DO AUTOR
O colapso do populismo no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993.
Ditadura e agricultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992.
A ditadura do grande capital, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992.
Ensaios de sociologia da cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993.
Estado e planejamento econômico no Brasil, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992.
Formação do Estado Populista na América Latina, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993.
Imperialismo na América Latina, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1993.
Revolução e cultura, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992. A sociedade global, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1998.
Octavio Ianni
Teorias da globalização
9- Edição
CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Rio de Janeiro 2001
COPYRIGHT © Octávio Ianni, 1995
CAPA
Evelyn Grumach
PROJETO GRÁFICO
Evelyn Grumach e João de Souza Leite PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
Edson Agostinho de Souza EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Art Line
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
Ianni, Octávio, 1926-U 7 t Teorias da globalização / Octávio Ianni. - 9" ed. - Rio de 9« e ( j Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
228p
Inclui bibliografia ISBN 85-200-0397-4
1. Civilização moderna - Século XX. 2. Relações econômicas internacionais. 3. Globalização. 4. Sociologia.
I. Título.
CDD 303.4 98-1834 CDU 316.42
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem a prévia autorização por escrito.
Direitos desta edição adquiridos pela BCD União de Editoras S.A. Av. Rio Branco, 99 / 20° andar, 20040-040, Rio de Janeiro, RJ, Brasil Telefone (21) 263-2082, Fax / Vendas (21) 263-4606
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL Caixa Postal 23.052, Rio de Janeiro, RJ, 20922-970
Impresso no Brasil 2001
PARA
ANTONIO ANA CATARINA
CLARA FRANCISCO, ANUNCIANDO O SÉCULO XXI
Sumário
PREFÁCIO WC
1. Metáforas da Globalização 11 2. As Economias-Mundo 27 3. A Internacionalização do Capital 53 4. A Interdependência das Nações 73 5. A Ocidentalização do Mundo 95 6. A Aldeia Global 117 7. A Racionalização do Mundo 143 8. A Dialética da Globalização 169 9. Modernidade-Mundo 203
10. Sociologia da Globalização 235
BIBLIOGRAFIA 257
vi i
Prefácio
A globalização está presente na realidade e no pensamento, desafian
do grande número de pessoas em todo o mundo . A despeito das vi
vências e opiniões de uns e outros , a maioria reconhece que esse p ro
blema está presente na forma pela qual se desenha o novo mapa do
mundo, na realidade e no imaginário.
Já são muitas as teorias empenhadas em esclarecer as condições
e os significados da globalização. Umas são um tanto t ímidas, ao
passo que outras , bastante audaciosas; algumas vezes desconhecem-
sc mutuamente , noutras , influenciam-se. Mas todas abrem perspecti
vas para o esclarecimento das configurações e movimentos da socie
dade global.
Vale a pena mapear as principais teorias da globalização. Permi
tem esclarecer não só as condições sob as quais se forma a sociedade
global, mas também os desafios que se criam para as sociedades na
cionais. Os horizontes que se descortinam com a globalização, em
termos de integração e fragmentação, podem abrir novas perspecti
vas para a interpretação do presente, a releitura do passado e a ima
ginação do futuro.
Os problemas da globalização naturalmente implicam um diálo
go múltiplo, com autores e interlocutores, em diferentes enfoques
históricos e teóricos. Em larga medida, esse diálogo está registrado
neste livro, nas referências e citações.
Alguns temas foram apresentados em debates, geralmente em
ambientes universitários. E alguns capítulos publicaram-se em ver
sões preliminares: "Metáforas da Globalização", Idéias, ano I, n°. 1,
ix
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Unicamp, Campinas , 1994; "A Ocidentalização do M u n d o " , sob o
t í tulo "A Modernização do M u n d o " , Margem, n°. 3 , PUC, São
Paulo, 1994; "A Aldeia Global" , sob o título "Globalização e Cul
tu ra" , O Estado de S. Paulo, 30 de ou tubro de 1994; "Sociologia da
Global ização", sob o título "Globalização: N o v o Paradigma das
Ciências Sociais", Estudos avançados, n°. 2 1 , USP, São Paulo, 1994.
Foram esses momentos importantes de diálogo múltiplo, polifónico,
que me permitiram aprimorar tal reflexão e sua narração.
OCTAV]
X
CAPÍTULO 1 Metáforas da globalização
A descoberta de que a terra se tornou mundo , de que o globo n ã o é
mais apenas uma figura astronômica, e sim o território no qual todos
encontram-se relacionados e atrelados, diferenciados e antagônicos —
essa descoberta surpreende, encanta e a temoriza. Trata-se de uma
ruptura drástica nos modos de ser, sentir, agir, pensar e fabular. Um
evento heurístico de amplas proporções, abalando não só as convic
ções, mas também as visões do mundo .
Ocorre que o globo não é mais exclusivamente um conglomerado
de nações, sociedades nacionais, Estados-nações, em suas relações de
interdependência, dependência, colonialismo, imperialismo, bilatera-
lismo, multilateralismo. Ao mesmo tempo, o centro do mundo não é
mais voltado só ao indivíduo, tomado singular e coletivamente como
povo, classe, grupo, minoria, maioria, opinião pública. Ainda que a
nação e o indivíduo continuem a ser muito reais, inquestionáveis e
presentes todo o tempo, em todo lugar, povoando a reflexão e a ima
ginação, ainda assim já não são "hegemônicos". Foram subsumidos,
real ou formalmente , pela sociedade global , pelas configurações e
movimentos da globalização. A Terra mundializou-se de tal maneira
que o globo deixou de ser uma figura astronômica para adquirir mais
plenamente sua significação histórica.
13
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Daí nascem a surpresa, o encantamento e o susto. Daí a impres
são de que se romperam modos de ser, sentir, agir, pensar e fabular.
Algo parecido com as drásticas rupturas epistemológicas representa
das pela descoberta de que a Terra não é mais o centro do universo
conforme Copérnico, de que o homem não é mais filho de Deus se
gundo Darwin, de que o indivíduo é um labirinto povoado de incons
ciente de acordo com Freud 1 . É claro que a descoberta que o pensa
mento científico está realizando sobre a sociedade global no declínio
d o século X X não apresenta as mesmas características dessas out ras
descobertas mencionadas . Mesmo porque são diversas e antigas as
instituições e indicações mais ou menos notáveis de g lobal ização.
Desde que o capitalismo desenvolveu-se na Europa, apresentou sem
pre conotações internacionais, multinacionais, transnacionais e mun
diais, desenvolvidas no interior da acumulação originária do mercan
tilismo, do colonialismo, do imperialismo, da dependência e da inter
dependência. E isso está evidente nos pensamentos de Adam Smith,
David Ricardo, Herber t Spencer, Karl M a r x , M a x Weber e muitos
ou t ros . M a s é inegável que a descoberta de que o g lobo terres t re ,
como já disse, não é mais apenas uma figura astronômica, e sim his
tórica, abala modos de ser, pensar, fabular.
Nesse clima, a reflexão e a imaginação não só caminham de par
em par como multiplicam metáforas, imagens, figuras, parábolas e
alegorias, destinadas a dar conta do que está acontecendo, das reali
dades não codificadas, das surpresas inimaginadas. As metáforas pa
recem florescer quando os modos de ser, agir, pensar e fabular mais
ou menos sedimentados sentem-se aba lados . É claro que falar em
metáfora pode envolver não só imagens e figuras, signos e símbolos,
mas também parábolas e alegorias. São múltiplas as possibilidades
abertas ao imaginário científico, filosófico e artístico, quando se des
cortinam os horizontes da globalização do mundo , envolvendo coisas,
1 Sigmund Freud, Obras completas, 3 tomos, tradução de Luis Lopez-Ballesteros y de Torres, Editorial Biblioteca Nueva, Madri, 1981, tomo III, cap. CI: "Una Dificultad del Psicoanálisis".
M E T Á F O R A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
gentes e idéias, interrogações e respostas, explicações e intuições, in-
irrpretações e previsões, nostalgias e utopias.
O problema da globalização, em suas implicações empíricas e me
todológicas, ou históricas e teóricas, pode ser colocado de m o d o ino
vador, propriamente heurístico, se aceitamos refletir sobre a lgumas
metáforas produzidas precisamente pela reflexão e imaginação desa
liadas pela globalização. N a época da globalização, o m u n d o come
çou a ser taquigrafado como "aldeia global" , "fábrica g lobal" , "ter-
rapá t r ia" , "nave espacial" , "nova Babel" e out ras expressões. São
metáforas razoavelmente originais, suscitando significados e implica
ções. Povoam textos científicos, filosóficos e artísticos.
Chama a atenção nesses textos a profusão de metáforas utilizadas
para descrever as transformações deste final de século: "primeira re
volução mundial" (Alexander King), "terceira onda" (AlvinToffler),
"sociedade informática" (Adam Schaff), "sociedade amébica" (Keni-
chi Ohmae), "aldeia global" (McLuhan). Fala-se da passagem de uma
economia de high volume para outra de high value (Robert Reich), e
da existência de um universo habitado por "objetos móveis" (Jacques
Attali) deslocando-se incessantemente de um lugar a outro do plane
ta. Por que esta recorrência no uso de metáforas? Elas revelam uma
realidade emergente ainda fugidia ao horizonte das ciências sociais. 2
H á metáforas, bem como expressões descritivas e interpretativas
fundamentadas, que circulam combinadamente pela bibliografia so
bre a globalização: " economia -mundo" , " s i s t ema-mundo" , "shop
ping center global", "Disneylândia global", "nova visão internacional
do t raba lho" , "moeda global" , "cidade global", "capitalismo global" ,
"mundo sem fronteiras", " tecnocosmo", "planeta Ter ra" , "desterri-
tor ia l ização", "minia tur ização" , "hegemonia global" , "fim da geo-
2 Renato Ortiz, Mundialização e cultura, Editora Brasiliense, São Paulo, 1994, p. 14.
15
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
grafia", "fim da história" e outras mais. Em parte, cada uma dessas e
ou t ras formulações abre problemas específicos t ambém relevantes.
Suscitam ângulos diversos de análise, pr ior izando aspectos sociais,
econômicos, políticos, geográficos, históricos, geopolíticos, demográ
ficos, culturais, religiosos, lingüísticos etc. Mas é possível reconhecer
que vários desses aspectos são contemplados por metáforas como "al
deia global", "fábrica global", "cidade global", "nave espacial", " n o
va babel" , entre outras. São emblemáticas, formuladas precisamente
no clima mental aberto pela globalização. Dizem respeito às distintas
possibilidades de prosseguimento de conquistas e dilemas da moderni
dade. Contemplam as controvérsias sobre modernidade e pós-moder-
nidade, revelando como é principalmente a partir dos horizontes da
modernidade que se pode imaginar as possibilidades e os impasses da
pós-modernidade no novo mapa do mundo .
"Aldeia global" sugere que, afinal, formou-se a comunidade mun
dial, concretizada com as realizações e as possibilidades de comunica
ção, informação e fabulação abertas pela eletrônica. Sugere que estão
em curso a harmonização e a homogeneização progressivas. Baseia-se
na convicção de que a organização, o funcionamento e a mudança da
vida social, em sentido amplo, compreendendo evidentemente a glo
balização, são ocasionados pela técnica e, neste caso, pela eletrônica.
Em pouco tempo, as províncias, nações e regiões, bem como culturas
e civilizações, são atravessadas e articuladas pelos sistemas de infor
mação, comunicação e fabulação agilizados pela eletrônica.
Na aldeia global, além das mercadorias convencionais, sob for
mas ant igas e a tua is , empacotam-se e vendem-se as informações .
Estas são fabricadas como mercadorias e comercializadas em escala
mundial . As informações, os entretenimentos e as idéias são produzi
dos, comercializados e consumidos como mercadorias.
Hoje passamos da produção de artigos empacotados para o empa
cotamento de informações. Antigamente invadíamos os mercados
estrangeiros com mercadorias. Hoje invadimos culturas inteiras com
/V A C S S , V\ ( £ Biblioteca j= '
M E T Á F O R A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O \ . /
pacotes de informações, entretenimentos e ideias. Em vista^Ua-iss^
tantaneidade dos novos meios de imagem e de som, até o jornal é
lento. 3
A metáfora torna-se mais autêntica e viva quando se reconhece
que ela praticamente prescinde da palavra, to rnando a imagem predo
minante, como forma de comunicação, informação e fabulação. A
eletrônica propicia não só a fabricação de imagens, do mundo como
um caleidoscópio de imagens, mas t a m b é m permite jogar com as
palavras c o m o imagens. A máquina impressora é subst i tuída pelo
aparelho de televisão e outras tecnologias eletrônicas, tais como ddd,
telefone celular, fax, computador , rede de computadores , todos atra
vessando fronteiras, sempre on Une everywhere worldwide ali time.
No próximo século, a Terra terá a sua consciência coletiva suspensa
sobre a face do planeta, em uma densa sinfonia eletrônica, na qual
todas as nações — se ainda existirem como entidades separadas —
viverão em uma teia de sinestesia espontânea, adquirindo penosa
mente a consciência dos triunfos e mutilações de uns e outros. De
pois desse conhecimento, desculpam-se. Já que a era eletrônica é
total e abrangente, a guerra atômica na aldeia global não pode ser
limitada. 4
Nesse sentido é que a aldeia global envolve a idéia de comunida
de mundial , mundo sem fronteiras, shopping center global, Disney-
lândia universal.
3 Marshall McLuhan, "A Imagem, o Som e a Fúria", Bernard Rosenberg e David Manning White (organizadores), Cultura de massa, tradução de Octávio Mendes Cajado, Editora Cultrix, São Paulo, 1973, pp. 563-570; citação das pp. 564-565.
4 Marshall McLuhan e Bruce R. Powers, The Global Village, Oxford University Press, Nova York, 1989, p. 95.
17
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Em todos os lugares, tudo cada vez mais se parece com tudo o mais,
à medida que a estrutura de preferências do mundo é pressionada
para um ponto comum homogeneizado. 5
"Fábrica g lobal" sugere uma transformação quantitativa e quali
tativa do capitalismo além de todas as fronteiras, subsumindo formal
ou realmente todas as outras formas de organização social e técnica
d o t raba lho , da produção e reprodução ampliada do capital . Toda
economia nacional, seja qual for, torna-se província da economia glo
bal. O m o d o capitalista de produção entra em uma época propr ia
mente global, e não apenas internacional ou multinacional. Assim, o
mercado, as forças produtivas, a nova divisão internacional do t raba
lho , a r e p r o d u ç ã o ampl iada d o capi ta l desenvolvem-se em escala
mundia l . Uma globalização que, progressiva e cont radi tor iamente ,
subsume real ou formalmente outras e diversas formas de organização
das forças produtivas, envolvendo a produção material e espiritual.
Já "é evidente que os países em desenvolvimento estão agora ofere
cendo espaços para a lucrativa manufatura de produtos industriais
destinados ao mercado mundial, em escala crescente". 6
Isto se deve a vários fatores, entre os quais destacam-se os seguintes:
Primeiro, um reservatório de mão-de-obra praticamente inesgotável
tornou-se disponível nos países em desenvolvimento nos últimos sé
culos... Segundo, a divisão e subdivisão do processo produtivo estão
agora tão avançadas que a maioria destas operações fragmentadas
pode ser realizada com um mínimo de qualificação profissional
5 Theodore Levitt, A imaginação de marketing, tradução de Auriphebo Berrance Simões, Editora Atlas, São Paulo, 1991, p. 43.
6 Folker Frobel, Jurgen Heinrichs e Otto Kreye, The New International Division of Labour (Structural Unemployment in Industrialised Countries and Industrialization in Developing Countries), tradução de Pete Burgess, Cambridge University Press, Cambridge, 1980, p. 13.
¡ 8
M E T Á F O R A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
7 Folker Frobel, Jurgen Heinrichs e Otto Kreye, The Netv International Division of Labour, citado, p. 13. Consultar também: Joseph Grunwald e Kenneth Flamm, The Global Factory, The Brookings Institution, Washington, 1985.
19
adquirida em pouco tempo.. . Terceiro, o desenvolvimento das técni
cas de transporte e comunicações cria a possibilidade, em muitos
casos, da produção completa ou parcial de mercadorias em qualquer
lugar do mundo; uma possibilidade não mais influenciada por fato
res técnicos, organizacionais ou de custos. 7
A fábrica global instala-se além de toda e qualquer fronteira, arti
culando capital, tecnologia, força de trabalho, divisão do trabalho so
cial e outras forças produtivas. Acompanhada pela publicidade, a mídia
impressa e eletrônica, a indústria cultural, misturadas em jornais, revis
tas, livros, programas de rádio, emissões de televisão, videoclipe, fax,
redes de computadores e outros meios de comunicação, informação e
fabulação, dissolve fronteiras, agiliza os mercados, generaliza o consu
mismo. Provoca a desterritorialização e a reterritorialização das coisas,
gentes e idéias. Promove o redimensionamento de espaços e tempos.
Logo se vê que a fábrica global é tanto metáfora como realidade.
Aos poucos, sua dimensão real impõe-se ao emblema, à poética. O que
se impõe, com força avassaladora, é a realidade da fábrica da sociedade
global, altamente determinada pelas exigências da reprodução amplia
da do capital. N o âmbito da globalização, revelam-se às vezes transpa
rentes e inexoráveis os processos de concentração e centralização do ca
pital, articulando empresas e mercados, forças produtivas e centros de
cisórios, alianças estratégicas e planejamentos de corporações, tecendo
províncias, nações e continentes, ilhas e arquipélagos, mares e oceanos.
"Nave espacial" sugere a viagem e a travessia, o lugar e a dura
ção, o conhecido e o incógnito, o destinado e o transviado, a aventu
ra e a desventura. A magia da nave espacial vem junto com o destino
desconhecido. O deslumbramento da travessia traz consigo a tensão
do que pode ser impossível. Os habitantes da nave podem ser levados
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
a uma sucessão de perplexidades, reconhecendo a impossibilidade de
desvendar o devir.
Organizar uma entidade que abarca o planeta não é uma empresa
insignificante... Propor uma assembléia que representasse todos os
homens seria como fixar o número exato dos arquétipos platônicos,
enigma que tem ocupado durante séculos a perplexidade dos pensa
dores. 8
A metáfora da nave espacial pode muito bem ser o emblema de co
m o a modernidade se desenvolve no século XX, prenunciando o XXI.
Leva consigo a dimensão pessimista embutida na utopia-nostalgia es
condida na modernidade. Pode ser o produto mais acabado, por en
quanto , da razão iluminista. Depois de seus desenvolvimentos mais no
táveis, através dos séculos XIX e XX, a razão iluminista parece ter al
cançado seu momento negativo extremo: nega-se de modo radical, ni
ilista, anulando toda e qualquer utopia-nostalgia. E isto atinge o paro
xismo na dissolução do indivíduo como sujeito da razão e da história.
A crise da razão se manifesta na crise do indivíduo, por meio da qual
se desenvolveu. A ilusão acalentada pela filosofia tradicional sobre o
indivíduo e sobre a razão — a ilusão da sua eternidade — está se dis
sipando. O indivíduo outrora concebia a razão como um instrumen
to do eu, exclusivamente. Hoje, ele experimenta o reverso dessa auto-
deificação. A máquina expeliu o maquinista; está correndo cegamen
te pelo espaço. N o momento da consumação, a razão tornou-se irra
cional e embrutecida. O tema deste tempo é a autopreservação,
embora não exista mais um eu a ser preservado. 9
8 Jorge Luis Borges, El libro de arena, Alianza Editorial, Madri, 1981, pp. 26-27; citação de "El Congreso".
9 Max Horkheimer, Eclipse da razão, tradução de Sebastião Uchoa Leite, Editorial Labor do Brasil, Rio de Janeiro, 1976, p. 139. Consultar também: Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, Dialética do esclarecimento (Fragmentos Filosóficos), tradução de Guido Antonio de Almeida, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1985.
20
M E T Á F O R A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Aí está uma conotação surpreendente da modernidade, na época
tia globalização: o declínio do indivíduo. Ele própr io , singular e cole
tivamente, produz e reproduz as condições materiais e espirituais da
sua subordinação e eventual dissolução. A mesma fábrica da socieda
de global, em que se insere e que ajuda a criar e recriar cont inuamen
te, torna-se o cenário em que desaparece.
Ocorre que a tecnificação das relações sociais, em todos os níveis,
universaliza-se. Na mesma proporção em que se dá o desenvolvimen
to extensivo e intensivo do capitalismo no mundo , generaliza-se a ra
cionalidade formal e real inerente ao modo de operação do mercado,
da empresa, do aparelho estatal, do capital, da administração das coi
sas, de gentes e idéias, tudo isso codificado nos princípios do direito.
Juntam-se aí o direito e a contabilidade, a lógica formal e a calculabi-
lidade, a racionalidade e a produtividade, de tal maneira que em todos
os grupos sociais e instituições, em todas as ações e relações sociais,
tendem a predominar os fins e os valores constituídos no âmbito do
mercado, da sociedade vista como um vasto e complexo espaço de
trocas. Esse é o reino da racionalidade instrumental, em que também
o indivíduo se revela adjetivo, subalterno.
A razão universal supostamente absoluta rebaixou-se à mera racio
nalidade funcional, a serviço do processo de valorização do dinheiro,
que não tem sujeito, até a atual capitulação incondicional das chama
das "ciências do espírito". O universalismo abstrato da razão ociden
tal revelou-se como mero reflexo da abstração real objetiva do
dinheiro. 1 0
N a metáfora da nave espacial esconde-se a da "torre de Babel". A
nave pode ser babélica. Um espaço caótico, tão babélico que os indiví
duos singular e coletivamente têm dificuldade para compreender que se
acham extraviados, em declínio, ameaçados ou sujeitos à dissolução.
1 0 Robert Kurz, O colapso da modernização, tradução de Karen Elsabe Barbosa, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1992, p. 239.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
N o início tudo estava numa ordem razoável na construção da Torre dej
Babel; talvez a ordem fosse até excessiva, pensava-se demais em sinali
zações, intérpretes, alojamentos de trabalhadores e vias de comunica
ção, como se à frente houvesse séculos de livres possibilidades de tra
balho. (...) O essencial do empreendimento todo é a idéia de construir
uma torre que alcance o céu. Ao lado dela tudo o mais é secundário.
Uma vez apreendida na sua grandeza, essa idéia não pode mais desa
parecer; enquanto existirem homens, existirá também o forte desejo de
construir a torre até o fim. (...) Cada nacionalidade queria ter o aloja
mento mais bonito; resultaram daí disputas que evoluíram até lutas
sangrentas. Essas lutas não cessaram mais. (...) As pessoas porém não
ocupavam o tempo apenas com batalhas; nos intervalos embelezava-se
a cidade, o que entretanto provocava nova inveja e novas lutas. (...) A
isso se acrescentou que já a segunda ou terceira geração reconheceu o
sem sentido da construção da torre do céu, mas já estavam todos mui
to ligados entre si para abandonarem a cidade. 1 1
A Babel escondida no emblema da nave espacial pode revelar ain
da mais nitidamente o que há de trágico no modo pelo qual se dá a globa l ização . Nes t a a l tura da h is tór ia , p a r a d o x a l m e n t e , t odos se
entendem. H á até mesmo uma língua comum, universal, que permite
um mínimo de comunicação entre todos. A despeito das diversidades
civilizatórias, culturais, religiosas, lingüísticas, históricas, filosóficas,
científicas, artísticas e outras, o inglês tem sido adotado como a vul
gata da globalização. Nos quatro cantos do mundo , esse idioma está
n o mercado e na mercadoria, na imprensa e na eletrônica, na prática
e n o pensamento, na nostalgia e na utopia. É o idioma do mercado
universal, do intelectual cosmopolita, da epistemologia escondida n o
computador , d o Prometeu eletrônico.
O inglês tem sido promovido com sucesso e tem sido avidamente
adotado no mercado lingüístico global. Um sintoma do impacto do
1 1 Franz Kafka, "O Brasão da Cidade", tradução de Modesto Carone, Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 de janeiro de 1993, p. 5 do caderno "Mais".
M E T Á F O R A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 2 Robert Phillipson, Linguistic Imperialism, Oxford University Press, Oxford, 1992, p. 7. Consultar também: Claude Truchot, L'anglais dans le monde contemporain, Le Robert, Paris, 1990.
inglês é o empréstimo lingüístico. O inglês se impõe a todas as línguas
com as quais entra em conta to . 1 2
De repente, nessa nave espacial, uma espécie de babel-teatromún-
di, instala-se um pathos surpreendente e fascinante. Arrasta uns e ou
tros numa travessia sem fim, com destino incerto, arriscada a seguir
pelo infinito. Algo inexorável e assustador parece ter resultado do em
penho do indivíduo, singular e coletivo, para emancipar-se. A razão
parece incapaz de redimir, depois de tanta promessa. Mais que isso, o
castigo se revela maior que o pecado. A utopia da emancipação indi
vidual e coletiva, nacional e mundial , parece estar sendo punida com
a globalização tecnocrática, instrumental, mercantil , consumista. A
mesma razão que realiza o desencantamento do mundo , de m o d o a
emancipá-lo, aliena mais ou menos inexoravelmente todo o mundo .
Vistas assim, como emblemas da globalização, as metáforas des
vendam traços fundamentais das configurações e movimentos da so
ciedade global. São faces de um objeto caleidoscópico, del ineando
fisionomias e movimentos do real , emblemas da sociedade global
desafiando a reflexão e a imaginação.
A metáfora está sempre no pensamento científico. N ã o é apenas
um artifício poético, mas uma forma de surpreender o imponderável,
fugaz, recôndito ou essencial, escondido na opacidade do real. A me
táfora combina reflexão e imaginação. Desvenda o real de forma poé
tica, mágica. Ainda que não revele tudo , e isto pode ser impossível,
sempre revela algo fundamental. Apreende uma conotação insuspeita-
da , um segredo, o essencial, a aura . Tan to assim que ajuda a com
preender e explicar, ao mesmo tempo que capta o que há de dramát i
co e épico na realidade, desafiando a reflexão e a imaginação. Em cer
tos casos, a metáfora desvenda o pathos escondido nos movimentos
da história.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Talvez se possa dizer que as metáforas produzidas nos horizontes
da globalização entram em diálogo umas com as outras , múltiplas,
plurais, polifónicas. Uma desafia e enriquece a outra, conferindo no
vos significados a todas. É também assim que a sociedade global ad
quire fisionomia e significados. Desde uma realidade complexa, p r o
blemática e caót ica, desencantam-se os sent idos, desvendam-se as
transparências.
De metáfora em metáfora chega-se à fantasia, que ajuda a reen
carnar o mundo , produzindo a utopia. Além do que tem de própr io ,
intrínseco, significado e significante, a utopia reencanta o real proble
mático, difícil, caótico. Mas a utopia não é nem transcrição nem nega
ção imediatas d o real problemático. Exorciza o caótico pela sublima
ção. Sublimação do que já se acha sublimado na cultura, no imaginá
rio, polifonia das metáforas que povoam as aflições e as ilusões de uns
e outros .
Esse é o horizonte em que se formam e conformam as utopias flo
rescendo no âmbito da sociedade global, de m o d o a compreendê-la e
exorcizá-la. Podem ser cibernéticas, sistêmicas, eletrônicas, pragmáti
cas, prosaicas ou tecnocráticas. Também podem ser românticas, nos
tálgicas, desencantadas, niilistas ou iluministas.
Faz tempo que a reflexão e a imaginação sentem-se desafiadas
para taquigrafar o que poderia ser a globalização d o mundo . Essa é
uma busca antiga, iniciada há muito t empo, cont inuando n o presen
te, seguindo pelo futuro. N ã o termina nunca. São muitas as expres
sões que denotam essa busca permanente, reiterada e obsessiva, em
diferentes épocas, em distintos lugares, em diversas linguagens: civili
zados e bárbaros , nativos e estrangeiros, Babel e humanidade, paga
nismo e cr is tandade, Ocidente e Oriente , capital ismo e socialismo,
ocidental ização d o m u n d o , Primeiro, Segundo, Terceiro e Q u a r t o
M u n d o s , nor te e sul, m u n d o sem fronteiras, capi ta l ismo mund ia l ,
socialismo mundial , terrapátria, planeta Terra , ecossistema planetá
rio, fim da geografia, fim da história.
São emblemas de alegorias de todo o m u n d o . Assinalam ideais,
hor izontes , possibil idades, ilusões, u topias , nostalgias . Expressam
24
M E T Á F O R A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
inquietações sobre o presente e ilusões sobre o futuro, compreenden
do muitas vezes o passado. A utopia pode ser a imaginação do futuro,
assim como a nostalgia pode ser a imaginação do passado. Em todos
os casos está em causa o protesto diante d o presente, ou o estranha
mento em face da realidade.
Em geral, a utopia e a nostalgia florescem nas épocas em que se
acentuam os ritmos das transformações sociais, quando se multipli
cam os desencontros entre as mais diversas esferas da vida sócio-cul-
tural, bem como das condições econômicas e políticas. São épocas em
que os desencontros entre o contemporâneo e o não-contemporâneo
acentuam-se, aprofundam-se. Esse é o contexto em que a reflexão e a
imaginação jogam-se na construção de utopias e nostalgias.
