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LINDA HUTCHEON

CUMATEORIA DA PARÓDIA .

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DEDALUS -Acervo - FFLCH-LE

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Título original: A Theory of Parody

© 1985, Linda Hutcheon

-Publicado originalmente por Methuen & Co, Ltd.

Tradução de Teresa Louro Pérez

Capa de Edições 70

Depósito legal n.º 32702/89

Todos os direitos reservados para a língua portuguesa por Edições 70, Lda., Lisboa- PORTUGAL

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LINDA HUTCHEON

CUMATEORIA DAPARdDIA ENSINAMENTOS DAS FORMAS

DE ARTE DO SÉCULO XX

TOMB0::10815B

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ÍNDICE

Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

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Introdução 11

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Definição de paródia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

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O alcance pragmático da paródia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

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O paradoxo da paródia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

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Codificação e descodificação: os códigos comuns da paródia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107

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Conclusão: o mundo, o texto paródico e o teorizador . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127

Bibliografia 149

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AGRADECIMENTOS

Um dos prazeres mais reais ao trabalhar um tema tão vasto como este durante tantos anos tem a ver com o número de pes­soas com quem entrei em contacto e que partilham o meu inte­resse e entusiasmo pela paródia nalgumas das suas formas. Pelo seu trabalho, já por si inspirador, nesta área e pela forma ina­preciável como corresponderam aos meus próprios esforços, gos­taria de agradecer a Daniel Bilous, da Universidade de Constantine, Argélia; Clive Thomson e ao <<Groupar>> da Queen's University, Kingston; a Bernard Andres e ao Séminaire Intersé­miotique, de 1982, na Universidade do Quebeque, em Montreal; a Michael Riffaterre e a Gérard Genette no colóquio sobre poé­tica, em 1981, na Universidade da Colúmbia; aos participantes de I. S. I. S. S. S., de 1984, e, entre os mais chegados, aos meus amigos Magdalene Redekop, da Universidade de Toronto, Dou­glas Duncan e Mary O'Connor, da Universidade de McMaster, em Hamilton. Tenho também a agradecer aos que me auxilia­ram, transmitindo-me as suas paródias preferidas: Deborah Leba­ron, Jim Brasch, Joann Bean, Alison Lee, Geert Lernout e muitos outros. Estou também em dívida, a nível mais geral, em relação ao interesse e conselho de amigos e colegas: Gabriel Moyal, Janet Paterson, Laurel Braswell e Ron V ince. Para Janice Price e para os seus leitores anónimos e perspicazes da Methuen vão os mais sinceros agradecimentos que um escritor pode apresentar. E, como não podia deixar de ser, é o meu marido, Michael, que merece a minha gratidão pelo constante encorajamento e também

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tem o mérito de ser o crítico mais analítico e provocador que seria possível desejar.

Muito público ouviu, ao longo dos últimos cinco ou seis anos, ideias isoladas deste livro numas primeiras tentativas de formu­lação. Por me terem dado a oportunidade de debater a minha teoria em público, gostaria de expressar os meus agradecimen­tos às seguintes instituições: Universidade da Colúmbia, Centro Internazionale di Semiotica e Linguistica (U rbino), Universidade de Queen's, Universidade de McGill, Universidade Estatal de Nova Iorque, em Binghamton, Universidade do Quebeque, em Montreal, Departamento Francês da Universidade de Toronto, Universidade de Otawa, Universidade de Ontário Ocidental, Uni­versidade de McMaster e Círculo Semiótico de Toronto. Sinto-me particularmente em dívida para com a resposta da audiência nestas conferências e na Conferência Internacional da Associação de Literatura Comparada, em 1982, nos encontros de 1980 e 1981 da Modero Language Association of America, na reunião dos membros da Canadian Semiotics Association, de 1980, nas ses­sões de 1983 da Canadian Comparative Literature Association e na reunião de 1984 da A. C. U. T. E.

Algumas das ideias que surgem neste livro foram também, ao longo dos anos, publicadas em forma, contexto e, por vezes, até línguas muito diferentes numa série de publicações (Poétique, Diacritics, Texte, The Canadian Review ofComparative Litera­ture). Poucas dessas ideias serão, provavelmente, reconhecíveis no tratamento subsequente que tiveram aqui, se bem que as figuras 1 e 2 sejam uma reprodução, em inglês, de Poétique, 46 (Abril de 1981).

Autor e editor desejam agradecer a Faber & Faber, Ltd., pela autorização concedida para a citação de um poema de Making Cocoa for Kingsley Amis, da autoria de Wendy Cope.

LINDA HUTCHEON Toronto, 1984.

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INTRODUÇÃO

Somos exploradores que olhamos para o passado c a paródia é a expressão central do nosso tempo.

Dwight Macdonald

Como indica o título deste livro, este é um estudo das impli­cações teóricas da prática artística moderna. A paródia não é de modo nenhum um fenómeno novo, mas pareceu-me que a sua ubiquidade em todas as artes deste século exige que reconside­remos tanto a sua natureza como a sua função. O mundo «pós­-moderno>>, como Lyotard (1979) chama ao nosso Ocidente pós-industrial desenvolvido, pode muito bem estar a padecer, hoje em dia, de uma falta de fé em sistemas que requerem vali­dação extrínseca. Mas isto tem sido verdadeiro em relação ao século inteiro. As formas de arte têm mostrado cada vez mais que desconfiam da crítica exterior, ao ponto de procurarem incor­porar o comentário crítico dentro das suas próprias estruturas, numa espécie de autolegitimação que curto-circuita o diálogo crí­tico normal. Também noutros campos - da linguística à filoso­fia da ciência- a questão da auto-referência tornou-se o centro da atenção. O mundo moderno parece fascinado pela capacidade que os nossos sistemas humanos têm para se referir a si mesmos

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num processo incessante de reflexividade. Por exemplo, inspirando-se na lógica matemática, nos sistemas computoriza­dos, nos desenhos de Escher, nas pinturas de Magritte e na música de Bach, o livro de Douglas Hofstadter (1979), Godel, Escher, Bach: An Eterna! Golden Braid, é um estudo que demonstra a mecânica que permite aos sistemas referirem-se e reproduzirem-se a si mesmos. Até o conhecimento científico parece hoje em dia

. caracterizar-se pela inevitável presença no seu interior de alguma : forma de discurso sobre os próprios princípios que os validam. A omnipresença deste nível metadiscursivo levou alguns obser­vadores a postular um conceito geral de execução que serviria para explicar o carácter auto-reflexivo de todas as formas cultu­rais - de anúncios televisivos a filmes, da música à ficção.

É no contexto geral desta interrogação moderna acerca da natu­reza da auto-referência e da autolegitimação que surge o inte­resse contemporâneo pela paródia, género que foi descrito simultaneamente como sintoma e como ferramenta crítica do epis­tema modernista (Rose, 1979). É certo que os formalistas rus­sos utilizaram textos paródicos como modelos e, evidentemente, Don Quixote é a obra que melhor revela, segundo Foucault ( 1970), a separação entre o epistema moderno e o renascentista. Desde Pound e Eliot até aos artistas de performance contempo­râneos e aos arquitectos pós-modernos, a intertextualidade e a auto-representação foram dominando a atenção crítica. Com este centro de interesse, surgiu uma estética do processo, da activi­dade dinâmica da percepção, interpretação e produção de obras de arte (ou textos, como as referirei aqui).

Muitas épocas competiram pelo título de <<Idade da Paródia>>. Por certo que o entusiasmo demonstrado no século XIX por uma paródia específica e ocasional aos poemas e novelas do Roman­tismo tardio forneceu uma fonte de opinião contemporânea sobre um movimento literário importante (Priestman 1980). A mescla de elogio e censura faz de tal paródia um acto crítico de reava­liação e acomodação. Dado que neste período existia um público leitor e literato da classe média, os parodistas podiam aventurar-se e utilizar para além de textos canónicos familiares (a Bíblia, os clássicos), os contemporâneos. Mas no século XX a paródia ultrapassou esta função conservadora de pôr os modismos na ordem. Ao contrário de Dryden ou até de J. K. Stephen, T. S. Eliot parecia sentir que talvez não fosse capaz de confiar no conhecimento dos seus leitores - o conhecimento necessário

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à compreensão da sua poesia alusiva ou paródica - mas obri­gava o leitor a trabalhar no sentido de readquirir a herança lite­rária ocidental (e também alguma da oriental) ao ler The Waste Land. Por outras palavras, a paródia é, neste século, um dos modos maiores da construção formal e temática de textos. E, para além disto, tem uma função hermenêutica com implica­ções simultaneamente culturais e ideológicas.

A paródia é uma das formas mais importantes da moderna auto­-reflexividade; é uma forma de discurso interartístico. Basta pen­sarmos na obra de romancistas como Italo Calvino ou John Fowles para vermos a formulação mais aberta e explícita da sua natu­reza c função na ficção. Mas a paródia é igualmente importante noutras formas de arte: A Traição das ImaKem,' ou Isto não é um Cachimbo (Ceci n 'est pas une Pipe), de Magritte, é, entre outras coisas, uma paródia à forma emblemática medieval e bar­roca -- a imagem, título e mote, contudo, não tendem para a sua habitual totalidade harmoniosa de sentido. (Visava também refutar a utilização feita por Le Corbusier de um cachimbo como símbolo do design funcional puro.) Foi o próprio Magritte que viu a relação entre a sua contestação paródica a formas anterio­res não problemáticas e o trabalho de Michel Foucault sobre as relações entre palavras e coisas, entre a linguagem e os seus refe­rentes. Foucault respondeu com um estudo (1983) da transgres­são por Magritte das convenções mais gerais da representação e da referência em arte. Acrescentando um outro nível de com­plexidade ao jogo, Foucault apropriou-se do título de Magritte para o seu próprio estudo. Como consequência, ambos produzi­ram obras que podem ser designadas Ceci n 'est pas une Pipe.

A música tem participado, com as outras artes, neste «virar­-se para dentro>> geral, a fim de reflectir sobre a sua próprià~ons­tituição. ~egundo alguns analistas, o principal assunto e fonte de interes~e de grande parte da música contemporânea são as suas propriedades formais (Morgan, 1977). Uma das principais maneiras da música se poder comentar a si mesma do interior (por oposição ao apoio em descrições de planeamento pré­-compositivo) é através de reelaborações paródicas de música já existente. Há mais de vinte anos, Edward Cone (1960) prota­gonizou o desafio aos conceitos e modalidades tradicionais de análise musical com o seu argumento de que a música moderna exigia que a análise fosse determinada pelo objecto que se pro­põe elucidar. Por outras palavras, a própria composição devia

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ser tomada como ponto de partida para a revelação dos métodos de análise necessários à sua compreensão. Isto é talvez ainda mais evidente em obras de literatura metaficcionais que incluem ou constituem já o seu primeiro comentário crítico (ver Hutcheon 1980).

Também acredito que qualquer consideração da paródia moderna ao nível teórico deve guiar-se pela natureza e função das suas manifestações nas próprias obras de arte. Gostaria, por outras palavras, de inverter a prática formalista russa. Tristram Shandy, Don Quixote e Don Juan eram as obras preferidas por Sklovski porque a sua forma paródica coincidia com a sua pró­pria teoria sobre a convencionalidade essencial da forma literá~ ria e sobre o papel da paródia no desnudar ou desconstruir aquela (Erlich 1955, 1965, 193). Eu pretendo, ao invés, começar por fazer notar a presença e a importância da paródia moderna e ela­borar, a partir daí, uma teoria que possa explicar melhor este fenómeno. Uma das razões desta estratégia é que as formas de arte do nosso século têm sido extrema e conscientemente didác­ticas e parecem sê-lo cada vez mais. Este estudo é um apelo a que se dê tanta atenção aos ensinamentos da arte como aos da crítica. Parecemos mais dispostos a aceitar a crítica mais recente, acabada de sair do prelo, do que a confiar na arte em si. Preferi­mos deixar ao tempo e ao senso comum a tarefa de decidir quais as obras merecedoras da nossa atenção. No entanto, trata-se, com frequência, mais de uma questão de comodismo que de avalia­ção. Ao desviar a atenção do mérito estético (qualquer que seja a forma de determiná-lo) para o valor educativo, este estudo pro­cura investigar a definição e funções da paródia na arte moderna, e quiçá argumentar até em sua defesa.

A paródia precisa de quem a defenda: tem sido designada de parasitária e derivativa. A famosa aversão, para não dizer des­prezo, de Leavis pela paródia baseava-se na sua crença de que aquela era o inimigo filisteu do génio criativo e da originalidade vital (ver Amis 1978, xv). Estes termos dão uma ideia do modo como tem sido denegrido um género que permeia toda a arte do nosso século. Alguns críticos rejeitam aquilo que vêem como uma sobreposição feita pela paródia de uma ordem externa numa obra que se presume ser original se se quiser que tenha valor (Rovit 1963, 80). O que se torna claro com este tipo de ataques é a força subsistente de uma estética romântica que aprecia o génio, a originalidade e a individualidade. Neste contexto, a paró-

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dia tem forçosamente de ser considerada, quando muito, um género muito menor. No entanto, desde a valorização por Eliot do «sentido histórico>> e, completamente, da atenção dada pelos formalistas (pela Nova Crítica, pelo estruturalismo) ao texto, ainda que muito diferentes, temos testemunhado um interesse renovado pelas questões de apropriação e até de influência tex­tual. Agora, contudo, vemos a influência como um fardo (Bate 1970) ou como causa de ansiedade (Bloom 1973). A paródia é um modo de chegar a acordo com os textos desse «rico e temí­vel legado do passado>> (Bate 1970, 4). Os artistas modernos pare­cem ter reconhecido que a mudança implica continuidade e ofereceram-nos um modelo para o processo de transferência e reorganização desse passado. As suas formas paródicas, cheias de duplicidades, jogam com as tensões criadas pela consciência histórica. Assinalam menos um reconhecimento da <<insuficiên­cia das formas definíveis>> dos seus precursores (Martin 1980, 666) que o seu próprio desejo de pôr a <<refuncionar>> essas for­mas, de acordo com as suas próprias necessidades.

Este método mais positivo de tratar o passado recorda, em mui­tos aspectos, as atitudes clássicas e renascentistas perante o patri­mónio cultural. Para escritores como Ben Jonson, era evidente que a imitação das obras anteriores era considerada parte do labor de escrever poesia. Depois de ser reprimido pela ênfase român­tica ou pós-iluminista na necessidade de outra coisa (génio, etc.), este interesse pela arte e pelo conhecimento do passado volta a estar em foco hoje. Suspeito que isto se deva, em parte, ao facto de tantos artistas fazerem hoje parte da academia, mas é tam­bém, provavelmente, um resultado do formalismo estético, de Roger Fry a Roland Barthes. Michel Foucault (1977, 115) defen­deu que todo o conceito de artista ou autor como instigador ori­ginal de sentido é apenas um momento privilegiado de individualiZação na história da arte. Desse ponto de vista, é pro­vável que a rejeição romântica das formas paródicas como para­sitárias reflectisse uma ética capitalista emergente que fez da literatura uma mercadoria que podia ser possuída por um indi­víduo. O último século viu a ascensão das leis dos direitos de autor, e com elas, claro, vieram os processos de difamação con­tra os parodistas. Talvez isto queira dizer que o facto de hoje em dia se verificar uma viragem para a paródia reflicta aquilo que os teóricos europeus vêem como uma crise em toda a noção do sujeito como fonte coerente e constante de significação.

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O facto de a paródia se virar abertamente para outras formas de arte contesta implicitamente a singularidade romântica e obriga, consequentemente, a uma reavaliação do processo de produção textual.

A auto-retlexividade das formas de arte modernas toma mui­tas vezes a forma de paródia e, quando o faz, fornece um novo modelo para os processos artísticos. Num esforço para desmis­tificar o <<nome sacrossanto do autor>> e para «dessacralizar a ori­gem do texto>>, críticos e romancistas pós-modernistas como Raymond Federman (1977, 161) defenderam a complementari­dade dos actos da produção e recepção textuais. O escritor deve «estar em pé de igualdade com o leitor/ouvinte num esforço para elaborar sentidos a partir de linguagem comum a ambos>>. Para alguns defensores do playgiarism ou jogo contcxtuallivre, a ori­ginalidade torna-se o «duende dos egos rígidos»: «Cada página é um campo em que se inscreve a marca de toda a página conce­bível registada no passado ou antecipada no futuro>> (Tatham 1977, 146). Muito embora a paródia ofereça uma versão muito mais limitada e controlada desta activação do passado, dando-lhe um contexto novo e, muitas vezes, irónico, faz exigências semelhantes ao leitor mas trata-se mais de exigências aos seus conhecimen­tos e à sua memória do que à sua abertura ao jogo. Talvez seja verdade que todos os textos vanguardistas tenham sido, segundo as palavras de Laurent Jenny, volontiers savant (deliberadamente eruditos) (1976, 279), assombrados por memórias culturais, cujo peso tirânico tiveram de derrubar, incorporando-as e invertendo-as.

Há-de ter-se já tornado claro que aquilo que aqui designo por paródia não é apenas aquela imitação ridicularizadora mencio­nada nas definições dos dicionários populares. O desafio a esta limitação do seu sentido original, tal como é sugerido (como vere­mos), pela etimologia e história do termo, é uma das lições da arte moderna a que há que atender em qualquer tentativa de ela­borar uma teoria da paródia que se lhe adeqúe. O Ulysses, de Joyce, fornece o exemplo mais patente da diferença, quer em alcance, quer em intenção, daquilo que designarei por paródia no século XX. Há extensos paralelismos com o modelo homé­rico, ao nível das personagens e do enredo, mas trata-se de para­lelismos com uma diferença irónica: Molly/Penélope, esperando no seu quarto insular pelo marido, manteve-se tudo menos casta na sua ausência. Tal como acontece com os ecos irónicos de Dante

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e de muitos outros na poesia de Eliot, não se trata apenas de uma inversão estrutural; trata-se também de uma mudança naquilo a que se costumava chamar o <<alvo» da paródia. Embora seja evidente que a Odisseia é o texto formalmente parodiado ou que serve de fundo, ele não é escarnecido ou ridicularizado; quando muito, deverá ser visto, tal como na epopeia cômica, como um ideal - ou, pelo menos, uma norma -, da qual o moderno se afasta. Isto não quer dizer que não tenha havido herdeiros moder­nos de Calverley e Squire, escritores daquilo que é visto mais tradicionalmente como paródia. Basta-nos recordar a obra de Max Beerbohm ou até« Winter is icummen in», de Pound. Com efeito, o que é notável na paródia moderna é o seu âmbito intencional do irônico e jocoso ao desdenhoso ridicularizador.

A paródia é, pois, uma forma de imitação caracterizada por uma inversão irônica, nem sempre às custas do texto parodiado. A Pietà, de Max Ernst, é uma inversão edipiana da escultura de Miguel Ângelo: um pai petrificado ampara um filho vivo nos braços, substituindo a mãe viva e o seu filho morto, Cristo. A paródia é, noutra formulação, repetição com distância crítica, que marca a diferença em vez da semelhança. Neste aspecto, vai para além da mera variação alusiva como na técnica honka­dori da poesia palaciana japonesa, que faz eco de obras passa­das, com o fim de se apoderar de um contexto e de evocar uma atmosfera (Brower e Miner 1961, 14-15). A inversão irônica da Commedia, de Dante, por Pound, em Hugh Selwyn Mauberley (1928, 171-87) está mais próxima destas definições. Aqui, a paró­dia reside nos diferentes trajectos pessoais, estéticos e morais de dois exilados. A dignidade de Dante é substituída pela auto­comiseração de Mauberley; o seu envolvimento na realidade polí­tica de Florença contrasta com a alienação assumida do esteta. Em vez de herdar uma longa tradição de poesia clássica, italiana e provenÇ'al, Mauberley · tem apenas a decadência dos anos noventa. A materialidade concreta das descrições que Dante faz até de coisas sobrenaturais, é substituída pelos <<obscuros deva­neios I da contemplação interior>> (obscure reveries I of the inward gaze). Enquanto que Dante sai de si em direcção à beleza e, final­mente, a Deus, num acto de plenitude espiritual, o trajecto moderno leva apenas ao ego mais profundo, ao malogro do amor, ao <<hossana subjectivo>> e às insuficiências da carne. No poema de Pound, a imagística (dos olhos, da boca, etc.) é a mesma que em Dante, mas o contexto é invertido. As mesmas personagens

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são mencionadas e a mesma postura moral sugerida, mas as rela­ções com elas são ironicamente diferentes. Em vez de uma acei­tação e utilização do passado para uma criação nova, Mauberley procura negar a tradição social e estética que daria sentido à sua vida e obra (ver Malkoff 1967).

A inversão irónica é uma característica de toda a paródia: pense-se na inversão no Don Juan, de Byron, da lenda (aqui são as mulhe­res que o perseguem) e das convenções da epopeia. Da mesma forma, a crítica não tem de estar presente na forma de riso ridi­cularizador para que lhe chamemos paródia. Considerava-se que Eurípedes tinha parodiado Ésquilo e Sófocles quando, na sua Medeia, substituíu o protagonista masculino tradicional por uma mulher - e por uma mulher que era mais um forasteiro que um membro de uma família grega célebre. O coro coríntio feminino substituíu os anciãos do estado e os suplicantes; no entanto, com acrescida ironia, também apoiam Medeia no seu ódio a Corinto. O herói masculino revela-se vil, hipócrita e superficial. Ainda que ensanguentada por quatro assassínos, Medeia é salva pelos deuses. É o mesmo tipo de inversão que encontramos em Pound ou num filme contemporâneo como The Draughtsman 's Contract (O Contrato), de Peter Greenaway.

Na sua atenção ao pormenor visual e verbal, este filme é uma afectuosa paródia à pintura setecentista e à comédia da Res­tauração. É uma paródia e não uma imitação, devido ao que Greenaway faz às convenções da forma. Antes do mais, são sobre­postas às convenções, aparentemente muito diferentes, do mis­tério de homicídio e, depois, ambas são inseridas num contexto metadiscursivo centrado na representação da realidade. Enquanto o «herói» faz o esboço de uma casa de campo, o seu proprietário é assassinado e as pistas (na forma de peças do seu traje) são integradas nos desenhos fiéis e realistas. O enquadramento que o artista, o Sr. Neville, emprega no seu desenho é com frequência utilizado e espelhado pela câmara, que compõe as cenas como se fossem pinturas. O branco e preto dos desenhos contrasta com a cor luxuriante do filme, mas este contraste ape­nas serve para assinalar uma segunda função da oposição da cor, função que coincide com as convenções, para não dizer clichés, de todo o drama moral onde o negro significa o mal e o branco denota inocência. Neste filme, a supremacia sexual mascu­lina, tradicional na comédia da Restauração, com que o enredo começa é invertida na segunda metade, à medida que as mulheres

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assumem o controlo das suas actividades sexuais, para os seus próprios fins. É totalmente subvertida no fim, quando as cons­piradoras são substituídas pelos homens que dão morte ao artista. O arrogante e manipulador Sr. Neville é retratado, no princí­pio, vestido de negro, fazendo marcas negras nas suas folhas de papel brancas; as suas inocentes vítimas femininas vestem-se de branco. A ironia desta codificação torna-se clara, no final, quando nos apercebemos da manipulação superior das mulheres de branco e, com efeito, à medida que o filme prossegue, as cores são inverti­das ostensivamente, porque as mulheres estão agora de luto. Na rea­lidade, as suas verdadeiras cores, por assim dizer, revelam-se finalmente e o verdadeiramente inocente N eville é vestido de branco, cordeiro preparado para a matança. É a este jogo iró·· nico com convenções múltiplas, a esta repetição alargada com diferença crítica, que me refiro quando falo de paródia moderna.

Quando Eliot dá à poesia de Marvell um contexto novo (ou a «transcontextualiza>>), ou quando Stockhausen cita, mas altera, as melodias de muitos hinos nacionais diferentes no seu Hymnen/ á paródia torna-se aquilo a que um crítico chama uma abordagem.criatíva/produtiva da tradição (Siegmund-Schultze 1977). Nas palavras de Stockhausen, a sua intenção era «ouvir material musical familiar, antigo, preformado com novos ouvi­dos, penetrá-lo e transformá-lo com uma consciência musical dos nossos dias» (citado por Grout 1980, 748). Da mesma maneira, a Irmandade dos Ruralistas, cujo nome já de si sugere a sua admi­ração pela Irmandade dos Pré-Rafaelistas, abertamente apodera-se de e recontextualiza elementos de composição de anteriores pai­sagistas ingleses como Samuel Palmer. A série de Graham Arnold parodicamente intitulada Harmonies poétiques et religieuses é uma homenagem a Ruskin, Jefferies e T. S. Eliot que combina a pintura com uma colagen de fotografias, excertos de partitu­ras e partes físicas reais dos campos ingleses (uma espiga de cereal, por exemplo). Citações ou empréstimos como este não se destinam a assinalar unicamente a similaridade (c f. Altmann 1977). Não se trata de uma questão de imitação nostálgica de modelos passados: é uma confrontação estilística, uma recodifi­cação moderna que estabelece a diferença no coração da seme­lhança. Não há integração num novo contexto que possa evitar a alteração do sentido e talvez, até, do valor (VodiCk:a 1964, 90). O Terceiro Quarteto de Cordas, de George Rochberg, apropria-se das convenções de um período anterior e dá-lhes novo sentido.

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O terceiro movimento parece um conjunto de variações de Bee­thoven, mas não o podemos analisar como tal. A sua significa­ção real reside na sua forma de não parecer Beethoven, porque sabemos que foi escrito na década de setenta: <<A tonalidade não pode, de maneira nenhuma, significar hoje o que significava há 150 anos; tem uma relação totalmente diferente, não só com o compositor e com o ouvinte, mas também com toda a cultura musical, dentro de cujo contexto a peça existe e é experimen­tada>> (Morgan 1977, 50). No seu famoso ensaio, The Literature ofExhaustion, John Barth (1967) observava que, se a Sexta Sin­fonia, de Beethoven, fosse composta hoje, seria uma coisa emba­raçosa - a não ser que fosse feita ironicamente para mostrar que o compositor estava consciente do ponto em que a música está e em que esteve.

O facto de ter estado a servir-me de exemplos de diferentes formas de arte deveria esclarecer a minha crença de que a paró­dia, em obras não literárias, não se limita a ser uma transferên­cia da prática da literatura, como Bakhtin, todavia, afirmava (1978, 229-33). A sua frequência, preeminência e sofisticação nas artes visuais, por exemplo, são mais que evidentes. Faz parte de um movimento de afastamento da tendência, dentro de uma

I ideologia romântica, para mascarar quaisquer fontes com uma / astuta canibalização, e em direcção a um franco reconhecimento ', (por meio da incorporação) que permite o comentário irónico. ' Trata-se de uma versão do que Leo Steinberg designa por <<trá-

fico inter-artístico>> (1978, 21). As pinturas mais parodiadas são -o que não é de surpreender- as mais familiares: a Mona Lisa, a Última Ceia, as obras de Picasso e de Vermeer (por George Deem, Malcolm Morley, James MacGarrell, Carole Caroompas e outros). A <<transcontextualização>> paródica pode tomar a forma de uma incorporação literal de reproduções na nova obra (por Joseph Cornell, Audrey Flack, Josef Levi, Sante Graziani) ou de um refazer dos elementos formais: por exemplo, a paródia da autoria de Arakawa à Última Ceia, de Leonardo da Vinci, intitula-se Next to the Last, referindo-se ao último desenho pre­liminar antes da pintura, bem como à obra em si. A composição é quadriculada, as figuras apenas silhuetas, como num esboço, e alguns elementos encontram-se nomeados em vez de desenha­dos (mão, taça). Tal paródia não visa o desrespeito, embora assi­nale de facto uma diferença irónica. É uma das formas daquilo que na exposição de 1978, no Whitney Museum of American Art,

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de Nova Iorque, foi chamado «Arte acerca da Arte>> (Lipman e Marshall 1978). Este tipo de arte quase se poderia considerar autoparódica, na medida em que põe em questão, não só a sua relação com outras obras, mas a sua própria identidade. A autw paródia, neste sentido, não é só a maneira de um artista renegar anteriores maneirismos, por meio de exteriorização (como é o caso de On a Ruined Cottage in a Romantic Country, de Coleridge, ou Nephelidia, de Swinburne). É uma maneira de criar uma forma, ao questionar o próprio acto de produção estética (Poi­rier 1968, 339; cf. Stackelberg 1972, 162).

Concentrando-me nas formas de arte do século XX, espero sugerir que, provavelmente, não existem quaisquer definições trans-históricas da paródia. Não obstante, servir-me-ei constan­temente de exemplos de outros períodos para mostrar que exis­tem denominadores comuns a todas as definições de paródia em todas as épocas - embora não sejam as geralmente citadas. É a prática paródica moderna que nos está a obrigar a definir aquilo a que haveremos de chamar paródia, hoje. Com efeito, o modelo mais próximo da prática presente não se chamava paró­dia, mas imitação. Estou a pensar na força central e universal da imitação renascentista como sendo aquilo a que Thomas Greene chama um percepto e uma actividade que <<abarcava não só a lite­ratura como a pedagogia, a gramática, a retórica, a estética, as artes visuais, a música, a historiografia, a política e a filosofia (1982, 1). Não estou a afirmar que a paródia moderna é apenas imitação da Renascença: careceria da adição de uma dimensão de distanciação crítica e irónica para ser um reflexo fiel da arte dos nossos dias. Mas, tal como a paródia, a imitação oferecia uma posição exequível e eficaz em relação ao passado, na sua paradoxal estratégia de repetição, como fonte de liberdade. A sua incorporação de outra obra, enquanto construção do espí-rito deliberada e reconhecida, é estruturalmente semelhante à organização formal da paródia. Mas a distância irónica da paró-J,, dia moderna poderia muito bem provir de uma perda dessa ante­rior fé humanista na continuidade e estabilidade culturais que asseguravam os códigos comuns necessários à compreensão de tais obras, duplamente codificadas. A imitação oferece, todavia, um paralelo evidente com a paródia, em termos de intenção. Nas palavras de Greene: <<Toda a imitação criativa mistura arejei-ção filial com o respeito, tal como toda a.paródia presta a sua própria homenagem oblíqua>> (1982, 46).

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Com a valorização setecentista do espírito e da ironia (Granis 1931) surgiu um movimento de afastamento desta ideia de res­peito excepto na epopeia cómica (que não chegava de facto a escarnecer da epopeia). A função da paródia era, com frequên­cia, a de ser o malicioso e denigrativo veículo da sátira, papel que continua a desempenhar até aos nossos dias nalgumas for­mas de paródia. Contudo, já no século XIX, encontramos outros usos persistentes e extensivos da paródia, como os de Jane Aus­ten (Moler 1968), que desafiam a definição de paródia como ridi­cularização conservadora dos extremos das modas artísticas. Por certo que o equivalente das paródias dos irmãos Smith seriam hoje as paródias curtas e, por vezes, satíricas da Punch e de revis­tas semelhantes, mas o uso estrutural mais alargado da paródia por Dickens, em Pickwick Papers, e Chesterton, em The man that was Thursday (O Homem que era Quinta-Feira), é um modelo mais próximo da prática de romancista como Joyce e Mann, para não falar de Barth e Banville. Isto não quer dizer que The Dry Land, de Christopher Ward, The Moist Land, de Samuel Hoffenstein, e Einstein Among the Coffee Cups, de Louis Untermeyer, não sejam paródias à poesia de Eliot. O que quero, de facto, sugerir é que temos de alargar o conceito de paródia, para o ajustar às necessidades da arte do nosso século - uma arte que implica um outro conceito, algo diferente, de apropria­ção textual. Por certo que realizadores novos, como Robert Ben­ton e Brian de Palma, não estão a tentar ridicularizar Hitchcock em filmes como Still ofthe Night (Na Calada da Noite) e Blo­wout. Muitas vezes, as obras do passado tornam-se modelos esté­ticos, cuja remodelação numa obra moderna tem, com frequência, por finalidade uma sátira ridicularizadora dos costumes ou prá­ticas contemporâneos (Markiewicz 1967, 1265). O melhor modelo histórico disto é a epopeia cómica, como é o caso de The Rape ofthe Lock (O Roubo do Anel de Cabelo) ou a Dun­cíada, com a sua utilização das éclogas de Virgílio (Lawler 1974). Alguns críticos têm defendido que os subenredos do drama isa­belino funcionam da mesma forma paródica (Frye 1965).

Tal como todas estas formas, e em contraste com essas curtas paródicas ocasionais que foram reunidas em antologias com tanta regularidade nos finais do século XIX e princípios do século XX,

o tipo de paródia que desejo analisar é um processo integrado de modelação estrutural, de revisão reexecução, inversão e «trans­contextualização>> de obras de arte anteriores. Talvez a manifes-

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tação arquetípica deste processo seja o que é hoje conhecido por arquitectura pós-moderna. Desde 1960, arquitectos como Paolo Portoghesi, Robert Venturi, Charles Moore e outros restaura­ram conscientemente a ideia de arquitectura como um diálogo com o passado, como tendo um código duplo (moderno e qual­quer coisa mais) ou paródico. Renunciando ao hermetismo e à negação (a função e relevância do Alto Modernismo, estes arqui­tectos exibem criticamente um interesse pela memória histórica e pelos códigos de comunicação (Jencks 1980-b, 13). Isto não é muito diferente, nem em intenção, nem em estrutura, das inver­sões modernas de textos anteriores por Iris Murdoch, quando reelabora (à luz da imagem sartreana da petrificação pelo regard do outro), quer os contos da Medusa, quer o de São João Bap­tista, em A Severed Head, por exemplo. No seu recente romance O Nome da Rosa, Umberto Eco <<transcontextualiza» persona­gens, pormenores do enredo, e até citações verbais de O Cão dos Baskervilles, de Conan Doyle, num mundo medieval de mon­ges e (literalmente) intriga textual. O seu Sherlock Holmes é Wil­liam de Baskerville; o seu Watson narrador é Adso, o escriba que frequentes vezes não sabe o que recolhe e regista. No con­texto da semiótica medieval e moderna, o primeiro exemplo de raciocínio à la Holmes do herói de Eco - numa situação tirada de Zadig, de Voltaire -, toma um novo sentido; o trabalho do detective torna-se análogo à interpretação textual: ambos são acti­vos, construtivos e, na verdade, mais criativos do que fiéis aos factos. A luta de morte pelo que se vem a verificar ser a perdida poética do cómico de Aristóteles, fornece o contexto para o ata­que pelo monge, Jorge de Borgos, à propriedade do riso; o outro contexto paródico alargado de Eco aqui é, evidentemente, a obra de Jorge Luis Borges. Este romance complexo contém igualmente paródias à Coena Cipriani, a outras obras de arte (as de Breughel e Bufiuel; para citar duas que dão uma ideia do leque de Eco), bem como a muitas outras obras literárias.

Na música, aquilo a que vulgarmente se chama citação, ou empréstimo, tornou-se um expediente estético autoconsciente e significativo apenas neste século, se bem que já existisse antes (Rabinowitz 19 1981, 206n). Tal como Rochberg se serviu de Mozart e Mahler na sua Música para o Teatro Mágico, também Foss se serve do Prelúdio da Partita para Violino em Mi, de Bach, no seu «Phorion>> (Variações Barrocas), mas a sua citação está em forma fragmentada, oferecendo um mundo irónico de pesa-

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delo, através da distorção. Não é o mesmo que as Réminiscences de Don Juan, de Liszt, que desenvolve certos temas de Don Gio­vanni. A «transcontextualização>> irónica é o que distingue a paró-

', dia do pastiche ou da imitação. O jazz moderno, por exemplo, não será, portanto, paródico em si, se bem que existam, de facto, algumas paródias, mesmo nesta forma de arte que tende a levar-se tão a sério. É interessante o facto de serem, muitas vezes, mulhe­res (uma raridade na cena do jazz) quem se dispõe a, ou é capaz de, criar a distância irónica necessária: o divertido Reactionary Tango, de Carla Bley, é disso exemplo.

Nas artes visuais, a paródia pode tnanifestar-se, quer em rela­ção a obras particulares, quer a convenções icónicas gerais. Os estudos semi óticos de René Payant (1979, 1980) sobre aquilo a que ele chama a citação na pintura revelam a complexidade da intersecção nos termos dele da intertextualidade e da inter­subjectividade - isto é, a complexidade do encontro entre dois textos, combinada com o encontro de um pintor com um espec­tador. A obra de Magritte fornece um exemplo claro de uma trans­gressão paródica de muitos níveis de normas icónicas que vai além da mera citação. As suas paródias mais simples e mais aber­tas são as que se baseiam em pinturas específicas: O retrato por David, da Madame Récamier, torna-se no retrato de um caixão. Torna-se claro a partir das cartas de Magritte que as obras de Manet e David representavam para ele as realizações últimas da representação objectíva em arte e, como tal, não podiam ser igno­radas (Magritte 1979). Na realidade, têm, para ele, de ser suplan­tadas. Mas as paródias de Magritte também operam em outros modelos que não os icónicos directos. Pinturas como as diferen­tes versões de A Condição Humana parodiam convenções, tanto da arte (a função do enquadramento) como da percepção visual. A paródia de Magritte às convenções de referência gerais, bem como às específicas da forma emblemática que investigámos ante­riormente não inspiraram apenas Michel Foucault. David Hlynsky produziu, recentemente, uma holografia chamada These are not the Pipes e que toma por modelo - ainda que ironicamente -a obra de Magritte [trata-se na realidade de uma representação, não de um cachimbo (smoking pipe), mas de uma série de canos de chumbo (plumbing pipes)]; No entanto a ilusão da holografia (do espaço tridimensional) aumenta ironicamente a intensidade do poder das convenções de representação da arte. Uma com­plexidade semelhante é obtida, de maneira diferente, pelo paró-

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dico On the Balcony, de Peter Blake. As quatro crianças senta­das seguram um postal ou reprodução deLe Balcon, de Manet, uma gravura de Romeu e Julieta, sugerindo a famosa cena da varanda (também há uma flâmula de Verona noutra parte) e duas fotografias da família real. O cliché dos amantes na varanda ree­coa nas duas pombas fora do pombal. Este tipo de complexi­dade faz da paródia uma variação sobre aquilo que Gary Saul Morson (1981, 48-9) designa por uma «obra limite» ou texto duplamente descodificável, embora estas obras possam ser melhor descritas como sendo possuidoras de uma codificação múltipla, especialmente por que as convenções, bem como textos particu­lares, se encontram envolvidos com frequência.

Por vezes, de facto, são as convenções tanto como as obras individuais, que são parodiadas. Por exemplo, Runoff, de 1973, do artista nova-iorquino, Vito Acconci, é uma paródia a dois con­juntos diferentes de convenções, bem como a um texto especí­fico. Desafia as bases de quase toda a performance art, mas também visa, particularmente, a performance dupla e simultâ­nea por Yves Klein da sua Monotone Symphone (um quarteto de cordas tocava uma nota durante toda a peça) e de (Antropo- . metria, em que o artista dava indicações a modelos femininos nus para que cobrissem o corpo de tinta e rolassem de um lado para o outro ou de encontro a telas em branco. Acconci, em vez disso, esfrega o seu próprio corpo masculino, sem ser pintado, de encontro a uma parede pintada de fresco. Não só inverte desta forma, ironicamente, o controlo sexista de Klein, como também subverte as convenções padrão acerca da instrumentalidade dos pincéis em relação à tela. Aqui, o corpo é a tela; a parede é o aplicador (à medida que ele se move de encontro a ela). Desta maneira, Acconci consegue também parodiar o que expressio­nistas abstractos como Jackson Pollock achavam ser a correcta <<investidura do eu>> (Barber 1983-4, 37).

