencial direta, em 1894, sem a particlpaQao do?eitoratodo Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e doparanA,por causa dos-$ combates da Revolugio Federalista,
votar: "Ignoro se a aus€nciaa mo grande pa eleiqio do dia 20 quer drzer
descrenqa, como afirmam uns, ou abstenqio, como outros juram.A descrenqa e fenOmeno alheio d vontade do eleitor; a abstenqio e
proposito. t . , ] O que sei e que fui d minha seqAo para vorar, masachei a porta fechada e a urrra na rua, com os liwos e oficios. Ou-tra casa os acolheu compassiva, mas os mesdrios nao tinham sidoavisados e os eleitores eram cinco. Discutimos a questao de saber oque 6 que nasceu primeiro, se a galinha, se o ovo. Era o problema, a
charada, a adivinhaqio de segunda-[eira. Dividiram-seas opinioes;uns foram pelo ovo, outros pela galinha; o proprio galo teve um
i voto. Os candidatos 6 que nio tiveram nem um, porque os mes6-{trios nio vieram e bateram dez horas".6j O artigo 42 foi violado nove meses depois da promulg aqdo da
/ Constituig d,o . Tratava da vaclncia da presidCncia da Repriblica: ,,Se
" no caso de vaga, por qualquer causa, da presid€ncia ou vice-presi-\
'':6. ASSIS, Machado de. obra completd. Volume III. Rio deJaneiro: Nova Aguilaq 1994, p534-s.
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1 891: liberdade, abre as asas sobre n6s?
d€ncia, nio houverem ainda decorrido dois anos do mandato d.o
periodo presidencial, proceder-se-6, a nova eleiqAo". A eleigio de
Deodoro da Fonseca, em25 de fevereiro de 1891, no dia posteriord promulgagAo da Constituiqao, ja tinha sido problemdrica. Temen-
do perder o pleito no Congresso - a primeira eleiqdo presidencialfoi indireta - p^ra Prudente de Morais, os partidarios do marechalpressionaram os parlamentares. O Congresso estava ocupado porsoldados d paisana e policiais. Os constituintes militares estavam
armados no interior do recinto de votaqao. O Clube Naval dir,'ul-gou uma nota afi.rmando que "seria agraddvel d Marinha a eleiqao
do marechal Deodoro da Fonseca". A boca pequena, os militaresespalhavam que uma derrota do marechai levaria ao fechamentodo Congresso e d imposigAo de uma ditadura. Deodoro acabou re-
cebendo I29 votos, contra 97 de prudente.
-Nqyg meses depois, em novembro, pressionado pela oposiqio,que ameaqou entrar com um processo de impedimento, acusando
o governo de corrupqdo, @. o primeiropresidente era uma pessoa simples, correta, honesta, mas absoluta-mente despreparadapara o cargo. NAo entendia o funcionamentodos poderes. Era manipulado pelo sobrinho ou pelos ministros in-fluentes, como o BarAo de Lucena. O desconhecimento legaleratlroacentuado que imaginou que seria necessdrio um decreto do Exe,cutivo para sancionar a Constituiqio. Chegou a assinii-io, poremLopes TiovAo, na Imprensa Oficial, viu o documento e impediu a
publicaqdo no Diano Oficial.7
rirhu O pgdglloieutreru_"-aA ylqq,pl ! ulFloriano Peixoto. e -voearsorra*6J,ci4ao" Floriano, nosso primeiro'Jurista de espada',,
interpretou que nao, que o disposto nao seria aplicavel a primeiraeleiqdo, so aos seus sucessores. Os desgostosos ainda recorreram
7. Ver MAGALFIAESJR., Raymunda. Deodoro: a espada contra o Imp6rio. Sao paulo
cional, 1957. v. 2, p. 323 (nota de rodap€, sem nrimero).
da
Na-
4eod-orista durou pouco. Vinte dias depois foi obriga-
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A HrsrOnrn DAs CoNslrurqoEs BRnsrLrrRns
ao Supremo Tiibunal, mas de nada adiantou. A forga das armasmais uma vez se imp6s. Joaquirn Nabuco, monarquista, em cartaao amigo Anibal FalcAo, republicano, em outubro de l89l, definiubem o momento: "Voc€s, republicanos, substituiram a monarquiapelo militarismo sabendo o que laziarn, e estao convencidos de quea mudanga foi um bem. Eu [. . . I ltcusei sempre que seria mais facilembarcar uma familia do que lice nciar um exercito".B
"9"-*g;syemo.-nlpdlAngfoi marcado por revoltas e rebe.liQqs. O
marechal de ferro foi o primeiro a dividir o mur-,do intelectual. Uns,como Raul Pompeia, autor de O Atcneu, o amavam: "Conquistou
para o seu r,rrlto, na imortalidade, ao mesmo tempo, a coroada\,'rt6ria e a coroa do martirio"." Ja para Lima Barreto, "com uma
aus€ncia de qualidades intelectuais, havia no cardter do marechalFloriano uma qualidade predominante: tlbieza de dnimo; e no seu
temperamento, muila preguiga".r0 O martir ou o preguiqoso, de-
pendendo do ponto de vista, deveria fazer a primeira transfer€nciaconstitucional de poder. Contudo, Floriano nem sequer esperou
que Prudente de Morais fosse ao Palacio Itamaraty, sede do gover-no. Logo cedo, foi embora para sua casa. Rodrigo Octavio, secreffi-
rio de Prudente de Morais, registrou o momento: "Vi, porem, que
nas escadas do palacio havia muita gente, que muita gente estava
entrando. Dirigi-me para a porta. Nao havia sentinela, e, como os
outros estavam entrando, entrei tambem. LA em cima, o grandecasardo, abertas as portas de todas as saias, regurgitava de gente
que circulava por todo ele, alegre e baruihenta. Ndo havia a me-nor fiscalizaqao, o menor servieo de ordem. Compreendi, e custei
a compreend€-lo, que a casa havia sido abandonada e entregue a
discriqao do publico". tr
A Carta tratou de [emas importantes para a sociedade. Um de-
bate intenso no fi,m do Imperio foi sobre o casamento civil. A pri,
8. NABUCO, Joaquim. Cartas a dmtgos. Vrlurlc I. Sao paulo. IpE. 19.i9, p.207-g.9. potilpnn, Raul. Escritos politicos. Rio dc.Janciro. civilizacao Brasileiia. ),9g2. p.329(Obras Completas, Volume V)10. BARRETO,Lima.Trtsteftmdr:PtiiturpoQuurtsma.RiocleJaneiro.Gamier.1OSO.p.tZZ.
tr. ocrAvto, Rodrigo. Minhas memlrius dos outros. Rio cleJanelro: Civilizagao Brasileira,I978, p. 131-2.
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189i: liberdade, abre as asas sobre n6s?
rrrcira Constituigio republicana reconheceu "o casamento civil, cuja
t t'lcbragAo serd gratuita".r2 Antes, em junho de 1890, ja tinha sido
rt'rrlizado o primeiro. O Visconde de Taunay tinha apresentado um
l)r1)teto sobre o tema, que se arrastou durante anos no Congresso do
lrrrperio, sem decisao final. Taunay fez questao de assistir ao primei-ft) casamento civil, ao qual compareceu tambem o tribuno da Abo-lrcrio, Jose do Patrocinio, muito conhecido pelos longos discursos.
I'illrocinio, claro, quis aproveitar o momento para discursar, mas foi
t ontido prontamente por Taunay: "Isto aqui ndo e pagode".
Em 1894, aproveitando tambem a separaqlo da Igreja do Es-
l:rdo, o deputado Erico Coelho apresentouo primeiro projeto detlivorcio na historia da Republica. Depois de muira discussdo e da
rnobilizagAo contraria da Igreja Cat6lica - que chegou a confeccio-
nrlr um abaixo-assinado com milhares de assinaturas -, o projetorrcabou derrotado por 78 votos contra e apenas 35 a favor. O escri-
trrr Arthur Azevedo, apoiador do projeto, nAo perdeu a oportunida-tlc para ironicamente lamentar o resultado da votagao:
"Contra o divorcio - quem diria? -Votaram muitos deputados
Naturalmente bem casados,
Alguns arrepender-se-Ao algum dia...". i3
O segundo paragrafo do artigo 72 deu ao novo regime eivas
clc que o Brasil de IBB9 era a Franqa de cem anos atrAs. O tra,tamento oficial entre os individuos era de "cidadao", como na
Iilanga revoluciondria. E os documentos terminavam com a sau-tlagAo "saude e fraternidade". De acordo com o parAgrafo, o novorcgime "nio admite privilegios de nascimento, desconhece foros
tlc nobreza e de todas as prerrogativas e regalias, bem como os
titulos nobilidrquicos e de conselho". O parAgrafo era extempo-
I ). MLIA, Marco Anton\o. O nascimento daRepiblicano Brasil. A primeira ddcada do novorcgime. Sdo Paulo: Atica, ),997, p. 25.I ]. Apud MAGALHAES JR., Ra1'rnundo . Arthur Aznedo e sud. epoca.. Rlo de Janeiro: Cir.r-lizagio Brasileira, 1966, p. 280.
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A Hrsronra DAs CoNslrutqoEs BnasterRls
raneo, poisa qossa nohreza nAo era hereditiria, nem tinha comobase privil€gios ou propriedade rerritorial. parte dela possuia so-mente o titulo, como o Visconde de Taunay. Apesar da determi-nagdo constitucional, muitos pohticos importantes continuarama ser tratados como "barAo", casos de Lucena ou, mais ainda, deRio Branco, e outros como "conselheiros", como Afonso pena e
Rui Barbosa. Mas o desejo de "igualdade republicana" era maisfantasia do que realidade, tanto que Deodoro, entre abril de 1890e fevereiro de 1891, outorgou da Ordem de Avis 45 grl.o-cruzes,enquanto D. Pedro II, em 49 anos de reinado, criou 44. Entrecavaleiros e oficiais da mesma ordem, foram mais 210 titulos, nomesmo periodo.
Nas disposigoes transit6rias (sdo oito artigos) tr€s acabaram se
destacando pelo inusitado. Em um tipico caso de legislagio fora dolugar, o afiigo2a dispOs que, se um estado at6 o fim de 1892
,.nAo
houver decretado a sua Constituig6o, serd submetido, por ato doCongresso, A de outros, que mais conveniente a essa adaptaqAo pa-recer, atd que o estado sujeito a esse regime a reforme". Concedeuuma pensio vitalicia a "D. Pedro de Alcdntara, ex-imperador doBrasil". O valor seria fixado pelo Congresso. Nem precisou, pois D.
Pedro II nio aceitou, assim como jd tinha feito quando o decretorf 2, de 16 de novembro de 1889, tinha concedido i familia real a
quantia de cinco mil contos de reis. Mas o mais bizarro € o artigoBo: "O governo federal adquirird paraanaqdo a casa em que faleceu
o doutor Beryamin Constant Botelho de Magalhaes e nela mandardcolocar uma lapide em homenagem d mem6ria do grande patriota
- o fundador da Repriblica". Deodoro era extremamente vaidoso.Nio gostou da homenagem, ainda mais porque numa reunido dogabinete chegou a partir para o desforqo fisico com Constant. Foichamado de monarca de papelao. A briga s6 nio ocorreu porqueCampos Sales, ministro da Justiga, liderou a turma do "deixa dis-so". Mas o pior estava por vrr. O paragrafo unico determinou que"a vidva do dr. Benjamin Constant ter6, enquanto viver, o usufru-to da casa mencionada". Contudo, em agosto do ano seguinte, oCongresso aprovou um projeto, logo apos a morte de Deodoro,
40
1 89 I : liberdade, abre as asas sobre n6s '
para a construQao de uma est6tua na praQa da Repriblica e de um
monumento no seu tfmulo: uma mulher simbolizando a Pdtria e
a Repubiica. Uma breve e estranha legenda identifica o tumulo:
"Deodoro e sua esposa; ele ndo morreu, esta r,nvo" E ela?
{c qr-r*rlqiq4g*tgy'l -gl3r-I3eq .dxsr"$riss*,o""autcritarurng-br1-qilrug-clgggg.dgl4lgente a Carta. Tiansformou as criticas em uma
;rp€ffior6m ultra-autoritfrio. o maior
simbolo dessa corrente 6 Oliveira Vianna. Em um de seus livros,
O idealisma da Constituieao, insistiu na dissociagao entre o texto
constitucional e a realidade brasileira: "Durante 30 anos haviam
deblaterado contra o lmp€rio e os seus homens, numa campanhaem grande parte pessoal; mas, durante esse longo iapso de tempo,
de germinaqdo e triunfo da ideia republicana, ndo pensaram se-
quer em elaborar um plano detalhado e preciso da Constituigio e
governo. Podiam ter-nos dado um belo edificio, s6lido e perfeito,
construido com a mais pura alvenaria nacional - e deram-nos um
formid6vel barracio federativo, feito de improviso e a martelo, com
sarrafos de filosofia positiva e vigamentos de pinho ameticano".la
Foi realizada uma reforma, -ern 1 9*263m Al939"S*a"dp.je-si$o,o qul impediu uma digtussao mais qpTrlr{ryla41. Nlo diminuju
o impeto-ritico. O governo tinha defendido uma reforma de 38
artigos com 76 emendas. Houve protestos. Diminuiu as emendas
para33. No fim, pouco foi alterado. Foi autorizado o veto parcial a
um projeto, quando o texto original (de 189I) so consentia quando
fosse em conjunto. Porem o abuso "chegou ao ponto de vetar-se
uma palawa'ndo', permitindo o que se proibira".15
14. VIANNA, Oliveira. O idealismo daConstituieao. Sao Paulo: Nacional, 1929'p.58'
15. BALEEIRO, Aliomar. Constitui@esbratleiras:189I. Brasilia: Senado Federal,/Minist6-
rio da Ciencia e Tecnologia, 1999, p. 63.
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3
_i' i..
1934: ndo havia lugar para
',"rr{f ii g/;1_,
liberais FOME CONSTITUCIONAL
o meol,rz -- l,srito bdloi Mas ( de enfeite, ringuenr corrre, o primeiro a rerarhar seri o dono da casa.-_
A nrc,A.oe nE 1920 FoI MARCADA pon diversas revoltas militares que
licaram regrstradas 4a historia como as 1rebelioes tenentistas". Em
It)22 o palco foi o Rio de Janeiro; em 1924 ocorreram revoltas no
Itro Grande do Su1 e em Sao Paulo - na capital paulista os revolu-
cronirios permaneceram ocupando a cldade por uma qulnzena; e,
cntre 1925 e 1927. a Coluna Presies (junqis, no Paran6, das for-
,,:as rebeldes r,rndas do Sul , sob comando do capitao Luis Carlos
I'restes, com as que abandonaram Sdo Paulo) percorreu o intedor
clo pais travando combates com as forgas oficiais. A sucessao deWashington Luis, ern 1930,.acirrouas contradiq6es politicas. Foi
uma campanha eieitotal renhi-da. A ehapa ofi.cial, liderada po Ju-lio Prestes, enfrentou Getulio Vargas, o candidato oposicionista.
O governo venceu. Houve acusaQ6es de fraude. A lemperatura
lrolitica aumentou tambdm em razAo dos problemas econOmicos
gerados pela crise mundial de 1929, que atingiu severamenle o
tlrasil, dependente da exportagzo do cafe. Em 3 de outubro de
I 930, sete meses apos a eleig2o e um m€s ant_es{-a.
p-q9sg {9 1"o1zo
1,..rid*i", t6ve inicio a ;;";i;;t; 'Dep;i; d;;aii;;;";b;i"t, a,
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i!fl"t": "itli:d: Washington Luis, no mcs seguinre, Vargas assu_
I [mtua Presid€ncia.
a_::gysluennanCIs"deJgao.nap_ {si4q1am pedra sobre pedra daestmtura legaldo*egime aq1gn,Ql. Como em IBB9, era necessano{e*fgndar o Brasil. O poder Legislativo loi exi]nto.'?t;;";;;;r;estaduais foram nomeados interventores (com excegao de Minas Ge-rais) e o Judiciario sofreu forte controle dos novos donos do poder.O decreto 1g.3g', de I1 de novembro de 1930, nio deixou rr.rhr_ma margem a duvida. No artigo lo, ficou explicito que o governo"exercerd discricionariamente em toda a sua plenitude as
"funqoes
e atdbuiQOes nio s6 do poder Executivo, como tambe* do pode,Legislativo". Pelo artigo 5a "ficam suspensas as garantias constitucio-nais e excluida a apreciaeao judicial dos decretos e atos do GovernoProvisorio ou dos interventores federais". A constituigao de Ig9r,
ta Praticq, lseu suspensa, pois. poderia se;;GriGidtp;;-rl.:o9 c.lelasJeu-ou.*rosdo_goye
n_o _ou di sil s?el e Earlo J t a rt. +i*
o governo achava que tudo podiald"-iiilf_,Iiilile*-bo;meio
I 1. ".*decrero, aposentou seis minisrros do Supremo TribunJFe_
j deral. O STF nio se posicionou conrra os ,,revoluciondrios,,.Ao
contrdrio, em novembro de 1930, negou, por 11 votos a dois, opedido
_dehabeas corpus do ex-presidente ilashlngron Luis, que
estava detido no forte de Copacabana. A argumentaQio foi tortu-osa: "E incontestdvel que se encontra anaQao em um periodo deanormalidade, durante a qual ndo e possivel deixar de reconhecerque, se a constituigdo subsiste, debaixo de certos pontos de vista,como quanto is relag6es de ordem privada, estao suspensas, semdrivida, as garantias
consrirucionais, iob o criterio politrco do Che-fe de Governo".r Dias antes, o presidente do STF tinha apresentadovoto de congratulaqdo para o novo governo. De nada ,diurrto, usubservi€ncia. o tribunal teve a .rrrrcao de seis ministros pelo de-creto l9.7Il' de fevereiro de I93r . A desfaqatez das justificativasrepresenta bem aquele momento: ,.considerando
qu" imperiosasraz1es de ordem priblica reclamam o afastamento de ministros que
i'ILVA,
H6li"r": os tenenres no poder. Rio deJaneiro: civilizaqdo Brasireira, r.g72,p.58-9 e 147-8.
1934: n5o havia lugar para os liberais
sc rncompattbllizaram com as suas fung6es por motivos de molds-
tirr, idade avanqada ou outros de natureza relevante". O argumento
rlrr idade avanqada era uma falacia houve ministro aposentado aos
(l I anos, enquanto outro, com 73, foi mantido na ativa. Queriamsc livrar de indesejaveis ou possiveis indesejdveis, e sinalizar onde , _-"-
('stAva o noder de fato. E. durante os 14 anos sesuintes. a Corte foil" -r----.,...er
, Ic9@gtsls-exeewx9" kdgmLOs interventores assumiram os governos estaduais como meros
ilclegados do poder central. O discurso era o de que acabaria o uso
l)olitico dos governos como instrumento de controle da vontade
1ropular.Alguns acreditaram. O caso do capitdo Carneiro de Men-
tlrrnqa, interventor no Cear6,6 exemplar. Em carta a Vargas, desta-
rou que "sempre considerei como dos maiores males a criagAo de
partidos oficiais, geradores das chamadas 'mdquinas eleitorais', cor-
nrmpido aparelho sobre o qual os chefes e chefetes sempre assenta-
lrlm seu prestigio politico". De acordo com o capitao, se os fins do
governo poderiam ser outros, "semelhantes sio os processos adota-
clos para consecuqAo do fim almejado".2 Ingenuamente, o capitAo
ircreditou nos "principios da revoluqZo". Restou pedir demissao.
Qngyg-gpy-emo..foi.-rap-1$-a;nerrt9.*9ol9guudp-.este-r9"631p.qq delar-
POI
dor uma criaqAo do ministro
fos6 Am6rico de Almeida. os "revoiuciondrios" se
referiam aos politicos do antigo regrme. Mas a melhor expressAo aca-
bou virando ate titulo de liwo do jomalista Arnon de Melo, ainda em
1931. O pai de Femando Collor publicou um liwo de entrevistas com
os derrubados do poder em 1930. O tituio? Obsewe o leitor que "sem
alguma coisa" 6 bem antigo no Brasil: Os sem-trabalho dnpolinca.
). Idem.1933: a crise do tenentlsmo. Rio deJaneiro: Civilizagao Brasileira, 1968, p. 119-
)3.
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A HrsrORtA DAs CoNslrutqoEs BmsrrrrRas
A confusao entre a palawa e a aqao marcou o periodo. Tudo eranovo. A Republica foi chamada de
.nova",porem os m€todos... No
mesmo Cear6, no inicio de 1934, Juarez Tavora, um dos lideres darevoluqio e apelidado de vice-Rei do Norte, apresentou a vargas tr6snomes de "candidatos" d interventoria. Elo$ou os dois primeiros, maso terceiro 6 o que, segundo ele, "maior soma de qualidades reune".conhece "como poucos filhos do Cear6., os seus problemas econ6-micos", "€ bastante culto, critenoso e ponderado,,,,,6, amigo de quasetodos os oficiais que fizeram a revolugdo no cearit" e "- pessoa deminha absoluta confianqa".3 No entanto, a maior "qualidade" Tavoranio citou: o indicado era seu primo, o major Antdnio Alves Tavora.
A nova ordem tinha prometido reconstitucionalizar o pais. O go_vemo era chamado de "provisorio". o tempo foi passando e nada deconvocar a Assembleia constituinte. os tenentes, grupo de militarese civrs de diversos matizesideol6gicos, mas defensores de uma ordemautoritAia, queriam a todo o custo postergar a eleiqdo. euando, fi_nalmente, Vargas marcou a eleiqao, por meio de um decreto, em maiode 1932, para maio do ano seguinte, os renentes espalharam que eraum decreto para ingl€s ver, que nio seria cumpndo. Os tenentes te_
miam que, com o restabelecimento da legalidade consritucional, elesperdessem o poder que conseguiram quando da revoluqdo.
Os boatos, a pressio dos tenentistas e o temor de que as eleig6esprometidas ndo se rcalizaiam- al6m de problemas na indicagdo dossucessiv;D$Ile3!9lg: igl g e1g!9 d.Ja*ulo - acabaram te-vando 6 Revg]ueao constitili."aiiruE r olz3 rebeliao armadacomeQou em o@tbsct€indro. No, qrur. ire,meses de luta, que
mobilizarammais de 150 mil homens, mofferammais do que o triplo de soldados durante a campanha da Forga Expe_diciondria Brasileira na ltAlia, na Segunda Guerra Mundial.
Ap6s o rdrmino do conflito, pelo decreto 22.194, de B de de_zembro de 1932, vargas cassou os direitos politicos por tr€s anosde forma at6 hoje nunca vista na historia brasireira. Nao h6 citagaonominal. sio listados I4 tipos de crimes. A cassaqzo foi na base do
'1934: n5o havia lugar para os liberais
"todos". Um exemplo: "de todos os que tenham tomad.o parte no
levante militar ou auxiliado por qualquer forma o desencadeamen-
to da rebeliao ou a ela posteriormente prestado o seu concurso".
Mais outro: "dos que, tomando arrnas ou aliciando homens, che-
liaram as tentativas de insurreigdo em outros pontos do territorio
rucional, colaborando assim com os rebeldes de Sio Paulo".
Apesar de tudo, a guerra civil acabou levando d confirmaqio da
realizagio das eleiqoes para a Constituinte em 3 de maio de 1933.
llela pf imeira *vez,as mul h eres +t r d err m - vot' r em,todo- o-pail. p*{o-
dr1t9 * uma longa luta pqlg sufragio&ryLr+ng O Brasil era o_quarto
pais nas Amet':iCas aconceder o yoto is mulheres, depois do CanadA,
dos Estados Unidos e do Equador. Apesar da vit6ria hist6rica, no
Rio de Janeiro, centro da luta sufragista, apenas 15olo dos eleitores
registrados eram mulheres.a Foram eleitas p^ra a Constituinte duas
mulhe3.gj. uma pelo voto direto e outra como representante classista.
, eofttiffii?fisf&*EEffirffb adotado o voto secreto. Dos 254\"-fqi gfiqqa"lrfircg.Htsilr$L& adrt449 n3s.z5+ ifconstitriiffil40 foram indicados: 20 pelos sndicatos (na verdade fo- LQ *ram impostos pelo Minist6rio do Trabalho) e outros 20 por entidades T,representativas do empresanado. Dos 214 eleitos, a distribuiqao foi '/:quase idOntica d de i890, apesar do crescimento populacional e da alte..]{ {raqdo na populagio de diversos estados, especialmente daqueles Que re- l-1
,
ceberam imigrantes e migrantes. As tr€s maiores bancadas continuaram ? ia ser as de Minas Gerais (37), de Sdo Paulo e da Bahia (22 cadauma). :S
Diversamente das outras assembleias constituintes, a de "q
1933/1934 foi exclusiva, ou seja, ap6s a promulgaqdo da Constitui-
qio foram convocadas novas eleig6es. Outro ponto exclusivo dessa
Constituinte foi a eleiqio de parlamentares constituintes, sem quefossem deputados ou senadores. Dessa forma, a definiqdo do Con-
gresso como um parlamento bicameral foi dos constituintes e nAo
uma imposigio quando da convocaqdo da Constituinte.
O governo conseguiu eleger a maioria dos constituintes. Teve
uma maioria confortavel. A base foram os interventores. Os adver-
4. Ver FIAHNER, June E. Amulherbraileva e sucslutas sociais epolitica: 1850-1937. Sao
Paulo: Brasiliense, 198I. p. I 20-1.3. ldem.1934: a Constituinre. Rio deJaneiro: Civilizagao Brasrleira, 1969, p.I7l
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A HrrOnn ons Cousrrurqors BnastrrrRas
s6rios foram vigiados at6 o momento p6s-eleitoral. como persona-gem de fiIme de humor, o chefe de policia de s6o pauro chamouao seu gabinete Macedo soares, que tinha sido eleito na eleig60 demaio. Recomendou "que se abstivesse de usar a linguagem que vemempregando em suas conversag6es com amigos p"lo telefo.r"" ,
os trabalhos tiveram inicio em 15 de novembro de 1933 e fo-ram at€ 16 de julho de 1934, quando a Constituiqao foi promul_gada. os debates foram acarorados. os simpatizantes da ditudrrrucriticaram duramente os trabalhos da constituinte. para o generalDaltro Filho, a assembleia "devia ser um sor, donde irradiasim to-das as claridades, empanando-se na obscuridade
dos projetos e an,teprojetos, que se multiplicam numa horrivel confusao... Corrt.rrr_plando-a de fora, tem-se a impressdo d.e um ajuntamento amorfo,a debater-se numa agitagao esteril".6
Os epis6dios da guerra civil de 1932 estiverarn presentes nosdiscursos de viirias sessOes. O regimento, feito pelo goi"rro _ e n6opelos constituintes - seis meses antes, permitiu uma novidade: osministros podiam comparecer ds sess6es, participar dos debates,mas nio tinham direito a voro. E mais: osvardo Aranha, ministroda Fazenda. foi eleito lider da maioria na constituinte. Foi algobizano - mais uma das anomalias da Constituinte, com os repre_sentantes classistas -, pois como ministro ele era inelegivel, *u,participava dos trabalhos, falava, defendia propostas, s6 nio podiavotar. E diversos ministros estiveram presentes ds sess6es.
A Constituiqao de 1934 inaugurou a minucia e o porrnenor, aindistingio entre a legrslaqao ordirriria e a constitucional. Isso fica er,,r-
denciado pelo numero e abrang€ncia dos artigos. Enquanto a consti-tuiqao de lB91 tinha 9r, a de 1934 mais que dobrou: rB7 artigos. Nocaso das disposiq6es transitonas, o crescimento foi maior aindal saltoude oito para26 artigos. O govemo tinha envrado um anteprojeto me_nor para os constituintes, que o ignoraram, como em IBgl: tinha 136artigos e mais oito nas disposiqOes transitorias.
s..\ g Ll44_4 e,4,{-q_q.f i 't-urt '--;
r ,. -," 1934: n6o havia lugar para os liberais/\a(/{
ial. Era
No
u os direitos
nacional recebeu
reservados nove
5^^C-ana
deJuarez Ti.oraparaGetrilio vargas, 22 de julho de r933. In: sILVA, H6lio, 1968,p. 206.
5. Apud CARONE, Edgard. A RepublicaNova (jg30-jg37). Sdo paulo: Dtfel, 1974, p. 323.
48
ut
individuais. Foi concedido o estado de guerra, que implicava a sus-
;A"a;"ffi garantias constitucionais. A obsessxo pela seguranqa-h.go,
a tal ponto que "nenhum brasileiro poder6 exercer flungio
publica, uma vez provado que n2o esta quite com as obrigagOes
estatuidas em lei para com a seguranqa nacional" (art. 153, S 2e)'
ggulr-e-_*o*e**adp-{p:rs-s_tip*1gg"9-9_f :i:do.osEstadosUnidosnao eram mais o modelo. e i"td*iao*ytffi-*---@nffi?ffiavam is ideias liberais, consideradas anacronicas.
6ffi,o, e ex-deputado Giherto Amado comentou que "ndo havra
lugar para os liberais". Afonso Arinos, que anos depois seria um dos
mais importantes lideres da Uni6o Democrdtica Nacional (UDN) e
um dos mais enfiticos defensores do liberalismo, escreveu, em caila
a Getrilio Vargas, que o "Brasil precisa de um Estado forte. E esse s6
os moqos, que o sentem necessdrio, poderao criar". Ainda antes da
instalacio dos trabalhos, e criticando o lider mineiro Antonio Carlos,
que foi eleito presidente da constituinte, disse que o velho politico
representava a"rala6gua com aqucar do liberalismo flor de laranja".T
Prado Kelly - outro udenista historico e que foi constituinte - na
justificativa de uma emenda elogiou o plano quinquenal da Uniao
Sovi6tica stalinista: "Os resultados dessa otganizaqAo animam a que, a
despeito da diversidade de sislema, principio an6logo se inscreva nas
constituiqoes republicanas, j6 libertas do preconceito individualista
do liberalismo econdmico". Nio satisfeito, elogiou a coletivizaqao do
campo, que levou 2t morte de milhoes de camponeses: "Sobre a ques-
tao agra]ira, conv€m referir os resultados da organizaqlo (compativel
com o nosso regime politico, de adotar o pnncipio fundamental do
cooperalivismo na grande produqao agricola) proposta por Molotov"'8
7. Apud SILVA, H61io, oP. cit., P. 22I.
S. npua SILVA, Helio. i9J4: a Constituinte. Rio de Janeiro: Civilizaqao Brasileira, 1969,
p. 135-6.
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A HrsrOnra DAS CoNslrutCOEs Bnnsrrernas n''- ' n!fu'[,""l**-"_#'"irJ----
**-=Foi garantido tambem o estado de sitio, que concedia ao Exe_
cutivo amplos poderes e a suspensdo das garantias individuais,alem da imposiqdo da censura: "Ndo serd obstada a circulagao doslivros, jornais ou de quaisquer publicaq6es, deJd-e_ que os seus au_
tores, diretores ou editores os submetam a-"eepu.a$ (art. 174, $
-?:),"Acensura poderia ser adotada are mesmo e- epo.u d-e-1iili.