Mas umas e outras não se apagam de um momento para ou t ro .
Ao contrár io, permanecem no imaginário. Transformam-se em pon
tos de referência, marcas no mapa histórico e geográfico do mundo .
Inclusive podem recriar-se com novos elementos engendrados pelas
configurações e movimentos da sociedade global.
Esse é o horizonte em que as mais diversas utopias e nostalgias
constituem-se como uma rede de articulações que tecem a história e a
geografia d o mapa do mundo . "Atlânt ida" n ã o é um lugar na geogra
fia nem um momento da história, mas uma alegoria da imaginação.
Ela se mantém escondida na rede de utopias e nostalgias que povoam
o mundo . M u d o u de nome, adquiriu outras conotações, transfigurou-
se. M a s continua um emblema excepcional do pensamento e da fabu-
lação. "Babel" também não é um lugar na geografia nem um momen
to da história. Flutua pelo tempo e o espaço, ao acaso de imaginação
de uns e out ros , povoando as inquietações de muitos. Diante dos de
sencontros que atravessam o tempo e o espaço, quando se acentuam
as não-contemporane idades , q u a n d o de repente t udo se precipita,
a b a l a n d o quad ros de referência, t r ans formando as bases sociais e
imaginárias de nosso tempo, dissolvendo visões do mundo , nessa épo
ca até mesmo a alegoria babélica permite a ilusão de um mínimo de
articulação.
2 5
CAPITULO 2 As economias-mundo
A história moderna e contemporânea pode ser vista como uma histó
ria de sistemas coloniais, sistemas imperialistas, geoeconomias e geo
políticas. Cenário da formação e expansão dos mercados, da indus
trialização, da urbanização e da ocidentalização, envolvendo nações e
nacionalidades, culturas e civilizações. Algumas das nações mais po
derosas, em cada época, articulam colônias, protetorados ou territó
rios em conformidade com suas estratégias, geoeconomias e geopolí
ticas. As guerras e revoluções povoam largamente essa história, reve
lando articulações e tensões que emergem e desdobram o jogo das for
ças sociais " internas" e "externas" nas metrópoles, nas colônias, nos
p ro te to rados , nos ter r i tór ios , nos ent repos tos , nos enclaves e nas
nações dependentes.
É claro que a história moderna e contemporânea está ponti lhada
de países, sociedades nacionais, Estados-nações, mais ou menos de
senvolvidos, ar t iculados, institucionalizados. Ao longo da história,
conforme ocorre depois da Segunda Guerra Mundial , a maioria dos
povos de todos os continentes, ilhas e arquipélagos está filiada a Esta
dos nacionais independentes. E esta tem sido uma constante nas ciên
cias sociais: a história moderna e contemporânea tem sido vista como
29
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
u m a história de sociedades nacionais , ou Estados-nações . Mu i to s
cientistas sociais dedicaram-se e cont inuam a dedicar-se às relações
internacionais, diplomáticas, colonialistas, imperialistas e às descolo
nizações, às dependências e interdependências. Mas no pensamento
da maioria tende a predominar o emblema do Estado-nação. Os pro
blemas com os quais se preocupam, aos quais dedicam pesquisas, in
terpretações e debates, relacionam-se principalmente com a forma
ção, organização, ascensão, ruptura ou declínio do Estado-nação, sob
seus diversos aspectos.
Cada vez mais, no entanto, o que preocupa muitos pesquisadores
no século XX, em particular depois da Segunda Guerra Mundial , é o
conhecimento das realidades internacionais emergentes, ou realidades
propriamente mundiais. Sem deixar de continuar a contemplar a socie
dade nacional , em suas mais diversas configurações, mui tos empe
nham-se em desvendar as relações, os processos e as estruturas que
transcendem o Estado-nação, desde os subalternos aos dominantes .
Empenham-se em desvendar os nexos políticos, econômicos, geoeconô-
micos, geopolíticos, culturais, religiosos, lingüísticos, étnicos, raciais e
todos os que articulam e tensionam as sociedades nacionais, em âmbi
to internacional, regional, multinacional, transnacional ou mundial .
A idéia de "economias-mundo" emerge nesse horizonte, diante
dos desafios das atividades, produções e transações que ocorrem tan
to entre as nações como por sobre elas, e além dessas, mas sempre en-
volvendo-as em configurações mais abrangentes. Quando o pesquisa
dor combina o olhar do historiador com o do geógrafo, logo revelam-
se configurações e movimentos da realidade social que transcendem o
feudo, a província e a nação, assim como transcendem a ilha, o arqui
pélago e o continente, atravessando mares e oceanos.
O conceito de "economia-mundo" está presente em estudos de
Braudel e Wallerstein, precisamente pesquisadores que c o m b i n a m
muito bem o olhar do historiador com o do geógrafo. É verdade que
Wallerstein prefere a noção de "s is tema-mundo", ao passo que Brau
del a de "economia-mundo" , mas ambos mapeiam a geografia e a his-
3 0
AS E C O N O M I A S M U N D O
:-. i
a com base na primazia do econômico, na idéia de que a história
ie constitui em um conjunto, ou sucessão, de sistemas econômicos
mundiais. Mundiais no sentido de que transcendem a localidade e a
província, o feudo e a cidade, a nação e a nacionalidade, cr iando e re
m a n d o fronteiras, assim como fragmentando-as ou dissolvendo-as.
Eles lêem as configurações da história e da geografia como uma suces
são , ou coleção, de economias-mundo. Descrevem atenta e minucio
samente os fatos, as atividades, os intercâmbios, os mercados, as p ro
duções, as inovações, as tecnificações, as diversidades, as desigualda
des, as tensões e os conflitos. Apanham a ascensão e o declínio das
economias -mundo . M o s t r a m c o m o Veneza , H o l a n d a , Ing la te r ra ,
Trança, Alemanha, Estados Unidos, Japão e os demais países ou cida
des, cada um a seu tempo e lugar, polarizam configurações e movi
mentos mundiais. Permitem reler o mercantilismo, o colonialismo, o
imperialismo, o bloco econômico, a geoeconomia e a geopolítica em
termos de economias-mundo. Reescrevem a história do capitalismo,
como n o caso de Wallerstein, ou a história universal, c o m o n o de
Braudel, em conformidade com a idéia de economia-mundo.
Vale a pena precisar um pouco os conceitos, nas palavras de seus
autores. Logo se evidenciam as originalidades de cada um, bem como
as recorrências recíprocas.
Vejamos inicialmente o conceito de "economia-mundo" de acor
do com Braudel:
Por economia mundial entende-se a economia do mundo globalmen
te considerado, "o mercado de todo o universo", como já dizia
Sismondi. Por economia-mundo, termo que forjei a partir do alemão
Weltwirtschaft, entendo a economia de uma porção do nosso plane
ta somente, desde que forme um todo econômico. Escrevi, já há mui
to tempo, que o Mediterrâneo no século XVI era, por si só, uma (...)
economia-mundo, ou como também se poderia dizer, em alemão (...)
"um mundo em si e para si". Uma economia-mundo pode definir-se
como tripla realidade:
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
• Ocupa um determinado espaço geográfico; tem portanto limites,
que a explicam, e que variam, embora bastante devagar. De tempos
a tempos, com longos intervalos, há mesmo inevitavelmente ruptu
ras. Foi o que aconteceu a seguir aos Descobrimentos do final do sé
culo XV. E foi o que aconteceu em 1689, quando a Rússia, por mer
cê de Pedro, o Grande, se abriu à economia européia. Imaginemos
uma franca, total e definitiva abertura das economias da China e da
U.R.S.S., hoje (1985): dar-se-ia, então, uma ruptura dos limites do
espaço ocidental, tal como atualmente existe.
• Uma economia-mundo submete-se a um pólo, a um centro, repre
sentado por uma cidade dominante, outrora um Estado-cidade, hoje
uma grande capital, uma grande capital econômica, entenda-se (nos
Estados Unidos, por exemplo, Nova York e não Washington). Aliás,
podem coexistir, e até de forma prolongada, dois centros numa mes
ma economia-mundo: Roma e Alexandria, no tempo de Augusto, e de
Antônio e Cleópatra, Veneza e Gênova, no tempo da guerra pela pos
se de Chioggia (1378-1381), Londres e Amsterdã, no século XVIII,
antes da eliminação definitiva da Holanda. É que um dos centros aca
ba sempre por ser eliminado. Em 1929, o centro do mundo passou
assim, hesitante mas inequivocamente, de Londres para Nova York.
• Todas as economias-mundo se dividem em zonas sucessivas. Há o
coração, isto é, a zona que se estende em torno do centro: as Pro
víncias Unidas nem todas, porém, quando, no século XVII, Amster
dã domina o mundo; a Inglaterra (não toda), quando Londres, a par
tir de 1780, suplantou definitivamente Amsterdã. Depois, vêm as
zonas intermédias à volta do eixo central e, finalmente, surgem as
margens vastíssimas que, na divisão do trabalho que caracteriza uma
economia-mundo, mais do que participantes são subordinadas e
dependentes. Nestas zonas periféricas, a vida dos homens faz lembrar
freqüentemente o Purgatório ou o Inferno. E isso explica-se simples
mente pela sua situação geográfica. 1
1 Fernand Braudel, A dinâmica do capitalismo, tradução de Carlos da Veiga Ferreira, 2'. edição, Editorial Teorema, Lisboa, 1986, pp. 85-87. A primeira edição do original em francês é de 1985. Consultar também:
32
AS E C O N O M I A S - M U N D O
Fernand Braudel, O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II, 2 vols., Martins Fontes Editora, Lisboa, 1984; sem indicação do tradutor. A primeira edição do original em francês é de 1966. Fernand Braudel, Civilisation matérielle, économie et capitalisme, XVe-XVIIIe Siècles, 3 vols., Librairie Armand Colin, Paris, 1979.
2 Immanuel Wallerstein, El moderno sistema mundial (La agricultura capitalista y los origines de la economia-mundo europea en el siglo XVI), tradução de Antonio Resines, Siglo Veintiuno Editores, México, 1979.
3 3
Cabe agora refletir sobre o conceito de "s i s tema-mundo" , a par-
r das expressões de Wallerstein:
Um sistema mundial é um sistema social, um sistema que possui limi
tes, estrutura, grupos, membros, regras de legitimação e coerência. Sua
vida resulta das forças conflitantes que o mantêm unido por tensão e o
desagregam, na medida em que cada um dos grupos busca sempre
reorganizá-lo em seu benefício. Tem as características de um organis
mo, na medida em que tem um tempo de vida durante o qual suas
características mudam em alguns dos seus aspectos, e permanecem
estáveis em outros. Suas estruturas podem definir-se como fortes ou
débeis em momentos diferentes, em termos da lógica interna de seu
funcionamento. (...) Até o momento só têm existido duas variedades
de tais sistemas mundiais: impérios-mundo, nos quais existe um único
sistema político sobre a maior parte da área, por mais atenuado que
possa estar o seu controle efetivo; e aqueles sistemas nos quais tal siste
ma político único não existe sobre toda ou virtualmente toda a sua ex
tensão. Por conveniência, e à falta de melhoi termo, utilizamos o termo
"economias-mundo" para definir estes últimos. (...) A peculiaridade
do sistema mundial moderno é que uma economia-mundo tenha
sobrevivido por quinhentos anos e que ainda não tenha chegado a
transformar-se em um império-mundo, peculiaridade que é o segredo
da sua fortaleza. Esta peculiaridade é o aspecto político da forma de
organização econômica chamada capitalismo. O capitalismo tem sido
capaz de florescer precisamente porque a economia-mundo continha
dentro dos seus limites não um, mas múltiplos sistemas políticos. 2
j T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
É claro que o pensamento de Braudel e Wallerstein distinguem-se
sob vários aspectos, tanto no que se refere ao universo empírico como
n o relativo ao enfoque teórico. Braudel propõe uma espécie de teoria
geral geo-histórica, contemplando as mais diversas configurações de
economias-mundo. E está influenciado pelo funcionalismo originário
de Durheim e desenvolvido por Simiand e outros, combinando histó
ria, sociologia, geografia, antropologia e outras disciplinas. Ao passo
que Wallerstein debruça-se sobre o capitalismo moderno, apoiando-
se em recursos metodológicos muitas vezes semelhantes aos do estru
turalismo marxista.
As análises de Braudel são principalmente historiográficas e geo
gráficas. Contemplam os acontecimentos, macro e micro, locais, pro
vinciais, nacionais, regionais e internacionais, tendo em conta as dinâ
micas e diversidades de espaços e tempos. A noção de "longa dura
ç ã o " é bem expressiva das preocupações e descobertas de Braudel. A
longa duração é algo que se apreende nas temporalidades e cartogra
fias articuladas nas tendências seculares.
A história tradicional, atenta ao tempo breve, ao indivíduo, ao even
to, habituou-nos há muito tempo a sua narrativa precipitada, dramá
tica, de fôlego curto. A nova história econômica e social põe no pri
meiro plano de sua pesquisa a oscilação cíclica e assenta sobre sua
duração: prendeu-se à miragem, também à realidade das subidas e
descidas cíclicas dos preços. Hoje, há assim, ao lado do relato (ou do
"recitativo" tradicional), um recitativo da conjuntura que põe em
questão o passado por largas fatias: dez, vinte ou cinqüenta anos.
pp. 489-491. Consultar também: Immanuel Wallerstein, El moderno sistema mundial (II. El mercantilismo y la consolidación de la economia-mundo europea 1600-1750), tradução de Pilar López Mañez, Siglo Veintiuno Editores, México, 1984; Imannuel Wallerstein, The Modern World-System III (The Second Era of Great Expansion of The Capitalist World-Economy, 1730-1840s), Academic Press, Nova York, 1989.
AS E C O N O M I A S - M U N D O
Bem além desse segundo recitativo, situa-se uma história de respira
ção mais contida ainda, e, desta vez, de amplitude secular: a história
de longa, e mesmo, de longuíssima duração. (...) Além dos ciclos e
interciclos, há o que os economistas chamam, sem estudá-la, sempre,
a tendência secular. Mas ela ainda interessa apenas a raros economis
tas e suas considerações sobre as crises estruturais, não tendo sofrido
a prova das verificações históricas, se apresentam como esboços ou
hipóteses, apenas enterrados no passado recente, até 1929, quando
muito até o ano de 1870. Entretanto, oferecem útil introdução à his
tória de longa duração. São uma primeira chave. A segunda, bem
mais útil, é a palavra estrutura. Boa ou má, ela domina os problemas
da longa duração. Por estrutura, os observadores do social entendem
uma organização, uma coerência, relações bastante fixas entre reali
dades e massas sociais. Para nós, historiadores, uma estrutura é, sem
dúvida, articulação, arquitetura, porém mais ainda, uma realidade
que o tempo utiliza mal e veicula mui longamente. Certas estruturas,
por viverem muito tempo, tornam-se elementos estáveis de uma infi
nidade de gerações: atravancam a história, incomodam-na, portanto,
comandam-lhe o escoamento. Outras estão mais prontas a se esface
lar. Mas todas são, ao mesmo tempo, sustentáculos e obstáculos.
Obstáculos , assinalam-se como limites (envolventes, no sentido
matemático) dos quais o homem e suas experiências não podem
libertar-se. Pensai na dificuldade em quebrar certos quadros geográ
ficos, certas realidades biológicas, certos limites da produtividade,
até mesmo estas ou aquelas coerções espirituais: os quadros mentais
também são prisões de longa duração. 3
3 Fernand Braudel, Escritos sobre a História, tradução de J. Guineburg e Tereza Cristina Silveira da Mota, Editora Perspectiva, São Paulo, 1978, pp. 44 e 49-50; citações do ensaio "História e Ciências Sociais: a Longa Duração", pp. 41-78.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Ao passo que Wallerstein focaliza prioritariamente a anatomia e
a dinâmica das realidades econômicas e políticas do capitalismo m o
derno, que denomina de capitalismo histórico. São realidades vistas
em âmbi to nacional e internacional, compreendendo colonialismos,
imperialismos, dependências, interdependências, hegemonias, tensões
e conflitos. Esse o contexto das guerras e revoluções, destacando-se
em especial os movimentos anti-sistêmicos. Vejamos, pois, a dinâmi
ca da economia-mundo, conforme escrevia Wallerstein em 1983 :
O capitalismo histórico funcionava numa economia-mundo, mas
não num Estado-mundo. Mui to pelo contrário. Como vimos, as
pressões estruturais militaram contra qualquer edificação de um
Estado-mundo. Neste sistema, sublinhamos o papel decisivo dos
múltiplos Estados — estruturas políticas as mais poderosas e, ao
mesmo tempo, como poder limitado. Por isso, a reestruturação de
determinado Estado representava, para a força de trabalho, o cami
nho mais promissor para melhorar sua posição e, ao mesmo tempo,
um caminho de valor limitado. Devemos começar com o que enten
demos por movimentos anti-sistêmicos. A expressão implica algum
impulso coletivo de uma natureza mais que momentânea. De fato, é
claro que ocorreram protestos ou levantes um tanto espontâneos da
força de t rabalho , em todos os sistemas históricos conhecidos.
Serviam como válvulas de escape para uma raiva contida; ou, por
vezes, um pouco mais eficazmente, como mecanismos que colocavam
limites mínimos aos processos de exploração. Mas, falando generica
mente, a rebelião como técnica só funcionava às margens da autori
dade central, e principalmente quando as burocracias centrais esta
vam em fase de desintegração. (...) Quando as duas variantes de
movimentos anti-sistema se difundiram (os movimentos trabalhistas-
socialistas, a partir de poucos Estados fortes para todos os outros, e
os movimentos nacionalistas, de poucas zonas periféricas para todo
o resto), a diferença entre os dois tipos de movimento tornou-se cada
vez mais indistinta. Os movimentos trabalhistas-socialistas descobri
ram que os temas nacionalistas eram decisivos para seus esforços de
36
AS E C O N O M I A S - M U N D O
mobilização e para seu exercício do poder no Estado. (...) Uma das
forças dos movimentos anti-sistema era o fato de que chegaram ao
poder em grande número de Estados. Isso alterou as políticas vigen
tes no sistema mundial. Mas essa força foi também uma fraqueza,
visto que os chamados regimes pós-revolucionários continuavam a
funcionar como se fosse para a divisão social do trabalho do capita
lismo histórico. Operavam aí, a contragosto, sob as pressões inflexí
veis da direção para a acumulação interminável do capital. 4
Note-se que para Wallerstein a "economia-mundo" está organi
zada com base no que ele próprio denomina "capitalismo his tór ico",
0 que M a r x havia denominado simplesmente "capital ismo" ou " m o
do capitalista de p rodução" e Weber denominara "capitalismo mo
derno" . A sua originalidade está em reconhecer que o capitalismo ex
pandiu-se cont inuamente pelas mais diversas e distantes par tes d o
mundo, o que desafia o pensamento científico no século XX, particu
larmente nas ciências sociais. Ainda que nem sempre contemple as
interpretações que haviam sido desenvolvidas por M a r x e Weber , no
que é acompanhado por Braudel, oferece sugestões importantes para
a análise das características do capitalismo como economia-mundo:
Na história moderna, as reais fronteiras dominantes da economia-
mundo capitalista expandiram-se intensamente desde as suas origens
no século XVI, de tal maneira que hoje elas cobrem toda a Terra. (...)
Uma economia-mundo é constituída por uma rede de processos pro
dutivos interligados, que podemos denominar "cadeias de merca
dorias", de tal forma que, para qualquer processo de produção na ca
deia, há certo número de vínculos para adiante e para trás, dos quais
o processo em causa e as pessoas nele envolvidas dependem. (...)
4 Immanuel Wallerstein, O capitalismo histórico, tradução de Denise Bottmann, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985, pp. 55-56, 60 e 60-61. Note-se que a primeira edição em inglês data de 1983.
37
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
5 Immanuel Wallerstein, The Politics of the World-Economy (The States, the Movements and the Civilizations), Cambridge University Press, Cambridge, 1988, pp. 2-3; citação do cap. 1: "World Networks and the Politics of the World-Economy".
38
AS E C O N O M I A S - M U N D O
6 Jacques Attali, Milênio, tradução de R. M. Bassols, Seix Barrai, Barcelona, 1991; Lester Thurow, Head to Head (The Coming Economic Battle Among Japan, Europe and America), William Morrow and Company, Nova York, 1992.
3 9
Nesta cadeia de mercadorias, articulada por laços que se cruzam,
ptodução está baseada no princípio da maximização da acumulaçãi
do capital. 5
É óbvio que a economia-mundo capitalista está permeada de eco
nomias-mundo menores ou regionais, organizadas em moldes colo
niais, imperialistas, geoeconômicos e geopolíticos. Ao longo da histó
ria da economia-mundo capitalista houve e continua a haver a aseen
são e queda de grandes potências, como centros dominantes de econo
mias-mundo regionais.
Desde o século XVI, sucedem-se economias-mundo de maior ou me
nor envergadura e duração, centradas em torno de Portugal
Espanha, Holanda, França, Alemanha, Rússia (em algumas décadas
do século XX também União Soviética), Inglaterra, Japão, Estado!
Unidos. Aliás, nas últimas décadas do século XX já se prenunciam
outros arranjos de economias-mundo regionais, no âmbito da econo
mia-mundo capitalista de alcance global. Nesta época já se esboçam
economias-mundo regionais polarizadas pelas seguintes organiza
ções ou nações: União Européia, com alguma influência no leste
europeu e ampla ascendência sobre a África; Estados Unidos, com
ampla influência em todas as Américas, do Canadá ao Chile, natural
mente compreendendo o Caribe; Japão, com ampla influência nos
países asiáticos do Pacífico, compreendendo também a Indonésia e a
Austrália; a Rússia, polarizando a Comunidade de Estados Indepen
dentes (CEI), ainda muito mobilizados na transição de economias
nacionais com planejamento econômico centralizado para econo
mias nacionais de mercado aberto. É provável que a China se torne o
centro de outra economia-mundo regional, não só no contraponto
Japão-Rússia, mas também interferindo no jogo de interesses de
outras economias-mundo regionais já presentes na Ásia, como a nor
te-americana e a européia. Naturalmente essas economias-mundo
regionais encontram-se em diferentes estágios de organização e dina
mização; inclusive interpenetrando-se às vezes amplamente. O Japão
tem investimentos em outras regiões, assim como na Europa e nos
Estados Unidos. Nas últimas décadas do século XX, os contornos
das economias-mundo regionais estão mais ou menos esboçados,
mas não parecem consolidados. 6
Essa impressão revela-se ainda mais acentuada devido ao fato de
que desde o término da guerra fria, quando se desagrega a economia-
mundo socialista, o mundo como um todo deixou de estar rigidamen
te polarizado entre bloco soviético ou comunista, por um lado, e blo
co norte-americano ou capitalista, por out ro .
T o d o esse cenário, um pouco real e um pouco imaginário, obvia
mente é t ambém um cenário de confluencias e tensões, acomodações
e contradições. São processos que já se esboçam em alguns recantos
desse novo e surpreendente mapa do mundo em formação desde o tér
mino da guerra fria; um mapa do mundo em que se estão desenhando
várias economias-mundo regionais no âmbito de uma economia-mun
do capitalista global.
M a s a economia-mundo capitalista, seja de alcance regional, seja
de alcance global, continua a articular-se com base no Estado-nação.
Ainda que reconheça a importância das corporações transnacionais,
Wallerstein reafirma a importância do Estado-nação soberano, mes
m o que essa soberan ia seja l imi tada pela in te rdependênc ia d o s
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Estados nacionais e pela preeminência de um Estado mais forte sobre
outros . Cabe reconhecer, diz ele, que
a superestrutura da economia-mundo capitalista é um sistema de
Estados interdependentes, sistema esse no qual as estruturas políticas
denominadas "Estados soberanos" são legitimadas e delimitadas.
Longe de significar total autonomia decisória, o termo "soberania"
na realidade implica uma autonomia formal, combinada com limita
ções reais desta autonomia, o que é implementado simultaneamente
pelas regras explícitas e implícitas do sistema de Estados interdepen
dentes e pelo poder de outros Estados do sistema. Nenhum Estado no
sistema, nem mesmo o mais poderoso em dado momento, é total
mente autônomo, mas obviamente alguns desfrutam de maior auto
nomia que outros . 7
Cabe reconhecer, no entanto, que a soberania do Estado-nação
não está sendo simplesmente limitada, mas abalada pela base. Quan
do se leva às últimas conseqüências "o princípio da maximização da
acumulação do capital" , isto se traduz em desenvolvimento intensivo
e extensivo das forças produtivas e das relações de produção, em esca
la mundial . Desenvolvem-se relações, processos e estruturas de domi
nação política e apropriação econômica em âmbi to global, atraves
sando territórios e fronteiras, nações e nacionalidades. Tan to é assim
que as organizações multilaterais passam a exercer as funções de es
truturas mundiais de poder, ao lado das estruturas mundiais de poder
constituídas pelas corporações transnacionais. É claro que não se apa
gam o princípio da soberania nem o Estado-nação, mas são radical-
7 Immanuel Wallerstein, The Politics of the World-Economy, citado, p. 14; citação do cap. 2: "Patterns and Prospectives of the Capitalist World-Economy". Consultar também: Immanuel Wallerstein, The Capitalist World-Economy, Cambridge University Press, Cambridge, 1991, esp. parte I: "The Inequalities of Core and Periphery".
AS E C O N O M Í A S - M U N D O
8 Joseph A. Camilleri e Jim Falk, The End of Sovereignty f (The Politics of a Shrinking and Fragmenting World), Edward Elgar Publishing, Hants, Inglaterra, 1992; Bernardo Kliksberg, Cómo transformar al Estado? (Más Allá de Mitos y Dogmas), Fondo de Cultura Económica, México, 1993.
41
un me* abalados em suas prerrogativas, tan to que se limitam drastica-
p, o u simplesmente anulam, as possibilidades de projetos de capi-
i . le mo nacional e socialismo nacional. Acontece que o capitalismo,
t ni|u.iiito modo de produção e processo civilizatório, cria e recria o
l itiulo nação, assim como o princípio da soberania que define a sua
. IH ia. Ainda que esta entidade, isto é, o Estado-nação soberano,
| H i nianeça, ou mesmo se recrie, está mudando de figura, no âmbi to
. I r . < onfigurações e movimentos da sociedade global. Aliás, não é por
li uso que se multiplicam os estudos e os debates acerca do Estado-
ii i.,.i<>, enquanto processo histórico e invenção, uma realidade persis-
i. nu r problemática; e que se encontra em crise no fim do século X X ,
Quando se dá a globalização do capital ismo. 8
Wallerstein utiliza com mais freqüência o conceito de "sistema-
niundo", em geral implícito t ambém nas expressões "sistema mun
dial", "economia-mundo" , "capitalismo histórico" e outras . Alguns
.Ir M U S seguidores, ou mesmo críticos, referem-se ao "parad igma" de
Wallerstein como uma construção baseada no conceito de sistema-
inmido. Ocorre que às vezes ele utiliza também o conceito de "econo
mia m u n d o " em termos semelhantes aos de Braudel. Há mesmo mo
mentos de suas reflexões em que os dois conceitos revelam-se inter-
lambiáveis. Estão fundamentalmente apoiados na análise de relações,
processos e estruturas econômicos. Mais uma vez relembram as refle
xões de Braudel. Isto não significa que tanto um como o out ro autor
deixem de contemplar aspectos sociais, políticos e culturais. Ao con-
n.ir io, esses aspectos das "economias -mundo" , ou "sis temas-mun
d o " , nas palavras de Wallerstein, são amiúde levados em conta. Em
suas linhas gerais, no entanto , as reflexões de Wallerstein e Braudel
priorizam os aspectos econômicos, em âmbito geográfico e histórico.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
9 Klaus Knorr e Sidney Verba (editores), The International System (Theoretical Essays), Princeton University Press, Princeton, 1961; Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, Power and Interdependence, second edition, Harper Collins Publishers, Nova York, 1989; George Modelski, Long Cycles in World Politics, University of Washington Press, Seattle e Londres, 1987; Karl Deutsch, Análise das relações internacionais, tradução de Maria R. Ramos da Silva, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1982.
4 2
AS E C O N O M I A S M U N D O
i ni.ules e multipolaridades, ciclos, épocas e tendências seculares das
ptonomias-mundo. A articulação principalmente econômica d o con
t r i to de economia-mundo está presente inclusive em boa par te dos
comentadores, seguidores e críticos de Wallerstein e Braudel.