A obra de tom Stoppard poderá fornecer outro exemplo da com­plexidade do fenómeno moderno a que quer chamar paródia. Em Rosencrantz and Guildenstern are Dead, há uma tensão entre o texto que conhecemos (Hamlet) e o que Stoppard lhe faz. Sem­pre que um acontecimento é directamente tirado do modelo sha­kespeareano, Stoppard serve-se das palavras originais. Mas <<transcontextualiza-as>> através da adição de cenas que o Bardo nunca concebeu. Não é o que se passa com a inversão total que Ionesco faz da dicção e do valor moral das personagens no seu

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Macbett; a intenção de Stoppard não é tão satírica como a de Ionesco. O mesmo é verdadeiro acerca de Travesties, mas há um outro nível de complexidade porque, com o seu título plural sugere, não só existe mais de uma paródia, como os textos paro­diados são em si, muitas vezes, paródias, em especial Ulysses e The Importance of Being Earnest (Quanto Importa ser Leal). A peça de Wilde parodia a literatura do romance cavalheiresco e a comédia de costumes. Aquilo a que um crítico chamou a sua <<bizarra dupla consciência>> (Foster 1956, 23) é, na realidade, apenas a sua dupla codificação paródica. Na peça de Stoppard, The lmportance of Being Earnest surge em primeiro plano - simultaneamente como modelo formal e como fonte de peça paródica- através do enredo que envolve a produção por Joyce da mesma peça em Zurique. A troca do bebê na peça de Wilde torna-se adequada e significativamente invertida quando o pró­prio texto paródico de Joyce, Oxen of the Sun, é trocado pelo plano de Lenine para a revolução. Poderíamos igualmente recor­dar que nessa secção de Ulysses, além das várias paródias esti­lísticas famosas, Stephen inverte ironicamente a linguagem e acções da Última Ceia e da missa (Bauerle 1967), de uma maneira semelhante à usurpação que faz da linguagem do Criador para descrever a sua indução ao sacerdócio da eterna imaginação em A Portrait of the Artist as a Young Man (Retrato do Artista Quando Jovem). Em ambos os casos, ele serve-se da paródia, tanto para ressacralizar, como para dessacralizar, para assinalar a mudança no lugar da sua submissão. Nalgumas das histórias de Dubliners (Gente de Dublin), Joyce serve-se da estrutura de sobreposição da paródia para organizar o seu enredo (como em <<Grace>>, com os seus ecos da Divina Comédia e de Job (Boyle 1 970) ou para comentar ironicamente as implicações de certas formas literárias (como em <<Clay>>, onde o estilo optimista dic­kensiano de A Christmas Carol (Um Cântico de Natal) contrasta ironicamente com a realidade que é descrita (Easson 1970).

Da mesma maneira, os estudos de caixões de Magritte são mais que um jogo paródico com pinturas singulares anteriores. A sua Perspective tem uma história longa e complexa que inclui, não apenas Le Balcon, de Manet, mas também a Porte-fenêtre à Col­lioure, de Matisse (que esvaziava a cena de Manet das suas per­sonagens de uma outra maneira, deixando apenas a forma da porta) e também As Majas hà Varanda, de Goya - um modelo do de Manet (ver extratexto). Não quereria argumentar que ecos

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paródicos tão complexos são únicos em relação ao século XX.

É evidente que obras como os Satyricon libri, de Petrónio., paro­diavam não só a forma de romance grego na sua estrutura e epi­sódios, mas outras obras específicas também diversas (Courtney 1962, 86-7). Não obstante, o número de obras de arte moderna que, em diversos médium, têm este modo em comum, tornam-no de facto importante- se não o único- neste século. A música de Peter Maxwell Davies fornece outro bom exemplo. O seu Ante­christ inspirou-se, afirmou ele, nas xilogravuras do século XV

sobre o tema e na sua própria ópera, Taverner; mas a sua forma tem início com uma interpretação, sem margem para dúvidas, de Deo confitemini-Domino, um motete do século XIII, que é então interrompido e sobreposto a fragmentos de cantochão rela­cionados - que o novo contexto vira ironicamente do avesso. Para Davies, esta inversão está relacionada com as técnicas medie­vais tardias de processos transformadores (cânone, etc.). Ele começou a sua Missa super l 'Homme Armé como um exercício para completar uma missa anónima do século XV com a canção popular L 'Homme Armé, mas, inspirando-se na estrutura do epi­sódio dos <<Cíclopes», do Ulysses, de Joyce (com a sua conversa de taberna interrompida e as mudanças estilísticas paródicas), optou ao invés por reelaborar o material, para que revelasse rela­ções menos ortodoxas entre o material do primeiro e segundo planos. Na capa da gravação da Decca de L'Oiseau-Lyre, ele chama ao produto final <<Um estilhaçar progressivo do que resta do original quatrocentista, com ampliação e distorção de cada estilhaço através de muitos 'espelhos' estilísticos variados, terminando numa 'dissolução' daquele na secção final de piano automático>>.

Quero defender a designação de semelhantes formas comple­xas de <<transcontextualização>> e inversão como paródia. Trata-se, com efeitõ, de uma forma de <<reciclagem artística>> (Rabinowitz 1980, 241), mas de uma forma muito particular, com intencio­nalidade textual muito complexa. Lá Gommes (Entre Dois Tiros), de Robe-Grillet, é uma paródia simultaneamente à Édipo Rei e a São Petersburgo, de Bely, na sua estrutura, mas as funções das duas linhas paródicas são mais difíceis de especificar. O que parece certo é que não são as mesmas. Quero manter a designa­ção por paródia desta relação estrutural e funcional de revisão crítica, em parte porque acho que uma palavra como <<citação>> é fraca demais e não transmite (etimológica e historicamente)

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nenhuma dessas ressonâncias paródicas de distância e diferença que encontrámos presentes na referência da arte moderna ao seu passado. «Citação>> poderia servir, de maneira geral, se estivés­semos a tratar apenas de adopção de outra obra como princípio estrutural orientador (Weisgerber 1970), mas a sua utilidade é, ainda assim, limitada. Como veremos no capítulo seguinte, pre­cisamos de um termo que nos permita tratar da complexidade estrutural e funcional das obras artísticas em si. De acordo com os seus ensinamentos, a paródia pode, obviamente, ser toda uma série de coisas. Pode ser uma crítica séria, não necessariamente ao texto parodiado; pode ser uma alegre e genial zombaria de formas codificáveis. O seu âmbito intencional vai da admiração respeitosa ao ridículo mordaz. Nietzsche (1920-9, 61), com efeito, interrogava-se sobre qual seria a relação de Diderot com o texto de Sterne em Jacques le fataliste: seria imitação, admiração, escárnio?

Conquanto precisemos de expandir o conceito de paródia, de forma a incluir a alargada «refuncionalização>> (como lhe cha­mam os formalistas russos) que é característica da arte do nosso tempo, precisamos também de restringir o seu alcance, no sen­tido em que o texto «alvo>> da paródia é sempre outra obra de arte ou, de forma mais geral, outra forma de discurso codifi­cado. Acentuo este facto básico ao longo de todo este livro, por­que mesmo os melhores trabalhos sobre a paródia tendem a confundi-la com a sátira (Freu)}.d 1981, por exemplo), a qual, diferentemente da paródia, é simultaneamente moral e social no seu alcance e aperfeiçoadora na sua intenção. Não quer isto dizer, como veremos, que a paródia pode, evidentemente, ser utilizada para satirizar a recepção ou até a criação de certos tipos de arte. (Estou ciente de que esta separação não resistiria a uma perspec­tiva desconstrucionista em que não existe hors-texte, mas tal visão da textualidade não faz parte do contexto imediato do meu estudo.)

O que é que pode, pois, ser parodiado? Qualquer forma codi­ficada pode, teoricamente, ser tratada em termos de repetição com distância crítica (Abastado 1976, 17; Morson 1981, 107), e nem sequer necessariamente no mesmo médium ou género. É conhecida a tendência da literatura para parodiar o discurso não literário. Pale Fire joga com o comentário editorial; Tom Jones, Tristram Shandy e até Finnegans Wake minam as con­venções das anotações e notas de rodapé eruditas (Benstock 1983). Pierre Menard, Autor do Quixote, de Borges, parodia, entre

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outras coisas, o género da nota bíblio-bio-crítica sobre um escri­tor. Este jogo subversor, dos géneros não é prática exclusiva da literatura: Zelig, de Woody Allen, é, entre outras coisas, uma paródia cinematográfica ao documentário televisivo e cinema­tográfico. Quando não existe código parodiável, como pode ser o caso de obras nonsense ou extremamente herméticas, pode ser possível a imitação, mas não a paródia (Stewart 1978, 1979, 185). Dizer, muito simplesmente, que qualquer discurso codificado está aberto à paródia é metodologicamente mais cauteloso e está mais perto do real do que afirmar, como há quem faça, que só obras de arte medíocres podem ser parodiadas (Neumann 1927-8, 439-41). As formas de arte do século XX não obedeceriam a semelhante observação, ainda que algumas das do século pas­sado o fizessem. Parece crível que as obras de arte populares serão sempre parodiadas, seja qual for a sua qualidade.

Relacionada com a questão do que pode ser parodiado está a questão do âmbito da paródia. Será um genéro, como já se afir­mou (Dupriez 1977, 332)? Pode, por certo, operar numa vasta gama de dimensões textuais (Bonfel'd 1977): tem havido paró­dias às convenções de todo um género (salvo o devido respeito à opinião contrária de Genette (1982, 92); cf. Martin 1972; Shep­person 1967), ao estilo de um período ou movimento (Riewald 1966, 126), bem como a um artista específco, onde encontra­mos paródias a obras individuais ou a partes delas (Lelievre 1954, 66), ou aos modos estéticos característicos de toda a oeuvre desse artista. As suas dimensões físicas podem ser tão vastas como o Ulysses, de Joyce, ou tão pequenas como a alteração de uma letra ou palavra de um texto, como é o caso da paródia, bastamente citada, de Katherine Fanshawe a Here shall the spring its ear­liest sweets bestow I Here the first roses o f the year shall blow. (Aqui dará a Primavera as suas primeiras fragrâncias, I Aqui floresce rã~ as primeiras rosas do ano), escrita à entrada de Regent's Park: Here shall the spring its earliest coughs bestow, I Here the first noses of the year shall blow. (Aqui provocará a Primavera os seus primeiros ataques de tosse, I Aqui se assoarão os primeiros narizes do ano) (citado por Postma 1926, 10). Gérard Genette (1982, 40) quer limitar a paródia a textos tão curtos como poemas, provérbios, trocadilhos e títulos, mas a paró­dia moderna não faz caso desta limitação, como não o faz da definição restrita de Genette da paródia como transformação mínima de outro texto (33). Embora seja óbvio que partes de

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uma obra podem ser paródicas sem que todo o texto seja rotu­lado dessa maneira (as paródias de Cabrera Infante em Três Tristes Tigres à canção popular «Guantanamero», a 1he Raven (O Corvo), de Poe [Poe(t) 's Ravings, os delírios do Poe(ta)] e a Alice no País das Maravilhas (1971, 216-18), o tipo de paródia de que tratarei neste estudo parece ser uma forma alargada, provavel­mente um gênero, e não uma técnica (cf. Chambers 1974), pois possui a sua identidade estrutural própria e a sua função herme­nêutica própria.

Não concordo, todavia, com Riewald, quando diz que, para ser eficaz, uma paródia deve ser uma <<premeditada distorção de toda a forma e espírito de um escritor, capturados no seu momento mais típico>> (1966, 127). Na paródia moderna, outro contexto pode ser evocado e depois invertido sem que seja necessário assi­nalar, ponto por ponto toda a sua forma e espírito. Uma paródia deste tipo não é menos extensiva e alargada do que a que Rie­wald descreve, por muito economicamente que se encontre ins­crita no texto. Em 1he Sun also Rises, de Hemingway, por exemplo, o nome de Jake Barnes, descrito como flamengo e ame­ricano no romance (Hemingway 1954, 16), é também, eviden­temente, hebraico. Há, portanto, duas leituras simultaneamente possíveis, uma em que este Jacob dos tempos modernos luta na solidão e emerge heróico e afirmativo por causa da sua fraqueza (Schonhorn 1975) e outra, irónica, através da qual a paródia bíblica funciona como veículo da sátira. A figura do patriarca fértil e fecundo é então invertida para nos mostrar a fútil aliena­ção e impotência de Jake (Tamke 1967). Julgo que este tipo de sinal de um eco paródico tem efeitos diferentes dos sinais mais abertos empregues pela paródia trocista mais tradicional, como o uso de um subtítulo ou de um título revelador (a paródia a Dante Gabriel Rossetti foi intitulado por Henry Duff Traill Afie r Dilet­tante Concetti; a de Edward Bradley acerca de Tennyson chama-se In Immemoriam; a de William Maginn a Coleridge 1he Rime of the Aucient Waggonere). Os sinais na paródia moderna são oca­sionalmente tão abertos como estes, em especial na pintura, mas a complexidade e o âmbito estruturais e intencionais da forma que quero examinar distinguem-se de grande parte daquilo que é geralmente designado por paródia.

Da mesma maneira, também este livro difere de outros traba­lhos sobre a teoria da paródia. Não se trata de uma história da paródia, pela simples razão de já existirem muitas histórias dessas

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para cada uma das literaturas nacionais mais importantes, se não para outras formas de arte. (Ver, por exemplo, Courtney 1962, Eidson I970; Freund 1981; Genette 1982; Hempel1965; Hou­seholder 1944; Kitchin 193 I; Koller 1956; Lotman I 973; Mac­donald 1960; Markiewiez 1967; Monter 1968; Tuve 1970; Verweyen 1979; Weisstein 1966.) Tentar empreender, mais uma vez, um trabalho sério e académico como estes seria redundante, para não dizer insensato. O que é importante é que todos estes historiadores da paródia são da opinião que a paródia prospera em períodos de sofisticação cultural que permitem aos parodis­tas confiar na competência do leitor (espectador, ouvinte) da paró­dia. Outra coisa que não empreenderei neste estudo é uma antologia ou sequer, um apanhado da paródia neste século. Serão utilizados exemplos tirados das várias formas de arte para ilus­trar tipos de obras que ocasionaram este reconsiderar da teoria da paródia. Também não empreenderei um levantamento de teo­rias da paródia. Tal serviço foi já admiravelmente prestado por teóricos alemães como Wolfgang Karrer (1977) e Winfried Freund (1981). Que falta, então fazer?

Há dois contextos relacionados em que este livro se enqua­dra. O primeiro é o já mencionado interesse actual pelas moda­lidades de auto-reflexividade na arte moderna e o segundo é a ênfase, em estudos críticos actuais, sobre a intertextualidade (ou transtextualidade). O primeiro contexto é o que é fornecido de forma mais evidente por Parody!!Metafiction (1979), de Mar­garet Rose. Como o título sugere, ela equaciona a paródia com a auto-referência. Surgem problemas com isto no seu trabalho porque a ,paródia acaba, muitas vezes, por se tornar sinónimo de todas as estruturas de reflexividade textual ou de mise-en­-abyme. A paródia é, sem dúvida, um modo de auto--referencialidade, mas não é, de modo algum, o único. Insistir em que o 6 conduz a generalizações de validade dúbia: «o espe­lho do parodista não é meramente um 'análogo' da verdade, mas uma ferramenta para a anulação da limitação da arte à imitação e à representação>> (Rose 1979, 66). Rose vê a paródia como parte de um relacionamento da arte com a realidade (103), em vez de um mesmo relacionamento da arte com a arte, com possíveis implicações para a outra dimensão, como eu argumentaria. Deste centrar-se naquilo a que ela chama a sociologia da literatura vem a sua confusão da paródia com a sátira. Dado que o seu trabalho anterior fora sobre a paródia em Heine e Marx, não é de sur-

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preender que ela se centre principalmente no século passado e na ironia romântica alemã, a que chama paródia. (Mais uma vez, por vezes é-o, mas muitas vezes não.) A leitura foucauldiana que Rose faz do papel da paródia na história literária faz dela um modo de descontinuidade que rejeita tipos anteriores de referên­cia textual a outras obras. Ao invés, vejo a paródia operando como um método de inscrever a continuidade, permitindo embora a distância crítica. Pode, com efeito, funcionar como força con­servadora ao reter e escarnecer, simultaneamente, de outras for­mas estéticas; mas também é capaz de poder transformador, ao criar novas sínteses, como defendiam os formalistas russos. A ênfase posta por Rose na incongruência, discrepância e des­continuidade não chega para explicar as formas da paródia do século XX que temos a examinar. A sua insistência na presença do efeito cómico (ela acha que sem ele nenhuma definição ser­viria «um objectivo distinto e útil» como termo crítico) também é restritiva. Uma definição mais neutra de repetição com dife­rença crítica explicaria o âmbito de intenção e efeito possíveis nas obras paródicas modernas. Rose não é a única a limitar a definição e função da paródica. Sirvo-me do seu trabalho aqui, apenas por ser um dos estudos mais alargados e impressivos da paródia literária como auto-reflexividade. Mas ele revela igual­mente os problemas que terão de ser considerados se se quiser dar à paródia um sentido adequado à arte dos nossos dias.

O outro contexto em que Uma Teoria da Paródia se situa é o das teorias da intertextualidade. Não há dúvida de que o Palimp­sestes (1982) magnificamente enciclopédico de Gérard Genette é um dos trabalhos mais importantes para o estudo da intertex­tualidade - das relações (manifestas ou secretas) entre textos. Ele foca principalmente a «hipertextualidade» ou as relações (de não comentário) de um texto com outro anterior. Defende que neologismos como «hipertextualidade>> têm a vantagem de, pelo menos, toda a gente concordar com a sua utilização. É esta a sua objecção ao termo <<paródia>>. Ainda que reconheça, em ter­mos gerais a verdade desta objecção, a minha decisão de me ater ao termo <<paródia>>, confessadamente maltratado baseia-se em mais que teimosia ou até resistência ao neologismo. Como tor­narei claro no capítulo seguinte, julgo que a etimologia do termo oferece a melhor base para a minha definição da paródia moderna. As categorias de Genette são trans-históricas, ao contrário das minhas e, portanto, ele acha que a paródia, em geral, só pode

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ser definida como a transformação mínima de um texto. O que há de bom nesta definição é a sua omissão da habitual cláusula acerca do efeito cómico ou ridicularizador. Isto acontece, em grande parte, porque a sua categorização é estrutural ou formal, construída unicamente em termos de relações textuais. Quando trata de fim­ções, como é forçoso quando considera a prática concreta, ele limita a paródia aos modos satíricos (Genette 1982, 34) ou aos recreati­vos (ludiques), os quais a seguir denigra (453). Genette admite que a paródia séria poderia existir, mas que nesse caso, não se lhe cha­maria paródia. Na realidade, afirma ele, não temos qualquer nome para a designar (36). Espero que seja óbvio que não estou de acordo.

Como análise formal de inter-relações textuais, o trabalho de Genette é um feito soberbo. No entanto, quando divide as rela­ções em imitativas, o facto de uma pessoa imitar e transformar e de outra pessoa apreender e interpretar essas relações textuais está sempre em fundo na análise que ele faz. Genette reconhee que o facto de ele categorizar por funções não é um procedi­mento verdadeiramente pragmático ou hermenêutica. Ele rejeita qualquer definição de transtextualidade que dependa de um lei­tor (e implicitamente de um autor). Ela é inaceitável porque é peu maftrisable para um crítico que se propõe categorizar: elle fait un crédit, et accorde un rôle, pour moi peu supportable, à l'activité herméneutique du lecteur (16). Cito, neste ponto, o ori­ginal para dar uma ideia da natureza forte e pessoal da rejeição por Genette de uma dimensão hermenêutica. Ele passa então a procurar, o que não é de surpreender, uma pragmática mais cons­ciente e organizada. Muito embora este impulso seja com­preensível num dos teorizadores estruturais de primeiro plano de França, a realidade das formas de arte de que pretendo tratar exige a abertura de um contexto pragmático: a intenção do autor (ou do texto), o efeito sobre o leitor, a competência envolvida na codifical;ão e descodificação da paródia, os elementos con­textuais que mediatrizam ou determinam a compreensão de modos paródicos- nada disso pode ser ignorado, por muito mais fácil e maftrisable que tal recusa tornasse também o meu projecto. A prática de Genette ao discutir obras individuais prova a neces­sidade desta dimensão sem regras, mas impossível de ignorar: o leitor insinua-se. Diz-se que Doctor Faustus, de Mann, con­vida o leitor a ler Fausto Leverkühn; a decifração de Édipo-Rei, em Les Gommes (Entre Dois Tiros), de Robe-Grillet doit rester à la charge du lecteur (354).

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A minha própria perspectiva teórica será dualista: Simultanea-

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1 mente formal e pragmática. Tal como Genette, vejo a paródia como uma relação formal ou estrutural entre dois textos. Nos

·\ termos de Bakhtin, trata-se de uma forma de dialogia textual. Ao sintetizar as teorias difusas de Bakhtin, Tzvetan Todorov ( 1981, 11 O) notou que a paródia era, para ele uma forma de dis­curso representado, passivo, divergente e difónico. Contudo, a paródia pode, por certo, ser considerada mais activa que pas­siva, se nos afastarmos das categorias puramente estruturais. Por outras palavras, mesmo que uma definição da paródia moderna comece por uma análise formal, não pode ficar por aí. Na música, por exemplo, uma análise estrutural, rítmica e harmônica das notas em si não basta para explicar a diferença entre a citação paródica por Luciano Berio de Monteverdi em Recital I (para Cathy) e a incorporação por Berg do coral de Bach Es ist genug no seu Concerto para Violino (Rabinowitz 1981 , 194). O que é necessário é a consciência dual do ouvinte da música de voz dupla.

A primitiva divisão, feita por Charles Morris (1938), da semió­tíca em três partes fornece o pano de fundo para a minha insis-

. tência num contexto mais alargado. Em contraste com a semântica, que se ocupa da referência do signo ao seu objecto, e com os estudos sintáticos, que relacionam os signos uns com os outros, a pragmática estuda os efeitos práticos dos signos. Quando falamos de paródia não nos referimos apenas a dois textos que se inter-relacionam de certa maneira. Implicamos também uma intenção de parodiar outra obra (ou conjunto de conven­ções) e tanto um reconhecimento dessa intenção como capaci­dade de encontrar e interpretar o texto de fundo na sua relação com a paródia. É aqui que a semiótica pragmática de um teori­zador como Umberto Eco apresenta as ferramentas que permi­tem ultrapassar o formalismo de Genette. A paródia seria um dos <<passos inferenciais», nos termos de Eco, que têm de ser dados pelo receptor: <<não são meras iniciativas capricho~;as da parte do leitor, mas são antes suscitadas pelas estruturas discur­sivas e previstas por toda a estratégia textual como componen­tes indispensáveis da construção» da obra (Eco 1979, 32). Ao nível da estrutura, por exemplo, Drei Groschenoper (Ópera dos Três Vinténs), de Brecht, é uma reelaboração paródica e actua­lizante de The Beggar's Opera (Ópera do Mendigo) Gá de si uma paródia a Hãndel). Mas seria a obra de Gay necessariamente

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conhecida pela audiência alemã a que Brecht queria chegar com a sua mensagem política? Por outras palavras, vê-la-iam com uma dupla paródia operática (bem como uma sátira burguesa), apesar de Brecht (1979, 2, ii, 89-90) e os seus críticos moder­nos assim a considerarem?

A minha perspectiva pragmática não faria, contudo, da paró­dia um sinónimo de intertextualidade. As teorias actuais da inter­textualidade têm um ponto estrutural central, como veremos, mas apoiam-se numa teoria implícita da leitura ou da descodificação. Não se trata apenas do problema da absorção e transformação, de certà forma partenogénica ou mágica, do texto a partir de outros textos (Jenny 1976, 262; Kristeva 1969, 146). Os textos não geram nada - a não ser que sejam apreendidos e interpreta­dos. Por exemplo, sem a existência implícita de um leitor, os textos escritos não passam da acumulação de marcas pretas em páginas brancas. A arte moderna, em especial a metatlcção, tem estado muito consciente deste facto básico da actualização esté­tica. A teoria literária de Michael Riffaterre reflecte esta auto­consciência. Na sua visão da intertextualidade (1978, 110; 1979-a, 9, 90, 97), a experiência da literatura exige um texto, um leitor e as suas reacções que tomam a forma de sistemas de plavras que são agrupadas associativamente no espírito do leitor. Mas, no caso da paródia, estes agrupamentos são cuidadosamente con­trolados, como as estratégias que Eco vê orientarem «passos infe­renciais». Mais, como leitores ou espectadores ou ouvintes que descodificam estruturas paródicas, actuamos também como des­codificadores da intenção codificada. Por outras palavras, a paró­dia não envolve apenas um énoncé estrutural, mas também a énonciation inteira do discurso. Este acto enunciativo inclui um emissor da frase, um receptor desta, um tempo e um lugar, dis­cursos que a precedem e se lhe seguem- em resumo, todo um contexto (l'odorov 1978-a, 48). Podemos conhecer esse emis­sor e as suas intenções apenas na forma de inferências que nós, como receptores, fazemos apartir do texto, mas tais inferências não devem ser ignoradas.

Os formalistas russos, em toda a sua ênfase e a insistência na literariedade, nunca esqueceram que existia um contexto enun­ciativo que influenciava a paródia e, até, toda a literatura. Eik­henbaum escreveu: «As relações entre os factos da ordem literária e factos extrínsecos a ela não se podem limitar a ser relações causais, más apenas podem ser relações de correspondência, inte-

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racção, dependência ou condicionalidade>> (1978-a, 61). De notar que ele não negava essas relações contextuais, mas especificava apenas a natureza da sua interacção. Tynianov (1978-a, 72) defi­nia, igualmente, um sistema literário como um sistema de fun­ções de ordem literária que se encontram em inter-relações contínuas com outras ordens, como é o caso das convenções sociais. A recepção e produção - bem como a existência - da paródia têm de ser tomadas em consideração hoje. A pragmá­tica vê a linguagem como funcional, sendo simultaneamente um sistema e um produto histórico (van Dijk 1977, 167). A relação a que Morris se refere entre signos e os seus utentes é uma situa­ção comunicativa dinâmica que envolve dois agentes. No dis­curso directo simples, o orador seria o agente real e o ouvinte seria um agente·potencial. Em obras de arte, os únicos agentes reais seriam os receptores; os artistas seriam apenas potenciais na medida em que eles e as suas intenções têm de ser inferidos a partir do texto. Os papéis, quer da intenção, quer da eficácia, são obviamente muito importantes para qualquer visão da lin­guagem ou do discurso codificado como acto de comunicação.

Na sua análise de quatrocentos e cinquenta estudos sobre a paró­dia, Wolfgang Karrer (1977) utilizou uma grelha de categorias simultaneamente formais e pragmáticas, porque também ele achava que o processo de comunicação era central para a com­preensão da paródia. Referir-me-ei a isto como a énonciation ou produção e recepção contextualizadas de textos paródicos. Mas, ao contrário de Karrer, não me interessarei pela forma como' o social e o psicológico interactuam com a intenção, atitude e competência estabelecidas do emissor ou do receptor verdadei­ros. Apenas se tratará aqui da intenção codificada, tal como é inferida pelo receptor na qualidade de descodificador. Existe, obviamente, um novo interesse pelo «contextualismo>> hoje, e qualquer teoria da paródia moderna deve partir igualmente do pressuposto de que «Os textos só podem ser entendidos quando situados contra o cenário das convenções de onde emergem; e [ ... ] os mesmos textos contribuem, paradoxalmente, para os cenários que determinam os seus sentidos>> (Schleusener 1980, 669). Quando o cenário é efectivamente enxertado no texto, como acontece na forma da paródia, não se pode evitar este contex­tualismo.

Antes de apresentar os capítulos que se seguem, gostaria de explicar por que razão não haverá nenhuma análise sistemática

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das técnicas da paródia neste estudo. Atendendo ao âmbito de intenção e efeito - muito para além da mera comédia ridicula­rizadora - que defendi para a paródia de hoje em dia, seria muito difícil argumentar que o exagero, o subentendido ou qualquer outra estratégia retórica cómica seja uma constante (Highet 1962, 69). Quando críticos como Rose ( 1980), Karrer ( 1977) e Fret1pd ( 1981) baseiam as suas tipologias de paródias em tipos de ~con.l gill.ência, .estão a aceitar implicitamente uma teoria particular dó riso que, por seu turno, determina os expedientes retóricos que eles se permitem considerar (Rose 1980, 15-16). O óptimo estudo de Sander Gilman (1976) das teorias da paródia oitocentista alemã reconstitui os modelos do cómico - hobbesiano e kantiano - subjacente quer ao conflito entre as teorias de Schiller e Goe­the, quer à reconciliação efectuada por Schopenhauer - um passo necessário que precedeu a síntese e movimento para além dos termos de um debate efectuados por Nietzsche que ainda pros­segue, hoje, em teorias da paródia baseadas em teorias do cómico. Neste aspecto, as paródias de Nietzsche são muito modernas, no sentido em que utilizo o termo neste livro. O vasto âmbito da paródia actual impede, provavelmente, que estabeleçamos sequer uma técnica generalizada como <<acentuação de peculia­ridades>> (Stone 1914, 10). Há tantas técnicas possíveis como há tipos possíveis de inter-relações textuais de repetição com dife­renciação (Gilman 1974, 2-3; Revzin 1971). Nem sequer pode­mos afirmar que a paródia seja necessariamente redutiva (Shlonsky 1966, 797) ou mesmo, de maneira mais simplista, que seja abreviadora ao nível da forma. (Algumas paródias muito tradicionais, como a de Housman ao <<Excelsior>> de Longfellow, incorporam o original e alargam - na realidade, neste caso, duplicam- a sua duração.)

O que nos resta é a necessidade de definir, quer a natureza, quer as funÇões pragmáticas da paródia, tal como a conhecemos hoje. O segundo capítulo discutirá mais pormenorizadamente o conceito admissível de paródia apresentado nesta introdução. As limitações das definições clássicas serão examinadas, tanto de uma perspectiva formal como pragmática, e a nova definição será utilizada para diferenciar a paródia de outros gêneros que são, com frequência, confundidos com ela: o pastiche, o bur- í lesco, a farsa, o plagiarismo, a citação, a alusão e, em, espe-cial, a sátira. Estudará a interacção especial da ironia com a J//

paródia, uma vez que a ironia é a principal estratégia retórica r

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utilizada pelo gênero. Veremos que as semelhanças estruturais apontam para o seu mútuo reforço hermenêutica.

Este segundo capítulo é importante, quanto mais não seja, por­que a característica comum a muitos estudos sobre a paródia, de um ponto de vista teórico ou prático, é uma confusão acerca das fronteiras de forma. As definições de dicionário não são grande ajuda, já que, com frequência, definem um gênero a partir de outro (paródia como burlesco, farsa como paródia). Highet (1962) quer fazer da paródia um tipo de sátira; Lehmann (1963), pelo contrário, vê na sátira uma dimensão do texto paródico. Mesmo os que têm o cuidado de separar a paródia da sátira não conseguem, muitas vezes, conceber a sua interacção senão como <<acidental» (Dane 1980, 145). Muito embora a paródia seja uma forma «intramural>> com normas estéticas, e as normas «extra­murais>> da sátira sejam sociais ou morais, historicamente a sua interacção dificilmente poderá necessitar de documentação. Con­tudo, devemos ter o cuidado de as manter a parte, mesmo em formas mais tradicionais. The Old Man 's Comforts, de Southey, com a sua moral que aconselha os jovens a viver com modera­ção, é parodiado em Father William, de Lewis Carroll, de maneira . tal que existem, simultaneamente, uma sátira a esta moral espe­cífica e uma paródia ao processo de moralização em poesia. Um exemplo mais moderno seria a paródia a Casablanca, por Woody Allen, em Play It Again Sam (O Grande Conquistador). A incor­poração física do filme anterior na sequência de abertura e a pre­sença da figura Rick/Bogart apontam para as inversões paródicas. No entanto, o protagonista não é um anti-herói; é um herói real, e o seu sacrifício final em nome do casamento e da amizade é o análogo moderno e pessoal do acto mais político e público de Rick. O que é parodiado é a tradição estética de Hollywood que permite apenas um certo tipo de mitologização no cinema; o que é satirizado é a nossa necessidade de semelhante heroicização. O mesmo se pode dizer, evidentemente, de Don Quixote: a paró­dia às convenções do romance épico e de cavalaria interactua com a sátira daquele que acha que semelhante heroicização na literatura é potencialmente transferível para a realidade.

O terceiro capítulo voltará a essa teimosa retenção da caracte­rística do ridículo ou do cómico na maioria das definições da paródia, uma retenção que a prática paródica moderna contesta, Em seu lugar eu sugeriria um leque de ethos pragmático ( orien­tando os efeitos pretendidos), que inclua o reverencial, o lúdico

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e o desdenhoso. O modelo aqui elaborado tem, parece-me, uma série de vantagens sobre a adopção, por Morson (1981), da dis­tinção avaliadora de Bakhtin entre paródia superficial e profunda. Além disso, o papel pragmático da ironia na produção e recep­ção da paródia deve ser tomado em consideração, tal como essa sobreposição de função entre paródia e sátira.

Se existe um leque relativamente vasto de ethos, poderemos concordar com Bakhtin ( 1968) em que existe paródia profunda ou verdadeira que constitua um género genuinamente revolucio­nário? Ou teremos de ter igualmente em conta os aspectos reve­renciais e trocistas, através dos quais a paródia pode ser vista como uma força conservadora? (Barthes 1974; Kristeva 1969; Macdonald 1960). O romancista John Banville vê o seu Nights­pawn como uma manifestação da sua desconfiança em relação à forma do romance: <<Dispus-me a submeter o conceito tradi­cional oitocentista a toda a pressão que pudesse exercer sobre ele, mantendo-me, não obstante, dentro das regras>> (citado por Imhof 1981, 5). Repare-se que Banville diz que quer manter-se dentro das regras, transgredindo-as ao mesmo tempo. É o que será investigado no quarto capítulo como paradoxo central da paródia: a sua transgressão é sempre autorizada. Ao emitar, mesmo com a diferença crítica, a paródia reforça. Até as paró­dias de Max Beerbohm, em A Christmas Garland, poderiam sugerir-nos menos uma rejeição dos métodos dos escritores paro­diados do que uma situação em que eles ainda são negociáveis (Felstiner 1972, 217). Não obstante a rejeição por Bakhtin da paródia moderna, existem ligações estreitas entre aquilo a que ele chama paródia carnavalesca e a transgressão autorizada dos textos paródicos actuais. Em termos foucaultianos, a transgres­são torna-se a afirmação do ser limitado (Foulcault 1977, 35). A paródia é, fundamentalmente, dupla e dividida; a sua ambi­valência brota dos impulsos duais de forças conservadoras e revo­lucionárias que são inerentes à sua natureza, como transgressão autorizada.

O quinto capítulo examina o requisito pragmático e formal de que, para que a paródia seja reconhecida e interpretada, deve haver certos códigos comuns entre o codificador e o descodifi­cador. O mais básico destes é o da própria paródia (Jenny 1976, 258), pois que, se o receptor não reconhece que o texto é uma paródia, neutralizará tanto o seu ethos pragmático como a sua estrutura dupla. Segundo Dwight Macdonald: <<Para uma boa

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paródia é necessária uma combinação peculiar de sofisticação e provincianismo; a primeira por razões óbvias, o último porque a audiência deve ser homogénea o bastante para perceber a piada» (1960, 567). O potencial de elitismo da paródia tem sido frequentes vezes apontado, mas pouca atenção se prestou ao valor didáctico da paródia no ensino ou cooptação da arte do passado, por meio da incorporação textual e do comentário irónico. Talvez precise­mos, de facto, dessas anotações nos discos dos compositores modernos para compreender a música. Talvez o guia de Stuart Gilbert (1930) para Ulysses seja obrigatório para muitos de nós. Inferir a intenção do autor a partir de um texto introdutório nem sempre é fácil, embora não seja necessariamente impossível. Mui­tos códigos culturais são comuns, ainda que nós, como recepto­res de textos, tenhamos que ser avisados deles. Os vários filmes da série Guerra das Estrelas foram todos eles paródias a, entre outros textos, O Feiticeiro de Oz. O Leão (muito pouco) Cobarde foi transformado no Chewbacca, o Wookie; o Homem de Lata é o futurístico robot C3PO; o cachorrinho é, agora, R2D2. Os comilões (munchkins) reaparecem como várias criaturinhas pres­táveis, diferentes em cada filme. Os caminhos celestes substituem

· a estrada de tijolos amarelos, mas a bruxa má (aqui, o impera­dor) continua a ser andrógina, traja de negro e é literalmente der­rubada no fim do terceiro filme. Outras paródias óbvias encontram-se também em acção: C3PO e R2D2 são um Bucha e Estica mecanizados; Solo, Luke e Chewy são os novos Três Mosqueteiros. Há outras paródias mais isoladas que nem todos os membros da audiência poderiam apanhar; a acção da batalha no espaço, por exemplo, tem por modelo directo a «coreografia>> dos combates aéreos dos caças nos filmes de Hollywood da Segunda Guerra Mundial e, num dos filmes, Chewbacca apanha a cabeça decapitada, semelhante a um crâneo, de C3PO, segura­-a na mão e solta uns bramidos - mas os bramidos têm a sintaxe rítmica da fala de Hamlet: Alas, poor Yorick! I Knew him, Hora­tio; a fellow of infinite jest, o f most excellent fancy. (<<Pobre Worick! Conheci-o, Horácio, era uma mina inesgotável de ditos engra­çados; tinha uma imaginação viva e fecunda!>>) Os códigos comuns necessários em cada passo podem diferir dos códigos rítmicos de Oz, mas em todos os casos está envolvida a competência do descodificador. Como também o está a inferência da intenção.

Imitando a arte mais que a vida, a paródia reconhece cons­cientemente e autocriticamente a sua própria natureza. Preci-

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samente por esta razão, atraiu comentadores como David Caute (1792) e Mikhail Bakhtin (1981), para quem a ideologia e for­malismo são interesses que não se excluem mutuamente. Mesmo sendo verdade que a paródia convida a uma interpretação mais literal e estética de um texto, o sexto capítulo examinará a forma como a paródia continua a estar relacionada- embora Jonathan Culler insista em negar- com aquilo a que ele chama mimese -isto é, com <<Uma afirmação séria de sentimentos acerca de pro­blemas ou situações reais» (1975, 153). O status mimético e ideo­lógico da paródia é mais subtil que isto; tanto a autoridade como a transgressão implicadas pela opacidade textual da paródia devem ser tomadas em consideração. Toda a paródia é abertamente híbrida e de voz dupla. Isto é tão verdadeiro em relação à arqui­tectura pós-moderna como ao verso modernista. A <<arquitectura nascida de arquitectura» de Paolo Portoghesi (1979, 15) é um diálogo com as formas do passado, mas um diálogo que faz recir­cular, em lugar de imortalizar. Não é nunca <<Um voltar atrás para despertar os mortos, em forma de reflexão narcisística e auto­-satisfatória» (Moschini 1979, 13). A paródia é uma forma de auto-referencialidade, mas isso não quer dizer que não possua implicações ideológicas.

Obviamente, outros críticos e teóricos da paródia, além de mim, repararam na existência e significação das formas paródicas na arte do século XX. G. D. Kiremidjian escreve:

A presença vastamente difundida da paródia sugere que ela é da maior importância nos próprios modos como a ima­ginação e a sensibilidade modernas formaram, e sugere tam­bém a função orgânica que tem tido no desenvolvimento dos modos de expressão primários, talvez durante os últi-mos cem anos.

(1969, 231)

Quando um recensor crítico do The Times literary Supplement pode diferir-se ao <<princípio pós-modernista em voga que decreta que quanto mais paródica uma obra de arte, melhor» (Morrison 1982, 111), a paródia talvez tenha passado de um potencial para­digma da forma estética moderna a um cliché. A paródia parece ter deixado de ser, para muitos, uma via para novas formas, como acreditavam os formalistas russos, e ter-se tomado - ironi-

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camente - um modelo de norma prevalecente. Podemos pensar na reelaboração de convenções canonizadas na música de Ralph Vaughan Williams ou Charles Ives, ou na ficção de D. M. Tho­mas ou Robert Nye. Peter Conrad (1980) argumentou que a obra inteira de Salvador Dali pode ser vista como se existisse num relacionamento paródico com a dissolução modernista do mundo material orgânico- através da cisão da luz (impressionismo), da abstracção (cubismo), da mecanização (Léger, Picabia), etc. A famosa Persistência da Memória, de Dali, a pintura dos reló­gios gotejantes, muito orgânicos e nada mecânicos, é por certo uma inversão paródica das convenções do modernismo no seu horror ao orgânico. Outros, ainda, vêem toda a arte moderna, e até todos os museus (Clair 1974), como o lugar da subversão paródica.