No capitulo dos direitos e das garantias individuais, estranhamen-te, € incluida a censura: "A publicaqdo de livros e peri6dicos in_depende de licenqa do poder publico. Ndo ser6, por€m, toleradapropaganda de guerra ou de processos violentos, para subvertera ordempolitica ou social" (art. l13, g 99. A Constituigdo, nesseponto, nZo diferiu muiro do que era adotado pelo Governo pro_
vrs6rio. At€ foi mais "iiberal". Indagado por um constiruinre, emdezembro de 1933, sobre os criterios da censura, o ministro da
Justiga, Antunes Maciel, respondeu que deveriam ser censurados:"a - as criticas ao governo, em termos acrimoniosos; b _ agress6ese refer€ncias pejorativas aos seus membros; c - noticias que, dequalquer forma, possam prejudicar a ordem publica e estimularsubversOes; d - agressoes pessoais a quem quer que seja; e - cn_ticas aos governos estrangeiros e seus representantes; f _ quais-quer informag6es que possam produzir alarme ou apreensOes,mesmo no terreno financeiro e econOmico, g - meros boatos, detendenciosidade manifesta". O ministro terminou a resposta emtom ameaQador: "Devo frisar que, por dever de cortesia respeitosa,responderei a este primeiro pedido de informagOes;mas julgo-medesobrigado de corresponder a outros".e o ministro nio brincava
em serviqo. Um ano antes, o Diano Canoca,jornal critico do go-verno, teve suas instalaq6es destruidas, atacado por mais de 150homens, dos quais 50 eram oficiais do Ex6rcito. No dia seguinte,os jornais do Rio de Janeiro, em protesto, deixaram de circular.
O nacionalismo foi a pedra de toque da Constituigio. pela pri_meira vez foi reservado um titulo exclusivo para a ordem econO_
mica e social. E nitida a influ€ncia da constituiqdo mexicana de
Apud idem, ibidem, p. I33
'1934: n5o havia lugar para os liberais
1.9.I/*a primeira "a dispor especialmente de artigo completo sobre
rrs relagOes entre empregados e empregadores", mas "coube ir Cons-
tituiqio de Weimar a criagao, aL€ errllo inedita, de um titulo inteiro
sobre a vida econ6mica e social".lo Aos bancos ficou determinado
clue haveria a "nacionalizaqlo progressiva", assim como das empre-
sas de seguro. Por lei seria tamb6m regularizada a"nacionalizaqao
progressiva das minas, jazidas minerais e quedas-d'agua ou outras
lbntes de energia hidraulica, julgadas basicas ou essenciais 2t defesa
ccon6mica ou militar do pais". O escritor Monteiro Lobato, um de-
lensor entusiasta da exploraqio do petroleo por empresas privadas,
fbi um severo critico dessa politica: "A nova lei constitui o mais lin-
do trabalho ainda feito no mundo para manter o subsolo dum pais
em rigoroso estado de virgindade at€ o momento em que o espirito
santo de orelha entenda de explord-1o".11
Os sindicatos foram reconhecidos e o artigo 121 detalhou um
verdadeiro programa de proteqdo ao trabaihador, indo do salario
minimo, passando pelo limite didrio da jornada de trabalho e f6-
rias, d proibigio do trabalho a menores de 14 anos de idade, entre
outras medidas. A maior parte delas ndo teve nenhuma aplicagdo
pratica ou acabou sendo postergada. Entendeu-se que as medidas
de proteqio ao trabalhador estavam restritas ao mundo urbano,
tanto que "o trabalho agricola sera objeto de regulamentaQao espe-
cial, em que se atenderA, quanto possivel, ao disposto neste aftigo.
Procurar-se-A frxar o homem no campo, cuidar da sua educagao
rural, e assegurar ao trabalhador nacional a prefer€ncia na coloni-
zaqAo e aproveitamento de terras priblicas".
Se nada foi feito para "fixar o homem no campo", foram esta-belecidas medidas contra o trabalhador estrangeiro. Adotou-se a
politica de repressao e expulsdo de lideres operdrios estrangeiros,
alguns dos quais desde crianQas no Brasil. No capitulo dos direi-
tos e das garantias individuais, foi aprovado que a "Unido poder6
I0. MORAIS FILHO, Evaristo. "Da ordem social na Constituiqao de 7967".In; CAVAL-
CANTI, Themistocles ef aI. Estudos sobre d ConstituiQao de 1967. Rio de Janeiro: FGV 1968,
p tB2-3.
11. LOBATO, Monteiro. O escdndalo dopetroleo eJerro. Sio Paulo: Brasiliense, 1959,p.47.4
Ly'..tl'gr*-'-"50 . ,-,f r.r-"C^.''
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\ \.a.,n.4. r-*- h fr
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A Hrsron,aLqs Cor,,s-r'ureorsBRasrLlnas
expulsar do territ6rio nacional os estrangeiros perigosos d ordem
publica ou nocivos aos interesses do pais" (art. 113, $ 15). E os
que tinham obtido anattralizagdo poderiam perd€-la "por exercer
atividade social ou politica nociva" (art. 107, c).
,/' E a velha mania nacional de propor e nilo fazer, e de tentar
criar obst6culos ao que deu certo, como a grande imigragdo, que se
iniciou no fltimo quartel do s€culo XIX. De acordo com a Cons-
dtuiqao, a "entrada de imigrantes no territorio nacional sofrerd as
restrigOes necessdtias A garantia da integraqao 6tnica e capacidade
fisica e civil do imigrante, nao podendo, por€m, a corrente imigra-
toria de cada pais exceder, anuaimente, o limite de dois por centosobre o nfmero total dos respectivos nacionais fixados no Brasil
nos riltimos cinquenta anos". E mais: "E vedada a concentraqio de
imigrantes em qualquer ponto do territ6rio da Uniao, devendo a
lei regular a seleqAo, localizaqAo e assimilaqao do alienigena" (art.
121, gg 6n e7a)
xenof6bico trnha a sua historia. As reflex6es
de Alberto Torres e Manoel Bomfim deram a"base teorica". Para
Torres, era necessdrio controlar os nucleos coloniais, onde, segun-
do ele, se perpetuavam linguas e costumes alheios aos do Brasil, e
onde governos estrangeiros comeeavam a exercer uma especie de
fi.scalizaqao politica: "insistimos na politica de colonizagAo, apesar
da prova evidente de seus desastrosos resultados". JApara Bomfim,"dado o nivel medio mental, social e politico das populag6es, nAo
6 possivel a grossa e intensa injegio de imigrantes, sem que o de-
senvolvimento natural se desequilibre profundamente, sem que a
vida geral da NaqZo se perturbe, e que todo o carAter nacional se
ressinta".12
O que estava ocorrendo no Brasil nao era um fen6meno isola-
do. Depois da Primeira Grande Guerra (1914-1918), "propagou-
I2. Ver, respectivamente, GENTIL, Alcides. As ideias de Alberto Torres. SAo Paulo: Nacio-nal, 1938, p.422-3; TORRES, Alberto. O problemanacionalbrasileiro. Sao Paulo: Nacional,1978, p. 22; BOMFIM, Manoel. O Brirsil. Sao Paulo: Nacional, 1935, p. 337. Tamb€m a
lrteratura modemrsta 6 critica da imigraqao. Em A revolugd,o melancdlica, Oswald de Andradeataca a imigraqao japonesa: "O imperialismo japon€s disciplinava a a\ma dos amarelos, pe-quenos, retacos, dissimuiados" (Rio deJaneiro: Civilizaqdo Brasileira, 197I, p. 15).
52
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1934: n5o havia lugar para os liberais
-se no mundo inteiro uma vaga de nacionalismo que, uns apos
os outros, atingiu todos os paises. Destas tendencias nacionalistas
prov6m a preocupaqdo de nAo deixar formar em seu seio nucleos
estrangeiros capazes de reivindicar a autonomia cultural ou politica
e de comprometer a unidade moral e politica da nagao".]3
As grandes greves operarias que marcaram o primeiro quartei
do seculo XX, com presenQa hegemdnica de trabalhadores estran-
geiros, foram sinais de alertaparu o grande empresariado. VArios
decretos de expulsdo foram promulgados contra os "estrangeiros
indesejaveis". Logo ap6s a Revoiugdo de 1930 essa politica foi
mantida, mas adotou-se um manto nacionalista, de proteq2o dotrabalhador brasileiro, limitando as oportunidades de emprego
aos operdrios estrangeiros. O decreto 19.482, de 12 de dezembro
de 1930, pouco mais de um m€s apos a posse de Getrilio Vargas
na chefia do Governo Pror,rsorio, restringiu a entrada no territ6-
rio nacional de passageiros estrangeiros de terceira classe. Entre
as justificativas, alem da intervenQio do Estado, "em favor dos
trabalhadores", foi associado o desemprego com a mobllizaqlo
politica liderada pelos operdrios estrangeiros: "uma das causas do
desemprego se encontra na entrada desordenada de estrangeiros,
que nem sempre lrazem o concurso util de quaisquer capacida-
des, mas frequentemente contribuem para o aumento da desor-
dem econdmica e da inseguranga social". O artigo 2qdeterminava
que "a nenhum estrangeiro que pretenda, vindo par^ o Brasil,
nele permanecer por mais de 30 dias, serd permitida a entrada
sem provar que possui; no minimo, quantia correspondente, em
moeda nacional, a dois e trcs contos de r€is, tratando-se, respec-
tivamente, de individuos ate doze anos e maiores de doze anos
de idade". O mesmo decreto aproveitou para criar um "impos-
to de emerg€ncia sobre os vencimentos de todos os funciondrios
da Uni6o, civis e militares, quer sejam titulados, comissionados,
contratados, mensalistas ou diaristas".
13. SORRE, M. "Os problemas geogrdficos atuars das migraQoes". Boletim Geografco,
n.I22, p. 273, set.-out. 1951.
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Quase dois anos depois, o gorr.irro obrigou{J.-Or.ru, u.*-pregar, no mdximo, um terqo de m6o de obra estrangeira.i+ No ex-
tremo, isso limitava o crescirnento das industrias e da pr6pria agri-cultura. Como havia escassez de mio de obra no Sudeste, abria-se
como unico caminho o deslocamento de trabalhadores de outras
. 1.egro-e_s,_914_9lrg-u abundAncia de fgrei de trabalho. Do Nordeste
-" e $gVin?r G.irU se deslocararp-ctntenas de milhares de trabalha-dores pari o Sul-Sudeste. '-"
Nio e acidental, portanto, que durante os trabalhos da Assem-
bleia Constituinte fosse duramente criticada a imigraqAo de traba-lhadores estrangeiros e, em contrapartida, valorizado o trabalhadornacional. Para um constituinte, o Brasil, que "tem uma raga t6o
forte, tdo adestrada, que possui um povo uo inteiigente e proficuo,nio pode fiazer pata o seu solo, prejudicando a sua vida social, a
sua vrda econOmica, a sua vida politica, e pondo a todos os instan-tes em perigo o sossego de seus filhos, uma especie de gente que €,
no dizer dos colegas que estudaram profundamente o assunto, pordemais perniciosa para os interesses nacionais".15
Um grupo de constituintes centrou suas criticas na imigraqdo asi-
6tica (entenda,se a imigragio japonesa) e de africanos, que, inclusi-ve, ndo se colocava no momento, mas funcionava como uma esp6cie
de prevengio diante de alguma iniciativa nesse sentido. Segundo o
constituinte Miguel Couto, conceituado m6dico da epoca, deveria ser'lproibida a imigragdo aft',Lcana ou de origem aficana, e so consentida
a asiittica, na proporgdo de 5 por cento, anualmente, sobre a totalida-de de imigrantes dessa proced€ncia existentes em ternt6rio nacional".
Outros foram mais radicais, como Xal'rer Oliveira: "para efeitode resid€ncia, e proibida a en:rada no pais de elementos das ra-
Qas negra e amarela, de qualquer proced€ncia". E justificava: "De
orientais pouco assimildveis, bastam no Brasil os cinco milh6es que
r4. Ver LUIZETTo, Flivio Venancio. os constituintes em face da imigragdo: estudo sobreo preconceilo e a discriminagdo racial e etnica na Constituinre de 19i4. sao paulo, I975.DissertaQao de Mestrado, USP
15. Anais da AssemblaaNacional Constinlinte. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935. vXIII, p. 260.
n5o havia lugar para os liberais
somos, os nordestinos e planaltinos de Minas, Bahia, Mato Grosso
c Goids, sem falar nos autoctones da Amaz6nia, os quais quatro
s€culos de civilizaqio passaram indiferentes i sua inferioridadepatenteada numa decad€ncia incontestdvel, que marcha para umacxtinQao hlvez nao remota".l6Tal opiniAo nio era compartilhadapor outros constituintes. Um deles, Gaspar Saldanha, disse que o
colono nacional "em nada 6 inferior ao estrangeiro e, ao contrdrio,lhe e superior na intelig€ncia e, ate, nos mdimentos de cultura,porque 6 necessdrio dizer, posto pareea ser um absurdo, que o co-lono estrangeiro n6o tem as mesmas luzes que o colono nacional".tT
Ao mesmo tempo que os constituintes limitaram a imigragio,laprovaram medidas de "melhoria da raqa". Entre as tarefas do go- iverno estava a de "estimular a educaqdo eugenica", "cuidar da higie-;ne mental e incentivar a luta contra os venenos sociais" (art. 138,''1
itens b e g). Muitos dos constituintes eram m6dicos, como A. C...'
Pacheco e Silva, que afirmou durante a Constituinte que "ha umesforqo continuado para se obterem melhores cavalos, suinos, ca-
prinos, enquanto se recebem as correntes imigrat6rias sem uma se-
legdo individual dos imigrantes, desprezando os mais elementares
preceitos indispens6veis d defesa daraqa". Afirmou que a Alemanha
e os Estados Unidos tinham adotado a "estenlizaQao de anormais e
degenerados", evitando a "uniflo de elementos tarados, cujos produ-tos serao fatalmente entes prejudicados, nocivos ao meio social".lB
A eugenia foi associada d formaqio da familia que 6 "constituida
pelo casamento indissohivel". A lei civil "regulara a apresenheao
pelos nubentes de prova de sanidade fisica e mental, tendo em
atenQao as condig6es regionais do pais". A pequena corrente di-vorcista foi esmagada pela maioria defensora da indissolubilidadedo casamento. O constituinte Anes Dias, tamb€m m6dico, disse
que "mesmo aqueles que se orgulham de uma ascend€ncia simia
sao levados a considerar a monogamia como a forma normal de
associaqAo sexual humana". E concluiu: "Libertando o div6rcio
Ibidem, v.lV, p. 492,493, 546 e 549.Ibidem,v. X\4, p.403.Apud SILVA, H61io, op. cit., p. 278 e 280
A Hrsronra DAs CoNslrurcoEs BnlsrrrrRls,l
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A HrsrOnrn DAS CoNsrlrulqoEs BnnstrrtRns
aos dois cOnjuges, vai a lei dar a estes tarados, viciosos e crimi-
nosos, carta branca para fundarem novas familias, para a Consti-
tuigZo das quais so poderAo levar as suas taras, os seus crimes, os
seus vicios. E ao inv€s de punir esses criminosos e viciados, a ler
divorcista lhes darA a autorizaqAo para repetirem o mal que moti-
vou o div6rcio. Que bela conquista da eugenia! E chama-se a isso
establl\zar a familia!" ]e
O desvio das quest6es constitucionais para o tratamento de te-
mas afeitos a legislaqio ordiniria € recorrente. O artigo 184 dispOs
que "as multas de mora por falta de pagamentos ou taxas langados
ndo poderio exceder de dez por cenlo sobre a importdncia em de-
bito". O arttgo 127 determinava que seria "regulado por lei ordini-
ria o direito de prefer€ncia que assiste ao locat6rio para a renova-
gao dos arrendamentos de imoveis ocupados por estabelecimento
comercial ou industrial". Ate o vestibuiar foi constitucionalizado
(art. l5O, $ unico, e). "limitaQZo da matricula d capacidade didatica
do estabelecimento e seieqio por meio de provas de inteligencra
e aproveitamento, ou por processos objetivos apropriados A fina-
lidade do curso". Mas o constituinte nAo esqueceu de aumentar
os impostos dos proprietirlos de imoveis, tarefa que poderia ser
proposta na esfera estadual ou na municipal e nio na Constituiqio
federal. "Provada avaTorizaQAo do imovel por motivo de obras pu-
blicas, a administraqdo, que as tiver efetuado, podera cobrar dos
beneficiados contribuigdo de melhoria" (art. I24).
Com o intuito de lalar de tudo um pouco' os constituintes nao
perderam a oportunidade de dissertar sobre o nada. O artigo 113,o mais longo da Constituigio, no inciso 34, disp6s: "A todos cabe o
direito de prover d propria subsist€ncia e a de sua familia, mediante
trabalho honesto". No item seguinte chega a detalhar o fluxo ad-
ministrativo de um processo: "A lei assegurarA o rApido andamento
dos processos nas repaftigOes publicas, a comunicaqio aos interes-
sados dos despachos proferidos, assim como das informaqOes a que
estes se refiram, e a expedigdo das certidOes requeridas para a de-
19. Idem,ibidem, p. 276 e 277
56
1934: n5o havia luqar para os liberais
fesa de direitos individuais". Mas o pior estava por r,rr. No mesmo
artigo foi determinado que "nenhum imposto gravara diretamente
a profi.ssao de escritor, jornalista ou professor".
Pela primeirayez:na nossa historia constitucional, os indigenas
foram citados. Entre as atribuigOes da Unido (art. 5o) foi incluida
a "incorporaqdo dos silvicolas i comunhao nacional". E o artigo
129 imp6s aos indigenas a necessidade de serem sedentArios para
obter o reconhecimento das suas terras: "Sera respertada a posse
das terras de silvicolas que nelas se achem permanentemente loca-
lizados, sendo-lhes, no entanto, vedado ahenA-las". Tambem pela
prlmeira vez foi um quantum orgamentdrio fixo para determinado{rm. O afiigo I77 dispOs que "a defesa contra os efeitos das secas
nos estados do Norte obedecera a um piano sistemAtico e serd per-
manente, ficando a cargo da UniAo, que despenderd, com as obras
e servigos de assist€ncia, quantia nunca inferior a quatro por cento
da sua receita tributiria sem aplicagdo especial". Esse precedente
depols transformaria, equivocadamente, os textos constitucionais
em esboqos orQamenhdos.
Ficou definido que a eleigdo presidencial seria "por sufragio
universal, direto, secreto". Pela primeira vez as mulheres pode-
rjam votar para presidente. Pena que isso s6 ocorreu em 1945, 11
anos depois, tendo em vista que as eleiq6es de 1938 nio ocorre-
ram por causa do golpe do Estado Novo, em novembro de 1937.
Cada legislatura foi aumentada em um ano, passando para quatro,
coincidindo a eleigdo com a do presidente da Republica. Aos ter-
ritorios foi permitido que elegessem, cada um deles, dois deputa-
dos. F"oi g3m+F{q.1 p,1-lticipaeao na CAmara dos Deputados dos
re-ple$-e"n!3ltes ciassista g- - c-49o uni gq nas.nossas C onstitlligoes -,
divididos-"enfie lavo-ura, pecudna, industria, com€rcio,. transpor-
tes, profissionais liberais e funciondrios priblicos. Os senadores
tiveram o mandato diminuido para oito anos e cada estado ficou
com dois representantes, e nao tr€s, como determinado pela Cons-
tltuisio de 1891.
Nas dlsposiQ6es transitorias foram garantidos dois artigos fun-
damentais para o governo. De acordo com o artigo 18, "ficam apro-
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A HrsrOnta ons Corusrrrurgoes Bnnsrrrrnas
vados os atos do Governo Provisorio, dos interventores federarsnos estados e demais delegados do mesmo governo, e excluidaqualquer apreciaqio judiciaria dos mesmos atos e dos seus efeitos',.A viol€ncia e explicita: todas as medidas discricionarias dos go-vernos federal e estaduais estavam aprovadas constitucionalmente,sem que os prejudicados pudessem acionar a justiga, pois estavaexcluida qualquer apreciaqio judicial. Nao se falava em nenhumtipo de medida. Nada. Todos os atos estavam aprovados.
Somente para o primeiro mandato presidencial foi adotada a
eleigdo congressual (nao havia vice). A proposra de eleiqdo indi-
reta, que fazia parte do anteprojeto do governo, foi derrotada. Opleito foi realizado no dia posterior a promulgagio da Constitui-QAo. Os constituintes votaram no presidente por escrutinio secre_
to. Visando facilitar a eleiq2o de Getulio Vargas, foram eliminadasas incompatibilidades. Dessa forma, Vargas podia ser candidatoestando no exercicio da Presidencia e com poderes absolutos. Deultima hora foi apresentada a candidatura de Borges de Medeiros,que tinha sido o padrinho politico de Vargas na esfera estadual e
governado o Rio Grande do Sul por 25 anos. Medeiros apoiou osrevoluciondrios de 1932 e ficou preso por um ano. Teve os direi-tos politicos cassados. Permaneceu detido em pernambuco, ondeescreveu at6 uma proposta de Constituiqio, que foi ignorada pelosconstituintes.2o Acabou anistiado em maio de 1934, dois meses
antes da eleigdo presidencial. Ndo teve tempo para fazer campa-nha. Mesmo assim, ficou em segundo lugar, com 59 votos. Vargasvenceu, com 175 votos.
Nas disposigdes transitorias ficou estabelecido que o gover-no estava "autorizado a abrir um credito de 300:000$000, paraa ereQao de um monumento ao marechal Deodoro da Fonseca,
proclamador da Repriblica" (art. 15). Em 1892, a Cdmarados De-putados jA tinha discutido um projeto para a construeao d.e ummonumento homenageando Deodoro, na praQa da Reptblica, que
20. o senado republicou em 2004 o liwo o pod.er Moderador no Repiblica presidencial,com introduqao de Antonio Paim.
58
1934: n6o havia lugar para os liberais
acabou sendo esquecido, e outro no cemit6rio Sio Francisco Xa-
vier, que foi construido.
E a nova capital? Nio foi esquecida, claro. Desde 1891 - a ndo
ser a confecqdo de um relat6no de trabalho de uma comissio -nada tinha sido realizado. Os constituintes voltaram ao tema, mas
nio foram tao detalhistas. Optaram por, simplesmente, indicar
que "serd transferida a caprtal da Unido para um ponto central do
Brasil". No entanto, nada de pr6tico f.oirealizado para a efetivagZo
do artigo constitucional.
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It.ii- ' I it
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4
1937: o autoritarismo tupiniquim
QUANDO AS CIRCUNSTANCIAS PERMITEM
- M0e0, M0e0, EsTt E0NDE pAssA NA RUA DA CONST|TU|CAO?
* is vrzrs.
A CoNsururqAo DE 1934 Ene uue esp€cie de pedra no caminho de
( ietulio Vargas. Aceitou arealizaqilo da Constituinte, pois nao havia
nrais como adiA-Ia, princrpalmente apos os acontecimenios que ie-
varam i Revoluqdo Constitucionahsta de 1932. Passou a ser ponto
cle honra a realizaqAo das eieiQOes. Por€m a plena constitucionali-
zaqao do pais era outra historia, pois levaria ao estabelecimento de
limltes para a autoridade, a fixaqao dos mandatos, a possibilidade
cla alterndncia no poder, como em qualquer regime democr6tico.
Oproblema residia justamente ai:..4 m4io-1 pa11e da elite politica
nao comungava dos valores democrdticos-.. Quando compareceu a
Cimaia dbs oep"tiAo; Ail i 930 ftCi:nte ni'o;, ministro da Justiqa,
irtacou 'o doloroso anacronismo d'a liberal democracia que d.esar-
mava o Estado na luta contra seus inimigos".l
Getulio Vargas era mais que um advers6rio dos valores demo-
crAticos. Havia uma sensivel diferenga: ele era o presidente da Re-
L Apud CAMPOS, Reyraldo Pompeu. Repressdo judicialnoEstado Novo: esquerda e direiia
uo banco dos reus. Rio deJaneiro: Achiam€, 1982, p. 39.
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I
II
Iti
A Hrsr6nra o,ls Corusrrrurgoes Bnlsrrrrn,qs
publica. E do centro do poder ia paulatinamente tecendo amplaafticulaQao para se perpetuar no poder. Necessitava, contudo, quedo campo oposto viesse uma ameaQa que justificasse a imposiqaoda ditadura. Nio precisou se esforgar muito, pois ld estavam oscomunistas e o capitAo Luis Carlos prestes, sedentos para, por meiode um golpe de mdo, chegar tamb6m ao poder.
Dessa forma, a insurreigao comunista de novembro de 1935acabou facilitando a aeao governamental de asfixiar as riberdades
democrdricas e impor uma diradura. Gg[1!lg_Jjlgg:.'1160--qusria"4pSg3**s-e--nraruer -no-podrr, Que.ria mals,* Dese;aytuJer as md,os
Jtges,." AJ"mggylds!*".god%es. discr.icionasios*-Espahgy (e reve a
ajudadeinf merosacolitos)ggegC,gIHtiLt*gA9_e_m- jl[hg;3l*#prralr"e u gf edia-o"efuivo exercicjo rr.lgoverfl9 ..
" A or ganizagio cons-1, titucional de rg34,vazadanos moldes cl6ssicos do liberalismo e do
' sistema representativo, evidenciara falhas lamentdveis, sob esse e
'outros aspectos. A Constituigdo estava, evidentemente, antedatada
,r em relagZo ao espirito do tempo. Destinava-se a uma realidade que
. deixara de existir. conformada em principios cuja validade nao re-
1 sistira ao abalo da crise mundial, expunha as instituigOes por ela
i mesma criadas d investida dos seus inimigos, com a agravante de
i, enfraquec er e amenizar o poder publico".2
AradicalizaQao interna dava certa veracidade ao argumento. Osintegralistas tentavam reproduzir por aqui a mesma agao dos na-zifascistas na Europa. Uniformizados de verde, com o sigma gregocomo bragadeira, aos gritos de "anau€, anau€", simulavam as mili-cias fascistas. contudo, lembravam mais
um desorganizado desfilecarnavalesco. Foram apelidados de galinhas-verdes. No entanto,ameaQavam os opositores com viol€ncia e contavam com o apoio,nem sempre dissimulado, da pohcia.
Por outro lado, os comunistas queriam fazer a revolugdo quenl,o frzeram em 1930. Luis Carlos prestes, depois de passar trOs
anos em Moscou, retornou clandestinamente ao pais. O.,cavaleiro
2. VARGAS, Getrilio. A nova politica do Brasil. Rro de Janeiro: Jos6 Olympio23 e24.
62
1937 o autoritarismo tupiniquim
tlrr esperanqa" tinha trocado Comte por Marx. Chegou acompanha-
rlo de uma alemA, que era funcionaria da lnternacional Comunista:
( )lga Benario. O Partido Comunista nao passava de um agrupa-
r)tento securio, como tantos outros, mas tinha uma diferenqa: exer-
t ia alguma influ€ncia no Ex€rcito. E foi usando a forqa armada que
lcntou um golpe de Estado, em novembro de 1935, tendo como
lrases tr€s cidades: Natal, Recife e principalmente Rio de Janeiro.() governo sabia da imin€ncia do golpe. Pouco fezpara abortar o
rnovimento. Era bom que ocorresse. Daria muniqao para impor a
lcpressao aberLa. E pior: com as devidasjustificativas.
Sem nenhum apoio popular, os comunistas foram reprimidos,cletidos e muitos acabaram assassinados. Para Vargas, a presenqa de
cstrangeiros no movimento caiu como uma luva. Era a demonstragdo
cabal de que a infiltraqio comunista era parte de uma conspiragio
internacional contra o Brasil.Milhares foram presos em todo o pais.
r-uis Carlos presres foi cond#iA;"a30"ii6;'a. ;ii;d,i N,r*i aut
rrudidncias do processo chegou a ser agredido, em priblico, por um
guarda. Sua mulher, Olga Bendrio, recorreu ao STF para obter um
habeas corpus que a liwasse de uma deportagdo para a Alemanha,
clue tinha sido solicitada pelo governo nazisla. O Supremo negou.
Bla foi deportada (gravida) para aAlemanha, vindo a falecer em um
campo de concentragao, em 1942.ft1gr,ryp"iggL".+.l9--o,tA.g,,c.,]lJg"l9.pg
ve{dadeua-ercA*bg:IxglL".hih*#srams*k'lo."Tt1l.Id-o*sa-kqsao
Paraprntege--loJzu fu"L.pi
de ftalqgAo* 49s* AIUI$ts".' Os p ropa gandistas o fi cia is espalharam
que oficiais foram mortos dormindo, durante a rebeliao comunista,
o que nunca ocorreu e sequer foi usado como acusaQao nos proces-
sos do Tiibunal de Seguranqa Nacional (TSN).
A repressdo se abateu sobre todos os opositores de Vargas,
independentemente da simpatia ou nao (como a maioria) pelos co-
munistas. Imediatamente foi imposto o estado de guerra e depois
o de sitio. De acordo com Filinto Muller, o sinistro chefe de Policia
l. Ver MORAES, D6nis de; VIANA, Francisco. Prestes: lutas e autocriticas
zes, 1982, p. 83; e DULLES, John W E Sobral Pinto: a conscicncia do Brasil
Nova Fronteira, 2001, p. 96-109.
Petr6polis: Vo-
Rio de Janeiro:
i-l
i . t.; ,. : '*-'"-) ,*-u"". t' ', r.i , ,{,.' , 63
!"r ' .r', .a if: \, .t"/i i'i"J'" l' '
1938. v ! p
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"3/ I "' F. / \--l
A H'sr6nra oas CorusrrrurqoNBResrLrrnas
tando com amplo apoio do Congresso Nacional, que deu at6 mes-
mo seu beneplacito )r suspensio da imunidade dos parlamentares,muitos dos quars foram detidos e processados.
Na histeria anticomunista produzida pelo governo, foi criada a
Comissio Nacional de Repressao ao Comunismo. De acordo comseu presidente, o deputado Adalberto Correia, era necessdrio ime-diatamente "mandar prender, sem delongas prejudiciais, todos os
comunistas fichados ou suspeitos, no pais inteiro, pata o que a Co-missdo jd havia entrado em contato com os governadores, pedindoa relaqao dos adeptos do credo vermelho em cada estado". para o
deputado, "era melhor fazer uma ou mais pris6es injustas do que
permitir que se ensanguentasse de novo e Uo \,'rlmente o Brasil".5
O governo criou o Tiibunal de Seguranga Nacional parajulgaros revoltosos de 1935. Foram milhares de processados, incontAveisas arbitrariedades. Um exemplo: pela suposta diferenqa de 50 gra,mas na venda de carne, um aQougueiro ficou detido por 30 dias.
Com base no decreto 869, que definia os crimes contra a economiapopular, foi processado. O decreto estabelecia penas de seis meses
a dez anos de prisio. O aEougueiro teve sorte. Acabou inocentado.6Na_s.€rand,es cidades, os presidios ficaram lotados. por rodo
odos queriam adular o poder. Mas nAo bastava
mantef'b ciima de terror. O governo queria ter poderes absolutosComo escreveu o general Gaspar Dutra: ,'As formalidades proces-suais sdo por tal forma complicadas que os criminosos terminamem liberdade". Continuou: "O formalismo juridico e o escudo emque se protegem, quando n2o e o dardo que lanqam contra a pro-
+. CAMARGO, Aspasia ef aI. o golpe silencioso e as oigens daRepnblica corporativa. Rio de
Janeiro: Rio Fundo, 1989, p. 211.