As economias nacionais têm-se tornado crescentemente interdepen
dentes, e os correlatos processos de produção, troca e circulação
adquir i ram alcance global . Muitas indústrias de t ipo t r aba lho-
intensivas têm sido realocadas em regiões com estruturas de custos
de t rabalho relativamente baixas. Embora as novas tecnologias
enfatizem a disponibilidade de força de trabalho altamente qualifi
cada, elas favorecem os desenvolvimentos recentes da capacidade
produtiva em países industrialmente avançados. Esta reestrutura
ção das atividades econômicas beneficia-se de dois fatores a tuando
conjugadamente: a rápida mudança tecnológica e a crescente inte
gração financeira internacional. A conseqüente divisão internacio
nal do trabalho pode beneficiar-se das variações regionais da infra-
estrutura tecnológica, condições de mercado, relações industriais e
clima político para realizar a produção global integrada e as estra
tégias de marketing. A corporação transnacional é o mais conspí
cuo, mas não o único, agente significativo nesse processo. Como
Immanuel Wallerstein e outros observaram, o que estamos testemu
nhando é ou t ro estágio no desenvolvimento de um "sis tema-
mundo" , cuja característica principal é o escopo transnacional do
capital. (...) Para Wallerstein, a "economia-mundo" é agora uni
versal, no sentido de que todos os Estados nacionais estão, em dife
rentes graus, integrados em sua estrutura central. (...) Uma caracte
rística importante do sistema unificado de Wallerstein é o padrão
de estratificação global, que divide a economia mundial em áreas
centrais (beneficiárias da acumulação de capital) e áreas periféricas
(em constante desvantagem pelo processo de intercâmbio desigual).
O sistema de Estados nacionais, que institucionaliza e legitima a
divisão centro-periferia, também concretiza, por meio de uma
4 3
Cabe acrescentar, no que se refere à noção de "sistema", ou "sis
tema mundia l" , que já se acha incorporada a teoria sistêmica das rela
ções internacionais e da sociedade mundial . A "teoria sistêmica" d
mundo , ou a visão sistêmica das relações internacionais, d o transna
cionalismo ou da mundialização, corresponde a uma abordagem fun
cionalista de base cibernética, na qual sobressaem atores individuai^
coletivos ou institucionais, compreendendo opções e decisões racioj
nais com relação a fins, objetivos ou valores definidos em te rmo
pragmáticos, relacionados à definição de posições, conquista de van
tagens ou afirmação de hegemonias. Trata-se de um enfoque prioritaj
riamente sincrónico, compreendendo o cenário internacional ou munu
dial em termos de agentes concebidos como atores em um todo sistê
mico. Assim, é uma conceituação distinta daquela presente nas noçõe
de "s is tema-mundo" ou "economia-mundo" com as quais t rabalh
Wallerstein. Por isso, pode ser conveniente priorizar o conceito d
"economia-mundo" , quando se focaliza as contribuições desse autor.
Inclusive p o d e ser conveniente ressa l tar as convergênc ias en t r
Wallerstein e Braudel, distinguindo-os da abordagem sistêmica, n
qua l es tão presentes e são fundamenta is concei tos or ig inár ios da
cibernética. 9
Além do mais, as contribuições de Wallerstein e Braudel conferem
importância especial à economia política da mundialização. Distin
guem, de modo particularmente atento, as peculiaridades e complexi
dades das tecnologias, formas de organização da produção, intercâm
bios entre organizações econômicas nacionais e internacionais, pola-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 0 Joseph A. Camilleri e Jim Falk, The End of Sovereignty? (The Politics of a Shrinking and Fragmenting World), Edward Elgar Publishing Limited, Hants, Inglaterra, 1992, pp. 77-78.
1 1 Joseph A. Camilleri e Jim Falk, The End of Sovereignty?, citado, p. 89.
4 4
AS E C O N O M I A S - M U N D O
comentaristas, seguidores ou críticos, conferem especial a tenção às
> ondições não só econômicas como também sociais, políticas, demo
r a íicas, geográficas, culturais e outras, em âmbitos local e nacional.
I >isiinguem e valorizam as diversidades e as hierarquias das formas
nodais de organização do t rabalho e da p rodução . Reconhecem as
dimensões sociais, políticas e culturais, além das econômicas, na pro
dução e reprodução das condições de vida na cidade e no campo, com
preendendo a cultura material e espiritual, a realidade e o imaginário.
N o limite, Braudel está fascinado pelo lugar que a França pode
ocupar no mundo . Em toda a sua longa viagem pela geografia e histó-
i i.i mundiais, procura o lugar e o destino da França. Passa pelos desa-
lios representados pela cidades e nações dominantes, centrais, metro
politanas ou pólos de economias-mundo: Veneza, Amsterdã, Ingla-
itrra, Alemanha, Estados Unidos e outras. Reconhece o momento e a
importância de cada uma, c o m o centro de economia-mundo. M a s
continua a procurar o lugar e o destino da França nessa viagem sem
hm: "Eu o digo de uma vez por todas: amo a França ~om a mesma
paixão, exigente e complicada, de Jules Miche le t " . 1 2
N o limite, Wallerstein está empenhado em esclarecer o segredo da
primazia dos Estados Unidos da América do Norte no mundo capita
lista, conforme ela se manifesta ao longo do século XX, particular
mente desde a Segunda Guerra Mundial . Está rebuscando pretéritos,
antecedentes ou raízes de sistemas imperialistas. Quer esclarecer o
vaivém das grandes potências, como metrópoles de sistemas ou eco
n o m i a s - m u n d o . Debruça-se sobre o tecido econômico , pol í t ico ,
demográfico, militar, tecnológico, cultural e ideológico que funda
menta a primazia deste ou daquele sistema ou economia-mundo.
Deus, parece, abençoou os Estados Unidos três vezes: no presente, no
passado e no futuro. Digo que assim parece porque os caminhos de
1 2 Fernand Braudel, L'identité de la France, 3 vols., Arthaud-Flamma-rion, Paris, 1986, vol. I, p. 9.
intricada rede de relações legais, diplomáticas e militares, a distri
buição do poder no cen t ro . 1 0
Para alguns, dentre os quais destaca-se Wallerstein, "hegemonia
envolve uma situação em que os produtos de dado Estado nacional
são produzidos tão eficientemente que se to rnam largamente compe
titivos até mesmo em outros Estados centrais, o que significa que esse
d a d o Estado nacional será o principal beneficiário do cada vez mais
livre mercado m u n d i a l " . 1 1
Note-se, n o entanto , que o conceito de "economia-mundo" , o u
economia mundia l , sistema mundial , sistema econômico mundia l e
capitalismo histórico, conforme inspiram as pesquisas e as interpreta
ções de Wallerstein e Braudel, está sempre relacionado com o emble
ma Estado-nação. Ainda que seja evidente o empenho em desvendar
as realidades geográficas, históricas e econômicas da mundial ização,
o Estado-nação aparece todo o tempo, como agente, realidade, parâ
metro ou ilusão. Esses autores acham-se, todo o tempo, comprometi
dos com a idéia de sociedade nacional, ou Estado-nação, como emble
ma da realidade e d o pensamento, ou da geografia, da história e da
teoria. É claro que reconhecem que a sociedade nacional n ã o é capaz
de conter as forças da economia, política, geografia, geoeconomia,
geopolítica, história, demografia, cultura, mercado, negócios etc. Re
conhecem que as fronteiras são contínua ou periodicamente rompi
das, refeitas, ultrapassadas ou dissolvidas. Sabem que a nação é um
fato histórico e geográfico, um processo que se cria e recria continua
mente. M a s priorizam o ponto de vista nacional, o emblema Estado-
nação, como universo empírico e teórico.
Tan to é assim que Braudel e Wallerstein, bem como muitos de seus
45
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Deus são misteriosos, e não pretendo estar seguro de entendê-los. As!
bênçãos de que falo são estas: no presente, prosperidade; no passado
liberdade; no futuro, igualdade. (...) O problema é que essas bênção
têm seu preço. (...) E nem sempre é óbvio que aqueles que recebem asj
bênçãos têm sido os que pagam o seu preço. (...) A América sempre;
se acreditou excepcional. E eu aderi a essa crença ao concentrar-nr
nas três bênçãos divinas. Entretanto, não só a América não é excep
cional, mas a excepcionalidade americana não é excepcional. Nã
somos o único país na história moderna cujos pensadores têm procu
rado provar que o seu país é historicamente único, diferente da mas J
sa dos outros países no mundo. Já encontrei franceses excepcionalis-
tas, assim como russos. Há hindus e japoneses, italianos e portugue
ses, judeus e gregos, ingleses e húngaros excepcionalistas. O excep-|
cionalismo chinês e egípcio é uma verdadeira marca do caráter nacic^
nal. E o excepcionalismo polonês compete com qualquer outro. O
excepcionalismo é o tutano dos ossos de praticamente todas as civili
zações que o nosso mundo tem produzido. 1 3
Ainda que formuladas em linguagens diversas das adotadas porj
Braudel e Wallerstein, inclusive porque utilizam-se mais amplamente
de noções provenientes do marxismo, Samir Amin e André Gunder
Frank também podem situar-se na mesma corrente. Estão examinan
do as características das economias-mundo, compreendendo sistemas
geopolíticos, imperialismos, dependências, trocas desiguais, lutas por
liberação nacional, revoluções socialistas. As contribuições desses au
tores são fundamentais para o mapeamento das novas características
da economia e política mundiais. Reconhecem que as transnacionais
desenvolvem-se além das fronteiras geográficas e políticas, indepen-
1 3 Immanuel Wallerstein, "America and the World: Today, Yesterday and Tomorrow", Theory and Society, n°. 21,1992, pp. 1 e 27. Também: Immanuel Wallerstein, "The USA in Today's World", Contemporary Marxism, n°. 4, San Francisco, 1982.
4 6
AS E C O N O M I A S - M U N D O
cientemente dos regimes políticos e das culturas nacionais. Reconhe
cem que elas criam novos desafios a governos, a grupos sociais, a clas
ses sociais, a coletividades, a povos, a nações e a nacionalidades, im
pregnando seus movimentos sociais, part idos políticos, correntes de
opinião pública e meios de comunicação. Inclusive reconhecem que as
novas características do capitalismo mundial , como economias-mun-
do ou sistemas-mundo, suscitam problemas teóricos novos ainda não
equacionados, aguardando conceitos e interpretações. Deixam t rans
parecer que as noções de soberania nacional, projeto nacional, impe
rialismo e dependência, entre outras , não dão conta do que vai pelo
mundo.
M a s tan to Samir Amin como André Gunder Frank cont inuam in
terpretando as configurações e os movimentos da sociedade global a
partir da perspectiva do Estado-nação. O seu pensamento continua a
inspirar-se pela tese de que , n o limite, podem realizar-se proje tos
nacionais, movimentos de liberação nacional ou anti-sistêmicos, de
modo a realizar-se a emancipação p o p u l a r . 1 4
N ã o se trata de negar os fatos que expressam as realidades locais,
nacionais, regionais ou multinacionais, envolvendo continentes, ilhas
e arquipélagos. O nosso século pode ser visto como um imenso mura l
de lutas populares, guerras entre nações, revoluções nacionais e revo
luções sociais. E tudo isso continua vigente e fundamental no fim des
te século XX, no limiar do XXI. O dilema consiste em constatar se es
tá ou não havendo uma ruptura histórica em grandes proporções, em
1 4 Samir Amin, Giovanni Arrighi, André Gunder Frank, Immanuel Wallerstein, Le grand tumulte? (Les Mouvements Sociaux dans l'Économie-Monde), Éditions La Découverte, Paris, 1991; Samir Amin, La Déconnexion (Pour Sortir du Système Mondial), Éditions La Découverte, Paris, 1986; Samir Amin, L'Empire du Chaos, Éditions L'Harmattan, Paris, 1991; Andre Gunder Frank, Crisis: In the World Economy, Heine-mann Educational Books, Londres, 1980; Andre Gunder Frank, Critique and Anti-Critique (Essays on Dependence and Reformism), The MacMil-lan Press, Londres, 1984.
4 7
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
âmbi to global, assinalando o declínio do Estado-nação e a emergência
de novos e poderosos centros mundiais de poder, soberania e hegemo
nia. Nesta hipótese, o Estado-nação continua vigente, mas com signi
ficados diversos dos que teve por longo tempo no pensamento liberal
e n o p e n s a m e n t o de a lgumas cor ren tes marx i s t a s , sem esquecer
sociais-democratas, neoliberais, fascistas e nazistas.
Ocorre que a economia-mundo, ou s is tema-mundo, em toda a
sua complexidade não só econômica, mas também social, política e
cultural , sempre transcende tudo o que é local, nacional e regional.
Repercute por todos os cantos, perto e longe. Os colonialismos e im
perialismos espanhol , por tuguês , holandês, belga, francês, a lemão,
russo, japonês, inglês e norte-americano sempre consti tuíram e des
t ruíram fronteiras, soberanias e hegemonias, compreendendo tribos,
clãs, nações e nacionalidades. São muitos os que reconhecem que os
Estados nacionais asiáticos, africanos e latino-americanos foram dese
nhados , em sua quase totalidade, pelos colonialismos e imperialismos
europeus, segundo os modelos geo-histórico e teórico, ou ideológico,
configurado n o Estado-nação que se formou e predominou na Eu
r o p a . 1 5
O emblema Estado-nação sempre teve as características simultâ
neas e contraditórias de realidade geo-histórica e ficção. N a época da
globalização, e provavelmente de forma mui to marcan te , torna-se
mais ficção. Tal emblema está atravessado por relações, processos e
estruturas al tamente determinados pela dinâmica dos mercados , da
desterritorialização das coisas, gentes e idéias, enquanto a reprodução
ampliada do capital se globaliza, devido ao desenvolvimento extensi-
u Hugh Seton-Watson, Nations & States, Methuen, Londres, 1977; Da-wa Norbu, Culture and the Politics of Third World Nationalism, Rou-tledge, Londres, 1992; Eric R. Wolf, Europe and the People Without History, University of California Press, Berkeley, 1982; Peter Worsley, The Third World, The University of Chicago Press, Chicago, 1964; Roland Oliver, A experiência africana, tradução de Renato Aguiar, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1994.
48
AS E C O N O M I A S - M U N D O
vii c intensivo do capitalismo, compreendendo as forças produtivas,
I n - . (orno o capital, a tecnologia, a força de t rabalho e a divisão d o
trabalho social, sempre envolvendo as instituições, os padrões sócio-
i iiliurais e os ideais relativos à racionalização, produtividade, lucrati-
viil.ulc, quantidade.
Sob vários aspectos, as interpretações de Braudel e Wallerstein
contribuem decisivamente para o conhecimento das configurações e
movimentos da sociedade global em formação no final do século X X .
í verdade que seus escritos, bem como os de seus seguidores, freqüen
temente priorizam os sistemas coloniais e os sistemas imperialistas,
distinguindo as grandes potências, em suas relações com as colônias e
os países dependentes. Descrevem o contraponto centro-periferia, ou
desenvolvimento-subdesenvolvimento. Focalizam a consti tuição, os
desenvolvimentos e as crises dos centros hegemônicos, most rando co
mo esses processos afetam não só as metrópoles mas o conjunto dos
povos colonizados e dependentes. Assinalam o jogo das relações que
associam, tensionam e conflitam metrópoles emergentes e dominan
tes, envolvendo suas colônias e dependências. Ficam mais ou menos
nítidas as linhas mestras da emergência, transformação e crise dos sis
temas polarizados pelos países metropoli tanos, tais como Portugal ,
Espanha, Holanda , França, Alemanha, Bélgica, Itália, Rússia, J apão ,
Inglaterra e Estados Unidos. Algumas das linhas mestras da história
dos grandes descobrimentos marítimos, continuando pelo mercanti
lismo, colonialismo, imperialismo, t ransnacionalismo e globalismo
revelam-se mais ou menos claras, articuladas e dinâmicas. Nesse sen
tido é que as interpretações de Braudel e Wallerstein, juntamente com
as de seus seguidores, contribuem decisivamente para o conhecimen
to das configurações e movimentos da sociedade global.
Com Wallerstein e Braudel estamos no âmbito da geo-história. As
realidades locais, provinciais, nacionais, regionais e mundiais são vis
tas como simultaneamente espaciais e temporais. Envolvem relações,
processos e estruturas sociais, econômicos, políticos e culturais, mas
sempre focalizados em sua dinâmica geo-histórica. Os movimentos de
49
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
50
AS E C O N O M I A S - M U N D O
mundo, tudo isso constitui o fundamento da dinâmica progressiva e
errática que se to rnam nos ciclos de longa duração , assinalando o nas
cimento, a t rans formação , o declínio e a sucessão das economias -
mundo.
À medida que se desdobram os significados geo-históricos da teo
ria das economias-mundo, em suas implicações empíricas e metodoló
gicas, logo se evidenciam as continuidades e as rupturas entre o nacio
nal e o mundial , o próximo e o remoto, o passado e o presente, o espa
ço e o tempo. É como se o horizonte aberto pela globalização em cur
so no final do século X X abrisse possibilidades novas e desconhecidas
sobre as formações sociais passadas, próximas e distantes, recentes e
remotas. Uns buscam continuidades e rupturas , outros descontinuida
des e multiplicidades, no curso da geo-história, do cont raponto espa-
ço-tempo. É como se muito do que é passado adquirisse novo sentido,
ao mesmo t e m p o que ou t ro t an to d o que t ambém parece passado
tomasse significado de presente. Realidades e significados que pare
ciam irrelevantes, secundários, esquecidos ou escondidos, reaparecem
sob nova luz. E tudo isso porque a ruptura geo-histórica que desven
da a globalização do mundo , no final deste século, prenunciando con
figurações e movimentos do século XXI, revela-se não só um evento
heurístico, mas uma ruptura epistemológica.
51
populações , mercadorias , técnicas produt ivas , instituições, padrõe
sócio-culturais e idéias, bem como os cont rapontos c idade-campo
agr icu l tu ra - indus t r i a , met rópole -co lôn ia , centro-per i fer ia , Leste
Oeste , Norte-Sul, Ocidente-Oriente, local-global, passado-presente
esses e outros contrapontos sempre são descritos e interpretados e
termos geo-históricos.
É n o âmbi to da geo-história que se inserem os fatos da geoecono
mia, da geopolítica, do ciclo econômico de longa duração, dos movi
mentos seculares. São fatos que se desdobram uns nos outros , concre
t izando-se em realidades locais, provinciais , nacionais , regionais
mundiais , envolvendo continentes, ilhas e arquipélagos, produzindo
configurações e movimentos das economias-mundo, sempre em mol
des geo-históricos.
Em boa medida, a dinâmica das economias-mundo tem uma d
suas raízes nas diversidades e desigualdades com as quais se constitui
essa totalidade geo-histórica, implicando sempre o social, o político e
o cultural, além do econômico. Como em toda configuração social,
em sentido lato, o todo geo-histórico inerente à economia-mundo é
um todo em movimento, heterogêneo, integrado, tenso e antagônico.
É sempre problemático, atravessado pelos movimentos de integração
e fragmentação. Suas partes, compreendendo nações e nacionalida
des, grupos e classes sociais, movimentos sociais e partidos políticos,
conjugam-se de m o d o desigual, articulado e tenso, no âmbito do to
do . Simultaneamente, esse todo confere outros e novos significados e
movimentos às partes . Anulam-se e multiplicam-se os espaços e osi
tempos, já que se trata de uma totalidade heterogênea, contraditória ,
viva, em movimento.
Em síntese, é na própr ia dinâmica das economias -mundo que
emergem e se desenvolvem os processos que configuram os ciclos geo-
históricos de longa, média e curta durações. O mesmo jogo das forças
produtivas, a mesma dinâmica das lutas pelos mercados, o mesmo
empenho de inovar tecnologias e mercadorias, esses processos que se
desenvolvem cont inuam e, periodicamente n o bojo das economias-
. AI-ITUL0 3 A internacionalização do capital
Desde que o capitalismo re tomou sua expansão pelo mundo , em se
guida à Segunda Grande Guerra Mundial , muitos começaram a reco
nhecer que o mundo estava se tornando o cenário de um vasto pro
cesso de internacionalização do capital. Algo jamais visto anterior
mente em escala semelhante, por sua intensidade e generalidade. O
capital perdia parcialmente sua característica nacional, tais como a
inglesa, no r t e - amer i cana , a l emã , j aponesa , francesa ou o u t r a , e
adquiria uma conotação internacional. Ao mesmo tempo que come
çavam a predominar os movimentos e as formas de reprodução do
capital em escala internacional, este capital alterava as condições dos
movimentos e das formas de reprodução do capital em âmbito nacio
nal. Aos poucos, as formas singulares e particulares do capital, âmbi
tos nacional e setorial, subordinaram-se às formas do capital em ge
ral , conforme seus movimentos e suas formas de r ep rodução em
âmbito internacional. Verificava-se uma metamorfose qualitativa e
não apenas quantitativa, de tal maneira que o capital adquiria novas
condições e possibilidades de reprodução. Seu espaço ampliava-se
além das fronteiras nacionais, tan to das nações dominantes como das
subordinadas , conferindo-lhe conotação internacional, ou propria-
55
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
56
A I N T E R N A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO C A P I T A L
i François Perroux, "Grande Firme et Petite Nation", Économies et sociétés, tomo II, n° 9, Librairie Droz, Genebra, 1968, pp. 1847-1867; Raymond Vernon, Tempestade sobre as multinacionais, tradução de Waltensir Dutra, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1980; Richard J. Barnet e Ronald Muller, Poder global (A Força Incontrolável das Multinacionais), tradução de Ruy Jungmann, Distribuidora Record, Rio de Janeiro, s/d (edição original em inglês realizada em 1974); Charles-Albert Michalet, O capitalismo mundial, tradução de Salvador Machado Cordaro, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1984; United Nations, Transnational Corporations in World Development, Nova York, 1978.
mente mundial . Essa internacionalização se tornará mais intensa e ge
neralizada, ou propriamente mundial , com o fim da Guerra Fria, a
desagregação do bloco soviético e as mudanças de políticas econômi
cas nas nações de regimes socialistas. A partir desse momento as eco
nomias das nações d o ex-mundo socialista transformam-se em fron
teiras de negócios, inversões, associações de capitais, transferências
de tecnologias e outras operações, expressando a intensificação e a
generalização dos movimentos e das formas de reprodução d o capital
em escala mundial .
O que parecia ser uma espécie de virtualidade do capi tal ismo,
como modo de produção mundial, tornou-se cada vez mais uma rea
lidade do século XX; e adquiriu ainda maior vigência e abrangência
depois da Segunda Guerra Mundial . Sob certos aspectos, a Guerra
Fria, nos anos 1946-89, foi uma época de desenvolvimento intensivo
e extensivo do capitalismo pelo mundo . Com a nova divisão interna
cional do t rabalho, a flexibilização dos processos produtivos e outras
manifestações do capitalismo em escala mundial , as empresas, corpo
rações e conglomerados transnacionais adquirem preeminência sobre
as economias nacionais. Elas se constituem nos agentes e produtos da
internacionalização do capital. Tan to é assim que as transnacionais
redesenham o mapa do mundo, em termos geoeconômicos e geopolí
ticos muitas vezes bem diferentes daqueles que haviam sido desenha
dos pelos mais fortes Estados nacionais. O que já vinha se esboçando
n o passado , com a emergência dos monopó l io s , t rustes e car té is ,
intensifica-se e generaliza-se com as transnacionais que passam a pre
domina r desde o fim da Segunda Guer ra Mund ia l ; inicialmente à
sombra da Guerra Fria e, em seguida, à sombra na "nova ordem eco
nômica mundial" .
Ainda que com freqüência haja coincidências, convergências e
conveniências recíprocas entre governos nacionais e empresas, corpo
rações ou cong lomerados , no que se refere a assun tos nac iona i s ,
regionais e mundiais, é inegável que as transnacionais libertaram-se
progressivamente de algumas das injunções ou limitações inerentes
57
aos Fstados nacionais. A geoeconomia e a geopolítica das t ransnacio
nais nem sempre coincidem com as dos Es tados nac iona is . Al iás ,
. i instantemente se dissociam, ou mesmo colidem. São comuns os inci-
ilrntes em que se constatam as progressivas limitações d o princípio de
lobcrania em que classicamente se fundava o Estado-nação. Em esca
la cada vez mais acentuada, em âmbito mundial , a "grande empresa"
parece transformar nações das mais diversas categorias em "pequena
nação" . 1
Na base da internacionalização do capital estão a formação, o
desenvolvimento e a diversificação do que se pode denominar "fábri-
i a g lobal" . O m u n d o transformou-se na prática em uma imensa e
loinplexa fábrica, que se desenvolve conjugadamente com o que se
pode denominar "shopping center global". Intensificou-se e generali
zou-se o processo de dispersão geográfica da produção, ou das forças
piodutivas, compreendendo o capital, a tecnologia, a força de t raba
lho, a divisão do t rabalho social, o planejamento e o mercado. A nova
divisão internacional d o t rabalho e da produção, envolvendo o fordis-
ino, o neofordismo, o toyotismo, a flexibilização e a terceirização, tu
do isso amplamente agilizado e generalizado com base nas técnicas
eletrônicas, essa nova divisão internacional do t rabalho concretiza a
nlobalização do capitalismo, em termos geográficos e históricos.
A fábrica global pode ser simultaneamente realidade e metáfora.
Kxpressa não só a reprodução ampliada do capital em escala global,
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
compreendendo a generalização das forças produtivas, mas express
t ambém a globalização das relações de produção . Globalizam-se a
instituições, os princípios jurídicos-políticos, os padrões sócio-cult
rais e os ideais que constituem as condições e os produtos civilizad
rios do capitalismo. Esse é o contexto em que se dá a metamorfose d
"industrialização substitutiva de importações" para a "industrializa
ção orientada para a expor tação" , da mesma forma que se dá a deses
tatização, a desregulação, a privatização, a abertura de mercados e
monitorização das políticas econômicas nacionais pelas tecnocracia
do Fundo Monetár io Internacional e do Banco Mundial , entre outra
organizações multilaterais e t ransnacionais . 2
É claro que o capitalismo continua a ter bases nacionais, mas es
tas já não são determinantes. A dinâmica do capital, sob todas as sua
formas, rompe ou ultrapassa fronteiras geográficas, regimes políticos
culturas e civilizações. Está em curso um novo surto de mundializaçã
d o capitalismo como m o d o de produção, em que se destacam a dinâ
mica e a versatilidade do capital como força produtiva. Entendendo
se que o capital é um signo do capitalismo, é o emblema dos grupos
classes dominantes em escalas nacional, regional e mundial . Isto é, o
capital de que se fala aqui é uma categoria social complexa, baseada
na produção de mercadoria e lucro, ou mais-valia, o que supõe todo
o tempo a compra de força de t rabalho; e sempre envolvendo institui-]
ções, padrões sócio-culturáis de vários t ipos, em especial os jurídico-
políticos que constituem as relações de produção .
2 Folker Frobel, Jürgen Heinrichs e Otto Kreye, The New International Division of Labor (Structural Unemployment in Industrialized Countries! and Industrialisation in Developing Countries), tradução de Pete Burgess, Cambridge University Press, Cambridge, 1980; Joseph Grun-wald e Kenneth Flamm, The Global Factory (Foreign Assembly in International Trade), The Brookings Institution, Washington, 1985; Robert B. Reich, The Work of Nations, Alfred A. Knopf, Nova York, 1991; Alain Lipietz, Le capital et son espace, La Découverte/Maspero, Paris, 1983.
A I N T E R N A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO C A P I T A L
Já é possível reconhecer que o significado do Estado-nação tem si
do alterado drasticamente, quando examinado à luz da globalização
do capi ta l i smo intensificada desde o t é rmino da Segunda Gue r r a
Mundial e acelerada com o fim da Guerra Fria. Algumas das caracte
rísticas "clássicas" do Estado-nação parecem modificadas, ou radical
mente transformadas. As condições e as possibilidades de soberania,
projeto nacional, emancipação nacional, reforma institucional, libera
lização das políticas econômicas ou revolução social, entre ou t r a s
mudanças mais ou menos substantivas em âmbi to nacional, passam a
estar determinadas por exigências de instituições, organizações e cor
porações multilaterais, transnacionais ou propriamente mundiais , que
pairam acima das nações. A moeda nacional torna-se reflexa da moe
da mundial , abstrata e ubíqua, universal e efetiva. O s fatores da pro
dução, ou as forças produtivas, tais como o capital, a tecnologia, a
força de t rabalho e a divisão do t rabalho social, entre outras , passam
a ser organizadas e dinamizadas em escala bem mais acentuada que
antes, pela sua reprodução em âmbito mundial . Também o aparelho
estatal, por todas as suas agências, sempre simultaneamente políticas
e econômicas, além de administrativas, é levado a reorganizar-se ou
"modernizar-se" segundo as exigências d o funcionamento mundia l
dos mercados, dos fluxos dos fatores da produção, das alianças estra
tégicas entre corporações . Da í a internacionalização das diretrizes
relativas à desestatização, desregulamentação, privatização, aber tura
de fronteiras, criação de zonas francas. 3
Um teste particularmente importante da forma pela qual se dá a in
ternacionalização do capital está evidente na contínua e agressiva pene
tração que esse capital realiza em cada uma e em todas as economias
3 Joseph A. Camilleri e Jim Falk, The End of Sovereignty? (The Politics of a Shrinking and Fragmenting World), Edward Elgar Publishing, Hants, Inglaterra, 1992; Bernardo Kliksberg, Cómo transformar al Estado? (Más Allá de Mitos y Dogmas), Fondo de Cultura Económica, México, 1993.