Já em 1919 T. S. Eliot argumentava que toda a literatura pos­sui <<Uma existência simultânea e compõe uma ordem simultâ­nea>> (1966, 14) e que o poeta e o crítico precisavam, portanto, de cultivar o seu <<sentido histórico>>. Northrop Frye afirmava ter escrito a sua Anatomy of Criticism como uma anotação alar­gada desta crença (1970, 18). Foi também em 1919 que Viktor Chklovski fez a ligação entre esta visão de arte e a paródia: <<Não apenas a paródia, mas também, em geral, qualquer obra de arte,

:é criada como um paralelo e uma contradição de algum tipo de i.modelo>> (1973, 53). Teóricos mais recentes, como Antoine Com­pagnon (1979), quiserem fazer com que a noção relacionada de citação adquirisse esta função paradigmática; outros, como Michael Riffaterre, apresentaram a intertextualidade. Outros, ainda, vêem a paródia como o modelo para todo o relaciona­mento da arte com o seu passado e presente (Klein 1970, 376) ou para a distância que toda a arte tem em relação ao objecto que imita (Macherey 1978; Weisgerber 1970, 42).

Quanto ao meu objectivo, é mais limitado. A paródia tem exis­tido em muitas culturas, mas, aparentemente, não em todas; a sua omnipresença, hoje, parece-me pedir que se reconsidere, quer na definição formal, quer as funções pragmáticas da paródia. Trata-se, certamente, de um modo de auto-reflexividade, embora, penso eu, não de um verdadeiro paradigma da ficcionalidade ou do processo de feitura da ficção ( cf. Rose 1979 e Priestman 1980). A paródia é um género complexo, quer pela sua forma, quer pelos seu ethos. É uma das maneiras que os artistas modernos arran­jaram para com o peso do passado. A busca da novidade na arte

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do século XX tem-se baseado com frequência - ironicamente -na busca de uma tradição. No Doctor Faustus, de Thomas Mann, o Demónio diz ao compositor Leverkühn que as «convenções obrigatoriamente válidas>> são necessárias para garantir a «liber­dade de execução>> (Mann 1948, 241). O mestre da forma pará­dica replica: <<Seria possível a um homem saber isso e reconhecer a liberdade acima e para além de toda a crítica. Ele poderia ampliar a execução, jogando com formas das quais, como bem saberia, a vida tinha desaparecido.>> A subsequente resposta do Demónio - no seu contraste com as noções tradicionais de paró­dia - serviria como boa introdução à complexidade do género que hoje se recusa a ser limitado à imitação ridicularizadora: <<Bem sei, bem sei: A paródia. Era capaz de ser divertido, se não fosse tão melancólica no seu niilismo aristocrático.

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DEFINIÇÃO DE PARÓDIA

Que ninguém parodie um poeta a não ser que o ame.

Sir Theodore Martin

Uma paródia, uma paródia com uma espécie de dom miraculoso que a torne mais absurda do que era.

Ben Jonson

Os percursores românticos alemães de Thomas Mann, côns­cios da dualidade ontológica da obra de arte, intentaram destruir o que achavam ser ilusão artística. Esta ironia romântica, evi­dentemente, serviu menos para subverter a ilusão do que para criar uma nova ilusão. Para os seus herdeiros, os escritores modernos como Mann, esta mesma espécie da ironia torna-se um dos mais importantes meios de criar novos níveis de ilusão, activando esse alargando - mas nem sempre ridicularizador -tipo de paródia. Vimos que Doctor Faustus é um romance acerca da paródia; é também, como Felix Krull (As Confissões de Felix Krull, Cavalheiro de Indústria) e muitos outros romances de Mann (Eichner 1952), uma paródia múltipla em si (Heller 1958-b), no sentido dessa definição mais ampla que acabámos

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de delinear. Ironia e paródia tornam-se os meios mais importan­tes de criar novos níveis de sentido- e ilusão. Este tipo de paró­dia informa quer a estrutura quer o conteúdo temático da obra de Mann (Heller 1958-a). Mas, como vimos, Mann não é o único a servir-se desta mistura particular de ironia e de paródia e a literatura não tem hoje o monopólio da arte autoconsciente. No entanto, os ensinamentos da literatura são extremamente explí­citos e, consequentemente, articulados; e são-no de tal maneira que é ela que fornece os exemplos mais nítidos: na literatura não é tão necessário recorrer, como acontece frequentemente com a música moderna, às capas dos discos, para se conhecer a lista das obras parodiadas.

Gérard Genette (1982, 236-6) chamou a atenção para a predi­lecção que os romancistas modernos têm por formas anteriores, numa prática que optou por designar por «hipertextualidade>>. Mas não se trate apenas de uma questão de empréstimo formal. Os leitores sabem que muita coisa se passou, em termos literá­rios, entre o século XVIII e The Sot-Weed Factor, de John Barth (1960). A essência de forma narrativa que veio a ser designada por metaficção (Scholes 1970) reside no mesmo reconhecimento da natureza dupla ou até dúplice da obra de arte que intrigava os românticos alemães: o romance de hoje ainda continua a afirmar, frequentemente, ser um género com raízes nas realida­des do tempo histórico e do espaço geográfico; e, todavia, a nar­rativa é apresentada apenas como narrativa, como a sua própria realidade- isto é: como artifício. Muitas vezes, o comentário narrativo ou um espelho auto-reflector interno (uma mise­-en-abyme) assinalará este duplo status ontológico ao leitor. Ou então - e é isto que tem um interesse particular no presente contexto - o apontar da literariedade do texto pode ser obtido utilizando a paródia: em fundo, apresentar-se-á outro texto con­tra o qual a nova criação deve ser, implícita e simultaneamente, medida e entendida. O mesmo é verdadeiro em relação às outras artes. Por trás de Leta and the Pelican, de Mel Ramos, encontram-se não só todas as pinturas mitológicas de Leda e do cisne, mas desdobráveis da Playboy (a que não faltam as marcas das dobras). O que é interessante é que, ao contrário do que é encarado mais tradicionalmente como paródia, a forma moderna nem sempre permite que um dos textos tenha mais ou menos êxito que o outro. É o facto de diferirem que esta paródia acentua e, até, dramatiza.

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A ironia parece ser o principal mecanismo retórico para des­pertar a consciência do leitor para esta dramatização. A ironia participa no discurso paródico como uma estratégia, no sentido utilizado por Kenneth Burke ( 1967, 1), que permite ao descodi­ficador interpretar e avaliar. Por exemplo, num romance que em muitos aspectos é uma pedra-de-toque para toda esta reavalia­ção da paródia, The French Lieutenant's Woman (A Amante do Tenente Francês), John Fowles justapõe as convenções dos romances vitoriano e moderno. As premissas teológicas e cultu­rais de ambas as épocas - conforme se manifestam através das suas formas literárias - são ironicamente comparadas pelo lei­tor através do médium da paródia formal. A mesma sinalização de distância e diferença pode ser vista no novo tratamento iró­nico que Iris Murdoch, dá a Hamlet, em The Black Prince. Nas artes visuais, a variedade de modos possíveis, ao que parece é maior que na literatura. Por exemplo, John Clem Clarke repre­senta os seus amigos como Páris, Hermes e as três deusas do Julgamento de Páris, de Rubens, e modifica a postura sugerindo poses sedutoras mais modernas. A versão da escultura em gesso de George Segal da Dance, dé Matisse, chama-se The Dancers, mas as suas figuras, apesar da semelhança de pose, não surgem de modo nenhum extáticas; na realidade, parecem francamente constrangidas e pouco à vontade.

É com a diferença entre o primeiro plano paródico e o segundo plano parodiado que se joga, ironicamente, em obras como estas. A ironia de orientação dupla parece ter sido substituída pela tradicional zombaria ou rídiculo do texto «alvo». No capítulo ante­rior defendi que não existem definições trans-históricas de paró­dia. A vasta literatura sobre a paródia em diferentes épocas e lugares torna evidente que o seu sentido muda. A arte do século XX ensina que percorremos um longo caminho desde o sentido primitivo de paródia como o poema narrativo de exten­são moderada, utilizando metro e linguagem épicos, mas com um tema trivial (Householder 1944, 3). A maioria dos teóricos da paródia remontam a raiz etimológica do termo ao substan­tivo grego parodia, que quer dizer «contra-canto», e ficam-se por aí. Se olharmos mais atentamente para essa raiz obteremos, no entanto, mais informação. A natureza textual ou discursiva da paródia (por oposição à sátira) é evidente no elemento odos da palavra, que significa canto. O prefixo para tem dois signifi­cados, sendo geralmente mencionado apenas um deles- o de

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«Contra» ou «oposição>>. Desta forma, a paródia torna-se uma opo­sição ou contraste entre textos. Este é, presumivelmente, o ponto de partida formal para a componente de ridículo pragmática habi­tual da definição: um texto é confrontado com outro, com a inten­ção de zombar dele ou de o tornar caricato. O Oxford English Dictionary chama à paródia:

Uma composição em prosa ou em verso em que os esti­los característicos do pensamento e fraseado de um autor, ou classe de autores, são imitados de maneira a torná-los ridículos, em especial aplicando-os a temas caricatamente impróprios; imitação de uma obra tomando, mais ou menos como modelo o original, mas alterado de maneira a produ­zir um efeito ridículo.

No entanto, para em grego também pode significar <<ao longo de>> e, portanto, existe uma sugestão de um acordo ou intimi­dade, em vez de um contraste. É este segundo sentido esque­cido do prefixo que alarga o escopo pragmático da paródia de modo muito útil para as discussões das formas de arte moder­nas, como veremos no capítulo seguinte. Mas, mesmo em rela­ção à estrutura formal, o carácter duplo da raiz sugere a necessidade de termos mais neutros para a discussão. Nada existe em parodia que necessite da inclusão de um conceito de rídi­culo, como existe, por exemplo, na piada, ou burla, do burlesco. A paródia é, pois, na sua irónica <<transcontextualização>> e inver­são, repetição com diferença. Está implícita uma distanciação crítica entre o texto em fundo a ser parodiado e a nova obra que incorpora, distância geralmente assinalada pela ironia. Mas esta ironia tanto pode ser apenas bem humorada, como pode ser depre­ciativa; tanto pode ser criticamente construtiva, como pode ser destrutiva. O prazer da ironia da paródia não provém do humor em particular, mas do grau de empenhamento do leitor no «vai­vém>> intertextual (bouncing) para utilizar o famoso termo de E. M. Forster, entre cumplicidade e distanciação.

É nesta mesma mistura que encontramos igualmente, ao nível da intenção codificada, nas muitas reelaborações de Las Meni­nas, de Velàzquez, feitas por Picasso, ou no jogo de Augustus John com El Greco em Symphonie Espagnole. Na sua novela, The Ebony Tower, John Fowles pega a temática deste jogo paró-

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dico em termos relevantes para todas as formas de arte do nosso século. O protagonista, um artista muito «moderno», considera a obra muito diferente de um mestre parodista:

Tal como acontece em tantos trabalhos de Breasley havia uma enorme iconografia prévia- neste caso, A Caça, de Uccello, e a sua difusão através dos séculos; o que era, por sua vez, uma comparação arriscada, um risco delibe­rado [ ... ] tal como os desenhos espanhóis tinham desafiado a grande sombra de Goya aceitando a sua presença, utilizando-a e parodiando-a até, também a memória de Uccello ashmoleano de alguma forma aprofundava e esco­rava a pintura defronte da qual David se sentava. Dava-lhe uma tensão essencial, de facto: por detrás do misterioso e da ambiguidade [ ... ] por detrás da modernidade de tantos dos elementos da superfície ali estavam presentes, ao mesmo tempo, uma homenagem e uma espécie de torcer o nariz a uma tradição muito antiga (Fowles 1974, 18).

É esta combinação de homenagem respeitosa de <<torcer o nariz>> irônico que caracteriza, com frequência, o tipo particular de paró­dia que aqui consideraremos.

Quando Fowles (1969-b, 287-8) comparou o seu romance A Amante do Tenente Francês com Lovel the Widower, de Tha­keray, em relação ao ponto de vista, à utilização do presente e a uma certa provocação ao leitor, misturada com uma autozom­baria irônica, foi para lembrar que não tinha intenção de copiar, mas de recontextualizar, de sintetizar, de reelaborar convenções -de uma maneira respeitosa. Esta intenção não é exclusiva da paró­dia moderna, pois há uma tradição semelhante em séculos ante­riores, ainda que haja tendência para se perderem grande parte das generalizações críticas. A sua articulação mais famosa é pro­vavelmente A Parodist 's Apology, de J. K. Stephen: /f I've dared to laugh at you, Robert Browning, I 'Tis with eyes that with you have often wept: I You have oftener left me smiling or frow­ning, I Than any beside, one bard except. («Se ousei rir de ti, Robert Browning,' I Foi com olhos que contigo muitas vezes cho­raram: I Mais vezes ainda me deixaste com um sorriso ou com um franzir de cenho, I Do que qualquer outro, à excepção de um bardO>>) (citado por Richardson 1935, 9). Embora os paro­distas modernos acrescentem, com frequência, uma dimensão

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irônica neste aspecto, a ironia pode beneficiar e prejudicar ao mesmo tempo quando dois textos se encontram.

Como o próximo capítulo examinará mais pormenorizada­mente, a ironia é, por assim dizer uma forma sofisticada de expressão. A paródia é igualmente um género sofisticado nas exi­gências que faz aos seus praticantes e intérpretes. O codificador e, depois, o descodificador, têm de efectuar uma sobreposição estrutural de textos que incorpore o antigo no novo. A paródia

, é uma síntese bitextual (Golopentia-Eretescu 1969, 171), ao con­trário de formas mais monotextuais, como o patiche, que acen­

. tuam a semelhança e não a diferença. Em certo sentido, pode ' dizer-se que a paródia se assemelha à metáfora. Ambas exigem que o descodificador construa um segundo sentido através de interferências acerca de afirmações superficiais e complemente o primeiro plano com o conhecimento e reconhecimento de um contexto em fundo. Em vez de defender, como faz Wayne Booth (194 7, 177), que, embora semelhante em estrutura à metáfora (e, consequentemente, à paródia), a ironia é <<subtractiva>>, em termos de estratégia, na sua orientação do descodificador, ou afastá-lo do sentido superficial, eu diria que ambos os níveis devem coexistir estruturalmente na ironia, e que esta semelhança com a paródia ao nível formal é o que os torna tão compatíveis.

Deverá ser evidente pela discussão que é muito díficil separar estratégias pragmáticas de estruturas formais quando se fala da ironia ou da paródia: uma implica a outra. Por outras palavras, uma análise puramente formal da paródia, enquanto relaciona­mento de textos (Genette 1982) não fará justiça à complexidade destes fenômenos; o mesmo acontecerá com uma análise pura­mente hermenêutica que, na sua forma mais extrema, vê a paró­dia como criada por <<leitores e críticos, e não pelos textos literários em si>> (Dane 1980, 145). Conquanto a realização e a forma da paródia sejam os da incorporação, a sua função é de separação e contraste. Ao contrário da imitação, da citação ou até da alusão, a paródia exige essa distância irônica e crítica. É verdade que, se o descodificador não reparar ou não conse­guir identificar uma alusão ou citação intencionais, limitar-se-á a naturalizá-la, adaptando-a ao contexto da obra no seu todo. Na forma mais alargada da paródia que temos vindo a conside­rar, esta naturalização eliminaria uma parte significativa tanto da forma, como do conteúdo do texto. A identidade estrutural do texto como paródia depende, portanto, da coincidência,

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ao nível da estratégia, da descodificação (reconhecimento e inter­pretação) e da codificação. Como veremos num outro capítulo, estas são as duas partes da énonciation que a nossa era forma­lista pós-romântica considerou mais problemáticas.

Dentro de um quadro de referência pragmático, contudo, pode­mos, começar por considerar o facto de a prática envolver mais que a simples comparação textual; todo o contexto enunciativo se encontra envolvido na produção e recepção do tipo de paró­dia que utiliza a ironia como meio principal de acentuação, e até de estabelecimento, do contraste paródico. Isto não quer dizer, contudo, que nos possamos dar ao luxo de ignorar esses elementos formais nas nossas definições. Tanto a ironia como a paródia operam a dois níveis - um primeiro, superficial ou primeiro plano; e um secundário, implícito ou de fundo. Mas este último, em ambos os casos, deriva o seu sentido do contexto no qual se encontra. O sentido final da ironia ou da paródia reside no reconhecimento da sobreposição desses níveis. É este carácter duplo tanto da forma, como do efeito pragmático, ou ethos, que faz da paródia um modo importante de moderna auto­-reflexividade na literatura (para Salman Rushdie, !talo Calvino, Timothy Findley e outros), na música (para Bartók, Stravinsky, Prokofiev e os compositores contemporâneos que já considerá­mos), na arquitectura (em particular na pós-moderna), no cinema (para Lucas e Bogdanovitch, por exemplo) e nas artes visuais (para Francis Bacon, Picasso e muitos mais).

Muitos destes artistas afirmaram abertamente que a distância irónica concedida pela paródia tornou a imitação um meio de liberdade, até no sentido de exorcizar fantasmas pessoais- ou, melhor, de os alistar na sua própria causa. Proust parece certa­mente ter visto as suas reelaborações de Flaubert como antído­tos purgativos para as <<toxinas de admiração» (in Painter 1965, 100). Mas, pàra o descodificador da paródia, esta função, cria­tiva ao nível do artista individual, é menos importante do que a compreensão de que, seja por que razão for, a incorporação paródica e <<transcontextualização» ou inversão irónica do artista originaram algo de novo na sua síntese bitextual. Talvez os paro­distas não façam mais do que apressar um processo natural: a alteração das formas estéticas através do tempo. Da união do romance de cavalaria com um novo interesse literário pelo rea­lismo quotidiano surgiu Don Quixote e o romance, tal como o conhecemos hoje. Obras paródicas como esta- obras que con-

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seguem, efectivamente, libertar-se do texto de fundo o suficiente para criarem uma forma autônoma - sugerem que a paródia, como síntese diabética poderia ser um protótipo do estádio de transição nesse processo gradual de desenvolvimento das formas literárias. Com efeito, é esta visão que os formalistas russos têm da paródia.

A sua teoria da paródia interessa-nos aqui, porque também eles a viam como um modo de auto-reflexividade, como uma maneira de chamar a atenção para o convencionalismo que consideravam ser central na definição da arte. A consciência acerca da forma tal como foi conseguida por escritores como Sterne (e Barth, Fowles e outros, hoje em dia) por meio da sua formação através da paródia (Chklovski 1965), é um modo possível de desnudar o contraste, de desfamilíarizar a «transcontextualização>>, ou de fugir às normas estéticas estabelecidas pelo uso. O questionar implícito destas normas fornece também a base para o fenômeno da contra-expectativa que permite a activação estrutural e prag­mática da paródia (Tomachevski 1965, 284) pelo descodifica­dor. Em Gogol 'i Dostoevskij. K teorii parodii, Tynianov revelou a dívida de Dostoievsky para com Gogol, mas também a sua uti­lização da paródia como modo de emancipação dele (Erlich 1955, 1965, 93, 194). A paródia é, pois, tanto uma acto pessoal de suplantação, como uma inscrição de continuidade histórico­-literária. Daí surgiu a teoria dos formalistas acerca do papel da paródia na evolução ou mudança das formas literárias. A paró­dia era vista como uma substituição dialéctica de elementos for­mais cujas funções se tornaram mecanizadas ou automáticas. Neste ponto, os elementos são <<refuncionalizados>>, para utili­zar o seu termo. Uma nova forma desenvolve-se a partir da antiga, sem na realidade a destruir; apenas a função é alterada (Eikhen­baum 1965, e 1978-b; Tomachevski 1965; Tynianov 1978-a). A paródia torna-se, pois, um princípio construtivo na história literária (Tynianov 1978-b).

Os formalistas mssos não foram os únicos a acentuar este papel histórico da paródia. Vimos já a construção temática que dela fez Thomas Mann na sua obra, e Dürrenmatt escreveu sobre o seu papel na derrocada da gasta Ideologie-Konstrukte (Freund 1981, 7). Mas a teorização muito mais recente da paródia tem sido obviamente influenciada pelos formalistas, quer directa, quer indirectamente. Northrop Frye acha que a paródia é «um sinal de que certas modas no tratamento das convenções estão a ficar

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desgastadas» (1970, 103) e Kiremidjian define a paródia como «uma obra que reflecte um aspecto fundamental da arte, que é ao mesmo tempo um sintoma de processos históricos que invali­dam a autenticidade normal das formas primárias» (1969, 241). A sua influência pode ver-se até na rejeição por Lotman (1973, 402-3) de um papel central da paródia na evolução literária. Pou­cas dúvidas há de que a paródia possa ter um papel na mudança. Se uma nova forma paródica não se desenvolve quando uma antiga fica insuficientemente «motivada» (para utilizar o termo dos for­malistas) devido ao uso execessivo, essa forma antiga poderia degenerar em convenção pura: a testemunhá-lo, estão o romance popular, o best-seller da época vitoriana ou da nossa. Numa pers­pectiva mais geral, no entanto, esta visão implica um conceito de evolução literária como aperfeiçoamento que me parece difí­cil de aceitar. As formas de arte mudam, mas evoluirão real­mente ou melhorarão de alguma forma? Mais uma vez, a minha definição de paródia como imitação com diferença crítica impede qualquer adesão às implicações aperfeiçoadoras da teoria dos for­malistas, concedendo, obviamente, acordo à ideia geral da paródia como inscrição de continuidade e mudança.

A minha tentativa de encontrar uma definição mais neutra que explique o tipo particular de paródia apresentada pelas for­mas de arte deste século tem um antecedente interessante. No século XVIII, quando o apreço pelo espírito e a predominância da sátira puseram a paródia em evidência, como um mundo literário maior, seriam de esperar definições que incluíssem o elemento do ridículo como as que se nos deparam ainda nos dicionários actuais. No entanto, Samuel Johnson definia a paródia como «um tipo de escrita, em que as palavras de um autor ou os seus pensa­mentos são tomados e, por meio de uma ligeira mudança, adap­tados a um objectivo novo>>. Sendo embora verdade que isto define igualmente Q plagiarismo, tem o mérito singular de não limitar o ethos da paródia. A definição muito mais recente de Susan Stewart compartilha desta vantagem: a paródia consiste em «subs­tituir elementos dentro de uma dimensão de um dado texto de maneira a que o texto resultante fique numa relação inversa ou incongruente cornP texto que nele se inspira>> (1978, 1979, 185), se bem que a menção da incongruência sugira uma teoria implí­cita do risco que pode representar o elemento de ridículo que entra sorrateiramente pela porta das traseiras. Prefiro manter a minha definição simples. Penso que ela expressa certos deno-

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minadores comuns a todas as teorias da paródia, para todas as épocas, mas constitui também para mim uma necessidade parti­cular ao tratar da arte paródica moderna. Por esta definição, a paródia é, pois, repetição, mas repetição que inclui diferença

1 (Deleuze 1968); é imitação com distância crítica, cuja ironia pode beneficiar e prejudicar ao mesmo tempo. Versões irônicas de «transcontextualização>> e inversão são os seus principais opera­dores formais, e o âmbito de ethos pragmático vai do ridículo desdenhoso à homenagem reverencial.

O perigo desta definição é que poderia parecer arriscar-se a con­fundir os limites das fronteiras do género mais do que já acon­tece. O resto do capítulo será dedicado a demonstrar que tal não é, de facto, necessariamente verdadeiro. Ao definir a paródia em termos simultaneamente formais e pragmáticos, contudo, pode argumentar-se que a reduzi à intertextualidade. Seguindo a orien­tação de Kristeva ( 1969, 255), alguns teóricos contemporâneos tentaram fazer da intertextualidade uma categoria puramente for­mal de interacção textual (Genette 1982, 8; Jenny 1976, 257). O supremo valor do trabalho de Michael Riffaterre é que reco­nhece o facto de só um leitor (ou, falando de maneira mais geral, um descodificador) poder activar o intertexto (1980-a, 626), Rif­faterre, como Roland Barthes (1975-b, 35-6), define a intertex­tualidade como uma modalidade da percepção um acto de descodificação de textos à luz de outros textos. Para Barthes, no entanto, o leitor é livre de associar os textos mais ou menos ao acaso, limitado apenas pela idiossincrasia individual e a cultura pessoal. Riffaterre, por outro lado, argumenta que o texto na sua «inteireza estruturada>> (1978, 195n) exige uma leitura mais con­dicionada e, portanto, mais limitada (1974, 278). A paródia seria, obviamente, um caso ainda mais extremo disto, porque as suas imposições são deliberadas e até necessárias para a sua compreen­são. Mas, a acrescentar a esta restrição adicional da relação inter­textual entre descodificador e texto, a paródia exige que a competência semiótica e intencionalidade de um codificador infe­rido sejam pressupostos. Desta forma, embora a minha teoria da paródia seja intertextual na sua conclusão tanto do descodifica­dor como do texto, o seu contexto enunciativo é ainda mais vasto: tanto a codificação como o compartilhar de códigos entre produ­tor e receptor são centrais e constituirão tema do quinto capítulo.

O enquadramento em que a minha definição de paródia se situa de facto, inevitavelmente, é o de outras formas de imitação e

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apropriação textual. A crença clássica e renascentista no valor da imitação como meio de instrução tem sido transmitida atra­vés dos séculos. La Formation du style par l'assimilation des auteurs (1910) de Antoine Albalat é uma versão actualizada desses anteriores manuais de retórica. Mas a imitação, em tais contex­tos, significava muitas vezes pastiche ou paródia.Qual das duas coisas? Bem, a distinção mostra-se difícil: Proust utilizava ambos os termos para as suas imitações irónicas de Balzac, Flaubert, Michelet e outros. Será Ihe Mote in the Middle Distance (A Christmas Garland) (1921) de Beerbohm (1921) uma paró­dia, ou um pastiche do estilo mais tardio de James, com as suas frases interrompidas, itálico, negativas duplas e adjectivos vagos? Será o pastiche mais sério e respeitoso do que a paródia (ldt 1972-3, 134)? Ou isso só seria verdade se o conceito de paró­dia utilizado insistisse no ridículo na sua descrição? Dado que a minha definição permite um amplo alcance de ethos, não me parece possível distinguir a paródia do pastiche, nestes termos. Todavia, parece-me que a paródia procura de facto a dife­renciação no seu relacionamento com o seu modelo; o pastiche opera mais por semelhança e correspondência (Freund 1981, 23)." Nos termos de Genette (1982, 34), a paródia é transformadora no seu relacionamento com outros textos; o pastiche é imitativo. '

Ainda que nem a paródia, nem o pastiche, tal como são utili­zados por alguém como Proust, possam ser considerados como brincadeira trivial (Amossy e Rosen 1974), pode haver uma dife­rença na localização textual que faça com que o pastiche pareça mais superficial. Um crítico chama-lhe «imitação da forma» (<iform-rendering>>, Wells 1919, XXI). O pastiche tem geralmente de permanecer dentro do mesmo género que o seu modelo, ao passo que a paródia permite a adaptação; o soneto de Georges Fourest sobre a peça de Corneille, Le Cid (Le palais de Gor­maz ... ), seria uma paródia, e não um pastiche à la maniere de Corneille. O pastiche será com frequência uma imitação, não de um único texto (Albertsen 1971, 5; Deffoux 1932, 6; Hem­pel 1965, 17 5), mas das possibilidades infinitas de textos. Envolve aquilo a que Daniel Bilous (1982; 1984) chama de interestilo, não o intertexto. Mas, mais uma vez, é mais a semelhança que a diferença que caracteriza a relação entre os dois estilos. A paró­dia está para o pastiche talvez como a figura de retórica está para o cliché. No pastiche e no cliché, pode dizer-se que a diferença se reduz à semelhança. Isto não quer dizer que uma paródia não

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possa conter (ou utilizar para fins paródicos) um pastiche: O epi­sódio Oxen ofthe Sun, de Joyce, com a sua vasta gama de imita­ções estilísticas cheias de virtuosismo seria um exemplo mais que óbvio (Levin 1941, 105-7).

Tanto a paródia como o pastiche não só são imitações textuais ,, formais, como envolvem nitidamente a questão da intenção .

. Ambos são empréstimos confessados. Aqui reside a distinção mais óbvia entre a paródia e o plagiarismo. Ao imprimir, na sua pró­pria forma, a do texto que parodia, uma paródia pode facilitar a tarefa interpretativa do descodificador. Não haveria necessi­dade na literatura, por exemplo, de recorrer à <<estilometria», à análise estatística do estilo, para determinar a autoria (Morton 1978). Se bem que tenha havido muitos casos famosos de falsi­ficação, quer na arte, quer na literatura (ver Farrer 1907; Whi­tehead 1973), mistificações como a Chasse spirituelle, de Rimbaud (Morrissette 1956), e a colecção Spectra (Smith 1961) são fundamentalmente diferentes da paródia no seu desejo de ocul­tar, em vez de empenhar o descodificador na interpretação dos seus textos de fundo. A relação próxima entre pastiche (que visa a semelhança) e plagiarismo é articulada de uma maneira extre­manente divertida no romance de Hubert Monteilhet, Mourir à Francfort (1975). O protagonista, professor e secretamente romancista, decide reviver um romance pouco conhecido de Abbé Prévost e publicá-lo sob pseudónimo, como faz com todos os seus romances. Vê na ligeira reelaboração que faz da obra uma vingança brincalhona contra o seu editor, um elegante, ainda que não reconhecido, pastiche. Evidentemente que outras pessoas lhe chamariam outras coisas. Tudo isto tem lugar numa paródia gideana a um romance na forma de diário sobreposta a um enredo policial invertido (o assassínio tem lugar apenas no final), cuja moral é que a paga do plagiarismo é a morte.

De uma forma algo mais séria, a interacção da paródia e do plagiarismo pode ser vista na declaração pública aqu~mdo da publi­cação de The White Hotel, de D. M. Thomas (1981). Embora Thomas tenha reconhecido que se baseou no relato da testemu­nha ocular Dina Pronicheva, única sobrevivente de Babi Yar, na página que refere os direitos de autor do romance, o seu <<empréstimo» mais ou menos literal deu origem a um intenso -mas, em última análise, infrutífero- debate sobre o plagia­rismo nas páginas de The Times Literary Supplement, em Março e Abril de 1982. É interessante que ninguém, tanto quanto sei,

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tenha atacado Thomas por ter plagiado a obra de Freud, ainda que tenha aduzido, na mesma obra, um belo exemplo, embora inventado, de um caso freudiano. Talvez a <<nota do autor>> acerca da sua ficcionalização daquela a quem chama o descobridor do grande mito moderno da psicanálise se tenha adiantado aos crí­ticos. Ou talvez a paródia séria seja uma coisa totalmente dife­rente. É que a história do «CaSO>> não é de Freud, ainda que dele partam algumas citações de Para Além do Princípio do Prazer, que o Freud ficcional, tal como o real, estava a escrever na altura da acção do romance. O leitor sabe que este texto não é de Freud, tal como sabe que a terceira parte do Terceiro Quarteto de Corda, de Rochberg, não é de Beethoven. É muito simplesmente o conhe­cimento desta diferença que separa a paródia do plagiarismo. No seu romance Lanark (1981), Alasdair Gray mistifica todo o debate, fornecendo ao leitor um paródico «Índice de plagiaris­mos>> para o romance. Somos informados de que existem três tipos de roubos literários no livro:

Plagiarismo de Matriz (Block Plagiarism), em que a obra de outrem é impressa como uma unidade tipográfica distinta;

Plagiarismo Embutido (lmbebed Plagiarism), em que as pala­vras roubadas estão ocultas dentro do corpo da narrativa;

Plagiarismo Difuso (Diffuse Plagiarism), em que o cenário, personagens, acções ou ideias novas foram roubadas mas sem as palavras originais a descrevê-las ( 485).

Para reforçar a sua brincadeira, acrescenta: «Para poupar espaço, estes serão referidos daqui em diante como Blockplag, Implag e Difplag.>>

A distinção entre paródia e plagiarismo só é necessária por­que eles têm sido, de facto, utilizados como sinónimos (Paull 1928, 134} e porque a questão da intenção (imitar com ironia crítica ou imitar com intenção de enganar) é, simultaneamente, complexa e difícil de verificar. Foi por isso que me limitei à inten­ção codificada ou inferida ao discutir a paródia. Pode dizer-se que Emerson, Lake and Palmer tenham tencionado tomar de empréstimo (parodiar) ou roubar (plagiar) o Allegro Barbaro, de Bartok, no seu The Barbarian? O título, pelo que me parece, sugere a primeira hipótese, mas há quem discorde (Rabinowitz 1980, 246). É também a questão da intenção que está envolvida na confusão da paródia com o burlesco e a farsa (travesti). Se há

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que definir a paródia em termos de um ethos - o do ridículo -terá forçosamente que haver uma dificuldade considerável em dis­tinguir entre estas duas formas. A história dos termos sugere ser este o caso (Bond 1932, 4; Hempel1965, 164; Karrer 1977, 70-3). Os dicionários também não ajudam muito: o Oxford English Dic­tionary define ambos os verbos to burlesque e to travesty de maneira idêntica: «meter a ridículo por meio de paródia ou imita­ção grotesca». As tentativas de teóricos mais recentes no sentido de precisão não foram muito mais úteis, obstruídas como são geral­mente pelas suas definições limitadas de paródia como ridículo. Dwight Macdonald (1960, 557-8) vê a farsa como a mais primi­tiva das formas e a paródia como a mais ampla. John Jump faz da paródia uma espécie de «alto burlesco de uma obra (ou autor) particular conseguida aplicando o estilo dessa obra (ou autor) a um tema menos digno» (1972, 2). As distinções entre formas supe­riores e inferiores sugerem as categorias de outra época, de uma estética que é muito mais rígida que a nossa pareceria ser hoje pelas suas normas. E as distinções que separam desta maneira estilo e tema (Bond 1932; Davidson 1966; Freund 1981; Householder 1944) sugerem uma separação de forma e conteúdo que, para muito teóricos, é hoje posta em causa. Tanto o burlesco como a farsa envolvem necessariamente o ridículo; a paródia não. Esta dife­rença no ethos requerido é certamente uma das coisas que distin­gue estas formas, pelo menos segundo o que a arte moderna ensina.

É uma diferença de intenção que serve também para distin­guir a paródia da citação, provavelmente o análogo sugerido com maior frequência da paródia moderna. Bakhtin pode ser o res­ponsável pela valorização deste modelo: ao escrever sobre a lite­ratura helenística, ele observou que havia vários graus de assimilação e diferenciação no uso das citações: ocultas, aber­tas, semi-ocultas (Bakhtin 1981, 68-9). Muito embora isto seja verdadeiro no que se refere à literatura clássica em geral, valerá a pena recordar que o objectivo de citar exemplos tirados das obras dos grandes era emprestar o seu prestígio e autoridade ao próprio texto. A Rhetorica ad Herennium, outrora atribuída a Cícero, apressa-se, contudo, a avisar que a citação não é por si um sinal de cultura. Os antigos podem, quando muito, agir como modelos. Não era exactamente esta a utilização que Bakhtin queria fazer das citações. Com efeito, um olhar mais atento revela que ele via a paródia como citação, apenas num sentido metafó­rico. A tradução francesa do trecho acerca do funcionamento da

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paródia diz: C' est le genre lui-même, c' est son style, son lan­gage, qui sont comme insérés entre des guillemets qui leur don­nent un ton moqueur (1978, 414; o itálico é meu). O inglês mantém o sentido metafórico, se não o símile: The genre itself, the style, the language are ali put in cheerfully irreverent quota­tion marks (1981, 55) («O próprio género, o estilo, a linguagem são todos inseridos entre aspas divertidamente irreverentes.>>) Bakhtin queria definir a paródia como forma de discurso indi­recto, por referência a outras formas; daí a sua ideia de ela ser «como que>> entre aspas.

No entanto, quando Margaret Rose define paródia como a «cita­ção crítica da linguagem literária preformada com efeito cômico>> (1979, 59), a metáfora literalizou-se de súbito. Na realidade, ela inverteu a noção de Michael Butor (1967) de que até a citação mais literal é já uma espécie de paródia por causa da sua «_!nms-

'( contex.tualização>>. Mas será lícito inverter isto e afirmar que toda ) a'paródia é, consequentemente, citação? Julgo que não, apesar

'< ll do facto de existirem actualmente em preparação argumentos con­vincentes no sentido de tornarem a citação o modelo para toda a escrita ( Compagnon 1979). A repetição <<transcontextualizada>> é sem dúvida uma característica da paródia, mas a distanciação crítica que define a paródia não está necessariamente implícita na ideia de citação: referir-se a um texto como paródia não é o mesmo que referir-se a ele como citação, ainda que a paródia tenha sido esvaziada de qualquer característica definidora que sugira o ridículo. Ambas são, no entanto, formas que <<transcon­textualizam>> e poder-se-ia argumentar que qualquer mudança de contexto requer uma diferença de interpretação (Eikhenbaum 1978-b). Em ambas existiria, portanto, aquela tensão entre assi­milação e dissimilação que Herman Meyer (1968, 6) via na uti­lização da citação no moderno romance alemão. Da mesma forma, ambas abarcariam um amplo âmbito de ethos, do reco­nhecimento 'da autoridade ao jogo livre e ambas exigiriam cer­tos códigos comuns que permitissem a compreensão. A citação, por outras palavras, embora fundamentalmente diferente da paró­dia em alguns aspectos, está também estrutural e pragmaticamente próxima o suficiente para que o que de facto aconteça seja que a citação se torne uma forma de paródia, em especial na arte e na música modernas.

Não concordo com Stephan Morawski quando diz que <<até o mais consumado e versátil conhecedor das artes teria de dar muito

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mais tratos à memória para recordar um exemplo de citação em pintura, teatro ou cinema do que no caso da literatura>> (1970, 701). E nenhuma pessoa que tivesse visto a citação por Thomas Vreeland do Campanilo, da Catedral de Siena, e da planta de Adolf Loos para a Casa de Josephine Baker, em Paris, no seu edifício da World Savings and Loan Association, em Santa Ana, na Califórnia, poderia dizer que a arquitectura é a arte «menos passível de citação>> (Morawski 1970, 702). E que dizer da cita­ção por Michael Graves das simetrias interrompidas e das inter­-relações paisagem/edifício da Villa Madama quinhentista de Rafael na sua Placek House de 1977?

Nas artes visuais, semióticos como René Payant (1979, 5) são tentados a postular que todas as pinturas citam outras pinturas. Este argumento não seria muito diferente da insistência forma­lista russa na convencionalidade da literatura. Ambas são reac­ções a uma estética realista que valoriza a representação na arte. Muitas destas pinturas citativas são, como vimos, paródicas. O mesmo se passa com a utilização que a música faz da citação com o fim de obter contraste. Para críticos embaraçados por uma definição da paródia com uma forte carga de ridículo, tal cita­ção é, com frequência, considerada nada paródica (Gruber 1977; Kneif 1973). Não obstante, existe uma concordância generali­zada com o facto de a citação ter uma importância central para a música moderna (Kuhn 1972; Siegmund-Schultze 1977; Sonntag 1977)>>. George Rochberg remontou o seu desenvolvimento a pàr­tir do serialismo e da sua descoberta das tradições musicais do passado em termos que mostram a diferença entre citação sim­ples e paródica. Nas anotações ao seu Quarteto de Cordas n. 0 3 (Nonesuch H-71283), fala de como chegou à convicção de que o passado deveria ser um <<presente vivo>> para os compo­sitores. Começou por citar partes da música tonal na forma de assemblages, ou colagens, no seu Contra Mortem et Tempus. Mas em breve o comentário achava-se implícito no seu acto de citação (Nach Bach), e no Terceiro Quarteto de Cordas a sín­tese paródica da nova atonalidade e das velhas convenções tonais (a linguagem melódico-harmónica oitocentista em geral e os esti­los de Beethoven e Mahler em particular) foi possível. Da mesma forma, a Sinfonia, de Luciano Berio, «transcontextualiza>> cita­ções fragmentárias de Bach, Schoenberg, Debussy, Ravel, Strauss, Brahms, Berlioz e outros, dentro do contexto dos impul­sos rítmicos do terceiro movimento da Segunda Sinfonia, de

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Mahler. Na capa do disco (CBC Classics 61079) Berio, diz-nos: «Ü movimento de Mahler é tratado como um receptáculo em que grande número de referências se multiplicam, correlacionam e integram na estrutura fluente da obra original em si». Foi a isto que os formalistas chamaram «refuncionalização>> ou paródia, embora envolva efectivamente a citação «transcontextualizante>>.