5. Apud CAMPOS, op. cit.,p.356 . . Idem, ibidem, p. 7L6-7 .
1937: o autoritarismo tupiniquim
1pria autoridade". Dessa forma, de acordo com o general, "€ precisc\agir, e agir imediatamente, sem parar ante as mais respeitaveis con-;sideragOes. Acima de tudo esta a salvaQ io da pAtia" .7
Em 14 de outubro, a Comissio Executora do Estado de Guerra
apresentou suas resolugoes. O relat6rio era severissimo. Propunha
imediatamente "proceder d prisAo de todos os suspeitos de ativida-des comunistas com devassas sobre sua vrda passada e presente. In-dicaram diversas medidas repressivas como: l. criar coldnias agri-
colas de reeducagao de comunistas considerados nio perigosos;
2. organizar campos de concentraqio para a reeducaqAo de jovens
simpatizantes do marxismo e outros para os filhos de comunistas
presos; 3 . designar prisdo em uma ilha para os comunist as; 4 . deter
todos os simpatizantes do comunismo; 5. preparar na imprensa
uma campanha anticomunista, 6. ministrar prelegOes di6rias nas
salas de aula contra o comunismo".s
Em ritmo acelerado para o golpe, faltava organizar o dispositi-
vo legal, uma nova Constituiqio. Desde 1934, o mineiro Francisco
Campos vinha preparando um anteprojeto. Era para ser apresenta-
do aos constituintes, mas acabou sendo abandonado. Retomado em
1937 , Campos foi incorporando sugestoes. O jurista era um conhe-
cido defensor do autoritarismo. Odiava as formas democrdticas de
governo. Com a ascensAo do fascismo e do nazismo, associou seu ul-traconservadorismo d riltima moda europeia. Para ele, as Constitui-g6es liberais tomavam "impossivel qualquer governo". O "Estado era
certo numero de poderes concorrentes, em conflito perrnanente uns
com os outros". O que era preciso no Brasil? Uma Constituigio com
unidade, "porque governo e um so pensamento e uma s6 agdo".eO panorama politico estava ainda mais complicado pelo clima
de disputa eleitoral. O mandato de Vargas expiraria em 1938, e as
eleig6es seriamrealizadas no inicio do ano, em janeiro. Era uma cam-
7. Apud SILVA, H61io. 1937: todos os golpes se parecem. Rio deJaneiro: Civilizaqio Bra-
sileira, 1970, p. 407-8. O documento € de 29 de setembro de 1937 e foi assinado pelosministros da Guerra e da Marinha.
8. Ver CAMARGO,op. cit.,p.219-20.9. CAMPOS, Francisco. O Estado nacional. Brasiira: Senado Federal, 200f, p. 69.
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A Hrsr6nn oas Corusrrrurq6rs Bnasrurnas
panha timida, em pleno estado de guerra. Mas Vargas manteve-se a
distAncia e nos bastidores preparou o golpe. Pela Constituiqao, ndo
poderia ser reeleito (ja tmha sido em 1934). Dessa forma, para man-
ter seu projeto pessoal, so restava uma coisa: o golpe. E assim o fez,
com o apoio das Forgas Armadas e de grande parte da elite politica.
Apesar do fechamento do Congresso Nacional (e de todo o Po-
der Legislativo), ainda em 10 de novembro de 1937 Vargas recebeu
em audi€ncia 40 deputados, ou melhor, ex-deputados. Eles conhe-
ciam a opinido do presidente sobre o Legislativo: "A manutengao
desse aparelho inadequado e dispendioso era de todo desaconse-
lhavel". Mesmo assim, todos
-todos, sem exceqdo
-foram saudar
o presidente. Ningu6m protestou. Tiveram medo. Como Vargas
escreveu, ainda no calor da hora: "Ndo nos podemos deter em fi-
ligranas doutrindrias, falsas nogdes de liberdades publicas e outras
_-ques!6es teoricas, quando o primordial € a ordem".10
i A cerimdnia do golpe teve toques bem brasileiros. Foi do Pa-
llacio Guanabara que Getrilio comunicou ao pais o golpe e a im-
tposiQao da nova ConstituiqAo. O pal6cio e l'rzinho do campo dolFluminense, nas Laranjeiras. Enquanto o ditador lia monocordica-
mente o discurso - Vargas nunca foi um bom orador -, ao fundo
era possivel ouvir os brados dos torcedores saudando os gols do
Fluminense. Em meio aos gritos de gols, Vargas dissertava enfado-
nhamente sobre as benesses da ditadura e da supressao das liber-
dades democraticas.ll
A ditadura cooptou centenas de intelectuais. Alguns foram sin-
ceros, como Graciliano Ramos. Ficou quase dois anos detido, sem
culpa formada. Foi libertado em1937 . Para o autor de Vidas secas, osintelectuais tambdm tinham de sobreviver, manter os filhos. Como
escreveu, "os espiritos mirldos dependiam de nos e era preciso calgd-
los, vesti-los, aliment6-los", e, assim, "de alguma forma nos acana-
10. Ver VARGAS, op. cit., p.25; e SILVA, HdLio. 1937: todos os golpes se parecem. Rio de
Janeiro: CivilizaQio Brasileira, 1970, p. 466 e 526. A declaragZo de Vargas 6 parte de uma
carta a Oswaldo Aranha.
t I. Para o epiS6dio, ver AMADO, Gilberto. Depois da politica. Rlo de Janeiro: Jos€ O1y'rn-
pio, 1960, p.113.
1937: o autoritarismo tupiniquim
lhamos". J6 Gilberto Freyre, em I94I, preferiu elogiar direramenre
Vargas: "homem de intelig€ncia realista". Pouco adiantou: no ano
seguinte foi detido por alguns dias, no Recife. Era uma daquelas I'rn-ganqas paroquiais. O interventor Agamenon Magalhaes era seu de-
safeto. Deteve o escritor por causa de um simples artigo de jornal.l2
4 qry!i!gr-ajg_49".1plZ 9"U tudo difere das aTtenoreL * e,Fm-lleq_lgqhgzud4gAo..s-te-Lrgry.tyAr_ssgulrexaramenr.eassuaspegadas.
Ainda bem, como veremos. Diferentemente da tradigdo constitucio-
";i-e-crffii;"1."roco"i"a;-;ffi; "ffi1.m1o-&J
Cinco
parasrsJos.E
_i"-Tg_9gr'3#cffi.1d"4.9*fl:Aiieito"g"ag-ly.esi_as" u{n siar-r-de
salto pa{1.trris"..rla.de&'s-A'dAe*bh"rdadS9.._e-
fu'_d-e..pgc1-1ci4
Logo no
primeiro paragrafo justifica a nova Carta. Diz que o presidente da Re-
publica estava "atendendo ds legitimas aspirag6es do povo brasileiro
a paz politica e social". Bem de acordo com o clima da tpoca, fala
de "infiltraqao comunista", que exigia ]rcm€dig_s_ de carater radical
c perrnanente". Sem nenhum rubo'(francisco CimpbS*.gloryllqylqk-saliti{lg, escreveu que, no passado]"n5o?i5p'fi?rfra o Estado
de meios normais de preservagao e de defesa da paz, da seguranqa
e do bem-estar do povo". Isso explicaria a necessidade de uma nova
Constituigao "com o apoio das Forgas Armadas e cedendo 2ts ins-
piragOes da opiniAo nacional". O mais fantastico € que o Executivo
detinha amplos poderes delegados pela Constituiqio de 1934, aI€m
das emendas que apagaram os direitos e garantias individuais.
O autoritarismo marca os lB7 artigos (numero id€ntico ao da
Carta anterior). A organizaqao nacional, foram reservados 37 arti-gos. f o primeiro subtitulo da Constituicao 4Jle-noplllAao mos-
,^_
,.u r* irie" ,ffif,.i6hiberlo-Torres;.
publicado originalmente em 1914"
qn" r.ilil?ataTfrmep;il os
criticos do "liberalismo" da Carta de 1891, uma esp6cie de Bibliado pensamento autoritario tupiniquim. Para Torres, a "desorgani-
zagao politica destr6i uma Naqdo mais do que as guerras".l3
12. Ver, respectivamente, MMOS, Gracihano. Mem6ias do c6rcere. Rio deJaneiro: Record,1975. v. I, p. 34; e FREYRE, Gilberto. "A prop6siro do presidenre". Culturapolitica, ano I,r.5, \94I,p. I25.
I 3. t TORRES, Alberto. A organiza.Qdo nacional. Sio Pauio: Nacional, 1978, p. 58 " .
{,"
':,
67
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hinos, escudos e armas". Foram
141,{MPOS, F*".i sco, op. cit., p. 2I7 -8
-in.it.\58 \l 69
A Hrsronrn ons Corusrrrureoes Bnasrrerru,s
Com a maior cara dura, o artigo 10 define que o "poder emana
do povo e 6 exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar,
da sua honra, da sua independ€ncia e da sua prosperidade". Isso
ap6s um golpe de Estado. O culto do poder central alcanga at6 os
simbolos nacionais: "a bandeira, o hino e as armas nacionais sdo
de uso obrigat6rio em todo o pais. Nio haveri outras bandeiras,
hiJto_s-es-
.-t4duais. Para mostrar que o artigo nao erapara ingl€s ver, Campos,
;Til% Bandeira, 19 de novembro, ,rou" dias ap6s o golpe do
Estado Novo, organizou uma grande cerimOnia priblica de queima
dos simbolos regionais. Discursou entusiasmado pelo r6dio, em
transmissZo nacional: "Bandeira do Brasil, 6s hoje a fnica e so, ndo
ha lugar no coraqdo dos brasileiros para outras flamulas, outras
bandeiras, outros simbolos". Continuou: "Tu ds fnica, porque s6
he um Brasil; em torno de ti se refaz de novo a unidade do Brasil, a
unidade do pensamento e da aqlo, a unidade que se conquista pela
vontade e pelo coragdo, a unidade que somente pode reinar, quan-
do se instaura, pelas decis6es hist6ricas, por entre as disc6rdias e as
inimizades priblicas, uma so ordem moral e politica, a ordem sobe-
rana, feita de forga e de ideal, a ordem de um rinico pensamento e
a autoridade do Brasil".la E durante oito anos os simbolos estaduais
foram proibidos.
O pverno central recebeu plenos poderes. como nunca na
b"tgnita*dc-Arasi. A Uniao poderia criar territorios, deimembra-g dos dos estados. Tamb6m poderia intervir nos estados e nomear
1r interventores (art. 9').Ja os prefeitos eram indicados pelos inter-
I ventores. Portanto, ;tag hg'g tgllh_UgLk$+q ggsleiqqo. Foi cria-jdo um novo Poder Legislativo, formado pelo Parlamento (Cdmara
dos Deputados e Conselho Federal - uma especie de Senado), pelo
Conselho de Economia Nacional e pelo presidente da Republica.
1937: o autoritarismo tuPiniquim
assim recebeu 17 artigos tratando da sua organizaqAo. Ja o Con-
selho serviu para, quando chamado, discutir alguma proposta do
presidente da Repriblica. Ou seja, qqsql.restqg P1I4lq&s_lgl 9lglo*a.Ixecufixo"*
Chico Ci€ncia, um dos apelidos de Campos, como um mineiro
desconfiado, destes de piada, para se precaver, ja dnha atado as
m6os do Parlamento. Os prqetos de lei cabiam, em principio, ao
governo (art. 64). Nenhum parlamentar poderia sozinho apresen-
tar algum projeto. Necessitaria do apoio de um tergo dos deputa-
dos. Caso o governo tivesse algum projeto sobre o mesmo assunto,
valia a sua proposta e nio a do deputado. Mas nao foi precisousar
artificio legal algum: a ditadura reinou sozinha sem nenhuma for-
ma de oposigio.
O artigo 73 concedia plenos poderes ao presidente: "autori-
dade suprema do Estado, coordena a atividade dos 6rgios repre-
sentativos de graus superiores, dirige a politica interna e externa,
promove ou orienta a politica legislativa de interesse nacional, e
superintende a administraQao do pais". Seria eleito por um Co-
Iegio Eleitoral e teria o direito de indicar um dos candidatos para
suced€-lo. O mandato seria de seis anos, e o presidente eleito -entenda-se, Getrilio Vargas - comegaria novo mandato presiden-
cial. Foram reservados sete artigos tratando da eleiqio. Pura perda
de tempo. Nio houve nenhuma eleigAo no Estado Novo, muito
menos para presidente da Repriblica. E, 6bvio, em plena ditadura,
ninguem podia reclamar. Uma lei especial definiria os crimes de
responsabilidade do presidente, regulando a acusaQao, o processo e
o julgamento. Parece um mantra estado-novista: fpi mais um artigoesquecido e nunca foi sequer redigida a tal lei especial,
A penqjle mort_e .toi ?dota$g Lela prgggg*y-gz As Constitui-
QOes de 1891 e de L934 admitiam essa pena somente'em caso de
guerra com pais estrangeiro. Dessa vez, nao. Al€m dos casos previs-
tos na legislaqdo militar para o tempo de guerra, fS:am,.$9-1ti$9a-d [4*ci1pi!?l: 1. tentar sub-
meter o territ6rio ou parte dele d soberania estrangeira;2. procurar
desmembrar o territ6rio nacional com auxilio ou apoio de Estado
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A Hrsr6nrn DAS CoNslrulqoEs BRnsrrrrRns
estrangeiro ou organizaqao de carater internacional (a refer€ncia
6 expiicita a Internacional Comunista, tamb6m conhecida comoIII Internacional); 3. tentar por meio de movimento armado des-
membrar parte do territorio nacional; 4. mudar a ordem politicaou social da Constituiqao com auxilio de Estado ou organizaQao de
carAter internacional; e 5. subverter por meios violentos a ordemsocial com o fim de apoderar-se do Estado e estabelecer uma dita-dura de uma classe social (referdncia tamb€m explicita aos comu-nistas). Incluiu um item para retirar o carAter "apenas politico" da
pena de morte: era passivel da pena capital o "homicidio come[ido
por motivo futil e com extremos de perversidade" (art. L22,I3).A tentativa fracassada de golpe, em 11 de maio de 1938, levou
o governo a editar a Lei Constitucional na 1, de 16 de maio do mes-
mo ano. Os golpistas (uma estranha associagi.o de antivarguistas,liberais e integralistas) atacaram o Palacio Guanabara, moradia pre-sidencial, e tentaram matar Vargas e familia, como uma das etapas
para tomar o poder. Acabaram sendo contidos. Oito dos assaltantes
foram fuzilados nos jardins do palacio. A lei incluiu outros quarroitens que estao relacionados a esse acontecimento. A pena de morteseria aplicada quando. 1. ocorresse uma insurreiqdo armada con-tra os poderes de Estado; 2. houvesse atos destinados a provocargueffa civil; 3. atentasse contra a seguranQa do Estado praticandodevastagao, saque, inc€ndio, depredaqdo ou quaisquer atos desti-nados a suscitar terror; 4. atentasse contra a vida, a incolumidadeou a liberdade do presidenre da Republica.
A censurafoi total. No entanto, segundo a tradigAo nacional,toda agao repressiva era legal, constitucional. Todo cidadao tinha
direito de manifestar seu pensamento, por€m haveria a censura
pr6via, para "gararrtir a paz, a ordem e a seguranga publica", da"imprensa, do teatro, do cinemat6grafo, da radiodifusAo, facultan-do d autoridade competente proibir a circulagao, a difusao ou a
representaqao". As reunioes publicas eram permitidas, mas "podem
ser interditadas em caso de perigo imediato paraaseguranQa publi-ca". Isto e, assim como a liberdade de pensamento, a liberdade de
reunido, na prdtica, inexistia. Apesar de tantas restriqOes, o artigo
70
1937 o autoritarismo tuPiniquim
123 ainda criou mais uma: "O uso desses direitos e garantias terA
por limite o bem ptiblico, as necessidades da defesa, do bem-estar,
tltt paz e da ordem coletiva, bem como as exig6ncias da seguranga
cla Naq6o e do Estado em nome dela constituido e organizado nesta
( -onstituigAo".
Em meio a todo esse clima repressivo, a Constituigao adotou
rrmplo programa em defesa da legislaqio do trabalho' O artigo 137
rratava dos contratos coletivos de trabalho, sal6rio minimo, ferias,
jornada de trabalho, estabilidade, trabalho noturno, seguro e as-
sist€ncia medica. Contudo, no artigo seguinte' amarrou os traba-
lhadores ao Estado. A associagao sindical era livre, por€m (sempre
havia um porem) somente "o sindicato regularmente reconhecido
pelo Estado tem o direito de representaqlo lega1 dos que participa-
rem da categoria". Em meio aos artigos foi incluida uma espdcie de
ltolsa-familia: "As familias numerosas serio atribuidas compensa-
goes na proporglo dos seus encargos" (art.124).
O nacionalismo - Uo caractedstico da 6poca - esteve presente
nas disposiq6es econdmicas. A Carla falava em nacionalizaqao pro-
gressiva de minas, jazidasminerais e quedas-d'agua e de industrias
consideradas bdsicas a defesa econdmica ou militar (art. 144) Os
bancos e as empresas de seguro tinham de ter proprietarios bra-
si.leiros (art. I45). Sobre as empresas concessiondrias de servigos
publicos, estas deveriam se constituir com maioria de brasileiros
na sua administraQio ou delegar a brasileiros todos os poderes de
ger€ncia (art.146). Nada foi adotado. Os bancos estrangeiros con-
tinuaram operando no pais, nao houve industria nacionaltzadae
rts concessiondrios priblicos continuaram nas maos do capital es-
trangeiro, como a Light, que controlava o serviqo de fornecimento
c1e energia el€trica, entre outras atividades, de virias cidades, como
Rio deJaneiro e Sio Paulo.
Se alguns direitos trabalhistas e um nacionalismo de opereta
adornavam a Constituieio, o importante era a coluna vertebral da
Carta,'o-uitii'-ag-loilaiismo:'O artigo 166 dispunha que o estado de
"mergcniia(quf nf -onstituicao de 1934 era tratado como estado
de sitio) poderia ser aplicado em caso de ameaga externa, por€m, o
71
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A Hrsronn ons Corsrrure0rs BnnsrLrrnns
mais impoftante, na imin€ncia ou existCncia de concerto, plano ou
conspiraqao tendente a pefturbar a paz publica ou pdr em perigo a
estrutura das instituig6es, a seguranga do Estado ou dos cidadaos.
O estado de emergOncia ou de guerra nao precisaria de autoriza-
glo do Parlamento (que, lembremos, nunca chegou a existir). Era
responsabilidade exclusiva do presidente da Republica, que podia
deter, desterrar para qualquer ponto do territ6rio nacional e privar
da liberdade de ir e vir qualquer cidad6o, censurar todas as cor-
respond€ncias orais e escritas, suspender a liberdade de reuniio e
realizar, sem nenhuma autorizaqAo judicial, busca e apreensao em
domicilio (art. 168).
Pelo decreto-\ei 1.202, de B de abril de 1939, foi delegada a
todos os interventores a aulorizaqdo de agir nos seus estados se-
gundo o disposto no artigo 168 por determinaqflo do presidente
da Republica. A unica observaqdo suplementar e que teriam de co-
municar o ministro da Justiqa aft 48 horas apos a tomada dessas
medidas. Tambdm nAo poderiam ser acionados na Justiga. Ndo €
dificil imaginar as arbitrariedades cometidas pelo mandao local, o
senhor do barago e do cutelo, como escreveu muito antes Eucli-
des da Cunha, e ainda com a chancela do todo-poderoso ditador.
Um caso exemplar ocorreu em Fortaleza, Cear6. Como era comum
durante a g[erra, foi desenvoh'rda uma campanha por civis para
arrecadar metais que seriam doados 2rs Forqas Armadas. O material
foi recolhido numa praQa central da capital cearense. No ultimo
dra da campanha, os organizadores aproveitaram para discursar e
louvar o esforgo de guerra dos Aliados. Contudo, um major assis-tiu d cerimdnia, mas nio gostou dos discursos. Considerou-os "es-
querdistas", e escreveu uma denunciapara o TSN. Quatro oradores
foram detidos, processados e condenados, um deles, a sete anos
de prisio e os outros, de trCs a cinco anos - por simples discursos.
As provas do delito? Um bilhete do major para o TSN e o depoi-
mento dos seus alunos na Escola Militar. Entre os "considerandos"
da condenaqAo,basta citar dois: 1. "considerando que ndo e crivel
que um major do Exercito se tenha equivocado na sua denuncia";
2. "considerando ainda que nao poderiam ter se enganado porque
72
clementos que sio do Exercito, um, oficiai superior e os outros'
cadetes de uma Escola Miiitar".l5
A Lei Constitucronal na 5, de 10 de marqo de 1942' apos a
declaraqao de guerra is nag6es do Eixo (Alemanha' Itllia eJapao)'
emendou alguns artigos, principalmente o 166' O presidente po-
deria,.decretar
a suspensao das garantias constitucionais atribuidas
i propriedade e d liberdade de pessoas fisicas ou juridicas, sriditos
de gsiaao estrangeiro, que, por qualquer forma, tenham praticado
atos de agressio de que resultem prejuizos para os bens e direi-
tos do Esuao brasileiio, ou para a vida' os bens e os direitos das
pessoas fisicas ou juridicas brasileiras, domiciliadas ou residentes
,ro pais" . $}.gfng:- t,.^i.!qltq"-o-:-g.i
iP.o.l9--t9-?,"
e- seus des cendente s' so -
f reramhumilhaqoes,independ,enterngp':e--d-ffiLa--ds""sp"+i6iaitlm
qU. -+aC. S,'.j;idgfi 16; ;";ris ta ou f asc !sta, e de -s91e1r1'o*u' "r'I3o "cp -
I aborad ores. A ampla mai o ri4"
eQmo-er+" sabido' n6o' repr'esenta'va--q*-J"*.- - "*'"-qfthd'..Haviam*tmnsforEnado o Brasil na s-ua
a ch;,aya!7. 'qu-lnt-?-q
pa;i;:ifi;;o sstado Novo tinha tamb€m de.agpJifll.9? lmml-gos
i
"terqqs 4q para'i Llffi calq
-nlan9la"flC"a'{i.ili" magu! 1
a-rep
ressiva e
a"s grnsillaAfl es ec g'1om lqas origi y!?l p9h gu9 {r?
' 3;dffi"ti;on}ilni-ctmai*ia aumentando a cada artigo' como
," u ,r"."rridid i de frnalizar o texto desse ao constituinte solitdrio
das Minas Gerais o direito de com mao ainda mais pesada reprimir
qualquer forma de liberdade' O artigo 170 dispunha que' durante
"o estado de emergencia ou o estado de guerra, dos atos praticados
em virtude deles nZo poderzo conhecer os juizes e tnbunais". Mas
a viol€ncia ndoparou por ai. O artigo seguinte determinava que na
..vig€nciadoestadodeguerradelxarldevigoraraConstituiqionas
purt", indicadas pelo Presidente da Republica"' Ou seja' Vargas' o
iirudor, poderia suspender qualquer artigo da Constituiqao' inde-
p"rrde.rt"*"nte do ,"n ,"o, e tudo de forma absolutamente legal'
cons[itucional.
Seriam criados uma lustiqa e processos especiais para os crlmes
contra a seguranQa do Estado' lnternamente, quando ocoffesse
15. Ver CAMPOS, Rel'naldo Pompeu de,0p' cit ,p 1 10-1.
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A HtsrOnrn oas Colistrtur(Ors BnnsttrtRns
uma "grave comoQao intestina", a "lei poderd determinar a apli-caq5o das penas da legislaqio militar e a jurisdiqdo dos tribunaismilitares" (art. 172). Dessa forma, nao havia nenhuma dissociagao
entre guerra interna e externa. Qualquer manilestagio de oposiqioa ditadura do Estado Novo poderia ser reprimida da maneira mais
violenta possivel, pois, de acordo com a ConstituigAo, caberia o"emprego das forqas armadas para a defesa do Estado" (art. 166). E
quem era a autoridade suprema do Estado, de acordo com o aftigo73? O presidente da Republica.
Fot a 'i€poca--de ouro'l.do Tribunai de Seguranqa Nacional. OTSN condenog mais de 4 mil pessoas. Uma delas foi Monteiro Lo-
bato. O grande escritor foi um entusiasta na pesquisa de pefoleo.Criou vdrias companhias de capital aberto, perfurou dezenas de po,
eos. Era um nacionalista antiestatista. Durante quase dez anos travouenorrne batalha contra os orgaos do governo que dificultavam a pes-
quisa, especialmente o Conselho Nacionai do Petroleo (CNp), criado
em 1938. Numa cartaaVargas, em 1941, Lobato atacou duramen[e
o CNP Foi detido, processado e condenado pelo TSN a'seis meses
de prisAo. Acabou cumprindo memde da pena, pois foi indultado.r6
Lobato foi um dos mais de 4 mil condenados pelo TSN duranre
os nove anos da sua trdgica exist€ncia.17As regras processuais eramabsurdas. De acordo com o decreto 428, de 16 de maio de 1938,"cada acusado nao poderia ter mais de duas testemunhas". Era per-mitido que cada testemunha fosse ouvida por at€ cinco minutos.Se no processo houvesse mais de cinco r€us, o nrimero mdximo de
testemunhas nao poderia exceder a dez. Ao advogado de defesa
so era permitido falar por ate 15 minutos, independentemente donumero de acusados no processo. O promotor tamb6m tinha 15
minutos. A sentenqa era proferida 30 minutos depois.
Para as disposiqOes transitorias da Constituigio foram reser-
vados 13 artigos. Sio dignos da literatura fantdstica. O artigo
16. Para o processo e a prisao, ver CAVALHEIRO, Edgard. Monteiro Lobato: uda e obra.Sdo Paulo: Nacional, 1955. v l, p.,109-69, ev.2,p.473-98.17. CAMPOS, Reynaldo Pompeu de, op. cif. O TSN condenou,l.099 pessoas em 6.999processos.
74
193-/: o autoritarismo tuPiniquim
1 75 clctt'rrrn;rvil ([ue o prtmerro periodo consLitucional comeQa-
vrl a pall rr rl.r tl:rta cla ConstituigAo, ou seja, 10 de novembro de
It)37. Vrrr1,.r', l;r Iinha automaticamente renovado seu mandato.
No artigr, ,( 1,,luntc foi disposto que os governadores teriam seus
rnandartor,,,,r r Ir n.nados pelo... presidente da Republica. O artigo
177 derr i'r ),lr:rs, a contar de 10 de novembro, para que pudes-
5cm "sct',r1r,',t rrtaclos ou reformados de acordo com a legislagao
cm vigclr ,,, lrrrrcionarios civis e militares cuJo afastamento se
impuset' r lur.'() cxclusivo do governo, no i.nteresse do servigo
publico or l)()r c()nveniencia do regime". Isso mesmo: qualquer
luncionriri,,l,rrlrlico
cir,rl ou militar poderia ser aposen[ado a'juizo
L'rclusivr,1l11 1r.1 rru,grflo'. por "conveniencia do regime". O mais
inacredil,,r'l c rluc a Lei Constitucional no 2, de 16 de maio de
t938, clr rr rnrn()rl, em artigo unico, que ficava "restabelecida,
por teml), rn(l('lcr-mjnado, a faculdade constante do art. 177 da
Constitrtr, r, 111' l0 de novembro de 1937". O leitor nao 1eu er-
rado: 6 rr ',nr() l)or "tempo indeterminado", como efetivamente
ocorreu ll, () lillr clo Estado Novo.
O at'l r,.,, l/fi clissolveu o Congresso Nacional, todas as Assem-
bleias Lclr',l,rlrvrrs c .rs Camaras Municipais. O artigo 180 dispOs
que, encllr.rrrro o I'rrriamento Nacionalnao se reunisse, o que nunca
ocorreu, ,, I'rt sirlcn[e da RepublicaLerA o poder de expedir decre-
tos-lei sol,r, Ior l:rs rls malerias da competdncia legislativa da UniAo".
As Const rtllrr.{)( \ cstuduais sedam outorgadas pelos governadores.
O artigo Iiir, r111111e11 "em todo o pais o estado de emergencia", ou
seja, sus|,, rrrli il irs garantias individuais e entregou todo o poder
ao presirl, rrll rl:r licpr"iblica. p durante oito longos anos vigorou oestado clr , rrr, tqt'ttt:ia. So foi revogado pela Lei Constitucional no
16, de 3(i ,l, rrovcmbro de 1945, cerca de um m€s ap6s a queda
do ditacl,,'
Mas. , , rrrro o (luLr e ruim ainda pode piorar, o afiigo 187 fechou
com chlr, rlr' rillrt) li Carta: "Esta ConstituiQao entraTa em vigor na
sua datrr , ., r,r '.lrl)nre tida ao plebiscito nacional na forma regulada
em decli r,, pllo I't'csidente da Republica". Contudo, o- plebiscito
nunca for rrr,rr, :rtlo. Vargas for cobrado, em uma enirevista. em ja-
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A HrsrOnrn oas CorusrrurqOrs BnnsrLerRas
neiro de 1938, cerca de dois meses apos o golpe, sobre a data doplebiscito. Respondeu tranquilamente: "o governo € o senhor dadecisao. A nagdo ainda nzo esta devidamente esclarecida sobre obeneficio do Estado Novo".18 Mera tergiversaqAo.
o plebiscito como elemento legitimador da constituiQao era a
condiqdo indispensavelpara dar valor legal a todos os atos decorren-tes da sua aplicaqdo. Afinal, foi a pre-condigao estabelecida pela pro-pria ditadura. Passaram-se oiro anos e nada de plebiscito. E, comt dehabito no Brasil, caiu no esquecimenro a serissima questao da ilega-lidade de todos os aros que riveram na constituiQao sua fonte origr-nA'ia e em todas as esferas, na nacional, na estadual e na municipal.
As Cartas anteriores nlo fizeram mengio ao plebiscito. Naconstituigao de 1937 esse termo foi empregado por nove vezes.Por€m, ndo foi utilizado nenhuma vez. Se era nor.rdade por aqui,nao o era na Europa.lO.yso do-ple!js91t9.fg*uma jas"caraaju-ticas das ditaduras fascista e nazista niJdocadas de 192,0 9 1930,sEinpra'"eam"'d "iiirriiid'ae bilidai an.fle_Ffful?l[ro Jida*:aefr'"tuicii'.-Ao c?iar -a p.ql? iuaqao (conrra ou aTdno.d- p_.'r"riii, a,Etraffidt6t;6;b;;;;* .ri*, a. ,ri^ ,.r,rro pptilica, facititandoa repressao da oposigao. No seculo XXl, os rrouo, caudilhos lati_n6?rneridaricis,'iiimo na Venezuela, Bolivia ou Equador, usaramdiversas vezes desse instrumenio, sempre com o mesmo intuito:aprovar medidas que feriam as liberdades democr6ticas.
Para os aduladores do novo regime, a Constituigdo foi muitoelogiada. O jurista Francisco Brochado da Rocha - que 25 anosdepois seria, por dois meses, primeiro-ministro de Jodo Goulart
- destacou que"nAo
persistimos, porem, no grande erro de maisde um seculo de identificar a democracia com o liberalismo. A de-mocracia sobre que assenta o novo regime politico nacional ndo se
confunde com o daquele momento historico definido de reagio aoideal do sdculo XVI e em que so se poderia afirmar o individuo pelanegaqio do Estado". E concluiu: "Ao rnves de garantias negativas
18. A entrevisra foi publlcada no dia 7 de janeiro de 1938. Ver SILVA, Heliorismo em campo verde. Rio deJaneiro: Civilizaqao Brasileira, 197I.p.75.