59
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O A I N T E R N A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO C A P I T A L
As relações econômicas Leste-Oeste estão intimamente ligadas ao es-
(|iiema político geral existente entre os Estados Unidos e a União So
viética. Nesse esquema, as considerações políticas e militares sobre
carregam as considerações econômicas e comerciais na política dos
Estados Unidos com relação à União Soviética e, em menor grau, no
i|ue se refere a sua política relativa às outras economias socialistas.
Entretanto, as transações econômicas e comerciais entre os Estados
Unidos e os países socialistas são um fator que influencia a atmosfe
ra política. E há muito que ganhar de um relacionamento político
razoavelmente estável, em que os países socialistas participem mais
abertamente no conjunto do sistema internacional. (...) Em um mun
do de crescente interdependência — econômica, científica e tecnoló
gica — as trocas e o comércio estão crescendo e cont inuarão a
crescer. 4
As corporações t ransnacionais , com freqüência apoiadas pelas
agências governamentais dos países capitalistas dominantes , e tam
bém beneficiadas pelas diretrizes de organizações multilaterais, tais
como o Fundo Monetár io Internacional e o Banco Mundial , cr iaram
os mais diversos e prementes desafios para as economias socialistas.
Além de oferecerem negócios, possibilidades de comércio e intercâm
bio de tecnologias, também ofereceram mercados, possibilidades de
exportação das economias socialistas para as capitalistas. Aos pou
cos, as economias centralmente planificadas viram-se estimuladas e
desafiadas pelas oportunidades de mercado oferecidas. Aos poucos, a
industrialização substitutiva de importações, que predominou em paí
ses socialistas, foi acoplada e subordinada à industrialização orienta
da para a exportação. O que já estava ocorrendo de maneira incipien-
4 Lawrence C. McQuade (editor), East-West Trade (Managing Encounter and Accomodation), Westview Press, Boulder, Colorado, 1977, pp. 3 e 5. Editado para "The Atlantic Council Committee on East-West Trade".
61 60
socialistas. Desde as mais diferentes técnicas de bloqueio econômico,
político e cultural até as mais diferentes propostas de intercâmbio eco
nômico, sob todas as formas o capital pouco a pouco se torna um ele
mento presente e essencial à organização e dinâmica de cada uma e de
todas as economias socialistas. Mesmo antes da Guerra Fria, essas
modal idades de ação já e ram efetivas. Duran t e a Segunda Guerra
Mundial foram acionados vários meios de intercâmbio. A aliança de
fato e de direito entre os Estados Unidos e a União Soviética na luta
contra o nazi-fascismo alemão, italiano e japonês beneficiou muitíssi
m o as forças produtivas organizadas com base nos capitalismos norte-
americano e inglês. Após a Segunda Guerra Mundial , a Guerra Fria re
velou-se uma imensa e complexa operação de diplomacia total , não só
contra-revolucionária, mas de dinamização e generalização das ativida
des produtivas, principalmente na Europa e no Pacífico, destacando-se
os tigres asiáticos e o J apão , por um lado, e a União Européia e a
Alemanha Federal, por outro. Cabe relembrar que uma parte impor
tante do desenvolvimento industrial ocorrido em países do "Terceiro
M u n d o " realiza-se à sombra da Guerra Fria, com apoio mais ou menos
ostensivo de governos dos países do "Primeiro M u n d o " , d o Banco
Mund ia l e do Fundo Mone tá r io Internacional . Q u a n d o te rmina a
Guerra Fria, inclusive como decorrência do modo pelo qual o capitalis
mo estava bloqueando e penetrando o mundo socialista, o "Segundo
M u n d o " , são outros espaços que se abrem. Sob vários aspectos, é como
se o mundo todo se tornasse o cenário das forças produtivas acionadas
e generalizadas pelas corporações transnacionais, conjugadas com ou
apoiadas pelos governos dos países capitalistas dominantes.
Vale a pena examinar algumas particularidades do vasto e longo
processo através do qual o capital se torna cada vez mais presente e
essencial no mundo socialista, constituindo-se em um elemento deci
sivo em sua t ransformação. A rigor, a metamorfose das economias
centralmente planejadas em economias de mercado aberto começou
muito antes do fim da Guerra Fria. Em 1977 colocavam-se com clare
za as perspectivas e as vantagens que se abr iam ao capital.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
te em um ou out ro país paulatinamente tornou-se um processo cont
nuo , crescente e avassalador.
O verdadeiro dínamo do crescimento na China hoje é o setor indusi
trial criado pelo investimento estrangeiro, que se concentra no Sul d
China, principalmente em Guangdong... O sucesso de Guangdon
tem sido impulsionado pelas exportações, que têm crescido cerca d
3 0 % nos anos recentes. (...) Entretanto, como o fluxo exportador d
China torna-se mais e mais dependente do investimento estrangeiro*
compreendendo o controle da tecnologia, dos fundos de investimen
to e da qualidade, a burocracia estatal está paulatinamente perdend
o controle da economia. 5
A rigor, a intensa e generalizada internacionalização d o capita
ocorre no âmbi to da intensa e generalizada internacionalização d
processo produt ivo . Os "milagres econômicos" que se sucedem a
longo da Guerra Fria e depois dela são também momentos mais o
menos notáveis dessa internacionalização. Isto significa que as corpo
rações já não se concentram nem se sediam apenas nos países domi
nantes, metropoli tanos ou ditos centrais. As unidades e organizações
produtivas, envolvendo inovações tecnológicas, zonas de influência,
adequações culturais e outras exigências da produção , distribuição,
troca e consumo das mercadorias que atendem necessidades reais ou
imaginárias, passam a desenvolver-se nos mais diversos países, distri-
buindo-se por continentes, ilhas e arquipélagos. Assim como se mul-
5 Richard Smith, "The Chinese Road to Capitalism", New Left Review, n°. 199, Londres, 1993, pp. 55-99; citações das pp. 90-92. Consultar também: A. Koves, "Integration into World Economy and Direction of Economic Development in Hungary", Acta Oeconomica, vol. 20, n°? 1-2, 1978, pp. 107-126; András Koves "Socialist Economy and the World-Economy", Review, vol. V, n9 1, 1981, pp. 113-133; David Wen-Wei Chang, China Under Deng Xiaoping, MacMillan, Londres, 1991; The Economist, A Billion Consumers (A Survey of Asia), Londres, 30 de outubro de 1993.
A I N T E R N A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO C A P I T A L
iiplicam e dispersam as zonas francas, multiplicam-se e dispersam-se
tis unidades e organizações produtivas. Está em curso uma nova divi
d o internacional do t rabalho e da produção , envolvendo a comple
mentação ou superação dos procedimentos d o fordismo, das l inhas
ile montagens de produtos homogêneos. Ao lado do fordismo e stack-
novismo, bem como dos ensinamentos d o taylor ismo e fayolismo,
ilesenvolve-se o toyotismo, a organização do processo de t rabalho e
produção em termos de flexibilização, terceirização ou subcontrata
ção, tudo isso amplamente agilizado pela au tomação , pela robotiza
rão ; pela microeletrônica e pela informática. Assim se generaliza o
capitalismo, t ransformando o mundo em algo que parece uma fábri
ca global.
Acontece que o capital adquiriu novas conotações, na medida em
que se desenraiza, movendo-se por todos os cantos do mundo .
A internacionalização do capital, como relação social, estende o pro
cesso de trabalho à escala mundial e fragmenta o trabalho social não
mais apenas em âmbitos local, regional e nacional, mas no mundo
como um todo. Os diversos componentes do computador afluem dos
mais diversos recantos do globo, de Taiwan, Coréia do Sul, Estados
Unidos, França, Grã-Bretanha, América Latina, África, segundo uma
divisão do trabalho levada ao extremo, na qual a fragmentação é o
dado geral. O mesmo ocorre na indústria automobilística. 6
A rigor, a internacionalização do capital significa simultaneamen
te a internacionalização do processo produtivo. E é óbvio que essa in
ternacionalização do capital produtivo envolve não só a idéia da fá
brica global e do shopping center global, mas também a da internacio
nalização da questão social.
6 Christian Palloix, Les firmes multinationales et le procès d'internationalisation, François Maspero, Paris, 1973, p. 163.
63
¿es S¿,á
Biblioteca £
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Hoje, a internacionalização tem-se difundido não somente pelos cir-i
cuitos do capital mercadoria e do capital dinheiro, mas alcançou oi
seu estágio final, a internacionalização do capital produtivo. Isto tem!
sido habitualmente denominado internacionalização da produçãoJ
(...) No desenvolvimento histórico da internacionalização do capital,
o Estado-nação terá de considerar, com crescente seriedade, a sua ;
realidade externa, na medida em que certas partes do Estado — umas
mais do que outras — terão de submeter-se à situação internacional.
(...) A internacionalização de certas partes do Estado é plenamente
visível. (...) A luta de classes conduzida pelo capital ocorre por todo
o mundo, e o proletariado não pode mais ignorar este fato. Nesta
luta de classes em nível mundial (...) o capital tem a iniciativa. (...) É
necessário introduzir a luta de classe do proletariado na análise do:
processo de internacionalização. 7
É claro que a internacionalização do capital , compreendida co
m o internacional ização d o processo p rodu t ivo ou da r e p r o d u ç ã o
ampl iada do capital , envolve a internacionalização das classes so
ciais, em suas relações, reciprocidades e antagonismos. C o m o ocor
re em toda formação social capitalista, t ambém na global desenvol
ve-se a questão social. Q u a n d o se mundial iza o capital p rodut ivo ,
mundializam-se as forças produtivas e as relações de p rodução . Esse
é o contexto em que se dá a mundialização das classes sociais, com
preendendo suas diversidades internas, suas distribuições pelos mais
diversos e distantes lugares, suas múltiplas e distintas características
culturais, étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e outras . Nesse sen-
7 Christian Palloix, "The Self-Expansion of Capital on a World Scale", The Review of Radical Political Economies, vol. 9, n°. 2, Nova York, 1977, pp. 11,13 e 16. Consultar também: Christian Palloix, Les firmes multinationales et le procès d'internationalisation, citado; Samir Amin, L'accumulation à l'échelle mondiale, Éditions Anthropos e Ifan, Paris e Dakar, 1970; Octavio Ianni, Imperialismo na América Latina, 2'. edição, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1988.
6 4
A I N T E R N A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO C A P I T A L
lido é que as classes sociais, por seus movimentos sociais, par t idos
políticos e correntes de opinião podem t ransbordar as nações e re-
Hiócs, manifestando-se em âmbi to cada vez mais amplo . O que já é
verdade para grupos e classes dominantes , que se comunicam e art i-
i ulam cada vez mais em escala mundial , pode tornar-se t ambém rea
lidade pa ra os grupos e as classes subal ternas , a despei to de suas
diversidades internas e de sua dispersão por todos os recantos d o
mapa do m u n d o .
Desde que se intensificou a globalização do capitalismo, com a
nova divisão internacional d o t rabalho e a dispersão territorial das
atividades industriais, tudo isso dinamizado pelas técnicas da eletrô
nica, começou-se a falar em fim da geografia. A aceleração e generali
zação das relações, processos e estruturas capitalistas atravessando
terri tórios e fronteiras, cu l turas e civilizações, logo deu or igem à
metáfora do fim da geografia.
O fim da geografia, como um conceito aplicado às relações financei
ras internacionais, diz respeito a um Estado de desenvolvimento eco
nômico em que a localização geográfica não importa mais em maté
ria de finanças, ou importa muito menos do que anteriormente.
Neste Estado, os reguladores do mercado financeiro não mais con
trolam seus territórios; isto é, os reguladores não se aplicam apenas a
determinados espaços geográficos, tais como o Estado-nação ou
outros territórios típicos definidos juridicamente. 8
N a época dos mercados mundiais de capitais, quando as mais
diversas formas de capital passam a movimentar-se de modo cada vez
mais acelerado e generalizado, nessa época reduzem-se os controles
nacionais. Mais do que isso, os governos nacionais, suas agências e
8 Richard O'Brien, Global Financial Integration: The End of Geography, Council on Foreign Relations Press, Nova York, 1992, p. 1.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
organizações que tradicionalmente administram e orientam os movi
mentos do capital, todas as instâncias ditas nacionais vêem reduzida
suas capacidades de controlar os movimentos do capital.
Acontece que as corporações transnacionais, incluindo-se natu
ralmente as organizações bancárias, movimentam seus recursos, de
senvolvem suas alianças estratégicas, agilizam suas redes e seus circui
tos informáticos e realizam suas aplicações de modo independente o
mesmo com total desconhecimento dos governos nacionais. E aind
que os governos nacionais, por si e por suas agências, tomem conhe
c imento dos movimentos t ransnacionais de capi ta is , a inda nesse
casos pouco ou nada podem fazer. As transnacionais organizam-se
dispersam-se pelo mundo segundo planejamentos próprios, geoeco
nomias independentes, avaliações econômicas, políticas, sociais e cu l |
turais que muitas vezes contemplam muito pouco as fronteiras nacio
nais ou os coloridos dos regimes políticos nacionais.
Nos primeiros anos do período pós-Segunda Guerra Mundial , o
governos apoiaram-se em controles dos movimentos de curto praz.
dos capitais, com um propósito fundamental: prover as suas econo
mias do máximo de viabilidade de autonomia econômica, sem o
sacrifício da interdependência econômica. (...) Entre os fins dos anos !
1970 e os começos dos anos 1990, um amplo movimento, indepen
dentemente dos controles do capital, tornou-se evidente através do]
mundo industrial. O rápido crescimento líquido de fundos interna-!
cionais e a crescente globalização da produção provocaram esse pro
cesso. Os mercados estrangeiros erodiram as barreiras financeiras
nacionais, ao mesmo tempo que mobilizaram crescentes recursos
para empresas multinacionais engajadas no processo de globalização
dos seus empreendimentos produtivos. Desse modo, elas aumenta
ram sua capacidade para desenvolver estratégias de evasão e remes
sa. Assim, os governos primeiro constataram que os controles tinham
de ser reforçados continuamente para serem de utilidade e, em segui-
66
A I N T E R N A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO C A P I T A L
da, descobriram que o resultado, ou os custos econômicos potenciais
de tais reforços, logo excederam os benefícios. 9
Esse o contexto em que o capital se torna ubíquo, em uma escala
jamais alcançada anteriormente. Em instantes, ele se move pelos mais
diversos e distantes lugares do planeta, atravessando fronteiras e regi
mes políticos, assim como mares e oceanos. Está em marcha um pro
cesso de desterritorialização cujas implicações práticas e teóricas ape
nas começam a ser analisadas.
Na verdade, o dinheiro não viaja de um país para outro no sentido
físico, as transferências são eletrônicas, ou seja, realizadas no mesmo
segundo que se toma a decisão por um investimento. Não há transfe
rência física de dólares. (...) Realiza-se uma simples operação de
débito e crédito eletronicamente. O fluxo internacional de capitais
também se processa da mesma forma. Nessa imensa massa de recur
sos, confunde-se dinheiro com origem legal e aquele que se ganhou
por atividades ilegais. 1 0
Esse é o cenário da economia política do narcotráfico. Dadas as
condições não só técnicas mas também econômicas sob as quais são
abertos mercados, agilizados os circuitos financeiros e fortalecidos os
centros decisórios das corporações transnacionais e das redes bancá
rias, a lavagem de qualquer t ipo de dinheiro torna-se relativamente
fácil.
O desenvolvimento dos circuitos bancários informatizados e do siste
ma de transferências eletrônicas contribui para acelerar o movimen-
9 John B. Goodmann e Louis W. Pauly, "The Obsolescence of Capital Controls? Economic Management in an Age of Global Markets", World Politics, vol. 46, n°. 1, Princeton, 1993, pp. 50-82; citação da p. 79.
if Nilton Horita, "Dinheiro Roda o Mundo Atrás de Investimentos", O Estado de S. Paulo, 25 de setembro de 1994, p. B12.
67
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 1 Alain Labrousse e Alain Wallon (direção), La planète des drogues (organisations criminelles, guerres et blanchiment), Editions du Seuil, Paris, 1993, pp. 199-200.
68
A I N T E R N A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO C A P I T A L
ndo, há uma dominância financeira na dinâmica econômica. Então,
neste contexto, compreenda-se que as mudanças nas finanças têm
constituído uma dinâmica internacionalizada, calcada numa verda
deira macroestrutura financeira, de âmbito transnacional... (...) A
dominância financeira — a financeirização — é expressão geral das
formas contemporâneas de definir, gerir e realizar riqueza no capita
lismo. Por dominância financeira apreende-se, inclusive conceitual-
mente, o fato de que todas as corporações — mesmo as tipicamente
industriais, como as do complexo metalmecânico e eletroeletrônico
— têm em suas aplicações financeiras, de lucros retidos ou de caixa,
um elemento central do processo de acumulação global de r iqueza. 1 2
A rigor, o capital financeiro parece adquirir mais força do que em
qualquer época anterior, quando ainda se encontrava enraizado em
centros decisórios nacionais, mais ou menos subordinados ao Estado-
niição. Além da mundial ização acelerada e generalizada das forças
produtivas, dos processos econômicos, da nova divisão internacional
do t rabalho , formam-se redes e circuitos informatizados, por meio
tios quais as transnacionais e os bancos movem o capital por todos os
i cntros do mundo .
O locus do poder econômico e político deslocou-se, devido à ascen
são do capital financeiro. Tem sido dito, em especial por radicais,
que o lugar do poder na sociedade capitalista estava nos escritórios
centrais de umas poucas centenas de corporações multinacionais
gigantes. Embora não haja dúvida acerca do papel destas entidades
na alocação de recursos e outras atividades correlatas, penso que se
deve acrescentar uma consideração que merece ser enfatizada. Os
ocupantes desses escritórios centrais são eles próprios, em crescente
1 2 José Carlos de Souza Braga, "A Financeirização da Riqueza", Economia e sociedade, n°. 2, Instituto de Economia da Unicamp, Campinas, 1993, pp. 25-57; citação da p. 26.
69
to dos capitais tanto quanto limpar e reciclar o dinheiro sujo. Esta
evolução parece favorecer uma integração maior da economia i l íci"
nas atividades dos grandes bancos comerciais internacionais. 1 1
Q u a n d o se dá a internacionalização propriamente dita do capital,
este descola-se das nações, dos subsistemas econômicos nacionaisj
Ainda que guarde alguns traços importantes de sua origem ou enrai-l
zamento nacional, adquire significados que transcendem as fronteiras]
desta ou daquela nação. São várias as moedas nacionais negociadas
em todos os quadrantes , independentemente de sua filiação originá-l
ria. É claro que o iene japonês, o marco alemão, a libra esterlina ingle
sa e o dólar norte-americano, entre outras moedas, continuam a pre-i
servar relações básicas com os subsistemas econômicos nacionais emí
que se formaram e continuam a ter vigência. M a s isto não impede qué
essas mesmas moedas adquiram significados novos, às vezes funda J
mentais, devido a sua circulação internacional. N o âmbito do merca
do mundial , em que circulam o capital, a tecnologia e a força de tra
balho, em formas cada vez mais rápidas e generalizadas, desenvol
vem-se significados novos dessas forças produtivas, além do que sig
nificam em âmbito nacional.
A rigor, o processo de internacionalização do capital é, simulta
neamente , um processo de formação d o capi ta l g lobal , en tend ido
como uma forma nova e desenvolvida do capital em geral. Ao lado
dos capitais singulares e particulares, compreendidos como nacionais
e setoriais, formas do capital em geral, subsumindo àqueles e confe-.
rindo-lhes novos significados.
É importante compreender que, mais que nunca, no capitalismo con
temporâneo as finanças ditam o ritmo da economia (...) e, neste sen-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 3 Paul M. Sweezy, "The Triumph of Financial Capital", Monthl Review, vol. 46, n° 2, Nova York, 1994, pp. 1-11; citação das pp. 9-10'
70
M E T Á F O R A S D A G L O B A L I Z A Ç Ã O
continuam presentes e válidos, desenvolvem-se as relações, os proces-
NOS e as estruturas que consti tuem a organização e a dinâmica do capi
tal em escala mundial . Assim se subvertem noções, conceitos, catego
rias ou interpretações. O que parecia evidente e consol idado pode
parecer duvidoso, inacabado ou superado. De forma errática ou siste
mática, o pensamento científico está sendo provocado pelos desafios
da globalização do capital.
71
medida, constrangidos e controlados pelo capital financeiro opera
do por meio de redes globais do mercado financeiro. Em outras pa'
vras, o poder real não está totalmente nos escritórios das corpor
ções, mas nos mercados financeiros. O que é válido para diretores
corporações é também válido para os que controlam o poder poli
co (nacional). Cada vez mais, eles também são controlados pel
mercados financeiros, no que podem e no que não podem fazer.*3
N a época da g lobal ização d o cap i ta l i smo, o capi ta l em ger
adquire maior universalidade. N ã o só subsume as mais diversas fo
mas de capital singular e particular, ou nacional e setorial, como
torna parâmetro universal das atividades e relações desenvolvidas p
indivíduos e povos, por empresas e conglomerados nacionais e t ra
nacionais , po r governos nacionais e organizações mult i la terais ,
capital em geral, cada vez mais não só internacional mas propriame
te global, passa a ser um parâmetro decisivo no modo pelo qual es
mesmo capital se produz e reproduz, em âmbito nacional, region
setorial e mundial .
O s horizontes históricos e teóricos abertos pela internacionali
ção d o capital, compreendendo uma forma desenvolvida da repro
ção ampliada deste capital, logo põem em causa as noções de econ
mia nacional, de desenvolvimento econômico nacional, de coloniali
m o , de imperialismo, de dependência, de bilateralismo, de multilat
ral ismo etc. Essas noções cont inuam de alguma ou muita val idad
permit indo descrever e interpretar realidades particulares em diferen
tes partes do mundo . Expressam relações, processos e estruturas mui
t o presentes e evidentes nas condições de vida dos indivíduos, dos gru
pos , das classes, das tr ibos, dos clãs, dos povos, das nações e naciona
lidades. Mas por dentro e por sobre a economia nacional, o imperia
lismo e o multilateralismo, além de outras realidades e conceitos qu
CAPÍTULO 4 A interdependência das nações
A interpretação sistêmica das relações internacionais já está bastante
desenvolvida em estudos e controvérs ias sobre a p roblemát ica da
mundialização. A teoria sistêmica parece oferecer quadros de referên
cia consistentes, de modo a taquigrafar aspectos importantes da orga
nização e dinâmica da sociedade mundial . Estas análises sistêmicas
começam por reconhecer que, aos sistemas nacionais, tomados um a
um, e aos regionais, combinando duas ou mais nações, superpõe-se o
sistema mundial . O sistema mundial , em curso de formação e t rans
formação desde o final da Segunda Guerra Mundia l e francamente
dinamizado depois do término da Guerra Fria em 1989, contempla
economia e política, blocos econômicos e geopolíticos, soberanias e
hegemonias. Reconhece que o sistema-mundo tende a predominar , es
tabelecendo poderosas injunções a uns e outros, nações e nacionalida
des, corporações e organizações, atores e elites. Confere ao sistema
mundial vigência e consistência, já que estaria institucionalizado em
agências mais ou menos ativas, como a Organização das Nações Uni
das (ONU), o Fundo Monetár io Internacional (FMI), o Banco M u n
dial (BIRD) e muitas outras . Além disso, a noção de sistema mundial
contempla a presença e a vigência das empresas, corporações e con
glomerados transnacionais. Nesse contexto, os meios de comunicação
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
revelam-se particularmente eficazes para desenhar e tecer o imaginá
rio de todo o mundo . A mídia impressa e eletrônica, cada vez mais
acoplada em redes multimídia universais, constituem a realidade e a
ilusão da aldeia global.
A rigor, a sociedade mundial pode ser vista como um sistema
social complexo , n o âmbi to do qual encontram-se outros sistemas
mais ou menos simples e complexos, tanto au tônomos e relativamen
te a u t ô n o m o s c o m o subord inados , ou subsistemas. N o âmbi to da
sociedade mundial , logo se destacam o sistema econômico e o políti
co , mas t ambém out ros podem tornar-se relevantes, em termos da
organização e dinâmica da mundialização. T o m a d o como um sistema
de alta complexidade, a sociedade mundial pode ser vista c o m o um
produ to da diferenciação crescente decorrente da evolução dos siste
mas que a antecedem e compõem.
Surge uma história mundial concatenada. (...) Em todos os lugares
eletricidade vale como eletricidade, dinheiro como dinheiro, homem
como homem — com as exceções que sinalizam um estado patológi
co, atrasado e ameaçado. Em todos esses planos pode-se registrar um
rápido crescimento de coerências em escala mundial. (...) Na medida
em que esferas funcionais como a religião, a economia, a educação, a
pesquisa, a política, as relações íntimas, o turismo do lazer, a comu
nicação de massas, se desdobram automaticamente, elas rompem as
limitações de território social às quais todas estão inicialmente sujei
tas. (...) A constituição da sociedade mundial é conseqüência do
princípio da diferenciação social — formulando mais precisamente: a
conseqüência da estabilização eficaz desse princípio de diferenciação.
Frente a esse processo, o desenvolvimento científico-econômico-téc-
nico e a positivação do direito não são fatores autônomos, mas tor
naram-se possíveis pela mudança estrutural. Essa tese está relaciona
da à conclusão geral da teoria de sistemas... 1
1 Niklas Luhmann, Sociologia do Direito, 2 vols., tradução de Gustavo Bayer, Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1985, vol. II, pp. 154-156.
76
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
2 Norbert Wiener, Cibernética e sociedade (O Uso Humano de Seres Humanos), tradução de José Paulo Paes, Editora Cultrix, São Paulo, 1968, pp. 16, 26, 34 e 46.
77
A teoria sistêmica privilegia a funcionalidade sincrónica, a art icu
larão eficaz e produtiva das partes sincronizadas e hierárquicas d o
lodo sistêmico cibernético. É o ambiente da escolha racional, das op
ções mediatizadas por linguagens estabelecidas com base em sistemas
ile signos cada vez mais baseados nas técnicas da eletrônica. Permite
desenvolver todos sincronizados em todos mais amplos e abrangentes,
desde o homo economicus, politicus, sociologicus, ciberneticus até a
economia mundial , sempre no âmbito da racionalidade pragmática de
iii ores. Sim, os sistemas se compõem de atores simples e complexos,
desde indivíduos e grupos a instituições e organizações, compart i lhan
do conjuntos de valores, comunicando-se com base em determinadas
linguagens, a tuando hedonisticamente e acomodando-se bem ou mal
ÁS regras insti tucionalizadas no mercado . Privilegia a estabi l idade,
normalidade, harmonia, equilíbrio, funcionalidade, eficácia, produt i
vidade, ordem, evolução. Transfere para a realidade social, micro e
macro, nacional e mundial , o princípio epistemológico que funda a
t Ibernética: entropia, homeostase, input, output, feedback etc.
A sociedade só pode ser compreendida através de um estudo das men
sagens e das facilidades de comunicação de que disponha; e de que, no
futuro desenvolvimento dessas mensagens e facilidades de comunica
ção, as mensagens entre o homem e as máquinas, entre as máquinas e
o homem, e entre a máquina e a máquina estão destinadas a desempe
nhar papel cada vez mais importante. (...) O funcionamento físico do
indivíduo e o de algumas máquinas de comunicação mais recentes são
exatamente paralelos no esforço análogo de dominar a entropia atra
vés da realimentação. (...) O sistema nervoso e a máquina automática
são, pois, fundamentalmente semelhantes no constituírem, ambos,
aparelhos que tomam decisões com base em decisões feitas no passado.
(...) Somos escravos de nosso aperfeiçoamento técnico. (...) Modifica
mos tão radicalmente nosso meio ambiente que devemos agora modi
ficar-nos a nós mesmos para poder viver nesse novo meio ambiente. 2
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Os parâmetros lógicos estabelecidos pela teoria sistêmica, ca
vez mais influenciada pela cibernética, aparecem em forma crescen
nas reflexões sobre a organização e a dinâmica da sociedade mundia
Trata-se de um m o d o de taquigrafar aspectos da realidade, permiti
do construir modelos e estratégias, ou sistemas decisórios.
O sistema político global compreende um conjunto específico de r
lações concernentes a uma escala de determinados problemas envo
vidos na consecução, ou busca organizada, de atuação coletiva e
nível global. Envolve a administração de uma rede de relações centr
da nas articulações entre a unidade líder e os que buscam ou luta
por liderança. (...) As unidades que estruturam a interação de polítí
ca global são as potências mundiais. Estas estabelecem as condiçõ '
da ordem no sistema global. Elas são as capazes e dispostas a ag !