A paródia tem uma determinação bitextual mais forte do que a citação simples ou até que a alusão: partilha tanto o código de um texto particular a ser parodiado, como o código paródico genérico em geral (Jenny 1976, 258). Incluo a alusão aqui, por­que também ela tem sido definida dell1aneiras que a têm levado a ser confundida com a paródia. J\'âlusãq é «um expediente para a activação simultânea de dois textcfs>>-(Ben-Porat 1976, 107), mas fá-lo essencialmente através de correspondência - não da diferença, como é o caso da paródia. Todavia, a alusão irónica estaria mais próxima da paródia, embora a alusão, em geral, se mantenha uma forma menos constrangida ou <<prede­terminada» que a paródia (Perri 1978, 299), a qual deve assi­nalar diferença de alguma forma. A paródia é também, com fre­quência, uma forma mais extensiva de referência transtextual, hoje em dia.

A paródia está, pois, relacionada com o burlesco, a farsa, o pastiche, o plagiarismo, a citação e a alusão, mas mantém-se distinto deles. Partilha com eles uma restrição de foco: a sua repetição é sempre de outro texto discursivo. O ethos desse acto de repetição pode variar, mas o seu <<alvo>> é sempre intramural neste sentido. Como pode então chegar a confundir-se a paródia com a sátírà, que é extramural (social, moral) no seu objectivo aperfeiçoador de ridicularizar os vícios e loucuras da Huma­nidade, tendo em vista a sua correcção? É que a confusão existe, sem a menor dúvida. A paródia tem sido implícita ou expli­citamente 'tida como uma forma de sátira por muitos teó­ricos (Blackmur 1964; Booth 1974; Feinberg 1967; Macdonald 1960; Paulson 1960; Rose 1979; Stone 1914). Para alguns, esta é uma forma de não limitar a paródia a um contexto estético, de a abrir a dimensões sociais e morais (ver Karrer 1977, 29-31). Muito embora simpatize com a tentativa, dois capítulos seguin­tes (quarto e sexto) centrar-se-ão na complexidade desta questão. Chamar apenas sátira à paródia parece excessivamente simples, como forma instantânea de dar à paródia uma função social.

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Os fundamentos sobre os quais outros teóricos baseiam a sepa­ração dos dois géneros são, por vezes, discutíveis. Winfried Freund (1981, 20) afirma que a sátira visa a restauração de valo­res positivos, ao passo que a paródia só pode ocorrer negativa­mente. Dado que se centra essencialmente na literatura alemã do século XIX, é dito que à sátira faltam importantes dimensões metafísicas e morais que a sátira pode demonstrar. Mas eu argu­mentaria que a diferença entre as duas formas não reside tanto na sua perspectiva sobre o comportamento humano, como ela julga, mas naquilo que é transformado em«alvo>>. Por outras pala­vras, a paródia não é extramural no seu objectivo; a sátira é. Tanto Northrop Frye (1970, 233-4, 322) como Tuvia Shlonsky (1966, 798) argumentaram clara e convincentemente, face a observações como «Nenhum aspecto da sociedade tem estado a salvo da atenção escarnecedora do parodista>> (Feinberg 1967, 188). No entanto, a razão óbvia para a confusão de paródia e sátira, apesar desta diferença essencial entre elas, é o facto de os dois géneros serem muitas vezes utilizados conjuntamente. A sátira usa, frequentes vezes, formas de arte paródicas, quer para fins expositórios, quer para fins agressivos (Paulson 1967, 5-6), quando aspira à diferenciação textual como veículo. Tanto a sátira como a paródia implicam distanciação crítica e, logo, julgamentos de valor, mas a sátira utiliza geralmente essa dis­tância para fazer uma afirmação negativa acerca daquilo que é satirizado- «para distorcer, depreciar, ferir>> (Highet 1962, 69). Na paródia moderna, no entanto, verificámos não haver um julgamento negativo necessariamente sugerido no contraste iró­nico dos textos. A arte paródica desvia de uma norma estética e inclui simultaneamente essa norma em si, como material de fundo. Qualquer ataque real seria autodestrutivo.

A interacção de paródia e sátira na arte moderna é universal, apesar do ponto de vista de um comentador que decidiu que a sátira é hoje uma forma menor e ultrapassada (Wilde 1981, 28). (Como classificar então Coover, Pynchon, Rushdie e uma quan­tidade de outros romancistas contemporâneos?) A crescente homogeneidade cultural na «aldeia global>> aumentou o leque de formas paródicas disponíveis para utilização. Em séculos ante­riores, a Bíblia e os clássicos eram os textos de fundo funda-

' mentais para a classe educada; as canções populares forneciam o veículo para outras. Embora esta seja uma regra geral, há, é claro, sempre excepções. Rochester inverteu ironicamente as con-

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venções da poesia religiosa para fins cínicos e sexuais nas sua paródias (Treglown 973), invertendo assim a prática luterana de espiritualizar o secular (Grout 1980). Foram, no entanto, as tra­dições épicas que forneceram a base para muitas paródias no século XVIII, paródias que se acham muito próximas de algumas espécies de formas satíricas modernas da paródia. A epopeia cómica não zombava da epopeia: satirizava as pretensões con­temporâneas, quando comparadas com as normas ideais impli­cadas pelo texto ou conjunto de convenções parodiados. Os seus antecedentes históricos foram, provavelmente, as silli ou paró­dias homéricas, que satirizavam certas pessoas ou hábitos de vida sem escarnecerem, fosse de que forma fosse, da obra de Homero (Householder 1944, 3). Existem, ainda outros exemplos poste­riores do mesmo tipo de utilização da paródia e da sátira que econtramos nas formas de arte actuais. Por exemplo, o precur­sor de grande parte da recente sátira paródica feminista encon­tra-se na ficção de Jane Austen. Em Love and Friendship, Austen parodia a ficção do romance popular do tempo dela e, através dela, satiriza a visão tradicional do papel da mulher como amante dos homens. Laura e Sophia vivem enredos literários pré-modelados e são desacreditadas pela paródia de Austen à «heroicização>> literária de Ruchardson e da sua apresentação da passividade feminina. Como demonstrou Susan Gubar, «nas suas paródias a Fanny Burney e Sir Samuel Egerton Brydges em Pride and Prejudice (Orgulho e Preconceito), Austen dramatiza (e satiriza) a forma como tem sido prejudicial para as mulheres · habitarem uma cultura criada por, e para, os homens>> (Gilbert e Gubar 1979, 120). Juntamente com Mary Shelley, Emily e Charlotte Bronte e outras escritoras, Austen serviu-se da paró­dia como veículo literário desarmante, mas eficiente, para a sátira social.

Não pretendo, pois, sugerir que só a paródia moderna joga com esta conjunção particular com o satírico. Grande parte da literatura do século XVIII, na Inglaterra, fê-lo igualmente. E Gilbert e Sullivan por certo utilizaram-na quase como uma fórmula: lolanthe parodiava a forma do conto de fadas com o fim de satirizar a aristocracia. Princess Ida era uma inver­são respeitosa da Princess, de Tennyson, que serviu de veí­culo para um sátira dos direitos das mulheres. Mais dentro do perído que nos interessa, Apollinaire serviu-se da paródia for­mal para satirizar a dor espiritual infundada de V erlaine em

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termos de desconforto físico real. Il pleut doucement sur la ville, de Rimbaud, forma a epígrafe do poema de Verlaine, que começa:

Il pleure dans mon coeur Comme il pleut sur la ville. Quelle est cette langueur Qui pénetre mon coeur?

A paródia de Apollinaire diz:

Il flotte dans mes bottes Comme il pleut sur la ville. Au diable cette flotte Que pénetre mes bottes I

Nem a paródia nem a sátira são muito subtis neste tipo mais tradicional de paródia.

Na versão mais alargada que temos vindo a examinar, a inte­racção com a sátira é mais complexa. Quando, no Ulysses, Joyce recorre à Odisseia, de Homero, e, em Tha Waste Land, Elliot invoca uma tradição ainda mais vasta, de Virgílio a Dante, pas­sando pelos simbolistas e para além deles, o que está em causa é mais que um eco alusivo, quer do texto, quer do património cultural. As práticas discursivas activas numa altura particular e num lugar particular encontram-se envolvidas (Gomez-Moriana 1980-1, 18). A énonciation intetdiscursiva, bem como o énoncé intertextual, estão implicados. O Don Quixote escrito pelo espa­nhol seiscentista chamado Cervantes seria diferente, é Borges quem o sugere (1962, 1964, 42-3), do Quixote escrito por um simbolista francês moderno-- chamemos-lhe Pierre Menard­ainda que fossem textos verbalmente idênticos. O texto de Menard seria mais rico por causa daquilo que actualmente se tornou ana­cronismo deliberado (e historicismo <<descaradamente pragmá­tico>>). Sabendo que Menard seria contemporâneo de William James, o narrador de Borges pode reler o Quixote à luz desta «transcontextualização>> filosófica, social e cultural (bem como literária). Esta utilização paródica da literatura para auxiliar o julgamento irônico da sociedade não é nova no nosso século: o

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precursor de Eliot no confronto com o declínio da sua comuni­dade e da sua época através da paródia satírica é, provavelmente, Juvenal (Lelievre 1958). Veremos, no capítulo seguinte, o papel da ironia na compatibilidade aparentemente forte entre paródia e sátira.

Para muitos, os anos sessenta marcaram uma nova idade do ouro da sátira (Dooley 1971), mas tratava-se de uma sátira que se apoiava muito na paródia e que compartilhava, consequente­mente, do seu ethos variável. Na obra de escritores como Pynchon e de artistas como Robert Colescott, é menor a intenção de apontar ao que Swift chamava <<defeito algum I mas aquilo que todos os mortais podem corrigir>>. O humor negro (como foi rotulado) des­tes anos começou a mudar o nosso conceito de sátira, tal como a paródia respeitosa mudou a nossa noção de paródia. Mas isso seria provavelmente o tema para outro livro. Não obstante, a interacção dos dois géneros mantém-se uma constante. Muita da escrita feminina actual, visando, como visa, ser simultaneamente revisionista e revolucionária, é <<paródica, dúplice, extraordinaria­mente sofisticada>> (Gilbert e Gubar 1979, 80). A ficção curta, pra­ticada por escritores como Barthelme, mostrou-se tão provocante como obras mais longas por causa do seu uso económico da paró­dia sugestiva. The Oranging of America, de Max Apple (1976, 3-19), serve-se, obviamente, de uma paródia a The Greening of America para satirizar a ética aquisitiva americana epitomada em Howard Johnson e nos seus hotéis de telhados cor-de-laranja.

A paródia satírica musical também tem uma história ilustre. Um Divertimento Musical, de Mozart, parodia certas conven­ções musicais em voga (repetições desnecessárias de banalida­des, modulação incorrecta, ideias melódicas desarticuladas) -é conhecida igualmente por Sexteto dos Músicos de Aldeia. De uma maneira que sugere quase uma paródia a Mozart, o segundo movimento da Quarta Sinfonia, de Charles Ives, paro­dia outras peças musicais e ao mesmo tempo imita a execução de músicos incompetentes. No seu The Fourth of July, a execu­ção da banda amadora fictícia pretende, suponho, transportar um ouvinte americano para a inocência da infância e dos piqueniques do 4 de Julho. Há uma interessante tensão estabelecida entre esta memó­ria nostálgica e a compreensão de que se trata de qualquer coisa de diferente: os erros técnicos dessa banda servem como lembretes periódicos da diferença que funcionam satiricamente para levarem o ouvinte a considerar o seu presente estado de inocência perdida.

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Nas artes visuais, há um vasto leque de utilizações satíricas paródicas. As sátiras abertas de Ad Reinhardt da cena artística de Nova .Iorque nos anos quarenta a cinquenta tomavam a forma de peças de ilustração/colagem de estilo cómico, de forma a paro­diar essas tentativas didácticas de compreender a complexidade dos desenvolvimentos na arte por meio de diagramas de manuais simplistas. How to Look at Modem Art in Ame rica é uma paró­dia a esses quadros sinópticos dos movimentos modernistas que eram utilizados para ensinar arte moderna nas universidades. É, igualmente, uma sátira da cena artística contemporânea, através da qual ele situava artistas no diagrama (Hess 1974). Ainda que o próprio Magritte (1979) tivesse negado qualquer intenção sim­bólica ou satírica nas suas paródias aos caixões de David e Manet, a maioria dos espectadores acha difícil não ler na paródia for­mal um comentário ideológico a uma cultura aristocrática ou bur­guesa morta.

Semelhante intenção satírica parece, talvez, mais nítida na obra de Masami Traoka, especialmente nas suas paródias a Trinta e Seis Vistas do Monte Fuji, de Hokusai. Uma destas, por exem­plo, Novas Vistas do Monte Fuji: Barco de Recreio Afundan­do-se, mantém os trajes Edo para cada figura, mas uma delas tem uma máquina fotográfica ao pescoço e outra, uma gueixa, tenta tirar uma fotografia com o seu tripé - no barco que se afunda. Ali perto, um samurai deita a mão aos seus clubs de golfe. Os ideogramas tradicionais mantêm-se, mas aqui querem, evi­dentemente, dizer coisas como «mania do golfe». A mais diver­tida destas obras é talvez Trinta e Um Aromas Que Invadem o Japão: Baunilha Francesa, com a sua paródia à gravura erótica japonesa e a sua sátira da americanização do Japão (ver Lipman e Marsha111978, 94-5). Uma justaposição semelhante de tradi­ções eróticas revela-se na obra de Mel Ramos. A sua Velàzquez Version é uma paródia a Vénus e Cupido do mestre mas, através de um segundo nível de paródia (de pin-ups, da Playboy), o nar­cisismo da mulher moderna é satirizado. Talvez Ramos também esteja a sugerir, por meio da justaposição paródica, que aquilo que achamos erótico hoje pode, na realidade, não ter mudado. Ele reelabora a Olympia, de Manet, e La Grande Odalisque, de Ingres, praticamente da mesma maneira. Andy Warthol faz melhor que Duchamp e o seu L. H. O. O. Q dadaísta com a sua Mona Lisa de bigodes, quando reproduz a obra-prima renascen­tista em serigrafia, repetida trinta vezes. O comentário irónico pop

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é claro no seu título - Thirty are Better than One - implicando uma sátira de uma sociedade de consumo que gosta mais da quan­tidade do que da qualidade e pode, portanto, usar um ícone popu­lar da arte erudita como produto de produção em massa. Também é uma sociedade, claro, que está disposta a pagar preços erudi­tos pela sátira paródica de Warhol: o mercado tem uma capaci­dade infinita de cooptar.

Outro exemplo da interacção da paródia com a sátira é Retroac­tive I, de Rauschenberg. No centro direito desta obra há uma ampliação em serigrafia de uma fotografia de Gjon Mili da revista Life. Com o auxílio de uma lâmpada estroboscópica, acaba por se parecer fortemente com o Nu Descendo as Escadas, de Duchamp (que, ironicamente, se baseava, por sua vez, em foto­grafias de Marey de um corpo em movimento). Mas, no con­texto da obra, acaba por parecer um «Adão e Eva expulsos do Éden>>, por Masaccio. O contexto determinante é o de uma foto­grafia de John F. Kennedy (já uma figura de culto quando a obra foi executada, em I 964), que se torna na figura de um Deus vin­gador de dedo apontado.

Formas de arte mais populares, como as bandas desenhadas e as séries de televisão, foram igualmente analisadas, revelando a interacção próxima entre formas paródicas e intenção satírica. O trabalho de Ziva Ben-Porat (1979) é notável entre estudos de ambos os géneros pela sua análise lúcida da natureza convencio­nal quer do referente social da sátira, quer do código paródico utilizado para o comunicar. As longas definições merecem ser cita­das pela sua precisão ao fazer a distinção entre as duas formas. A paródia é definida basicamente em termos sernióticos como:

Alegada representação, geralmente cómica, de um texto literário ou de outro objecto artístico i. e., uma representa­ção de ~ma «realidade modelada>> que, já por si, é uma representação particular de uma <<realidade>> original. As representações paródicas expõem as convenções do modelo e põem a nu os seus mecanismos, através da coe­xistência de dois códigos na mesma mensagem (1979, 247).

A sátira, em contraste, é:

Representação crítica, sempre córnica e muitas vezes cari­catura!, de uma <<realidade não modelada>>, i.e., dos objec­tos reais (a sua realidade pode ser mítica ou hipotética) que

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o receptor reconstrói como referentes da mensagem. A «rea­lidade>> original satirizada pode incluir costumes, atitudes, tipos, estruturas sociais, preconceitos, etc. (1979, 247-8)

A análise de Ben-Porat da interacção da paródia como a sátira na série televisiva Mad é demasiado complexa para não ser repro­duzida neste contexto. Trata-se, no entanto, de leitura necessá­ria para quem se interesse por este tópico.

Há ainda uma outra razão para a confusão entre paródia e sátira, na teoria e na crítica. A paródia não deve ser considerada ape­nas como uma entidade formal, uma estrutura de assimilação ou apropriação de outros textos. Nesta confusão, não é apenas a intrincada interacção textual da paródia com a sátira que induz em erro; nem o ignorar da diferença em relação ao tipo de «alvo>> (intramural versus extramural), sempre de censurar. O capítulo seguinte referir-se-á ao papel da ironia nesta mistura comum de géneros, pois é tanto ao nível pragmático como formal que a paró­dia, hoje em dia, se diferencia, não só da sátira, como das defi­nições tradicionais que exigem a inclusão da intenção de ridicularizar.

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O ALCANCE PRAGMÁTICO DA PARÓDIA

Todo o pintor inteligente transporta toda a cultura da pintura moderna na cabeça. É ela o seu objecto real, sendo tudo o que ele pinta simultaneamente uma homenagem e uma crítica a ela.

Roherr Motherwe/1

A maior parte dos estudos sobre a paródia argumentam que se trata de uma forma mais restrita, em termos pragmáticos, do que a alusão ou a citação. Por outras palavras, existem muitas razões possíveis para aludir ou citar do que para parodiar. Poder­-se-á rodear a crítica, insinuar sem afirmar directamente; poder--se-á optar pôr exibir o conhecimento pessoal ou utilizar os textos de outrem para servir de apoio autorizado; poder-se··á apenas pre­tender poupar tempo (Ben-Porat 1976, 108). A paródia moderna, no entanto, ensina-nos que possui muitas mais utilizações do que as definições tradicionais do género estão dispostas a conside­rar. Todavia, muitos ainda acham que a paródia que faça outra coisa que não seja ridicularizar o seu «alvo» é falsa paródia. Uma conclusão lógica deste tipo de raciocínio é que as epopeias cómicas que não desacreditam a epopeia não podem ser rotula­das desta maneira (Morson 1981, 117). Argumentar assim, equi-

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vale, evidentemente, a ir contra toda a tradição do uso do termo. Gostaria de argumentar que o mesmo é verdadeiro em relação à paródia em geral, apesar da longa tradição- que data do tempo de Quintiliano (1922, 395), pelo menos- que afirma que a paró­dia deve ser considerada pejorativa em intenção e ridiculariza­dora no seu ethos ou resposta pretendida. O âmbito tradicionalmente permitido parece ser <<divertimento, irrisão e, por vezes, escárnio» (Highet 1962, 69). A maior parte dos teó­ricos concorda implicitamente com o ponto de vista de Gary Saul Morson (1981, 110, 113, 142) de que é suposto que uma paró­dia tenha autoridade semântica mais elevada do que o seu origi­nal e que o descodificador tem sempre a certeza de qual a voz com a qual se espera que esteja de acordo. Ainda que este último ponto possa ser verdadeiro, vimos que o <<alvo» da paródia nem sempre é o texto parodiado, em especial nas formas de arte do século xx.

Theodor Verweyen (1979) separou as teorias da paródia em duas categorias: as que a definem pela sua natureza cómica e as que preferem acentuar a sua função crítica. O que é comum a ambos os pontos de vista, no entanto, é o conceito de ridículo. Como subgénero do cómico, a paródia torna o seu modelo cari­cato: esta é uma tradição. Mas mesmo como <<departamento de crítica pura» (Owen Seaman, citado por Kitchin 1931, XIX) a paródia exerce uma função conservadora, e fá-lo através do ridí­cuio, mais uma vez. A maioria dos teóricos querem incluir o humor ou a irrisão na própria definição de paródia (ver, por exem­plo, Dane 1980; Eidson 1970; Falk 1955; Macdonald 1960; Postma 1926; Stone 1914). Era provavelmente por esta razão que Max Beerbohm achava que a paródia era mais especialidade da juventude do que da sabedoria madura (1970, 66).

Para outros, todavia, a paródia é uma forma de crítica artís­tica séria, embora a sua acutilância continue a ser conseguida através do ridículo. Reconhecidamente, como forma de crítica, a paródia tem a vantagem de ser simultaneamente uma reacria­ção e uma criação, fazendo da crítica uma espécie de explora­ção activa da forma. Ao contrário da maior parte da crítica, a paródia é mais sintética que analítica na sua <<transcontextuali­zação>> económica do material que lhe serve de fundo (Riewald 1966, 130). Entre os que defendem esta função da paródia (v_expavis 1951; Lea cock 1937; Lelievre 1958; Litz 1965), W. H. Aude-n:--talvez seja o que a articulou de maneira mais

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notável.JiQ.~~tl«l:ltópiço colégio de Bardos» a biblioteca não con­teria quaisquer obras de crítica literária e «O único exercício crí­tico pedido aos estudantes seria a escrita de paródias» (1968, 77). Esta função mais séria da paródia tem potencial para permitir um âmbito pragmático mais vasto, para além do ridículo, não obstante poucos optarem por a alargarem nessa direcção; <<O ridí­culo crítico>> (Householder 1944, 3) continua a ser o propósito mais vulgarmente citado da paródia.

Tem havido, no entanto, importantes oposições a esta limita­ção do ethos paródico ao escárnio. Fred Householder (1944, 8) chamou a atenção para o facto de, nas utilizações clássicas de palavra paródia, humor e ridículo não serem considerados parte do seu sentido; de facto, acrescentava-se outra palavra quando se pretendia ridicularizar. Ao examinar no Oxford English Dictionq-_ry a história do uso da palavra paródia em inglês, de 1696 em diante, Howard Weinbrot (1964, 131) argumentava que o ridículo ou o burlesco não eram por certo os únicos sentidos do termo, em especial na epopeia cómica do século XVIII, como também já vimos. No entanto, esse século assinalou, de facto, quer uma valorização do espírito, quer uma mistura quase para­digmática de paródia e sátira, que tendeu a dominar nas tentati­vas subsequentes de desenvolver uma teoria da paródia; de então para cá, a paródia tinha de ser engraçada e pejorativa, como decre­tou o Abbé de Sallier em 1733. Mas, se já não aceitamos a limi­tação da forma da paródia a uma composição em verso de certo tipo, por que haveríamos de aceitar uma limitação de ethos ultra­passada? Também dentro de uma perspectiva pragmática, mais uma vez parece não haver uma definição trans-histórica da paró­dia; nada é provavelmente tão dependente culturalmente como o ethos. Por que há-de o modelo de Sallier (que apresenta a ati­tude do parodista para com o <<alvo>> como de agressão e crítica ridicularizadora) ser necessariamente relevante hoje - em espe­cial tendo em conta que os textos paródicos modernos, de Eliot a Warhol, sugerem o contrário? No entanto, como Wolfgang Kar­rer (1977, 27) documentou de forma tão extensiva, grande parte dos trabalhos sobre a paródia continuam actualmente a aceitar esta limitação.

Existem algumas excepções a esta conclusão. Há um crítico que traça uma distinção útil entre as paródias que se servem do texto parodiado como alvo e as que se servem dele como arma (Yunck 1963). A última está mais próxima da verdadeira paródia

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moderna, irónica, alargada, ao passo que a primeira é o que tem sido considerado, de maneira mais tradicional, como paródia. Outra distinção semelhante é a diferenciação de Markiewicz (1967, 1271) entre paródia sensu largo, que é um refazer imita­tivo, e paródia sensu stricto, que ridiculariza o seu modelo. Mas ambas dependem, mais uma vez, do cómico, e não, como eu prefiro, do irónico. Assinalar a diferença através da ironia é uma maneira de lidar com aquilo a que chamo o âmbito do ethos paró­dico ou aquilo a que outros chamaram a sua ambivalência (Alle­mann 1956, 24; Rotermund 1963, 27).

No fim do segundo capítulo sugeri que uma das razões para a confusão terminológica entre sátira a paródia reside na sua uti­

\ lização comum da ironia como estratégia retórica. Os críticos · ajudaram a confundir-nos anunciando que «a sátira deve paro­diar o homem>> (Morton 1971, 35) e que a «ironia e sátira ocul­tas contra o texto parodiado» constituem parte necessária do efeito paródico de uma obra (Rose 1979, 27). Como sugere a última citação, a ironia parece, de facto, desempenhar o seu papel nesta embrulhada taxonómica. Como tropo, a ironia é fundamental para o funcionamento da paródia, como para o da sátira, mas não necessariamente da mesma maneira. A diferença importante emana do facto de a ironia possuir uma especificidade simulta­neamente semântica e pragmática (Kerbrat -Orecchioni 1980). Logo, como verificámos em relação à paródia, a ironia deve ser examinada de uma perspectiva pragmática, bem como da pers­pectiva formal (antifrástica) vulgar. Uma abordagem pragmá­tica que se concentre nos efeitos práticos dos signos é particularmente relevante para o estudo da interacção da ironia verbal com a paródia e a sátira, porque o que se pode de tal estudo é uma exposição das condições e características da utilização do sistema particular de comunicação que a ironia estabelece den­tro de cada género. Em ambas, a presença do tropo sublinha a necessária postulação quer da intenção codificada inferida, quer do conhecimento do descodificador, de molde a permitir a pró-pria existência da paródia ou da sátira como tais. .

Poucos críticos discordam de que a interpretação da ironia envolve realmente que será para além do texto em si (o texto como entidade semântica ou sintáctica) para chegar à descodifi­cação da intenção irónica do agente codificado r. Trabalhos recen­tes em pragmática (Warning 1979; Wunderlich 1971) têm tentado definir o acto de linguagem como um acto «Situado», indo além

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do modelo mais estático de Jakobson (1960) e entrando num qua­dro de referência mais vasto. Este tipo de «situar>> tem um inte­resse óbvio para uma discussão da utilização contextual da ironia na paródia. Dado que a ironia verbal é mais que um fenómeno semântico, o seu valor pragmático é de igual importância e deveria ser incorporado como um ingrediente autónomo, não apenas em definições, mas em análises que envolvam o tropo. A recente insistência de Catherine Kerbrat-Orecchioni neste ponto tem um interesse particular, à luz do seu próprio trabalho anterior (1976), que comungava da tradicional limitação semântica a ironia à anti­frase, à oposição entre um sentido pretendido e afirmado ou, sim­plesmente, à marcação de um contraste (Booth 197 1974, 10; Muecke 1969, 15). Mas este contraste semântico entre o que é afirmado e o que é significado não é a única função da ironia. O seu outro papel de importância maior - a nível pragmático ;; . - é frequentemente tratado como se fosse demasiado óbvio para / justificar discussão: a ironia julga. Contudo, nesta ausência de / diferenciação entre as duas funções parece-me residir uma outra chave a confusão taxonómica entre paródia e sátira.

A função pragmática da ironia é, pois, a de sinalizar uma ava­liação, muito frequentemente de natureza pejorativa. O seu escár­nio pode, embora não necessariamente, tomar a forma de expressões laudatórias empregues para implicar um julgamento negativo; ao nível semântico, isto implica a multiplicação de elo­gios manifestos para esconder a censura escarnecedora latente. Ambas as funções - inversão semântica e avaliação pragmática "­estão implícitas na raiz grega, eironeia, que sugere dissimula­ção e interrogação: há uma divisão ou contraste de sentidos, e também um questionar, ou julgar. A ironia funciona, pois, quer como antifrase, quer como estratégia avaliadora que implica uma atitude do agente codificador para com o texto em si, atitude que, por sua vez; permite e exige a interpretação e avaliação do des­codificador. Tal como a paródia, a ironia é também um dos «pas­sos inferenciais>> de Eco (1979, 32), um acto interpretativo controlado, evocado pelo texto. Ambas devem ser, portanto, tra­tadas pragmática e formalmente.

Nos primeiro e segundo capítulos um texto paródico foi defi­nido como uma síntese formal, na incorporação em si mesmo de um texto que lhe serve de fundo. Mas o duplicar textual da paródia (ao contrário do pastiche, da alusão, da citação, etc.) tem por uma função assinalar a diferença. Partindo da dupla etimo-

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logia do prefixo para, defendi que, a nível pragmático, a paró­dia não se limitava a produzir um efeito ridicularizador (para como «contra>> ou «Oposição>>), mas que a sugestão igualmente forte de cumplicidade e acordo (para como «ao longo de>>) per­mitia um alargamento do âmbito da paródia. Esta mesma distin­ção entre sentidos de prefixos tem sido utilizada para defender a existência quer dos tipos cómicos, quer dos tipos sérios da paró­dia (Freund 1981, 1-2), mas pretendo ir além disto, utilizando-a para diferenciar;ôethàs "da paródia do da sátira, examinando a sua utilização conium-dãironia como estratégia retórica. Se bem que a paródia não seja, de forma alguma, sempre satírica (Clark e Motto 1973, 44; Riewald 1966, 128-9), a sátira utiliza, com frequência, a paródia como veículo para ridicularizar os vícios ou loucuras da Humanidade, tendo em vista a sua correcção. Esta mesma definição orienta a sátira para uma avaliação negativa e uma intenção correctiva. A paródia moderna, por outro lado, raramente possui tal limitação avaliadora ou intencional. A obra de Sylvia Plath tem sido vista como uma reelaboração (ou paró­dia) feminista dos modelos do modernismo masculino que ela herdou. O seu espírito competitivo poderia levá-la a opor-se a essa herança, mas ela também poderia ir buscar-lhe força (Gil­bert 1983). A outra diferença fundamental entre os dois géneros e, evidentemente, a da natureza- intramural ou extramural­dos seus <<alvos>>.

Voltemos agora às duas funções da ironia: a semântica, con­trastante, e a pragmática, avaliadora. Ao nível semântico, a iro­nia pode ser definida como um assinalar de diferenças de sentido ou, simplesmente, como antifrase. Como tal, paradoxalmente, ela tem origem, em termos estruturais, na sobreposição de con­textos semânticos (o que é afirmado I o que é intencionado). Existe um significante e dois significados, por outras palavras. Dada a estrutura formal da paródia, tal como foi escrita no capí­tulo anterior, a ironia pode ser vista em operação a um nível microcósmico (semântico) da mesma maneira que a paródia a um nível macrocósmico (textual), porque também a paródia é um assinalar de diferença, e igualmente por meio de sobreposi­ção (desta vez de contextos textuais, em vez de semânticos). Tanto o tropo, como o género combinam, pois, diferença e síntese, alte­ridade e incorporação. Devido a esta semelhança estrutural, gos­taria de argumentar que a paródia pode servir-se, fácil e naturalmente, da ironia como mecanismo retórico preferido, e

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até privilegiado. A patente recusa pela ironia da univocalidade semântica equipara-se à recusa pela paródia da unitextualidade estrutural.

A segunda função, avaliadora, da ironia verbal tem sido sem­pre pressuposta, mas raras vezes discutida. Talvez que a difi­culdade de localizar a ironia textualmente tenha feito com que os teóricos sete.!!l:!ª!!l-~~quivado estudar esta outra função, muito importante,CdfUxmüª_ ~a suafiúiÇãopfãgmáfíêàr. Quase todos eles estão de acordo em qüe o graU: de efeito irónico num texto é in~.~.t~rnent~_proporcional ao número de sinais abert()~ QyÇ~~:­sáfios para a obtenção desse efeito (Alleman 1978, 32.~.;.Almansi 1 '97~( ·422;· Kerbrat -Orecchioni 1977, 139). Mas<fis-~inaisdevem por força existir dentro do texto, de forma a permífir ao desco­dificador inferir a intenção avaliadora do codificador. E a ironia é geralmente às custas de alguém ou de alguma coisa. Seria, por­tanto, nesta função pragmática, e não semântica, que residiria na pronta adaptabilidade da ironia trocista ao género da sátira.

Por outras palavras, nestas duas funções diferentes, embora obviamente complementares, dqtroporetórico da ironia pode­ria residir essa outra chave da confusão terminológica entre paró­dia e sátira. Visto que ambas se servem da ironia, ainda que por meio de afinidades diferentes (uma estrutural, a outra pragmá­tica), são com frequência confundidas uma com a outra. Isto dá à ironia uma importância crucial da definição e distinção entre os dois géneros. Mas não podemos limitar a chamar a atenção para os paralelos formais da ironia e da paródia, se queremos compreender a complexidade das implicações desta confusão genérica: temos de considerar a pragmática, os efeitos práticos dessa mensagem codificada, e depois descodificada, que vem a ser rotulada de paródica.

Tenho vindo a argumentar que devemos considerar todo o acto da énonciati6Jn, a produção e recepção contextualizadas de tex­tos, se queremos compreender o que constitui a paródia. Deve­mos, portanto, ultrapassar esses modelos de intertextualidade 1. texto I leitor, levando-os a incluir a intencionalidade codificada/ e depois inferida e a competência semiótica. Nesta mesma direc.! ' ção, devemos também tentar expandir a visão orientada para o receptor da interacção comunicativa paródica, cuja melhor repre­sentação é a da obra de Theodor V erweyen ( 1973, 1977). Tenho vindo a utilizar o termo ethos praticamente da maneira definida pelo Groupe MU (1970, 147), mas com maior ênfase no processo

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de codificação. Por ethos entendo a principal resposta intencio­nada conseguida por um texto literário. A intenção é in ferida pelo descodificador, a partir do texto em si. Sob alguns aspec­tos, pois, o ethos é a sobreposição do efeito codificado (tal como é desejado e pretendido pelo produtor do texto) e do efeito des­codificado (tal como é obtido pelo descodificador). Obviamente, a utilização que faço do termo ethos não se assemelha à de Aris­tóteles, mas está relacionada de perto com o seu conceito de pathos, essa emoção com a qual o orador codificador procura investir o ouvinte descodificador. Um ethos é, pois, uma reac­ção intencionada inferida, motivada pelo texto. Se quiséssemos postular um ethos para a paródia e a sátira, teríamos de incluir igualmente o da ironia. Uma visualização simples das inter­-relações resultantes assemelhar-se-ia à figura 1.

Embora este modelo simplicíssimo tenha a desvantagem de parecer no papel tão estático como o de Jakobson (1960), deve ser visto como tomando a forma de três círculos sobrepostos e em constante movimento, variando as proporções da inclusão mútua em cada texto particular a ser considerado. Para uma maior clareza da análise, no entanto, cada ethos deveria ser discutido no seu estado hipoteticamente isolado, antes de examinar as suas sobreposições. A simplicidade deste diagrama tornar-se-á ilu­sória uma vez que acrescentemos as inter-relações dinâmicas triplas.

A ironia ')erbal (não situacional) é representada na figura 1 por um círculo a tracejado para nos recordar que se trata de uma entidade diferente das outras: é um tropo e não um género. Mas também ele possui um ethos. O ethos geralmente aceite da ironia é escarnecedor (Groupe MU 1978, 427). Neste sentido está «marcado» - no sentido linguístico do termo - pela codi­ficação de uma maneira definida: aqui, pejorativamente. Sem este ethos escarnecedor, a ironia deixaria de existir, por­que o contexto pragmático (codificado e descodificado) é o que determina a percepção da distância ou contraste entre contextos semânticos. Este ethos contém, todavia, dentro de si mesmo uma graduação, que vai do risinho ligeiro à mordacidade irónica acumulativa do refrão repetido por Marco António «Bruto é um homem honrado» em Júlio César.

A sátira, como a ironia, possui um ethos marcado, que é ainda mais pejorativa ou negativamente codificado (Morier 1961, 217). A este pode-se chamar um ethos desdenhoso ou escarnecedor.

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Foi esse tipo de ira codificada, comunicada ao descodificador através da invectiva, que levou Max Eastman a descrever o âmbito da sátira como <<graus de causticidade>> (1936, 236). A sátira não deveria ser confundida com a invectiva simples, apesar de tudo, pois o objectivo correctivo do ridículo desdenhoso da sátira é central para a sua identidade. Ainda que a sátira possa ser des­trutiva (Valle-Killeen 1980, 15), existe também um idealismo implícito, pois ela é, com frequência, <<descaradamente didác­tica e seriamente empenhada numa esperança no seu próprio poder de efectuar mudança>> (Bloom e Bloom 1979, 16). Existe, não obstante, um lado agressivo no ethos da sátira, como Freud e Ernst Kris (1964) observaram. Quando discutirmos a sobrepo­sição da sátira e ironia, veremos que seria no extremo da escala irónica de ethos em que um desdenhoso riso amargo é suscitado que a sátira se casaria com a ironia mais eficazmente.

Tradicionalmente, também se tem considerado que a paródia possui um ethos negativamente marcado: o ridículo. Em O Dito de Espírito e as suas Relações com o Inconsciente, Freud (1953-74, vol. VIII) reduzia a paródia a <<disparate cómico>> (176), mas centrava-se depois na sua intenção simultaneamente agressiva e defensiva (201). O exemplo do ataque irónico de Beerbohm à confiança depositada por George Moore em Pater na secção de Dickens de A Christmas Garland (1921, 179-85) constitui um exemplo do tipo de paródia que Freud teria em mente. Aqui, Beerbohm <<apanha» as digressões, vacuidade, gosto pela trivia­lidade e erros dos ensaios de Moore sobre Balzac e o impressio­nismo francês onde Tintoretto é flamengo, os modelos de Palestrína têm flancos estreitos e as cores de Renoir são <<sub­fuscas>>. O seu ataque irónico mais subtil surge com a sua des­crição do motivo erótico na Arabella Allen, de Pickwick Papers (As Aventuras Extraordinárias do Sr. Pickwick):

Strange thoughts ofher surge up vaguely in me as I watch her- thoughts that I cannot express in English [. .. ] Elle est plus vieille que les raches entre lesquelles elle s 'est assise; comme le vampire elle a été fréquemment morte, et a appris les secrets du tombeau (184-5).

A estupenda ironia aqui é que essas palavras, escritas em fran­cês por não poderem ser expressas em inglês, são uma tradução das palavras inglesíssimas de Pater utilizadas para descrever

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a Mona Lisa. Este mesmo marcar pejorativo do ethos da paró­dia pode ser encontrado hoje, por exemplo, na intenção inferida por detrás das figuras entumecidas de Fernando Botero em geral, mas, em particular, nas paródias aos retratos de Rubens da sua segunda mulher. Da mesma forma, a famosa e polida pintura de Napoleão, da autoria de David, no seu gabinete de trabalho é posta a ridículo pelo carácter incompleto da pintura de Larry Rivers, ironicamente intitulada The Greatest Homosexual. Há até uma paródia aos elementos de composição de David: a assinatura floreada do nome do pintor num rolo de papel é alte­rado para um stencil pouco romântico e nada individualizado r.