76
1937 o autoritarismo tuPiniquim
tlos direi.tos dos lndividuos, dele se exige uma aqdo positiva em
lrrvor da coletividade". rq
Outro auhco fez um longo livro para elogiA-la. Fez questao
rlc dizer que "nossa" ConstituigAo era muito melhor que a da Po-
Ir)nia, usando ate um quadro comparativo'20 O Departamento de
lrnprensa e Propaganda patrocinou vdrias edig6es da Carta e de
livros para divulgaqio, como o livro O Estado nacional e a Consti-
Iuipao de novembro de 1937, que tinha um subtitulo.'"pata uso da
iuventude brasileira". 2 l
Com a proximidade do fim da Segunda Guerra Mundiai, o qua-
clro foi mudando. A ConstiturgAo comegou a sel duramente ataca-
cla. Os aduladores desapareceram Eg-.Tgqo, Francisco Campos
cleu "uma-langa €ntxevista'ao. jornal Coiao dn Manha, [o Rio de
laneitq,"-D-e-fe,n-dqfi- g,Ill4"qtp3ITfenrc. jlflla.--obr-4". De acordo,com ele,
"os maies que, porventura, tenham resultado para o pais do regime
inaugurado pelo golpe de Estado de 1937 nio podem ser atribui-
dos A Constituiqio. Fsta*p.*ara-gle,nAo-chegou sequer a vigorar' F,
se tiy3sse--vigoradq't"griatear:tamente. -E-q'4-slltxidqjmBortanre limi-
tagao ,1o g1grq1Sl-o, d'o-p.o*dejj3 L-tqit4S3p 4.9":.eryIgjcio -{o-p-o{er ll
Niquela conjuniura era inadmissivel que aqui r'rgorasse uma
Constituigio fascista, quando, na Europa, o Brasii lutava pelo fim
d"esse regime com os milhares de soldados da Forqa Expediciona-
ria Brasileira. Foram sendo editadas vdrias leis constitucionais que
alteravam os artigos mais autorit6rios. A concessao da anistia poli-
tlca (em abril, libertando 563 presos politicos) e a permissao para
a criaqAo de partidos politicos - inclusive o Partido Comunista -r rans f orma r am a Car taem Ie tra mo rta. !3+29-. d enurub:.o*-qp g{p,9':-5
i11l"tg-**r,gg-*grlglkg.l;Estava aberto o caminho pata a
19. BROCHADO DA ROCLIA, Francisco. "A Constltuiqao brasileira de 10 de novembro de
1937".ln:COSTAPORTO,WaIteT(org.). AConstituiQaodel93T.tsrasilia: ProgramaNacio-
r-ral de Desburocratiz^Qao, [s.d.], p. 2.
20. Ver LINS, Augusro Estellita. A nova ConstituiQao dos Estados lJnidos do Brasil. Rio de
Janeiro: Jose Konfino. I 918.'ZIVei SgRfOnO, Alvaro Brttencou rr. O Estado nacional e a ConstituiQA1 de novembro de
1937: para uso da juventude brasileira. Rio de Janeiro: DIB 1944'
22. iara a transirigao cla entrevista, ver COSTA PORTO, Walter. ConstituiE\esbrasileiras:
1937. Brasilia: Minist€rio da Cidncia e Tecnologia, 1999'p 39-52'
1938: terro-
77
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A Hrsrontn oas Corusrrurgoes BRasrrrrRas
;
; efetiva realizacao das eleigoes de
sidencia da Repriblica como para
2 de dezembro, tanto para a pre,
eleger os deputados e senadoresconstituintes. Pouco mais de nove meses depois, foi promulgada anova Constituiqao.
E a memoria repressiva do Estado Novo foi logo esquecida. Astentativas de levar para o banco dos r6us os torturadores fracassa-
!ram. Para adocicar o passado, o regime passou a ser lembrado pelas
lsuasreatzaqOes econ6micas e sociais. Nesse caso nao foi o poder
[quem reinvenrou o-.passado. Nio. Foram os apoiador", d. \Lrgu,ito que serra natural) e a esquerda comunista. Sim, a esquerda co_
munista. E foi um trabalho realizado ainda no calor da hora, em1945. Basta recordar que o partido comunista apoiou o movimen-to queremista, que desejava manter Vargas na presid€ncia da Re_publica durante os trabalhos da Assembleia constituinte. supunhaque, dessa forma, o lexto constitucional seria
,,maisavanqado,,. O
queremismo acabou nao durando mais de trcs meses e foi derrota-do, quando Vargas foi apeado do poder, em29 de outubro. Con,tudo, ideologicamente, o ditador jd tinha ganho a primeira rinrurarenovadora, que realgava ate certo tom anti-imperialista._D3-extre_
lladiff ita-\hrgarfor-send.e"L9-v,?4gp3 13a-cel!ro-.q.sqx.iau.Fiiiardps-qrimes-..poli'ticos,do antigo iegrme passou, s.i .o,iiraeffiffifry-yzpc.!r_i-q-4,ro, re.g.o1{aq6gs inapropriadas e com vies conseivatlof.
. No maior deslocamento ideologico da hisroria do Brasir, o dirador
" virou um democrata.
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1946: as apar€ncias enganam
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s b s constituintes e- o p19sid931e {a \epn!- 1.a3,.-F-o ! 9 r,na
dt"ffi;Z que se teve plena cerleza darealizaqcto das eleigoes' Ha-
via um temor de que se repetisse o ocorrido em 1937 '.P-{ta.Ye'r3
d i fi cul dade da c amp anha eleit o ral, b asq *{9s9':ds1*qqA9- ::9+"9-."de
g'm.i#ft 4-biliffi ;fup.q'rts sfr . J q-de. n o yq plro . do is.d i a s a n -
tei;l"pleito.FSampashtuslei-roral.asmssta4-o3g,gnglge$S.1a"ngo
nassa de simulacro.r- "-
_ - ! - , - " s- P.6fi""eiravez em uma Constituinte, os comunistas pude-
ram apresentar livremente seus candidatos' Elegeram 15 depu-
tados e um senador. De acordo com o clima politico da 6poca,
fizeram loas a Josef St61in. O escritor baiano Jorge Amado, elerto
por Sio Paulo, fez questio de citar o "guia genial dos povos", que
tinha definido "com nitidez e clareza admiraveis" o significado de
Constituiedo. "uma Constituiqdo ndo se deve confundir com um
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A HrsrOnrn ors Cotltsrtrute0Es BRastLrtnls
programa".i Era o tipo de citaqao vazia,mas essencial e obrigatoria
para os comunistas. stalin estava presente em todos os momentos
da vida e teria de ser citado na Constituinte.
Dois meses depois foi instalada formalmente a Assembleia
Constituinte. A maior bancada continuou a ser a mineira, com 36
representantes, seguida por Sao Paulo, com23, e depois por Per-
nambuco, Distrito Federal, Rio deJaneiro, com l'9 cada uma. Dife-
rentemente de tB91 e 1934, ndo havia anteprojeto governamental.
Tambem em relaqio ds Constituintes anteriores, dessa vez o nume-
ro de militares era muito pequeno. Mas durante os trabalhos o cli-
ma politico da Capital Federal esteve bem pesado. Passeatas foramreprimidas; sedes do Partido Comunista, invadidas e depredadas
pela policia; e militantes de esquerda, presos.
A Guerra Fria s6 comegaria, formalmente, no ano seguinte,
por€m no Brasil ja tinha se iniciado. O enfrentamento entre os
apoiadores dos Estados Unidos e da Uniao Sovi6tica estava pre-
sente em qualquer discussio da Constituinte, por mais banal que
fosse. Em julho visitou o Brasil o ex-comandante das tropas alia-
das na Europa, o general Dwight Eisenhower, que presidiu os Es-
tados Unidos entre 1953 e 1961. Octdvio Mangabeira, presidente
da Unido Democr6tica Nacional, foi escalado para fazer o discurso
de recepqio. Mas, al6m das loas de praxe, Mangabeira encerrou
o discurso afirmando que, em nome do povo brasileiro, desejava
fazer uma reverencia mais eloquente, "inclinando-me respeitoso
diante do general comandante-chefe dos ex€rcitos que esmagaram
a tirania, e beijando, em sil€ncio, a mao que conduziu a vit6ria,
as forgas da liberdade". Foi um escdndalo o servilismo do sena-
dor baiano. Um deputado mineiro protestou e considerou o ato
uma serviddo politica e achou que at€ o general americano deve
ter estranhado "que um povo se genuflexe ante ele para berjar-
-lhe a mdo". Na Constituinte, o tema ocupou o espaQo de varias
sess6es com discursos e aparles entusiasmados pr6 ou contra o
1. Apud PEREIM, Osny Duarte
Brasileira, 1962, p. 57 .
82
1946: as aparOncias enganam
beijo. Houve at6 deputado que buscou exemplos da importAncia
do berjo na historia.2
Em 18 de setembro foi promulgada a quinta Constituiqdo bra-
sileira,^
qlJarta republicana. Dia de festa. Afinal, havia pouco mais
de um ano terminara a Segunda Guerra Mundial e parecia que o
mundo caminhava para um longo periodo de paz. No brevissimo
predmbulo, os constituintes registraram que estiveram reunidos
"sob a protegao de Deus". Certa precaugAo. Em 1934 a redagio foi
distinta: "Nos, os representantes do povo brasileiro, pondo nossa
confianga em Deus". E a ConstituiqAo teve vida curta, cuftissima, e
abriu caminho pma a ditadura estado-novista. Dessa vez, os consti-tuintes buscaram apoio diuno mais solido, a proteqio de Deus. Essa
questao foi pol€mica. Alguns constituintes nao queriam nenhuma
menqAo, recordando que nem a Constituigdo do Vaticano, no pre-
Ambulo, nAo mencionava Deus. Alguns, emvez de "protegAo",acha-
vam melhor colocar "implorando a bengdo de Deus". Outros prefe-
riam "invocando a proteqio de Deus". Houve tambem aqueles que
consideravam necessdria a referdncia d Santissima Tiindade.3
Com 2lB artigos,-foi,
ate entao, a Constituigio republicana
mais exrensa - e dem;Hiiea:M;iitE;e ;??noiiinde'a3 Esrados
casas. O ano legislativo foi ampliado para nove meses. A CAmara
dos Deputados teve nova representaQao proporcional. Foi estabele-
cido o numero minimo de deputados para um estado, sete, o que
traria serias consequdncias para o futuro da representagdo popular
(art. 5B). Se a Constituigdo de 1934 tinha determinado que cada
estado teria direito a dois senadores, a de 1946 aumentou para
tr6s. E mais: criou o suplente de senador. O vice-presidente da
Republica, cargo que tambem foi recriado e que era inexistente na
Constituiqio de 1934, exerceria a fungdo de presidente do Senado
Federal, onde tinha voto de qualidade (art. 61).
2. Ver PEREIRA, Osny Duarte. Que e aConsfinriqtTo. Rio deJaneiro: Civilizaqao Brasileira
t964,p.48-50.i. Idem, ibidem, p. 70-2.
ateneao especial ao gresso foi dividido em duas
Quem Jaz as las no Brasil? Rio de Janeiro: CivilizaqAo
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A Hrsr6nrn DAs CoNsrrureoEs BnnsrrrrRqs
O artigo 78 estipulou que o Poder "Executivo e exercido pelo
Presidente da Repriblica". Foi recriada a Vice-Presiddncia. O man-
dato foi estabelecido em cinco anos, pela primeira vez (em 1891 e
1934, era de quatro anos e, em 1937, de seis).
A eleiqio do presidente e vice seria simultdnea, ou seja, nAo
formariam uma chapa, seriam escolhidos separadamente pelo
eleitor. Nas eleigdes de 1950 e 1955 nao foi um problema. Cafe
Filho e JoAo Goulart eram os vices efetivos de Getulio Vargas
e Jusceiino Kubitschek. Mas em 1960 a situagZo foi bem di-ferente: foram eleitos JAnio Quadros e Joao Goulart. Contudo,
Goulart era o vice do opositor deJAnio, o marechal Teixeira Lott(a eleigdo de 1945 - realizada antes da promulgagdo da Cons-
tituiQao - so foi para presidente; o vice - Nereu Ramos - foi
eleito pelo Congresso, tal qual disposto na Constituiq2o). O vice
de Jdnio era o mineiro Milton Campos; mas ele preferia o gau-
cho Fernando Ferrari, que ficou em terceiro lugar, concorrendo
como candidato avulso, o que era permitido.
O Supremo Tiibunal Federal manteve a denominaqao - em
1934 tinha sido alteradapara Suprema Corte. O nimero de mi-
nistros permaneceu em I1, mas com a possibilidade de ser eleva-
do (art. 98), sem citar nlmero total. A redagdo sobre a nomeagao
dos ministros melhorou: "serAo nomeados pelo Presidente da Re-
publica, depois de aprovada a escoiha pelo Senado Federal" (art.
99). A Constituiqio de 1934 nio deixava claro se os ministros
poderiam assumir suas fung6es para somente depois serem apro-
vados pelo Senado (como ocorreu durante a vig€ncia da Consti-
tuigAo de l89l).O capitulo referente a nacionalidade e cidadania acabou trans-
formando-se em um dos pontos mais pol€micos da Constituigdo,
n6o durante a Constituinte ou, ainda, na d€cada de 1950, mas nos
idos de 1964.De acordo com o parl,grafo rinico do artigo 132, ndo
podiam alistar-se eleitores os praqas de pre, salvo os aspirantes a
oficial, os suboficiais, os subtenentes, os sargentos e os alunos das
escolas militares. E o artigo 138 dispunha que "sZo inelegiveis os
inalistAveis e os mencionados no € unico do artrgo 132" . O proble-
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1946 as aparAncias enganam
na e que a politizagAo das Forqas Armadas, especialmente entre
t961 e 1964, levou muitos sargentos a deseiar serem candidatos a
cargos eletivos. A Constituigao, porem, eta clara'. eles eram inele-
giveis. Isso gerou diversas crises e ate uma rebeliio dos sargentos,
em setembro de 1963, quando, durante algumas horas, Brasilia
loi tomada pelos sargentos, que chegaram a deter ate mesmo um
ministro do STE
Segundo o artigo 140, tamb€m eram considerados "inelegi-
veis, nas mesmas condigdes do artigo anterior, o cdnjuge e os
parentes, consaguineos ou afins, at€ o segundo grau". lncluia a
Presid€ncia da Republica, os governos estaduais e as prefeitu-ras. A refer€ncia ao cdnjuge, pela primeir^ vez na hist6ria das
nossas Constituiq6es, foi devido a um boato de que a esposa de
Vargas, Dona Darcy, pudesse ser candidata, algo que dificilmente
ocorreria, pois ela ndo tinha manifestado nenhum interesse pela
politica parLidaria. No auge da crise da presid€ncia Jodo Gou-
lart (1961-1964), a sucessio assumiu enorme importAncia. Pela
Constituiq2o, era proibida a reeleigio. Ai morava o problema: ne-
nhum parente poderia ser candidato i sua sucessAo. Qual era a
duvida? Leonel Brizola, it epoca deputado federal peia Guanabara
(denominagio recebida pelo Rio de Janeiro apos a transfer€ncia
da capital para Brasilia, em 1960), queria porque queria ser can-
didato nas eleigOes presidencrais de 1965. Ele era casado com a
irmd de Jango, Neusa. Portanto, era cunhado do presidente. Ape-
sar da relaQdo familiar, era, em 1964, um adversdrio do janguis-
mo, considerado por ele um presidente fraco e incapaz. Contudo,
a Constituigio proibia sua candidatura. Seus partidArios criaram
ate um slogan para defend€-lo: "Cunhado nZo e parente, Btizola
para presidente". Mesmo assim, o obstdculo legal estava coloca-
do. E nio foi modificado.
Os artigos BB e 89 Lr^tavam dos crimes de responsabilidade
do presidente da Republica. Acabou sendo acionado uma vez: em
junho de 1954. A Unido Democrdtica Nacional (UDN), opositora
de Vargas, apresentou um pedido de itnpeachmenf . Nem a pr6pria
UDN apoiou em bioco o pedido, tanto que obteve apenas 35 vo-
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A HtsrOntn ols Corusrruteors Bnlstretnns
tos a favor e 136 contra, al€m de 40 abstenq6es.4 Quando tudo
parecia serenado, veio o crime da Rua Tonelero, a tentativa de as-
sassinato do deputado Carlos Lacerda, e que acabou com a morte
do seu u.o-punhunte, o major Rubens Yaz'Dezenove dias depois'
Vargas se suicidou.
Foi garantida a liberdade de expressao, por6m sempre com a
ressalva: "Nao serd tolerada propaganda de guerra' de processos
violentos para subverter a ordem politica e social' ou de precon-
ceitos de ruqu ot classe" (art. 141,0 5") Oito pariigrafos d frente'
estava abertaa porta para colocar na ilegalidade o Partido comu-
nista: "E vedada a organizaqao, o registro ou o funcionamento de
qualquer partido politico ou associaqio, cujo programa ou aqdo
contrane o regimademocratico, baseado na pluralidade dos parti-
dos e na garaitiados direitos fundamentais do homem". Era claro
o recado puru oPC. Os comunlstas, antes da votaQao do texto final'
1a mham d.enunciado no plendrio que o presidente Dutra urdia'
nos bastidores, uma manobra para colocar na ilegalidade o parti-
do. Oito meses ap6s a promulgaqAo da Constituigao' em maio de
1947 , o pafiido i.,r. ,., registro cassado pelo Tribunal Slperior
Eleitoral. Houve argumentos de ocasido, mas a base legal foi dada
pela Constituiqdo.
Os constituintes retiraram qualquer menqio a plebiscito' Era
uma resposta a Constituiqio Polaca' Mesmo assim' foi realizado em
6de.laneirodelg63ounicoplebiscitosoba6gidedessaConstitui-qao. iao aqueles momentos em que os politicos mudam a lei ao seu
bel-prazer.Em agosto de 196i,ap6s a renfncia deJAnio Quadros'
houve uma Srave c.1igqpgrefups militares nilo aceilaram a posse
do vlce-presidentefuoao Goulart; que. no momento da renfncia'
estava fora do pais eli-\ilSffi-oficiai ao Oriente Sec"gbeua no1i9t3
i Q9.angp-esta]G-.rug;)Igggpuf;atFoi encontrada uma saida concilia-
i,6ri;, o Corrgrerso frffinal aprovou a Emenda Constitucional nq
4, queinstltulu o sistema parlamentar de governo' Se foi momen-
1946: as aPar6ncias enganam
taneamente resolvrda a crise - com a indicagio de Tancredo Neves
para primeiro-ministro -, vdrios problemas surgiram da aprovaqao
apressada da emenda. Um deles foi que a eleigdo para presidente
seria pelo Congresso Nacional (att.2"), ou seja, o povo nio mais
elegeria diretamente o presidente da Repfblica. E foi extinto o cal-
go de vice-presidente (art.23).
Depois de expor as atribuiQOes do presidente da Repriblica e
do Conselho de Ministros, a emenda, no artigo 25, dispds que
seria realizado um plebiscito nove meses antes do fim do atual
periodo presidencial (o mandato terminaria em 31 de janeiro de
t966, pottunto, o plebiscito teria de ocorrer em abril de1965)'
No plebiscito, os eleitores deveriam decidir "pela manutenqAo do
sistema parlamentarista ou volta do sistema presidencialista". Era
confusao na certa. o novo sistema nascia com a possibilidade de
extinqio pr6-programada. O mais curioso e que em nenhum artigo
constitucional havia menqao ao plebiscito. Foi a emenda que criou
essa forma de julgamento popular. Jango nio aguardou o pr^zo
legal. Sabotou quanto p6de o parlamentarismo e conseguiu que
o Congresso antecipasse para janeiro de 1963 - 27 meses antes
- o plebiscito. Todos os pr6-candidatos d eleiQdo presidencial de
outubro de 1965 (Juscelino Kubitschek, Magalhaes Pinto, Carlos
Lacerda, Ademar de Barros) eram favor6veis ao presidencialismo.
Dai, nAo causou surpresa a derrota esmagadora no plebiscito do
parlamentarismo.
Uma questdo central da Constituiqdo foi a garantia da proprie-
dade, que centralizou o debate politico especialmente no periodo
anterior ao golpe civil-militar de 1964. Segundo o artigo l4l, g 16,
"6 garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropria-
glo por necessidade ou utilidade prlblica, ou por interesse social,
mediante previa e justa indenizaqAo em dinheiro". O artigo I47 tra'
tou meio de raspio da reforma agrAria, tema de moda naquela €po-
ca: "O uso da propriedade sera condicionado ao bem-estar social' A
lei poderd, com observ2ncia do disposto no artigo 141' g 16, pro-
mover a justa distribuiqio da propriedade, com igual oportunidade
para todos". Havia certa incompatibilidade entre um artigo e outro,. V", D'.CRAUJO, Maria Celina Soares O segundo governo Vargas' 1951-1954: democracia'
partidos e crise politica. Rro deJaneiro: 7-ahar'1982' p 126 e 130'
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A Hrsr6nra oas CorusrrurgOrs BRlsrrrrnas
porem a exig€ncia da indenizaQao em dinheiro - e nao em titulosde divida agrlria- era um obst6culo a qualquer projeto de reformaagrAria em propriedades particulares. Tanto que o artigo 156 abriaa possibilidade para projetos de colonizaqAo ou de reforma agrAria,
mas em terras publicas. No processo de radicalizaqio do governoGouiart, jA em marQo de 1964, o presidente assinou um decretosobre a reforma agrAria estabelecendo regras para a desapropriaqAo
das terras que feriam frontalmente a Constituigao. O decreto nao
teve nenhuma aplicaqdo pratica. Foi revogado pelo novo governoque assumiu o poder em abril de 1964.
O artigo 157 desenhou um verdadeiro programa trabalhista,mais amplo que o da Constituiqdo de 1934. Garantiu saldrio mi-nj.mo, a panicipaQao dos trabalhadores nos lucros das empresas,
repouso semanal remunerado, f6rias, estabilidade, proibigio dotrabalho de menores de 14 anos, entre outras tantas medidas. parte
delas ficou no papel, pois a Constituiqio s6 garantia o direito na"forma que a lei determinar". O problema 6 que a lei nio foi feita,como a que deveria tratar do direito de greve (artigo 158), que era
garantido, mas com a ressalva. "cujo exercicio a lei regulara". pela
primeira vez, o direito de greve foi reconhecido constitucionalmen-te. A Constituiqdo de 1934 ignorou-o e para a de 1937 era umrecurso antissocial e nocivo ao trabalho (art. I39).
Com uma forte marca da 6poca, a questio regional esteve pre-sente no texto. Para o Nordeste, com o objetivo de minorar os efei-tos das secas, a Unido deveria despender, "com as obras e os servi-qos de assist€ncia econOmica e social, quantia nunca inferior
atr€s
por cento da sua renda tributaria" (art.19B). A Uniio n6o cumpriu.O artigo I99 determinava que a Uni6o tamb6m deveria despendernao menos de 3o/o da receita tributdria durante 20 anos para execu-tar um plano de valorizaqd,o econdmica da Amazdnia. A Unido tam-bdm nao cumpriu. Ainda nesse campo, o artigo 29 das disposiqOes
transit6rias dispunha que a Unido estaria obrigada a aplicar anual-mente quantia nao inferior a um por cento da sua receita tributdriaem um plano de aproveitamento econ6mico do Rio Sao Franciscoe seus afluentes. Mais uma vez, arJnlao nAo cumpriu.
88
1946: as apardncias enganam
Um ponto importante da Constituiqao foi a adoqAo, no artigo
+8, g 2n, da perda de mandato do deputado ou senador que tives-
sc comportamento considerado incompativel com o decoro parla-
rnentar, como ocorreu com o deputado Barreto Pinto, que posou
para uma reportagem da revista O Cruzeiro de casaca, cueca e segu-
rando uma garrafa de champanhe, dentro de uma banheira. Era do
PTB. Foi eleito com apenas 600 votos proprios. Aproveitou-se dos
votos dados aYargas. Acabou cassado emL949" trds anos depois da
publicaqdo da reportagem.'
A mudanqa da capital foi novamente contemplada. Deveria ser
transferida para o Planalto Central. Essa disposigdo acabou sendo
cumprida 14 anos depois, em 1960. Os estados e municipios vol-taranira poder ter simbolos proprios. Nao haveria pena de mofte,
nem de banimento. O estado de sitio fo1"U"!_i_1-r-a35lg.*s-g;;gn1g_U3a
vsa e-PsPQ-dae*;G ruffii;;;;ld# J Go,
"o_p::19d9.'-p*oj"**qr.a^elercan-d"e"Juseelura*Kubit$.qh-".k*.9g3*9tocoi591q$" ggllallas=d.e-unpedu.'a"posee ..slg[o osindigenas mereceram um artigo, o 216. A redaqAo 6 parecida com
a de 1934. O constituinte insistiu que a posse das rerras indigenas
estaria vinculada a uma localizaqAo permanente; portanto, indige-nas ndmades estariam excluidos.
Os constituintes dedicaram apreQo especial aos jornalistas. De
acordo com o artigo 203, "nenhum imposto gravarA diretamente
os direitos de autor, nem a remuneragAo de professores e jornalis- \tas". Nao satisfeitos, o lobby dos jornalisms conseguiu incluir nas
J
disposiq6es transit6rias,no artigo 27,um incrivel privil6gio: "Dr- jrante o prazo de quinze anos, a contar da instalaqAo da Assembleia j
Constituinte, o imovel adquirido, para sua residdncia, por jornalis- |
ta que outro nao possua, ser6 isento do imposto de transmissao e, \enquanto servir ao fim previsto neste artigo, do respectivo imposto
I
predial". E isso mesmo: a Constituigao tratou at€ do imposto pre-
dial que deveria ser pago pelosjornalistas.
5. Ver CARVALHO. Luiz Maklouf
Senac,2001, p. 151-6.
r'J ,r
Cobtas triadas. David Nasser'b 4 ^Cizeirosao"Paulo: A /
, i: j\ rv./i .{ *},'t lIi .{ -}
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A Hrsrdnra oas Corusrrurgoes Bnnsrre rnls
Dentro desse mesmo diapasdo - em dtmo de repriblica bana-neira -, ainda nas disposiq6es transitorias, foi determinado que a
Rodovia Rio-Bahia devena terminar em dois anos! O artigo 33 dis-pds que o governo "mandarA erigir na capital da Repriblica ummonumento a Rui Barbosa, em consagragAo dos seus servigos a
PAtria, i liberdade e d justiqa". E o artigo seguinte concedeu,.hon-
ras de Marechal ao General de Divisdo Jodo Batista Mascarenhas,
comandante das Forgas Expedicionarias Brasileiras na lltima guer-ra". A promoQao por um dispositivo constitucional nominal 6 casounico na historia do Brasil. Em meio a esse clima festivo, o artigo
35 determinou que o governo "nomearA comissao de professores,escritores e jornalistas, que opine sobre a denominagAo do idiomanacional". Diante de tantos descalabros, ainda bem que a Assem-
bleia Constituinte durou somente oito meses.
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1967: em ritmo de parada militar
O-cogec cNrL-MrLrrAR DE ABRrL oe. 1964 encerrou a chamada repriblica/l+*ry*. -..
i"Logtl$LFs novos donos do poder foram prodigos na imposi-
qao de uma renovada ordem legal marcada pelo arbitrio e viol€ncia.
Apesar de manter as apar€ncias * a Constituiqao de 1946 continuou
em vigor -, a prittica foi extremamente distinta. Em 9 de abril, o
autointitulado Comando Supremo da Revoluqdo, formado pelo ge-
neral Costa e Silva, pelo r,rce-almirante Augusto Hademaker e pelo
brigadeiro Francisco de Mello, editou o Ato Institucional (AI) n"1
-foram 17, no total. O mais curioso (e bizarro) € que em Brasilia ja
havia um governo constituido, chefiado pelo presiden[e da CAmara
dos Deputados, Ranieri Mazzrl| como dispunha a Constituiqao.
"Q,:":qrUtT-":. 9:-'"pt::.+:*n-3..-:y9-ej"s"?.q-"leffil"do.p"-o."der.o con-
gresso estava aberto, mas tambem foi absolutamente ignorado.
Depois de uma longa introduqao, na qual os golpistas se intitu-laram "revoluciondrios" - um tributo d epoca, quando o conceito
de "revolugio" tinha uma enorme positividade - e se proclamaram
"no exercicio do poder constituinte", determinaram que a eleig2o
do novo presidente serra reahzada em 1I de abril, pelo CongressoOtVOCE, MARIA, OU JA COMECOU A LEI DA IMPRENSA?
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l
1
t
A Hrsr6nra oas Corusrrrurq6rs Bmsrrrtnls
Nacional (an.2"), e que o mandato iria at6 31 de janeiro de 1966
(art. 9a). Foi eleito o marechal Castelo Branco por um Congresso
mutilado pela cassaqio de dezenas de parlamentares. Recebeu 361
votos de um total de43B presentes.
Foram suspensas por seis meses as garantias constitucionais de
vitaliciedade e estabilidade e, por meio do aftigo 11, buscaram dar
legitimidade aos processos de suspenslo dos direitos politicos pelo
prazo de dez anos, cassando mandatos legislativos federais, estadu-
ais e municipais, "no interesse da paz e da honra nacional, e sem
as limitaq6es previstas na ConstituigAo". De imediato cassaram 41
deputados. Seis meses depois, os cassados.ehegar*m-a 4-454, dosouars Z. /t / erarci,fiirlrtares.'
Nij'ario seguinte veio o AI-2, em 27 de outubro. Manteve o
modelo do anterior, com um longo pr6lo go. Fez diversas citaq6es
do AI-1, mas dessa vez alLerando vdrios artigos da Constituiqao
de 7946. Um deles foi sobre a tramitaqao dos projetos do Execu-
tivo no Congresso. Dava 90 dias, no mdximo, para a tramitaqdo
nas duas Casas. Se o prazo nao fosse suficiente paru a votaqao, os
projetos seriam considerados aprovados na forma como foram
encaminhados pelo Executivo. Era uma antiga demanda e motivo
de critica da "paralisia" do Legislativo pelos defensores de um
Executivo forte. t.l'-,. i .l- ' ".L) i,o.) ". ',.' 3. t "
Tambem foi modificada a Constituigio em um ponto ultras-
sensivel: a eleiqdo presidencial. Acabou com a eleiqdo direta sem
nenhuma cerimOnia. A eleiqio seria por meio do Congresso Na-
cional (art. 9n). Mostrando a radicalizaqio do regime, as garan-
tias individuais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade
ficaram suspensas por tempo indeterminado. Os partidos politicos - eram 13 com registro - foram extintos (art. 1B). Pelo Ato
Complementar na 4, de 20 de novembro de 1965, um partido
teria de ter no minimo 120 deputados e 20 senadores, o que for-
Qosamente levaria o pais ao bipartidarismo. Os partidos teriam45
dias para conseguir o numero minimo de filiados no Congresso.
1. Ver GASPARI, Elio. A dindura envergonhada. Sio Paulo: Companhia das Letras, 2002,
p. 382.
94
1967: em ritmo de parada militar
O partido do governo - a Alianga Renovadora Nacional (Arena)
- rapidamente conseguiu um numero muito superior ao minimoexigido. Ja o partido oposicionista - o Movimento Democrdtico
Brasileiro (MDB) - patinava. Teve de receber um discreto apoio
do proprio governo, que pediu que alguns parlamentares desis-
tissem de fazer parte do partido oficial e se filiassem ao MDB.
Castelo Branco descumpriu o juramento de posse; aproveitou
uma ocasiio favordvel e estendeu seu mandato por cerca de 14
meses: de 30 de janeiro de 1966 para J.5 de margo de 1,967.
Em 5 de fevereiro de 1966, veio o AI-3. Apesar da exist€ncia
do Congresso e da r,rgdncia da ConstituiQao, esse ato justificava queg Ajrurinseaa' Foi estendido
aos governadores de estado a eleigAo indireta, no caso por meio
das assembleias legislativas. Aproveitando a ocasido - e para evitar
surpresas -, os prefeitos de capitais seriam indicados pelos gover-
nadores e aprovados pelas assembleias legislativas.*, gnq.K *q tO
l"lel[s:"p 4$tdaq.agJlqt_qp-g:"pjlAgpf3p$ais"ensgovernosesraduais,ogjell*q*E"Ig--9*-tyg_$9."t_eJn-.mais. a".pa+oieipae*o-do.-eidad.ao. A"revolugAo" que se distinguia "de outros movimentos armados pelo
fato de que traduz nAo o interesse e a vontade de um grupo, mas o
interesse e a vontade danaqAo", como rezaya a introdugZo do AI-2,retirou dessa mesma naqAo o direito de escolher o presidente da
Republica, os govemadores e os prefeitos das capitais.