Organizam e mantêm coalizões e estão presentes em todas as parte!
do mundo, habitualmente mobilizando forças de alcance global. Sua,
ações e reações definem o estado da política em nível global. (...)
sistema mundial é uma orientação para que se possa visualizar os
ranjos sociais mundiais em termos de totalidade. Permite pesquisa
as relações entre as interações de alcance mundial e os arranjo
sociais em níveis regional, nacional e local. 3
Na base da idéia de que a sociedade mundial pode ser vista como
um sistema coloca-se a tese de que o mundo se constitui de um siste
ma de atores, ou um cenário no qual movimentam-se e predomina
atores. São de todos os tipos: Estados nacionais, empresas transnacio
nais, organizações bilaterais e multilaterais, narcotráfico, terrorismoJ
Grupo dos 7, O N U , FMI, BIRD, FAO, OIT, AIEA e muitos outros]
compreendendo naturalmente também as organizações não-governan
mentais (ONGs) dedicadas a problemas ambientais, defesa de popula^
ções nativas, proteção de direitos humanos , denúncias de práticas de
3 George Modelski, Long Cycles in World Politics, University o Washington Press, Seattle, 1987, pp. 7-8, 9 e 20.
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A D A S N A Ç Õ E S
Violência e tor tura . Também podem adquirir relevância regional o u
iiiinulial atores de tipo nacional, podendo entrar ativa ou passivamen
te no jogo das pendências regionais e mundiais. Uns e outros sintetiza
riam muito do que são as relações, controvérsias, soluções e impasses
. M I entes no âmbito da mundialização.
Mas, no sistema mundial assim concebido, os Estados nacionais
p n t i n u a m a desempenhar os papéis de atores privilegiados, ainda que
freqüentemente desafiados pelas corporações, empresas ou conglome
rólos. Polarizam muitas das relações, reivindicações, negociações, as-
lociações, tensões e integrações que articulam o sistema mundial . Daí
i tese da interdependência das nações. Mui to do que ocorre e pode
ocorrer no âmbito da globalização sintetiza-se em noções produzidas
no jogo das relações entre países: diplomacia, aliança, pacto, paz, blo-
60, bilateralismo, multilateralismo, integração regional, cláusula de
nação mais favorecida, bloqueio, espionagem, dumping, desestabili
zação de governos, beligerância, guerra, invasão, ocupação, terroris
mo de Estado. Todas essas e outras noções dizem respeito à interde
pendência das nações. Aliás, interdependência é uma idéia mui to co
mum em análises e fantasias produzidas acerca de configurações e
movimentos da sociedade global.
A interdependência das nações focaliza principalmente as rela
ções exteriores, diplomáticas, internacionais. Envolve Estados passio
nais tomados como soberanos, formalmente iguais em sua soberania,
a despeito de suas diversidades, desigualdades e hierarquias. E diz res
peito a bilateralismos, multilateralismos e nacionalismos, acomodan
do ideais de soberania e realidades geoeconômicas e geopolíticas re
gionais e mundiais. Apóia-se sempre no emblema, ou paradigma, da
sociedade nacional, do Estado-nação, reconhecendo que este está sen
do desafiado pelas relações internacionais, pelo jogo das alianças ou
disputas entre os blocos geoeconômicos ou geopolíticos, pelas exigên
cias da soberania e as lutas pela hegemonia. Essa interdependência, já
bastante teorizada, diz respeito às vantagens e responsabilidades de
nações dominantes, ou superpotências, bem como das nações depen
dentes, subordinadas ou alinhadas. Mas também há fundamentações
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
e alegações em que se estabelecem as responsabilidades da O N U , d
FMI e praticamente a maioria das agências, organizações e corpora
ções que povoam o cenário mundial. Também a União Européia, a Co-*
munidade dos Estados Independentes (CEI), o Tra tado de Livre Co
mércio da América do Nor te (NAFTA), o Mercado Sul-AmericanQ
(MERCOSUL) , a Associação das Nações d o Sudoeste Asiático
(ASEAN) e a Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico (APEC),
entre outras fórmulas de integração regional, organizam-se e funcio
nam com base em uma definição sistêmica de interdependência. N o
conjunto, os estudos inspirados na tese da interdependência das nações
p rocuram reconhecer aspectos mais ou menos novos e notáveis da
mundialização, mas sempre fundados no emblema da sociedade nacio
nal, ou melhor, do Estado-nação, no suposto de que a essência desse
Estado é a soberania; uma soberania que está sendo franca e drastica
mente redefinida no jogo das relações, processos e estruturas que cons
tituem a sociedade global.
Sim, a tese da interdependência das nações é bem uma elaboração
sistêmica de como se desenvolve a problemática mundial . Diz respei
to a um cenário em que a maior parte dos problemas aparece nas ra
zões, estratégias, táticas e atividades de atores principais e secundá
rios, todos jogando com as possibilidades da escolha racional.
Interdependência, definida em poucas palavras, significa mútua de
pendência. Na política mundial, interdependência diz respeito a
situações caracterizadas pelos efeitos recíprocos entre nações ou
entre atores em diferentes nações. Estes efeitos com freqüência resul
tam de transações internacionais: fluxos de dinheiro, mercadorias,
pessoas e mensagens através das fronteiras. Essas transações intensi
ficaram-se dramaticamente desde a Segunda Guerra Mundial. (...)i As relações de interdependência sempre envolvem custos, já que a
interdependência restringe a autonomia; mas é impossível especificar
de antemão se os benefícios de uma relação irão exceder os custos.
Isto dependerá da categoria dos atores, tanto quanto da natureza das
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
relações. Nada garante que a relação que designamos de "interde
pendência" será caracterizada como de mútuo benefício. 4
A idéia de sistema mundial reconhece as novas realidades da glo-
h«li/ação, mas persiste na tese das relações internacionais, o que rea
firma a continuidade, vigência ou preeminência do Estado-nação. Re
conhece as disparidades entre os Estados nacionais, quan to à capaci-
diulc de a tuação no cenário mundial , em termos políticos, econômi
cos, militares, geopolíticos, culturais e tantos outros . Procura funda-
IIK-mar algumas características da sociedade global, no que se refere a
i t l ições internacionais, geopolíticas e geoeconômicas, bem como for
mação e dinâmica de regionalismos. Ajuda a mapear relações, proces-
ION e estruturas específicas da mundialização. Inclusive funda-se na
Idéia de que o mundo , isto é, a coletividade das nações, em todas as
luas diversidades e desigualdades, pode ser visto como uma totalida
de, um todo contemplando partes ou atores interdependentes. M a s
tende a ver o mundo como um todo que se volta para a interdepen
dência negociada, administrada, pacífica. Supõe a paz entre as nações
dominantes e subordinadas, ou centrais e periféricas, como tendência
•cessaria, predominante ou ideal realizável. 5
Em algumas formulações, a tese de que o mundo pode ser visto
i onio um sistema implica certa dose de idealização. H á algo de utópi
co na maneira pela qual algumas formulações sobre a interdependên
cia sistêmica supõem a integração, o equilíbrio ou a harmonia entre
l l t ados nacionais, corporações, estruturas mundiais de dominação e
apropr iação, elites, classes, g rupos e ou t ros " a t o r e s " presentes n o
4 Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, Power and Interdependence, 2* edição, HarperCollins Publishers, 1989, pp. 8,9 e 10.
5 Raymond Aron, Paz e guerra entre as nações, tradução de Sérgio Bath, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1986; Karl Deutsch, Análise das relações internacionais, tradução de Maria R. Ramos da Silva, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1982; Norberto Bobbio, A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992.
80 81
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
cenário local, nacional, regional e mundial . Uma utopia idealizando]
formação social presente e fundamentando diretrizes dest inadas M
aprimorá-la.
Assim, a comunidade mundial aparece como um "sistema", pe la
qual queremos significar uma coleção de partes interdependenteH
antes do que um grupo de entidades bastante independentes, c o m a
era o caso no passado. Como conseqüência, o distúrbio do estadfl
normal das coisas em qualquer parte do mundo logo repercute pofl
todo o mundo, conforme muitos eventos recentes claramente de
monstram. (...) O mundo não pode mais ser visto como uma coleçãl
de (...) nações e um conjunto de blocos econômicos e políticos. Em
lugar disso, o mundo deve ser visto como um conjunto de nações I
regiões formando um sistema mundial, por meio de arranjos de inter-™
dependências. (...) O sistema mundial emergente requer uma persB
pectiva holística no que se refere ao futuro desenvolvimento mundialB
tudo parece depender de tudo, devido à trama das interdependência!
entre as partes e o todo . 6
io
ni
e
Enquanto teoria da sociedade, tomada como um sistema amplo e
como um conjunto de subsistemas, a teoria sistêmica do mundo é, era
boa medida, uma transposição da teoria sistêmica do Estado-nação]
Mui to do que já se elaborou acerca da organização e dinâmica do Es-̂
t ado nacional tem sido transposto para a análise do sistema mundialj
É claro que os autores situados nessa perspectiva teórica empenham^
se em reconhecer as originalidades e complexidades da realidade so-^
ciai mundial . Reconhecem que os problemas e dilemas da organização]
e dinâmica da mundialização nascem neste âmbi to , precisamente de
vido às originalidades e complexidades da sociedade mundial . Mas
cont inuam a privilegiar o Estado-nação como o a tor por excelência]
6 Mihajlo Mesarovic e Eduard Pestel, Mankind at the Turning Point (The! Second Report to the Club of Rome), E.P. Dutton e Reader's Digest Press, Nova York, 1974, pp. 18-21.
82
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
do sistema mundial . Ainda que reconheçam a força das empresas, cor-
I ii ações e conglomerados transnacionais, compreendendo inclusive a
•iniplitude dos espaços que ocupam ou invadem, ainda assim os a to
res situados na perspectiva da teoria sistêmica cont inuam a privilegiar
II stado-nação. Este continua a ser o principal emblema, ou mesmo
p.u.idigma, da interpretação sistêmica da mundialização.
Um sistema internacional é um padrão de relações entre unidades
básicas da política mundial, caracterizado pelo escopo dos objetivos
almejados por aquelas unidades e as diretrizes desenvolvidas por
elas, assim como pelos meios utilizados de modo a realizar aqueles
objetivos e implementar aquelas diretrizes. Este padrão é amplamen
te determinado pela estrutura do mundo, a natureza das forças que
operam através ou dentro das maiores unidades, bem como pela
capacidade, nível de força e política cultural dessas unidades. (...) Tal
definição corresponde às definições aceitas de sistemas políticos
nacionais, que também são caracterizados pelo escopo dos objetivos
políticos (o Estado restrito versus o Estado totalitário, o Estado do
bem-estar social versus o Estado da livre empresa) e pelos métodos de
organização do poder (relações constitucionais entre os ramos do
governo, tipos de sistemas partidários). 7
É claro que os estudos realizados na ótica da teoria sistêmica es
tão dedicados a esclarecer problemas tais como os seguintes: interde
pendência e dependência, alianças e blocos, bilateralismo e multilate-
ralismo, integração nacional e integração regional, geoeconomia e
geopolítica, narcotráfico e terrorismo, guerra e revolução, armamen
tismo e pacifismo, ambientalismo e poluição, soberania e hegemonia.
Esses e outros são problemas emergentes e recorrentes n o âmbi to das
7 Stanley Hoffinann, "International Systems and International Law", publicado por Klaus Knorr e Sidney Verba (editores), The International System (Theoretical Essays), Princeton University Press, Princeton, 1967, p. 207. A citação compreende também o texto da nota n° 4.
83
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
cenário local, nacional, regional e mundial . Uma utopia idealizando
formação social presente e fundamentando diretrizes dest inadas
aprimorá-la.
Assim, a comunidade mundial aparece como um "sistema", pei
qual queremos significar uma coleção de partes interdependentes
antes do que um grupo de entidades bastante independentes, com?
era o caso no passado. Como conseqüência, o distúrbio do estad
normal das coisas em qualquer parte do mundo logo repercute po
todo o mundo, conforme muitos eventos recentes claramente de
monstram. (...) O mundo não pode mais ser visto como uma coleçã
de (...) nações e um conjunto de blocos econômicos e políticos. E
lugar disso, o mundo deve ser visto como um conjunto de nações
regiões formando um sistema mundial, por meio de arranjos de inter
dependências. (...) O sistema mundial emergente requer uma pers
pectiva holística no que se refere ao futuro desenvolvimento mundial
tudo parece depender de tudo, devido à trama das interdependência
entre as partes e o todo . 6
Enquanto teoria da sociedade, tomada como um sistema amplo
como um conjunto de subsistemas, a teoria sistêmica do mundo é, e
boa medida, uma transposição da teoria sistêmica do Estado-nação;
Mui to do que já se elaborou acerca da organização e dinâmica do Es
t ado nacional tem sido transposto para a análise do sistema mundial
É claro que os autores situados nessa perspectiva teórica empenham
se em reconhecer as originalidades e complexidades da realidade so
ciai mundial . Reconhecem que os problemas e dilemas da organizaçã
e dinâmica da mundialização nascem neste âmbi to , precisamente de
vido às originalidades e complexidades da sociedade mundial . M a |
cont inuam a privilegiar o Estado-nação como o ator por excelência]
6 Mihajlo Mesarovic e Eduard Pestel, Mankind at the Turning Point (Th Second Report to the Club of Rome), E.P. Dutton e Reader's Diges Press, Nova York, 1974, pp. 18-21.
82
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
do sistema mundial . Ainda que reconheçam a força das empresas, cor
porações e conglomerados transnacionais, compreendendo inclusive a
iimplitude dos espaços que ocupam ou invadem, ainda assim os ato-
i cs si tuados na perspectiva da teoria sistêmica cont inuam a privilegiar
0 Estado-nação. Este continua a ser o principal emblema, ou mesmo
paradigma, da interpretação sistêmica da mundialização.
Um sistema internacional é um padrão de relações entre unidades
básicas da política mundial, caracterizado pelo escopo dos objetivos
almejados por aquelas unidades e as diretrizes desenvolvidas por
elas, assim como pelos meios utilizados de modo a realizar aqueles
objetivos e implementar aquelas diretrizes. Este padrão é amplamen
te determinado pela estrutura do mundo, a natureza das forças que
operam através ou dentro das maiores unidades, bem como pela
capacidade, nível de força e política cultural dessas unidades. (...) Tal
definição corresponde às definições aceitas de sistemas políticos
nacionais, que também são caracterizados pelo escopo dos objetivos
políticos (o Estado restrito versus o Estado totalitário, o Estado do
bem-estar social versus o Estado da livre empresa) e pelos métodos de
organização do poder (relações constitucionais entre os ramos do
governo, tipos de sistemas partidários). 7
É claro que os estudos realizados na ótica da teoria sistêmica es
tão dedicados a esclarecer problemas tais como os seguintes: interde
pendência e dependência, alianças e blocos, bilateralismo e multilate-
ralismo, integração nacional e integração regional, geoeconomia e
geopolítica, narcotráfico e terrorismo, guerra e revolução, armamen
tismo e pacifismo, ambientalismo e poluição, soberania e hegemonia.
Esses e outros são problemas emergentes e recorrentes no âmbi to das
7 Stanley Hoffinann, "International Systems and International Law", publicado por Klaus Knorr e Sidney Verba (editores), The International System (Theoretical Essays), Princeton University Press, Princeton, 1967, p. 207. A citação compreende também o texto da nota n°. 4.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
8 Inis L. Claude Jr., States and the Global System (Politics, Law and Organization), MacMillan Press, Londres, 1988, p. 129. Consultar também: Robert Gilpin, La economia política de las relaciones internacionales, tradução de Cristina Pina, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1990.
84
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
É claro que os atores são diversos e desiguais quanto a sua força,
.na posição estratégica, sua amplitude de a tuação, seu monopólio de
tcniicas de poder. O Grupo das 7 nações dominantes, compreenden
do os Estados Unidos, Japão , Alemanha, Inglaterra, França, Itália e
Canadá, inegavelmente dispõe de meios e modos para influenciar di
rei rizes não só de Estados dependentes, periféricos, do sul ou do Ter-
iciro M u n d o , como também as organizações bi e multilaterais, com
preendendo a O N U , o FMI, a OIT, a AIEA, entre outras.
Esse é o âmbito em que se colocam alguns problemas da maior re
levância, às vezes novos e ainda não interpretados. Um deles diz res
peito ao princípio da soberania do Estado-nação. É claro que a sobe
rania do Estado-nação periférico ou do sul é em geral muito limitada,
quando não é simplesmente nula. Se é provável que alguns destes Es
tados nacionais a lcançaram a soberania em momentos passados, é
muito mais provável que eles pouco ou nada desfrutam de soberania
na época da globalização d o mundo . A dinâmica das relações, proces
sos e estruturas que constituem a globalização reduzem ou anulam os
espaços de soberania, inclusive para nações desenvolvidas, dominan
tes, centrais, d o norte ou d o Primeiro M u n d o . A despeito das prerro
gativas que preservam e inclusive procuram ampliar, é inegável que a
soberania d o Estado-nação é um princípio carente de nova jurispru
dência, e de out ro estatuto jurídico-político.
A incapacidade dos Estados nacionais para responder a um meio glo
bal problemático resultará na delegação de tarefas e recursos aos
fóruns e às agências internacionais e supranacionais, o que não signi
fica que essa tendência será uniforme ou que necessariamente produ
zirá na prática impulsos democráticos. Essa expansão institucional,
mesmo quando diretamente instigada e orientada por Estados nacio
nais (isto é, por governos atuando em nome de Estados), provavel
mente produzirá um intrincado padrão de cooperação e competição
que imporá ulteriores limitações à liberdade de ação dos Estados.
Quanto maior a necessidade de coordenação política, mais difícil
será para os governos seguirem sozinhos, e maior a tendência das ins-
relações internacionais, sempre envolvendo Estados nacionais, mas 1
t ambém sempre ultrapassando seus limites. Daí o empenho evidente
nos estudos sistêmicos pelo esclarecimento do significado e importân
cia das organizações regionais e mundiais de todo t ipo, desde a O N U
e o FMI até a Organização Internacional d o Trabalho (OIT) e a Agên-!
cia Internacional de Energia Atômica (AIEA), entre muitas outras .
Cabe reiterar, no entanto, que em boa parte das análises sistêmi
cas sobre a sociedade mundial , tomada no seu todo ou em seus sub-!
sistemas, persiste a prioridade conferida a o Estado-nação. Ainda que
ou t ros atores revelem-se poderosos , impositivos e abrangentes , em!
âmbi to nacional, regional e mundial, o Estado-nação permanece co
mo o parâmetro principal, como o ator por excelência no jogo das re-'
lações, decisões e implementações em curso na sociedade mundial .
A função reguladora das instituições internacionais, exercendo pres
são sobre os Estados, quando se trata da colaboração e competição
entre eles, não esgota evidentemente toda a história. O critério da sua
utilidade para os Estados sugere que, em sentido mais amplo, as
organizações internacionais devem ser concebidas como agências de
serviços. Podem ser consideradas como canais por meio dos quais os
Estados prestam-se serviços mutuamente; ou como corpos burocráti
cos criados e mantidos pelos Estados para prover de serviços os seus
membros. (...) Os Estados mais desenvolvidos apóiam-se nos servi
ços internacionais para facilitar a conduta da sua diplomacia e do seu
comércio internacional; e os menos desenvolvidos esperam das agên
cias internacionais mobilização da assistência sem a qual não pode
riam sobreviver. As organizações internacionais são elementos suple
mentares do sistema mundial, designados a fazer pelos Estados algu
mas das coisas que estes não podem realizar por si mesmos. 8
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
a A teoria da estabilidade hegemônica, tal como se aplica à economiai
política internacional, define a hegemonia como preponderância de
recursos materiais. São especialmente importantes quatro grupos de
recursos. Os poderes hegemônicos devem ter controle das matérias-8
primas, controle das fontes de capital, controle de mercados e vanta-1 gens competitivas na produção de bens de valor elevado. (...) Um
Estado hegemônico deve possuir suficiente poder militar, para serl
9 Joseph A. Camilleri e Jim Falk, The End of Sovereignty? (The Política of a Shrinking and Fragmenting World), Edward Elgar Publishing,] Hants, Inglaterra, 1992, pp. 252 e 253. Consultar também: Karl W. Deu-J tsch, Las naciones en crisis, tradução de Eduardo L. Suárez, Fondo del Cultura Econômica, México, 1981; Antonio Cassese, / Diritti Umani ne\ Mondo Contemporâneo, Editori Laterza, Roma-Bari, 1988; Oscarj Schachter, International Law in Theory and Practice, Martinus Nijhoffl Publishers, Dordrecht-Boston-Londres, 1991.
86
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A D A S N A Ç Õ E S
capaz de proteger a economia política internacional da incursão de
adversários hostis. Isto é essencial, porque os temas econômicos, se
são suficientemente cruciais para os valores nacionais básicos, po
dem converter-se também em temas de segurança militar. (...) Não
obstante, não é necessário que o poder hegemônico exerça domina
ção militar mundial. (...) As condições militares necessárias para a
economia hegemônica são satisfeitas se o país economicamente pre
ponderante tem suficiente capacidade militar para impedir incursões
de outros, que lhe impediriam acesso às principais áreas de sua ativi
dade econômica. 1 0
Note-se que as noções de soberania e hegemonia revelam-se não
só problemáticas mas centrais, nas análises sistêmicas. Grande parte
dessas análises dedica-se a codificar as condições e as possibilidades
de soberania e hegemonia. São temas da maior relevância n u m a épo
ca em que o mundo se torna um cenário de muitas nações, em geral
polarizadas por algumas mais fortes. Em dada época, o m u n d o pode
estar polarizado em torno dos Estados Unidos e da União Soviética,
ao passo que em outra polariza-se em torno dos Estados Unidos, Ja
pão e Alemanha, o u Europa Ocidental. M a s a Rússia polariza algu
mas nações do ex-bloco soviético. E a China poderá tornar-se ou t ro
pólo opor tunamente . E há nações, como a África do Sul, índia, Mé
xico, Brasil e outras que desfrutam de posições especiais em sistemas
geoeconômicos e geopolíticos. Cabe observar, ainda, que dentre as
nações-satélites são muitas as extremamente problemáticas, por seus
dilemas sociais, econômicos, políticos e culturais. Algumas não pos
suem propriamente fisionomias de nações, já que estão atravessadas
por drásticas divisões internas, envolvendo provincianismos, localis
mos, etnicismos, racismos ou fundamentalismos. Absorvem-se em lu
tas internas e empenham-se em adquirir o estatuto de nações. São ato-
io Robert O. Keohane, Después de la hegemonia (Cooperación y Discordia en La Política Económica Mundial), tradução de Mirta Rosen-berg, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1988, pp. 50 e 59.
8 7
tituições internacionais de estabelecerem limitações adicionais àJ
opções práticas disponíveis à "soberania" dos Estados. (...) O cresci
mento quantitativo e qualitativo de atores subnacionais, internacio
nais e transnacionais (...) necessariamente leva a uma contínua p e n e i
tração através das fronteiras dos Estados. (...) O Estado não pode
obstar ou reverter as condições materiais que definem o sistema mun
dial emergente: a revolução tecnológica na comunicação e transpor-V
te, a mobilidade transnacional do capital, as dimensões globais e oi
impacto da destruição ambiental. 9
N o âmbito d o sistema mundial, coloca-se também o problema da
hegemonia, isto é, do Estado-nação mais forte e influente, m o n o p o l i l
zando técnicas de poder e oferecendo ou impondo diretrizes aos ou-1
t ros. Mais uma vez, a perspectiva sistêmica privilegia o E s t a d o - n a ç ã o l
t an to o que predomina como o que se subordina. Nessa pe rspec t iva i
as relações, os processos e as estruturas características da global ização!
em geral dissolvem-se nas interpretações relativas às relações internai
cionais desenvolvidas pelas diplomacias nacionais.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
88
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
1 1 Samuel P. Huntington, "Transnational Organizations in World Politics", World Politics, vol. XXV, n° 3,1973, pp. 344 e 345-6. Consultar também: Everett E. Hagen, On the Theory of Social Change (How Economic Growth Begins), The Dorsey Press, Homewood, Illinois, 1962.
89
res problemáticos em subsistemas regionais. Note-se, no entanto, que
esse mapa do mundo contempla também múltiplas corporações priva
das e organizações governamentais de âmbito bi e multilateral, como
atores mais ou menos fortes no jogo das lutas que se sintetizam, em
última instância, nas noções de soberania e hegemonia. Em boa medi
da, as análises sistêmicas conferem a esse jogo de atores no cenário
mundial a responsabilidade pela organização e dinâmica do sistema
mundial , como um todo e em seus subsistemas.
Ainda que sua postura metodológica seja sempre isenta, neutra ou
equidistante, no que se refere às relações entre as partes e o todo , ou
no jogo das relações entre os atores participantes do sistema, a teoria
sistêmica envolve geralmente as noções de evolução e modernização
do capitalismo. De m o d o implícito, ou aber tamente , a maioria das
interpretações da realidade em termos da organização e dinâmica dos
sistemas e subsistemas nacionais e mundiais contempla o suposto de
que a organização e dinâmica prevalecentes tendem a pautar-se pelas
sociedades modernas mais desenvolvidas, dominantes, centrais ou he
gemônicas. H á um evidente ocidentalismo, juntamente com o capita
lismo, quando as interpretações esclarecem o modo pelo qual as par
tes, as unidades, os segmentos ou os atores menos desenvolvidos, isto
é, arcaicos, periféricos ou marginais são contemplados na organização
e dinâmica da sociedade mundial . A própr ia noção de hegemonia,
conforme tem sido definida nas análises sistêmicas, supõe que o hege
mônico não só centraliza e dirige, mas também orienta, impõe ou im
plementa diretrizes destinadas a tornar os tradicionais em modernos.
A expansão das organizações transnacionais e a simultânea multipli
cação de governos nacionais são, ambas, em certo sentido, respostas
às tendências de modernização social, econômica e tecnológica que
estão varrendo o mundo. Os novos desenvolvimentos da economia,
tecnologia e administração tornaram possível que organizações fun
cionais específicas — tais como a corporação ou o serviço militar —
operassem em âmbito global. (...) Transnacionalismo é o modo nor
te-americano de expansão. Significa "liberdade de ação" antes do que
"poder de controle". A expansão dos Estados Unidos tem sido uma
expansão pluralística, na qual uma variedade de organizações, gover
namentais e não-governamentais, procura realizar os objetivos im
portantes para eles no território de outras sociedades. (...) A penetra
ção norte-americana em outras sociedades era geralmente justificada
(...) na base da superioridade tecnológica e econômica, o que deu a
grupos norte-americanos o direito presumido — e até mesmo o dever
— de realizar certas funções especializadas em outras sociedades, n
Nesta al tura da narração, logo se revelam algumas confluencias
significativas. A teoria sistêmica do mundo compreende t ambém as
noções de ocidentalismo e capitalismo. São os padrões, os ideais e as
instituições do capitalismo e ocidentalismo, ou vice-versa, que coman
dam a organização e dinâmica da mundialização. E mundialização é
também e sempre modernização, mas modernização nos moldes d o
capitalismo ocidental.
A teoria sistêmica do mundo envolve tan to as noções de ociden
talismo e capi ta l ismo como as de modernização e evolução, com
preendendo integração e diferenciação; no que se refere a formas de
vida e t rabalho ou organização e dinâmica de sistemas e subsistemas,
em âmbito local, nacional, regional e mundial. Envolve o suposto de
que o sistema social mundial é ou tende a configurar-se como um todo
articulado com base no princípio da causação funcional, em que os
atores são levados a comunicarem-se entre si e a agir em termos de es
colha racional. Uma totalidade problemática, mas tendente à integra
ção. Supõe que a dinâmica das partes mais ou menos ativas, desenvol
vidas ou predominantes, pode difundir-se pelas partes menos ativas,
subdesenvolvidas ou subalternas. Sob certos aspectos, é possível dizer
que a teor ia da modern ização mundia l adqui re mais consistência
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 2 Niklas Lukmann, "The World Society as a Social System", Internatioi nal Journal of General Systems, vol. 8, 1982, pp. 131-138; citação dad pp. 133-134. Consultar também: Niklas Luhmann, Sociedad y sistemas la ambición de la teoria, tradução de Santiago López Petit e Dorothea Schmitz, Ediciones Paidós Ibérica, Barcelona, 1990.
90
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
dos" . N a realidade, são principalmente as "elites" dominantes (envol
vendo indivíduos, grupos, classes, organizações governamentais , or
ganizações bi e multilaterais, corporações nacionais e transnacionais)
alguns dos principais "a to res" que concretamente agem de m o d o a
produzir, orientar e dinamizar "desvios" destinados a provocar mu
dança ou evolução. Uma parte volumosa da produção de economis
tas, sociólogos, cientistas políticos, geógrafos, demógrafos e demais
cientistas sociais está inspirada, aberta ou implicitamente, por "obje
tivos" ou "previsões" destinados a produzir crescimento, desenvolvi
mento, industrial ização, urbanização, secularização, individuação,
racionalização, modernização, evolução, progresso. N ã o se t ra ta de
duvidar da isenção ou inocência da teoria sistêmica, mas sim de reco
nhecer que ela tem inspirado objetivos e previsões destinados à oci
dentalização do mundo , nos moldes do capitalismo.