À luz de paródias como estas, há a tentação de concordar com a tradicional marcação pejorativa do ethos paródico. Mas apren­demos com outras formas de arte modernas que a distanciação crítica entre a paródia em si e o texto que lhe serve de fundo nem sempre conduz à ironia às custas da obra parodiada. Tal como as epopeias cómicas de Pope (Paulson 1967, 6), muitas paródias actuais não ridicularizam os textos que lhes servem de fundo, mas utilizam-nos como padrões por meio dos quais colo­cam o contemporâneo sob escrutínio. O verso modernista de Eliot e Pound é provavelmente o exemplo mais óbvio deste tipo de atitude, a qual sugere um ethos quase respeitoso ou deferente. Mas, mesmo no século XIX, quando a definição ridicularizadora da paródia era a mais corrente, vimos que este tipo de reverên­cia era muitas vezes percebida como subjacente à intenção da paródia. Os volumes de recolhas de paródias de Hamilton ( 1884-9) revelam que as obras são parodiadas na proporção da sua popularidade. Citando as palavras de Isaac d'Israeli, <<OS paro­distas não desperdiçam o seu talento em produções obscuraS>> quando apresentam os seus «galhofeiros respeitos>> (1886, 1). Por estas recolhas, podemos ver que Tennyson, Browning e Gray (pela Elegy) são seguidos de perto pelos mais reverenciados dos seus predecessores: Milton e Shakespeare.

O que também se torna claro com estas paródias é a razão para a retenção de um ethos rígido, negativamente marcado para a paródia, apesar das provas em contrário: estas paródias res­peitosas eram utilizadas para fins satíricos. Mais uma vez, a con­fusão genérica faz a sua entrada. Não é Shakespeare que é escarnecido nas muitas paródias tópicas, satíricas, dos seus dis­cursos mais conhecidos que surgiram na Punch e noutras revis­tas. Os satiristas optaram por servir-se das paródias aos textos

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mais familiares como veículo para a sua sátira, para acrescentar ao impacto inicial e reforçar o contraste irónico. O discurso de Jacques das Sete Idades do Homem, em As You Like lt (Como Lhe Aprouver, li, III) foi utilizado como forma de lançar ataques a tudo, desde a intemperança à inaptidão política. The Weekly Dispatch patrocinou uma série de sátiras, formalmente basea­das no famoso solilóquio de Hamlet To be or not to be, mas visando o fiasco do Canal de Suez (5 de Agosto de 1883). Em nenhuma destas sátiras o texto parodiado era ridicularizado; logo, o ethos da paródia não era negativo, ainda que o da sátira o fosse.

A marcação possível muito positiva do ethos da paródia é clara no respeito que muitos artistas mostram no seu tratamento paró­dico das obras-primas consagradas da arte moderna. O Peixe Dou­rado, de Matisse, como fundo para a Still Life with Gold Fish, de Lichtenstein, não é escarnecido, apesar das alterações feitas: o aquário foi ampliado e centrado; as formas planas de Matisse foram ainda mais aplanadas; a janela azul e vazia do original foi preenchida por edifícios tirados do anterior Interior com Peixe Dourado, de Matisse; um pormenor de um retrato a traço que lembra o próprio Matisse, foi acrescentado (Lipman e Marshall 1978, 87). Da mesma forma, Tom Wesselmann presta homena­gem a Matisse no seu Grande Nu Americano n. 0 26. Trata-se de uma paródia às pinups eróticas, mas também de um tributo ao Nu Cor de Rosa, de Matisse, nas suas cores, pose e linhas gerais. No entanto, a inclusão de uma reprodução de A Blusa Romena, de Matisse, cria uma dimensão satírica: a postura reca­tada e o traje europeu comentam ironicamente o aparentemente desavergonhado nu americano. Semelhantes relações de respeito poderiam ser vistas entre Jasper Johns e Duchamp ou Richard Pettibone e Stella. É, no entanto, importante não esquecer que esta variedatle reverente de paródia é como o tipo mais pejora­tivo num aspecto significativo: também aponta para a diferença entre textos. Muito embora a paródia marcada pelo respeito se ache mais próxima da homenagem do que do ataque, essa dis~ tanciação crítica e marcação de diferença continua a existir.

Por estas razões, o ethos postulado para a paródia deveria pro­vavelmente ser rotulado de não marcado, com uma série de pos­sibilidades de ser marcado. De acordo com o sentido oposicional do prefixo para (como «contra>>), podemos postular uma forma desafiadora ou contestatária da paródia. Este é o conceito mais

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comum do género, aquele que exige um ethos ridicularizador. Abundam os exemplos daquilo a que tradicionalmente chama­mos paródia: Orphée aux Enfers) o Orfeu no Inferno, de Offen­bach, é uma inversão paródica do sério mito grego, ao nível do libreto. Ao nível musical, a sua paródia escarnecedora de Orfeu e Eurídice, de Gluck, na abertura é sublinhada pela melodia e ritmo de can-can incongruentes.

Não obstante, precisamos igualmente desse outro sentido de para como <<próximo de» para poder explicar o ethos mais res­peitoso ou deferente que pode ser reclamado, não só para muita da arte moderna, mas para a paródia litúrgica primitiva (Frei­denberg 1974, 1975) e, sob alguns aspectos, até para o carnava­lesco bakhtiniano (1968). O verdadeiro antepassado deste ethos é, provavelmente, a imitação clássica e renascentista. A utiliza­ção feita por Spenser do Ariosto na Faerie Queene é simultanea­mente um tributo ao mestre e uma incorporação suplantadora. Por isto, à sua prática pode chamar-se paródica, como poderia, todavia, chamar-se à de Luciano Berio na sua Sinfonia. Na capa do disco (Columbia MS 7268), Berio explica que a terceira sec­ção da sua obra pretende ser uma homenagem a Mahler:

A minha intenção aqui não era nem destruir Mahler (que é indestrutível), nem representar um complexo pes­soal acerca da «música pós-romântica>> (não tenho nenhum), nem sequer desfiar alguma enorme anedota musical (fami­liar entre os jovens pianistas). As citações e referências foram escolhidas não só por causa da sua relação real, mas também pela sua relação potencial com Mahler.

O terceiro movimento da Segunda Sinfonia de Mahler é utili­zado como um <<receptáculo>> para a paródica <<transcontextuali­zação>> de dúzias de citações de outros compositores. A obra de Berio é menos composta do que reunida, de maneira a permitir a percepção da diferença pelo ouvinte, através da transforma­ção mútua de todas as partes que a compõem.

Além deste ethos reverente da paródia, existe pelo menos uma outra marcação possível: mais neutra ou galhofeira, próxima de um grau zero de agressividade, quer perante o texto de fundo, quer o de primeiro plano. Aqui, a mais ligeira das ridiculariza­ções de que ironia é capaz encontra-se envolvida no sinal paró­dico da diferença. O tríptico de Lichtenstein, segundo três das

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3 Edouard Manet, Le Balcon.

Fotografia: cedida por

Musées Nationaux -Paris (Jeu de Paume).

:2 René Magritte, 'Perspective (Le Balcon

Ide Manet), 1950. ©ADAGP Paris 1985. Fotografia: Raf Van den 'Aeele; cedida por Museum 'Van Hedendaagse Kunst, Gante.

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4 F. J. de Goya, As Majas na Varanda

Direitos reservados, The Metropolitan Museum of Art. Doação da Sr.ª H.O. Havemeyer, 1929, H.O.

Havemeyer Collection

5 Mel Ramos, Plenti-Grand Odalisque, 1973. Colecção Daniel Filippacchi; fotografia: cedida por Louis K. Meisel Gallery, Nova Iorque.

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7 Larry Rivers, The Greatest Homosexual, 1964.

© DACS 1985. Hirshhorn Museum and Sculpture Garden, Smithsonian Institution.

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8 Jacques-Louis David, Napoleão no seu Gabinete de Trabalho.

National Gallery of Art, Washington; Samuel H. Kress Collection 1961 (Francês, 1748-1825; Data: 1812; Tela: 2,039Xl,251).

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vistas de Monet da Catedral de Ruão, é talvez um exemplo desta marcação. Lichtenstein amplia e separa os pontos de cor de Monet, revertendo assim a técnica poíntillíste e tachíste que deixa que os olhos fundam as unidades de tinta. Nesta irónica inver­são, ele escarnece as teorias ópticas da pintura, especialmente do cliché que afirma que não é possível entender uma pintura deste tipo antes de haver uma distanciação física dela. Outro exemplo deste ethos brincalhão que derruba dos pedestais seria a <<escultura>> de Robert Rauschenber, Odalísk. O seu título coloca­-a numa relação paródica com as odalísques, de logres e de Matisse. A mudança de linguagem, como veremos em breve, é, já por si, um sinal. A obra consiste numa caixa num poste, que se assemelha, suponho, a um torso e uma perna. Esse poste está firmemente ancorado numa almofada, o símbolo tradicio­nal da lúxuria nas pinturas anteriores. Os lados da caixa são deco­rados com reproduções, quer de nus clássicos, quer de pínups modernas, e toda a caixa está envolvida num véu típico de harém. O toque brincalhão final é talvez a galinha empalhada, posta em cima da caixa. Dada a mudança de linguagem do título, esta pre­tende, provavelmente, ser uma visualização ou um trocadilho literalizado da expressão francesa que designa uma cortesã dis­pendiosa - a poule de luxe. O que é importante ter em mente aqui, todavia, é que a paródia- seja qual for a sua marcação -nunca é um modo de simbiose parasitária. Ao nível formal, é sempre uma estrutura paradoxal de sínteses contrastantes, uma espécie de dependência diferencial de um texto em relação a outro.

O ethos destas três entidades - paródia, ironia e sátira - foi discutido, até agora, apenas num estado hipoteticamente puro que, de facto, raramente existe na prática artística. É por isso que o modelo utiliza círculos sobrepostos e em movimento. (A ironia, tal como o tropo utilizado para ambos os gêneros, deve obviamente obter o máximo de espaço para se movimentar. Se, dentro do ethos escarnecedor da ironia, existe uma gradação­do riso desdenhoso ao sorriso conhecedor- então, no ponto em que a ironia se sobrepõe à sátira será esse riso desdenhoso que se fundirá com o ethos escarnecedor da sátira (o que sempre implica uma intenção correctiva). Por exemplo, em Dublíners (Gente de Dublin), Joyce visa seriamente os valores e costumes de uma cidade que ele simultaneamente amou e odiou. Mas em altura alguma ele chega a ter de articular directamente a sua inten­ção satírica; pode deixá-la ao veículo da sua ironia selvaticamente

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avaliadora (ver Hutcheon e Butler 1981). No outro extremo da escala irónica está o sorriso afectado, o sorriso sabido do leitor que reconhece o jogo paródico de Stanislaw Lem, por exemplo. A Perfect Vacuum, de Lem (1978, 1979), contém inteligentes recensões borgesianas de livros inexistentes que parodiam as con­venções literárias. Muitas, por exemplo, são suaves ataques escar­necedores ao nouveau roman. Uma, que de diz ser a recensão de um romance publicado pelas Éditions du Midi (em vez de Minuit), chama-se Rien du tout, ou la conséquence. Somos infor­mados de que o seu tema é o nada beckettiano muito em voga, o não ser, a negação; de facto, trata de rien du tout.

A sobreposição do ethos dos géneros da paródia e da sátira (envolvendo, geralmente, também a ironia) resultaria na infe­rência, por parte do descodificador, de uma intenção codificada difusa. Com uma paródia marcada pelo respeito, tal poderia apre­sentar um reconhecimento de, ou até uma deferência para com, o texto parodiado, com o «alvo» difuso talvez incluído na parte que é colocada em primeiro plano no texto. As homenagens de Chaim Soutine a Rembrandt nas suas pinturas de carcaças de bois surgem-nos à lembrança. Na sua marcação contestatária, esta sobreposição paródica com a sátira levaria, provavelmente, a um desafio cínico. O lirismo e harmonia formais e referenciais do Angélus du soir, de Millet, transformam-se ironicamente nas modernas visões petrificadas da ilustração de Dali para Les Chants de Maldoror e Reminiscências Arqueológicas do Angélus de Mil­let, bem como na máscara mortuária de O Atavismo do Crepús­culo. Claro que Dali estava obcecado por esta pintura e chegou a escrever um longo estudo psicosexual sobre ela (1963), porque lhe aparecia constantemente como um intruso na sua vida - como desenho em chávenas de chá, estampas, postais e até rótulos de queijo. A paródia às formas artísticas veio a ser utilizada por Dali como sátira dos clichés de uma sociedade de consumo. Semelhante sobreposição de paródia e sátira pode ver-se na obra de Francis Bacon. O retrato imponente do Papa Inocên­cio X, de Velàsquez, reflecte a estabalidade, coerência e poder de um mundo passado; as versões paródicas de Bacon transfor­mam o trono numa jaula que parece uma cama, fazendo com que a autoridade ceda o passo à restrição e ao terror.

Há duas direcções possíveis que a sobreposição de paródia e sátira podem tomar, dado que o objectivo da paródia é intramu­ral e o da sátira é extramural- isto é, social ou moral. Existe,

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por um lado, um tipo do género paródia (nos termos de Genette (1979) que é satírico e cujo alvo é ainda outra forma de discurso codificado: Zelig, de Woody Allen, ridiculariza as convenções da televisão e do documentário cinematográfico. Por outro lado, além desta paródia satírica, há a sátira paródica (um tipo do género sátira) que visa algo exterior ao texto, mas que emprega a paródia com veículo para chegar ao seu fim satí­rico ou correctivo. Num mundo pós-nietzscheano que aceita a morte de Deus, Bertolt Brecht pôde ainda parodiar as estruturas convenientemente familiares da Bíblia na sua obra satírica, Ascen­são e Queda da Cidade de Mahagonny. A inversão da fuga dos israelitas, de Moisés como chefe, e de Cristo como salvador é paródia utilizada com intenção satírica, ainda que (acharam alguns) com uma boa dose de um sentimento eliotiano implícito de evocação de um mundo perdido de dignidade humana. O con­texto cristão parece ser rejeitado, ao mesmo tempo que se aspira a ele (Speirs 1972, 162-9), no ataque de Brecht à «cidade do paraíso>> do materialismo. Os mandamentos tornam-se sinais pres­critivos paródicos num mundo que normalmente oferece <<calma, concórdia, whisky, mulheres>> (Brecht 1979, 2, III, 23). Brecht pode repelir com desdém o modelo cristão de transcendência pro­videncial, mas são as semelhanças entre Cristo e o involuntário e relutante redentor, Jimmy, que se tornam mais evidentes à medida que a obra se desenrola: o julgamento do empobrecido Jimmy tem o seu Barrabás (Toby Higgins) e, antes da sua morte, Jimmy pede água e, a seguir, trazem-lhe vinagre. A acrescentar à utilização estrutural da paródia feita por Brecht ao nível do enredo, a música de Kurt Weill também é paródica na sua reela­boração respeitosa, mas contextualmente irónica e propositada do Messias, de Handel. A combinação dos dois modos de paró­dia com o ethos de desprezo da sátira faz desta obra um dos exem­plos mais claros e mais complexos da sátira paródica. O próprio Brecht afirmou que Mahagonny prestava «tributo consciente à irracionalidade da forma operática>> com o seu realismo minado pela música (1979, 2, III, 87), mas que o seu objectivo reàl era «mudar a sociedade>> (90).

Mas haverá algum momento em que os três círculos do nosso diagrama original se sobreponham totalmente, sem eclipsar nada? A havê-lo, envolveria ambos os géneros, utilizando ambos o tropo irónico na sua capacidade máxima. Este seria o momento de subversão potencialmente máxima - quer em termos estéticos,

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quer sociais. E seria também o momento da suprema sobrede­terminação pragmática. Poucas obras nos vêm à memória, mas A Modest Proposal (Proposta Modesta .... ), de Swift é, por certo, uma delas. Se uma interacção de ethos tão complexa é possível, o nosso diagrama simples original tem de ser necessariamente transformado, como acontece na figura 2.

Ao nível pragmático, podemos ver agora mais claramente essa outra razão para a confusão dos géneros da paródia e da sátira, a que reside na sua utilização comum da ironia. No segundo capí­tulo, como aqui, a relação hermenêutica e formal próxima entre paródia e ironia era sugerida. Ambas estabelecem aquilo a que Michael Riffaterre chama uma dialéctique mémorielle (1979-b, 128) no espírito do descodificador. Trata-se de um resultado da sua dupla estrutura de sobreposição comum, que, não obstante, assinala paradoxalmente diferença - em termos semânticos ou textuais. Esta dependência diferencial, ou mistura de duplica­ção e diferenciação, quer dizer que a paródia funciona intertex­tualmente como a ironia funciona intratextualmente: ambas ecoam para marcar mais diferença que semelhança. É esta ambivalên­cia paradoxal da ironia que permite a Thomas Mann servir-se da paródia para expressar tanto o seu respeito, como as suas dúvi­das acerca da tradição literária (Heller 1958b; Honsa 1974). Con­tudo, a interacção entre1Doctor Faustus e o Fausto, de Goethe, é tão essencialmente de ·diferença como o é a paródia mais tradi­cionalmente ridicularizaqora do texto de Goethe que encontra­mos em Faust, de Robért Nye.

Um leque de ethos pragmático está com frequência implícito nessas distinções entre tipos de paródia: negativo versus cura­tivo (Highet 1962); crítico versus divertido (Lehmann 1963); afir­mativo versus subversivo (Dane 1980). Prefiro manter a ideia de um leque de ethos intencionais, em vez de tipos formais de paródia opostos, por causa da semelhança estrutural gue sustenta todos estes tipos (repetição com diferença crítica). E na dimen­são pragmática que reside a diferença entre tipos de paródia, e o centrarmo-nos nesse facto poderia também explicar a distin­ção, ao invés da confusão, entre a paródia e sátira: paródia cura­tiva parece-nos perigosamente próximo de sátira.

Uma das manifestações mais evidentes do alcance possível do ethos paródico pode ver-se na exposição que teve lugar no Cen­tro Pompidou, em Paris, no Verão de 1983, que foi organizada como contraponto à principal exposição de Manet, no Grand-

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-Palais, ao mesmo tempo. Bonjour Monsieur Manet não escar­necia realmente, nem de Manet, nem da outra exposição; quando muito, actuava como um outro tributo a um artista que era, por sua vez, considerado um grande utilizador das formas de outros pintores. Com efeito, numa época de ideologia natura­lista documental, Manet era considerado um pasticheur, tirando o plano geral do seu Déjeuner sur l 'herbe, de Rafael, e o tema em si de Ticiano (Clay 1963, 6). Nada mais adequado, pois, do que montar uma contra-exposição que mostrava como outros se tinham inspirado em Manet e, dessa forma, chegado a acordo com o próprio Manet. Muitas vezes, o método de substituição era a paródia, e o leque inteiro do seu ethos era visível. Ainda mais complexa que a relação mais ou menos respeitosa de Matisse com Manet (Forcade 1983) é a de Picasso (Bernadac 1983). Uma das primeiras pinturas de Picasso chama-se Paródia à Olímpia de Manet. Servindo-se do mesmo modelo, mas indo mais longe que Cézanne na sua Olímpia Moderna (embora não tão longe como Robert Morris na sua obra de «performance minimal>>, Site), Picasso inscreveu-se a si mesmo na nova obra e inverteu as con­venções do original (já de si tomadas da Vênus de Urbino, de Ticiano): Olímpia é negra, a criada é susbtituída por um amigo, os frutos substituídos por flores. Por outras palavras, o voyeu­rismo implícito do original é ironicamente reelaborado dando a sugerir uma cena de bordel. Mas L 'Exécution de Maximilien, de Manet (que é, já por si, um eco do Tres de Mayo, de Goya), é utilízada de maneira algo diferente como estrutura paródica de fundo para Massacres en Corée, de Picasso. Aqui, o propó­sito parece ser aumentar o horror e o drama através do contraste irónico de massacres anónimos plurais com a execução român­tica individual. Ao contrário da sua anterior paródia escarnece­dora mais suave ou das suas múltiplas reelaborações de Las Meninas, de Velàsquez, esta sátira paródica tem um ethos nega­tivo mais fortemente marcado.

Nenhuma destas obras é realmente ridicularizadora, contudo, quero chamar-lhes paródias, tal como os seus criadores fizeram com frequência. Rosamund Tuve (1970) encontrou-se numa posi­ção semelhante ao tentar descobrir por que tinha Herbert cha­mado a um dos seus poemas A Parodie. O poema sacralizava uma canção de amor secular, Soules joy, now Iam gone. Para explicar quer o título não inocente, quer a natureza não ridicula­rizadora deste tipo de paródia, Tuve virou-se para a paródia

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· musical, porque Herbert era músico e pode ter pretendido pôr o poema em música, e porque o conceito de paródia musical é muito mais amplo. Numa das suas formas, a contrafacção é, na realidade, apenas uma forma deliberada de imitação (Verweyen 1973, 8-9). A prática de Herbert está muito próxima do que vimos na paródia moderna: ele remodelou formas familiares para dizer qualquer coisa de sério com um impacto maior (Freeman 1963, 307).

A analogia musical a que Tuve recorreu para explicar o tipo de paródia de Herbert é sugestiva. Em música, a paródia tem dois sentidos distintos que lembram o âmbito de ethos paródico que temos vindo a examinar. O seu primeiro sentido está mais próximo do ethos respeitoso da paródia ou até da prática renas­centista da imitação. Como género, a paródia musical é uma ree­laboração aceite de material preexistente, mas sem intenção ridicularizadora. O New Grave Dictionary of Music and Musi­cians define paródia, neste sentido, como um exercício genui­namente recriativo de variação livre. Vimos que a paródia se tornou, mais uma vez, importante na música moderna, mas há um elemento que tem de ser acentuado, que reforçaria a defini­ção de paródia como repetição, mas repetição com diferença: na paródia musical que é a Pulcinella, de Strawinsky, há uma distância entre o modelo e a paródia que é criada, por meio de uma dicotomia estilística. Isto é verdadeiro até em relação ao ethos reverente da paródia em música: Prokpfiev prestou tributo ao espírito e urbanidade de Haydn e outros na sua Sinfonia Clás­sica, mas continua a existir um sentido de diferença.

Isto é mais evidente no segundo sentido, não genérico, da paró­dia musical - a noção mais tradicional de uma composição com intenção humorística. Frequentemente, este tipo de paródia em música, como nas outras artes, é um fenómeno limitado, restringindo-se geralmente à citação de temas isolados, ritmos, acordes, etc., e não à reelaboração mais global que funde ele­mentos antigos e novos e que caracteriza quer a paródia musical do século XVI, quer a moderna. Neste tipo mais tradicional de paródia, nobres fraseados reconhecíveis são muitas vezes apli­cados a temas inapropriados, como quando Debussy recorda Tris­tan und /solde na sua Golliwog's Cake Walk. Tal como na literatura ou na pintura, este tipo de paródia tem frequentemente uma pulsão conservadora exagerando idiossincrasias estilísticas. O âmbito do ethos paródico permite tudo, desde o simples diver-

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timento (as variações de Dudley Moore sobre a marcha do Colonel Bogey, em Beyond the Fringe), até ao amor e respeito (os famo­sos Concertos de Gala, de Victor Borge), mesmo dentro deste segundo sentido de paródia musical.

O primeiro é, contudo, potencialmente o mais frutuoso aqui: a paródia como transmutação e remodelação de formas musi­cais existentes (Finscher e Dadelsen 1962, 815) sem qualquer intenção cspecificativa ou ridicularizadora. Isto não quer dizer que o ridículo não seja possível. Pelo contrário, é um entre um leque de ethos possíveis ou de respostas pretendidas. O facto de outros artistas além de Herbert poderem ter tido uma noção musi­cal da paródia é sugerido pela observação do parodista John Barth, recordando o seu primeiro treino em música na Juilliard:

No fundo, continuo a ser um fazedor de arranjos, cujo máximo prazer literário é pegar numa melodia recebida -um velho poema narrativo, um mito clássico, uma con­venção literária enxovalhada, um pedaço da minha expe­riência, uma série da New York Times Book Review- e, improvisando como umjazzman dentro das suas restrições, reorquestrá-la para o propósito presente (1982, 30).

Parte desse propósito presente é mostrar diferença, diferença irónica, bem como semelhança.

A ironia pode ser simultaneamente incluir e excluir; sugere tanta cumplicidade como distância. Nisto, parece-se com o fun­cionamento do riso, quer social (Dupréel 1928, 228-31), quer psicologicamente (Levine 1969, 168). Mas dizê-lo não equivale a equacioná-la como riso ou o ridículo. A ironia, ao exigir códi­gos comuns para a compreensão, pode ser uma estratégia tão exclusiva como o ridículo. É uma força tão potencialmente con­servadora como o riso correctivo, escarnecedor. A paródia que exibe ironia para estabelecer a distância crítica necessária para a sua definição formal, trai também uma tendência para o con­servadorismo, apesar do facto de ter sido louvada como o para­digma da revolução estética e da mudança histórica. É para este paradoxo da paródia que nos dirigiremos agora.

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O PARADOXO DA PARÓDIA

Uma arte vil.

Matthew Arnold

Uma arte nobre.

Sir Owen Seaman

Imitando abertamente a arte mais que a vida, a paródia chama­-nos a atenção autoconscientemente e autocriticamente para a sua própria natureza. Mas, muito embora seja verdade que a paró­dia convida a uma leitura mais literal e literária de um texto, não está, de modo nenhum, desligada do que Edward Said (1983) designa por o «mundo», porque todo o acto da énonciation se encontra env<Jlvido na activação da paródia. O status ideológico da paródia é subtil: as naturezas textual e pragmática da paródia implicam, ao mesmo tempo, autoridade e transgressão e ambas devem ser tomadas em consideração. Para nos servirmos das cate­gorias da lógica filosófica, a linguagem dos textos paródicos sub­verte a tradicional distinção menção/utilização: isto é, refere-se a si mesma, quer àquilo que designa ou parodia. Sendo a paró­dia tão abertamente interdiscursiva e <<de voz dupla», não é de surpreender que tenhamos vindo a testemunhar ultimamente uma revalorização da obra de Mikhail Bakhtin, o formulador da poli-

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fonia literária e do dialogismo, para quem a paródia é «Um híbrido dialogístico intencional. Deil.tro dela, linguagens e estilos iluminam-se activa e mutuamente>> (1981, 76). Para Bakhtin, a paródia é um modo relativizador, desprivilegiante. Vimos que, segundo a sistematização de Todorov ( 1981, 11 0) da terminolo­gia não sistemática de Bakhtin, a paródia é uma forma difónica, passiva e divergente de discurso representado.

Dado que Bakhtin privilegiava o género romance, este capí­tulo manterá, na sua maior parte, esse âmbito genérico. Há outra razão para esta limitação: é que estou convencida de que muitas das formas narrativas ficcionais de hoje são, de facto, uma ver­são muito extrema e autoconsciente do romance tal como é defi­nido pelo próprio Bakhtin: como uma forma paródica auto-reflexiva, não monológica. No entanto, a paródia em geral e grande parte da ficção moderna foram vítimas das mais seve­ras censuras por parte de Bakhtin. A questão é: porquê? Não há dúvida de que algumas teorias do romance se poderiam con­siderar auto-restritivas no sentido de deverem, logicamente, ter­minar na valorização de uma forma particular. Auerbach, por exemplo, escreveu Mimesis (1957), partindo da posição implí­cita de que o realismo francês oitocentista é o único realismo verdadeiro, e que, portanto, todas as tentativas anteriores a Stend­hal não são mais que imperfeitos passos en route, e que quais­quer tentativas posteriores são sinais do seu declínio. Brecht (1974) acusava Lukács de fazer umfétiche de uma forma literá­ria historicamente relativa - a mesma ficção realista oitocen­tista- exigindo depois, dogmaticamente, que toda a outra arte se conformasse a este modelo. E Ian Watt (1966) restringe de tal forma a sua definição normativa do género do romance que acaba por deixar espaço apenas para um romancista real -Samuel Richardson. Só um romancista moderno escapou à repro­vação que Bakhtin faz da literatura pós-renascentista; Dos­toievsky. No entanto, ao contrário dos outros críticos mencionados, Bakhtin oferece-nos um paradoxo: as suas várias <<teoriaS>>, se é que podemos utilizar tal nome para designar seme­lhante não sistematização deliberada são potencialmente muito mais plurais e abertas. São os seus próprios termos de aplicação que ameaçam pôr limites à viabilidade dos conceitos. Adaptar servilmente as declarações específicas de Bakhtin acerca da paró­dia (isto é, imitar a prática dele) é ser vítima do arbitrário e do monolítico, para não dizer monológico, existente nessas decla-

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rações; adaptar, por outro lado, é abrir uma das mais sugesti­vas caixas de Pandora que este século produziu.

Da caixa de Bakhtin poderia emergir uma pletora de aborda­gens inovadoras de uma nova colecção de escritos, em especial da literatura modernista e pós-modernista, atendendo a que ambas são frequentemente paródicas em forma e intenção. Contudo, o próprio Bakhtin teve poucas palavras de elogio para a paródia moderna:

[ ... ] nos tempos modernos, as funções da paródia são estreitas e improdutivas. A paródia tornou-se doentia, o seu lugar na literatura moderna é insignificante. Vivemos, escrevemos e falamos, hoje em dia, num mundo de lin­guagem livre e democratizada; a hierarquia complexa e multinivelada de discursos, formas, imagens e estilos que costumavam permear todo o sistema de linguagem oficial e da consciência linguística foi varrida pela revolução lin­guística da Renascença.

(1981, 71)

Mas temos vindo a observar que, hoje em dia, as nossas for­mas culturais são mais, e não menos, auto-reflexivas e paródi­cas do que alguma vez o foram. Talvez, então, não acom­panhemos o Bakhtin utópico e não vivamos ou escrevamos hoje: num contexto linguístico que seja livre e democrático. É certo que os poetas e romancistas italianos radicais do princípio dos anos sessenta, cujo grito trocista era asemanticità, conduziram o ataque contra aquilo que viam como a reificação linguística causada pelo neocapitalismo burguês (Manganelli 1967). Talvez a nossa linguagem seja democratizada, hoje, apenas no sentido de ter sido totalmente burocratizada. Mas, nesse caso, a batalha seria ainda CQntra uma linguagem oficial - quer dizer, uma bata­lha contra o balbuciar (babble) uniforme e sem sentido (uma Babel invertida). Talvez estejamos, então, a testemunhar hoje, na revi­vência das formas paródicas, a preparação de uma nova cons­ciência linguística e literária, comparável ao papel que a paródia desempenhou, segundo Bakhtin, na sociedade medieval e renas­centista.

Com efeito, poder-se-ia argumentar que o interesse por Bakhtin, hoje em dia, não emana originalmente de qualquer aplicação mecânica das suas teorias, mas antes da relevância para o con-

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temporâneo das suas observações sobre a literatura e sociedade medievais e renascentistas. É, não obstante, importante reconhe­cer as implicações do contexto histórico e local de Bakhtin para poder compreender a sua rejeição do contemporâneo. Por outras palavras, não podemos esquecer-nos de que era a literatura con­temporânea que os seus coevos formalistas e marxistas promo­viam. Muito embora isto seja uma reacção autodistintiva natural da parte de Bakhtin, não deveríamos aceitar hoje essas censuras como leis, pois isso seria ignorar a lição do próprio Bakhtin acerca da historicidade singular de cada elocução. Deveríamos olhar para o que as teorias sugerem, e não para o que a prática nega, pois dentro da própria natureza muito pouco sistemática e, com frequência, vaga dessas teorias reside o seu poder de sugestão e provocação.

(Um breve exemplo ilustrará esta tensão em Bakhtin entre teoria e prática, entre sugestividade e restrição. Em lhe Political Unconscious ( 1981), Fredric J ameson parece achar que Bakhtin trabalha apenas num contexto especializado (momentos especí­ficos de carnaval). Consequentemente, Jameson procura expan­dir o dialogismo para a estrutura do discurso de classe, adicionando a qualificação de que «a forma normal do dislógico é essencialmente uma forma antagónica>> (84). Mas, na discus­são teórica do seu trabalho sobre Dostoievsky, Bakhtin frisa que a disputa faz, por definição, parte da relação dialógica (1973, 152). Não obstante, quando ele olha de facto para uma situação específica (o carnaval renascentista ou medieval), na prática, o pólo negativo da <<ambivalência>> dialógica desaparece. A tendên­cia utopista de Bakhtin é sempre para fazer cair o negativo no positivo: a morte dá lugar ao renascimento; a escatologia e a obs­cenidade reafirmam o corpo vital. Jameson deixa-se atrair exac­tamente por este impulso utopista de Bakhtin, mas - reagindo à tonalidade esmagadoramente positiva da sua prática - sente a necessidade de acrescentar um polo negativo para criar uma verdadeira relação antagónica. No entanto, a teoria de Bakhtin inclui já esta estrutura).

Na sua teoria, portanto, tal explicaria uma abordagem frutuosa (tanto formal como ideológica) a essa moderna colecção de escri­tos que a sua prática teria rejeitado. A metaficção caracteriza-se, decididamente, por uma utilização irónica, muito bakhtiniana, de formas paródicas: pensamos imediatamente nas obras de John Fowles ou John Barth e na sua aberta evolução histórica a partir

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de formas literárias anteriores. Bakhtin argumentava que o romance em prosa europeu tinha nascido e desenvolvera-se atra­vés de um processo de tradução livre e transformadora das obras de outros (Bakhtin 1978, 193). Ele achava também que o romance era único como género e na sua capacidade de interiorizar ou constituir uma autocrítica da sua própria forma ( 444). O romance qu ele tanto prezava pela sua faculdade autocrítica, Don Qui­xote, facilmente poderia ser visto como o antepassado directo das investigações metaficcionais contemporâneas da relação do discurso com a realidade. Além disso, os romances auto­-representativos de hoje, em razão da sua utilização da paródia, são ainda mais aberta e funcionalmente polifónicos em estrutura e estilo do que a obra de Dostoievsky alguma vez foi.

É a teoria de Bakhtin, se não sempre a sua prática, que per­míte que se olhe para a paródia como uma forma de discurso «de direcção dupla>> (1973, 153). Os teorizadores recentes da inter­textualiàade têm argumentado que semelhante dialogismo inter­textual é uma constante de toda a literatura de vanguarda. Segundo Laurent Lenny (1976, 279), o papel dos textos autocons­cientemente revolucionários é reelaborar os discursos cujo peso de tornou tirânico. Não se trata de imitação; não se trata de um domínio monológico do discurso de outrem. Trata-se de uma rea­propriação paródica, dialógica, do passado. A paródia da meta­ficção pós-modernista e as estratégias retóricas irónicas que patenteia são talvez os exemplos modernos mais nítidos do termo bakhtiniano <<de voz dupla>>. A sua dupla orientação textual e semântica torna-os centrais para o conceito de Bakhtin [(Bakh­tin) Volosinov 1973, 115] de <<discurso indirectO>> como discurso dentro do e acerca do discurso - o que não é uma má definição de metaficção. As duas vozes textuais da ficção irónica e pará­dica combinam-se dialogicamente; não se anulam uma à outra. Quer na filo"l>ofia de alteridade de Bakhtin, quer no seu modelo dialógico formal, existe uma separação radical, apesar da media­ção. (Talvez que em semelhante conceito reside a possibilidade de uma nova abordagem de um discurso feminista sobre o silen­ciado e o dominante (Booth 1982; Showalter 1981).

Tal como o carnaval renascentista e medieval de Bakhtin (Bakhtin 1968) (e, poderíamos nós acrescentar, tal como a peifonnance art dos anos 70), a metaficção moderna existe na fronteira autocons­ciente entre a arte e a vida, traçando pouca distinção formal entre actor e espectador, entre autor e leitor co-criador (Hutcheon 1980).

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O segundo mundo invertido, alegre, do carnaval, segundo Bakh­tin, existia por oposição à cultura eclesiástica séria e oficial, tal como a metaficção de hoje contesta a ilusão novelística do dogma realista e intenta subverter um autoritarismo crítico (contendo dentro de si o seu próprio comentário crítico). A ambivalência e carácter incompleto dos romances contemporâneos lembra as qualidades semelhantes do carnaval e do grotesco romântico, con­forme definidos por Bakhtin. Num romance como Beautiful Losers, de Leonard Choen, as inversões sociais e literárias são tipicamente carnavalescas: a religião do espírito dá lugar à reli­gião da carne, completada com os seus próprios santos (estrelas de cinema sexy) e textos sagrados (pornografia e manuais de sexo). O discurso da igreja oficial- especificamente o da ora­ção e das crónicas jesuíticas - é parodicamente invertido em forma e conteúdo. Há uma transferência específica e por ata­cado do plano ideal, elevado e espiritual para a realidade mate­rial e corporal da vida.

É deste modo que, apesar das limitações da opinião de Bakhtin sobre a paródia moderna, muitas das suas observa­ções teóricas sobre o carnaval primitivo são surpreendentemente adequadas e esclarecedoras em relação à situação estética e social contemporânea. Existem, talvez, razões históricas para esta rápida adaptabilidade. A metaficção contemporânea, como vimos, existe - tal como o carnaval - nessa fronteira entre a literatura e a vida, negando enquadramentos e ribaltas. Como tal, partilha do «novo sistema de performance>> do pós-modernismo (Bena­mou 1977, 6). Tanto a sua forma como o seu conteúdo podem operar subvertendo as estruturas autoritárias lógicas, formalis­tas. A abertura ambivalente da ficção contemporânea talvez sugira também que os mundos medieval e moderno podem não ser tão fundamentalmente diferentes como gostaríamos de pensar. As inversões carnavalescas de normas podiam muito bem ter uma fonte em comum com os desafios metaficcionais subversivos a convenções novelísticas: sentimentos de insegurança face quer à natureza, quer à ordem social. O medo é a emoção que mais contribui para o poder e a seriedade da cultura oficial, segundo Bakhtin. Vivemos hoje no medo das consequências do que os nossos antepassados designavam, sem ironia, por «progresso>>: urbanização, tecnologia, etc. Também nós desenvolvemos formas «festivas-populares>> como resposta a isto. Mas chama­mos à nossa cultura folclórica de hoje pop; Andy Warhol,

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os Rolling Stones ou o fenómeno punk assinalam o protesto urbano.

Contudo, existe hoje em dia uma divergência muito significa­tiva da visão que Bakhtin tem do mundo medieval: infelizmente, não testemunhámos - pelo menos por enquanto - aquilo a que o marxista utópico Bakhtin chamava a «Vitória do povo>> e o renas­cimento de uma nova «imortalidade» popular (1968, 256). Ao invés, a nossa cultura pop, não obstante toda a sua reconhe­cida vitalidade, continua a parecer representar a nossa crescente alienação. Romancistas e poetas como Leonard Cohen tornam-se deliberadamente cantores pop num a tentativa de chegar ao povo mas, mesmo assim, o pessimismo irónico vem substituir o uto­pismo optimista de Bakhtin. A sua visão positiva da ambivalên­cia e do carácter incompleto é muitas vezes negativada hoje, à medida que se transformam em anarquia e confusão.

Esta inversão irónica da perspectiva confiante de Bakhtin deve­ria actuar como aviso quanto às nossas tentativas de aplicar as suas teorias à cultura contemporânea. Temos de lembrar-nos de que os conceitos dele têm sempre raízes na História, na especi­ficidade de tempo e lugar. No entanto, ao discutir o caso parti­cular do carnaval medieval, Bakhtin parece ter desvendado o que creio constituir outro princípio subjacente a todo o discurso paró­dico: o paradoxo da sua transgressão autorizada das normas. Bakhtin descreve o carnaval subversivo como sendo realmente «consagrado pela tradição», quer social, quer eclesiástica (1968, 5). Portanto, embora este festival popular e as suas formas mani­festas existam fora de «formas cerimoniais e de culto oficiais, eclesiásticas, feudais e políticas sérias>> (5), ao serem assim, pos­tulam de facto essas mesmas normas. O reconhecimento do mundo invertido exige ainda um conhecimento da ordem do mundo que inverte e, em certo sentido, incorpora. A motivação e a forma do carnavalesco derivam ambas da autoridade: a segunda vida do carnaval só tem sentido em relação com a pri­meira vida oficial. Bakhtin escreve: <<Enquanto dura o carnaval, não existe qualquer outra vida fora dele>> (7). Talvez seja ver­dade; mas esse <<enquanto» é significativo. A igreja medieval pode ter tolerado, legalizado, talvez até preservado ou criado, as for­mas carnavalescas, mas fê-lo apenas por um espaço de tempo permitido. Segundo as palavras de Bakhtin: <<Por oposição à festa oficial, poder-se-ia dizer que o carnaval celebrava temporaria­mente a libertação da verdade prevalecente e da ordem estabe-

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lecida; marcava a suspensão de toda a classe hierárquica, privi­légios, normas e proibições» (10). De notar que Bakhtin fala em <<suspensão temporária» e não em destruição permanente das nor­mas <<prevalecentes>>. As inversões sociais (tais como a coroa­ção de loucos) e literárias paródicas eram ambas transgressões temporárias e o riso à custa delas <<era absolutamente não ofi­cial, mas, não obstante, legalizado>> (89). O disfarce paródico era utilizado para ocultar, não para destruir, a palavra sagrada (1978, 429): Bakhtin cita uma afirmação teológica do século xv que admite que <<permitimos a loucura em certos dias para que possamos mais tarde voltar com maior zelo ao serviço de Deus>> (1968, 75). Séculos depois, William Hone foi absolvido de acusa­ções de blasfémia (contra a sua paródia às Escrituras numa sátira política) com base em que não tinha, de facto, ridicularizado a Bíblia em nenhum sentido. A sua transgressão, por outras pala­vas, era autorizada num outro sentido ainda (Priestman 1980, 20).