Em 3 de outubro de 1966, o Congresso "escolheu" Costa e
Silva, presidente da Repriblica. Nio teve opositores. Tomaria posse
em marQo do ano seguinte. Castelo Branco cassou seis parlamen-
tares e fechou o Congresso por 37 dias. Estava irritado. Para o Ato
Complementar ne 23 , foi dado como justifi cativa a apreciaqao pelo
Congresso da cassagdo de v6rios parlamentares. Foi considerado
que essa procrastinaQlo era "infundada" e que so tinha ocorrido
pela agAo de "um agrupamento de elementos contrarrevoluciond-
rios com a finalidade de tumultuat a paz priblica". Um biografo
de Castelo Branco buscou um inusitado paralelo com a RevoluqAo
Francesa! Havia "no Parlamento um clima antirrevoluciondrio; os
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l.'
A Hrsr6nin oas Corusrrurgors BRnsrLprn.qs
girondinos acordavam".2 E incrivel a metamorfose ideologica: osdefensores do regime militar se proclamavam jacobinor, .o*o ,r"r-s6es nativas de Robespierre, e seus opositores erama ala direita daConvenEdo, os girondinos.
Como em 3 de outubro ficara em suspenso a diplomagdo do"eleito", o general Costa e Silva, a pend€ncia foi resolvida por meiode um simples ato da Mesa do Senado, mesmo com o Congressofechado, confirmando a posse e nolando a lei sem nerrhuml pre_ocupaQao'
HlgJ:rygfo"Il^e-qtdent€ e"leite'{ndiretarnenr.e para.-rodoum m4p{s1o,-Qi-1+t*gll"9{"9-q..fo..r4pg
_Dg.o_d9la"."da..fg.as..e_gg. eg1 JS9-1 ,
""_"-c-glg!g-\e1g3s_,e,p-le-3.f .
Dois meses depois, Castelo Branco, por meio do Ai_4, convo_cou o Congresso para, no periodo de 12 de dezembro de 1966 a24 de janeiro de 1967 , ou seja, em 43 dias corridos _ em plenasfestas de fim de ano -, apreciar o projeto de Constituiqao enviadopelo Executivo
, tiu ao escrito{Nelson Rodrigul'p imaginar que estava caminhandopelo cenrro dffi*delaridiib e ouvia um camel6, que, segun_do ele, "tem de ser um extrovefiido ululante',, berranio ,,A
novuprostituigio do Brasil! A nova prostituigdo do Brasill E erguia umfolheto, so faltava esfregar o folheto na cara da patria" .Ao se apro-ximar do camel6, notou o engano. "A nova constituiqao do Brasil!A nova constituigao do Brasill". E concluiu sarcasticamente: ,,s6
entao percebo o monstruoso engano auditivo. Onde 6 que meusour,rdos estavam com a cabeqa? Ah, uma incorreqAo acustica podelevar o sujeito a sair por ai derrubando bastilhas e decapitando
marias antonietas".3Obedientemente, o Congresso cumpriu as determinaqOes do
general-presidente. o projeto so chegou no dia 13. Na justificativa,o ministro daJustiga alertava que "a revolugao nio se fez somentepara extirpar da Carta Magna preceitos que, no curso do tempo, se
2-
VIANA FILHO, Luis. O governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: Jos6 Oll,rnpio, I975, p.4.70.
3 RODRIGUES, N€lson. Ameninasem estrera: memorias. Sao paulo: companhia das Le,trasrl993, p. l2-3
96
fleito. Foi algo inusual e que permi-
1967: em ritmo de parada mrlitar
tornaram obsoletos; tinha de inovar e o fez atrav€s de Atos e Emen-das constitucionais, com o objetivo de consoridar a democracia e
o sistema presidencial de governo". ou seja, o ministro legitimavaa legislaqio arbitraria e justificava os aros discriciondrios dJ regimemilitar. Afinal, a c.onstituigao era "um modelo de equilibrio giuqu,ao espirito liberal e a tolerAncia de Castelo".a
Diferentemente das constituiq6es republicanas anteriores, a
de 1967 nio determinou claramente a denominagao do Brasii. De-sapel-e_9..s..U--a {.qsignaq?o Estados Unldos do Brasil. Contudo, naohA outra definigio clara. So 6 definido, no artigo Ia, que o Brasil6
uma repubhca federativa. pressupOe-se, portanto, que a denomi_nagio tenha se resumido a "Brasil". Revelando que o regime mili-tar ainda ndo tinha definido claramente seu perfil, a constituigaomanteve a eleigdo direta para governador e vice, e do prefeito e
r,rce (arts. 13 e t6). Porem o presidenre da Repriblicu r.iiu "eleitopelo sufrdgio de um Coiegio Eleitoral, em sessao publica e me_diante votaQao nominal". o colegio Eleitoral "sera composto dosmembros do congresso Nacional e de delegados indicados pelasAssembleias Legislarivas dos estados". Cada assembleia 1indicaratres delegados e mais um por quinhentos mil eleitores inscritos,no estado, nio podendo nenhuma representaQao ter menos dequatro delegados" (art.76, $$ I e 2)
Foi um enorme passo atrds em relaqio ?rs ConstituigOes de I 89 I ,
1934 e 1946. Retirava dos cidadaos a eleiqdo direta do presiden-te da Repriblica. A justificativa de um dos aurores do anteprojetoda Constituigio, o jurista Carlos Medeiros, foi que o
,.traumatismo
da campanha pela eleiqAo direta ou degenera o processo eleitoralou impede o vencerlor de governar em clima de paz e seguranqa".Defendeu a eleigAo pelo Colegio Eleitoral, pois a ,,campanha
doscandidatos fr.cara limitada no tempo e visard a um eleitorado qua-lificado. A agitagao e o traumatismo, que a escolha do presidente
tem provocado, cessarao por falta de ambiente e ressondncia,'.5
4. \'LANA FILHO, op. cit., p. 470 e 4745. SAMSATE, op. cit.,p. I03.
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Fazendo coro aos novos tempos' foi reservada uma seqao para
as Forqas Armadas e outra para aseguranQa nacional' Foi atribuida
ao Conselho de Seguranqa Nuclottal uma serie de competencias
Nlr*u mistura de nacionalismo xenof6bico com seguranQa naclo-
nal, o artigo gl,paragraf'o unico' determinava que a'lei especifi-
carAasareas indispens6veis d seguranqa nacional' tegalarA sua uti-
Iizaqioe assegurarA, nas industiias nelas situadas' predomindncia
i" ."pt"" eirabalhadores brasileiros"' O artigo 89 transformou
; ;il;r;t, ,,u.io"ul "*responsabilidade de todos os cidadaos:
:t"l?p.tt"a natural ou juridica-e respons6velpela seguranQa na-
cional, nos limites definidos em lei"' E nio foi por falta de lei que
a "seguranQa nucio"ui" nao esteve protegida' Foram quatro durante
,"a""" regime militar: eml'967 ' 1969' 1978 e 1983'
O Supremo Tiibunal Federal teve sua composigio ampliada
para 16rn"-b,o'' Foi um meio encontrado pelo governo - como
i"r"rrro, no capitulo B - para evitar qualquer tipo de contratempo
aos seus interesses, gu'u"ti"do uma maioria conlortAvel Pela pri-
meiravez,no.u*po"dos cidaddos naturalizados' foi dado aos por-
tugueses um estatuto especial; era exigido "apenas residOncia por
um ano ininterrupto, lJo""iaua" to'ui e sanidade fisica" (att 140'
iI, 39. Tambem foi uma novidade a inclusAo de que os partidos
;;;t*t teriam de ter um minimo de 10% dos votos para obter re-
;;r". Contudo, a obtenqdo do indice era facilitada pela exist€ncia
io bipartidarismo, transformando a exig€ncia em letra morta'
O regime militar constitucionalizou parte dalegislaqio arbitr6-
,iu qrr. tirrhu p,od"zido' De acordo com o artigo 151' "aquele que
abusar dos direitos individuais ["'] e dos direitos politicos' para
ui*,u, contra a ordem d'emocritica ou praticar a corrupqio' incor-
rerA nasuspensao destes riltimos direitos pelo prazo de dois a dez
anos, declarada pelo Supremo Tiibunal.Federal' mediante repre-
senraqio do procuradoti"rul da Republica, sem prejuizo da aqdo
, n-eirnl ou penal caUivel' assegurada ao paciente a mais ampla defesa"'
,.ffi';J"""t"'a" Estado Novo, *u:'-"*q",t1d:
tol' ult:19:T
A HtsrOntr ols CoNsrrutgors BRastlrtRns
do "pronun.iurrr.r,to; de la de abril de 1964' oessa forma' pendia
f;^';;;;;de oamocles sobre qualquer parlamentar' Afinal' as
1967: em ritmo de Parada militar
definicoes de,,abusar" e de "atentar contra a ordem democrdtica"
eram eifsticas, servindo ao poder segundo suas conveni€ncias'
O artigo 152 mudou o conceito das Constituiq6es de 1891
e Ig46 em relaqao ao estado de sitio. Nestas, era declarado pelo
Congresso Nacionai, e somente no periodo de recesso e que
comf,etia ao presidente determinar essa medida' Pela mudanQa'
o presidente "poderd decretar o estado de sitio nos casos de:
I -- grave perturbaQao da ordem ou ameaQa de sua irrupgio; lI -guerra". Dava um enorme poder ao presidente, pois o conceito
f," "gruu. perturbaqio da ordem ou ameaQa de sua irrupqao" era
muito elastico.Numa curiosa radicalizaqilo em relagao d Constituiq 6'o de )'946
'
a desapropriagao de terras ndo seria paga em dinheiro' mas em
titulos especiais da divida publica, o que, em tese, faciiitaria possi-
veis projetos de reforma agrAr\a (art l57, VI, g 1a)' Nesse mesmo
tom,^foi assegurada aos indigenas "a posse permanente das terras
que habitam'', mas Com um importante acr€scimo:..e reconhecido
o direito ao usufiuto exclusivo dos recursos nalurais e de todas as
utilidades nelas existentes" (art' 186).
Nas disposiqoes transitorias, o governo garantiu a legalidade
de todos os aros praticados desde 31 de marqo de 1964. estavam
,,aprovadose excluidos de apreciagao judicial" (att.I73). Manteve
as eleieOes diretas para o Legislativo eparaos Executivos estaduais,
que deveriam ocorrer em 15 de novembro de 1970' Foram conce-
didos varios privildgios aos ex-combatentes da Forga Expediciond-
riaBrasileira, como aposentadoria integral aos 25 anos de servigo
efetivo (art. 178). Foi determinado que no prazo de 180 dias o
Executivo enviaria um projeto para o Congresso regulamentando a
transfer€ncia dos 6rgdos federais que ainda permanecelam no Rio
deJaneiro, o que, como sabemos, nao ocorreu' Mantendo a tradi-
qio das citaqoes nominais, o artigo 187 dispds que o governo er-
gu eria um " monument o"i L-u iz Alve s de !ld--e- $lh na-lo calida de
do seu nascimento, no estido do nio deJaneiro" (art. 187). Somen-
te o dominio militar do governo justificaria essa homenagem como
artigo constitucional. Curiosa tamb€m € a redaqio Nao informa
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i{1
A HrsrOntn ols CorusrttutC0es BRnstrrtRas
onde, nem a denominagao da cidade. Optaram por "localidade do
seu nascimento".
A pressa dos constituintes congressuais pode servir de justif,ca-
tivaparaalgumas omiss6es e redundancias da Constituigdo. Afinal,
tiveram pouco mais de um m€s para concluir todo o trabalho. O
MDB decidiu se retirar do recinto no momento da aprovaqio do
texto final. A bancada da Cdmara seguiu a deliberaQdo partiddria,
mas a do Senado, em sua maioria, acabou permanecendo e partici-
pando da votaqio. Tamb€m fato inusitado em ConstituiQoes foi que
o encerramento dos trabalhos ndo levou a promulgagdo da nova
Carta.Elas6 entrou em vigor em 15 de margo, dia da posse do ma-rechal Costa e Silva, segundo presidente do regime militar. Castelo
Branco, ao sair do govemo, deixou como "heranga legal" tres atos
constitucion ais, 36 atos complementares, 3 12 decreto s-Ieis e 3 .7 46
atos punitivos. E ainda foi considerado liberal para os padroes dos
generais-presidentes...
- -" :A Constituiqao vigorou cerca dg Lp meses. A ediedo do Ato Ins-
tituClci?ial*nn +,em ti de deiembio de l966loeu ffi* podiG:-ao presidente e deixou de lado boa parte da Constituiq4q
-O.Af-f .
nffie--S6m-ex"asero: Ser*considerado um dos atos mais arbitrdrios
a;ht,anu r.piuii.r"^. e.;,rrtlncarua fbi a riegaiive AiGmaii"iie -l,^"-1.#.-€"
conFdfi-licenQa para o governo processar - de acordo com o afiigo
34, g ls, da Constituiqdo - o deputado Mdrcio Moreira Alves, que
em} de setembro tinha feito um breve discurso condenando a inva-
sio do campus da Universidade de Brasilia pela policia. O deputado
mencionou tambem as graves violaq6es aos direitos humanos, des-
tacando em especial as torturas aos presos politicos. O discurso aca-
bou sendo usado pelo regime para ampliar ainda mais as medidas
repressivas. Em 12 de dezembro, a licenga foi rejeitada pela Cdmara
por 216 a 126 votos. No dia seguinte foi editado o AI-5.
Como de habito nos atos institucionais, cinco longos parAgra-
fos apresentaram os "considerandos". As justificativas eram sem-
pre as mesmas: "poder revolucion6rio", "contrnuidade da obra re-
voluciondria", "preservaqio da ordem, tranquilidade e seguranQa".
Mantinha a Constituiq 2ro de 1967 em vigor, mas com uns "porens".
1967: em ritmo de parada militar
Pelo artigo 2q, o presidente poderia decretar "recesso parlamentar,'do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das cdmaras
municipais, que voltariam a funcionar "quando convocados pelopresidente da Repriblica". No mesmo dia, pelo Ato Complementarna 28, foi decretado o recesso do Congresso Nacional (ficou fecha-
do at6 outubro do ano seguinte). Pglg_$*]j o 2a, o Execu,tivo estava autorizado a "legislar em todas as mat€das e exeiiir as-WgpnStLHJieaA:'. A inrervenqdo do Execurivofederal nos estados e municipros era permitida "sem as limitaqOes
previstas na Constituigao".
Pelo AI-5, o Executivo lederal poderia tamb€m suspender osdireitos politicos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e
munrcipais. A suspensdo dos direitos politicos dava ao governo opoder de "aplicagio, quando necessdrio, das seguintes medidas de
seguranQa: a - hberdade vigiada; b - proibiqao de frequenrar derer-
minados lugares; c - domicilio determinado". Estavam suspensas
as garantias constitucionais ou legais de vitaliciedade, inamovibili-dade e estabilidade (art. 6a). O g la concedia ao presidenre o direitode "demitir, remover, aposentar ou pOr em disponibilidade quais,quer titulares das garantias referidas neste artigo". De acordo como aftigo 10, "fica suspensa a garantia dehabeas corpus, nos casos decrimes politicos contra a seguranea nacional, a ordem econOmica
e social e a economia popular". Claro, como de hiibito, estavam
excluidos de apreciagio judicial todos os atos praticados de acordocom o ato institucional e seus atos complementares (art. l2).
O curioso legalismo do regime militar preocupava-se com os
mandatos das mesas diretoras do Congresso Nacional, das as-sembleias legislativas e das cdmaras municipais. Como o Con-gresso estava fechado, o mandato das mesas de cada Casa foiautomaticarnente proffogado "enquanto durar o recesso parla,mentar" (Ato Complementar na 48, art. lq). O ato era aplicaveltamb€m ds assembleias legislativas e cdmaras municipais, que es-(avam abertas. Mas em 1969, por atos complementares, foram fe,chadas as assembleias legislativas da Guanabara, de pernambuco,
rlo Rio de Janeiro, de Sdo Paulo, de Sergipe, de Goids e do para.
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A HrsrOntn DAs CoNsrlrulqOEs BRnstrrtnas
E foram tamb€m atingidas nove camaras municipais: santos (sP),
Nova iguaqu (RJ), Santarem (PA), Santana do Livramento (RS)'
Itu (SP), Pariquera-Acu (SP), Sobral (CE), SaoJolo de Meriti (RJ)
e Fortaleza (CE).
No fim de agosto de 1969, Costa e Silva ficou gravemente en-
fermo. Foi levado de Brasilia para o Rio deJaneiro. Em 31 de agos-
to assumiu provisoriamente o governo uma Junla Militar' compos-
ta dos ministros do Exdrcito, da Marinha e da Aeronautica' como
"um imperativo da seguranQa nacional" Logo foram apelidados
de Tr€s Pur"rur. Pedro Aleixo, o vice-presidente,foi impedido de
ocupar a Presid€ncia. A Junta editou mais um Ato lnstitucional, o
denn12.Logonasprimeiraslinhasdalongajustificativa_amaisextensa dos atos institucionais -, a tazAo do impedimento de AIei
xo era a siluagio politica vMda pelo pais: "nao se coaduna com
a transfer€ncia das responsabilidades da autoridade suprema e de
Comandante Supremo das Forgas Armadas, exercida por S' Excia''
a outros titulares, conforme previsao constitucional". vale observar
que nao € citado o nome de Aleixo, e o dispositivo constitucional
que garantia sua posse 6 designado simplesmente como "previsao".'
ii.u, depois ioi sequestrado, no Rio de Janeiro, Charles El-
brick, embaixador americano. A tensdo politica aumentou ainda
mais. Em 5 de setembro, a Junta Militar editou dois atos institu-
cionais. O primeiro - de nq 13 - instituia o banimento daquele
brasileiro que,,comprovadamente se tolnal inconveniente, noci-
vo ou perigoso a seguranga nacional" O Al-I4 alterou o artigo
150 da Constituigao e introduziu as penas de morte' perpetua e o
banimento para os crimes de "guerra externa, psicologica adver-
sa, revolucionilria ou subversiva". Pelo Ato complementar rf 64,
tambem de 5 de serembro, 15 brasileiros foram banidos, trocados
pelo embarxador americano
Se a Lei de Seguranga Nacional de 1967, imposta por Castelo
Branco, 1A era duia, muito pior foi a adotada pela Junta Militar'
pelo decrerolei ne B9B de 29 de setembro de 1969, foi imposta
anovalei.Logodeinicioloramincluidosmaistr€safiigostipifi-cando novos
,,crimes". A lei seria empregada inclusive nos casos
102
1967: em ritmo de parada militar
de crimes cometidos no exterior por estrangeiro contra brasileiro.
?mb€m seria aplicada, "sem prejuizo de convenq6es, tratados e
regras de direito internacional, aos crimes cometidos, no todo ou
em parte, em territorio nacional, ou que nele, embora parcialmen-
te, produziram ou deviam produzir seu resultado". E foram inclu-
idos delitos cometidos no esLrangeiro. por brasileiros, que, "mes-
mo parcialmente, produziram ou deviam produzir seu resultado
no territorio nacional" (artigos 4n a 6n). O capitulo "dos crimes e
das penas" foi profundamente alterado. Dos artigos Ba ao 41, em
14 deles a pena mdxima e a morte. De acordo com o artigo I04,a
pena de morte "somente serd execulada trinta dias ap6s haver sido
comunicada ao Presidente da Republica, se este nao a comutar em
prisao perpetua, e a sua execuqao obedecera ao disposto no codigo
de Justiqa Militar". Quem promovesse uma simples greve poderia
ser condenado a reclusio de 4 a 10 anos (art. 3B). Alguns artigos
eram vagos o suficiente para permitir ainda mais arbitrariedades,
como o 23'. "terrt2J subverter a ordem ou estrutura politico-social
vigente no Brasil, com o fim de estabelecer ditadura de classe, de
partido politico, de grupo ou individuo". A pena de reclusZo seria
deBa20anos.O processo e julgamento eram sumdrios. O acusado, durante
o processo, poderia ficar preso durante 30 dias, com a possibili-
dade de uma prorrogagdo por igual periodo. Nesse periodo, seria
mantido incomunicdvel por dez dias, podendo ser prorrogados
por mais dez. Precavendo-se em relaqdo aos tofiurados, grave-
mente enfermos, o artigo 69 dispunha que, "quando o estado
de saude do acusado ndo permitir sua perman€ncia na sessAo do
julgamento, esta prosseguird com a presenQa do seu defensor". O
artigo 83, reservado aos crimes punidos com as penas de morte
c de prisio perp6tua, chegou ao cimulo de determinar que "serA
clispensado o rol de testemunhas, se a denuncia se fundar em
;lrova documental".
O Al-14, de 14 de outubro de 1969, declarou vagos os cargos
de presidente e de vice. Costa e Silva nao tinha mais condigOes de
saude para reassumir o governo - acabou morrendo dois meses
103
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A Hrsrdnra ons CoNsrrrurqoes BRnstrriRns
depois. O AI-16, editado no mesmo dia, pelo artigo 2e, suspendeu
a vig€ncia do artigo B0 da ConstituiQao, ate a eieiqio do novo pte-
sidente. O artigo determinava que, caso houvesse o impedimento
do presidente ou do vice, deveriam assumir, pela ordem, primeuo
o presidente da Cdmara dos Deputados, depois o presidente do
Senado e finalmente o presidente do Supremo Tiibunal Federal
Foi marcada a "eleigdo" do novo presidente, pelo Congresso Na-
cronal, para25 de outubro, e a posse, para cinco dias depois. Toda-
vra, a Junta esqueceU de suspender temporariamente o arttgo 76 da
Constituiqio, que determinava a eieiqio presidencial por meio de
um col€gio eleitoral. O poder da forqa ignorava a propria legislaqio
criada pelo governo militar. Havia ainda um problema: era neces-
s6rio reabrir o Congresso para a "eleigao", mesmo com um unico
candidato. O Ato Complemenlar na 72 resolveu o dilema: o recesso
do Congresso estava suspenso a partir de22 de outubro (art. la)
Precavida, a Junta Militar incluiu no 4I-16 um artigo - o 60
- que permitia legislar, mesmo com o Congresso aberto, atd o
dia 30 de outubro, data da posse deJrsilip- .pay721aVu.,I4-eAE" ele l t o " ern a +de-o.ulubr"o la:rrleem .se m*:renhl{IL9p-o sit or. P o u co
antes da posse foi dir,rilgado o ultimo documento legal da Junta,
a Emenda Constitucional na 1. Na pratica era uma nova Cons-
tituigao, tendo em vista o numero de alteragoes que efetuou na
Constituiqda de 1967: "A emenda so serviu como mecanismo de
outorga, umavez que verdadeiramente se promulgou texto inte-
gralmente reformulado".6
A emendaresolveu allerur a denominaqdo oficial do pais. Der-
xou de ser "Brasil", de acordo com a Constituigao de 1967, e pas-
sou a ser "Republica Federaliva do Brasil". Paradoxalmente, era um
momento de enorme cerr:ralizaeAo politica e o que menos havia era
"federalismo", que pressupOe relativa autonomia dos entes federa-
dos. Basta recordar que os governadores, prefeitos das capitais e
das cidades consideradas de "seguranqa nacional" eram designados
6. SILVA, Jos€ Afonso da
2000, p 89.
104
1967: em ritmo de Parada militar
pelo presidente da Repriblica. Tudo adornado com a introduqao "o
Congresso Nacional...", quando na realidade foi aJunta Mllitar que
imp6s a nova Carta. No terreno dos absurdos, nada supera o afiigo
1o, $ lo: "Todo poder emana do povo e em seu nome e exercido"'
O Legislativo, que tinha perdido muito das suas preffogativas em
1967 ,teveainda mais restdta sua agao. N6o podia mais se autocon-
vocar. At€ pronunciamentos de parlamentares es[avam censurados,
nao podendo ser publicados se "envolverem ofensas as instituiqoes
nacionais, propaganda de guerra, de subversio da ordem priblica
ou social". O "abuso do direito individual ou politico com o propo-
sito de subversdo do regime democritico" poderia levar d suspen-sao dos direitos politicos de dois a dez anos, sem prejuizo de agao
civel ou penal (art. 154).
Em meio ao "arbitrio iegal", a emenda incluiu pela primeira vez
"o mar territorial" (art.4a, Vl), abrindo caminho para o mar de 200
milhas em 1970, e o artigo 198, que ampliou o direito dos indige-
nas (chamados de "silvicolas"), declarou que suas terras "sao inalie-
nfveis", "cabendo a sua posse permanente e ficando reconhecido o
seu direito ao usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as
utilidades neias existentes". Foi declarada nula qualquer posse ou
ocupagio das terras indigenas, sem direito a indenizaqlo. A Carta
- qr. ,rrrrr.a foi formalmente uma ConstituiQao - ainda sofreu ao ^
longo da sua exist€ncia mais de duas dizias de modificagoes. "-*"'
Dada a longevidade do regime millqar (21 anos), a p?rafernilt4..
f"g"l ;;9i_blfj.t-Oregtime militar tinha a obsessAo de legalizar todos
gs.seus
3.tgq,gomo
se a exist€ncia de uma normalq..:::-gqa.99p9-9rsde salyg-g-g11duto O numero de decretos € fabuloso. Mas um deles,
do governo M€dici, vale comentar. E o de numero 69.534, de IIde novembro de 1971. Ficou conhecido como "decreto secreto". A
preocupagAo era salvaguardar os "assuntos sigilosos". O presidente
da Republica"poderA classificar como secreto ou reservado os de-
cretos de conhecimento restrito, que disponham sobre materia de
interesse da seguranqa nacional". Contudo, os decretos deveriam
ser publicados no Diaio Oficial da llniao. Afinal, essa era a nor-
ma desde o nascimento do Brasil republicano. Como resolver essaurso de Direito Constitucional Positivo. 56o Paulo: Malhelros,
105
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A Hrsr6ntn oas Corusrtrute0rs BRnstrrtRls
pend€ncia? Seria enviado para publicagio o decreto' redigido "de
mod,o a ndo quebrar o sigilo, somente a ementa do decreto, com
o respectivo numero" (arl.7e, $ 2n) Ou seja, o cidadio n6o tinha
conhecimento do conjunto do teor do decreto.
O artigo 182 chegou ao cumulo de dar ao Al-5 status consti-
tucional: "Continuam em vigor o Ato lnstitucional na 5, de 13 de
dezembro de 1968, e os demais Atos posteriormente baixados". O
pariqrafo fnico determinava que o presidente, depois de ouvir o
Conselho de Seguranqa Nacional, poderia "decrelar a cessagao da
vig€ncia de qualquer desses Atos ou de seus dispositivos que forem
considerados desnecess6rios".
Em meio ao autoritarismo, a Junta Militar reservou um aftigo
para favorecer afamilia de Costa e Siiva, que, naquele momento,
estava enfermo e afastado da Presid€ncia. o artigo 184 concedia,
ao presidente da Repriblica que tivesse exercido o calgo em cardter
permanente, uma aposentadoria no valor do salario de um subsi-
dio de um ministro do STE Era a primeiravez que a aposentado-
ria presidencial fazta parte de uma ConstituigAo. Mas os militares
acrescentaram ainda um parAgrafo unico: "Se o Presidente da Re-
publica, em razao do exercicio do cargo, for atacado de molestia
que o inabilite para o desempenho de suas funqOes, as despesas de
tratamento medico e hospitalar correrao por conta da UniAo"' 56
no Brasil: algo que poderia ser resolvido por um simples decreto
acabou virando artigo constitucional.
Mas duas emendas constilucionais merecem destaque. A de nn
B legaiizou o c€lebre pacore de abril de1977. Ernesto Geiselfechou
o Congresso sob o pretexto de que a Reforma do Judiciario nao ti-
nha sido aprovad,a. Entre la e 15 de abril, aproveitou o "recesso" do
Congresso para reahzar diversas alteraqOes na Constituigio, dessa
vez com o auxilio dos presidentes da CArnata e do Senado, caso
unico na hist6ria brasileira.T Com o objetivo de controlar sua su-
cessao, em 1979, Geisel reorganizou o colegio Eleitoral garantindo
7. Ver GASPARI ,EIio. A futadura encunalada
364.
106
1967: em ritmo de Parada militar
para o governo ampla maioria. Criou o.liqenadqr.blOnico- (atU *L
|i2:@srqaq49'q-e-q?d95lj-"-l-e4oj'md-i*!.4:ps-ntepor g4i. qplfglq elei!9J4..:!qllul controlalo p9l9.g9y€-.r{ls - exce-
iunrrdo o Rio deJaneiro, onde, apesar de todos os artificios, a opo-
srgio continuaria a ter maioria -, e determinou que cada senador
tcria dois suplentes (at6 entao, havia somente um suplente para se-
nador).S.ltg,rqg-a-qqmpqs.lsAq-da Cam-ara.do'-s" D---epu!4499 i-*p,:19o
rlug cad4",gpradg q91a,um minimo de seis d.,P"l!e4p: e um-mdxirqo
rl e 5 5 .(arr-,-asD* .Era. um-m".e't-"- 0.- p.r. j
"dtq,?l"a.oboslsap-,. m319. Jo
r-
rcnosestadosmaispopulos-9-:*-g"-Ia.vp:p-gg.-s*gggg$rgJp-9-.gsrados
r nc n iiilp6puTo36-Je que-"d
e pgndiam do p gfl e;cgn tra I . Dimi nuiu o
,1uoruin--iinstiiufiiliili'pata 50olo mais um (era de dois terQos), e o
rnandato presidencial foi estendid o para seis anos (era de cinco).
No ano seguinte, j6 com o sucessor indicado (JoAo Baptista Fi-
liureiredo) e eliminada a resist€ncia militar ao seu projeto de dis-
icnsao (Sylr,ro Frota, ministro do Ex€rcito, tinha sido demitido em
()Lltubro de 1977), aprovou no Congresso a Emenda Constitucio-
n;rl nu I l, em outubro. que entrou em vigor em lr de janeiro de
lc)79. As chamadas salvaguardas de Estado foram incorporadas 2r
t .onstituigao, e o AI-5, simbolo maior do autoritarismo, foi revoga'
tlo. Foram restabelecidas as imunidades parlamentares (art.32) e
irriciou-se a reforrna politica (cada partido precisaria ter entre seus
lrliados 100/o de deputados e senadores, e 5% dos votos nacionais).
A pena d.e morte foi extinta, excetuando-se o caso de guerra exter-
rrrr, foram regulamentados os estados de sitio e de emergencia, e re-
v()gados os atos institucionaise complementares, o que contrariava
;r (.onstituigao (art. 3o).
Estava aberto o caminho paraa redemocraLizaqao, mas que aln-
,r,, p.1effiff6"s";l"ol. iie TqB5, q"l"ac;Tof e1ito
r,rrrcre4oN-*frtuJusiameglg.:p,gl-9--c--el9gg--E*Leitp:al,organizadoe.,,''l.tpr. manipulado pelo regime. Se o crescimento econdmico en-
rrI l968 e tgZB acabou dando cefta legitimidade ao regime militar,
,r t rise econ6mica que se estabeleceu em 1-979 foi empurrando o
t'lt'itorado para a oposigdo, farto da repressio politica, do desem-
l)r1.1{o e da inflagao. o sex€nio de Figueiredo (rinico presidente naao Paulo: Companhia das Letras,2004, p
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A Hrsr6nn oas Cortrmrurgors Bnas[ernns
nossa hist6ria que teve
denfncias de co
Fm meio ds graves
foram realizadas as eleig6es para os governos estaduais em 1982,
depois de 20 anos. O Partido do Movimento Democratico Brasi-
leiro (PMDB) venceu nos esrados mais importantes (Sao paulo e
Minas Gerais) e o Partido Democrdrico Trabalhista (pDT) obreve
a vit6ria no Rio de Janeiro com a eleigdo de Leonel Brizola (houve
uma tentativa de fraudar o pleito: parte dos votos brancos e nulosseria destinada, por meio de um programa de computador, para
o candidato do regimemilitar, Moreira Franco; o epis6dio ficouconhecido como "escdndalo Proconsult" - Proconsult era o nome
da empresa contratada pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de
Janeiro para auxiliar na apuraqio dos votos).