Dentre as características mais significativas da cultura ocidental,
no contexto do sistema social internacional, destaca-se:
O desenvolvimento de quadros de referência normativos e institucio
nalizados de organização da sociedade secular desenvolvida; ao pas
so que a maioria das culturas não ocidentais mais importantes tem
deixado maior espaço para o "tradicionalismo", o que se evidencia
nas economias predominantemente camponesas, pela posição social
especial das aristocracias hereditárias, pelo relativamente baixo ou
mesmo ausente nível de educação de todos, menos uma pequena eli
te etc. Sejam quais forem as mais profundas bases culturais do predo
mínio dos valores ocidentais (e para mim estão em última instância
enraizados em orientações religiosas), a conseqüência primeira de seu
presente significado está na imensa ênfase na importância de dois
níveis preliminares da operativa organização das modernas socieda
des, isto é, da "modernização" efetiva da estrutura política da socie
dade e da economia. N o caso da política, o impulso no sentido do
desenvolvimento de um "Estado moderno" está, acima de tudo, na
efetiva organização de caráter burocrático, o que significa a elimina
ção ou drástica redução da influência dos grupos "tradicionais" de
quando se complementa, o u sofistica, com a teoria sistêmica d o mun
do. Podem ser tomadas c o m o as duas faces da mesma moeda, isto é,
da mesma forma de refletir sobre a constituição e dinâmica da reali
dade social, em âmbito local, nacional, regional e mundial; nos mol-j
des do capitalismo, muitas vezes apresentado como ocidentalismo ouj
modernismo.
Talvez se possa dizer que a teoria sistêmica apresenta uma versão
mais elaborada da teoria da modernização, já que naquela e scondem!
se alguns dos valores, ou padrões , ideais e instituições, que se mos
tram muito mais explícitos d o que nesta.
O sistema social pode mudar as suas estruturas somente pela evolu
ção. Evolução pressupõe reprodução auto-referenciada, e muda as
condições estruturais de reprodução pelos diversos mecanismos dei
diferenciação, tais como variação, seleção e estabilização. Alimenta
desvios da reprodução normal. Tais desvios são em geral acidentais,
mas, no caso dos sistemas sociais, podem ser intencionalmente pro
duzidos. A evolução, no entanto, opera sem um objetivo e sem previ-»
são. Pode produzir sistemas de mais alta complexidade. A longo pra
zo, pode transformar eventos improváveis em prováveis; e algum
observador pode ver isto como "progresso" (se o seu próprio sistema
de referência persuadi-lo disso). Somente a teoria da evolução pode j
explicar a transformação estrutural da segmentação à estratificação e !
da estratificação à diferenciação funcional; o que levou à sociedade
mundial de hoje . 1 2
Note-se que "desvios" destinados a provocar mudança social, ou
mesmo evolução sistêmica, podem ser " intencionalmente produzi- l
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
poder. (...) O outro contexto importante é a modernização da econo
mia, que tem significado, mais ou menos, uma prioridade à industria
lização, como nós a entendemos, com o seu uso da organização buro
crática, de uma ágil e tecnicamente treinada força de trabalho, exten
são das transações monetárias e da organização do mercado, além de
várias outras características do gênero . 1 3
Cabe observar, ainda, que as interpretações sistêmicas do mundo ,
como um todo e em seus múltiplos subsistemas, são provavelmente as
mais comuns entre as utilizadas praticamente pelos "a tores" ou pelas
"elites" dominantes, tanto em sociedades nacionais como na sociedade
mundial . Elas respondem, de modo sintético e técnico, às várias exigên
cias desses atores ou elites. Permitem taquigrafar as complexidades e
contradições das mais diferentes formações sociais, de modo a eleger
fatores, atributos, indicadores ou variáveis, principais e secundários,
q u a n d o se t r a t a de p rovoca r ou induzir "desv ios" e "p rev i sões" .
Podem ser tomadas como elaborações mais ou menos sofisticadas da
razão subjetiva, instrumental ou técnica, construindo esquemas, mode
los, estratégias ou jogos, por meio dos quais formulam-se diagnósticos
e prognósticos, planos e projetos, diretrizes e implementações.
A capacidade de sobrevivência dos sistemas sociais humanos depende,
em grande medida, da sua capacidade de adaptar-se à realidade mutá
vel. (...) Já que as modas de pensamento e crenças (...) são mutáveis,
os sistemas sociais são constantemente ameaçados desde dentro. (...)
Os sistemas sociais são ameaçados também do exterior, pois que
outros sistemas ameaçam mudá-lo ou destruí-lo. (...) Os sistemas es
tão sempre sujeitos a pressões do exterior e do interior e devem perma
necer sempre alerta, se querem preservar a própria sobrevivência a
longo prazo . 1 4
1 3 Talcott Parsons, Politics and Social Structure, The Free Press, Nova York, 1969, pp. 305-306. Citação extraída do cap. 12: "Order and Community in the International Social System", pp. 292-310.
1 4 Ervin Laszlo, La Visione Sistêmica del Mondo, tradução de Davide Cova, Grupo Editoriale Insieme, Recco, Itália, 1991, pp. 92-93.
92
A I N T E R D E P E N D Ê N C I A DAS N A Ç Õ E S
Sob vários aspectos, as interpretações sistêmicas do mundo cons-
tituem-se em ingredientes não só ativos, mas fundamentais, do m o d o
polo qual está ocorrendo a globalização. Consti tuem um vasto e com
plexo tecido de interpretações, orientando as atividades e os ideários
de muitos atores e elites presentes e atuantes nos mais diversos luga
res. Ajudam a taquigrafar e codificar, organizar e dinamizar, ou dese
nhar e cristalizar o mapa do mundo, em conformidade com a perspec
tiva e os interesses daqueles que predominam no jogo das forças pre
sentes e atuantes nas configurações e nos movimentos da sociedade
global.
CAPÍTULO 5 A ocidentalização do mundo
(
Desde que a civilização ocidental passou a predominar nos quat ro can
tos do mundo , a idéia de modernização passou a ser o emblema do de
senvolvimento, crescimento, evolução ou progresso. As mais diversas
formas de sociedade, compreendendo tribos e nações, culturas e civili
zações, passaram a ser influenciadas ou desafiadas pelos padrões e
valores sócio-culturais característicos da ocidentalidade, principalmen
te sob suas formas européia e norte-americana. As noções de metrópo
le e colônia, império e imperialismo, interdependência e dependência,
entre outras, expressam também o vaivém do processo histórico-social
de ocidentalização ou modernização do mundo . As noções de país
desenvolvido e subdesenvolvido, industrial e agrário, central e periféri
co, do Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos , do nor te e do sul ou
moderno e arcaico, essas e as demais noções que povoam e continuam
a povoar o imaginário mundial no século XX, já nos primórdios do
XXI, trazem consigo a idéia de modernização do mundo . As noções de
revolução de expectativas, dualidades estruturais, t rocas desiguais,
deteriorização das relações de intercâmbio, terceiro-mundismo, nasse-
rismo, maoísmo, castrismo, populismo, socialismo, comunismo, refor
ma e revolução, entre muitas outras, também trazem consigo esta mes
ma idéia de modernização, em níveis nacionais, regionais e mundiais.
97
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 CE . Black, The Dynamics of Modernization (A Study in Comparative) History), Harper & Row Publishers, Nova York, 1966, p. 139. Consul-) tar também: Serge Latouche, L'occidentalisation du monde, La Décou-j verte, Paris, 1989; Jean Chesneaux, Modernité-monde, La Découverte, Pa-j
S 8
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
A tese da modernização do mundo sempre leva consigo a tese de
sua ocidentalização, compreendendo principalmente os padrões , va
lores e instituições predominantes na Europa Ocidental e nos Estados
Unidos. É uma t radução da idéia de que o capitalismo é um processo
civilizatório não só "superior" , mas também mais ou menos inexorá
vel. Tende a desenvolver-se pelos quatro cantos do mundo , generali
zando padrões, valores e instituições ocidentais. É claro que sempre se
acomoda ou combina com os padrões, valores e instituições com as
quais se defronta nas mais diferentes tribos, sociedades, nações, na
cionalidades, cul turas e civilizações. Pode conviver mais ou menos
tensa ou pacificamente com outras formas de organização da vida e
trabalho; mas em geral predominando.
A teoria da modernização está na base de muitos estudos, deba
tes, prognósticos, práticas e ideais relativos à mundialização. Tem por
suposto fundamental que tudo que é social se moderniza ou tende a
modernizar-se, nos moldes do ocidentalismo, a despeito dos impasses,
ambigüidades, dualidades ou retrocessos. Modernizar pode ser secu
larizar, individualizar, urbanizar, industrializar, mercantilizar, racio
nalizar. Implica o suposto de que o que já ocorreu e continua a ocor
rer na Inglaterra, Alemanha, França, Estados Unidos, Canadá , Japão
e em outras nações, naturalmente em diferentes gradações, certamen
te es tará o c o r r e n d o em todas as demais nações da E u r o p a , Ásia,
Oceania, África, América Latina e Caribe. O mesmo capitalismo que
se consolida e desenvolve nos países centrais, do norte, metropolita
nos ou dominantes tende a espalhar-se pelo mundo , impregnando as
sociedades coloniais, subdesenvolvidas, agrárias, dependentes, perifé
ricas, do sul, do Terceiro M u n d o . Sem esquecer que no ideário da teo
ria da modernização estão presentes a democracia, os direitos de cida
dania; a institucionalização das forças sociais em conformidade com
padrões jurídico-políticos de negociação e acomodação; o estabeleci
mento das condições e limites das mudanças sociais; as garantias con-
ris, 1989; Samir Amin, L'eurocentrisme (Critique d'une Idéologie), An-thropos, Paris, 1988.
99
A própria a tuação da Organização das Nações Unidas (ONU), pon
suas diversas organizações filiadas, no que se refere à economia, políti
ca, cul tura , educação e out ras esferas da vida social, tem sido uma'
a tuação destinada a apoiar, incentivar, orientar ou induzir à modernH
zação, nos moldes do ocidentalismo. D o mesmo modo as empresasj
corporações e conglomerados transnacionais operam de modo a incen-j
tivar e induzir a modernização das atividades e mentalidades. É claro
que a mídia impressa e eletrônica, organizada em redes internacionaisJ
transnacionais ou planetárias, exerce papéis decisivos na formulação,
difusão, a l te ração e legit imação de padrões , valores e instituições!
modernos, modernizados, modernizáveis e modernizantes.
A modernização do mundo implica a difusão e sedimentação dos
padrões e valores sócio-culturais predominantes na Europa Ocidental
e nos Estados Unidos. Estão em causa os princípios da liberdade e
igualdade de proprietários articulados no contra to juridicamente esta-j
belecido. Estão em causa os processos de urbanização, de industriali-j
zação , de mercanti l ização, de secularização e de individuação. N o
âmbi to do ocidentalismo, predominam n ã o só a individuação, mas<
também e principalmente o individualismo. Em distintas gradações,!
tendem a predominar as figuras do homo economicus e do homo poli\
ticus, subsumindo as mais diversas formas e possibilidades da vida so
cial. O individualismo possessivo, relativo à propriedade, à apropria-j
ção e ao mercado, expressa boa parte d o t ipo de personalidade que!
tende a predominar na sociedade moderna , modernizada, moderni-j
zante ou modernizável. "A concepção de m u n d o moderno , prevale-.'
cente nas sociedades avançadas da Europa Ocidental e nas sociedades!
de fala inglesa, ganhou a dianteira na formação de instituições inter™
nacionais e na transformação do mundo , em resultado da generaliza
da adoção dos seus valores e insti tuições." 1
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
t ra as idéias revolucionárias traduzidas em práticas; a precedência da
l iberdade econômica em face da política; a primazia da c idadania
política em face da social e cul tural 2 .
Pode-se dizer que a teoria da modernização tem por base também
o pr inc íp io da " m ã o invisível", imaginado pela pr imeira vez por
Adam Smith. Na medida em que se desenvolve a divisão do t rabalho
social em escala nacional, regional, internacional e global, promove-
se a difusão dos fatores produtivos, das capacidades produtivas, dos
produtos produzidos e do bem-estar geral. N o limite, a mão invisível
pode garantir a felicidade geral de uns e outros, em todo o mundo , em
conformidade com os princípios do mercado, do ideário do liberalis
m o e neol ibera l ismo: economia e l iberdade; l iberdade econômica
como condição de liberdade política; liberdade e igualdade de pro
prietários garantidos pelo contrato codificado no direi to. 3
O neoliberalismo dos tempos da globalização do capitalismo re
toma e desenvolve os princípios que se haviam formulado e posto em
prática com o liberalismo ou a doutrina da m ã o invisível, a part ir do
século XVIII. Mas o que distingue o neoliberalismo pode ser o fato de
que ele diz respeito à vigência e generalização das forças do mercado
capitalista em âmbito global. É verdade que alguns de seus pólos do
minantes e centros decisórios localizam-se nos Estados nacionais mais
fortes. Em escala crescente, no entanto, formam-se pólos dominantes
e centros decisórios localizados em empresas, corporações e conglo
merados transnacionais. Aí nascem diretrizes relativas à desestatiza-
ção , desregulação, privatização, liberalização e regionalização. São
2 David C. McClelland, The Achieving Society, Irvington Publishers, Nova York, 1976; C.B. Macpherson, The Political Theory of Possessive Individualism, Oxford University Press, Oxford, 1990; T.H. Marshall, Cidadania, classe social e status, tradução de Meton Porto Gadelha, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1967, esp. cap. Ill: "Cidadania e Classe Social".
3 John Eatwell, Murray Milgate e Peter Newman (editores), The Invisible Hand, The MacMillan Press, Londres, 1989; Milton Friedman, Capitalismo e liberdade, tradução de Luciana Carli, Abril Cultural, São Paulo, 1984.
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO MUNDO
diretrizes que principalmente o Fundo Monetár io Internacional (FMI)
e o Banco Mundial (BIRD) encarregam-se de codificar, divulgar, im
plementar e administrar. Enquanto o liberalismo baseava-se no prin
cípio da soberania nacional, ou ao menos tomava-o como parâmet ro ,
o neoliberalismo passa por cima dele, deslocando as possibilidades de
soberania para as organizações, corporações e outras ent idades de
âmbito global.
São "elites" de vários tipos que organizam e dinamizam as insti
tuições multilaterais e as corporações transnacionais, além de outras
entidades de alcance mundial . Formam tecnoestruturas a rmadas de
recursos científicos e tecnológicos, em condições de produzir informa
ções, análises, diagnósticos, prognósticos, diretrizes e práticas relati
vos a diferentes problemas e desafios, em escala mundial. É evidente
que a modernização do mundo , em geral na esteira da globalização d o
capitalismo, confere tarefas fundamentais aos quadros ou elites inte
lectuais. 4 i
Sim, a teoria da modernização confere um papel especial às elites
modernizantes e deliberantes. Podem ser elites intelectuais, empresa
riais, militares, religiosas e outras, vistas em separado e em conjunto.
Seriam os grupos que inovam, mobilizam, organizam, dirigem, expli
cam e põem em prática. O povo, as massas, os grupos e classes sociais
são induzidos a realizar as diretrizes estabelecidas pelas elites moderni
zantes e deliberantes. Daí a necessidade de alfabetizar, profissionalizar,
urbanizar, secularizar, modificar instituições e criar novas, reverter
expectativas e out ras diretrizes, de m o d o a viabilizar a execução e
d inamização dos objetivos e meios de modern ização , m o d e r n o s ,
modernizantes. Há algo de schumpeteriano na teoria da modernização
4 John K. Galbraith, The New Industrial State, Hamish Hamilton, Londres, 1967, especialmente o cap. VI; Richard N. Gardner e Max F. Mili-kan (editores), The Global Partnership (International Agencies and Eco-nomic Development), Frederick A. Praeger Publishers, Nova York, 1968; Alvin W. Gouldner, El futuro de los intelectuales y el ascenso de la nueva clase, tradução de Néstor Miguez, Alianza Editorial, Madri, 1985.
101 100
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
d o mundo caminhando na esteira da globalização do capitalismo. "<j
problema crucial é a presença ou ausência, em uma ou diversas esferas
institucionais, de um ativo grupo especial de 'empreendedores ' , o J
uma elite apta a oferecer soluções para a nova escala de problemas."*
N a época da globalização, mundializam-se as instituições mais
t ípicas e sedimentadas das sociedades capitalistas dominan tes . O I
princípios envolvidos no mercado e no contrato generalizam-se, tor-l
nando-se padrões para os mais diversos povos, as mais diversas for |
mas de organização social da vida e do t rabalho, independentemente
das culturas e civilizações. Princípios que se tornam progressivamente
patr imônio de uns e outros, em ilhas, arquipélagos e continentes: mer-l
cado , livre empresa, produtividade, desempenho, consumismo, lucra-j
tividade, tecnificação, automação, robotização, flexibilização, infor
mática, telecomunicações, redes, técnicas de produção de realidades]
virtuais. Esse é o contexto em que as coisas, as gentes e as idéias pas
sam a ser atravessados pela desterri torialização, isto é, por outras
modalidades de territorialização.
N a medida em que se desenvolvem e generalizam, os processos
envolvidos na modernização ultrapassam ou dissolvem fronteiras de
todo o t ipo, locais, nacionais, regionais, continentais; ultrapassam ou]
dissolvem as barreiras culturais, lingüísticas, religiosas ou civilizató-i
rias. Por sobre tudo o que é local e nacional, desenvolvem-se relações,
processos e estruturas dinamizadas pela modernização, em geral tra
duzida em técnicas sociais de produção e controle. Mui to do que se;
5 S.N. Eisenstadt, "Social Change, Differentiation and Evolution", American Sociological Review, vol. 29, n° 3,1964, pp. 375-386; citação da p. 384; S.N. Eisenstadt, Modernização: protesto e mudança (Modernização de Sociedades Tradicionais), tradução de José Gurjão Neto, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1969; Clark Kerr, John T. Dunlop, Frederick H. Harbison e Charles A. Myers, Industrialism and Industrial Man (The Problem of Labor e Management in Economic Growth), Harvard University Press, Cambridge, 1960; Joseph A. Schumpeter, The Theory of Economic Development, tradução de Redvers Opie, Oxford Uni-versify Press, Nova York, 1961, esp. cap. II: "The Fundamental Phenomenon of Economic Development".
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
faz e pensa no mundo passa a pautar-se pelo que é, parece ou pode ser
moderno. E o que parece ou pode ser moderno , modernizado, moder-
nizável ou modernizante traduz-se necessariamente em prático, prag
mático, técnico, instrumental.
A tecnologia, como uma forma de organizar a produção, como uma
totalidade de instrumentos, esquemas e inventos que caracterizam a
era da máquina, é, pois, ao mesmo tempo, um modo de organizar e
perpetuar (ou mudar) as relações sociais, as manifestações predomi
nantes do pensamento, os padrões de comportamento e um instru
mento de controle e dominação. 6
Esse é o reino da razão instrumental, técnica ou subjetiva, per
meando progressivamente todas as esferas da vida social, em âmbito
local, nacional, regional e mundial. N o mesmo curso da modernização
do mundo , simultaneamente à globalização do capitalismo, prossegue
a generalização do pensamento pragmático ou tecnocrático. Cami
nham juntos, mais ou menos conjugados ou desencontrados, espalhan
do-se pelo mundo. Esse o modo de pensar e agir que se generaliza.
Relaciona-se essencialmente com meios e fins, com a adequação de
procedimentos a propósitos mais ou menos tidos como certos e que
se presumem auto-explicativos. Concede pouca importância à inda
gação de se os propósitos como tais são racionais. Se essa razão se
relaciona de qualquer modo com os fins, ela tem como certo que
estes são também racionais no sentido subjetivo, isto é, de que ser
vem ao interesse do sujeito quanto à autopreservação — seja a do
indivíduo isolado ou a da comunidade de cuja subsistência depende
a preservação do indivíduo. A idéia de que um objetivo possa ser
6 Herbert Marcuse, "Some Social Implications of Modern Technology", Studies in Philosophy and Social Science, vol. IX, n° 3, Nova York, 1941, pp. 4i4-439 ; citação da p. 414. Consultar também: Herbert Marcuse, One-Dimensional Man, Beacore Press, Boston, 1966.
103 102
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
racional por si mesmo — fundamentada nas qualidades que se I podem discernir dentro dele — sem referência a qualquer espécie de I lucro ou vantagem para o sujeito, é inteiramente alheia à razão sub- I jetiva, mesmo quando esta se ergue acima da consideração de valores I utilitários imediatos e se dedica a reflexões sobre a ordem social I como um todo . 7
Por sob o ideário da modernização universal está presente a idéia
de evolução progressiva, diferenciação crescente, aperfeiçoamento ili
mi tado. Nessa perspectiva, a mundialização seria um desdobramento
possível, necessário e inevitável do processo de modernização ineren
te ao capitalismo, entendido como processo civilizatório dest inado a
realizar uma espécie de coroamento da história da humanidade. Aos
poucos, modernizar e evoluir tornam-se reciprocamente referidos, in
tercambiáveis, correspondentes. N a esteira da modernização, colo
cam-se a evolução e o crescimento, o desenvolvimento e o progresso,
sempre n o âmbi to da sociedade de mercado, d o capi tal ismo. Uma
idéia antiga, já presente nos primórdios d o liberalismo e d o positivis
mo , readquire vigência e força no âmbito dos problemas práticos e
teóricos suscitados pela globalização do capitalismo.
O evolucionismo subjacente à idéia de modernização já n ã o é
apenas aquele formulado por Herbert Spencer, um tanto linear, deter
minístico e eurocêntrico. Nem o que se acha implícito no positivismo
de Auguste Comte, também unilinear, determinístico e eurocêntrico.
O neo-evolucionismo formulado desde meados d o século X X é mais
nuançado, contempla rupturas e reorientações, além das diferencia
ções e mudanças da realidade social, como um todo e em suas diver
sas dimensões econômicas, políticas, culturais e outras . Está fertiliza-
7 Max Horkheimer, Eclipse da razão, tradução de Sebastião Uchoa Leite, Editorial Labor do Brasil, Rio de Janeiro, 1976, pp. 11-12. Consultar também: Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, Dialética do esclarecimento, tradução de Guido Antonio de Almeida, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1985.
104
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
do pelas controvérsias com o marxismo e out ras teorias. M a s guarda
um compromis so essencial c o m o funcional ismo. N o s e s t u d o s de
cunho evolucionista, a globalização aparece como coroamento neces-
•nrio, mais ou menos harmônico e funcional. Combina recorrências e
lincronias, caminhando sempre para diferenciações necessárias, cada
vez mais complexas, integradas e aperfeiçoadas. Supõe uma tendência
predominante de articulação harmônica entre as partes e o t o d o , as
sociedades nacionais e a sociedade global.
Há algo desse evolucionismo na " tese" do fim da história. Ela im
plica o suposto de que a humanidade estaria alcançando, o u já teria
alcançado, seu pa tamar superior, seu clímax, superando contradições
e rupturas estruturais. A despeito dos problemas ainda remanescen
tes, e mesmo de out ros emergentes, a humanidade estaria en t r ando
em uma época de realização mais livre d o progresso, dedicando-se
principalmente ao própr io aperfeiçoamento. Uma espécie de ante-sala
do paraíso.
À medida que a humanidade se aproxima do fim do milênio, as crises
paralelas do autoritarismo e do socialismo centralizado deixaram no
ringue um só competidor, como uma ideologia de validade potencial
mente universal: a democracia liberal, a doutrina da liberdade indivi
dual e da soberania popular. Duzentos anos depois de terem dado vida
às Revoluções Francesa e Americana, os princípios de liberdade e
igualdade mostram-se não apenas duráveis, mas também ressurgentes.
(...) O sucesso da democracia numa extensa variedade de lugares e
entre muitos povos diferentes indicaria que os princípios de liberdade
e igualdade nos quais eles se baseiam não são acidentes ou resultados
de preconceito etnocêntrico; são na verdade descobertas sobre a natu
reza do homem como homem, cuja verdade não diminui, mas se torna
mais evidente à medida que o ponto de vista fica mais cosmopolita. 8
8 Francis Fukuyama, O fim da História e o último homem, tradução de Aulyde Soares Rodrigues, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1992, pp. 72-73 e 82.
105
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
9 Perry Anderson, O fim da História (De Hegel a Fukuyama), traduçã de Alvaro Cabral, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1992, p. 11.
106
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
1 0 Talcott Parsons, Sociedades (Perspectivas Evolutivas e Comparativas), tradução de Dante Moreira Leite, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1969, pp. 12-13 e 171. Consultar também: S.N. Einsenstadt, "Theories of Social and Political Evolution and Development", publicado por Unesco, The Social Sciences (Problems and Orientations), Mouton, The Hague, Paris, 1968, pp. 178-191.
N a época de globalização do capitalismo, entra em cena a ideolo
gia neoliberal, como seu ingrediente, p roduto e condição. Q u a n d o se
criam, fortalecem e generalizam as estruturas globais de poder , porj
sobre os Estados nacionais, cria-se a ilusão de que a época conturba-j
da do capitalismo alcançou seu limite, de que chegou o fim da históA
ria. Imaginar-se-ia
que a humanidade atingiu o ponto final de sua evolução ideológica
com o triunfo da democracia liberal ocidental sobre todos os seus]
concorrentes no final do século XX. O fascismo, outrora um podero
so rival, tinha sido categoricamente destruído na Segunda Guerra
Mundial. O comunismo, o grande adversário do pós-guerra, estava j
em visível colapso, rendendo-se como sistema ao capitalismo que ti- j
nha outrora procurado derrubar. Desacreditadas essas duas alterna-
tivas globais, restaram apenas resíduos locais do passado histórico:
nacionalismos sem conteúdo social definido ou pretensão universal, I
fundamentalismos confinados a comunidades religiosas específicas
em zonas subdesenvolvidas do Terceiro Mundo. A vitória do capita- •!
lismo liberal foi alcançada não só na Europa, com a derrota do nazis
mo e a desintegração do stalinismo, mas também no igualmente im-
portante campo de batalha da Ásia, com a transformação do Japão j
no pós-guerra, a liberalização em curso na Coréia do Sul e, em Tai
wan, a crescente mercantilização da China. 9
Talvez se possa dizer que, em essência, o evolucionismo funda-se 1
em uma historicidade um tanto linear, automática, produzida pela di-i
ferenciação interna das atividades e funções. Transfere para a realida
de social, ou propriamente histórica, o princípio epistemológico for-1
mulado pelo evolucionismo darwinista, relativo à biologia humana , à
fauna e à flora. Contém uma espécie de organicismo e implica umaj
visão naturalística da vida social, da historicidade do social.
Em nosso estudo de sociedades seremos orientados por uma perspec
tiva evolutiva. (...) Concebe o homem como integrante do mundo or
gânico, e a sociedade humana e a cultura como analisadas correta
mente no quadro geral adequado ao processo da vida. Use-se, ou
não, o adjetivo "biológico", o princípio da evolução é firmemente es
tabelecido como aplicável ao mundo das coisas vivas. Aqui deve ser
incluído o aspecto social da vida humana. Alguns conceitos básicos
da evolução orgânica — por exemplo, variação, seleção, adaptação,
diferenciação e integração — constituem, quando adequadamente
ajustados ao aspecto social e cultural, o centro de nosso interesse. A
evolução sócio-cultural, como a evolução orgânica, avançou, através
de variação e diferenciação, de formas simples a formas progressiva
mente mais complexas. (...) A nossa perspectiva evidentemente
supõe (...) que as sociedades intermediárias são mais adiantadas que
as sociedades primitivas, e que as sociedades modernas (...) são mais
adiantadas que as sociedades intermediárias. 1 0
( Assim se procura conferir maior consistência científica à teoria d a
modernização do mundo. Além de ser racional, ou pragmática, apóia-
se no paradigma evolucionista. Um evolucionismo não isento de dar
winismo social, envolvendo eurocentrismo e racismo em diferentes
gradações, sempre a partir da "tese" de que o mundo evolui para o
modelo ou pa râme t ro representado pelas sociedades dominan te s .
Trata-se de sociedades nas quais predomina o neoliberalismo econô
mico, principalmente, e o político, secundariamente.
A fase "imperialista" das relações da sociedade ocidental com o res
to do mundo foi transitória. Hoje, a tendência para a modernização
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
tomou-se mundial. Especificamente, as elites da maioria das socieda
des não-modernas aceitam aspectos cruciais dos valores da moderni
dade, principalmente o desenvolvimento econômico, a educação, a
independência política e certa forma de "democracia". Embora a ins
titucionalização de tais valores seja desigual e cheia de conflitos — e
assim deva permanecer por longo tempo —, provavelmente conti
nuará a tendência para a modernização no mundo não-ocidental. 1 1
Aliás, o evolucionismo tem sido um estado de espírito freqüente e
generalizado nas ciências sociais. Aparece explícito e subjacente em
conceitos, categorias e interpretações. Desde os fundadores das ciên
cias sociais, e também em seus continuadores, são comuns as intui
ções e interpretações que ressoam uma visão evolucionista da socieda
de, da cultura, da economia, da política, da geografia, da história, do
pensamento. Há algo de evolucionista na teoria sistêmica, assim como
na teoria da modernização , ambas beneficiárias do funcionalismo
presente ou subjacente às idéias de Herbert Spencer, Charles Darwin
e Auguste Comte, para citar alguns.