Este paradoxo da subversão legalizada, embora não oficial, é característica de todo o discurso paródico na medida em que a paródia postula, como pré-requisito para a sua própria exis­tência, uma certa institucionalização estética que acarreta a acei­tação de formas e convenções estáveis e reconhecíveis. Estas funcionam como normas ou regras que podem ser- e logo, evi­dentemente, serão- quebradas. Ao texto paródico é concedida uma licença especial para transgredir os limites da convenção, mas, tal como no carnaval, só pode fazê-lo temporariamente e apenas dentro dos limites autorizados pelo texto parodiado -quer isto dizer, muito simplesmente, dentro dos limites ditados pela <<reconhecíbilidade>>. Muito embora Roland Barthes (1974, 45) tenha argumentado que qualquer multivalência textual era, de facto, uma transgressão de propriedade, foi esta qualidade par­ticularmente legitimada da multivalência paródica que o levou a denegrir a paródia como discurso <<clássico>>, a sua versão da consolidation de la lo i, de Kristeva ( 1969). (Em nome de Bakhtin, Kristeva procurou denegrir a paródia. Ela contrasta aquilo que vê como a teoria de Bakhtin de uma <<transgressão dando uma lei a si mesma>> com o princípio da literatura pará­dica de uma <<lei antecipando-se à sua própria transgressão>> (Kristeva 1980a, 71). Esta última frase é, no entanto, tão des­critiva da obra de Bakhtin como a primeira.

Mas a paródia também pode ser vista como uma força amea­çadora, anárquica até, que põe em questão a legitimidade de

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outros textos. Ela «desrealiza e destrona normas literárias» (Shlonsky 1966, 799). A outro nível, a apropriação (empréstimo ou plágio) da propriedade de outrem põe em questão o status aceite da arte como bem individualizado (Buchloh 1983, 191). Não obstante, as transgressões da paródia permanecem, em última análise, autorizadas- autorizadas pela própria norma que pro­cura subverter. Mesmo ao escarnecer a paródia reforça; em ter­mos formais, inscreve as convenções escarnecidas em si mesma, garantindo, consequentemente, a sua existência continuada. É neste sentido que a paródia é o guardião do legado artístico, definindo não só onde está a arte, mas de onde ela veio. Ser um guardião, todavia, como revelou a arquitectura pós-modernista, pode ser uma posição revolucionária; a questão é que não precisa de o ser.

O melhor modelo histórico deste processo paradoxal de trans­gressão autorizada na paródia poderia ser a peça satírica grega. Esta era apresentada após uma trilogia de tragédias, e essencial­mente reelaborava, em forma cómica, o material sério das três peças que a precediam. Esta peça satírica era, desta forma, legi­timada e tornada canónica como as próprias tragédias (Bakhtin 1978, 412). Da mesma forma, no contexto cristão, a autoridade por detrás da primitiva parodia sacra tinha uma força parti­cular, uma vez que a autoridade era a Palavra de Deus ou dos Seus representantes na terra. A paródia não é, pois, apenas repe­tição; a sua imitação acarreta sempre diferenciação (Ganette 1979, 84), e a sua autoridade legitimadora depende da sua anteriori­dade para obter o seu status. Foi esta conjunção de repetição e prioridade que levou aos esclarecimentos psicanalíticos da paródia e da imitação (Bloom 1973; Compagnom 1979, 395). A natu­reza da autoridade legitimadora na paródia é nitidamente um assunto complicado.

Por vezes, 'i:l obra parodiada é uma obra risível, pretensiosa, à espera que a esvaziem; mas, as mais das vezes, são as obras com muito êxito que inspiram paródias. Com frequência, o número de paródias atesta uma influência penetrante (Joseph­son 1975). Quinze paródias diferentes a L 'Assomoir, de Zola, foram levadas à cena nos primeiros oito meses de 1879, incluindo uma da autoria da próprio Zola (Morgan e Pages 1980). Nos séculos XVIII e XIX, paródias às óperas mais populares apare­ciam com frequência em palco, ao mesmo tempo que o original. Der Freischütz (1821), de W eber, foi parodiado em 1824 por

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Samiel, oder die Wunderpille. Esta paródia alemã foi traduzida para dinamarquês e sueco- indício óbvio da sua popularidade. No mesmo ano, uma paródia inglesa foi levada à cena em Edim­burgo, com o título «Der Freischütz», a new muse-sick-all and see-nick performance from the new German uproar. As óperas populares de Wagner pareceram especialmente propensas à paró­dia: Tannhiiuser (1845) foi retomada pelos franceses com o nome não muito subtil Ya-Mein-Herr, Cacophonie de l'Avenir, en 3 actes entr'acte mêlée de chants, de harpes et de chiens savants. O seu Tristan und !solde foi parodiado por Tristanderl und Süss­holde ainda antes de ser levada à cena (Rosenthal e Warrack 1964, 301-2). Para alguns críticos, a paródia faz com que o original perca em poder, pareça menos dominante; para outros, a paró­dia é a forma superior porque faz tudo o que o original faz - e mais ainda. Não há dúvida que este último tipo de audiên­cia ou leitor se deliciaria com a ópera do século XIX ou com a literatura da viragem do século da França ou da América con­temporânea, ao passo que os outros acham todo este discurso sobrecodificado um sinal de decadência.

Esta reacção contraditória não é, no entanto, apenas uma ques­tão de gosto pessoal. As suas raízes encontram-se na bidireccio­nalidade da legitimação da própria paródia. A pressuposição quer de uma lei, quer da sua transgressão, bifurca a pulsão da paró­dia: ela pode ser normativa e conservadora, como pode ser provocadora e revolucionária. A sua pulsão potencialmente con­servadora pode ser vista em ambos os extremos do âmbito de ethos, reverência e escárnio: a paródia pode sugerir uma <<cum­plicidade com a cultura elevada [ ... ] o que mais não é que uma maneira ilusoriamente improvisada de mostrar um profundo res­peito por valores clássicos nacionais» (Barthes 1972b, 119), como pode surgir como forma parasítica, escarnecendo da novidade, na esperança de precipitar a sua destruição (e, implicitamente, a sua própria também). Mas a paródia também pode, como o carnaval, desafiar as normas, com vista a renovar, a reformar. Na terminologia de Bakhtin, a paródia pode ser centrípeta- isto é, ter uma influência homogeneizante, hierarquizante. Mas tam­bém pode ser centrífuga, desnormativa. E julgo que é o para­doxo da sua transgressão autorizada que está na origem desta aparente contradição. A paródia é normativa na sua identifica­ção com o outro, mas é contestatária na sua necessidade edipiana de distinguir-se do outro anterior.

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Esta ambivalência, estabelecida entre repetição conservadora e diferença revolucionária, faz parte da própria essência para­doxal da paródia; assim, não é de surpreender que os críticos não se encontrem de acordo relativamente à intenção da paró­dia. Como vimos no capítulo anterior, existem muitas formas possíveis do ethos da paródia: pode pretender-se inocentemente reverente? Ridicularizadora? Didáctica? Memónica? Irônica? Aceita ou resiste ao outro? Seja como for, é evidente que o pró­prio acto de parodiar investe o outro, simultaneamente, de auto­ridade e de um valor de troca em relação às normas literárias. Estas normas são como normas sociais, no sentido de serem cons­truções humanas que constituem autoridade apenas para aqueles que as construíram ou, pelo menos, aceitaram como a priori. De Chaucer a Ben Jonson, passando pelos irmãos Smith oito­centistas, as paródias foram utilizadas na literatura inglesa com o meio de controlo dos excessos da moda literária; a escalada de formas vanguardistas, em particular, deu a estes escritores qualquer coisa sobre a qual exercitar o seu conservadorismo paró­dico. Disse-se já que a paródia inglesa do século XIX represen­tava «a aversão espirituosamente expressa do universitário pela arte que, ou em sentimento ou em técnica, se afasta demasiado da tradição cultivada da tribo» (Kitchin 1931, 298). É óbvio que as normas literárias dependem, até certo ponto, da homogenei­dade social e cultural. Isto é igualmente verdadeiro noutros sen­tidos. Muito embora a comédia tenha sido aceite outrora como forma literária eticamente responsável, os críticos ingleses oito­centistas (como Matthew Arnold), que achavam que a poesia transmitia uma mensagem ética, não condescendiam com a paró­dia, pois ela parecia subverter a dignidade da arte.

A pulsão conservadora da paródia levanta uma questão geral muito importante. Até que ponto podemos separar juízos literá­rios de juízos-sociais ou ideológicos projectados? Northrop Frye nega tal possibilidade:

Qualquer hierarquia de valores deliberadamente construída de que eu tenha conhecimento baseia-se numa analogia social, moral ou intelectual oculta. Isto aplica-se quer a ana­logia seja conservadora e romântica, como é em Arnold, quer seja radical, dando o lugar de topo à comédia, à sátira e aos valores da prosa e da razão, como em Bernard Shaw

(1970, 23)

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O facto de termos dificuldade em separar juízos de valor esté­ticos e ideológicos reflecte-se directamente nessa confusão taxo­nómica que vimos entre a paródia literária e a sátira social, confusão que persiste em muita da crítica literária (ver, por exem­plo, Rose 1979, 44-5). Bakhtin (1978, 414) tinha razão quando chamava a atenção para o facto de a paródia grega não funcio­nar com heróis e guerras, mas com a sua «heroicização>> literá­ria (épica ou trágica). Por outras palavras, as falhas, erros e absurdos que a paródia muitas vezes revela no seu conteúdo (ou nas implicações morais da sua forma) são satíricas. Se, na Cambridge do século XIX, a paródia, por vezes, se assemelhava a uma homenagem cavalheiresca, nos séculos anteriores mostrara-se igualmente uma potente arma política. A sátira e a paródia têm, como vimos, uma afinidade natural. Para utilizar os excelentes termos de Frye (1970, 229), excêntricos com ideias novas, ou convenções estabelecidas, inventadas por excêntricos mortos, for­necem alvos particularmente atraentes para a paródia literá­ria e a sátira social, quer separada, quer conjuntamente. Como exemplo, basta pensarmos numa peça musical popular como a versão rock de Jimi Hendrix de The Star-Spangled Banner. No contexto do protesto contra a guerra do Vietname, a modula­ção na canção de uma distorção paródica da glória mutilada do hino nacional americano para a melodia militar apropriadamente irónica de The Las Post» tinha uma intenção obviamente satírica.

Talvez não seja, pois, de surpreender que tenha havido uma estreita ligação histórica entre a censura política e a denigração da paródia. Como a sátira se serve muitas vezes de formas lite­rárias paródicas, a paródia é muitas vezes oficialmente triviali­zada para amordaçar a crítica subversiva da sua sátira (Rose 1979, 31-2, 169). Não pretendo, com isto, sugerir que a paródia seja apenas sátira literária ou artística: o âmbito de tom e intenção da paródia, como vimos no último capítulo, é, de longe, mais extenso do que semelhante visão permitiria. A paródia invoca antes uma distanciação crítica autoconsciente em relação ao outro que pode ser usada como um dos mecanismos retóricos para indi­car ao leitor que procure padrões ideais imanentes, ainda que indirectos, cujo desvio deve ser satiricamente condenado na obra. Em certo sendio, Nabokov tinha razão quando dizia: «A sátira é uma lição, a paródia é um jogo>> (1973, 75). A sátira não auto­riza, mas ridiculariza a transgressão de normas sociais, embora possa legitimar parodicamente normas literárias.

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Um bom exemplo seria o romance de Fielding 1 oseph Andrews, a que muitas vezes se tem chamado uma paródia à Pamela, de Richardson. Eu sugeriria, no entanto, que se trata de facto de uma paródia satírica a Pamela e uma paródia respeitosa a Don Quixote (o seu subtítulo é <<escrito à maneira de Cervantes>>). Tal como a sua outra obra, Shamela, o Joseph Andrews, de Fiel­ding, satiriza os pressupostos da classe média de Richardson. Ao alterar, por ligeiramente que seja, cada expressão ou situa­ção equívocas em Pamela, Fielding revela a vulgaridade da jovem que ele julga ser uma meretriz conivente. Claro que também é verdade que, ao parodiar um certo estilo de escrita, um autor como Swift pode satirizar os hábitos mentais e literários implí­citos nessa maneira. Rime o f Si r Thomas, de Chaucer, é uma paródia aos contos de cavalaria a metro, mas é igualmente uma sátira da instituição social por detrás do sistema da cavalaria. Nas primeiras obras de Jane Austen há uma tensão entre o desejo de exorcizar os clichés ingénuos da ficção sentimental <<das mulhe­res>> e a sua relutância ou incapacidade de o fazer. Susan Gubar argumentou que a melhor via para Austen inculpar a patriarquia literária e social era parecer inofensiva. Por exemplo, em Northanger Abbey (A Abadia de Northanger), Austen parodia as convenções góticas, apoiando-se, não obstante, nelas para a forma que dá ao seu romance. Como resultado , consegue rein­vestir o <<gótico feminino>> de autoridade derivada da interacção da paródia com a sátira: a verdadeira causa da reclusão das mulhe­res não são os muros ou a dependência financeira, mas uma edu­cação errada - uma lição que a Isabella de Wuthering Heights (O Monte dos Vendavais), de Emily Bronte, ilustra tragicamente (Gilbert e Gubar 1979, 123-35, 288). A sátira tende a defender normas; ridiculariza para levar o desvio a concordar- ou costu­mava fazê-lo. O <<humor negro>>, a forma mais comum de sátira, hoje em dia, parece a muita gente ser um humor defensivo, de choque, um humor de normas perdidas, de desorientação, de con­fiança perdida (Dooley 1971).

O problema, aqui, reside no facto de um escritor, para pôr em questão normas literárias ou sociais, ter de ser capaz de assu­mir uma certa homogeneidade cultural, como veremos mais deta­lhadamente no capítulo seguinte. No entanto, deste requisito emana o facto de algumas paródias e a maior parte das sátiras poderem ser <<datadas>> mais ou menos rapidamente. Tanto as inter-relações dos dois géneros como as suas limitações históricas

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ou pontos de referência serão mais claros se observarmos um breve exemplo que obtém- na realidade, quase exige- as com­petências literárias e ideológicas de um leitor especificamente britânico. Idealmente, o leitor da paródia da autoria de Wendy Cope ao famoso Soneto 55 de Shakespeare deveria estar ciente não só das instituições sociais inglesas contemporâneas, como também do facto literário de os sonetos de Shakespeare serem já por si paródicos em relação às tradições petrarquiana e clás­sica. Recordemos o soneto 55:

Not marble, no r the gilded monuments Of princes, shall outlive this powerful rhyme; But you shall shine more bright in these contents Than unswept stone, besmeared with sluttish time. When wasteful war shall statues overturn, And broils root out the work of masonry, Nor Mars his sword nor war's quick fire shall burn The living record of your memory. «Gainst death and all-oblivious enmity Shall you pace forth; your praise shall still find room Even in the eyes of all posterity That wear this world out to the ending doom. So, till the judgement that yourself arise, You tive in this, and dwell in lovers» eyes.

A paródia de Cope diz:

Not only marble, but the plastic toys From cornjlakes packets will outlive this rhyme: I can 't immortalize you, love - our joys Will lie unnoticed in the vault oftime. When Mrs Thatcher has been cast in bronze And her administration is a page In some O-leve! text book, when the dons Have analysed the story of our age, When trave! firms sell tours of outer space And aeroplanes take off without a sound And Tulse Hill has become a trendy place And upper Norwood's on the underground Your beauty and my name will be forgotten My love is true, but all my verse is rotten.

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A interacção particular do satírico e social com o paródico e literário neste breve exemplo é paradigmático. Marshall McLuhan também notou que, quando «Dryden traçou um para­lelo com a narrativa do Antigo Testamento do Rei David e Absa­lão no seu Absalom and Achitopel estava a criar um paralelo entre o contemporâneo e o passado que emprestava grande força à crí­tica política do presente>> (McLuhan e W atson 1970, 168-9). A epopeia cómica neoclássica é de facto, em geral, exactamente esta remodelação de formas épicas para fins satíricos - dirigi­dos, contudo, não contra o modelo épico, mas contra os costu­mes ou a política contemporâneos.

Passar destes exemplos de conservadorismo potencial da paró­dia para a situação criada pela metaficção contemporânea é como achar que hoje nos encontramos naquilo a que Robert Scholes ( 1969, 269) chamou «uma linha divisória ideológica>>, compará­vel à do final do período favorito de Bakhtin, o fim da Idade Média e início da Renascença. Mas essa anterior confiança ( con­servadora?) nos modos humanos de conhecer, compreender, controlar-se - e até sobreviver - parece faltar hoje em dia. Jun­tamente com isto, desapareceu a nossa capacidade ou boa von­tade para estabelecer, com qualquer certeza, hierarquias de valor, quer estéticas, quer sociais. O «elitismo>> que caracterizou, nes­tes dois níveis, o modernismo literário - o seu respeito pela forma e construção, e também pela razão e pela <<verdade>> psicológica -foi desafiado pela literatura pós-modernista. O valor conserva­dor do controlo cedeu o passo àquilo que alguns acham ser anar­quia e acaso (Hoffmann, Hornung, Kunow 1977).

Por certo que uma das formas mais manifestas da contestação paródica ao «elitismo>> modernista, ou melhor, ao academismo tem sido a tentativa, por parte da ficção recente, de destruir a separação arnoldiana oitocentista entre alta e baixa cultura, res­tituindo à literatura «Uma consciência do teor e (função) sexual, racial e de classe de toda a arte>> (Pütz 1973, 233). O potencial hiato social e intelectual entre autor e leitor é supostamente trans­posto, ou pelo menos reduzido, por um romance que admite aber­tamente que só existe na medida em que (e enquanto) é lido, e que deve ser lido contra um cenário cultural acessível (porque textualmente incorporado). Típico desta nova espécie de ficção auto-reflexiva alta/baixa é a obra paródica de Tom Robbins. Há duas epígrafes ao seu Even Cowgirls Get the Blues, uma de William Blake e outra de Roy Rogers. Se, actualmente, é porque

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as artes populares se interiorizaram, incorporadas nas formas sérias, democratizando as hierarquias inspiradas nas classes de uma época anterior. Neste sentido, podemos estar, na realidade, a testemunhar uma variedade da (ou variação sobre a) inversão paródica carnavalesca de Bakhtin e o triunfo do povo.

O romance de hoje tem sido uma entre muitas formas de arte que se viraram para a arte e a cultura populares tendo como objectivo esta democratização e potencial revitalização. Isto não é de surpreender, uma vez que o próprio romance foi uma das primeiras formas <<classe média>> ou (em termos setecentistas) populares da literatura. Tal como as formas folclóricos festivo­-populares>> da Idade Média e da Renascença que Bakhtin refere, as formas da arte pop utilizadas na ficção contemporânea são parodicamente subversivas dos conceitos elitistas, <<superiores>>, da literatura: deparam-se-nos livros de quadradinhos, filmes de Hollywood, canções populares, pornografia, etc., que são utili­zados parodicamente no romance de hoje. No entanto, pode dizer­-se que estas transgressões de normas literárias e sociais, apesar de toda a sua sugestão revolucionária, permanecem legalizadas pela autoridade, tal como a música pop não é popularizado pelos jovens que a compram tanto quanto o é pelas autoridades que manipulam o seu consumo - os editores e peritos de marketing de Nova Iorque (que pré-censura e mercadejam simultaneamente), companhias editoras multinacionais e até estações de rádio comerciais.

O romance contemporâneo que incorpora parodicamente for­mas de arte, altas e baixas, é outra variante daquilo que Bakhtin apreciava na ficção: o dialógico ou polifónico. Tom Robbins inverte as convenções literárias e sociais do género westem popu­lar para nos dar o Rubber Rose Ranch (<<O maior rancho só de mulheres do Oeste>>), um índio citadino de Nova Iorque e um con­ceito muito pouco casto e muito pouco viril de amor (cowgirliano) como jogo sexual lésbico. Da mesma forma, a relação (de celi­bato) entre o cowboy e o seu cavalo que se encontra na medula do westem heróico é subvertido na paródia de Robert Kroetsch, em The Studhorse Man, pela obsessão de Hazard Lepage pela fertilidade equina. A incorporação operada por Margaret Atwood, em Lady Oracle, das estruturas e convenções tanto da <<peça his­tórica gótica>> ou romance popular, como do verso moderno, sério, hermético, funciona praticamente da mesma maneira que a paró­dia bakhtiniana na sua motivação e forma, na sua subversão auto-

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rizada de normas sociais e literárias. O mesmo se pode dizer da utilização por Hubert Aquin da estrutura do thriller de espiona­gem popular em Prochain Episode. Borges, Robe-Grillet e Nabo­kov são apenas alguns dos que se servem de versões paródicas das estruturas do conto policial: Calvino, Carpentier e outros servem-se dos modos da fantasia e da ficção científica. Outra forma que actua como frequente modelo paródico é a da porno­grafia, uma arte popular (de várias espécies) que põe os críticos ainda menos à vontade, muito embora seja precisamente esta forma erótica que as intuições de Bakhtin sobre a valorização carnavalesca do <<estrato inferior corporal material>> iluminam melhor (Hutcheon 1983, 88-92).

São, todas elas, formas altamente convencionalizadas que se transformam em modelos, ou abertos ou disfarçados, dentro de obras metaficcionais, modelos que actuam como clichés narra­tivos que assinalam ao leitor a presença da autorepresentação tex­tual. Embora a paródia afirme claramente esta espécie de auto-reflexividade estética, não se trata do único mecanismo de auto-referencialidade actual. Há o perigo de utilizar a paródia como paradigma de auto-reflexividade, como vimos no primeiro capítulo com Parodyi/Metafiction, de Margaret Rose (1979). Ela foi, obviamente, influenciada por Bakhtin que achava que a forma polifónica do romance diferia da epopeia monológica na sua rejeição aberta de qualquer pretensão de autoridade ou carácter absoluto de sentido ou linguagem. É verdade que o romance autoconsciente de hoje faz o que a paródia sempre teve o potencial para fazer: isto é, segundo as palavras de um roman­cista, <<deslocar, estimular e reincorporar a sua crítia- reuni-la, literalmente, à nossa experiência do texto» (Sukenick 1975, 430). A moderna metaficção é simultaneamente dialógica e verdadei­ramente paródica num grau maior e mais explícito do que Bakhtin poderia ter reconhecido. Tal como acontece com o seu apreciado Don Quixote, a ficção auto-referencial de hoje tem o potencial pa:ra ser uma <<autocrítica» do discurso na sua relação com a realidade. Ao dizer isto, temos de lembrar-nos, mais uma vez, de que não existe, não obstante, qualquer correlação neces­sária entre autocrítica e mudança ideológica radical.

Todavia, tal como o século XVI, o período pós-moderno tem testemunhado uma proliferação da paródia como um dos modos de auto-referência estética positiva, bem como de escárnio con­servador. Talvez a paródia possa florescer hoje por vivermos

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num mundo tecnológico em que a cultura substituíu a natureza como tema da arte (Hughes 1980, 324). Uma das coisas que estes dois períodos largamente separados têm em comum, conforme sugeri antes, é o sentido da instabilidade ideológica, de um desafio às normas. Mas a paródia de hoje pode ser simultaneamente pro­gressiva e regressiva (Schlonsky 1966, 801). Bakhtin achava que a paródia primitiva preparava o caminho do romance, distan­ciando a linguagem da realidade, tornando aberto o artíficio que, de facto, define toda a arte. O que lemos hoje nas obras desses metaficcionistas obsessivamente paródicos e enciclopédicos -de Jorge Luis Borges a Italo Calvino, de John Fowles a Umberto Eco - é o resultado lógico desta visão do engendramento do romance. Mas todas as suas transgressões paródicas se mantêm legitimadas, autorizadas pelo próprio acto de inscreverem o texto parodiado que lhes serve de fundo, ainda que com distanciação crítica de vários graus.

O que acontece quando ocorre uma transgressão não autori­zada? Suspeito que ela teria de ir além do jogo interlinguístico e intertextual da Ada, de Nabokov. Talvez começasse com qual­quer coisa deste género: riverrun, past Eve and Adam 's, from swerve to shore to bend ofbay, brings us by a commodius vicus of recirculation back to Howth Castle and Environs (Joyce 1959, 3). Finnegans Wake, de Joyce, é mais que um simples extremo da paródia ou da auto-reflexibilidade. Não é apenas uma distorção. Penso que, aqui, chegámos o mais perto da subversão total que é possível, dentro dos limites flexíveis da compreensão. Não se trata de inversão legítima temporária; está mais próximo da per­versão permanente - que visa a conversão. A last word in stolen telling, de Joyce, poderia então soar deste modo: A way a fone a last a loved a long the ... riverrun past Eve and Adam 's ...

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CODIFICAÇÃO E DESCODIFICAÇÃO: OS CÓDIGOS COMUNS DA PARÓDIA

Todo o escritor cria os seus próprios precursores. A sua obra modifica a nossa concepção do passado, tal como modificará o futuro.

Jorge Luis Borges

Residirá a paródia no olhar do observador? A acentuação dada à pragmática da paródia, bem como às suas propriedades formais, terá talvez sugerido que assim é. O reconhecimento e interpreta­ção da paródia são, obviamente, centrais a qualquer descrição das suas funções. Não constituem, contudo, toda a história. No último capítulo, a questão da intenção codificada foi indirectamente intro­duzida, através do conceito de transgressão de normas. Poder-se-ia argumentar que, se não houve um desenvolvimento satisfatório de uma teoria da paródia até aqui, foi por não existir, hoje em dia, uma estrutura teórica adequada para tratar desse processo de pro­dução textual ou codificação da paródia. Talvez tenha chegado o momento de repensar o nosso anti-romantismo modernista.

Apesar do facto de a maior parte dos nossos modelos esque­máticos para comunicação - de Jakobson (1960) a Chatman (1979) e Eco (1979) - darem a posição inicial da prioridade,

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à esquerda no diagrama, ao transmissor ou codificado r, prosse­guindo depois, através do texto, para o receptor, à direita, parece que temos hoje uma dificuldade considerável, na esteira do estru­turalismo e do pós-estruturalismo, em que discutir os produto­res de textos. No entanto, quando chamamos a alguma coisa uma paródia, postulamos alguma intenção codificadora que lance um olhar crítico e diferenciador ao passado artístico, uma intenção que nós, como leitores, inferimos então, a partir da sua inscri­ção (disfarçada ou aberta) no texto. Com reacção uma ênfase romântica no criador originador (real), o formalismo crítico na literatura acabou por vir a falar apenas de autores implícitos, os autores implicados pelo texto. Todavia, o texto pode impli­car o que lhe aprouver, e o leitor pode não <<apanhar>>, mesmo assim, a implicação. Por esta razão, talvez seja mais verdadeiro para a nossa experiência de leitura da paródia falar do codifica­dor inferido e do processo de codificação. Mas esta manobra de desvio não nos isenta ainda de ter de tratar do produtor textual da paródia, ainda que inferido por nós, como leitores.

A questão a ser considerada antes de o fazermos, no entanto, é a questão um tanto mais vasta do porquê de optarmos por não discutir o acto de produção na crítica actual, do porquê de o con­siderarmos <<antiquado» como conceito crítico dentro do nosso presente «modelo discursivo». Este último termo é uma revisão de uma noção foucaultiana, avançada por Timothy Reiss no seu livro, lhe Discourse of Modernism (1982): em qualquer dado tempo ou lugar uma teoria discursiva é dominante e, dessa forma, <<fornece as ferramentas conceptuais que tornam a maioria das práticas humanas significativas» (11). Contudo, este modelo teó­rico prevalecente é igualmente acompanhado por uma prática forte, mas oculta, uma prática que gradualmente subverte o modelo, revelando na teoria tais contradições internas em con­flito que certas formas da própria prática começam a tornar-se ferramentas de análise. A teoria dominante desde o século XVII, argumenta Reiss, tem sido variadamente designada por positi­vista, capitalista, experimentalista, historicista ou moderna; Reiss chama-lhe analítico-referencial. A sua prática suprimida é a do <<sujeito enunciador enquanto actividade discursiva» (42). Este é o contexto mais vasto que está em posição de oferecer uma explicação da razão por que as teorias da paródia têm sido entra­vadas pela falta de uma teoria da produção. Segundo Reiss, a ciência, a filosofia e a arte têm trabalhado todas no sentido

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da ocultação do acto e responsabilidade da enunciação (énon­ciation); todavia, as três estão agora também a tornar-se o local de onde surge essa mesma prática e a sua recente subversão das noções de objectividade, de transparência linguística e até da con­cepção do sujeito. As formas de arte paródica de hoje são uma dessas fontes de subversão.

A paródia é uma das técnicas de auto-referencialidade por meio das quais a arte revela a sua consciência da natureza do sentido como dependente do contexto, da importância da significação das circunstâncias que rodeiam qualquer elocução. Mas qualquer situação discursiva, e não apenas uma situação paródica, inclui um emissor enunciado r e codificado r, bem como um receptor do texto. No entanto, em nome, simultaneamente, da universa­lidade e objectividade científicas, do realismo novelístico e do anti-romantismo crítico, é essa entidade enunciadora que Reiss dá como suprimida -quer como sujeito individual, quer até como o produtor inferido do texto. O criador romântico, como fonte originadora e original de sentido, pode muito bem estar morto, como Barthes defendia há anos (1972a, 7-8), mas a posição do criador - uma posição de autoridade discursiva - mantém-se e é, cada vez mais, o centro autoconsciente de grande parte da arte contemporânea. No meio de um destronar geral da autori­dade pela descentralização de tudo, desde o cogito transcendente à economia e aos instintos, a paródia mostra-nos que há necessi­dade de voltar a olhar para os poderes interactivos envolvidos na produção e recepção de textos. A posição de autoridade mantém­-se, como vimos no último capítulo, e mantém-se para subverter as noções de objectividade e naturalidade na arte, tal como faz, actualmente, na «ciência pós-moderna» (Toulmin 1982).

Mais uma vez, é a metaficção contemporânea que nos fornece os exemplos mais claros de investigações actuais destes poderes interactivos. Aqui, a paródia é frequentemente unida a vozes nar­rativas manipuladoras, abertamente dirigidas a um receptor ins­crito, ou manobrando disfarçadamente o leitor para uma posição desejada, a partir da qual o sentido pretendido (reconhecimento e, depois, interpretação da paródia, por exemplo) podem apare­cer, como que em forma anamórfica. O que é interessante é que esta autoconsciência, quase didáctica, acerca do acto total de enunciação (a produção e recepção de um texto) levou apenas, em grande parte da crítica corrente, à valorização do leitor. É verdade que isto assinala uma reacção previsível, quer contra

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o intencionalismo romântico (centrado no autor), quer contra o formalismo modernista (centrado no texto). Mas as formas pará­dicas ubíquas da metaficção de hoje exigem um contexto enun­ciativo mais amplo.

Ao discutir a liberdade e a restrição no processo de leitura, Jonathan Culler afirma que <<Sempre hão-de haver dualismos: um intérprete e qualquer coisa para interpretar» (1982, 75). Mas a paródia ensina-nos que os dualismos não bastam. Isto não quer dizer que tenhamos de regressar a um interesse romântico pela intenção extratextual do criador endeusado; trata-se mais de uma questão de inferir as actividades de um agente codificador. Deixar de acreditar no produtor textual enquanto pessoa é o pri­meiro passo para restaurar a integralidade do acto de enuncia­ção: conheceríamos então um autor apenas como uma posição a ser preenchida dentro do texto, por outras palavras, como infe­rido por nós, enquanto leitores. Usar os termos <<produtor>> e «receptor>> de um texto é, pois, não falar de sujeitos individuais, mas daquilo a que poderíamos chamar <<posições do sujeito>> (Eagleton 1983, 119), que não são extratextuais, mas antes fac­tores constitutivos essenciais do texto, e do texto paródico em particular (ver Eco 1979, 10-11). O mito romântico é deixado em repouso; o <<escritor pensa menos em escrever originalmente, e mais em reescrever. A imagem da escrita muda de inscrição original para a escrita paralela>> (Said 1983, 135)- uma mudança atestada pelas estruturas paródicas da metaficção de hoje. Por outras palavras, a posição do produtor textual, banido pelo anti­-romantismo modernista, foi restabelecida e eu argumentaria que a omnipresença das formas paródicas na arte de hoje teve o seu papel neste restabelecimento, como o teve a nova acentuação na perfornance, através da qual <<Sinais da presença do artista são exigidos na obra publicada» (Rothenberg 1977, 14).

Teóricos como Reiss e Foucault começaram, finalmente, acha­mar a nossa atenção para a enunciação, em toda a sua complexi­dade: para eles, é um acto condicionado pela operação de certas modalidades ou leis, incluindo o status e posição do enuncia­dor, <<Um espaço vago particular que pode, de facto, ser ocupado por diferentes indivíduos>> (Foucault 1972, 96). No entanto, muita da teoria e da crítica actuais que tratam da paródia optam por continuar a ignorar esta posição, e fazem-no geralmente em nome da intertextualidade. Quando Julia Kristeva (1969) forjou o termo, observou que havia três elementos envolvidos, além

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do texto a ser considerado: o autor, o leitor e os outros textos exteriores. Estes elementos encontravam-se dispostos ao longo de dois eixos: um horizontal, do diálogo do autor com o seu lei­tor potencial, e um vertical que relaciona o texto em si com os outros textos. Este arranjo é muito claro; possivelmente, con­tudo, é demasiado claro, demasiado esquemático, para ser ver­dadeiro em relação à experiência real da leitura. O diálogo intertextual não é, antes, um diálogo entre o leitor e a sua memória de outros textos, conforme são evocados pelo texto em questão? O papel do autor em quaisquer discussões subsequentes da inter­textualidade foi, certamente, suprimido, mesmo no trabalho feito sobre a paródia. Como o trabalho de Michael Riffaterre tornou claro, a partir da perspectiva de qualquer teoria da intertextuali­dade, a experiência da literatura consiste apenas num texto, num leitor e nas suas reacções, que tomam a forma de sistemas de palavras, agrupados associativamente no espírito do leitor. Dois textos poderiam, pois, partilhar estes sistemas sem serem codi­ficados parodicamente; o local da apropriação textual reside aqui no leitor, e não no autor, real ou inferido. Um intertexto não seria, pois, necessariamente o mesmo que um texto parodiado; ele é <<O corpo de textos que o leitor pode, legitimamente, rela­cionar com aquele que tem diante dos olhos, isto é, os textos que aquilo que está a ler lhe recordam» (Riffaterre 1980a, 626).

Muitas das teorias dirigidas para o leitor têm uma dupla orien­tação (leitor/texto) semelhante, mesmo que os que tratam da auto­ridade interpretativa (Fish 1980). As intenções tornam-se <<formas de comportamento convencionais que hão-de ser convencional­mente <<lidas>>» (Fish 1982, 213). Mas até Stanley Fish admite que não pode compreender um texto independentemente da inten­ção, isto é, da <<pressuposição de que se está a lidar com marcas ou sons produzidos por um ser intencional, um ser situado nal­gum empreendimento em relação ao qual tem um objectivo ou um ponto de vista>> (213). Como vimos em capítulos anteriores, o texto paródico que incorpora formalmente o seu material paro-

. diado e cujo ethos pragmático é assinalado pelas suas estraté­gias retóricas, exige que qualquer teoria que pretenda ter em conta a sua complexidade deve tratar igualmente da posição e poder do agente enunciador, do produtor da paródia. Não precisamos de recorrer a uma visão hirscheana do sentido do autor real (Hirsch 1967), a visão atacada numa encarnação anterior como «falácia intencional>> por Wimsatt e Beardsley (Wimsatt 1967);

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bastaria situar os actos intencionais inscritos no texto. A paró­dia, em geral, funciona como o índice e comentário de Pale Fire, de N abokov, a lista de plagiarismos em Lanark, de Alasdair Gray, ou as notas de rodapé paródicas de Tom J ones, Tristram Shandy ou a décima secção de Finnegans Wake, de Joyce (Benstock 1983; Kenner 1964, 39-40): a voz dupla em contraponto chama a aten­ção para a presença das posições quer do autor quer do leitor dentro do texto e para o poder manipulador de uma certa espé­cie de «autoridade>>. A posição, como sujeito, do produtor da paródia é a de um agente controlador cujas acções tomam em consideração a evidência textual: em certo sentido, trata-se de uma construção hermenêutica hipotética, inferida ou «postulada>> (Nehemas 1981) pelo leitor a partir da inscrição do texto. Mas que acontece se o leitor «lê mal>> a intenção? E se não per­cebe a paródia ou a substitui por uma cadeia intertextual de ecos derivados da sua própria leitura? Poderá o produtor da paródia, hoje em dia, pressupor suficientes conhecimentos culturais por parte da audiência que tornem a paródia mais do que um gênero literário actualmente limitado ou, como alguns diriam, elitista?

Os escritores literários sempre se viraram para os textos do passado, mas nem sempre tiveram de ser tão didácticos e aber­tos como, digamos, John Fowles em The French Lieutenant 's Woman. A prática clássica de citar as grandes obras do passado visava tomar de empréstimo parte do seu prestígio e autoridade mas, para que isto acontecesse, partia igualmente do princípio de que o leitor reconheceria os modelos literários interiorizados e colaboraria no complementar do circuito da comunicação -de uma <<memória erudita>> (leamed memory, memoria dotta) para outra (Conte 1974, 10). O mesmo era provavelmente verdadeiro acerca das revivências renascentistas desta prática ou da utiliza­ção de Virgílio por Dante, por exemplo. Destinava-se a mostrar o respeito que o poeta sentia e o conhecimento que possuía da tradição dentro da qual operava, mas dependia também da com­petência do leitor para reconhecer as novas possibilidades que Dante acrescentara, na sua redistribuição particular desses ele­mentos formais tradicionais (Contini 1970, 372-90). Tanto para autores, como para leitores, o passado representava o que Paul Zumthor designou por um continuum mémoriel, um conhecimento implícito e comum, exterior ao discurso individual de qualquer artista (1976, 320). A julgar pela abertura de muitas das nossas formas de arte contemporâneas, semelhante contínuo talvez não

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possa já ser pressuposto nestes dias de educação democratizada (mas, talvez, necessariamente menos particularizada e uniforme).

Com qualquer mudança na audiência da arte, poderemos tal­vez postular uma mudança paralela nas expectativas dos que pro­duzem a paródia. Onde encontrar, hoje, todavia, este equilíbrio de poder? Quem detém o controlo de quem? O autor é uma figura elitista que exige um leitor sofisticado? Ou o leitor inferido é, em última ap.álise aquele que detém o poder, o poder de ignorar ou interpretar mal as intenções do parodista? Como observou W olfang Iser, logo que nos ocupamos dos efeitos de um texto (os efeitos do escárnio irônico, avaliador, da reverência, etc.), bem como do seu sentido, estamos a tratar de uma utilização prag­mática de sinais que «envolvem sempre alguma espécie de mani­pulação, já que deve ser obtida uma resposta do recipiente dos sinais>> (1978, 54). Se a resposta desejada é uma reacção ao reco­nhecimento e interpretação da paródia, então o produtor do texto deve guiar e controlar a compreensão do leitor. Fazê-lo tão aber­tamente, como o faz grande parte da ficção auto-reflexiva con­temporânea não equivale necessariamente a constranger mais o leitor do que tácticas mais disfarçadas constrangeriam. Como nos ensinou Wayne Booth (1961) há anos, todos os escritores têm uma retórica; a sua única escolha reside naquela que utili­zam. Com efeito, como veremos já de seguida, poder-se-ia argu­mentar que a melhor maneira de desmistificar o poder é revelá-lo em toda a sua arbitrariedade.