As vit6rias oposicionistas, no chamado triAngulo de ferro da
politica brasileira, aprofundaram a crise do governo militar. Apesarde todos os malabarismos legais, o regime dava sinais de profundoesgotamento. O desafio era construir uma afticulaQao suficiente-mente ampla para isolar os mais conservadores do regime e abrircaminho para o estabelecimento da democracia.
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7 xF
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1988: uma ConstituigSo para chamar de*sua?,-{ T. , ,I}
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*i" a," /' t ., ",.J,t ,y' q.:l'*'
'.-,f,
A nlelzeqAo DAS ELEICOES DIRETAS PARA os governos estaduais, em
It)i12, consoiidou o caminho para a redemocratizagao. Concluiu
o ciclo iniciado com a extingao do AI-5 e a anistia aos perseguidos
lrclo regime militar (1979). Os cinco partidos politicos iegais tra-
vrrram uma renhida luta eleitoral. A oposigao venceu em estados-
t have. Mesmo assim, o Partido Democrdtico Social (PDS) ainda
rrrrrntinha uma pequena maioria no Col€gio Eleitoral que elege-
rrrr indiretamente o presidente da Repriblica em janeiro de 1985.
Ntr inicio do ano legislativo de 1983 foi apresentada uma Emenda
t onstitucional por um deputado de Mato Grosso, Dante de Oli-vt'ira (PMDB), restabelecendo a eleicio direta para a Presid€ncia
rl;r lteprlblica. A emenda acabou empolgando o pais. No fim do
nl('smo ano ocorreram alguns atos publicos em defesa da emenda.
Mrts foi a partir de janeiro de 1984, ap6s um grande comicio em
',rr() Paulo, que a campanha das Diretas Ja adquiriu um cardter de
nnssa. At€ 16 de abril, o ultimo ato priblico tambem realizado em
',iro Paulo, milhoes de pessoas participaram de uma das maiores
(,unpanhas democrdticas da historia do Brasil. Contudo, a emenda
111
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A Hrsr6nra ons CorusrrrutgOts Bnasrurnas
nao conseguiu ser aprovada pela Cdmara. Faltaram 22 votos paraatingir o quorum necessdrio de 320. Ndo chegou, portanto, a servotada pelo Senado.
I A derrota da emenda contou com a participaQao decisiva do go-
, verno.fedgJgl**or parridarios de Paulo Maluf e do presidenre do
i PD$.Jo-se Sarney, gue pressionaram os deputados usando de todos\ os meios imagindveis. Houve uma enorme frustragao nacional. Ai saida encontrada foi o lanqamento d.o governador mineiro, Tan-
credo Neves, como candidato oposicionista ir li-esid€ncia. O prin-cipal articulador foi o governador paulista, Franco Montoro. Niofoi tarefa facil,
pois foi necessfrio convencer Ulysses Guimardes, ogrande lider da campanha das Diretas Ja, a ceder a candidatura. E
para conseguir vencer no Col€gio Eleitoral era necess6rio dividiro PDS, como acabou ocorrendo. Em agosto loi lanqada a AlianqaDemocrdtica, uniio entre o PMDB e os dissidentes liberais do pDS.
Tancredo e os peemedebistas tiveram de aceitar o vice-presidenteindicado pelos dissidentes:Jose Sarney Havia urna enorme rejeiqdo
ao nome do senador maranhense, ativo apoiadcr do regime militare que tinha rompido na ultima hora com a candidatura Maluf. Aaceitagao da imposigdo foi o preQo para a vitoria no Col6gio Eleito,ral. Ningu€m supunha que Tancredo ndo assumiria a presid€ncia.
Em 15 de janeiro de 1985 Tancredo foi eleito presidente. Sua
eleigio acabou sendo produto de uma ampla alianga que come-
Qou com o PMDB, passou pelos dissidentes liberais do pDS, peloPDT, pelo PTB e ar€ pelo PT (tres deputados, dos oito do parrido,votaram apoiando a chapa da AD - foram e:,pulsos da agremia-
qZo). Tancredo teve de ser internado as pressas na v€spera da pos-se. Depois de passar por sete operag6es, faleceu em 2I de abril.O presidente eleito tinha assumldo o comprornisso de convocaruma Assembleia Constituinte. Para agllizar o trebalho, propds criaruma comisslo paru elaborar um anteprojeto a ser enviado, comoproposta do Executivo, para os constituintes. Seria um meio de
rapidamente dar ao pais uma nova ConstituiQao.
Contudo, a doenga e a morte de Tancredo interromperam esse
projeto.Jose Sa:n:y assu1111 a Presid€ncia Nao py:. *j:ly
112
1988: uma ConstituiqSo para chamar de sua?
p o- li!l% . n1legtggr&-ds- de - True, Le"49,,"$ c omissao qu e de fi niria o
anteprojeto deveria ter cerca de uma duzia de membros, o que da-
ria agilidade aos trabalhos. Sarney ampliou o numero para 50, o
que transformou seus encontros em inlteis discuss6es. A comissdo
que inicialmente fi,cou conhecida peio nome do seu presidente,
Afonso Arinos, logo foi apelidada de "comissao dos notdveis". De-
pois de uma centena de reuniOes apresentou um longo projeto de
Constituiqdo , cor.;r 436 aftigos e mais 32 nas disposiqOes transilo-
, rias. Tinha de tudo um pouco. Havia at€ um artigo que tratava de
um assunto louvavel, mas pouco constitucional: proibia a pesca
da baleia (art. 410). Em vez de encaminhar o texto final para osconstituintes, Sarney o mandou para o Minist€rio daJustiqa. Meses
de discussOes acabaram em uma g yela. E, quando os constituintes
iniciaram seus trabalhos, tiveram de partir do nada, pois a Cons-
tituiqio em vigor era do regime miiitar e, obviamente, nao servia
como ponto de partida.
Ndo pode ser esquecida a pol€mica sobre a convocaqio da
Constituinte. Algumas correntes defendiam a Constituinte ex-
clusiva, ou seja, seria dissolvida apos a aprovagio da Carta e
convocadas novas eleig6es, como em 1933. Contudo, o governo
queria que a Constituinte se transformasse em Congresso Nacio-
nal apos a promulgagio da Carta e considerava um risco politico
duas eleigOes em prazo tao cuno. Acabou sendo aprovada a pro-
posta governamental.
Em meio ao descr€dito geral, em fevereiro de 1986 Sarney ado-
tou o Plano Cruzado, congelando preQos e salarios e adotando inu-
rneras medidas de intervengao na economia. Durante tr€s meses o
plano obteve 6xito. Contudo, em junho comeQaram a desaparecer
das prateleiras g€neros alimenticios de primeira necessidade. Sur-
giu o agio, um sobreprego cobrado de mercadorias indispens6veis
aos cidadAos. A [entativa de revogar por decreto a lei da oferta e da
procura comeQou a dar sinais de esgotamento. De forma oportu-
nista, Sarney adotou medidas para garantir o abastecimento, como
no caso da carne. Chegou a usar at€ a Policia Federal i procura dos
rebanhos bovinos. Queria - e conseguiu - levar o plano al€ a elet-
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A HrsrOnra ors CorusrrrurqOes BRlsrrrrnns
qao, em 15 de novembro. Sabia que poderia obter um bom resul-
tado eleitoral, mesmo a custa de uma profunda desorganizagio da
economia nacional. O PMDB, seu partido, venceu em 22 estados
e o Partido da Frente Liberal (PFL), em outro. AAD, portanto, ga-
nhou em todos os estados. Dessa forma. o PMDB obteve a maioria
absolura das cadeiras da CJiiRlnta: ' "
**'8ffi-1:3;f6t6reii6*d.e-l9 87" fb'i iristalada a Assembleia Nacio-
nal Constituinte. Na sessdo de abertura foi levantada a questdo dos
senadores eleitos em l9B2 - e com mandato de oito anos -, por-
tanto sem a devida delegaqdo constituinte. Acabou sendo aceita a
sua participagao, mesmo sem terem sido escolhidos constituintespelos eleitores, em 15 de novembro de 1986. Foi a primeira ano-
malia da Constituinte. A eleigdo de Bernardo Cabral como relator
foi a segunda. Cabral nunca foi considerado um jurista e era um
politico novato em Brasilia. Tinha sido, nos anos 1970, presiden-
te da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e aproveitou-se do
prestigio que a entidade passou a ter principalmente apos a gestao
de Raymundo Faoro. Inexpressivo, despreparado e suscetivel ds
pressOes de toda ordem, Cabral nao teve pulso firme e os traba-
lhos foram se alongando. Ficaria mais conhecido ap6s o affaire
sentimental que manteve com Z€ha Cardoso de Melo, durante a
Presid€ncia Collor, quando ele era o ministro da Justiga e ela, mi-
nistra da Economia.
A crise interna do PMDB - paftido amplamente majoritario e
que se dividiu durante a Constituinte, com o surgimento do PSDB
-tambem foi um elemento que colaborou com a balburdia consti-
tucional. O crescimento artificial do PMDB transformou o partido
no que foi definido como "geleia geral". A direqio partidaria, em
certo momento dos trabalhos, perdeu a lideranga. Grupos supra-
partidArios foram surgindo. O mais expressivo foi o Centrao, uma
alianqa de constituintes conservadores de vdrias origens partidarias
que tentou dar um tom mais conservador d Carta. E, para comple-
tar, o desgaste do governo Sarney transformou a Assembleia Cons-
tituinte em palco de oposiqlo, como se fosse um espelho invertido
do que era decidido pelo Palacio do Planaito.
114
'1988: uma Constituigao para chamar de sua,
A-rc4tg.-Ild-fu -9-qnslttsteao. Iqr-apro-ua{4" n a, s-e :s4o. .d e 2 ?rlc setembro de 198_8. Recebeu 474 votos favordveis e apenas 15
*- f @
contrdrios. Os 15 eram da bancada do Pl que considerou aCarta''clitista e conservadora". Apenas um deputado petista se recusou a
votar "nao": Jodo Paulo, de Minas Gerais. Duas semanas depois, em'j de outubro, ap6s longos 20 meses de trabalho - periodo em que
Ioram apreciados 65.809 emendas, 2l mil discursos e nove proje-tos -, foi promulgada a Constituiqio, com cerimdnia transmitida,lror radio e teler,rsio. $ foi escolhida a dedo: era o aniversd-
'i,,
d-g*napffi-Em ni6io ao entusiasmo
1it'ral, Jos€ Sarney jurou obedidncia A Constituigdo. Com o bragoc st endido leu as palavras protocolares.
"lqp;9.9_pre-sldg.Ir.le tremia.
\t'ntia-se desconfortdvel naquele ambiente. Sabia da sua impopula-r-I--*:=b.re.*
r r ( r eo e* Lu m p n noo o ffi66f,d aiffiptisiltes iian s iori ur,"Utys.
t( irrimaraes aproveitou para fazer uma edigAo "popular" da Carta.
Mus, caso unico no mundo, fez um prefecio ao documento com o
trtLrlo de "Constituigdo Cidada".
A Constituigao de l9BB 6 a mais longa de todas as anreriores:
'.rro 250 artigos e mais 70 nas disposiq6es transit6rias, perfazen-
rlo urrr total de 320 artigos. Acabou ate ficando enxuta, pois na
prirnerra versao tinha 501 artigos, depois "sintetizados" em 334,
;rtt' chegar, quando da votaqao, aos 250. Em relagdo as disposigOes
trilnsitorias. se comparado com as Cartas produzidas por assem-
lrlcias constituintes, o crescimento ou a prolixidade, questao de
t'sr:oiha, e evidente. A de 1891 tinha apenas oito artigos, em 1934.,rrltou para 26, em 1946 aumentou para
35e
em19BB
duplicou,.rk :rngando 70 artigos.
As Constituig6es brasileiras jA nascem velhas. A primeira, de
li324, no arttgo I74 tezava que, passados quatro anos depois da
plrmulgaqao e "se reconhecer que alguns dos seus artigos merece
rlltrrma, se farA a proposigio por escrito, a qual deve ter origem
rr:r Cimara dos Deputados". Ja foi determinado que as alteragOes
lrrrrlcriam ocorrer quatro anos ap6s a r,rg€ncia da Carta, ou seja, em
lli28. Era colocada no horizonte politico em curto praz_o-,:._posgi-
lrrlirlade de mudanqa, antes de o texto se consolidarr'tieitar raizesi
1 't5
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A Hrsronrn DAs CoNsllruleoEs BRnstretnls
na \'rda nacional. Dai nAo causarem estrarrheza as emendas 2r Cons-
tituiqdo de 1988. Ate outubro de 2011, recebeu 67 emendas, o
que resulta, aproximadamente, em uma m6dia de tr€s emendas
por ano. J6 a Constituigio dos Estados Unidos, de l7B7 , teve, em
224 anos de r,rg€ncia, 27 emendas, das quais as dez primeiras en-
traram em vigor em 1791, como o Bill of Rights americano. De
1992 a 20II, a nossa ConstituiQio so nlo foi emendada em 1994.
O periodo presidencial recordista de emendas foi o de Fernando
Henrique Cardoso (35), seguido do de Luis Indcio Lula da Silva
(27) e, empatados em terceiro lugar, dos de Fernando Collor e de
Itamar Franco (dois cada um).A Carta catacleriza-se por uma excessiva minucia. E isso expli-
ca, em pafie, o grande numero de emendas e de artigos alterados
sucessivamente, como o 74, referente aos direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, que foi alterado por tres emendas constitucionais
(1998,2000 e 2006). Nesse artigo ha passagensbizarras. Uma de-
las (XXVII) diz que entre os direitos do trabalhador estA a "proteg2o
em face da automagAo,na forma da lei"' Ou seja, o processo de
revoluqlo da produgZo, do aumento da produtinjg[e-$a tiq.ueza
esta, em tese, vedado. E como se o espirito a.:,SEi-f$'Jider do
que ficou conhecido como movimento ludista, na Inglaterra do fim
do seculo XVIII, e que se notabilizou pela destruigio das maquinas,
consideradas inimigas do trabalho manual - estivesse de volta 200
anos depois., E dificil encontrar algo da vida social que a ConstituigAo ndo
, tenha tentadonormatizar. Acabou se transformando em um pro-
grama econ6mico-politico-soc\aI para o pais' Foi promulgada em
uma conJuntura internacional que foi profundamente alterada no
ano seguinte, com a queda do Muro de Berlim, que levou ao fim
'' da Guerra Fria. Ao mesmo tempo, o modelo social-democrata na
Europa, o estado de bem-estar social, tambem dava sinais er'rden-
. tes de esgotamento.
Jana Am€rica Latina, desde 1982, com a cnse da divida exter-
na, que teve inicio no M€xico, quando o Brasil suspendeu o paga-
mento por absoluta falta de recursos para honrar os empr€stimos,
116
'1988: uma Constituiq6o para chamar de sua?
t'ssa foi a pior d6cada em crescimento econdmico, desde a Segunda
(;ueffa Mundial. Por um lado, o Brasil estava passando por um
iltomento econ6mico ruim, com recessdo, alta inflaqao e enorme
tlificuldade de pagar os juros e a amortizaqao da divida externa.
I'or outro, havia uma demanda social reprimida que desejava obter
grrnhos economicos em cuilo ptazo.
Esses fatores acabaram lnfluenciando o trabalho dos consti-
trrintes e a aprovaqAo final da Carta. Se na campanha eleitoral fo-
|iilrr prometidos mundos e fundos, como se o texto constitucional
pudesse transformar magicamente a dura realidade econ6mica, du-
lrrnte a Assembleia Constituinte a pressdo doslobbies transformourr aprovagio de certos dispositivos em uma dura luta entre os prin-( ll)ios republicanos e as tentativas de coaq6o, por todos os meios,
tlos constituintes.
ACarta manteve a denominagao Repriblica Federativa do Bra-
,'il. E insistiu nessa denominag2o nos quatro artigos iniciais por
(lrratro vezes. Logo de inicio - e isto e novidade -, foi explicita-
tlo que estava se constituindo um Estado democrdtico de direi-
to. Mas, curiosamente, 2r federaqao de estados foram agregados os
rnLrnicipios, caso unico nao s6 nas nossas Constituiq6es, como em
r;tralquer regime federativo de estados. Os municipios formam os
t s(ados, e estes, a federaqAo. Assim, como e possivel serem entes
It'rlerativos se fazem parte dos estados?
Numa concessio ao democratismo do periodo - que logo cai-
uir no esquecimento - foi determinado que o "poder emana do
lx)vo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou dire-
riu)rente, nos termos desta Constituiqdo" (art. 1n, B unico). Claro
rlrrc nio poderia ficar de fora o latino-americanismo: "A Republica
l't'clerativa do Brasil buscard a integragAo econdmica, poiitica, so-
r rirl e cultural dos povos da America Latina, vrsando a formagao de
unra comunidade latino-americana de nag6es" (art. 4a, $ rinico).
t ) <lesproposito est6 explicito. Ndo e somente um principio. Muito
rrrrtis que isso, trata-se da determinagdo para iniciar o processo
rlt' lormaqio de uma comunidade de naq6es, tal qual a europeia.( ()uro se bastasse simplesmente externar um desejo, como se a
117
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A Htsrdntn DAs CoNSrlrule0Es BRnstLrtn-qs
palavrasubstituisse aaeao e todas as contladiQdes na organiT QaA
de uma comunidade uo dispar.
E evrdente que sao excludentes a democracia direta e a repr€.
sentativa. A dubiedade constitucional foi um meio de apar.l2. as ares'
tas entre os diferentes grupos politicos. E isso vai se repetir vArias
vezes. Ao ser.,garantido o direito de propriedade",logo em seguida
esta que "a propriedade atendera a sua fungdo social" (art' 5n, XXII
e XXIII). sempre uma no cravo e outra na ferradura: ao estabelecer
que a desapropriagio s6 poderd ocorrer "mediante justa e previa in-
denizagAo em dinheiro", logo em seguida determinaque a "peque-
na propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada
pelu fu-iliu, nao serd objeto de penhora parupagamento de ddbitos
d.ecorrentes de sua atividade produtiva" (art' 5o' XXIV e XX\1)' A
quesmo agriria era um tema tio candente que os artigos 184' 185
e 186 retomam alguns incisos do artigo 5a.Para os imoveis que nao
estavam cumprindo sua funqao social poderia haver a desapropria-
qio e o pagamento da "pr€via e justa indenizaqdo em titulos da di-
I/lda agrfn\a,' (art. 184), mas nao eram suscetiveis de reforma agt{rta
u p.qJ.rru e m€dia propriedade rural e a propriedade produtiva (a
g*ni" propriedade, entenda-se). O artigo iB7, g ln, fez questdo de
definir qrr" .rtuuu* incluidas no planejamento agdcola "as ativida-
des agroindustriais, agropecu6nas, pesqueiras e florestais"'
d, irrdig"rrus receberam atenqao dos constituintes. O termo "sil-
vicola", pr.i.rrt" em Constituiqoes anteriores, desapareceu' Caberia
d Uni6o, somente a ela, legislar sobre as populagOes indigenas e
"autorizar a exploraqio e o aproveitamento de recursos hidricos
e a pesquisa"luuru
de riquezas minerais" (att 49, XM)' Caberia
a Justiea Federal processar e julgar "a disputa sobre direitos indi
g"rur" (art. 109, XI) e na Ordem Social foi reservado um titulo' o
VlIl, exclusivamente a eles. O arligo 23)' determinou que competia
d UniAo demarcar as terras que "tradicionalmente ocupam". Pelas
\ IYyJ \alt. ull, L, Lluc rt4u vLvrrLu -"-"':-'*- --- --
\ atuais: o*Erasrldemarcou-r.n45-dc-I0zrulhoes de hectares' o que-
\;;;;;fiil trrolo do territo,io ryqror' :*- - **":4
i ----a**P'
I
1988: uma Constituiq6o.para chamar de sua?
rIrrrclo-s-.po-qfp93llo5"da-Consrituiaao-e-o-aLtigo5?'.-que'garau!e
g .,i',1it^r iiu"fda.dse"*r*rcipaJ.:merue."p"4r4'uI[.p"-ais s'om9,p^4-qqso'
i,,,,,,u1., p"lq-a*ip-*la*ggp' Foram asseguradas as liberdades de
trr,rrrtlt'staqAo, opinilo i itiii'uqao' O crime de racismo foi consi-
rlt'r,rrl,r inafianqavel e imprescritivel, foram abolidos apen;a de mor-
tr- r' o lritnimento. Contudo, o artigo - o mais longo da Constituiqio
l{'r
nrlrito mal redigido. Comeqa faiando que "todos s6o iguais pe-
r'rrrl(' rt [ei, sem distingdo de qualquer n^lr]reza" 'para depois tratar
rlr' .r',sttn[os que nio tOm a mesma importAncia legal' como a defesa
rlrr r ottsufftidor ()fiXll), ou que "as presidiarias serao asseguradas
r ontltqOes para que possam permanecer com seus filhos durante o
lrrtltrcltl de amamentaqio" (L)'
t ) l'oder Legislativo federal manteve o Pariamento bicameral'
Alrrr;rl, o sonho Je todo deputado federal e um dia ser senador' com
trrrIrs rtqueles prMl6gios"u* muttdato de oito anos' Falando em
,,r'lt,rtlo, os constituintes mantiveram a ploposta que 6 origindria do
llr(()r(' cle abril de 1977. dois suplentes para cada senador' Para a
i ,,,,,,,,.*, cada estado nio teria *"rrot de oito deputados, piorando
rr l',rcotc de Abril, que tinha estipulado seis' E seria irredutivel esse
nn!n('l() minimo (disposigOes transitorias, arl' +' g 29' O Distri-
til I r.tlcral tamb€m teve direiLo a tr€s senadores e a representaQao
h,l ( .;ilIara dos Deputados' A Cdmara chegou ao numero,t9ta1, de
'i I I rlcputados, uma das maiores do mundo (nos Estados Unidos'
rr ( ,lnrilra dos Representantes tem 435 membros e a populaqdo €
,,1rIr( ri()r a brasileira).
I lnra polemica criagAo da Constituiqdo foi a medida provisti-
rt,r t,rurcedeu ao Executivo o direito de, "em caso de relevAncia e
rrr;,,t'trcia", "adotar medidas provis6rias' com forQa de lei" A dis-
r u'.:'iro era ant\ga Ja durantl a Republica populista (1945-1964)
unlr;tttt surgido diversas criticas ao funcionamento do Congresso'
rr(rr:,;r(lodedificultaraaqioadministrativadoExecutivopeloritmo
lgrro cle trabalho. Durante o regime militar, o decurso de prazo
Iilr ilnl instrumento para "apressar" o ritmo do Legislativo' Agora'
rrlnr it redemocratizigao do pais, o Congresso teria 30 dias para
'ilrt('(iilr, aprovar ou rejeitar a medida provis6ria' Posteriormente'
118
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A HrsrOnra ons CorusrrureOrs BnlstLrtRas
pela Emenda Constitucional na 32, de 2001, o prazo for ampliado
para 60 dias, prorrogdvel por mais 60. Desde 19BB foram editados
ou reeditados milhares de medidas provisorias. A maioria delas nio
era caso de "reievdncia e urg€ncia". Basta ver, entre centenas de
exemplos, a medida prousoria de 3 de novembro de 1988, antes
de a Constituiqio completar um mOs de exist€ncia: disciplinava a
proibiqdo da pesca de esp6cies em periodos de reprodugdo.
De uma vez so foram criados mais tr€s estados: Tocantins -desmembrado de Goids -, Roraima e Amapd, estes dois ultimos
antigos territorios. Com isso foram abeftas nove vagas de senador
e 24 de deputado federal, a16m de centenas de funq6es admi-
nistrativas e representativas na esfera estadual. Muitos politicos
transferiram para os novos estados os seus domicilios eleitorais.
Era um meio de obter um mandato com dificuldades bem meno-
res do que nos seus estados de origem. O caso mais conhecido
6 o de Jos6 Sarney. Ao sair da Presid€ncia, em marqo de 1990,
transferiu o domicilio de Sao Luis para MacapA. Mera ficqZo. Con-
tinuava morando no Maranhao. Mas assim garantiu a cadeira de
senador na eleigZo realizada em outubro do mesmo ano. Foi um
meio de, fazendo uso das imunidades parlamentares, proteger-
-se de eventuais processos contra atos ocorridos no seu governo
(1985-1990). Ao menos ficamos livres de mais um estado: o ter-
rit6rio de Fernando de Noronha foi reincorporado ao estado de
Pernambuco.
A Zona Franca de Manaus foi motivo de controv€rsias. Na
primeira versao do texto, Bernardo Cabral, relator da Constituin-te e deputado pelo estado do Amazonas, tinha apoiado a inclusio
daZonaFranca nas disposiq6es transit6rias, mas de forma perma-
nente, ou seja, manteria para sempre os incentivos fiscais e a Atea
de livre com€rcio. Diante dos protestos, acabou sendo incluido o
artigo 40 nas disposig6es transitorias, concedendo os incentivos
por mais 25 anos aZona Franca, contados a partir da promulga-
qdo da Constituiqao. A Emenda Constitucional na 42, de 2003,
concedeu mais dez anos. Dessa forma, aft 2023 estdo garantidos
os incentivos.
120
1988: uma Constituiqao para chamar de sua?
O mandato presidencial foi objeto de enorme disputa. O pre-
siclente Jose Samey pressionou os constituintes para obter a todo( rrsto um mandato de cinco anos. A Alianga Democrdtica * acordo('ntre o PMDB e os dissidentes do PDS, em 1984, que abriu ca-
rrrinho para a vtt6da de Tancredo Neves no Coldgio Eleitoral, em
;rrneiro de 1985 - tinha acordado que o mandato seria de quatro
rrncls, pois a Emenda Constitucional no I, que sofreu acrescimo
tlo Pacote de Abril de 1977, havia ampliado o periodo presiden-
t ial para seis anos. No exercicio do cargo, ele mudou de opini6o.
lrrn rede nacional de r6dio e televrsio chegou a afirmar que estava
rrlrrindo mdo de um ano de mandato (dos seis anos) e que era um''exemplo de desambigdo". Mentia. Ele usou e abusou do Diano
t)[rcial. Ofertou dezenas e dezenas de concessOes a rddio e televi-
vio. Ficou cdlebre a atuaeao do seu ministro das ComunicaqOes,
Antdnlo Carlos Magalhdes, respons6vel pela negociaqio das con-
t css6es. A discussAo sobre a duragio do mandato se transformou('nl um grande balcAo de negocios. E acabou conseguindo os cinco
,u)os por 328 votos a 222. Foi a unica votaQao em que compa-
rcceram os 559 constituintes. Contudo, a Emenda Constitucional
rr'' 5, de L994, alterou o mandato para quatro anos, mantendo a
proibiqAo da reeleigdo. Ti€s anos depois ocorreu nova mudanqa:
rrrio houve alteraqdo na duraqio do mandato, mas foi permitida a
rt'cleiEao - e o artigo 14, g 5s.
O artigo 86, que trata dos crimes de responsabilidade do pre-.,iclente da Republica, acabou sendo usado em 1992, quando do
rnpeachmenf do presidente Coilor. No caput do artigo foi conce-rlida a Cdmara dos Deputados a responsabilidade para admitir;r acusagAo, desde que obtivesse o apoi.o de dois terQos dos seus
nrcmbros. Mas o julgamento dos crimes de responsabiiidade seria
tlrr Senado, que teria at€ I80 dias para sua conclusdo. Em 1992,
;r (-Amara aceitou a denuncia em setembro e trds meses depois o\rt'nado aprovou o impeachment do presidente Collor por 67 votos
;r tr€s. Houve uma tentativa dos advogados do entZo presidente de
urlcrromper o processo com a rentncia, mas os senadores rejeita-
rru'r1 por 73 votos a oito.
121
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A HrsroRra ols Coxsrrrure0rs Bnnsrrernns
Como foi um caso de impedimento, assumiu o vice-presidente
Itamar Franco. No caso de vacAncia, o procedimento 6 distinto e
muito pouco conhecido dos cidadaos: a nova eleigAo e reahzada 90
dias apos a abertura da ultima vaga. Contudo, se a vacdncia ocor-
rer nos ultimos dois anos do periodo presidencial, "a eleigdo para
ambos os cargos serA feita trinta dias depois da ultima vaga, pelo
Congresso Nacional, na forma da lei" (art. B1).
Uma das deliberaqOes mais controversas da Constituinte foi o
artigo 2a das disposiq6es transitorias. De acordo com esse ailigo, no
dia 7de setembro
de1993
-pouco antes de a ConstituiqAo com-
pletar cinco anos - haveria um plebiscito para decidir a forma (re-
publica ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (par-
lamentarismo ou presidencialismo). A data do plebiscito acabou
antecipada pela Emenda Constitucional nn 2. Informalmente foi
argumentado que 7 de setembro era uma data que vinculava nossa
hist6ria i monarquia por conta do protagonismo de D. Pedro I no
processo de independ€ncia. O dta 2I de abril - feriado tipicamen-
te republicano - foi a nova data para o plebiscito. Precaugao em
excesso, pois nio havia nenhum movimento social com expressdo
que defendia o retorno A monarquia. Na Constituinte apenas um
deputado (Cunha Bueno) tinha externado publicamente a defesa
do regime mondrquico.
Contudo, foi estabelecido que os eleitores escolheriam a forma
de governo que desejavam. Como foi r,rsto no capitulo 2, a Repri-
blica tinha feito essa promessa em IBB9, quando do golpe militar
que derrubou o Imp€rio. Mas ninguem mais retomou a questao ao
longo de cem anos. O plebiscito sobre o sistema de governo tam-
b€m era uma medida esdnixula. Em janeiro de 1963 outro plebis-
cito ja tinha decidido que a vontade da populaqAo, por esmagadora
maioria, era pelo presidencialismo. Durante a Constituinte, o par-
lamentarismo tambem foi derrotado, quando se escolheu o sistema
de governo (foram 343 votos para o presidencialismo contra 213
para o parlamentarismo). Portanto, era uma esp€cie de terceiro tur-
no. E mais umavez o parlamentarismo foi amplamente denotado
e a repriblica venceu por larga margem a monarquia constitucional
122
1988: uma ConstitulqSo para chamar de sua?
(loi muito alto o numero de votos brancos e nulos, e a abstenqdo
loi. maior do que a media das ultimas eleiQ6es)'
o ano 1993 tamb6m foi o da primeira revisdo constitucional.
l,or incrivel que pareQa, os constituintes incluiram nas disposiqoes
transitorias (artlgo 3o) que, cinco anos ap6sapromuigaqlo daCarta'
scria realizada uma revisio pelo Congresso Nacionai - nio por uma
(.onstituinte - e que as modificagOes seriam aprovadas por maioria
rrbsoluta de votos. A inclusAo desse artigo represenlou uma novida-
/ rle na hist6ria das nossas Constituiq6es. A Constituiqlo portuguesa
tte 1976 tinha um dispositivo parecldo' que era produto do clima
lrolitico do pais, apos a derrubada de d€cadas de regime salazarisLa'
A revisao piogramada retirava do texto constitucional a perspectiva
,ta iongevidade. Se um simples Congresso poderia revisar a Carta,
rrad.a garantia que isso pudesse se repetir dd infinitum, como vem
()correndo atd os dias atuais.