Cabe reconhecer , p o r t a n t o , que a teor ia da modern ização d o
mundo , com seus ingredientes evolucionistas, leva consigo a idéia de
ocidentalização do mundo . Ao mesmo tempo que implica a generali
zação do capitalismo, implica a ocidentalização, como processo civi-
lizatório. Em praticamente todos os autores que interpretam as reali
dades sociais em termos de modernização, ou teorizam sobre as con
dições, dificuldades e objetivos da modernização, encontram-se pre
sentes os ideais de europeização ou americanização.
O modelo ocidental de modernização contém elementos e seqüências
cuja relevância é global. Em todos os lugares, por exemplo, a crescen
te urbanização tende a elevar a alfabetização; a elevação da alfabeti
zação tende a aumentar a exposição dos indivíduos à mídia; a cres-
1 1 Talcott Parsons, O sistema das sociedades modernas, tradução de Dante Moreira Leite, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1974, p. 165.
108
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
cente exposição à mídia tem sido acompanhada de maior participa
ção econômica (renda per capita) e participação política (voto). O
modelo desenvolvido no Ocidente é um fato. O mesmo modelo bási
co reaparece em virtualmente toda sociedade em modernização, em
todos os continentes do globo, independentemente das variações de
raça, cor, c r edo . . . 1 2
Juntamente com a modernização em marcha com o capitalismo e
0 ocidentalismo, generaliza-se o predomínio das mais diversas tecno
logias de produção e controle sociais. Toda tecnologia, na medida em
que é inserida na vida da sociedade ou no jogo das forças sociais, logo
transforma-se em técnica social; podendo servir a distintas finalida
des. M a s , como técnica monopolizada ou administrada pelos que de
têm o poder , em sociedades atravessadas por desigualdades sociais,
econômicas, políticas e culturais, é evidente que ela tende a ser mani
pulada de m o d o a reiterar e desenvolver as estruturas prevalecentes,
em suas diversidades e desigualdades. Esse é o contexto em que as tec
nologias da eletrônica, entre outras , intensificam e generalizam a ra
cionalização das mais diversas formas sociais de vida e t rabalho, dos
mais diferentes modos de ser e pensar. Aos poucos, a sistemática da
tecnologia povoa e organiza também o imaginário de indivíduos e co
letividades. Ao entrar na fábrica de simulacros e virtualidades, a tec
nologia ajuda a instituir parâmetros de pensamento e imaginação 1 3 .
Em suas linhas básicas, a teoria da modernização do mundo pode
ser vista como uma versão mais conspícua da " teor ia" da ocidentali-
1 2 Daniel Lerner, The Passing of Traditional Society (Modernizing the Middle East), The Free Press, Nova York, 1966, p. 46. Consultar também: David E. Apter, The Politics of Modernization, The University of Chicago Press, Chicago, 1965.
1 3 Pierre Levy, La machine univers (Création, Cognition et Culture Informatique), La Découverte, Paris, 1987; Neil Postman, Technopoly (The Surrender of Culture to Technology), Vintage Books, Nova York, 1993. Uma das primeiras versões da noção de técnica social: Karl Mannheim, Man and Society in an Age of Reconstruction, Harcourt, Brace and Co, Nova York, 1949, Part V, cap. I: "The Concept of Social Technique".
109
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 4 Samir Amin, L'eurocentrisme (Critique d'une Ideologic), Anthropos, Paris, 1988, p. 18. Consultar também: Edward W. Said, Orientalismo (O Oriente como Invenção do Ocidente), tradução de Tomás Rosa Bueno, Companhia das Letras, São Paulo, 1990; K. M. Panikkar, Asia and Western Dominance, George Allen & Unwin, Londres, 1959; Eric R. Wolf, Europe and the People Without History, University of California Press, Berkeley, 1982.
110
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
Levada às ú l t imas conseqüênc ias , a tese da m o d e r n i z a ç ã o d o
inundo também permite contemplar as diversidades locais, nacionais
c regionais, da mesma forma que as sociais, econômicas, políticas e
nilturais. Ainda que a modernização tenda a impor-se às mais diver
gis formas de organização social da vida e t rabalho, isto não se dá de
modo abrup to , inexorável, monolít ico. Enquanto processo civilizató-
rio abrangente, tem convivido com os mais diferentes padrões, va lo
res e instituições. Contempla as mais distintas modalidades de confi
gurações culturais, religiosas, lingüísticas, étnicas, sociais, políticas e,
lambem, econômicas. O s padrões , valores e instituições da moderni
zação não se efetivam a não ser no cont raponto com padrões , valores
e instituições diferentes, "es t ranhos" , "orientais" , "arcaicos" , "exót i
cos". São múltiplas e diferenciadas as formas sociais e culturais, ou ci-
vilizatórias, com as quais se defrontam os padrões, valores e institui
ções modernos ou modernizantes. N ã o só na Ásia, Oceania, África,
América Latina e Caribe, mas também na América do Nor te (Estados
Unidos e Canadá) , tan to quan to nas sociedades nacionais da Europa
Ocidental, são múltiplas e diferenciadas as formas sociais e culturais ,
ou civilizatórias, com as quais se defrontam os padrões, valores e ins
tituições envolvidos n o processo de modernização. M a s este processo
tende a p r edomina r , es tabelecendo condições e possibi l idades, o u
inaugurando tendências. A modernização traz consigo as idéias de
crescimento, desenvolvimento, progresso ou evolução. Funda-se n o
suposto de que as mais diversas esferas da vida social podem ser m o
dificadas no sentido de secularização e individuação, compreendendo
a mercantilização, industrialização, urbanização, propriedade priva
da, liberdade e igualdade de proprietários organizados em con t ra to
juridicamente estabelecido. Também pode contemplar as noções de
legitimidade, legalidade, representatividade, governabilidade, sufrá
gio, par t ido político, divisão de poderes governamentais em legislati
vo, executivo e judiciário, o que pode propiciar as condições de cons
trução da soberania, da hegemonia e da cidadania.
Cabe observar, no entanto , que no âmbito da modernização, da
formação social moderna ou modernizante, convivem várias e contra-
111
zação d o mundo . Uma substitui a outra , mas sem que esta seja aban-j
donada . Ocorre que a teoria da ocidentalização não escondia, ou esj
condia muito mal, o eurocentrismo e o etnocentrismo do pensamento)
europeu; elementos esses depois assumidos, em boa média, pelo pen«i
samento norte-americano. Além disso, as ciências sociais desenvoH
vem-se, tornam-se mais sofisticadas, elaboram conceitos e interpreta»
ções que parecem mais isentos, neutros. A teoria da modernização Í
bem assim: uma formulação "científica" que contempla alguns do i
valores do ocidentalismo. Articulada em termos lógicos e teóricos, co«i
difica e estabelece parâmetros que, simultaneamente, explicam a tra»
jetória das sociedades ocidentais e apontam as condições e possibili*1
dades da evolução das outras sociedades. Nos dois casos, em se tra
tando de ocidentalização e modernização, prevalece o compromisso!
essencial com a formação, o desenvolvimento e a consolidação do ca»'
pitalismo, em escala local, nacional, regional, internacional e global.
Ao impor-se em escala mundial, o capitalismo criou uma dupla exi4
gência de universalismo. Por um lado, no plano da análise científica
da sociedade, a descoberta das leis universais que comandam a evo
lução de todas as sociedades. E, por outro lado, a formulação de um
projeto humano igualmente universal, permitindo ultrapassar os li
mites históricos (das sociedades atrasadas). (...) Esta ótica inspira
fatalmente uma percepção "etapista" da evolução necessária: as so
ciedades capitalistas atrasadas (periféricas) devem "reproduzir" o
modelo avançado, caso contrário podem ser surpreendidas pelos
desafios representados pelos novos desenvolvimentos possíveis, ou
mesmo necessários, deste modelo avançado. 1 4
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
ditórias temporalidades. São diversos os passados, próximos e remo
tos , presentes no curso da modernização, seja qual for seu nível de
realização. Modernizar , muitas vezes, é tornar contemporâneo o que
é pretérito; e, às vezes, são diversos os pretéritos herdados ou recria
dos em configurações presentes. Simultaneamente, modernizar é inau
gura r o novo ou o desconhecido, seja proveniente "de fora" , seja
or iundo de mudanças "internas". Em todos os casos, está em causa o
cont raponto contemporâneo e não-contemporâneo. E são muitas as
situações nas quais a modernização significa a busca, ou imposição,
da contemporane idade . Deflagram-se ou intensificam-se processos
destinados a tornar indivíduos, grupos, classes, coletividades ou po
vos contemporâneos de seu tempo; entendendo-se que o parâmetro de
contemporaneidade é dado pela sociedade "mais desenvolvida", ou
simplesmente dominante. Mas nada impede que subsistam, natural
mente em distintas gradações, as mais diferentes formas de diversida
des e desigualdades, em termos não só de tempos mas também de es
paços. N o mesmo curso da modernização, assim como no âmbito da
formação social moderna ou modernizada, desenvolve-se a não-con-
temporaneidade, ou a pluralidade dos tempos.
Ainda que os processos de globalização e modernização desenvol
vam-se simultânea e reciprocamente pelo mundo afora, também pro
duzem desenvolvimentos desiguais, desencontrados, contradi tórios.
N o mesmo curso da integração e homogeneização, desenvolve-se a
fragmentação e a contradição. Ao encontrar outras formas sociais de
vida e t rabalho, compreendendo culturas e civilizações, logo se cons
tituem as mais surpreendentes diversidades. Tan to podem reavivar-se
as formas locais, tribais, nacionais ou regionais como podem ocorrer
desenvolvimentos inesperados de ocidentalidade, capitalismo, racio
nalidade. O mesmo vasto processo de globalização do mundo é sem
pre um vasto processo de pluralização dos mundos .
O que cria a ilusão da integração, ou homogeneização, é o fato
indiscutível da força do ocidentalismo, conjugado com o capitalismo.
Tan to a filosofia, ciência e arte de origem ocidental como as forças
produtivas e as relações de produção desenvolvidas com o capitalismo
1 1 2
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
« Xavier Polanco (org.), Naissance et Development de la Science-Monde, Éditions la Découverte, Paris, 1990; Ernest B. Haas, Mary Pat Williams e Don Babai, Scientists and World Order (The Uses of Technical Knowledge in International Organizations), University of California Press, Berkeley, 1977; V. A. Vinogradov e outros, "Toward an International Information System", International Social Science Journal, vol. XXXIII, n°. 1,1981, pp. 10-49.
113
espalham-se pelo mundo , muitas vezes de m o d o conjugado. H á cen-
ii os de poder, agências de difusão e implementação a tuando mais ou
menos universalmente, em termos do que se define como moderno ,
racional, científico, técnico, p ragmát ico . 1 5
Esse é o cenário em que floresce uma parte importante da retóri
ca sobre a pós-modernidade. Fala-se de pós-modernidade t an to em
Paris como na Cidade do México, em Nova York como na cidade do
Cabo, em Moscou como em Nova Delhi, em Tóquio como em Pe
quim, em Hong Kong como em Porto Príncipe. Q u a n d o se confun
dem modernização e modernidade, logo fica fácil falar em pós-moder
nidade, esquecendo que ainda não é possível falar-se em pós-moder-
nização. Mas isso não impede que muitos, quando pretendem ser su
perlativos a propósito de modernização, apelem à idéia de pós-moder
nidade. Mesclam o processo histórico-social como o m o d o de ser,
agir, pensar, imaginar; o modo de organizar a vida social com o esta
do de espírito; as determinações das formas de sociabilidade vigentes,
ou em realização, com os horizontes filosóficos, científicos e artísticos
que podem transcender as configurações sociais. Sim, a modernidade
diz respeito a um modo de ser, agir, pensar e imaginar, ou seja, a um
estado de espírito, envolvendo dilemas e horizontes filosóficos, cientí
ficos e artísticos. Desenvolve-se de modo fragmentário e contradi tó
rio, principalmente nas sociedades da Europa Ocidental. Simultanea
mente, e depois cada vez mais, difundiu-se pelas mais diversas tr ibos,
nações e nacionalidades. Inclusive passa a adquirir desenvolvimentos
notáveis em outros lugares, originalmente não-ocidentais. N o s tem
pos da globalização, continua a desenvolver-se de modo fragmentário
e contraditório. Trata-se de um modo de ser, um estado de espírito,
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
A modernidade pode ser algo que subsiste e desenvolve-se de per
meio às mais diversas modalidades de modernização. Mas cabe reco
nhecer que a modernização, nos termos em que ocorre pelo mundo
afora, está predominantemente determinada pela racionalidade do ca
pitalismo, enquanto racionalidade pragmática, técnica, automática.
Em lugar de emancipar indivíduos e coletividades, em suas possibili
dades de realização e imaginação, produz e reproduz sucedâneos, si
mulacros, virtualidades ou espelhismos. É verdade que os sucedâneos,
os simulacros, as virtualidades ou espelhismos, juntamente com as co
lagens, as montagens, as bricolagens, as desconstruções, os pastiches
e outras linguagens, podem ser tomados como manifestações ou pre
núncios de pós-modernidade. Mas também é verdade que essas lin-
1 6 Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no ar (A Aventura da Modernidade), tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti, Companhia das Letras, São Paulo, 1986, p. 15. Consultar também: David Harvey, Condição pós-moderna, tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, Edições Loyola, São Paulo, 1992; Jean-François Lyotard, O pós-moderno, tradução de Ricardo Corrêa Barbosa, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1986.
114
A O C I D E N T A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
guagens podem ser tomadas como manifestações extremas, mui tas
vezes inesperadas e ainda não adequadamente codificadas, de moder
nidade. São as linguagens da desterritorialização das coisas, gentes e
idéias, além das fronteiras cul turais e civilizatórias, por meio das
quais se estabelecem os horizontes da modernidade-mundo.
J
115
em que se expressam horizontes excepcionais de emancipação e alie
nação .
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,
poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das
coisas em redor — mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência da
modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe
e nacionalidade, de religião e ideologia; nesse sentido, pode-se dizer
que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade
paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num
turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contra
dição, de ambigüidade e angústia. 1 6
CAPÍTULO 6 A aldeia global
Quando o sistema social mundial se põe em movimento e se moderni
za, então o mundo começa a parecer uma espécie de aldeia global.
Aos poucos, ou de repente, conforme o caso, tudo se articula em um
vasto e complexo t odo moderno , modernizante , modern izado . E o
signo por excelência da modernização parece ser a comunicação, a
proliferação e general ização dos meios impressos e eletrônicos de
comunicação , ar t iculados em teias mul t imídia a lcançando t o d o o
mundo .
A noção de aldeia global é bem uma expressão da globalidade das
idéias, padrões e valores sócio-culturais, imaginários. Pode ser vista
como uma teoria da cultura mundial , entendida como cultura de mas
sa, mercado de bens culturais, universo de signos e símbolos, lingua
gens e significados que povoam o m o d o pelo qual uns e out ros si
tuam-se no mundo, ou pensam, imaginam, sentem e agem.
Em decorrência das tecnologias oriundas da eletrônica e da infor
mática, os meios de comunicação adquirem maiores recursos, mais
dinamismos, alcances muito mais distantes. Os meios de comunicação
de massa, potenciados por essas tecnologias, rompem ou ultrapassam
fronteiras, culturas, idiomas, religiões, regimes políticos, diversidades
e desigualdades sócio-econômicas e hierarquias raciais, de sexo e ida-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
de . Em poucos anos , na segunda metade d o século X X , a indústria
cultural revoluciona o mundo da cultura, transforma radicalmente o
imaginário de todo o mundo . Forma-se uma cultura de massa mun
dial, t an to pela difusão das produções locais e nacionais como pela
criação diretamente em escala mundial . São produções musicais, cine
matográficas, teatrais, literárias e muitas outras, lançadas diretamen
te n o m u n d o como signos mundiais ou da mundialização. Difundem-
se pelos mais diversos povos, independentemente das suas peculiari
dades nacionais, culturais, lingüísticas, religiosas, históricas ou ou
tras . São produções às vezes cercadas de aura científica ou filosófica,
como os boatos sobre o fim da história, o fim da geografia, a gênese
da te r ra-pát r ia , as maravi lhas da sociedade informática, o m u n d o
como paraíso livre do castigo d o t rabalho alienado.
N o próximo século, a terra terá a sua consciência coletiva elevada da
superfície da Terra para uma densa sinfonia eletrônica, em que todas
as nações — se continuarem a existir como entidades separadas —
viverão um feixe de sinestesia espontânea. (...) Mais e mais pessoas
entrarão no mercado de informações, perderão as suas identidades
privadas nesse processo, mas irão emergir com capacidade para inte
ragir com qualquer pessoa da face do globo. Referendum eletrônicos
massivos e espontâneos atravessarão continentes. O conceito de
nacionalismo declinará e também os governos regionais cairão, como
conseqüência política da criação de um governo mundial por satélite
artificial. O satélite será usado como o mais importante instrumento
mundial de propaganda na guerra pelos corações e mentes dos seres
humanos. 1
N o âmbito da aldeia global, prevalece a mídia eletrônica c o m o
um poderoso instrumento de comunicação, informação, compreen-
i Marshall McLuhan e Bruce R. Powers, The Global Village (Transformation in World Life and Media in the 2 1 s t Century), Oxford University Press, Nova York-Oxford, 1989, pp. 95 e 118.
120
A A L D E I A G L O B A L
são, explicação e imaginação sobre o que vai pelo mundo . Jun tamente
com a imprensa, a mídia eletrônica passa a desempenhar o singular
papel de intelectual orgânico dos centros mundiais de poder, d o s gru
pos dirigentes das classes dominantes . Ainda que media t izada , in
fluenciada, quest ionada ou assimilada em âmbito local, nacional e re
gional, aos poucos essa mídia adquire o caráter de um singular e insó
lito intelectual orgânico, articulado às organizações e empresas t rans
nacionais predominantes nas relações, nos processos e nas estruturas
de dominação política e apropriação econômica que tecem o m u n d o ,
em conformidade com a "nova ordem econômica mundia l" , ou as no
vas geopolíticas e geoeconomias regionais e mundiais.
A angústia crítica em que vivem hoje todos os homens é, em grande
medida, o resultado dessa zona interfacial que existe entre uma cul
tura mecânica, fragmentada e especializada em decadência, e uma
nova cultura integral, que é completa, orgânica e macrocósmica. Es
ta nova cultura não depende em absoluto das palavras. De fato, a lin
guagem e o diálogo já tomaram a forma de interação entre todas as
zonas do mundo. (...) O computador suprime o passado humano,
convertendo-o por inteiro em presente. Faz com que seja natural e
necessário um diálogo entre culturas, mas prescindindo por comple
to do discurso. (...) A palavra individual, como depósito de informa
ção e sentimento, já está cedendo à gesticulação macrocósmica. 2
É claro que a mídia global não é monolítica. Está atravessada por
injunções locais, nacionais e regionais, bem como por divergências
políticas, culturais, religiosas e outras. Compõe-se de empresas, cor
porações e conglomerados compet indo nos mercados , d i spu tando
clientes, audiências, públicos, extratos sociais. São sensíveis às reivin
dicações de diferentes grupos e classes sociais, movimentos sociais e
2 Marshall McLuhan, Quentin Fiore y Jérôme Agel, Guerra y paz en la aldea global, tradução de José Méndez Herrera, Ediciones Martinez Roca, Barcelona, 1971, pp. 72-73 e 98-99.
121
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
part idos políticos, igrejas e governos. Sob esse aspecto, e tomada em
nível mundia l , a mídia expressa mui to d o que vai pelo m u n d o , na
o n d a da integração e f ragmentação, n o âmbi to das diversidades e
desigualdades, no jogo dos conflitos e das acomodações.
Simultaneamente, no entanto, uma par te dessa mesma mídia ope
ra em consonância com centros de poder de alcance mundia l . Está
acoplada às organizações e empresas transnacionais. Com freqüência,
apresenta o mundo como um vasto videoclipe, um caleidoscópio apa
rentemente sem nexo, transfigurando e refigurando os acontecimen-,
tos c o m o um espetáculo, no qual todo e qualquer dramat i smo fica
subjetivado, no qual as dimensões épicas dos acontecimentos dissol
vem-se na pirotécnica do audiovisual, t an to simulacro e virtual como
desterritorializado e a-histórico.
A verdade é que a indústria cultural também adquiriu alcance glo
bal. Atravessa fronteiras de todo o t ipo, geográficas, políticas, cultu
rais, religiosas, lingüísticas e outras . Transformou-se em um podero
so setor de produção, no sentido de produção de mercadoria, lucro ou
mais-valia. Emprega milhares de intelectuais de todas as especialida
des, dos mais diferentes campos de conhecimento, como assalariados,
t rabalhadores produtivos cuja força de t rabalho produz excedente, lu
cro ou mais-valia. Transfigura o jornalista, o escritor, o cientista so
cial, o publicitário, o locutor, o âncora, o cenógrafo, o técnico de som,
o especialista em efeitos visuais coloridos e sonoros, o artífice da esté
tica eletrônica e muitos outros em um vasto t rabalhador coletivo, um
intelectual o rgân ico a inda p o u c o conhec ido . S imul taneamente , a
indústria cultural produz e reproduz signos, símbolos, imagens, sons,
formas, cores, movimentos , tudo isso nas mais inovadoras o u inó
cuas, prosaicas ou surpreendentes combinações, povoando o imaginá
rio de muitos, em todo o mundo .
N o âmbito da aldeia global, tudo tende a tornar-se representação
estilizada, realidade pasteurizada, simulacro, virtual. A indústria cul
tural transforma-se em um poderoso meio de fabricação de represen
tações, imagens, formas, sons, ruídos, cores e movimento. De manei
ra cada vez mais livre, arbitrária ou imaginosa, o m u n d o que aparece
122
A A L D E I A G L O B A L
na mídia tem muito de um mundo virtual, algo que existe em abst ra
to e por si, em si. Muitas vezes tem apenas uma remota ressonância d o
que poderiam ser os acontecimentos, as configurações e os movimen
tos da sociedade, em nível local, nacional, regional ou global.
Em princípio, a informação é agora imediatamente disponível por
todo o globo e pode ser estocada e recuperada, desde que haja a ele
tricidade necessária. O tempo e o espaço não se acham mais restritos
à troca de informações. A aldeia global de McLuhan é tecnicamente
realizável. 3
T u d o se globaliza e virtualiza, como se as coisas, as gentes e as
idéias se transfigurassem pela magia da eletrônica. A onda moderni
zante não pára nunca, espalhando-se pelos mais remotos e recônditos
cantos e recantos dos modos de vida e t rabalho, das relações sociais,
das objetividades, subjetividades, imaginários e afetividades. McLuhan
viu a tecnologia como uma extensão do corpo. Da mesma forma que
a roda é uma extensão do pé, o telescópio uma extensão do olho,
assim a rede de comunicações é uma extensão do sistema nervoso.
Assim como a rede de comunicações espalhou-se pelo mundo, assim
ocorreu com a nossa rede neural. A televisão tornou-se os nossos
olhos, o telefone a nossa boca e ouvidos. Nossos cérebros são elos de
um sistema nervoso que se estende através do mundo todo . 4
É como se cada indivíduo passasse a ser elo de múltiplas redes de
3 Mark Poster, The Mode of Information: Poststructuralism and Social Context, Polity Press, Cambridge, 1990, p . 2. Citado por Benjamin Wooley, Virtual Worlds (A Journey in Hype and Hyperreality), Penguin Books, Londres, 1992, p. 124. Consultar também: Armand Mattelart, La communication-monde (Histoire des Idées et des Stratégies), Éditions La Découverte, Paris, 1992, especialmente o cap. 6: "Du Progrès à la Communication: les Métamorphoses Conceptuelles".
4 Benjamin Wooley, Virtual Worlds (A Journey in Hype an Hyperreality), Penguin Books, Londres, 1992, pp. 124-125.
123
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
comunicação, informação, interpretação, divertimento, aflição, eva
são. Cada indivíduo pode ser um feixe de articulações locais, nacio
nais, regionais e mundiais, cujos movimentos e centros de emissão es
tão dispersos e desterritorializados m u n d o afora. Seu m o d o de ser,
compreendendo ações, relações, reflexões e fantasias, passa a ser cada
vez mais povoado pelos signos espalhados pela aldeia global.
N o âmbito da sociedade mundial em formação, quando se reve
lam cada vez mais numerosos e generalizados os sinais da globaliza
ção , também multiplicam-se os pastiches, os simulacros e as virtuali
dades. As mais diversas realidades sociais, em suas expressões econô
micas, políticas e culturais, adquirem configurações desconhecidas e
inimaginadas, não só pelo público em geral, mas também pelos cien
tistas sociais. Em todas as esferas da vida social, compreendendo evi
dentemente as empresas transnacionais e as organizações multilate
rais, os meios de comunicação de massa e as igrejas, as bolsas de valo
res e os festivais de música popular, as corridas automobilísticas e as
guerras , t udo se tecnifica, organiza-se e le t ronicamente , adqui re as
características do espetáculo produzido com base nas redes eletrôni
cas informáticas automáticas instantâneas universais.
A aldeia global pode ser uma metáfora e uma realidade, uma con
figuração histórica e uma utopia. Sim, pode ser simultaneamente to
das essas possibilidades. Desde que as técnicas da eletrônica propicia
ram a intensificação e a generalização das comunicações, além de to
da e qualquer fronteira, acelerou-se um processo que já vinha desen
volvendo-se no âmbito das relações internacionais, das organizações
multilaterais e das corporações transnacionais. O que o mundo já co
nhecia, em fins do século XIX e começo do XX, como monopólios ,
trustes e cartéis, tecendo geoeconomias e geopolíticas de sistemas im
perialistas, ou economias-mundo, prenunciavam os primeiros contor
nos do que seria no fim do século XX a aldeia global. Na medida em
que se desenvolvem as relações, os processos e as estruturas de domi
nação e apropriação consti tuindo a sociedade global, o que se intensi
fica e generaliza com a crescente mobilização de técnicas eletrônicas,
muitos começam a perceber o mundo como uma vasta e insólita ou
idílica aldeia global.
A A L D E I A G L O B A L
A aldeia global está sendo desenhada, tecida, colorida, sonorizada
I movimentada por todo um complexo de elementos díspares, conver
gentes e contraditórios, antigos e renovados , novos e desconhecidos.
Formam redes de signos, símbolos e linguagens, envolvendo publica
ções e emissões, ondas e telecomunicações. Compreendem as relações,
os processos e as estruturas de dominação política e de apropriação
econômica que se desenvolvem além de toda e qualquer fronteira, des-
territorializando coisas, gentes e idéias, realidades e imaginários.
Esse é o horizonte em que se cria e generaliza a cultura da mun-
dialização, como produ to e condição dessa mesma mundial ização.
São elementos também díspares, convergentes e contraditórios, anti
gos e renovados, novos e desconhecidos: Carnaval , Fórmula 1, Mil
Milhas, Copa do M u n d o , Ol impíada, música global, cinema sobre as
diversidades dos mundos sócio-culturais, mercados de obras de ar te e
artistas, de produções científicas e cientistas, de ídolos da cultura po
pular mundia l , manifestações de igrejas e letrônicas , marketing de
mercadorias mundiais levando consigo signos da cultura da mundia
lização, bebidas e refrigerantes, cigarros e perfumes, roupas e equipa
mentos eletrônicos, etiquetas e estilos, palavras e imagens, simulacros
e virtualidades.
A ação do mercado tem um efeito igualmente corrosivo no outro eixo
da tradição poética: o temporal. A proeminência do agora lima os
laços que nos unem ao passado. A imprensa, a televisão e a propagan
da oferecem diariamente imagens do que está passando agora mesmo
aqui e lá, na Patagônia, na Sibéria e no bairro vizinho; as pessoas
vivem imersas num agora que pisca sem cessar e que nos dá a sensa
ção de um movimento contínuo e acelerado. Afinal, nos movemos
realmente ou só giramos e giramos no mesmo lugar? Ilusão ou reali
dade, o passado se afasta vertiginosamente e desaparece. Por sua vez,
a perda do passado provoca fatalmente a perda do futuro. (...) Depois
da Segunda Guerra Mundial, as atividades artísticas se multiplicaram:
museus, galerias, bienais, leilões internacionais, rios de ouro, oceanos
125
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
de publicidade. Outras coisas acontecem, embora em escala muito
menor, no campo editorial. Contudo, tanto nas artes visuais como na
literatura, predominam os estereótipos. (...) Embora as causas desta
situação sejam múltiplas e complexas, acredito firmemente que uma
das principais é a transformação do antigo comércio literário e artísti
co em um moderno mercado financeiro. Esta mudança econômica
coincide com outra de ordem moral e política nas democracias do
Ocidente: a conversão dos cidadãos em consumidores. 5
Em um nível mais do que evidente, o principal tecido da aldei
global tem sido o mercado, a mercantilização universal, no sentido d
que tudo tende a ser mercantilizado, produzido e consumido com
mercadoria. Cabe observar, no entanto, que na base da aldeia global
seja qual for sua realidade ou idéia, está a informatização, estão a"
técnicas eletrônicas compondo uma vasta e labiríntica máquina uni
versal que opera múltiplas mensagens e está presente em todos os lu
gares. Trata-se das tecnologias da inteligência e imaginação, caracte
rizando a era da informática e permitindo desenhar, tecer, colorir, so
norizar e movimentar a aldeia global. Produzem um mundo digital,
digitalizado, virtual, instantâneo, ubíquo, plenamente esférico ou to
talmente plano, unidimensional e multidimensional, sem cronologia,
história ou biografia. Um mundo concebido como um texto, emara
nhado de interfaces, um hipertexto somente inteligível pelas tecnolo
gias da eletrônica informática cibernética universal.