Tome-se, por exemplo, a abertura de um romance recente:

Você está prestes a começar a ler o novo romance de ltalo Calvino, Se Numa Noite de Inverno um Viajante. Descontraia-se. Concentre-se. Afaste qualquer outro pen­samento. Deixe que o mundo à sua volta se esfume. É melho! fechar a porta; a televisão está sempre ligada no quarto ao lado

(1981, 3)

É-nos dito que nos sentemos confortavelmente e nos prepare­mos para ler. O «VOCê>> a que o narrador se dirige é, supomos, nós. Claro que esta suposição, como muitas outras, acabará por se mostrar falsa, ou antes, falsa até certo ponto, pois «Você>> toma-se também uma personagem (um leitor masculino) nesta divertida paródia à história de amor padronizada. A aberta manipulação

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por Calvino dos leitores (nós e ele) demonstra alegoricamente a presença e poder da posição autoria!, apesar de o seu carácter óbvio e de a nossa compreensão dos diferentes leitores envolvi­dos funcionar contra esse poder, pondo-o em questão. As obser­vações directivas do narrador são equilibradas pela percepção, no capítulo 8, por parte da personagem do romancista, Silas Flan­nery, do carácter tirânico tanto da expectativa do leitor, como do controlo do leitor: tal como nós, ela (neste caso, definida­mente tematizada como um outro leitor feminino) pode optar por não ler, por interromper a leitura, por comprar outro livro, etc.

Mas que tipo de leitor é requerido pela totalidade deste com­plexo texto paródico que Calvino produziu? Não só ele escreve paródias estilísticas (e não imitações, pois a distância crítica iró­nica é evidente) a muitos tipos de narrativas, da erótica japo­nesa a Pasternak, como também parodia outros sistemas codificados (da teoria derridiana do traço e rasura à preocupa­ção barthesiana com o prazer ou jouissance do texto). Todo o romance é estruturado parodicamente com base nos géneros do conto policial e do thriller. O seu título recorda ironicamente esse outro livro que fornece muitos inícios de contos: as Mil e Uma Noites. A ironia está no facto de o texto anterior também ter finais; aqui, só ficamos com os primeiros capítulos de dife­rentes romances, cujos títulos constituem já por si uma narrativa:

Se numa noite de Inverno um viajante, às portas da cidade de Malbork, inclinando-se sobre a ravina abrupta sem medo de ventos ou vertigens, olha para baixo, para a sombra acolhe­dora, num entrecruzar de linhas que se enlaçam, num entre­cruzar de linhas que se interceptam, no tapete de folhas ilu­minadas pela Lua à volta de um túmulo vazio - que história espera, lá em baixo, o seu fim? - perguntará ele, ansioso por anuir a história.

(258)

A inclusão do título do romance do próprio Calvino, no iní­cio, implica todo o livro na paródia geral às convenções narrati­vas, as quais (a não ser que não demos por elas) são discutidas uma por uma pelos leitores na biblioteca, no décimo primeiro capítulo: «Acredita que cada história tem de ter princípio e fim? Nos tempos antigos uma história só podia acabar de duas manei­ras; depois de ter passado em todos os testes, o herói e a heroína

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casavam, ou então morriam» (259). Desnecessário será dizer que é dessa forma que o romance de Calvino termina, ou melhor, que é quase dessa forma que termina. As palavras finais reais são as do leitor narrativado para a sua mulher, o outro leitor: <<Só um momento, estou quase a acabar Se NullUl Noite de Inverno um Viajante, do Halo Calvino>> (260).

O leitor requerido por este romance é nitidamente um leitor bastante sofisticado, conquanto seja igulmente verdade que, dada a natureza directiva do texto, qualquer leitor teria forçosamente de aprender bastante com o texto em si para <<apanhar>> algumas das paródias, pelo menos. Os ecos paródicos de Flann O'Brien ou Borges ou de Nabokov podem escapar, mas muitos outros são muito mais abertos e a voz narrativa didáctica tem o cui­dado de assegurar que são compreendidos: a sua ,manipulação do leitor não termina nessa primeira página. Parece haver uma diferença de grau de fé na competência do leitor entre este romance e, por exemplo, Tristram Shandy, de Sterne. No texto do século XVIII, o narrador pode, com efeito, manejar verbal­mente o seu leitor, mas parece continuar a haver uma suposição tácita de que o leitor e narrador partilham um conjunto de valo­res e back-ground educacional (de forma que não há necessidade de traduzir línguas estrangeiras, por exemplo). Pouca desta fé parece existir hoje, dado o didactismo de grande parte da meta­ficção contemporânea, como é o caso de A Amante do Tenente Francês, de John Fowles. Há anos que os críticos se deliciam a apontar para os elementos paródicos existentes no texto, os ecos irónicos de Scott, George Eliot, Thackeray, Arnold, Dickens, Froude e Hardy. Mas o narrador moderno desta história vito­riana é o próprio a apontá-lo respeitosamente, juntamente com referências a Cervantes, Proust, Brecht, Ronsard, Flaubert, Mil­ton, Radclyffe Hall, Catulo, Jane Austen, Arnold, Goethe, Dana, Tennyson e Dickens. Se há jogos literários a ser jogados com o leitor deste romance, pelo menos as regras do jogo são revela­das muito claramente.

Fowles sempre trabalhou desta maneira aberta, imiscuindo o leitor dos seus romances. lhe Collector é abertamente uma dupla paródia irónica à ficção da própria geração de Fowles dos angry young men e A Tempestade, de Shakespeare, e os nomes das ersonagens são a nossa primeira pista: <<Ferdinand>> Clegg na realidade Caliban) e Miranda. lhe Magus é mais ou menos explicitamente construído sobre as formas parodiadas do

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Bildungsroman, o conto gótico, a pantomima teatral o psicodrama e a fantasia. É em The Ebony Tower que o carácter directo da voz narrativa de The French Lieutenant's Woman é substituído por uma alegoria temática da função da paródia. No título da história, como já vimos num capítulo anterior, apercebemo-nos de que há um artista que se está a servir da paródia para apoiar e aprofundar a sua pintura: «por detrás da modernidade de tan­tos dos elementos de superfície havia uma homenagem e uma espécie de <<torcer o nariz» a uma tradição muito antiga» (1974, 18). Trata-se, precisamente, do âmbito do ethos que tenho vindo a defender em relação a toda a paródia moderna.

Ao escrever uma paródia do romance vitoriano em The French Lieutenant's Woman, Fowles criou aquilo a que a Bakhtin cha­mou uma forma <<de voz dupla>> ou híbrida: não é um pastiche, nem uma imitação. É, na sua maior parte, o narrador moderno que impede a trivialização monológica do impulso imitativo. Num movimento semelhante ao da arquitectura pós-modernista, Fowles sugere que um dos modos artísticos anteriores podem surgir novas formas, formas que ensinarão o leitor a ler através das lentes dos livros. Muito embora mantendo todas as preocupações morais e sociais de James e da tradição do romance inglês, Fowles pode oferecer algo de novo. Na enchente de entrevistas e artigos que acompanharam o êxito comercial deste romance, Fowles com­parou frequentemente o seu tratamento do material paródico ao de obras que nos são hoje familiares: às reelaborações setecen­tistas por Stravinsky, à utilização de V elàsquez feita por Picasso e Bacon, à Sinfonia Clássica, de Prokofiev. Mas qual a função desta paródia, para além de manifestar o virtuosismo do artista?

Neste romance, o leitor é nitidamente dirigido, instruído até, pela voz narrativa (tal como no romance de Calvino) mas tam­bém pelas estruturas paródicas em si. Aqui, a paródia tem aquilo a que poderíamos até chamar uma função ideológica, pois seme­lhante retratamento das convenções do passado funciona de modo a dirigir o leitor para as preocupações morais e sociais do romance. O simples tema das mudanças ao longo de um século de evolução social e literária não seria particularmente interes­sante, mas Fowles não reclama qualquer superioridade moderna. Ele diz que trata de constantes humanas, e que as únicas mudan­ças são as do vocabulário e da metáfora. Não é, pois, a existên­cia desta aproximação temporal que é significativa, mas a sua função. É neste ponto que a paródia adquire dimensões que ultra-

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passam os limites literários do texto, tornando-se uma metáfora para contextos mais amplos: aos leitores deste romance nunca é permitido abster-se de reconhecerem a paródia ou de se julga­rem e questionarem a si mesmos (ao condenarem o mundo do romance como vitoriano e, logo, como uma coisa do passado). São obrigados a relacionar o passado com o presente - ao nível social e moral, bem como literário.

Existe, também, uma longa tradição na literatura paródica de colocar os leitores em posições delicadas e obrigá-los a abrir cami­nho por si mesmos. As regras, se o autor joga honestamente, encontram-se geralmente no próprio texto. Podem não ser tão aberta e didacticamente apresentadas como nas obras de Calvino e Fowles, mas os leitores podem inferir alguma intenção pará­dica uma vez que tenham percebido as marcas da presença codi­ficada do discurso «de orientação dupla>>. Claude Simon escreveu o seu romance, Triptyque (1973), depois de ter visto uma expo­sição de Francis Bacon, em Paris. Inspirado pela estruturação formal deste pintor da arte e pelo seu desafio à representação, Simon parece ter escolhido parodiar as convenções relaciona­das, nas novelísticas, da descrição. As coisas descritas nesta obra trocam, portanto, de identidade ontológica através do texto. O mesmo objecto seria o sujeito de uma narrativa, uma pintura, um cartaz, um filme, etc., de primeiro nível, mas tudo recon­tado num romance, claro. Perto do final do texto, uma persona­gem completa um puzzle da imagem com a qual o romance começa - uma alegoria do complexo e exigente acto de inter­pretação e reconhecimento da paródia interdiscursiva pelo leitor.

Muita da metaficção paródica actual trabalha deliberadamente no sentido ou de orientar ou de desorientar o leitor. Um dos efeitos de ambos os tipos de manobra é estabelecer aquilo que um crí­tico designa por uma «relação dialéctica entre identificação e dis­tância que con1>egue levar a audiência à contradição>> (Belsey 1980, 97). Tal como o Verfremdungseffekt, de Brecht, a paródia tra­balha no sentido de distanciar e, ao mesmo tempo, de envolver o leitor numa actividade hermenêutica participativa. Claro que há muitas maneiras de conseguir isto- da agressão à sedução. Por outras palavras, conseguir que sintamos que estamos a par­ticipar activamente na geração do sentido não é garantia de liber­dade; os manipuladores que nos fazem sentir no controlo não se acham menos presentes apesar da sua cuidadosa dissimula­ção. Alguns romancistas chegam a deliciar-se com este dis-

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farce: Severo Sarduy, como muitos dos escritores do nouveau nouveau roman francês, defende, por um lado, a expulsão do autor como centro único ou emissor omnipotente do texto, mas, por outro, tem o prazer de se vangloriar das armadilhas escondidas e <<mecanismos secretos>> codificados nas suas obras - alguns para os seus amigos, alguns apenas para ele mesmo (1972, 43). O mais notório destes autores é talvez Jean Ricardou, cuja produção crí­tica (ver, por exemplo, 1972) se dedica em grande parte a expli­car os seus próprios romances, romances cuja interpretação ele insiste ser apenas tarefa do leitor. Infelizmente, sem as pistas para os enigmas criptogramáticos - pistas fornecidas pelo pró­prio autor- semelhante tarefa torna-se quase impossível. Aqui, o autor está claramente a exercer um controlo, não só sobre o leitor, mas sobre o leitor, como crítico.

Mas até que ponto este controlo é real? Poderá qualquer leitor não optar por ignorar tais afirmações intencionais, por ignorar referências paródicas? Mas continuaríamos então a falar de paró­dia? Como todos os códigos (Eco 1979, 7), os códigos paródi­cos têm, afinal, de ser compartilhados para que a paródia seja compreendida como paródia. Quer a paródia se pretende sub­versara de cânones estabelecidos, quer força conservadora, quer vise elogiar ou humilhar (Yunck 1963, 30) o texto original, em qualquer dos casos, o leitor tem de o descodificar como paródia para que a intenção seja plenamente realizada. Os leitores são co-criadores activos do texto paródico de uma maneira mais explí­cita, e talvez mais complexa, do que os críticos da recepção da (reader-response) argumentam serem na leitura de todos os tex­tos. Conquanto toda a comunicação artística só possa ter lugar em virtude de acordos contratuais tácitos entre codificador e des­codificador, faz parte da estratégia particular tanto da paródia como da ironia que os seus actos de comunicação não possam ser considerados completos, a não ser que a intenção codifica­dora precisa seja realizada no reconhecimento do receptor. Por outras palavras, além dos códigos artísticos vulgares, os leito­res devem também reconhecer que o que estão a ler é uma paró­dia, até que ponto o é e de que tipo. Devem também, eviden­temente, conhecer o texto ou as convenções que estão a ser paro­diadas, para que a História seja lida como outra coisa que não qualquer peça de literatura- isto é, qualquer peça não paródica.

Isto torna-se claro a partir de um estudo conduzido por psicó­logos (Miller e Bacon 1971) que examinaram a reacção a uma

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paródia à Playboy, no Harvard Lampoon, em que o nu desdo­brável do centro era apresentado com as áreas bronzeadas e bran­cas do biquíni ao contrário. Os investigadores consideraram, no entanto, apenas duas coisas na determinação da resposta dos objectos da sua experiência: o seu conhecimento (a partir de obser­vação de experiência) dos padrões de bronzeamento e os resul­tados de um teste psicológico medido pelo que é conhecido por Escala de Dogmatismo, de Rokeach. A razão disto foi o seu desejo de estudar o reconhecimento da resposta ao humor paródico em termos de largueza ou estreiteza de espírito. Aquilo que não con­sideraram - mas deviam ter considerado - foi que os jovens estudantes observados poderiam não ter compreendido o que era a paródia como género ou que podiam não conhecer o código original (Playboy) suficientemente bem para reconhecer o humor pleno, tal como ele é. Na situação óptima, o sujeito sofisticado conheceria bem as obras que serviriam de fundo e dariam ori­gem a uma sobreposição de textos por mediação dessa obra paro­diada sobre o acto da visão ou da leitura. Este acto encontrar-se-ia em paralelo com a síntese do próprio parodista e completaria o circuito do sentido. É esta partilha de códigos ou coincidência de intenção e reconhecimento na paródia, bem como na ironia, que cria aquilo a que Booth chamou «comunidades amigáveis» (Booth 1974, 28) entre codificadores e descodificadores. O lei­tor ou observador obtém aquilo que um crítico designa por «Um incentivo extra>> ao prazer de completar a sua parte do circuito do sentido (Worchester 1940, 42). Isto, é claro, também deixa tanto a ironia como a paródia abertas a acusações do eHtismo -o grande ponto de ataque contra muita da metaficção actual.

Vimos que, se aos leitores escapa uma alusão paródica, limitar­-se-ão a ler o texto como qualquer outro: o ethos pragmático seria neutralizado pela recusa ou incapacidade de partilhar o código mútuo necessário que permitiria ao fenómeno surgir. Enquanto que «recusa>> sugere vontade e intenção, «incapacidade>> faz sur­gir a questão da competência do leitor. Tem sido defendido que a ironia requer do seu leitor uma competência tripla: linguística, retórica ou genérica e ideológica (Kerbrat-Orecchioni 1980, 116). A necessidade básica de competência linguística é mais que evi­dente no caso da ironia, em que o leitor tem de entender o que está implícito, bem como aquilo que é realmente afirmado. Seme­lhante sofisticação linguística seria como um dado pressuposto por um género como a paródia que empregasse a ironia como

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mecanismo retórico. A competência genérica ou retórica do lei­tor pressupõe um conhecimento das normas retóricas e literá­rias que permitem o reconhecimento do desvio a essas normas que constituem o cânone, a herança institucionalizada da língua e da literatura. Se o leitor não consegue reconhecer uma paródia como paródia (já por si uma convenção estética canónica) e como uma paródia a uma certa obra ou conjunto de normas (no todo ou em parte), então falta-lhe competência. Talvez seja por esta razão que a paródia é um género que, como vimos, parece florescer essen­cialmente em sociedades democráticas culturalmente sofisticadas. Deveremos recordar que pouco ou nenhum material paródico foi encontrado na literatura hebraica ou egípcia muito antiga, ao passo que ele floresceu obviamente na Grécia, nas peças satíricas e, ainda mais obviamente, nas comédias de Aristófanes.

O terceiro tipo de competência é o mais complexo e pode ser designado por ideológico, no sentido mais vasto da palavra. A paródia é frequentemente acusada de ser uma forma de dis­curso elitista, em grande parte porque a sua dimensão pragmá­tica implica que, pelo menos, parte do lugar do valor estético e sentido tem sido colocada na relação do leitor com o texto -por outras palavras, que a paródia existe potencialmente em pala­vra~ «de voz dupla>> (resultado de sobreposição textual) - mas é realizada ou actualizada apenas pelos leitores que preenchem certas condições requeridas, tais como capacidade ou treino. É neste sentido que existe uma competência ideológica, bem como genérica, implícita: nos termos de Todorov (1978a, 291), encontramo-nos no domínio do contexto paradigmático (e não sintagmático) do conhecimento partilhado pelos dois locutores e também pela sociedade a que pertencem. O leitor que não <<apa­nha>> a paródia é aquele cujas expectativas previstas são de alguma forma deficientes. Da paródia, como da ironia, pode, pois, dizer­-se qpe requerem um certo conjunto de valores institucionaliza­dos- tanto estéticos (genéricos), como sociais (ideológicos)­para ser compreendida ou até para existir. A situação interpre­tativa ou hermenêutica é uma situação baseada em normas acei­tes, mesmo que essas normas existam apenas para serem transgredidas, como vimos no último capítulo.

Ao codificar parodicamente um texto, os produtores devem pressupor tanto um conjunto de códigos cultural e linguístico comum, como a familiaridade do leitor com o texto parodiado; se o não fizerem, ou suspeitarem que não devem fazer essa pres-

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suposição, o que se nos depara são esses textos abertamente didác­ticos de Calvino e Fowles. Quando Carmela Perri (1978, 300) reescreve as regras ilocutivas de referência de John Searle (1969, 94-6), adequando-as ao acto de aludir, a primeira regra é que o autor da alusão e a sua audiência partilhem a mesma lingua­gem e tradição cultural. Como a paródia é uma forma de alusão irónica particular e complexa, a subsequente listagem que ela fez das fases do «efeito perlocutivo» da alusão sobre o leitor tam­bém tem interesse para nós. É dito que o leitor compreende a significação literal (não alusiva ou não paródica) daquilo que ela designa por indicador da alusão; reconhece-o, então, como um eco de uma fonte passada (intratextual ou intertextual), apercebe­-se de que é necessária a «Construção>>, e recorda-se, assim de aspectos da «compreensão>> do texto fonte que podem depois ser relacionados com o texto alusivo - ou paródico - de modo a completar o sentido do indicador (Perri 1978, 301). Esta descri­ção dos efeitos de uma alusão efectuada com êxito não toma, contudo, em consideração a resposta ao processo em si: o pra­zer do reconhecimento, o deleite na diferença crítica, ou, tal­vez, na inteligência de uma tal sobreposição de textos. É interessante que, nas muitas descrições que Bakhtin faz da exu­berância carnavalesca e dos seus modos paródicos, pouco sen­tido existe da inteligência e do humor. Uma das razões desta falha é, provavelmente, o populismo utopista de Bakhtin: é como se ele estivesse determinado a minimizar as características que pudessem sugerir exclusividade irónica ou elitismo erudito.

Muito embora eu tenha mencionado anteriormente o facto de não termos, hoje uma maneira coerente de tratar a produção tex­tual que satisfaça as necessidades de uma teoria da paródia, tam­bém não deixa de ser verdade que os críticos das formas de arte vanguardistas paródicas - e difíceis - escolhem com frequên­cia aquilo a ~ue um deles chama uma «concentração fenomeno­lógica nos processos mentais do artista>> (Butler 1980, 5). Há um regresso à intenção hirscheana para explicar a complexidade dos textos que são considerados. Desta perspectiva, Christopher Butler (1980, 115, 120-1) argumenta que, ao passo que todas as formas vanguardistas se pretendem elitistas por natureza e têm sido tradicionalmente província do antiburguês (pelo menos na Europa), os modos pós-modernistas particulares de hoje são mais eclécticos, igualitários e acessíveis. Sem dúvida que a paródia exige do parodista (real e inferido) muita perícia, saber, enten-

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dimento crítico e, muitas vezes, finura. Ele ou ela têm de ser <<enciclopédicos, eruditos, obsessivamente cultivados [ ... ] sobre­carregados com as ruínas do tempo, com lixo e refugo cultu­rais>> (Poirier 1968, 347). Mas também o leitor deve partilhar uma certa quantidade desta sofisticação, se não desta perícia, pois é o leitor que tem de efectuar a descodificação dos textos sobre­postos, por meio da sua competência genérica. Não se trata de uma questão (como na intertextualidade) de capacidade geral para invocar que se leu mas, é antes uma especificidade do texto ou convenções particulares que estão a ser parodiados. Para alguns artistas, semelhante confiança no leitor poderia ser interpretada como funcionamento de uma maneira quase terapêutica, como uma espécie de aposta no êxito de um acto de exorcismo artís­tico (Kennedy 1980). O acto paródico estrutural de incorpora­ção e síntese (cuja estratégia ou função para o leitor, recordemo-lo, é paradoxalmente de contraste ou separação iró­nicos) poderia ser visto como o meio de alguns escritores se liber­tarem de influências estilísticas, de dominarem e ultrapassarem um precursor influente: pensemos em L 'Affaire Lemoine, de Proust. A paródia seria, então, mais um modo a acrescentar ao catálogo de Harold Bloom de maneiras pelas quais os escritores modernos suportam a <<ansiedade da influência>> (Bloom 1973).

Muitos romancistas realistas tradicionais, por exemplo, pare­cem ter começado ou terminado as suas carreiras a escrever paró­dias irónicas: as melhores obras de Jane Austen começaram com Northanger Abbey e as de Flaubert com Bouvard et Pécuchet. Este fenómeno sugere uma necessidade, por parte do artista, de chegar a acordo nalgum ponto da sua carreira - ainda que ape­nas através da ironia - com as convenções literárias formais e com o passado. A paródia poderia, então, ser vista como um acto de emancipação: ironia e paródia podem actuar no sentido de assinalar distância e controlo no acto de codificação. Talvez fosse isto que o André Gide pretendia: a sua maior paródia à forma do romance é paradoxal e ironicamentea única das suas obras que ele rotulou de romance: Les Faux-Monnayeurs (Os Moedeiros-Falsos). Em As I Lay Dying (Na Minha Morte), Faulkner não se limitava a testar os limites técnicos do género do romance; estava também a chegar a acordo com o passado da literatura americana. A passagem em que Addie Bundren des­creve o seu caso com o reverendo Whitfield constitui um sinal para que o leitor veja as dramatis personae de The Scarlet

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Letter (A Letra Escarlate), de Hawthorne, vestidos de ironia moderna (ou aqui, despidos): Addie é uma Hester não castigada; Whitfield, como o seu nome sugere, o seu convenientemente arre­pendido Dimmesdale; a sua progénie adúltera é uma Jewel, não sendo uma Pearl. A exclamação egoísta de Addie de que «OS meus filhos foram só meus» nada tem da nobre integridade da recusa de Hester em denominar o seu amante e companheiro de pecado. A sátira mistura-se, aqui, com a paródia a desafiar as perspectivas morais modernas, e a conexão com o clássico anterior e também as diferenças significativas em relação a ele são os veículos literários para o ataque satírico.

No seu livro, Poetic Artifice: A Theory of Twentieth-Century Poetry (1978), Veronica Forrest-Thomson argumenta que o poeta do nosso século age como um mediador entre os códigos que normalmente reconhecemos e utilizamos e os que surgem de uma assimilação e transformação desses códigos ou linguagens (XIV). Através da paródia pode estabelecer-se um elo de ligação com a poesia do passado, um elo com um «mundo do discurso aceite» (81). Por outras palavras, um poeta como Eliot pode agir como <<media­dor tribal>>, recordando as formas e valores do passado sem as mudar; com efeito, o seu valor reside na sua capacidade de resis­tência, na sua qualidade inalterável. A paródia, em especial na forma reverente, torna-se, pois, uma forma de preservar a con­tinuidade na descontinuidade. A continuidade é aquilo a que cha­mámos o impulso conservador da paródia. Mas o seu posto, o 'esforço revolucionário defendido pelos formalistas russos, faz a sua aparição na forma da complexidade que deriva da «voz dupla>>, da incorporação paródica que leva à renovação através da síntese. Por outras palavras, os dois impulsos da paródia que estudámos separadamente no último capítulo podem ser agora vistos operando em conjunto no verso modernista e, diria, tam­bém na ficçã-o pós-modernista.

Também é, muitas vezes, possível inferir a partir de um texto paródico uma certa réplica competitiva, revitalizante, por parte do codificador, ao passo da sua arte. Fazendo conscientemente o que o tempo faz de forma mais lenta, a paródia pode distorcer as formas de arte, sintetizando a partir delas e do presente do · codificador uma nova forma - não sobrecarregada, mas enri­quecida, pelo passado. Em Il male oscuro, Giuseppe Berta apre­senta um narrador-escritor que parece, a princípio, funcionar como qualquer narrador que fosse (dentro da história) uma persa-

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nagem envolvida numa situação psicanalítica. Só muito mais adiante no livro é que este narrador, na qualidade de escritor, admite, autoconscientemente, que tudo o que alguma vez soube de psicanálise apreendeu-o com o romance de ltalo Svevo, A Consciência de Zeno, e com os próprios comentários de Svevo. A obra de Berto adopta e adapta temas e estruturas do romance anterior, mas o narrador esclarece que se apercebe de não poder repetir a obra de Svevo, ainda que partilhe os problemas de Zeno (psicológicos e literários). Em termos temáticos, é importante que o narrador seja «curado» da sua <<obscura doença» quando queima os primeiros capítulos do romance muito tradicional que escreveu. Nesse ponto, o romance de Berto tem, de terminar tam­bém: a nova forma paródica suplantou, literalmente, a antiga e a sua obra está agora completa também. De uma paródia tão extensiva como esta não se pode dizer que seja ocasional. Não é como as curtas peças na Punch ou no New Yorker; não envelhece mais depressa que outros géneros, porque incorpora literalmente (e didacticamente) e transcende dialéctica e ironi­camente o passado literário do parodista.

Este exemplo, tal como o dos romances de Fowles e Calvino que examinámos anteriormente, é absolutamente aberta nos seus ensinamentos ao leitor, e, como tal, é típica de grande parte da escrita pós-modernista. Os textos modernistas não aparecem, con­tudo, de forma tão acomodatícia, como vimos. A forma enig­mática e complexa da obra de Eliot, Pound, Yeats ou Mallarmé poderia sugerir uma preocupação menos directa pela acomoda­ção do leitor. Ou limitar-se-á a implicar uma maior confiança na competência do leitor do que aquela a que se podem entregar os escritores hoje em dia? Por certo que Dante podia pressupor mais, em relação ao seu pequeno número de leitores e à sua posi­ção dentro de uma cultura literária do que, por exemplo, Donne; e Donne, por seu turno, podia pressupor mais que Eliot. Mas talvez Elliot pudesse pressupor mais do que um romancista como Fowles, hoje em dia, pode ousar fazer. Talvez a nossa cultura actual, apesar de todos os seus aspectos de aldeia-global, careça, de facto, dessa coesão e estabilidade que Herman Meyer lamen­tava (1968, 20). É fácil demais virarmo-nos para os clichés do realismo de Eliot ou do fascismo de Pound para afirmar o seu elitismo, a sua nostalgia conservadora de um conjunto de nor­mais sociais e culturais. Mas também poderíamos facilmente argu­mentar que o processo de leitura de The Waste Land, de ter de

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recordar (ou aprender) as obras do passado a que o poema alude, é, em si, a maneira como a situação das zonas estéreis (<<waste lands>>) da nossa civilização será remediada. A paródia reverente e séria de Eliot à sua herança literária e cultural - apresentada de uma forma tão nova e inabitual para a maioria dos seus leito­res contemporâneos - poderia ser tomada como marcando a sua confiança última no leitor: uma confiança, se não na sua com­petência presente, pelo menos na vontade de trabalhar no sen­tido de adquirir uma vastidão e profundidade de cultura que tornasse a compreesão do texto possível. Esta é uma das manei­ras de inferir a intencionalidade desse poema, maneira que com­plica esta questão consideravelmente, uma vez que se pode considerar que o elitismo sugere menos uma falta de igualita­rismo democrático do que a fé numa capacidade de aprender, numa abertura aos ensinamentos da arte, sejam eles abertos ou disfarçados. Tal como em relação a Joyce e a Mann, pode dizer-se de Elliot que ele se serviu da paródia para capitalizar a partir do seu carácter duplo, <<para harmonizar, dentro da arte, os cis­mas correspondentes dentro da cultura>> (Kiremidjian 1969, 242). Tal como eles, podemos vê-lo a trabalhar para a continuidade de uma tradição cultural que garantisse uma certa comunidade de horizontes culturais, que actuasse como um <<esteio contra o resvalamento de centros de crença>> (Benamou 1977, 4). Na arte pós-modernista, esta função cooptante da paródia pode mudar, mas a sua forma mantém-se, activando no leitor ou espectador essa participação colectiva que permite que qualquer coisa mais próxima da <<performance>> activa substitua a <<teia bem urdida>> da clausura modernista.

Como vimos no último capítulo, devemos ter o cuidado de não equacionar automaticamente palavras como transgressão com mudança revolucionária positiva; nem devemos, também, par­tir do princípio de que o elitismo é necessariamente um termo negativo. O status ideológico da paródia não pode ser perma­nentemente fixado e definido: <<Paródia, ou <<arte reflexiva>>, deste tipo, em que os significantes se referem a outros significantes prévios num jogo formal de intertextualidade, não tem nenhuma relação necessária com inovação radical, quer a um nível van­guardista formal, quer a um nível vanguardista político>> (Nichols 1981, 65). Tal como não implica necessariamente qualquer noção antidemocrática e negativa de elitismo. Haverá realmente uma contradição entre o socialismo radical de Edward Bond e o seu

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«elitismo encorajador» (Rabinowitz 1980, 263) nas referências shakespeareanas em Lear? Os códigos partilhados da paródia podem ser utilizados para muitos fins diferentes; em cada caso, a intenção inferida deve ser determinada individualmente. Não há qualquer dúvida de que a paródia, como a alusão e a citação, podem actuar como uma espécie de «distintivo de saber», tanto para codificadores como para descodificadores (Marawski 1970, 690), de que podem trabalhar no sentido de manter a continui­dade cultural. Mas também seria impossível argumentar, como fizeram os formalistas russos, que, ao fazê-lo, a paródia torna possível a mudança - até a mudança radical.

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CONCLUSÃO: O MUNDO, O TEXTO PARÓDICO

E O TEORIZADOR

É a perda de memória, e não o culto da memória, que nos tornará prisioneiros do passado.

Paolo Portoghesi

O título deste capítulo é, obviamente, uma reelaboração (pará­dica) de The World, the Text, and the Critic, de Edward Said (1983). Nesse livro, Said defende uma teoria literária que toma­ria em consideração aquilo a que ele chama «a situação do texto no mundO>> (151). Dada a sua crença de que toda a arte é especí­fica em relação ao discurso- isto é, não pode fugir ao seu con­texto históricb, social e ideológico- a sua posição é que todos os textos, mesmo os paródicos, são «mundanos; até certo ponto, são acontecimentos e, mesmo quando parecem negá-lo (como nos textos paródicos auto-reflexivos), fazem, não obstante, parte do mundo social, da vida humana e, evidentemente, dos momen­tos históricos nos quais são localizados e interpretados>> (4). Este capítulo é uma tentativa de fazer o que Said pede aos críticos e teorizadores: «que leiam e escrevam com um sentido da maior aposta na eficácia histórica e política que os textos literários, bem como outros, têm tido>> (225). Fazê-lo, espera-se, equivale a

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trabalhar no sentido de uma desmarginalização da literatura -e da teoria.

Nos últimos cinco capítulos, o status «mundano>> ou ideoló­gico da paródia foi aflorado uma série de vezes. Muita da paró­dia, como vimos, mostrou ser conservadora ou normativa na sua função crítica. Isto é especialmente verdade em relação ao tipo ridicularizador que é, geralmente, o único tipo a que é permi­tido chamar paródia. Segundo uma estética romântica, tais for­mas de arte são, por definição, parasíticas. Mesmo hoje em dia, esta mesma avaliação negativa persiste e a sua base, tal como é traída pela sua linhagem, é frequentes vezes ideológica num sentido muito geral: dizem-nos que a paródia procura dominar textos, mas que continua a ser, em última análise, periférica e parasítica (Stierle 1983, 19-20).

Mas também vimos que existe outro tipo de paródia, diferente do tipo escarnecedor tradicional que é, muitas vezes, simulta­neamente limitado em tamanho e específico em relação ao texto (ou ocasional). Este outro tipo, ou modo, possui um âmbito mais vasto de ethos pragmático e a sua forma é consideravelmente mais extensa. A paródia, na maior parte da arte do século XX,

é um modo maior de estruturação temática e formal, envolvendo aquilo que designei anteriormente por processos de modelação integrantes. Como tal, trata-se de uma das formas mais frequen­temente adaptadas pela auto-reflexividade no nosso século. Assi­nala a intersecção da criação e da recriação, da invenção e da crítica. A paródia <<deve ser entendida como um modo de colo­cação estética em primeiro plano no romance. Define uma forma particular de consciência histórica, por meio da qual a forma é criada para se interrogar face a precedentes significantes; é um modo sério>> (Burden 1979, 136). É esta «consciência histórica>> da paródia que lhe dá o potencial para, simultaneamente, enter­rar os mortos, por assim dizer, e também para lhes dar nova vida (Bethea e Davydov 1981, 8).

A paródia é, pois, uma via importante para que os artistas modernos cheguem a acordo com o passado - através da reco­dificação irónica ou, segundo o meu bizarro neologismo descri­tivo, <<transcontextualizem>>. Os seus antecedentes históricos são as práticas clássicas e renascentistas da imitação, se bem que com maior ênfase na diferença e na distância do texto original ou con­junto de convenções. Dado que defini a paródia actual como repe­tição com diferença, coloquei-a inevitavelmente dentro de todo

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um debate pós-estruturalista sobre a natureza da repetição. No quarto capítulo argumentei que a paródia pressupõe tanto uma lei como a sua trangressão, ou simultaneamente repetição e dife­rença, e que aí reside a chave para o seu potencial duplo: ela pode ser simultaneamente conservadora e transformadora, «mis­tificadora>> (Roseler 1983, 204) e crítica. Este ponto de vista não se enquadra em nenhum dos dois campos do debate contempo­râneo (ver Cobley 1984). A paródia não é repetição que acentue a uniformidade e a estase; não é vista essencialmente como um agente estabilizador que possa unificar ou realçar (Kawin 1972). Contudo, a paródia também não é simplesmente um tipo dife­rencial ou relaciona} pós-estruturalista de repetição que acentue apenas a diferença. A paródia pode, por certo, ser disruptiva e desestabilizadora; foi nesse sentido que os formalistas russos lhe deram o seu papel principal na evolução das formas literárias. Segundo Gilles Deleuze, a repetição é sempre, por natureza, transgressão, excepção, singularidade (1968, 12). No entanto, a paródia, embora por vezes subversiva, também pode ser con­servadora; com efeito, a paródia é, por natureza, paradoxalmente, uma transgressão autorizada. Não pode ser explicada apenas em termos de dífférance, divergência, ainda que seja verdade hoje que, para muitos artistas e teorizadores, uma acentuação da irre­solução tenha substituído várias preocupações prévias pela uni­dade estética, mesmo na diversidade (Derrida 1978; 1968, 46, 51, 57). A paródia é, ao mesmo tempo, duplicação textual (que unifica e reconcilia) e diferenciação (que coloca em primeiro plano a oposição irreconciliável entre textos e entre texto e «mundo>>).

Um exemplo abertamente «mundano>> tornará talvez este para­doxo mais claro. Hymnen: Hinos para Sons Electrónicos e Con­cretos, de Karlheinz Stockhausen, serve-se de hinos nacionais conhecidos porque os seus ouvintes, que os conhecem bem, serão então mais facilmente capazes de ouvir como eles são reelabo­rados. Mas ele também se serve de hinos porque eles estão <<car­regados>> de tempo e história. Nas anotações da capa (Deutsche Grammophon Gesellschaft, 2707 039) Stockhausen explica a sua intenção de repetir para unificar e integrar o antigo e familiar com o novo (ruídos de multidões, rádios de ondas-curtas, dis­cursos e vários sons electrónicos). No entanto, o ouvinte, como o compositor está ciente, é tão atingido pela separação, o isola­mento - a diferença, em resumo - como o é pela intermodula­ção de fragmentos. Na repetição paródica, quando não em toda

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repetição (Rimmon-Kenan 1980, 152), a diferença é uma carac­terística definidora necessária; mas a monotonia não é, apesar de tudo, meramente obliterada. A paródia consegue inscrever continuidade, permitindo, ao mesmo tempo, distância crítica e mudança.

Ao longo deste estudo, a minha forma de abordar uma teoria da paródia foi começar da mesma maneira com a ubiquidade e a importância da paródia moderna (numa variedade de formas de arte) e, a partir daí, trabalhar no sentido da formulação de uma teoria que explicasse o tipo de fenómeno complexo que é a paródia. Basta-nos pensar numa obra como as Variações Bar­rocas, de Lukas Foss, para ver esta complexidade. Toda a peça musical é uma espécie de glosa a Bach, um comentário quer à nossa visão da tradição passada, que é a inevitável e imutável fonte de muitas ide ias musicais, quer, também, à nossa expe­riência do presente, a individualidade de cada execução. Há uma secção chamada Phorion, que quer dizer «bens roubados». Tal como Brecht que brinca reverentemente, mas não servilmente, com Shakespeare, Foss mostra o seu respeito e boa vontade ao reelaborar a música de figuras de culto. O próprio compositor chama-lhe um «acto particular de amor-violência>>. As observa­ções de Foss na capa do disco da Nonesuch (H-71202) explica que se serve das notas dos textos originais, mas depois os frag­menta e rasura. A primeira variação é aquela a que chama «Handel perfurado!>> (Concerto Grosso, Op. 6, n. 0 12). Na segunda, um jogo sobre a Sonata n. 0 23, de Scarlatti, o cravo em fundo toca a peça inteira, enquanto que os instrumentos em primeiro plano a fragmentam. Segundo Foss, trata-se de <<Um abuso, uma home­nagem>>. Só a secção Phorion (que parodia a Partita em Mi Maior para Violino Solo) acrescenta algumas piadas paródicas tradi­cionais, quando um xilofone soletra o nome de Johann Sebas­tian Bach em código Morse.