O artigo 3q, por estranho que pareQa, nao abria a possibilida-
rk de uma revisao. Era imposrtivo: determinava que ela deveria
ocorrer. E plor, com quorum reduzido' de 50% mais um, e nao de
rrOs quintos. A conjuntura do segundo semestre de 1993' com a
l,rcsii6ncia de ltamar Franco - que substituiu Fernando Collor,
irnpedido de continuar no cargo definitivamente, em dezembro de
It)92, por votaQao do Senado - e um governo de unido nacional,
t om amplo apoio partidario, diminuiu o impeto de profundas alte-
rrrQ6es constitucionais' A revisio acabou sendo um fracasso'
A Constituigio permitiu aos analfabetos (e tamb€m aos maio-
rcs de 16 e menoresde IB anos) volar nas eleiqOes, nao como um
tlcver obrigat6rio, mas como um direito facultativo (art. 14, $ ln).
l,ara os analfabetos foi o retorno d participaqao nas eieigoes, direito
rlue tinha sido retirado desde a reforma eleitoral de IBBI' a Lei
\rrraiva, ainda no final do Segundo Reinado' No fim dos anos 1950
t. inicio dos 1960, ocorreu um intenso debate sobre o direito de
voro dos analfabetos. A pol€mica agitou ainda mais o caldeirio de
ttrrbul€ncias da €poca. Acreditava-se que o voto dos analfabetos
irnlpliaria a demoiracia e abtiria caminho para um governo d-e es-
,1u"rdu. Os analfabetos, portanto, seriam aliados em potencial dos
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A HrsrOnra ons CorusrrrurgOes BRlstretRls
chamados "setores progressistas". Quase 30 anos depois, na Cons-
tituinte, a aprovaQao do voto dos analfabetos ocorreu quase sem
nenhuma oposiqAo. Em parte porque se viu que a relagio entre seu
voto e os candidatos de esquerda era uma ficqao. Nao havia uma
relagdo necessaria entre uma coisa e outra. Hoje, os analfabetos
representam cerca de 6o/o do eleitorado registrado.
No entanto, se os analfabetos poderiam votar, nao poderiam
ser votados. Foi mais uma anomalia da Constituiqio. E isso no
mesmo artigo, no paragrafo 4a: os analfabetos foram considerados
inelegiveis. Essa situagio gerou diversos problemas. Em muitaseierg6es, candidatos eleitos foram considerados, pelos seus adver-
sdrios, como analfabetos. Tal "acusagao" obrigou os tribunais regio-
nais eleitorais a realizar "exames" com os eleitos para comprovar
se eram ou nlo alfabetizados. Esse constrangimento, por incrivel
que pareQa, tem base constitucional. Em 20I0, o deputado federal
com maior vouqao no pais, o palhaqo Tiririca, foi obrigado, ap6s a
elelgao, a fazer um exame para constatar que era aTfabetizado.
O artigo 94 manteve o quinto constitucional. que esleve pre-
sente nas Constituiq6es de 1934, 1946 e 1967. Por interm€dio
dele, advogados e membros do Ministerio Publico podem ser de-
signados juizes dos tribunais regionais federais e dos estados, sem
fazer concurso, como os demaisjuizes. Como? A Ordem dos Ad-
vogados do Brasil (OAB) € que promove a "seleq6o" dos candidatos
em reuniOes publicas para as vagas disponiveis nos tribunais. Da
"selegdo" retira uma lista s€xtupla, que 6 encaminhada para o tri-
bunal onde hA a vaga. Este se rerine e encaminha uma lista triplicep^ra- se o tribunal for estadual - o governador, que escolhe, a seu
bel-prazer, qualquer um dos trcs da lista. Dessa forma temos dois
tipos de juizes: os que frzeram concurso pubiico de provas e titulos
e os que entraram pela janela, por mera indicaqio politica da OAB
estadual e do governador. lsso pode explicar a importAncia das
eleiqOes das seqOes estaduais da Ordem e os eng-J{rX:Q gg:"lo_:.{eT
de presidentes que se perpetuam nos cargos,'Ricardo Lewandovski,)
qrl. ho.1" esrd no STf; chegou a luiz d.o Trifin-fl"4e*Ilfia; -ii-t]nal de Sio Paulo, nao por meio de um concurso, mas pelo quinty'
I
124
19BB: uma ConstituiqSo para chamar de sua?
constitucional, em 1990, por escolha do governador Orestes Qu€r-
cia. Tinha sido secretdrio de governo do prefeito Eron Galante, ern
SAo Bernardo do Campo, cidade onde cursou Direito. Em 2006 foi
nomeado pelo presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal.-'
A ConstituiQao manteve mais uma anomalia. O presidente da
I{eptiblica, para se ausentar do pais por mais de 15 dias, teria de
pedir licenqa ao Congresso (art. 83). Segue a tradiqio constitucio-
nal brasileira que vem desde 1824. O imperador "nio podera sair
rlo Imperio sem o consentimento da Assembleia Geral" (art. 104).
l). Pedro I, durante os nove anos de reinado, nlo {ez nenhuma via-,qem ao exterior. E, quando o fez, foi apos a abdicaQdo (1831). Ja D.
I'edro lI, no longo Segundo Reinado (1840-1889), fez trcs viagens
ircr exterior: 1,87I-1872,lB76-L877 e 1BB7-1BBB. Como as comu-
rricaeoes eram dificeis, al€m da extensZo temporal das viagens, o
irnperador, nessas tr€s vezes, transferiu o governo a princesa lsabel,
( omo regente do lmp€rio. A Reg€ncia tambem tinha um fim politi-
( o: preparar a princesa para assumir a Coroa apos a morte do pai.
O mais exotico 6 que o texto constitucional nao especifica a
nccessidade da transfer€ncia do cargo em nenhum dos seus arligos.
l)iz que o vice-presidente deve substituir o presidente em caso de
rrnpedimento (como no caso Collor/Itamar) e que pode ser con-
vocado para "miss6es especiais" e ter "outras atribuiqoes que the
Iorem conferidas por lei complementar" (art. 79). Nunca houve
lci complementar, por€m a cada r.'ragem internacional, por menor
rlLre seja o percurso, como ir ao Paraguai, o presidente transfere o
q()verno ao vice. Houve casos em que, por alguma impossibilidade
tltr vice, o presidente da Cdmara assumiu o governo. Chegou-se ao
lrtlnto de ser necess6rio convocar o presidente do Supremo Tiibu-
rrrrl Federal quando nlo foi possivel que o presidente da Cdmara ou
rlo Senado (o terceiro na ordem de sucessdo) assumissem o cargo
por razOes eleitorais que envolviam a inelegibilidade. Nessas trans-
lcr€ncias, uma delas foi inesquecivel: a ida de Paes de Andrade,
lrrcsidente daCimara,2t sua cidade natal, Mombaca, no sertao cea-
l'nse. O deputado exigiu que o deslocamento fosse realizado com
tocla pompa e cerimonial. Dias depols, "devolveu" o cargo.
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ittti$it {:
A Hrsronra DAs CoNsrrurcoEs Bnnstre tRls
Quando da viagem internacional, portanto, o pais tem dois pre-
sidentes: um no exterior e outro no pais. E os dois com autoridade
legalpara cumprir todas as atribuiq.ges,"do artigo-BJ, Epff pratica se
consagrou durante a chamada Reo-q!t"t_9?_ o"puiittu iiq+: .|p91)r)Quando Joio Goulart viajou para os Estados Unidos e o Mtixico,
eml962, Ranieri Mazzlll presidente da CAmara, assumiu o gover-
no e nomeou um Ministerio pr6priol No retorno, Goulart teve de
renomear "seu" Ministdrio. E continuamos assistindo a essa prdtica
a cada viagem presidencial mesmo sem nenhuma base legal.
Foi criado o Conselho da Republica, "orgao superior de con-
sulta do Presidente da Repriblica" (art. 89). Mais uma influ€ncia da
. Constituigdo portuguesa. Teria 14 membros, o vice-presidente, os
presidentes da Cdmara e do Senado, os lideres da maioria e mino-
ria na CAmara e no Senado, e mais seis membros, dois indicados
pelo presidente da Repriblica e quatro, pelo Congresso Nacional,
com mandatos de tr€s anos. Compete ao Conselho pronunciar-se
sobre "as questoes relevantes para a estabilidade das instituigOes
democrdticas", o que e absolutamente vago, e sobre a lp_qqf en-Eao-
fgderal, estads-de defesa-e-estadode-sitio-6fl-90).-Qiiuntus u"r"r )- alem das cerim6nias formais de posse de novos conselheiros - se ,/reuniu? Nenhuma.
Entre-as"deriiociacias consolidadas, nenhuma tem uma Carta
tao detalhista quanto a brasileira. Chega a estipular que "aos maio-
res de sessenta e cinco anos 6 garantida a gratuidade dos transpor-
tes coletivos" (art. 230, $ 2n), medida justa, evidentemente, mas
que em qualquer pais com um minimo de seriedade legal certa-mente nao faria parte de urna ConstituiqAo. A prolixidade cons-
titucional alcangou at€ a reTaqilo entre pais e filhos: "Os pais t€m
o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos
maiores t€m o dever de ajudar e arfiparar os pais na velhice, car€n-
cia ou enfermidade" (art.229). Chega a estabelecer limites paru a
propaganda comercial de tabaco, bebidas alco6licas, agrot6xicos,
medicamentos e terapias alternativas (art. 220, g 4!). Nesse ter-
reno - o do desconhecimento do que e uma Constituigdo - vale
destacar que, para surpresa de todos, foi considerado que "a lingua
126
1988: uma ConstituigSo para chamar de sua?
lx)rtuguesa e o idioma oficiai da Repriblica Federativa do Brasil"
(rrrt. 13). Estranho, pois ningudm estava pretendendo adotar outra
lingua. Deve ser anotado que aBalalrra-'lgaral]lia" 4p?_re99 41yt:tr r o teI!9-QQnsrillci@ mas "4evergl'
-e-**ad-asomgglg,qyglls)
No terreno do exotismo, a Constituigdo de 19BB conseguiu su-
llcrar qualquer uma das suas antecessoras. Confundindo uma Car-
lil constitucional - que € permanente - com um programa politico-/ ccon6mico - que e conjuntural -, foi determinado que a ordem
ccon6mica a ser instituida teria como objetivo a "busca do pleno
emprego" (art. 170, VIII). Uma das passagens mais controversas
rlo texto foi a aprovagio de que as taxas dejuros reais dos creditos
"rrao poderao ser superiores a doze por cento ao ano; a cobranqa
rrcima deste limite ser6 conceituada como crime de usura, punido,
cm todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar"
(rrrt. 192, VlIl, g 39. O absurdo foi tao grande - nunca um texto
ctrnstitucional tentou regular alaxa dejuro - que a disposigio ndo
Ioi cumprida. Depois de 15 anos, a Emenda Constitucional na 40,
rlc 29 de maio de 2003, revogou todo o capitulo I! referente ao sis-
tcrna financeiro nacional. Preservou, apenas, trds linhas. E fez bem.
As seqOes reservadas a cultura, ao desporto e a ci€ncia e tec-
rrologia foram as que concentraram o maior nrimero de excentri-
t rclades. A "lei dispord sobre a fixaqAo de datas comemorativas de
:rlta significaqilo para os diferentes segmentos etnicos nacionais"
(rrrt. 215, S 29. E inacreditAvel, mas a Constituigio acabou com
os feriados nacionais do conjunto do povo brasileiro. Agora, asrltttas comemorativas deverdo estar de acordo com um calendario
rlos vdrios "segmentos 6tnicos nacionais". O parAgrafo anterior do
nrcsmo afiigo diz que o "Estado proteger6 as manifestagOes das
t:ulturas populares, indigenas e afro-brasileiras, e das de outros
ll|upos participantes do processo civilizatorio nacional". Ou seja,
o constituinte dividiu a cultura brasileira em quatro partes. Uma
t' a formada pelas "culturas populares". Mas quais sio? Criou uma
scgunda: "indigenas". Esta € mais facil de compreender. A terceira
t' a "afro-brasileira" (pela primeira vez surgiu esta expressAo em
127
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A Hrsr6nra DAS CoNSTtruteOEs BnnsrLerRls
um texto constitucional). O que e cultura "afro-brasileira',? Noque se distingue das "culturas populares"? A quarta €
..deoutros
grupos panicipanres". Quais grupos? Outros? Como e possiveldefinir o que € cultura brasileira? E mais importante: por que este
assunto este na constituiqio? Qual a necessidade de constitucio-nalizar a cultura?
Foram considerados patrim6nio cultural brasileiro ,,asformas
de expressio" e "os modos de criar, {azer e viver". Convenhamosque e muito dificii entender o que desejou expressar o constituinte.Logo depois, de forma mais clara, ficou determinado que obras,
objetos, documentos, edificagOes, conjuntos urbanos e sitios devalor hist6rico, paisagistico, artistico, arqueologico, paleontol6gi_co, ecoi6gico e cientifico consrituem patrimonio cultural brasileiro.Como um meio de diferenciagdo, foi especificado que ,,ficam
tom_bados todos os documentos e os sitios detentores de reminisc€n-cias historicas dos antigos quilombos" (art. 216, 0 5q).
Ao desporto nacional foi reservado um aftigo. Menos pior. Otexto determina que sio deveres do Estado "a proteQao e o incentivoas manifestaq6es desportivas de criaqdo nacional". Cabe perguntar:qual das conhecidas praticas desportivas e de criaqio nacional? Naesfera do detalhismo, foi especificado que o "poder priblico incen-tivar6, o lazer, como forma de promoq1o social" e que a
,Justigades_
portiva terA o prazo miximo de sessenta dias, contados da instau_raqdo do processo, para proferir decisao final" (art. 217, IV g 29.Certamente, o leitor nao encontrard, como dispositivo constitucio_nal, a justiqa desportiva em nenhum pais politicamente s€rio.
Por incrivel que pareQa, o mercado interno foi considerado ,.pa_
trimOnio nacional", e o "ensino da Hist6ria do Brasil levard em con-ta as contribuiqdes das diferentes culturas e etnias para a formagAo
do povo brasileiro". NAo se sabem as raz6es desse parAgrafo, poisnenhuma outra disciplina (como Lingua Portuguesa ou Matemd-tica) foi contemplada na Carta. Por que justamente o ensino deHistoria? E o Colegio Pedro II, so ele, mereceu menQao especial:"serd mantido na orbita federal" (art. 242,9S 1n e 2'). O consumi-dor - sim, o consumidor - foi tamb€m atendido: em 120 dias seria
128
1988: uma Constrtuiq6o para chamar de sua?
claborado um c6digo de defesa, o que ocorreu bem depois, em
setembro de 1990.
A "segAo das bondades" ficou concentrada especialmente nas
disposig6es constitucionais transit6rias. Aos ex-combatentes da For-
ga Expedicionaria Brasileira (FEB) que participaram do esforgo de
guerra (nao somente aos que combateram na lt6lia) foram concedi-
clas pensOes especiais vitaiicias, correspondentes 2t de segundo-te-
nente das Forgas Armadas, assim como, "em caso de morte, pensio
la viriva ou companheira ou dependente, de forma proporcional".
Poderiam ser aproveitados no servigo priblico sem a exigdncia de
concurso e com estabilidade (art. 53)! Os seringueiros recrutados
no Nordeste para ir d Amaz6nia. no esforgo de guerra conhecido
como "campanha da borracha", entre 1942 e 1945, foram aqui-
nhoados com uma pensZo r,rtalicia de dois salarios minimos, que
poderia ser transferida "aos dependentes reconhecidamente caren'
tes" (art. 54, g 2n). Micro e pequenos empresdrios, mini, pequenos
e m6dios produtores rurais foram contemplados com a relirada da
correQao moneuria dos seus debitos efetuados em bancos e demais
instituiQoes financeiras contraidos entre 28 de fevereiro de 1986
(dia da dir,'ulgaqao do Plano Cruzado) e2B de fevereiro ou 31 de
dezembro de 1987 (art. 47). Era uma dadiva aos inadimplentes,
isso quando a inflagdo havia atingido niveis estratosfericos.
129
L
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8
6ND6 D€PR€6F,M€N|NO, VOC€
€ MuiTo NovO PR€tric€R v€NDo e59F.9
iNo€c€Nci€5r!!II
O STF e as liberdades:
um desencontro permanente
''lrsrevos AeuI pAre AILICAR A LEI E nlo para fazer justiqa."l Foi dessa
Iorma que um ministro do Supremo Tiibunal Federal respondeu
ir l)ergunta de uma jovem taquigrafa, em 1936, quando indagado
,,olrre uma decisao do tribunal que ela havia considerado injusta.
A jovem, ddcadas depois, escreveu uma historia do STF em trcs
u,,iu-.r, interrompida por seu flalecimento. Era Leda Boechat Ro-
r lrigues. A resposta do ministro € uma esp€cie de sintese da ag6o do
', l l; em mais de 120 anos de exist€ncia. De responsavel pela defesa
, Lr Constituiqdo e da democracia, transformou-se, mui[as vezes, em
rrrna seqio - subalterna - dos interesses do Executivo. As exceqOes
,rt rrlraram sendo punidas com a aposentadoria dos ministros "re-
lx'kles" e com a complac€ncia dos pares.
No fim do Imp6rio, D. Pedro lI manifestou o desejo de que no
llrrrsil fosse criada uma Suprema Corte, tal qual nos Estados Uni-
,los. No nosso caso, alem de ser um tribunal constitucional, deveria
,rlr;11'gs1'as atribuiqOes do Poder Moderador. Pediu, inclusive, para
I l{( )DRIGUES, Leda Boechat. Hist1i(:do Suprcmo hbunal Federal. Rio de Janeiro: Zahar.
I,tttl,v [II,p.39,
lul-€
131
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A Hrsroara ons Cor'rstrurgOts BnlstretRns
o diplomata Salvador de Mendonga, que estava de r,ragem marcada
para os Estados Unidos, que buscasse recoiher o maior numero de
informaedes sobre o funcionamento da Suprema Corte. Contudo,
o goipe militar de 1BB9 interrompeu esse projeto.
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi criado pela Repubiica.
O decreto B4B de lB90 deu a forma inicial de organizaqio do Poder
Judiciario, que foi seguido pela Constituiqdo de 1891. Instalou-se
formalmente quatro dias apos a promulgagAo da Carta.lnicialmente
era formado por l5 membros. A indicaqio de todos os ministros foi
do presidente Deodoro da Fonseca, e o Senado deveria, posterior-mente, referendar, tal qual dispunha a Constituigao. A delermina-
q2o sofreu criticas de alguns constituintes. Lembravam que quem
ndo fosse do agrado do presidente, independentemente de qual fos-
se, nunca chegaria ao Supremo. Para fazer parte do orgao, primei-
ramenle tinha de obter o "aceile" do presidente da Republica. Os
limites para a idade e o "notavel saber juridico" vinham a posteiorL.
E e o que se mantem at€ hoje.
O STF comeQou mal: dois dos indicados (Bardo de Lucena -que era ministro da Justiga e elaborou a lista - e Alencar Araripe)
eram, ao mesmo tempo, membros do STF e ministros do governo.
Nao era possivel tal acumulo. Sempre prodiga com os poderosos,
a Republica resolveu o problema. os juizes foram aposentados sem
que tivessem participado de nenhum julgamento.
Mas os absurdos continuaram. O segundo presidente da Repti-
blica, o marechal Florlano Peixoto, designou para o STF um m€di-
co (Barata Ribeiro) e dois generais (Ewerton Quadros e lnoc€ncioGalvdo de Queiroz). Argumentou que cumpria o que determinava
a Constituiqao: os indicados deveriam ser "cidadaos de notdvel sa-
ber e repuiaqao". E mais: eram seus amigos. Os dois chegaram a
exercer por alguns meses a fungio de juizes. O Senado, por€m, nao
confi.rmou nenhum dos dois nomes.
Durante seus tr€s anos de mandato, Floriano Peixolo deu va-
rias demonstragdes de desprezo pelo STF Dada a idade avangada
dos primeiros membros, muitos, logo apos a nomeagao, solicita-
vam a aposentadoria. Em lr€s anos foram designados32 ministros,
132
O STF e as liberdades: um desencontro permanente
rtrn recorde at6 os dias atuais. Algumas Yezes, o Marechal de Ferro
Ircliou a indicagio de novos nomes com o intuito de paralisar os
rrirbalhos da suprema corte, impedindo a possibilidade de ter o
rlrttt1,tft1 minimo para as sessoes.
As varias rebelioes ocorridas durante a presid€ncia Floriano
;ri:abaram chegando at6 o STE Eram pedidos dehabeas col?us p^ra
tliversos perseguidos do novo regime. Algumas vezes os pedidos
. t lcmoravam tanto para ser apreciados que o solicitante ja tinha sido
' ,rssassinado. Foi o caso do coronel Luiz Gomes Caldeira de An-
tlr.ade. De acordo com odespacho do ministro Pisa e Almeida, o
Pcdido estava prejudicado, pois, "depois de ser preso pelas forqas
icgais em abril desre ano [1894], foi fuzilado, ou antes assassinado,
rrrr capital do estado de Santa Catarina".
Em 10 de abril de IB9'2, apos a divulgaqdo de um manifesto e
.lc mobilizaQoes nas ruas da Capital Federal, Floriano Peixoto im-
pos o estado de sitio, deteve dezenas de opositores e desterrou para
rr AmazOnia v6rios dos seus inimigos,*BUi-Ba"1!-99-9 ep-t1gu. cory qma
., t r l i citae4 o.d.g ..haheas caryus .pala .q s p. re-so s-'f .t-9.q!.4pq--4-ry.?-4"99 os
rrrinisrros {_g..qug,,l's*egqJu-izgg 9_91g..e.*:g!!P!::6 g-orpus aos politi-
, ,,r, ..,1.L9;-"-i_-eiie.n+-e*:i!g *i,,y!_1_;1;lrX"ir;""I:,-dg-|iig;por.,1a vez, necessitarao" O Si-E coideJramente, atendeu a solicitagAo
,1,, mar'echal"
tt.got .a -p.qligi9.q.?.q.Ppr..d,e,Z.-v-qqAs-aqrl-1-.
Em meio as lutas poiiticas do periodo inicial da Republica,
rrruitos governadores acabaram depostos peias guarniqOes mili-
l;rres. Em 1892 diversos deles cairam. Rui Barbosa, em protesto,
rcnunciou ao mandato de senador. Foi um ato isolado. Nenhum',cnador o acompanhou. Acionado, o STF preferiu sair pela tangen-
t(.. Buscou uma interpreuQao radical do federalismo como meio de
,r. dismnciar dos problemas. Declarou-se incompetente por ser a
"nraleria de natureza meramente estadual".2
A Suprema corte foi acionada diversas vezes durante a Primei-
rrr Republica (1889-1930), especialmente quando envolvia as ga-
, I'ara esses primeiros par6grafos, ver RoDRIGUES, Leda Boechat. op. .1t., v. I, especlal-
llr, rr\' p \ 7. lZ'9. )Ze 42 8.
't33
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A Hrsr6nra ols Corusrrrurqors BnnsrrerRns
rantias e os direitos individuais. Em 1925, o escritor Pauio Duarte,
rec€m-formado em Direito, foi ao Rio deJaneiro solicitar tmhabeas
corpus para o filho do generalJoio Francisco, envolvido na rebeliao
de 1924. O filho era menor de idade, tinha 17 anos. Mesmo assim
foi preso, juntamente com o pai. O advogado pafiicipou da sessio.
Foi arguido que o menor nao poderia ficar detido numa prisao co-
mum com criminosos adultos. Era contra a lei. Nesse "momento, o
ministro Bento de Faria, que eu conhecia intimamente pelos seus
livros de processo criminal e comentdrios ao Codigo Penal, apar-
teou: 'mas a lei jA tem sido desobedecida numerosas vezes aqui,
pode ser esquecida mais uma vez!'. Guimaraes Natal bateu com a
mio fechada sobre a mesa, Hermenegildo de Barros e Artur Santos,
outros ministros corajosos, protestaram violentamente, mas todos
os demais ministros votaram com o procurador da Republica...".3
Ao adentrar o s€culo XX, a composigAo do tribunal foi remoqa-
da.Era mais que necessdrio, pois havia ministros que mal ouviam o
que estava sendo discutido. Um deles, Godofredo Cunha, era sur-
do e tinha dois funcion6rios, um de cada lado, que repetiam para
ele, durante as sessOes, o que estava sendo debatido. Entre os jo-
vens ministros nomeados, destacaram-se Alberto Torres, entao com
35 anos, e Epit6cio Pessoa, com 36. Mas pouco adiantou: o con-
servadorismo e o desprezo pelas liberdades democrdticas perrnane-
ceram. Ndo era um problema etfrio. A represslo aos movimentos
operdrios - com boa parte da lideranga de origem estrangeira -levou advogados a soiicitar habeas corpus para oper6rios presos e
expulsos do Brasil. Na ampla maioria das vezes, foram negados.As nomeaqOes continuaram a ser ndo por notorio saber juridico,
mas por conveni€ncia politica. Epitacio Pessoa foi designado ao STF
como um pr€mio de consolaqao, pela perda de influ€ncia no seu es-
tado, a Paraiba. Cardoso de Castro, mais conhecido como "Cardoso
maluco", notabilizou-se nao pelo saber juridico, mas pela repressdo
d Revolta da Vacina, em 1904, quando era chefe da policia da Capi-
tal Federal. Alberto Torres tambem foi indicado por raz1es politicas.
3. DUARTE, Paulo. Selvaoscura
134
O STF e as liberdades: um desencontro permanente
I pior: confessou que nio tinha conhecimentos juridicos suficientes
l)iu'a exercer a funqdo. Retardou a posse por alguns meses e ficou es-
trrtlando.a Menos pior, reconheceu que nio tinha qualificaqio. Pena
{lnL: o exemplo nAo tenha sido seguido por outros nomeados.
Os monatquistas - que nAo ameaQavam a Repriblica - vdrias
vt'zes foram detidos arbitrariamente, como ocorreu com Tomds
lr()rnpeu, professor cearense. Ele escreveu um simples artigo, em
l,9c)9, recordando o aniversdrio natalicio do imperador Pedro Il.
I r ) comandante militar de Fortaleza o deteve por 25 dias. O habeas
r rrprls s6 foi apreciado quando o professor cearense estava solto.
I'or incrivel que pareQa, o STF julgou prejudicado o pedido, ten-
tltr ern vista que o professor estava solto, mas o condenou apagar
,rs custas do processo. Ja o principe Dom Luis, filho da princesa
l,;rbel, nio pdde, em 1907, desembarcar no Rio de Janeiro. O ar-
r,,rrmento era que a familia real tinha sido banida. O problema e
tlrrc a ConstituiQao de IB91 tinha abolido o banimento judicial
t,rrr. 72,9 20). Foi solicitado o habeas corpus. Mais uma vez o STF
rt'lugou. Negou. O argumento central era que a ConstituiqAo tinha
rt'vogado o banimento judicial e que o ocorrido em IB89 foi um
lrrrnimento politico. Como escreveu Rui Barbosa, apoiando a deci-
',,ro do tribunal: por ser uma situagio "extraconstitucional, nio €
Itl(:onstitucional".
O mesmo Rui Barbosa foi considerado uma especie de patrono
,l:rs liberdades, de defensor da independOncia do STF Usou e abu-
,,ott dessas prerrogativas, principalmente quando tinha de defender
,rlgum cliente naquela Cofie. Numa sessao acabousendo advertido
pt'lo presidente de que o tempo regimental - 15 minutos - tinha
,'xl)irado. Antes de Rui protestar, o ministro Pedro Lessa pediu a
p;rlavra e disse que "a presenQa de Rui no Supremo era tao indis-
pt'ns6vel como a de Deus no Taberndculo". E Rui Barbosa falou
(lillrnto qUiS. . .5
I Vcr KOERNER, Andrei. Judici dio e cidadania nd constituieao da Repiblica brasileira. sao
l'.rrrlo: Flucitec, 1998, p. IB7-90.', l'ara os riltimos tres paregrafos, ver RODRIGUES' Leda Boechat, op' cit' v II. especial-
r'r, nrc p. 5-10, l7-9, 23-34,38-4I,113 e I18.Memoids. v. 1I1. Sao Paulo: Hucrtec, I976,p.133
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!
:l
A HrsrORn ons Cor'rstrureoes Bnlsrrrrnns
A lentidZo da tramitaglo dos processos ja faz pafie da infeliz
tradiqdo do STH T:do d motivo para adiamento. O luto foi sempre
uma boa justificativa. Ao ser declarado, tudo parava. Pior quando
morria um presidente da Corte: era regimental um luto de oito
dias. Mas houve periodos de luto mais extensos: para Rui Barbosa,
que nunca foi membro do STE foi declarada uma suspensdo dos
trabalhos por 15 dias, em 1923. Al€m do lulo, havia as licengaso
- sempre remuneradas, claro -, algumas de um ano, o que criava
um serio problema para que houvesse quorumnas sess6es delibera-
tivas, O quadro ficava pior por causa das aposentadorias precoces,como a de Epit6cio Pessoa. Ele teve um grave problema na vesicula.
Passou um ano na Europa cuidando da saude e em licenqa remune-
rada. Foi obrigado a ser operado em Paris, em 1912. Segundo sua
filha, o m€dico, no momento da operaqao, "empalideceu" quando
vru o estado da vesicula. Voltando ao Brasil, teve de pedir a apo-
sentadoria. Tinha 47 anos. Mas, ainda de acordo com sua filha, seu
estado de saride "desaconselhava-lhe de modo absoluto um regime
de vida todo sedentdrio, como era o de ministro". Ele "ndo se sentia
capaz de resistir por muito tempo A absorgAo, tantas vezes exausti-
va, dos trabalhos de gabinete".
Dois meses depois de aposentado, foi convidado a se candi-
datar ao Senado representando seu estado, a Paraiba. Recusou.
Contudo, os pedidos foram tantos que "n6o teve rem6dio senao
aceitar", principalmente quando apelaram "para o seu amor d.terta
natal". Tinha permanecido no exterior um ano, mas fez quesGo de
deixar claro que precisava de mais tempo para se recuperar. Tomou
posse e imediatamente viajou para a Europa, bem longe da sua
lerranaLal, e onde ficou por um ano e meio.6 Em 1919 foi eleito
presidente da Repriblica * mesmo sem fazer campanha, pois estava
novamente na Europa, representando o Brasil na Confer€ncia de
Versalhes. O gravemente enfermo de L9l2 viveu bem aLe 1942,30
anos ap6s se aposentar.
6. GABAGLIA, Laurita Pessoa Raj a. Epitdcil Pessol (1865-1942). fuo deJaneiro: Jose Oll-rn-
pio, 1951, v I, p. 198-203.
136
O STF e as liberdades: um desencontro permanente
pedro Lessa e Epitacio Pessoa travaram grandes batalhas no sTE
Eram inimigos e nao faziam nenhuma quesuo de esconder esse fato.