Para tratar deste tipo complexo e alargado de paródia em ter­mos do <<mundo>>, bem como em termos estéticos, verificámos que precisávamos de ir para além dessas definições redutoras da paródia dos dicionários, sob dois aspectos importantes. Pri­meiro, devemos reconsiderar a natureza e direcção do chamado <<alvo>> da paródia. Na maior parte dos casos, o texto parodiado não se encontra, hoje, de todo, sob ataque. É, com frequência, ~espeitado e utilizado como modelo - por vias que não as artís­ticas. Por exemplo, o recente filme, Carney, é uma paródia à

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famosa fita Freaks (A Parada de Monstros); trata-se, com efeito, de uma inversão carnavalesca bakhtiniana de um filme que é, já por si, uma inversão carnavalesca. A jovem loura de Carney é, basicamente, uma personagem positiva, ainda que se verifi­que ser causa de rivalidades na amizade entre dois homens. A inversão do original, aqui, consiste no facto de a loura Freaks ser uma personagem negativa, causa de rivalidade no amor de dois anões, um masculino e outro feminino. O filme moderno é acerca da ligação entre homens, e não acerca do amor heteros­sexual, que é, por sua vez, invertido em Freaks pelo aparente caso travesti entre o anão do sexo masculino e a mulher grande e normal. Em ambos os filmes há uma mutilação ritualística, embora na nova versão ela seja, afinal, uma ilusão. Em ambos os casos, contudo, verifica-se que a loura pertence ao mundo do carnaval, se bem que por razões diferentes. Em Freaks, ela é literalmente tornada um monstro carnavalesco mutilado; claro que o filme torna evidente que é ela, e não os vários anões e outros executantes fisicamente deformados, que é o verdadeiro monstro, o verdadeiro inadaptado social, a personagem realmente má, a ser temida. Em Carney, um polícia anuncia que os espec­táculos de hoje não podem exibir mais monstros; mas as pes­soas normais prosseguem na sua função. Aqui, a loura pertence ao mundo do carnaval porque aprende a sua ética. Ela é, como a diferença de título torna claro, uma carney (de carnival) e não um freak (monstro).

A necessidade de reconsiderar o «alvo>> da paródia envolve uma segunda fase de afastamento em relação às definições padroni­zadas da paródia: temos de alargar o âmbito do ethos pragmá­tico ou das respostas intencionadas pela paródia. Ao fazê-lo, temos de considerar o papel da ironia, como fizemos nos segundo e terceiro capítulos. Considerar, desta maneira, tanto a produção inferida com~ a recepção real de textos paródicos é tomar em consideração a <<Situação do texto no mundo>>. Existe, de facto, uma tendência recente na crítica alemã da paródia para vê-la como uma ldeologiekritik (Karrer 1977; Rose 1979; Freund 1981) que tanto pode ser utilizada à custa da ideologia do texto original como erguer essa ideologia como padrão ético (Freund 1977). Deste ponto de vista, a paródia actua como um expediente de elevação da consciência, impedindo a aceitação dos pontos de vista estrei­tos, doutrinários, dogmáticos de qualquer grupo ideológico. No entanto, como muitos parodistas «conservadores>> provaram,

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não é necessariamente este o caso. O que se pretende em seme­lhante teoria é uma noção mais clara das diferenças e da interac­ção da paródia com a sátira, bem como uma consciencialização do status paradoxal da ideologia da paródia como transgressão autorizada.

Apresentar uma teoria da paródia que seja pragmática, bem como formalistas, é, pois, sugerir que existe uma conexão «mun­dana>>, pelo menos a dois níveis separados: ao nível da relação da paródia com a sátira, e ao nível da necessidade de considerar todo o acto enunciativo em qualquer consideração da paródia. A lição de grande parte da paródia de hoje é que temos de ter muito cuidado ao separar a paródia da sátira. Alguns dos traba­lhos mais interessantes sobre a paródia acabam por se tornar con­fusos, para não dizer turvos, por falta de uma tal distinção (Morson 1981; Rose 1979). Nos segundo e terceiro capítulos vimos que a interacção da paródia com a sátira é uma interacção complexa, mas não confusa ou confundível, dados os seus dite­rentes «alvos>> (intramurais e extramurais) e as suas diferentes afinidade com o tropo retórico mais comum a ambas: a ironia.

A sátira é, por certo, uma das maneiras de conduzir o «mundo>> à arte, e a sátira paródica e a paródia satírica permitem igual­mente à paródia ser «mundana>>, ainda que de uma maneira muito óbvia. A obra de Bertolt Brecht tem sido, talvez, o melhor modelo moderno para a utilização da paródia com fins satíricos (W eiss­tein 1970-1) e teve, indubitavelmente, uma influência importante na popularidade da paródia na literatura alemã moderna (Freund 1981, 95, 105). Brecht não foi só um ideólogo; foi também um mestre parodista que podia utilizar a paródia para fazer implo­dir toda a temática da representação teatral (Pfrimmer 1971 , 7 5). A sua Drei Groschenoper (Ópera dos Três Vinténs) (Brecht 1979) termina com uma paródia tematizada ao final operático padro­nizado: «Como isto é ópera, e não vida, verão I a justiça ceder perante a Humanidade. I Portanto, agora, para parar a nossa his­tória no seu curso I Entra o oficial real a cavalo>> (2, II, 78). E, claro, Brown entra, de facto, em cena com a comutação da pena de Macheath e até com um pariato da rainha. Kurt Weill afir­mou, no entanto, que não se trata de paródia no sentido escarne­cedor tradicional da palavra. Trata-se, antes, de «Uma instância da própria ideia de <<Ópera>> a ser utilizada para resolver um con­flito, isto é, à qual é dada uma função no estabelecer do enredo>> (99). Brecht transpõe, igualmente, o período de tempo da obra

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original de Gay para os tempos vitorianos burgueses em que a grande ópera e o capitalismo andavam de mãos dadas. Mas o que Handel foi para Gay, Wagner foi para Brecht e Weill. A música moderna choca com o cenário vitoriano, tal como os mendigos que querem dar uma imagem de respeitabilidade vitoriana recaem muitas vezes na vulgaridade, em especial nas suas canções, e as grandiosas maneiras caem por terra. Em Arturo Ui, Brecht serviu-se da paródia como modo de distancia­ção para criar a atitude crítica do teatro épico. Destrói a motivação psicológica com a qual a audiência poderia explicar, sem voltar a preocupar-se com isso, a realidade brutal da corrupção e violência que tem, com efeito, de ser enfrentada (Pfrimmer 1971, 83).

Na obra de Brecht, a paródia e a sátira interactuam de uma maneira complexa e particularmente eficiente. Também na fic­ção moderna, a paródia permite a distância crítica que pode gerar contacto com o «mundo>>, mais uma vez através da sátira. Em No Laughing Matter, de Angus Wilson, as paródias à famí­lia dinástica à la Galsworthy e às convenções da linguagem dra­mática (entendendo-a como próxima da linguagem da interacção social) minam (imitando-as ao mesmo tempo) as convenções do realismo. Há no romance a sugestão de que as deslocações for­mais pretendem espelhar a desintegração do mundo social em que essas convenções funcionam de formas menos alargadas. No romance auto-conscientemente paródico de David Lodge, The British Museum is Falling Down, o herói, que trabalha no Museu Britânico em Bloomsbury, observa: <<Perto de Westminster, o relógio da Sr. a Dalloway batia a meia-hora. Tinha, pensava ele, mudando de posição no seu assento, qualquer coisa de metemp­sicose, a maneira como a sua humilde vida recaía em moldes preparados pela literatura>> (1965, 3 7). A paródia ao estilo de Virgínia Woolf e à sua técnica de misturar o trivial e o signifi­cativo para criar realismo psicológico é engenhosa, pois não pode­mos deixar de recordar o jantar em To the Lighthouse (Rumo ao Farol) em que a Sr. a Ramsay serve o seu sacramental boeuf en daube: <<Tinha, achava ela, servindo cuidadosamente ao Sr. Bankes um pedaço especialmente tenro, qualquer coisa de eterno.>> Se fizermos essa ligação, todavia, recordaremos tam­bém que a essa comunhão epifânica estava presente o académico estéril Charles Tansley, que finalmente se revela inadequado, como, com efeito, pode revelar-se o herói, desta vez fértil,

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do romance de Lodge. A uma escala maior, são os valores «mun­danos», de Bloomsbury, bem como seu estilo, que estamos a recordar. O British Museum pode estar a cair, mas a desinte­gração daquilo que representa é lamentada e não ridicularizada. Trata-se do mesmo tipo de paródia satírica que encontramos em lhe French Lieutenant's Woman, de Fowles, ou, mais recente­mente, noutro romance que parodia o romance vitoriano com o fito de revelar o que o mundo vitoriano ocultava: A Bloods­moor Romance, de Joyce Carol Oates. Esta obra foi chamada de «melodrama revisionista>> (Mars-Jones 1983, 79) na sua paródia à recusa da forma do romance em ser mais aberto e na sua sátira da sociedade que fazia o mesmo.

No entanto, sob alguns aspectos, esta mescla de paródia e sátira não é nova no romance. Os leitores das obras de Samuel Richardson estavam habituados à convenção do uso de asteriscos em vez de nomes, presumivelmente para preservar o anonimato. Nas mãos de Sterne, em Tristram Shandy, o uso dos asteriscos torna-se redundante, pois ele fornece-nos informação suficiente para iden­tificar facilmente a pessoa ou o lugar. Ou usava-os como meio de censura ou de criar suspense. Muitas vezes, a prática parece tão arbitrária que Tristram parece servir-se das estrelinhas para evitar aborrecer-se a escrever o discurso. Geralmente, contudo, as omissões são sugestivas- sexualmente sugestivas. É, talvez, a lubricidade subjacente da reticência de Richardson que é sati­rizada através da paródia de Sterne à convenção.

Esta interacção paródia/sátira não é, portanto, nova no romance; não é sequer única na literatura. O bicentenário dos Estados Unidos da América inspirou uma torrente de paródias a pinturas patrióticas como o retrato de George Washington, de Gilbert Stuart, ou A Batalha de Bunker 's Hill e A Assinatura da Declaração de Independência, de Trumbull. O título de An Outline o f History, de Larry Rivers, parodia uma instituição ame­ricana, ao passo que a pintura em si é apenas literalmente um esboço (outline) da Assinatura, de Trumbull. E entre as assina­turas encontra-se a de Bob Morris, um artista conhecido pela sua independência. As sátiras de Ad Reinhardt da cena artística nova-iorquina dos anos cinquenta adoptou uma forma paródica, mas a sua conexão «mundana>> era nítica: ele queria que os pin­tores parassem de vender o mundo da arte por dinheiro (Hess 1974, 51). A pintura de Jasper John, White Flag, satiriza o culto da América pela sua bandeira. Nela encontramos parodiadas as

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familiares estrelas e faixas em tecido, mas esta bandeira é fixa e plana, e não pode flutuar no ar. As suas cores evocativas foram também descoradas. John esvazia a forma da bandeira do seu impacto emocional; <<abstrai-a», transformando-a numa pintura (Hugues 1980, 340-1). Ao fazê-lo, dá-nos a entender que as ban­deiras são, em certo sentido, apenas formas abstractas a cuja uti­lização social foi conferido sentido. A paródia de John faz com que elas deixem de funcionar socialmente.

Existe um nível semelhante de comentário satírico nos filmes de Brian de Palma. Dressed to Kill (Vestida para Matar) é uma paródia a Psycho, de Hitchcock, mas o psicopata ou assassino é, significativamente, o psiquiatra. Blowout, como o título sugere, transpõe o código visual de Blow-Up, de Antonioni, para um código auditivo, com a mesma focalização política. O filme abre com uma paródia deliberadamente má a Psycho, de Hitchcock, que actua como sinal, tal como o título, para que a audiência procure textos paródicos em fundo. Dentro da paródia má, um grito de mulher é tão desajeitado que tem de ser gravado de novo; dentro do próprio filme, o grito final de dor real é silencioso. No fim, a dimensão política não pode ser separada da estética, paródica neste filme.

A sátira, contudo, não é a única via através da qual se pode ver o «mundo>> invadir a paródia, como notámos. Existem, pelo menos, dois outros níveis menos óbvios de <<mundaneidade>> na paródia, um com raízes na bidireccionalidade da legitimidade da paródia (quarto capítulo) e o outro baseado na partilha dos códigos paródicos (quinto capítulo). O status ideológico da paró­dia é paradoxal, pois a paródia pressupõe autoridade e transgres­são da mesma ou, como acabámos de ver, repetição e diferença. As implicações deste paradoxo relativamente às artes visuais foram examinadas por Benjamim Buchloh (1982). Ele argumenta que a apropriàção paródica por Picabia do estilo de desenho de planos e diagramas de engenharia é, em última análise, conser­vadora: limita-se a fazer com que os desenhos lineares do artista individual pareçam o projecto de um técnico anónimo. Por outras palavras, embora parecendo contestar aquilo que designei por estética romântica, esta obra não cancela realmente a presença do artista, ou pelo menos não o faz da mesma maneira que o urinol de Duchamp faz. No seu desafio à validade de todo o sis­tema de arte, este último substitui um simulacro individualmente manufacturado por um objecto real produzido em massa num

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espaço real (Buchloh 1982, 30). Buchloh argumenta que a paró­dia pode ser simultaneamente um modo de cumplicidade essen­cial e reconciliação secreta e também uma maneira real de revolucionar a arte. Ele aponta Sigmar Polke e Gerhard Richter como pintores alemães dos anos 60 que se serviram da paródia, como fizeram os artistas pop americanos, para confrontar a história e a tecnologia, combinando uma apropriaÇão irónica de formas culturais baixas com uma apropriaçã6 estilística da arte elevada, justapondo «código reificado e codificação sub­versiva>> (33).

Muito embora admitindo que a paródia actua, muitas vezes, como autorização conservadora da tradição, Buchloh admite igualmente que ela tem potencial para <<negar a validade da práf tica da arte como individuação>> (34). Ao dizer isto, ele refere-se a mais do que ao desafio da paródia à estética romântica e até ao conceito do «sujeito>>; ele pretende, também, ligar a apropriação ou a paródia a um desafio à visão capitalista da arte como indi­vidualidade e logo como propriedade privada. Afinal de contas, a raiz latina da palavra apropriaçãp é proprium, propriedade -aquilo que pertence a uma pessoa. Mas, conquanto seja ver­dade que o empréstimo ou roubo ~aródico desafia isto, e que a paródia pode, certamente, apropnar-se do passado com o fim de efectuar uma crítica cultural, também é verdade que qualquer conceito de apropriação textual deve, implicitamente, dar um certo valor ao original. Com efeito, houve quem argumentasse que o passado é pirateado, com frequência, pela vanguarda, como forma de suavizar e dar simultaneamente sentido à radicalidade: o novo só pode chocar quando subscrito pelo velho. Teriam as fotografias alteradas de Arnold Rainer do seu próprio rosto dis­torcido algum sentido ou impacto sem a longa tradição de auto­-retratos que remonta, através das auto-imagens realçadas expressionisticamente de Van Gogh e Kokoschka, os seus pre­cursores em Rembrandt e muitos outros (Hughes 1980, 253, 4)? Aquilo que designei anteriormente por transgressão autorizada da paródia poderia, igualmente, ser vista como uma «não con­vencionalidade convencional>>, «Uma posse da História com o fim de assegurar um lugar próprio na História>> (Barber 1983-4, 32).

Uma segunda forma de a paródia manifestar a sua «munda­neidade>> é a que foi examinada no quinto capítulo. Ao argumentar que qualquer teoria da paródia se deve basear numa considera­ção de todo o acto de énonciation (a produção e recepção con-

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textualizadas de textos), quis sublinhar que a «situação do texto no mundo» envolvia a partilha de códigos num acto de comuni­cação entre codificador e descodificador. Jonathan Culler revela interesse apenas pela última (e apenas numa definição limitada da paródia) quando afirma: «Ao chamar paródia a alguma coisa, estamos a especificar a forma como deveria ser lida, libertando­-nos das exigências da seriedade poética, e tornando inteligíveis traços curiosos da paródia» (1975, 152). A paródia, por esta defi­nição, torna-se um acto essencial de cooptação, um fazer sen­tido do ininteligível, por imposição do código da paródia. Este sublinhar da importância do acto interpretativo do receptor do texto tem sido reforçado pelas visões pós-modernistas da paró­dia como performance, como envolvendo um aumento do tra­balho e participação do descodificador, obrigado a recorrer extensivamente à sua memória artística. Mas penso que é ideo­logicamente ingénuo afirmar que tal participação é necessaria­mente mais democrática, como afirma John Sturrock (1979, 17). Como vimos no quinto capítulo, o poder da manipulação esté­tica do receptor existe; é apenas uma questão da medida em que nos tornam conscientes disso, ou da liberdade que nos fazem sentir.

David Caute (1972) argumentava que, se a arte deseja levar­-nos a questionar aquilo a que tenho vindo a chamar o «mundo», deve questionar-se a expor-se a si mesma em nome da acção pública. Deve tornar-se, segundo os seus termos, <<dialéctica>> (33) e deve centrar-se, em literatura, tanto no escritor como no leitor (145), como deve fazê-lo a crítica que dela se ocupa. Eu diria que devemos dar mais um passo. Devemos tomar em consideração todo o acto enunciativo: o texto e as <<posições sub­jectivas>> de codificador e descodificador, mas também os vários contextos (histórico, social, ideológico) que medeiam esse a c to comunicativo. O Romantismo centrava-se quase exclusivamente no autor; por reacção, o formalismo dirigia-se ao texto; a teoria da recepção (reader-response) considera apenas o texto e o lei­tor. A paródia de hoje aponta a necessidade de ir para além des­sas limitações. Repetir, mesmo com diferença crítica, é fazer parte desse desafio pós-estruturalista contemporâneo à noção do sujeito como fonte individual de sentido. Compositores como George Rochberg trabalham consciosamente no sentido de sub­verter essa ideologia do ego e do estilo pessoal, frequentemente associado historicamente ao capitalismo (ver as notas da capa

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do seu Quarteto de Cordas n. 0 3, Nonesuch H-71283). A paró­dia literária participa também na moderna contestação estrutu­ralista da noção de transparência linguística. Se há textos que se referem a outros, toda a noção de referência deve ser reexa­minada.

O terceiro debate contemporâneo que implica a paródia de uma maneira directa é o que envolve o questionar dos conceitos de objectividade e clausura. A metaficção actual subverte as noções formalistas de clausura pelo seu deleite auto-referencial na arbi­trariedade paródica. Na música de hoje, a paródia ofereceu uma saída da clausura modernista, mais uma vez através da auto­-reflexividade. Face ao isolamento causado pela perda de uma sintaxe musical comum, os compositores voltam-se, muitas vezes, para o estabelecimento de elos explícitos com tradições musi­cais mais antigas que oferecem «Uma espécie de ressonância his­tórica» (Morgan 1977, 46). George Crumb, por exemplo, invoca a música medieval e oitocentista através da alusão; as composi­ções vocais de Penderecki utilizam materiais semelhantes ao can­tochão. Para estes compositores, o sentido da tradição musical foi transformado pela paródia: <<Em vez de ser alguma coisa que passou por uma evolução contínua de geração em geração, a pró­pria tradição torna-se <<contextual». Tal como o sistema musi­cal, ela define-se em relação a cada composição individual, que adquire as suas próprias correspondências históricas únicas» (Morgan 1977, 46). É, por outras palavras, o contexto enuncia­tivo da paródia que altera a história artística e o sentido. Estes compositores também demonstraram a necessidade de modifi­car toda a noção de contexto no sentido de incluir até mesmo considerações ideológicas. O trabalho de Adorno sobre a socio­logia da música é citado, com frequência, como apresentando uma via para destruir o isolamento e clausura da música ociden­tal, para impedir o solipsismo, apesar da perda, quer de lingua­gem comum, quer da necessária individualidade de estruturas.

Talvez paradoxalmente, é a paródia que indica esta necessi­dade de <<Situar>> a arte, tanto no acto da énonciation, como nos contextos históricos e ideológicos mais vastos, implícito nesse acto. Na crítica literária, foi exactamente esta dimensão que foi banida pelo anterior New Criticism (ver Lentricchia 1980) e, mais uma vez, pelas teorias formalista, fenomenológica, hermenêu­tica e pós-estruturalista actuais (ver Eagleton 1983). Isto sugeri­ria, pois, que uma teoria da paródia moderna deve ir além destas

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ortodoxias particulares, no sentido de não dever começar den­tro de nenhumas destas perspectivas, se é que espera explicar a complexidade paradoxal da paródia. A paródia não é o exem­plo arquetípico da clausura formalista ou da introversão textual que muitos tentaram fazer dela. Foi Bakhtin, o valorizador da paródia, que defendeu também que «O signo não pode ser sepa­rado da situação social sem renunciar 3 sua natureza como signo>> [(Bakhtin) Volosinov 1973, 95]. OL,tn coisa que a paródia não é é um paradigma infinitamente expansível da ficcionalidade ou da textualidade. O «mundo>> pode ser mais a localização de for­ças textuais que aquilo que Said admite, mas a prática paródica do século XX não parece, realmente, autorizar uma extensão nietzscheana da paródia àquilo que, em última análise, se torna um sistema do mundo (ver Gilman 1976, 21-8).

A paródia historia, colocando a arte dentro da história da arte; a sua inclusão de todo o acto enunciativo, e a sua paradoxal trans­gressão autorizada de normas, permite certas considerações ideo­lógicas. A sua interacção com a sátira dá abertamente espaço para dimensões sociais acrescidas. Zelig, de Woody Allen, é uma paródia a um filme anterior, They Might Be Giants (Encontro Marcado), à qual não falta um paciente do sexo masculino com uma mania (pensa que é Sherlock Holmes) e uma psiquiatra (o Dr. Watson, evidentemente). É também, e de modo mais sig­nificativo, uma paródia à forma do documentário televisivo e cine­matográfico, que faz do seu herói ficcional o fulcro da sua época, inserindo-o em cenas históricas reais e comentando a sua impor­tância histórica através das palavras de pessoas reais (Susan Sontag, Saul Bellow, Irving Howe). A história do homem que mudou fisicamente (de nacionalidade, de raça, de tamanho) para ser amado, para se adaptar, intersecta-se com a ascensão de Hitler e com a morte horrível dos que não se adaptavam. A interacção da paródia com a sátira, aqui, é quase brechtiana na sua eficiên­cia ideológica.

Mas a paródia implica, também, outro tipo de conexão <<mun­dana». O facto de se apropriar do passado, da História, o ques~ tionar do contemporâneo, <<referendando-o>> com um conjunto de códigos diferente, é uma forma de estabelecer continuidade que pode, em si mesma, ter implicações ideológicas. O corolá­rio da estética de autonomia e formalismo do modernismo foi o seu isolamento da prática sócio-política (Buchloh 1982, 28). Através dos seus objectos anódinos e dos seus métodos tecnoló-

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gicos de reprodução mecânica, a arte pop paródica de W arhol e Rauschberg sugere um ataque ao discurso da arte elevada e ao seu isolamento da realidade social. (Isto não quer dizer que a nossa cultura capitalista não seja capaz de cooptar até mesmo estes desafios, tornando-se produções individuais da arte elevada e propriedade privada dispendiosa.) Citando os termos, um tanto bizarros, de Benjamin Buchloh:

A apropriação parodística revela a situação de rotura do indivíduo na prática artística contemporânea. O indivíduo tem de reclamar a constituição do eu em elocuções primá­rias originais, achando-se embora dolorosamente consciente do grau de determinação necessário para inscrever a elo­cução nas convenções e regras de codificação dominantes; a prática significante reinante deve ser subvertida e a sua desconstrução situada num sistema de distribuição (o mer­cado), numa forma de circulação (a mercadoria), e num sis­tema de legitimação cultural (as instituições de arte).

(1982, 30)

Também na literatura dos nossos dias, é o esteticismo <<elitista>>, associado ao modernismo, que é com frequência o fulcro da paró­dia que se pretende comentário ideológico. No primeiro capí­tulo, vimos que o Hugh Selwin Mauberley, de Ezra Pound, existia num inferno dantesco, uma inversão irônica do mundo estético e moral da Divina Comédia. A utilização subsequente, por Timothy Findley, do texto de Pound como fundo paródico para o seu romance, Famous Last Words, acrescenta outro nível de complexidade à função ideológica da paródia. Os «obscuros deva­neios/ da contemplação interior» do anti-herói de Pound são asso­ciados no poema à destruição, mas no romance de Findley Mauberley morre, literalmente, com um furador de gelo num olho. Os soldados de Pound, caminhando <<de olhos mergulha­dos no inferno» em campos de morte que excedem as <<histerias, confissões de trincheira, friso saído de barrigas mortas>> da guerra, reaparecem no romance de Findley para servirem de testemu­nhas da confissão daquele que ignorou esse horror em nome da beleza. O amor impotente no poema de Pound (parodiando a casta devoção de Dante por Beatriz) é mais uma vez invertido no romance na relação do Mauberley ficcional com a historicamente real Duquesa de Windsor. Não podemos separar a paródia da

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história neste romance; nem podemos ignorar o comentário ideo­lógico sobre o silêncio do esteticismo.

A literatura, o cinema, as artes visuais e a música podem, todos eles, servir-se hoje da paródia para comentar o <<mundO>> de alguma maneira. Mas a forma de arte que mais aberta e mais programaticamente se apropriou do passado para fins ideológi­cos é nitidamente a arquitectura que é, em certo sentido, a mais pública das artes. Ao fazê-lo, ela toma parte num desejo pós­-modernista geral de estabelecer um diálogo com o passado (Kris­teva 1980b; Calinescu 1980). Na poesia, este diálogo tomou a forma de experiências com textos linguísticos preformados «para descobrir se era possível chegar ao novo e significativo através do uso do antigo e do trivial>> (Antin 1980, 131). Tal como os compositores, pintores, romancistas e poetas, também os arqui­tectos procuraram dar outras significações a trabalhos prévios, por meio da paródia que reestrutura ou «transcontextualiza>> o passado. Os que são conhecidos hoje pelo rótulo de arquitectos pós-modernistas são um grupo ecléctico que tem de comum um sentido histórico e um desejo de devolver à arquitectura um sen­tido de comunicação e de comunidade. A sua precursora nesta última finalidade é, talvez, a escola de arquitectura de Amester­dão do período de 1915-1930 (Piet Kramer, Michel de Klerk), que queria restaurar no século xx, através da arquitectura, o espírito de comunidade da Idade Média. (Não optaram, toda­via, por copiar ou parodiar formas medievais.)

Paolo Portoghesi não é o único, entre os arquitectos pós­-modernistas, a dar uma forte ênfase à importância da comuni­dade e da função (1974, VIII). Todos vêem a arquitectura como uma força humanizante, uma força que parodia o passado para fins ideológicos. Mas o passado não pode deixar de ser impor­tante para um arquitecto que trabalha em Roma, confrontado não só com as cam~das da História, mas com o exemplo das formas dos arquitectos barrocos tratarem esse passado. Para Portoghesi, esta consciência histórica paródica é a fonte da continuidade -tanto estética como social. Ele vê o pós-Modernismo baseado na interacção da memória histórica com o novo; por outras pala­vras, essa interacção revela a necessidade de «transcontextuali­zar>>, de dar aos edifícios uma nova relação, quer com o passado, quer com o seu meio ambiente presente (1982, 29).

Charles Jencks e Paolo Portoghesi são os maiores teorizado­res porta-vozes do pós-Modernismo arquitectónico. Foi Jencks

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quem defendeu que a arquitectura devia ser vista como transmi­tindo sentido através da linguagem e da convenção e que, con­sequentemente, devíamos olhar para o passado para alargar o vocabulário da forma a que temos acesso. O nosso discurso com o passado, afirma, não é uma linguagem integrada como a da Renascença ou do Barroco; é antes pluralista e ecléctica (1980a, 16). Mas é, decididamente, duplamente codificada ou (para uti­lizar aqui os meus termos) paródica. O objectivo da arquitec­tura pós-modernista, afirma Jencks:

Fornecer um discurso público digno do nosso tempo, um discurso articulado e dignificado que não só nos leve a ver o nosso passado de uma maneira nova e reparadora, mas que também nos fale coerentemente acerca da variedade de diferentes crenças, modos de vida e funções de construção.

(16)

A apropriação estética do passado é, pois, motivada aqui por uma reacção contra a influência redutiva e destrutiva do alto Modernismo no nosso ambiente urbano. As consequências do Modernismo são epitomadas, para Jencks, pelo desprezo pelo lugar e função do projecto habitacional Pruitt-Igoe em St. Louis. A sua destruição literal assinalou o malogro da ideologia moder­nista que afirmava que a forma estética pura conduziria neces­sariamente a uma conduta social apropriada (1977, 9).

Também para Portoghesi, o inimigo é o Modernismo, mas ele está igualmente consciente da relação edipiana do arquitecto com o seu passado imediato - da sua necessidade de romper com ele, mas também da sua tentação simultânea de extrair dele os materiais elementares da construção futura (Portoghesi 1982, 3). Daí a utilização da paródia, o código duplo do pós-Modernismo. O Modernismo separou, consciente e deliberadamente, a arqui­tectura do seu passado; era simultaneamente elitista e obscuro. Na análise de Portoghesi, diz-se que o Modernismo sobreviveu tanto tempo (e tem sido tão universal como tem sido) por causa do apoio que lhe é fornecido pela sua aliança com o poder, com o sistema industrial (1982, 3). Também Jencks liga o Moder­nismo aos monopólios e grandes empresas, com exposições inter­nacionais que encorajaram padrões de aceitabilidade de massas, com esses mega-edifícios que substituíram fábricas e lojas - os complexos industriais e centros comerciais que os arquitectos

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modernistas construíram sem conta (1977, 26-37). Os novos feitos de engenharia que a tecnologia tornou possíveis levaram àquilo que muitos vêem como a fetichização pelo Modernismo dos meios de produção - em termos de tecnologia e de materiais de cons­trução. Assim, o Modernismo tinha de rejeitar o historicismo e a experiência do passado para poder impor a sua estética (e ideologia) analítica, geométrica, racionalista (Portoghesi 1982, 4). Este ignorar da memória colectiva interrompeu o processo con­tínuo da reciclagem do passado que constituía a transformação criativa de toda a arquitectura (17).

Esta rejeição da História teve uma componente abertamente ideológica: a arquitectura tornou-se uma parte importante do mito moderno da reforma social. Presumia-se que a rejeição elitista modernista de tudo o que não fosse a forma pura viria a ter bons efeitos sociais. Não foi, de facto, esse o caso, como o documenta habilidosamente Jane Jacobs em The Death and Life of Great American Cities (1961). No entanto, o Modernismo via-se como <<profético, severo e prescritivo>> (Portoghesi 1982, 29), utópico na sua crença de que a arquitectura podia modelar o comporta­mento social das massas, especialmente através de estruturas colectivas ou do que Jencks (1982, 50) alcunhou de Slick-Tech ou Corporate Efficiency. O arquitecto era o médico ou salvador da sociedade. Mais tarde, no exagero das tendências do Moder­nismo que Jencks rotula de «modernismo tardio>> (Late­-Modernism), o arquitecto tornou-se um prestador de serviços, com a sugestão de que há qualquer coisa de igualitário e agnós­tico no fabrico de cimento, aço e vidro.

O pós-Modernismo assinala uma rejeição consciente desta ideo­logia. Hoje, o arquitecto é visto mais como um activista ou um representante. Mas o facto de a forma pós-moderna ser sempre, por definição, de código duplo é uma garantia de que o Moder­nismo não será rejeitado sem mais: ele é criticamente revisto, selectivamente parodiado. Este tipo de arquitectura é, de facto, duplamente paródico: é uma reelaboração do modernismo e, igualmente, de outra tradição. Nos edifícios públicos, em que a ideologia é talvez mais visível, a outra tradição parodiada é muitas vezes a da arquitectura clássica. A razão disto é dada pelo arquitecto Robert Stern:

Na busca de uma base mais ampla para a forma, a tradição clássica oferece um conjunto de referências que continuam

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a ser significativas para o público e demonstram ainda a sua utilidade de composição para os arquitectos. Reconhe­cendo isto, não defendemos necessariamente um regresso ou uma revivência do passado, mas antes um reconheci­mento da continuidade do passado no presente.

(Citado por Jencks 1980b, 35)

Mesmo na habitação privada, os arquitectos procuraram acres­centar uma dimensão pública, fundindo estilos domésticos locais com o classicismo: o Matthews St. House Project, de Thomas Gordon Smith, e as suas Tuscan e Laurentian Houses constituem bons exemplos deste tipo de paródia dupla. Não se trata apenas de uma citação ou resemantização elitista de linguagens arqui­tectónicas prévias. Até os modernistas fizeram o mesmo, em espe­cial nos interiores que desenhavam para serem reproduzidas nas revistas destinadas aos consumidores (J encks e Chaitkin 1982, 74, 77, 83). Também não se trata de revivalismo directo, como nas casas de campo inglesas da classe alta de Quinland Terry. Encontra-se, aqui, envolvida uma distância irónica necessária no facto de ser o guardião do legado arquitectónico. Na sua absor­ção de códigos em conflito, o pós-Modernismo é pluralista e iró­nico. Podemos vê-lo na significação dupla do uso que faz do ornamento. Qualquer uso do ornamento é imediatamente anti­modernista; contudo, as colunas e fontenários de Charles Moore na sua Piazza d'Italia, apesar de toda a sua ornamentação clás­sica, são pré-fabricadas. Não é decoração feita à mão; a indivi­dualidade romântica e a mestria gótica foram substituídas pela impessoalidade modernista que utiliza máquinas-ferramentas. Mas tudo isto está inserido no contexto de uma celebração de identi­dade pública (a da comunidade italiana de Nova Orleães). O com­plexo de Édipo do arquitecto, em relação ao seu passado modernista, é evidente.

A paródia arquitectónica, neste sentido, tem implicações ideo­lógicas porque, como diz Jencks (Jencks e Chaitkin 1982, 178), ela é e representa simultaneamente. Assinala um retorno, não só ao passado, mas, simultaneamente, ao que o passado repre­sentava, quer em relação à função, quer à comunicação. Não é de surpreender que muitos pós-modernistas vejam em Edwin Lutyens o seu precursor, o antimodernista contemporâneo de Frank Lloyd Wright, cujas paródias estilísticas a fontes históricas

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e contemporâneas foram postas à disposição, e segundo o desejo, de quem efectivamente habitasse as suas criações.

O retorno à função e à comunicação é o que permite que o elemento da ideologia entre na paródia arquitectónica pós­-modernista. No seu trabalho em Las Vegas, os Venturis, que­rem, segundo Jencks:

Expressar, de uma forma branda, uma apreciação mista pelo American Way o f Life. Respeito ressentido, mas não aceitação total. Eles não são adeptos de todos os valores de uma sociedade de consumo, mas querem falar a essa sociedade, ainda que parcialmente em dissidência.

(1977, 70)

A arquitectura pós-moderna revela tudo, desde um irreverente <<torcer o nariz» fowlesiano a uma <<homenagem>> ao passado, quer ao passado estético quer ao social. Mas, como toda a paródia moderna, fá-lo sempre através de repetição com diferença crí­tica. Mais uma vez, é Robert Stern quem melhor o expressa:

A nossa atitude perante a forma, que se baseia num amor pela História e numa consciência dela, não implica repro­dução exacta. É ecléctica e é utilizada como uma técnica de colagem e justaposição, para dar novo sentido a for­mas conhecidas e parte, desse modo, em novas direcções. A nossa fé está no poder da memória (História), combi­nada com riqueza e sentido. Se a arquitectura pretende obter êxito na sua tentativa de participar criativamente no presente, é necessário que vença o iconoclasmo dos últi­mos cinquenta anos do movimento moderno ou o forma­lismo limitado de tantos trabalhos recentes, e que reclame uma base cultural e uma leitura o mais completa possível do passado.

(Citado por Portoghesi 1982, 89)

Essa leitura do passado pode ser feita em muitos estados de espírito e com vários graus de complexidade. O seu alcance é nítido na obra de Robert Venturi. A sua reciclagem paródica e irónica das formas históricas visa não só uma codificação dupla,

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mas uma comunicação dualista, quer em relação à minoria de arquitectos e historiadores que verão todo este jogo paródico, quer ao público em geral. Pretende provocar reacção em todos os espectadores.

Neste contexto, não é por acaso que Jencks (1980a, 181) decide mencionar T. S. Eliot, juntamente com o desejo pós-modernista de mudar a nossa maneira de ver o passado. Tal como na poesia de Eliot, existe um alto grau de empenhamento do descodifica­dor, combinado com um elevado grau de complexidade textual. E a paródia é central a ambos. Se os teóricos pós-modernistas não utilizam com frequência a palavra paródia, eu diria que é por causa da forte interdição negativa sob a qual a paródia se encontra ainda e por causa da sua trivialização, devida à inclu­são do ridículo na sua definição. Estes arquitectos não querem, evidentemente, fazer pouco do passado. A sua <<visão da inter­conexão» (Russell 1980, 189) é o que os torna parte não só de uma recente consciência pós-modernista, mas da consciência esté­tica de todo o nosso século.

A paródia é hoje dotada do poder de renovar. Não precisa de o fazer, mas pode fazê-lo. Não nos devemos esquecer da natu­reza híbrida da conexão da paródia com o «mundo>>, da mistura de impulsos conservadores e revolucionários em termos estéti­cos e sociais. O que tem sido tradicionalmente chamado paródia privilegia o impulso normativo, mas a arte de hoje abunda igual­mente em exemplos do poder da paródia em revitalizar. Citando as palavras de Leo Steinberg:

Há casos sem conta em que o artista investe a obra em que se vai basear de relevância renovada; ele concede-lhe uma viabilidade até então insuspeitada; actualiza as suas potencialidades, como um Brahms tomando temas de Han­del ou Haydn. Ele pode limpar as teias de aranha e dotar de frescura coisas que se consumiam no esquecimento ou, o que é pior, que se haviam tornado banais através de uma falsa familiaridade. Alterando o seu ambiente, um artista dos nossos dias pode emprestar a imagens moribundas um recomeço de vida.

(1978, 25)

Que esta renovação pode ter implicações sociais é tão patente na arquitectura pós-modernista como o é em romances como The

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French Lieutenant's Woman ou Famous Last Words. Como acre­dito que não existem definições completamente trans-histó­ricas possíveis da paródia, segue-se que o status social ou «mundano» da paródia também não pode nunca ser fixado, ou final e permanentemente definido. Mas o «mundo» não desa­parece no <<tráfico interarte>> que é a paródia. Através da interac­ção com a sátira, através da necessidade pragmática de códigos comuns entre codificador e descodificador, e atra­vés do paradoxo da sua transgressão autorizada, a apropriação paródica do passado estende-se para além da introversão textual e do narcisismo estético, dirigindo-se à <<Situação do texto no mundo>>.

Se isto é verdade, então certamente que a paródia terá de ser tomada mais a sério do que o permitem alguns críticos. Jonathan Culler, por exemplo, descreve o <<espírito>> da paródia desta forma: <<Vejo como este poema funciona; vejam como é fácil expor a verbosidade deste poema; os seus efeitos são imitáveis e logo artificiais; a sua proeza é frágil e depende de as convenções de leitura serem tomadas a sério>> (1975, 153). O que se requer é uma noção mais ampla das convenções da leitura, e uma noção assim alargada deve basear-se, até certo ponto, nos tipos de textos lidos. Por outras palavras, é no acto de olhar realmente para os textos paródicos didácticos da arte moderna que podemos chegar a descobrir o verdadeiro <<espírito>> da paródia. É por isso que a minha chamada <<teoria>> da paródia deriva dos ensinamentos dos textos em si, e não de qualquer estrutura teórica imposta do exterior. A paródia de hoje não pode ser explicada totalmente em termos estrutu­ralistas de forma, no contexto hermenêutica de resposta, num enquadramento semiótico-ideológico ou numa absorção pós­-estruturalista de tudo pela textualidade. Todavia, as complexas determinantes da paródia envolvem, de certa forma, todas estas perspectivas críticas coerentes - e muitas mais. Assim é que a paródia pode, quiçá inadvertidamente, servir uma outra função útil hoje: pode pôr em dúvida a tendência para o monoli­tismo na teoria moderna. Se há muitas perspectivas que nos ajudam a compreender este fenómeno moderno universal, mas nenhuma é suficiente em si, como poderíamos, então, afirmar que uma abordagem estruturalista, semiótica, hermenêutica ou desconstrutiva fosse em si totalmente inadequada à tarefa? Não se trata tanto de uma defesa do pluralismo crítico quanto

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de um apelo à teoria, para que se constitua como uma resposta às realidades estéticas.

As nossas paródias terminaram. Estes nossos autores, Como vos dissemos, eram todos espíritos e Esfumaram-se no ar, no finíssimo ar. E, tal como a infundada textura destes versos, A baforada do crítico, o anúncio do comércio, A promessa do patrono, e o aplauso do Mundo, Sim, todas as esperanças dos poetas, - se dissolverão E, como esta insubstancial fábula fadou, Não deixarão um vintém atrás de si!

Horace Twiss

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