Cada sessao , cada voto era motivo para um demonstrar publica-
mente absoluta desconsider aqlto para com o outro' NAo se falavam'
nem sequer se cumprimentavam. A desavenqa aumentou quando
Lessa humilhou Pessoa em um julgamento. o futuro presidente da
Reprlblica fezumacitaqzo de um jurista americano para fundamen-
,uir.r, voto. Seu opositor imediatamente discordou e afirmou que
o jurista tinha escrito justamente o contrario. Para resolver a pen-
dencia, Lessa solicitou, em plenasessao, que um funcionario fosse
"..
ir biblioreca, trouxesse o liwo e passou o exemplar para que*Amaro " I :-.
ca-vds-asti*;*atghqre*^a-un"Lcp-rn$l9l59-SY-9-kaff4*lq1-o- {o,t{t": 'dJ.,
.inr. nos Eitados Unidos - lesse_--oj[;ffi-;1ddo. leiia-iipharqtal ir''*'.1;*-:;-; -:-*".*"* s
'qtailffizuis "*e*":"9,*-9n:"{i:*:.!-":*9-"?-o*l-9sirt-iiqlso .," "{
fudo era motivo para divergir. Ate pela imprensa travaram vdrios. _''' 'i.
clebares. Lessa, que u"ffiSffia€ncia negra, em um dos artigos fot {,..,,, l
clescrilo por Pessoa, de forma racista, como um "parvasco alto e t*,
corpanzudo, pernostico e gabola, ex-professor da Faculdade de Sao i
paulo, que fala grosso para disfarqar a ignordncia com o mesmo de-
sastrado ardil com qrr" ,urpu a cabeqa para dissimular a carapinha" '7
Com o passar dos anos, o Executivo foi dando menor importAn-
cia ao Supremo. Chegou at6 a descumprir abertamente um habeas
('otpus, em 1911, concedido aos deputados fluminenses que dese-
iavam ter acesso ao prg$-o*{a Assembleia do estado' Foi o periodo
eonhecido como daqi'satujiOa*, com vdrias intervenQoes lederais
ros estados, sempre qriiiido o governador nao era do agrado do pre-
sidente. Nio era o caso. Dessa forma, o presidente Hermes da Fonse-
ca nio so descumpnu a decisAo do STE como conseguiu o apoio do
Congresso Nacional. Ainda como represalia ao Supremo, apoiou
. upir.rrruqio de um projeto de lei sobre a responsabilizagao legal
dos ministros, que poderiam ser julgados pelo Senado'8
l V.t nOnntCUfS, Leda Boechat' op cLt,v Ii, p ll2-3' e HORBACH' Carlos Bastide
M(mbia juisprudencial'. minislro Pedro Lessa Brasilia: ST! 2009' p' 60-I'
It. Ver HOR|ACH, op. clt., p. 88-90, e PAIIGO, Leonardo Andr6 A Juneao polinca do Supremo
l|ibunal Federal. Tese de Doutorado - Faculdade de Diretto da USR Sao Paulo, 2007, p 135.
\37
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A Hrsr6nra DAs CoNslruIcoES BnnsrLrrRrs
Como vimos no capitulo 3, a Revoluqao de 1930 nd,o fez ceri-m6nia com o STF: aposent ou seis ministros e buscou a todo custolimitar sua atuaQao. Contou com a complac€ncra dos ministros. Osatos do Governo Provisorio foram excluidos de apreciagdo iudi-cial. O Supremo estabeleceu o estranho principio da iegitimidaderevoluciondria. Ou seja, ndo caberia julgar a constitucionalidadedos atos de um governo que, no momento da sua instalagao, ti-nha rompido com o preceito constitucional na sucessao do poder
Executivo. O legalismo servil mais uma vez permitiu aos ministroslavarem as mdos diante de inumeros atos e milhares de prisOes
politicas arbitrarias.
A repressao a revolta comunista de 1935 teve no STF um aliado
silencioso - assim como o foi o Congresso. O Supremo fechou os
olhos a viol€ncia legal representada pela Lei de Seguranqa Nacional
e pelo famigerado Tiibunal de Seguranga Nacional. Antes ate da
rebeliao, quando do fechamento da Alianqa Nacional Libertado-ra (ANL) - uma frente politica antivarguista, de centro-esquerda e
com a participaQao dos comunisras -, em julho de 1935, por estar"desenvolvendo atividade subversiva da ordem politica e social", o
STf; acionado pela solicitaqAo de um mandado de seguranga, porunanimidade, negou. O relator do processo, ministro Artur Ribei-ro, no seu parecer escreveu que a entidade era belicosa at€ na sua
direqdo: preferiu um oficial da Marinha a "um sociologo ou umeconomista" . Para ele, recusar o mandado para aANL era um meiode preservar o oper6rio brasileiro: "amante da familia, honesto, pa-
gador das dividas, respeitador dos superiores, bem-vestido e folga-zAo aos domingos, temente a Deus, modesto, cordato, razo€wel e
inteligente, bom vizinho e bom amigo".e
Quando o tribunai foi solicitado a se pronunciar sobre o es,
tado de sitio, saiu pela tangente. NAo cabia ao Poder Judici6rio se
pronunciar sobre a constitucionalidade desse ato do Executivo. Aomissio tinha uma justificativa: com o passar dos anos, a maioria
9. Ver COSTA, Edgard. Os grandes julgdmentos do Supremo Tribunal Federal. Rio de JaneiroCivllizagao Brasileira, 1964, v. II, p. 48-67 .
138
O STF e as liberdades: um desencontro permanente
dos ministros der,ta sua nomeaQAo a Getulio Vargas. Nos quase lB
anos dos seus dois governos, nomeou 2l ministros, superado ape-
nas por Floriano Peixoto.
A ditadura do Estado Novo humilhou o STF Primeiro, por
rneio cla ConstituiqAo de 1937, a nomeaQao do presidente e do
vice da Corte seria da alqada nao mais dos proprios pares. mas
d" p;"tja;td da Repnbtica.-A idade'mdiim^ paru a peimdndncia
como ministro caiu dos 75 anos (de acordo com a Constituigio
de 1934) para 68. Mas o pior foi o constante desprezo para com
rr Corte Suprema. Tudo era feito pelo ditador, certo da coniv€n-
cia dos ministros. $frcrjor"deferidq.ne4bum habeas corpus, durante
oito anos, que pudgs.s^g p{SJUdicAl a 1ep1e9s1o governamental. Um
.r"*pio"l ltd"i.Fedtosu foi preso em dezembro de 1935. Solicitou
habeas corpus. Aguardou seis anos. Finaimente, foi-lhe concedido
cm abril de 1941.10
Com a queda de Vargas, em outubro de 1945, foi chamado
para a Presid€ncia Jose Linhares, presidente do STF, apesar de
rnexistir na ConstituigAo de 1937 quaiquer disposigdo legal que
rclerendasse a decisAo dos chefes militares. Ficou tres meses no
(rargo. Nomeou tr€s ministros para o Supremo, dando a media -;rte hoje nao batida - de ttm ministro por m€s' Cumpriu o papel de
,qirrantir a realizaqlo das eleiqOes presidenciais de 2 de dezembro e
ir posse do eleito, em janeiro. Mas a sua passagem ficou conhecida
no anedotdrio popuiar pela nomeagAo de parentes, dai o apelido
tlc Jose "milhares". '
A- fe-d-emocr alizaQaa de1945 ndo alteroll o comportamento do
rrrbunal. Em1947 ,o Partido Comunista foi colocado na ilegalidade
Pclo Tiibunal Superior Eleitoral. Foi um ato controverso' mas' por
tlois votos a um, o PC perdeu o regi.stro, ap6s somente dois anos de
vrda legal. Ti€s dos seus lideres, o senador Luis Carlos Prestes e os
rlcputados Mauricio Grabois e Jodo Amazonas, solicitaram habeas
( til"pLLS para poder entrar na sede central e nos comites do partido.
l() Ver COSTA, Emilia Viotti da. STF: o Supremo Tribunal Federal e a construQao da cida-
,l.rrrn. SAo Paulo: Unesp, 2006, p.94.
139
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A Hrsronrn ons CotsrrutgOrs BnnsrLe rnas
A solicitagio foi rejeitada por unanimidade.lr Em janeiro do anoseguinte os parlamentares perderam os mandatos" Recorreram ao
Supremo e novamente nao encontraram guarida.
Oito anos depois, em 1955, Caf€ Filho, presidente da Repu-
blica, pediu licenga para tTatamento de saude. Tinha assumido o
governo ap6s o suicidio de Gerulio Vargas. Na eiergdo de outubrode 1955 apoiou Juarez TAvora. O vencedor foi Juscelino Kubits-chek. Foi acusado de tramar um golpe de Estado conrra JK com
apoio de setores ultraconservadores. A licenqa, de acordo com seus
opositores, seria uma artimanha politica. Assumiu o presrdente da
Cdmara dos Deputados, Carlos Luz, de acordo com a ConstituiqAo.Em 3 de novembro, Luz resolveu trocar o ministro da Guerra, o
marechal Teixeira Lott. A tentativa foi considerada o inicio de umgolpe contra os resultados da recente eleiqAo presidencial. A re-
sist€ncia da maioria dos comandantes militares levou A queda de
Luz e d designagAo de Nereu Ramos, vice-presidente do Senado,12
como presidente interino da Republica. Ti€s semanas depois, nodra 22. Ca[e Filho saiu do hospiral, mas nao conseguiu reassumir
a Presid€ncia, por deliberagio do Congresso. Resolveu recorrer ao
STF com um mandado de seguranea e habeas corpus. Apesar da
urg€ncia, o tribunal colocou Agtana fen'ura. So julgou o processo
tr€s semanas depois. A maioria do plenario resolveu tergiversar.
Decidiu que deveriam sustar o julgamento ate que fosse suspenso
o estado de sitio.
O tempo foi passando e o tribunal se manteve mudo. Final-
mente, em7 de novembro de 1956, tr€s semanas antes de com-pletar um ano da solicitaqAo, o STF tomou uma decisdo:julgouprejudicado o pedido, pois Cafe Filho nno poderia reromar o
cargo por um motivo muito simples desde 31 de .janeiro JK era o
presidente constitucional do Brasil. Ou, nas doutas palavras do
tribunal, "de sorte que qualquer reclamagAo do impetrante para
1 I. Ver COSTA, Edgard, op. cit., v II, p. 9-96.
I2. Pela Constituiqio de 1946, o cargo de presidente do Senado era reservado ao vice--presidente da Repriblica. No caso, nAo havia vice, devido d morte de Vargas e a ascensio de
Cafe Fllho a Presidcncia da Reprlblica.
"t40
reassumir a presid€ncia da Republica nAo mars pode ser objeto
de cogitaqio". Q,S.lli:-!ro -NefsgnHungria foi mais sincero e dr-
reto ao ponto: "Contii-uma iniuireicao pelas armas, coroada de
exii!;r 3,cime-Ii_!-e...yai-erauma c ontrainsu rrei gz o
"
com maio r folca
n .ti!, n*tii1u*""t", nao pode ser feita pelo Supremo Tiibu-
nal, posio qui eite nAo iria cometer a ingenuidade de, numa
lnocua declaraqao de principios, expedir mandado para cespar a
insirriliaaa. Aieite'o-'nbg6idio que o eoderJudicidrio ndo pode
cortar, pois n6o di9..p99 .Q espada de Alexandre._O
ilustre iTPe-
ti-4m-i9"-.q[i..,.fr*p-4ig,.:, t ltgu em porta errada"' E concluiu:
"Affiq,i-ii;-34q ;;*;;;; iirnt oto E 1ma simples pintura de-
corativa no teto ou na pirede das saias de jusfiga Nio pode ser
opottu a uma re6eliao armada".r'
Depois do golpe civil-militar de L961 cresceram as pressoes
contra o.sTE Deputados vinculados ao novo regime atacaram sis-
teniaiicamente o tribunal. Um deles,Jorge Curi, em discurso disse:
.Cercear no Poder Judiciario o expurgo que se estd processando
no Congresso Nacional, alem de ser uma odiosa discriminaqao, e
tentar frustrar a revoiugao, € negar-lhe o poder que o Ato Insti-
rucional lhe outorgou de impedir que, um dia, pelos votos dos
,rcusados, voltem por habeas corpus ou outra medida juridica os
cxpurgados da vida nacional". O general Costa e Silva, ministro da
Guerra de Castelo Branco, em outubro de 1965, com a elegdncia
l-rabitual, deixou bem clara a posiqao do governo perante o STF:
"Os militares deixaram g Supremo Tiibunal Federal funcionar na
.rp"rutqu de que ele saberia iompreendera Revolugao' Esperanga,
aliis, ilusoria".rl
Ocorreram alguns atritos em decorr€ncta da concessao deha-
beas corpus aos ex-governadores Mauro Borges (GO) e Miguel Ar-
raes (PE), como no caso do governador pernambucano, depois de
rum ano de detenqao sem nenhum processo formal. Foi acusado
Por crime de "tentativa de rnudanqa da ordem politica e social me-
I ] Ver COSTA, Edgard, op. cit , vol. 1II, p.354-468.
| 4. Apud VALE, Owaldo tr.igueiro do. o supremo Ttlbunal Fedetal e a instabilidade politico-
instituctonr;l. Rio deJanerro: Civilizacdo Brasileira, I976.p 59 e95'
141
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A Hrsr6nrn oas Corsrtrutq0rs BRnstLrtms
diante ajuda de Estado estrangeiro". N6o havia nenhuma base para
a denfncia, a nao ser o odio dos seus opositores. Arraes foi deposto
pelo Exdrcito e levado para Fernando de Noronha. LA permane-
ceu detido durante vdrios meses. Em dezembro voltou para Recife,
onde ficou detido por mais quatro meses. Transferido para o Rio
deJaneiro, em abril de 1965, acabou obtendo habeas corpus.Mes-
mo assim, as ameaQas continuavam. Resolveu pedir asilo d Arg€lia.
Dias depois foi condenado a23 anos de prisdo por supostos crimes
contra a seguranQa nacional.15
Castelo Branco fez questZo de visitar o STF Tentava a todocusto construir uma imagem de liberai, mesmo com as centenas
de cassag6es, acusag6es de graves violag6es dos direitos humanos,
medidas arbitrdrias e as iimitaqOes das atribuigOes do tribunal por
meio do AI-2. Foi recebido com fidalguia pelos ministros- No dis-
curso de recepgao a Castelo, o presidente do Supremo disse: "To-
dos sabemos que nao 6 facil harmonizar a ordem politica com os
programas e prop6sitos revolucionArios. No fervilhar das paix6es,
nos, os julzes, nem sempre somos compreendidos". Pouco adian-
taram as palavras apaziguadoras. O regime continuou avangando
e suprimindo a independ€ncia da mais alta Corte. Em outubro de
1965 foi imposto o Ato lnstitucional na 2, que ampliou o nfme-
ro de ministros de 11 para 16. Evidentemente, foram nomeados
aqueles que tinham absoluta identificaqio"q-oJr-I-o l,qgifne miiitar.
Como declarou, sem nenhum pudoq Juracy-Y3g"4lage.,'15rinis+ro
daJustiga, o "governo esta naturalmente selec,ionln{q-nqnes para
compleur os tribunais, com jurzes a altura do desenvolvimento do
Brasil e das riedessidades da revoluQ6o".16
O Ato tnstiiucio"al nn 5, como vimos no capitulo 6, suprimiu o
pouco de liberdade que ainda restava. O STF teve ainda mais limi-
tada sua atuaQao. Mesmo assim, no afa de impor a todo custo a von-
tade do poder militar, em janeiro de 1969, com base no Al-5, foram
cassados tr€s ministros: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro
15. Ver COSTA, Edgard, op. cit.,v.Y,p.125-52
16. Apud VALE, op. cit.,p. I90 e 138.
142
O STF e as liberdades: um desencontro permanente
Lins e silva. Tinham sido nomeados pelos presidentes Juscelino
Kubitscheck (Leal) eJoao Goulart (Lima e Lins e Srlva)' Dos outros
13 ministros, so receberam a solidariedade de dois: um renunciou
e outro solicitou aposentadoria' Os outros ll mantiveram-se em
sil0ncio, omissos'
Duas semanas depois, pelo Ato lnstitucional nq 6' foi alte-
rada novamente a colpo'iqao do Supremo para I1 membros'
que era o nrtmero entit existente, depois das cassaQoes e das
ufor"rr,uaorias' Ai€m do qu€, o AI-6 diminuiu a competcncia
ao Sff fazendoque a tramitaqdo de tmhabeas corpus fosse ex-
[remamente demorada, recordando que o ato suspendeu a con-
cessao nos casos que envolvessem crimes politicos e contra a
seguranQa nacional."
Com o disposto nos AIs 5 e 6-e
uma confi'fvel e servil"com-
nosicdo do tritunal, ,o legime militar nao teve mais problemas
:;;.; sTF A exceQao deveu_se a um jurista liberal, resquicio
a"l-apaiaa"res do golpe civil-militar e tul foral1lu"1o"ll-do ,,'
u ,.gi*" a cada medida arbitrdria'" Era Adauto.Lucio Cardoso' '
u deriirtu hist-6;ico,.. conheci-do' pela'" eombaflvi'dade e op os1e19 ao
varguismo. g-gmo-"?9.p-{r-rineiro,
passola maior parte de.s1a vlda
"""*;O--a.;i;neiio:'fr; w64, alertou Francisco Juliao' lider das
t-igas Camponesas' it tpocadeputado federal' que devena f"gt^t-U"
Brasilia, pois seria pre,o ptloi novos donos do poder' Em 1966'
,"rrunciou i presid€ncia da Clmara dos Deputados' apos a cas-
saglo de seis parlamentares do MDB - ele era da Arena' Adauto
loi nomeado em 1967. Ficou quatro anos no Supremo' No STF
votou com independ€ncia' Mas o aprofundamento repressivo do
regime acabou transformand'o Adauto em um opositor dos mili- I
tares. O 6pice ocorreu em marQo de 1971 Era o julgamento para
tratar da censura prdvia a livros e peri6dicos"'legalizada" pelo '
rlecreto L.077, de janeiro de 1970' Adauto foi voz solitdria no
lulgamento. Combateu o decreto e perdeu feio' lndignado com o '
..*ilir*odosministros,levantou-sedacadeira'retirou^togaea''
iogou no chao. Saiu do plen6rio para nunca mais voltar' Solicitou
,,1ir"rrtudoria. Como um liberal sincero' nao podia compactuar
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A Hrsrbnin ons CorusrrrurgOrs Bnnsrranns
com a farsa de um Supremo que aceitava passivamente a violagAodas liberdades lundamentais. I 7
O STF foi "esquecendo" os casos politicos. Ficou restrito ao ju_ridrcismo v:azio,,Lio tipico clo Brasil. Alguns ministros chegaram at€a colaborar com o governo na redaqao do famoso (e triste) pacote
de Abril de 1977 , que, como vimos, fechou o Congresso Nacional.A independ€ncia da corte ficou para ser usada em outro momenro.Certamente foram, juntamente com os anos 1935-1945, os pio,res momenios na historia do Supremo. o tribunal estava de costuspara o pars. Em 1984. em pleno auge da campanha das Direias
J6, foram decretadas medidas de emerg€ncia no Distrito Federal e
adjac€ncias, proximo do dia da votaQao da emenda Danre de oli-veira. o pais estava se redemocraLrzando, dois anos antes tinharnocorrido eleiqoes diretas para todos os governos estaduais, poremo STF continuava como se o pais estivesse em 1969. Omitiu_se. E,quando chamado para opinar sobre os impedimentos d liberdadede comunicagio durante a votaQao da emenda, procurou sair peiatangente e decidir que nao era a instancia que deveria ser aciona-da. Era mais uma esp€cie de "passa-mo1eque", pois o ato foi dopresidente da Republica e, de acordo com os artigos 81 e I55 daConstrtuigao, caberia ao Supremo apreciar a solicitaqio.
Ao STF foram reservadas novas e mais complexas atribuiqOespela constituiqdo de 1988. Contudo, manreve a postura historicada omissao e da obedi€ncia aos desmandos do Executivo. Em mar_qo de 1990 foi editado o Plano collor. Foram congelados todos
os ativos financeiros acima de 50 mil cruzados novos. Surgirammuitas duvidas sobre a legalidade dos decretos e das medidas pro-visorias. Uma delas - a de np 173 * determinava que ,,nio
ser6concedida medida limrnar em mandado de seguranQa e em aQoes
ordinarias ou cauielares" referentes a dez medidas provis6rias. Eraum absoluto abuso de poder. O Supremo foi acionado. postergou
a decisao. Mas a mais alta Corte sinaiizava, muito antes do jrlgr_
17. Ver ALVES JR., Luis carlos Martins. Memoia jurisprudencial: ministro Evandro Lins.Brasilia: srf; 7999,p.77-2 e TAVARES, Fritio. Memlias do esquecimento. sao paulo: Globo,1999, p. 150
't44
O STF e as liberdades: um desencontro permanente
mento, que aceitaria obedientemente a imposiqAo inconstitucional
do Executivo. Sidney Sanches, que presrdia o STF' afirmou que nao
poderia conceder nenhurna liminar de desbloqueio' pois "resultaria
em enorme transtorno para a economia' com a inleqio de trilhoes'
o que pode trazer or"toir-ro de uma ameaqadora hiperinflaglo".18 o
tribunal so foi apreciar a questao mais de um ano depois Curiosa-
mente, o pr^zo para o fim do bloqueio dos ativos era de 18 meses
(essa estrategia nAo foi novidade; basta recordar, entre tantos outros
"*"-plor,o*episodlo Cafe Filho)' E, como era esperado' o STF
referendou a medida 173 por ampla maioria, tendo somente dois
votos em contr6rio, de Paulo Brossard e de Celso de Mello'
A renovagao dos seus quadros foi retirando paulatinamente
os membros mais associados com o regime militar' Mesmo assim
continuaram a ocorrer polOmicas indicagOes' Fernando Collor' por
exemplo, indicou um primo, Marco Aur€lio de Mello' e Francisco
Rerek por duas vezes' lsso porque Rezek tinha sido indicado pelo
g"n"ruiFigueiredo, em 1983. Em 1990 foj nomeado ministro das
Relag6es Exteriores por Collor. Teve de renunciar ao STE Em 1992
pediu demissZo do iargo. No mes seguinte voltou ao Supremo' Fi-
aou poa,ao tempo. Renunciou novamente para assumrr o cargo de
ltizna Corte lnternacional deJustiga de Haia'
' A redem ocr^lrzaQaonio deu -eslabilidadeaos componentes do
Supremo Surgiram algumas novidades, como a nomeagdo' em
lo[O,ta; o.*?'t, *"rier, a gaucha Ellen Gracie Porem a,rorati-
vidade doi mlnlstros continuou, como foi o caso de NelsonJobim'
que foi nomeado em 1997 e pediu aposentadoria em 2006'O
mesmo se repetiu com ministros nomeados pelo ptesldente I uis
lnacio r-ula da Silva. Basta citar o caso de Eros Grau, que foi indi-
cado em 2004 e se aposentou em 2010' Grau ficou mais conhe-
cido nao pelo saber juridico, por alguma decisio importante em
defesa da cidadania e daliberdade. Nao. Destacou-se como escri-
tor erotico. Publicou somente um romance,para alguns' numero
18. Apud VIEIRA, Oscar Vilhena Supremo Tribunal Federal: iurisprud€ncia politica Sao
Paulo: Revista dos Tiibunais, i99'1, p i05'
,i::
ii.\,..:
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t.53#
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A HrsrOnn oas CorusrrurgOrs BnasrLrrnes
mais que suficiente. hangulo no ponto foi um fracasso editorial e
de critica, mesmo tendo sido lanqado em 2007 , quando ainda era
ministro. O livro chamou a atenQao por passagens liricas, como
estas: "Costa explora o territ6rio, inspeciona os pelos pubianos, o
pote de mel, acaricia as nldegas estreitas, separa-as, experimenta
um dedo amanteigado" ou "Fantasia, imagina o sexo de Beth ini-cialmente como uma ostra estreitinha, ap6s como uma orquidea
selyagem, rococo".le
7-O p re sident e Lula"$g _
Si]ya c onseguiu qqr-np-o;.u.mJu.ple. Jnp .A9
*ge"q€gs.!o Sete foram de sua nomeaqao. excetuando Cilmar Men-des (Fernando Henrique), Celso de Mello (Sarney), Ellen Gracie
(Fernando Henrique) e Marco Aurelio de Mello (Collor). E ainda
nomeou mais dois, um que pediu aposentadoria (Grau) e outro
que faleceu pouco mais de um ano depois da posse (Carlos Alberto
Direito). A presidente Dilma Rousseff nomeou Luiz Fux, em feve-
reiro de 20II, e, com a aposentadoria de Gracie, vai designar mais
um ministro. Dessa forma, restario, em 2011, somente tr€s que
nio foram indicados pela dupla Lula-Dilma.
Um dos problemas do STF e a forma de nomeaqio. O presiden-
te indica e o Senado simplesmente referenda. A sessio da Comissdo
de Constituiqio e Justiqa 6 meramente formal. O indicado ndo e
sabatinado. A sessio acaba virando uma espdcie de grande home-
nagem, como se os senadores estivessem, de antemao, adquirindo
um passaporte para possiveis aQOes no STE,N,ungq. utn..-c.-andfd_At-o-a
TlSHgq-[*"I?:*399."F--?s-.4p"{,9v,-4s9e-s 19-.P"19.!4"{ls:.1-q*P-q:.e-s."ry3$-
*%ff--ngigria,p-"'c-p'ql.rafls.qlr-n.a;-..e-x9-es-o*gp:jo*g -qp l29J"-s*e*doEvandro Lins e Silva foi aprovado por 29 votos favor6veis e 23
c6nTffffi;. TAne 3€r tteonheCido que, eni"ieii{io is iicimedqiies,'b
pfoffidiifr nao € do Supremo, mas sim do Senado, que nAo cumpre
com o seu dever constitucional.
Um dos casos recentes - e emblemdticos - da forma de nome-
aqio e da sabatina foi o do ministro Josd Antonio Toffoli. Duran-
te muitos anos foi advogado do PT, nao fez pos-graduagdo e foi
19. GMU, Eros. hdngulo no ponto. Rio de Janeiro: Nova Fronteira ,2007 , p. 94 e 58.
146
O STF e as Iiberdades: um desencontro permanente
reprovado em dois concursos para juiz (1994 e 1995). Contudo,
foi indicado para o cargo mdximo da Justiqa brasileira por Lula.
Esperava-se que a sabatina no Senado fosse ser rigorosa. Ledo en-
gano. Foi cercado de elogios. Somente frzetamuma pergunta sobre
possiveis envolvimentos politicos. E mais nada. Acabou sendo fa-
cilmente aprovado.
O STF ainda e muito questionado como o guardido da Cons-
tiuiQao. A tarefa nao e facil, basta recordar as dezenas de emen-
das constitucionais, sem esquecer as centenas de propostas que
tramitam no Congresso requerendo aindamais modificaq6es.
Quando acionado, o tribunal continua tomando decis6es que sio
muito questiondveis. Acabou inocentando o ex-presidente Fernan-
do Collor das graves acusaQoes que levaram ao itnpeachment, em
Igg2. O mdximo que a Corte fez f.oi confi-rmar a suspensio dos
direitos politicos do ex-presidente por oito anos. Nessa votaqAo,
em dezembro de 1993, tr€s ministros nZo participaram: Sanches,
porque tinha presidido a sessAo do Senado que julgou Collor; Re-
zek, por ter sido ministro do ex-presidente; e Mello, porque foi
indicado por ele paru o STF O resultado inicial do julgamento cau-
sou perplexidade: quatro a quatro. Houve empate- Para resolver a
pend€ncia foram chamados tr€s ministros do Superior Tiibunal de
Justiga. E os tr€.s votaram favordveis d cassaqdo. Mantendo a tdste
prdtica de atrasar, tanto quanto possivel, a deliberagio de pol€mi-
cos processos politicos, a Corte ainda ndo julgou o caso conhecido
como "mensalao" - suposto esquema de corrupQdo que envolveu
o governo federal e sua base politica no Congresso Nacional, em2005 -, que estii tramitando desde 2007. Alguns crimes, como o de
formagao de quadrilha, ja prescreveram.
O caso do italiano Cesare Battisti serve como bom e triste
exemplo. Cometeu quatro homicidios na ltalia, supostamente a
servigo de um grupo de extrema esquerda chamado Proletarios
Armados peio Comunismo. Entrou clandestinamente no Brasil.
Foi preso. Recebeu a status de refugiado. O governo italiano so-
hcitou sua extradiQio, tendo em vista as condenag6es de Battisti
a prisdo perp€tua. O Supremo acabou decidindo por nAo decidir.
147
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A Hrsr6ntn ons CorustlrutgOrs BR'qstLltR'qs
Isso mesmo. Tiansferiu para o Executivo a responsabilidade final
pelo caso. Lavou as maos. lgnorou a tradiQao brasileira' E deu
guarida a um homicida.
Infelizmente, o STF acabou, ao longo de mais de 120 anos de
historia, representando uma sintese das mazelas da JustiQa brasi-
leira. Como escreveu com muita propriedade o jurista baianoJoAo
Mangabeira, "oJudiciario e o poder que mais falhou na Republica"'
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t969
1937'. todos os golpes se parecem' Rio de Janeiro: Clvilizaeio
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Informag6es para cr6ditos
e legendas das imagens
1
Descrigdo: Capa da Revistalllustrada aiusiva d Lei de 13 de Maio de lB8B, que
declara extinta a escraviddo no Brasil. Sio destacados os nomes deJos€ do Patro-
cinio,Joaquim Nabuco, Senador Dantas eJoao Clapp.
Crddito: Angelo Agostini. Em Revista lllustrada, 1BBB, Coleeao Particular.
2
DescriQdo: Rui Barbosa (cigana) e a Repribllca Brasileira.
Legenda:
LENDO O FUTURO
- Entio, cigana, quai o meu futuro?- Pela carla que lenho na mao... € espadal
Cr€dit.o: Seth. Em Careta, l9/4/I919, Colegdo Parlicular.
3
Descrieao: Charge alusiva 2r Constituigdo de 1934.
Titulo original: A FOME CONSTITUCIONAL
Legenda original: O FREGUEZ - Bonito bolo! Mas € de enfeite, ninguem come,
o primeiro a retalhar ser6 o dono da casa...
Crddito: Storni. 1934. Acewo lconographia.
1938.
L97t
1931.
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A Htsr6nn ons Colsrrutgors BRASILEIRAS
5
Descrigdo: Ilustragdo alusiva iCr€dito: Mollica. Em Historia,
Era JK, construQdo de Brasilia e lnicio da inflaQioHistonas,deJoel Rufino dos Santos, 1992'
4
Descrigio: A charge chama a ateneao para a sinuosidade da trajet6ria politica de
;;; iac" di"galldade, que alterna passagens-ditatoriais e democraticas'
r-.g;a" original: QinrlrOO e-S CIRCUNSTANCLAS PERMITEM--^, ^-
- rioco, r,,ioco, ESTE BoNDE PASSA NA RUA DA coNSTITUlcAo?
- AS VEZES.
Creaito, Josd Carlos de Brito e Cunha - l8B4-1950 (J' Carlos)' EmCareta'
g /g / 1950. Coleclo Particular'
6
Descrigao:Chargereferenteaoperiododaditaduramilitaralusivaacensulaaos
meios de comunicagio.
Legenda original:
- for vocE, MARIA, ou JA coMEcou A LEI DA IMPRENSA?
Cr€dito : Fortuna. Em Corio da Manha, 7 / lO / Ig 66' Biblioteca Nacional'
Rio de Janeiro.
7
Descrig6o: llustragAo alusiva 2t
Cr€dito: Henfi.l. c. 1986.
8
Assembleia Constituinte de l9B8
Descriqdo: Charge alusiva d JustiQa brasileira
Cr€dito: Duke. Em O Ternpo,30/03/2009'
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Marco Antonio Vitta 6
historiador, com mestrado
em sociolog a e doutorado
em hist6rla soclal, ambos
peta Unlversidade de Sao
PauLo (USP). AtuaLmente 6
professor do DePaftamento
de Cioncias Socials e
doPrograma de P6s
Craduaeao de Ciencia
PoLitica da Unlversldadc
Federal de Sao Carlos(liFSCar).
E autor de numerosos
livros que tem como tclrril
momentos da hist6r a
brasiLeira, como estL(k)s
sobre Canudos, a qu{r(lir
do irnp6rio, o nascimclrlo
da rep(bLica e lmabiografia de Joao Corll,rrl
Tamb6rn publicoo lvr()ri
sobre a hist6ria do crl.\([rde Sao Paulo.
[nr livru ki (ntGrorn Brtlicl.v r F,nirqd Pirr r L!vx
rm oulubr. lLr 2u]l
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