Esta é a mágica: o caos transfigura-se em um sistema de signos,
s ímbolos, linguagens, metáforas, emblemas, alegorias; s imultanea
mente, este sistema transfigura-se em um texto complexo, um hiper
t ex to ; um hiper texto que pode ser l ido, t r a d u z i d o , pa ra f raseado ,
transliteralizado.
5 Octávio Paz, A outra voz, tradução de Waldir Dupont, Editora Siciliano, São Paulo, 1993, pp. 108 e 110-111.
126
A A L D E I A G L O B A L
6 Pierre Levy, As tecnologias da inteligência (O Futuro do Pensamento na Era da Informática), tradução de Carlos Irineu da Costa, Editora 34, Rio de Janeiro, 1993, p. 33.
7 Pierre Levy, As tecnologias da inteligência, citado, p. 3 8 .
127
Tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós ligados por cone
xões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou par
tes de gráficos, seqüências sonoras, documentos c o m p l e x o s que
podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são
ligados linearmente, como em uma corda com nós, m a s cada um
deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, d e modo reti
cular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um
percurso em uma rede que pode ser tão complicada quan to possível.
Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira. 6
Assim se realiza a metamorfose do caos em sistema e do s is tema em
texto, ou hipertexto.
N o limite, a informatização do mundo permite a t r ans fo rmação
dos fatos, compreendendo relações, processos e e s t ru tu ras , e m um
vasto h iper texto . E n o mesmo processo dessa t r a n s f o r m a ç ã o já se
constituem as condições de sua leitura, sua t radução, sua paráf rase ou
t rans l i teração. De repente , c o m o em u m passe de m á g i c a , o c aos
transfigura-se em sistema, as configurações e movimentos d a socieda
de mundial em aldeia global. Uma aldeia desenhada, tecida, color ida ,
sonorizada e movimentada como em uma invenção lúdica.
Um mapa global não estaria arriscado a tornar-se ilegível a partir de
uma certa quantidade de conexões, a tela cobrindo-se de l inhas entre
cruzadas, em meio às quais não seria possível distinguir mais nada?
Algumas pesquisas contemporâneas parecem mostrar que represen
tações de conexões em três dimensões seriam menos embaraçadas e
mais fáceis de consultar, dada uma mesma quantidade, que as repre
sentações planas. O usuário teria a impressão de en t ra r em uma
estrutura espacial, e nela deslocar-se como dentro de um volume. 7
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Dentre todos os elementos que se mobilizam na organização e na
dinâmica da aldeia global, no entanto, logo sobressai uma categoria
de intelectuais. São eles que pensam os meios e modos de operação do
todo e de suas partes, colaborando para que se articulem dinamica
mente , de modo a constituir a aldeia como um sistema global. São
esses intelectuais que promovem a t radução da organização e dinâmi
ca das forças sociais, econômicas, políticas e culturais que operam em
âmbi to mundial , t r anspondo fronteiras, regimes políticos, idiomas,
religiões, culturas e civilizações. Para isso operam as tecnologias da
inteligência, cada vez mais indispensáveis, q u a n d o se t rata de dese
nhar , tecer, colorir, sonorizar e movimentar a aldeia global, traduzin
do as configurações e os movimentos da sociedade mundial.
A aldeia global seria ininteligível, como realidade ou imaginação,
sem a colaboração ativa de toda uma multidão de intelectuais traba
lhando em todo o mundo, nas mais diversas organizações e corporações
públicas e privadas, nacionais, regionais, transnacionais e propriamen
te globais. São pesquisadores, analistas, estrategistas, executivos, con
sultores, assessores, técnicos, especialistas, juniors e seniors, formados
nos mais diferentes campos do saber, sempre mobilizando conhecimen
tos científicos para o desenvolvimento e a implementação de técnicas.
Trata-se dos think-tanks de todos os tipos, organizados para pen
sar na organização e na dinâmica da sociedade global, em seu todo e
em suas partes, no Ocidente e Oriente, ao norte e no sul, centro e peri
feria, tendo em conta a prosperidade e a crise, o mercado e o planeja
mento, o previsível e o inesperado, o acaso e a escolha racional, a paz
e a guerra. Representam uma argamassa importante, muitas vezes não
só indispensável, mas decisiva para a operação das organizações e
corporações, em escala local, nacional, regional e mundial . Compõem
as tecnocracias e as tecnoestruturas que equacionam e implementam
muitas das decisões fundamentais relativas à sistemática da aldeia glo
bal, como um todo e em suas múltiplas partes.
Os processos de decisão em curso nas políticas mundiais já indicam
que o conhecimento especializado está influenciando a ação política,
128
A A L D E I A G L O B A L
sendo que as diretrizes de atuação estão passando por mudanças sig
nificativas. (...) Os especialistas não estão substituindo os políticos,
mas estão orientando os políticos sobre questões que nunca estiveram
na agenda internacional; e estão delineando programas de pesquisa e
ação com potencial para alterar a maneira pela qual se pode interpre
tar o sistema internacional. As suas interpretações constituem um dos
principais componentes simbólicos da interpretação coletiva d o
homem, acerca do seu lugar e evolução neste planeta. (...) Conheci
mento para ação, pois, é a área ocupada predominantemente por es
pecialistas, consultores, planejadores. São as pessoas nas quais
apóiam-se os que decidem, quando se trata de obter informação, con
tribuições sobre viabilidades, projeções sobre oferta e demanda, e so
bre modelos relativos às cadeias de causação envolvidas na realização
de objetivos políticos. Em outros termos, o especialista domina os
meios considerados relevantes para promover políticas. O político,
n o entanto, mantém a preeminência na definição dos objetivos da
ação e, portanto, domina a conceptualização dos fins. Assim, o futu
ro da ordem mundial depende de modo crucial da capacidade dos
especialistas em convencer os políticos a aceitar as suas metáforas. 8
Já são inúmeros e espalhados por t o d o o m u n d o os centros e ins
titutos especializados em estudos, pesquisas, análises, diagnósticos,
p rognós t i cos , i m p l e m e n t a ç ã o , ava l i ação , a c o m p a n h a m e n t o e t c ,
dedicados a colaborar com organizações e corporações públicas e pri
vadas.
A vida em um think-tank é abençoada. Os melhores combinam pro
fundidade intelectual, influência política, uma razoável publicidade,
confortáveis condições e um tanto de excentricidade. Mas cuidado.
8 Ernst B. Haas, Mary Pat Williams e Don Babai, Scientists and World Order (The Uses of Technical Knowledge in International Organizations), University of California Press, Los Angeles, 1977, pp. 12 e 48-49.
129
T E O R I A S D A G L O B A L I Z A Ç Ã O
As qualidades opostas — pedant ismo, despropósito, obscuridade,
pobreza e convencionalismo — também florescem.9
Cabe, por tanto , refletir u m pouco mais, e com novos elementos,
sobre a tese de que a globalização dos meios de comunicação, dinami-j
zada e generalizada pelas técnicas da eletrônica, leva consigo a forma
ção e a preeminência de um intelectual orgânico de alcance mundial.
Trata-se de um intelectual orgânico que expressa as formas excepcio-j
nais adquiridas pela produção, reprodução e universalização da cultu-l
ra de massa, subverte radicalmente as condições da vida política dos
povos e atinge diretamente as condições de p rodução e vigência de
hegemonias políticas.
Note-se que a globalização dos meios de comunicação, envolven
d o empresas, corporações e conglomerados, bem como procedimen-1
tos , linguagens, técnicas de informação, elaboração e análise, promo
ve a formação de equipes de intelectuais bastante complexas e abran-j
gentes. São intelectuais de todos os tipos, das mais diversas especiali-J
dades, a tuando nos mais distantes lugares, articulados em redes ele-J
t rônicas informáticas telemáticas on Une worldwide. É c o m o se o ]
mundo todo , em sua organização e dinâmica, em suas articulações, I
tensões e fragmentações, fosse continuamente, minuto a minuto, des
crito e interpretado, fotografado e divulgado, taquigrafado e codifica
do ou representado e imaginado por uma coletividade de intelectuais
especializados em traduzir fatos, acontecimentos , crises, impasses, j
realizações, façanhas, revoluções e guerras. Aos poucos, a opinião pú
blica forma-se e conforma-se com os signos, os símbolos, os emble-1
mas , as figuras, as metáforas, as parábolas e alegorias produzidos e 1
divulgados como a realidade do acontecido acontecendo no momen-
to momentoso em qualquer parte do m u n d o . O mesmo processo de
9 "The Good Think-Tank Guide", The Economist, Londres, 21 de dezembro de 1992, pp. 79-85; citação da p. 79. Consultar também: "Think-Tanks: The Carousels Power", The Economist, Londres, 25 de maio de 1991, pp. 27-30.
A A L D E I A G L O B A L
descrever e interpretar, ou representar e imaginar, produz uma ima
gem da realidade, uma visão do mundo . Em geral, dá a impressão de
que tudo é presente presentificado, lugar sem raiz, fato sem história
nem memória.
Com o desenvolvimento dos meios eletrônicos, a indústria da cons
ciência converteu-se em marcapassos do desenvolvimento sócio-eco-
nômico na sociedade pós-industrial. Infiltra-se em todos os demais
setores da produção, assume cada vez mais funções de comando e de
controle, e determina a norma da tecnologia dominante. (...) Todas
as citadas técnicas (satélites de comunicação, televisão a cabo, vídeos
etc.) formam combinações entre si e com as técnicas mais antigas
como imprensa, rádio, cinema, televisão, telefone, teletipo, radar etc.
Esses meios se combinam cada vez mais para constituírem um siste
ma universal. 1 0
Esse é um processo de p rodução , reprodução e universalização
cul tural cada vez mais in tenso, sistemático e genera l izado, já que
extremamente potenciado pelas mais diversas tecnologias. Trata-se de
um processo que também se beneficia amplamente da mobilização de
conhecimentos científicos de todos os tipos, e não apenas das ciências
sociais, de m o d o a apr imorar as descrições e interpretações, as taqui
grafias e codificações, as fotografias e divulgações ou as representa
ções e as imaginações. Sob vários aspectos, recursos científicos são
t raduz idos em técnicas as mais diversas, em conformidade c o m a
organização e dinâmica de empresas, corporações e conglomerados
dedicados aos meios de comunicação, à cultura de massa, à indústria
cultural.
Esse é o contexto em que se dá a metamorfose da mídia em um
vasto, complexo e global intelectual orgânico. Um intelectual orgânico
1 0 Hans Magnus Enzensberger, Elementos para uma teoria dos meios de comunicação, tradução de Helena Parente Cunha e Moema Parente Augel, Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1978, p. 43.
131 130
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
das estruturas de poder prevalecentes em âmbito mundial, traduzindo
as imagens da realidade e as visões do mundo de blocos de poder, com
posições de classes e grupos sociais que detêm meios e modos de orga
nizar, influenciar, induzir ou dinamizar as estruturas de dominação
política e apropriação econômica prevalecentes na sociedade global.
Essa faculdade da mídia globalizada explica-se, em boa medida,
porque o mundo da cultura diz respeito ao m o d o pelo qual o indiví
duo , o grupo, a classe, a coletividade, o povo, a t r ibo, a nação, a na
cionalidade, a comunidade ou sociedade tendem a ver-se, imaginar-se
ou traduzir-se. Toda realidade mais ou menos complexa, problemáti
ca ou não , sempre se t raduz em representações, imagens, metáforas,
parábolas e alegorias, assim como em descrições e interpretações. E é
por meio das linguagens que isto ocorre, envolvendo palavra, ima
gem, som, forma, movimento etc. Por isso é que os meios de comuni
cação colocam-se diretamente no âmago do m u n d o da cultura, das
condições e possibilidades de representação e imaginação.
Aquele que t rabalha com os meios de representação, principal
mente quando pode manipular as mais diversas linguagens e as mais
diferentes técnicas, pode levar as representações a extremos de paro
xismos. Por isso a língua, a imprensa, o telégrafo, o jornal, o rádio, a
televisão e os outros meios e técnicas adquirem importância crescente
na organização e dinâmica da vida do indivíduo, do grupo, da classe,
do povo ou sociedade. Essa é uma história antiga. "A língua sempre
foi a companheira do impér io . " 1 1 Uma história antiga e recente. "A
suprema glória de Napoleão III terá sido provar que qualquer pessoa
pode governar uma grande nação assim que obtém o controle do telé
grafo e da imprensa nac iona l . " 1 2 Uma história antiga, recente e atua-
1 1 Antonio de Nebrija, citado por Tzvetan Todorov, A conquista da América (A Questão do Outro), tradução de Beatriz Perrone Moisés, Martins Fontes Editora, São Paulo, 1983, p. 120.
1 2 Baudelaire, citado por David Harvey, Condição pós-moderna (Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural), tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, Edições Loyola, São Paulo, 1992, p. 215.
A A L D E I A G L O B A L
líssima. Nesta altura da história, na época da eletrônica, todos têm de
"viver em um m u n d o em que o microcomputador e o satélite estão
levando velozmente as boas novas da liberal-democracia para quase
todos os cantos do m u n d o " . 1 3
Assim se formam as hegemonias de alcance mundial , os projetos
de gestão dos problemas e orientações de âmbito mundial . Hegemôni
ca é toda imagem da realidade, toda visão do mundo , que expressa os
interesses dos que detêm os meios de mando , ou dominação e apro
priação, mas simultaneamente contempla, isto é, leva em conta os in
teresses de setores sociais subordinados ou subalternos. Taquígrafa e
codifica a organização e a dinâmica da realidade, as condições e as
possibilidades de uns e outros , de tal m o d o que o m u n d o parece con
formar-se com a imagem ou visão dele própr io que se expressa n o
projeto de gestão de problemas, na dirigencia do todo e das partes, na
orientação e reorientação do curso dos acontecimentos, reivindica
ções e movimentos.
N a época da Guerra Fria, ao longo dos anos de 1946 a 1989, já
em franco processo de globalização, a mídia construía uma visão d o
mundo bipolarizada, maniqueísta. O capitalismo e o socialismo eram
contrapostos em termos de " m u n d o livre e mundo totali tário", "de
mocracia e c o m u n i s m o " , "sociedade aber ta e sociedade fechada",
"reino d o bem e reino do m a l " . Depois, a partir de 1989, quando a
mídia impressa e eletrônica globalizada invade ainda mais todas as
esferas da vida social, em todo o mundo , nessa época o que prevalece
é a idéia de "nova ordem econômica mundia l " , "fim da his tór ia" ,
"fim da geografia". É assim que a metáfora da "mão invisível", idea
lizada pelo liberalismo clássico nos horizontes do Estado-nação, res
surge idealizada pelo neoliberalismo nos horizontes da globalização.
Aos poucos , as produções e reproduções da cultura de massa em esca
la mundial criam a ilusão de uma universalização das condições e pos
sibilidades d o mercado e da democracia, do capital e da cidadania.
1 3 The Economist, Londres, 28 de setembro de 1991, p. 21 .
133
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 4 Antonio Gramsci, Maquiavel, a política e o Estado moderno, tradução de Luiz Mário Gazzaneo, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968, p. 6. Citação do cap. I: "O Moderno Príncipe".
134
A A L D E I A G L O B A L
A sofisticação da tecnologia de persuasão no último meio século
modificou as velhas regras da comunicação humana. À medida que a
indústria da publicidade e relações públicas tornava-se cada vez mais
hábil em controlar a opinião pública, as posturas, as crenças e os sis
temas de valores, tornou-se um imperativo manter o segredo e capa
citar a população a reprimir a consciência daquilo que os manipula
dores estão tramando. O controle da percepção não pode ser alcan
çado se for reconhecido, o que fez com que proliferassem os contro
les perceptivos em níveis conscientes e inconscientes. (...) A suscetibi-
lidade humana à persuasão ideológica é baseada na promessa eterna
mente não cumprida de sentido e ordem, uma resposta estereotipada
à solidão, à monotonia, ao medo e às ameaças de fome, doença, inse
gurança e caos político, moral ou social. Estas ameaças são incessan
temente suscitadas pela mídia comercial. A mensagem constante da
mídia com estas ameaças mantém a busca compulsiva por perguntas
e respostas, causas e efeitos, e compromissos ideológicos. A mensa
gem da mídia indica a última direção do consumo, do divertimento,
da política, dos negócios, da indústria, das questões militares e da re
ligião; com suas relativas promessas de reduzir a ansiedade. Liber
dade é um Datsun (...), um voto em um candidato político, uma con
tribuição para algum profeta religioso ( . . . ) . 1 5
É claro que tudo isso subverte as formas tradicionais ou clássicas
de organização e ações políticas. O par t ido, a opinião pública, o exer
cício d o vo to , a governabil idade, a estabilidade ou instabilidade de
»5 Wilson Bryan Key, A era da manipulação, tradução de Iara Biderman, Scritta Editorial, São Paulo, 1993, pp. 313 e 319. Consultar também: Cynthia Schneider e Brian Wallis (editores), Global Televisión, Wedge Press, Nova York, 1988; Anthony Smith, La geopolítica de la información (Cómo la Cultura Occidental Domina el Mundo), tradução de Juan José Utrilla, Fondo de Cultura Económica, México, 1984; Armand Mattelart, La communication-monde (Histoire des Idées et des Stratégies), Éditions La Découverte, Paris, 1992; Annand Mattelart, L'internationale publicitaire, Éditions La Découverte, Paris, 1989.
135
T o m a d a como intelectual orgânico da globalização, em condições
de construir hegemonias de alcance mundial , a mídia revela-se uma
nova figuração do "príncipe" de quem falaram Maquiavel e Gramsci.
Para Maquiavel , o príncipe era um indivíduo excepcional, do tado de
virtú, isto é, talento moral e político, bem como de fortuna, isto é, ca
pacidade de aproveitar as condições e possibilidades emergentes na
vida política de uma cidade, reino, nação ou Estado. Para Gramsci, o
príncipe pode ser o part ido político. " O moderno príncipe, o mito-
príncipe, não pode ser uma pessoa real, um indivíduo concreto; só po
de ser um organismo; um elemento complexo de sociedade no qual já
tenha se iniciado a concretização de uma vontade coletiva reconheci
da e fundamentada parcialmente na ação. Este organismo já é deter
minado pelo desenvolvimento histórico, é o part ido político: a primei
ra célula na qual se aglomeram germes de vontade coletiva que ten
dem a se tornar universais e t o t a i s . " 1 4
Essa figura transforma-se no curso da história, na medida em que
se desenvolvem as forças que organizam e dinamizam a vida da socie
dade. N a época da universalização dos meios de comunicação, quan
do o discurso do poder passa a ser formulado e divulgado por inter
médio da mídia impressa e eletrônica, algo de essencial pode ter-se
modificado. Ao lado do líder e do par t ido , ou acima e além deles,
coloca-se a mídia, entendida como o emblema de um intelectual cole
t ivo de amplas proporções , espalhado pelo m u n d o , influenciando
mentes e corações. A metáfora revive de modo inesperado, quando a
mídia assume a figura da estranha e surpreendente figura de príncipe
da modernidade-mundo. Combinado ou não com indivíduos, movi
mentos sociais, part idos políticos, igrejas, governos, corporações, ou
outras pessoas, coletividades e organizações, esse príncipe da moder
nidade-mundo pode influenciar às vezes decisivamente ódios e pai
xões, correntes de opinião pública, estados de espírito, visões do mun
do , mentes e corações.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
136
A A L D E I A G L O B A L
1« Mark Wossner, "Success and Responsability", publicado por Bertelsmann, Annual Report 1992/93, Gutersloh, Alemanha, 1993, pp. 4-7; citação da p. 4. Cabe observar que a Bertelsmann é uma transnacional da mídia, ativa na produção de papel, livros, revistas, publicidade e serviços, e presente em países da Europa, Américas, Ásia e Africa.
1 7 Robert Phillipson, Linguistic Imperialism, Oxford University Press, Oxford, 1992; Claude Truchot, L'anglais dans le monde contempo-
137
as idéias políticas e culturais, e contribui para formar a opinião e o
consenso democráticos. Hoje, a sociedade utiliza a mídia para exer
cer uma forma de autocontrole. 1 6
Nesse sentido é que a mídia adquire e expande sua influência n o
imaginário de muitos, da grande maioria . Ela detém amplo controle
nobre o m o d o pelo qual os fatos importantes ou secundários, locais,
nacionais, regionais ou mundiais, reais o u imaginários, difundem-se
pelo m u n d o , influenciando mentes e corações . Pode transfigurar o
real em virtual, da mesma maneira que o vir tual em real.
É evidente que esse intelectual orgânico de alcance mundial fala,
escreve e pensa principalmente em inglês. A despeito de ser compos to
por inúmeros intelectuais individuais provenientes das mais diversas
nações e culturas e até mesmo civilizações, enquan to intelectual cole
tivo, múlt iplo, ubíquo e polifónico, fala, escreve e pensa principal
mente em inglês.
É verdade que o inglês começou a mundializar-se como idioma do
imperialismo britânico, o que ocorreu de m o d o particularmente acen
tuado no século XIX e primeiras décadas d o XX. Em seguida, desde o
término da Primeira Guerra Mundial (1914-18) e, mais ainda, desde o
término da Segunda Guerra Mundial (1939-45), difundiu-se também
como idioma oficial do imperialismo norte-americano. N o fim do sécu
lo XX, continua a servir a esses imperialismos, ainda que com outros
significados, em especial devido à crise e decadência dessas grandes
potências, assim como pela emergência de outros pólos mundiais de
poder. Sob vários aspectos, é possível comprovar que a crescente mun-
dialização do inglês desenvolveu-se na esteira desses imperialismos. 1 7
regimes políticos, a magnitude ou irrelevância de fatos sociais, econô
micos, políticos e culturais, tudo isso passa a depender, em a lguma
escala, da forma pela qual a mídia descreve e interpreta, fotografa e
divulga, taquígrafa e codifica ou representa e imagina fatos, aconteci
mentos , realizações, impasses, crises, perspectivas, narcotráfico, ter
ror ismo, recessão, desemprego, produtividade, prosperidade, golpe de
Estado, revolução, contra-revolução, guerra, comunismo, socialismo,
islamismo, cristianismo, budismo, ocidentalismo, orientalismo, neoli-
beral ismo, capitalismo. Subvertem-se as condições de a tuação e a s
possibilidades de influência de partidos; igrejas; movimentos sociais;
correntes de opinião pública; processos eleitorais; análises da realida
de social , econômica , polí t ica e cu l tura l ; diretr izes e mensagens .
Transfiguram-se as linguagens e as técnicas do discurso do poder, da
dirigencia, da hegemonia.
Cada uma das corporações mundiais da mídia, e todas em con
junto , certamente exercem influências mais ou menos decisivas nas
formas pelas quais os indivíduos, os grupos, as classes, as coletivida
des e os povos situam-se diante das configurações e movimentos da
realidade social, em âmbito local, nacional, regional e mundial . É ób
vio que há convergências e contradições, hiatos e divergências, na for
ma pela qual as corporações da mídia informam, interpretam, entre
tém e distraem indivíduos e povos. Mas há sempre alguma influência,
mais ou menos decisiva, no modo pelo qual a mídia registra, selecio
na, interpreta e difunde o que vai pelo mundo .
Vivemos em uma época de profundas mudanças políticas, econômi
cas e culturais. (...) As mudanças que varrem o mundo alimentam a
insegurança. Exigem que os indivíduos reavaliem e mudem suas ati
tudes, para dominar os novos desafios. Os indivíduos anseiam por
orientação e informação, mas têm inclusive uma forte necessidade de
entretenimento e recreação. Para fazer face a essas diferentes exigên
cias, uma corporação global da mídia tem responsabilidades espe
ciais. A comunicação é um elemento básico de qualquer sociedade. A
mídia torna essa comunicação possível, ajuda a sociedade a entender
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
N a época da globalização do mundo, quando se intensificam e ge
neralizam as relações, os processos e as estruturas do capitalismo, o in
glês com o qual se fala, escreve e pensa adquire novos significados,
transforma-se na vulgata da mundialização. A despeito de suas conota
ções ainda imperialistas, quando se trata de interesses norte-america
nos, britânicos, canadenses e de outras nações pertencentes à comuni
dade britânica ou à geoecpnomia norte-americana, é inegável que o in
glês descola-se bastante de suas origens, lançando-se como uma espécie
de jargão universal. É o idioma por excelência da aldeia global tecida
pelas técnicas da eletrônica, pelos intercâmbios mercantis, pela geopo
lítica da Guerra Fria, pela nova ordem econômica mundial formulada
pelo neoliberalismo e pelas redes da indústria cultural mundializada.
O inglês tem uma posição dominante na ciência, tecnologia, medici
na e computação; na pesquisa, livros, periódicos e software; nos
negócios transnacionais, comércio, navegação e aviação; na diploma
cia e organizações internacionais; na cultura de massa e no esporte; e
nos sistemas educacionais, como a língua estrangeira que mais
amplamente se aprende. (...) A difusão do inglês é excepcional, tan
to em termos de alcance geográfico como no que se refere à profun
didade da sua penetração. 1 8
Note-se a contemporaneidade e o cont raponto: língua da globali
zação e eletrônica do mundo sem fronteiras.
A difusão do inglês é tão significativa como o uso moderno de com
putadores. Quando o volume de informações que precisavam ser
rain, Le Robert, Paris, 1990; Renato Ortiz, Mundialização e cultura, Editora Brasiliense, São Paulo, 1994, especialmente o cap. VI: "Legitimidade e Estilos de Vida"; Octávio Ianni, Imperialismo e cultura, Editora Vozes, Petrópolis, 1976, especialmente a Primeira Parte: "A Indústria Cultural do Imperialismo". 1 8 Robert Phillipson, Linguistic Imperialism, citado, p. 6.
A A L D E I A G L O B A L
processadas excedeu às capacidades humanas, o computador apare
ceu em cena, transformando os processos de planejamento e cálculo.
Quando a necessidade de uma comunicação global começou a exce
der os limites estabelecidos pelas barreiras das línguas, a difusão do
inglês acelerou-se, transformando os padrões vigentes de comunica
ção internacional. 1 9
Sim, a língua de fato da aldeia global tem sido principalmente o
inglês. A maior parte das comunicações, envolvendo todo tipo de in
tercâmbio, desde as mercadorias às idéias, das moedas às religiões,
realiza-se nessa língua. Grande par te da produção científica, filosófi
ca e artística está formulada nessa língua, por suas versões originais
ou por suas traduções. Mui to do que são os fatos sociais, econômicos,
políticos e culturais circulam como notícias faladas, escritas e pensa
das em inglês, ou traduzidas para essa língua. É bastante sintomático
que alguns dos jornais e revistas mais característicos da mundializa
ção em curso no fim do século XX estão escritos nessa língua, da mes
ma forma que as emissões de cadeias de televisão e rádio de alcance
mundial . Praticamente tudo que se refere à eletrônica, compreenden
do informática, computação, telecomunicações, automação, robótica,
microeletrônica e outras tecnologias criadas ou aprimoradas a part ir
da eletrônica, tudo isso tem sua production, marketing and imple-
mentation in Englisb.
A mídia impressa, eletrônica e informática, bem como produtos
como o disco, o cinema e os programas televisionados desempenham
um papel fundamental na difusão do inglês. Representam de longe o
principal meio de pôr-se em contato com esta língua, que alcança o
maior número de pessoas, que as toca mais freqüentemente e de
maneira mais variada. (...) Esta presença do inglês manifesta-se como
»9 C A . Ferguson, "Foreword", in B. B. Kachru (editor), The OtherTon-gue: English Across Cultures, Pergamon, Oxford, 1983, pp. vii-xi, citação da p. ix.
138 139
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
2 0 Claude Truchot, L'anglais dans le monde contemporain, Le Robert, Paris, 1990. p. 173.
140
A A L D E I A G L O B A L
das mudanças sociais. (...) Cada época e cada grupo social têm seu
repertorio de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica.
(...) A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua
nem no psiquismo individual dos falantes. 2 1
A universalização d o inglês, por tanto , não significa automatica
mente a homogeneização dos modos de falar, escrever e pensar , ou
ser, agir, sentir, imaginar e fabular. Ainda que a forma pela qual está
ocorrendo a globalização do capitalismo leve consigo essa tendência,
ninda que a idéia de aldeia global implique essa conotação, é inegável
que as mais diversas modalidades de organizar a vida e o t rabalho , as
heranças e as tradições, as façanhas e as derrotas, ou os t rabalhos e os
dias, cont inuarão a produzir e a desenvolver as diferenças, as diversi
dades e as polifonias.
2 1 Mikhail Bakhtin (Volochinov), Marxismo e filosofia de linguagem, tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, 2*. edição, Editora Hucitec, São Paulo, 1981, pp. 41 ,43 ,44 e 124.
141
a própria língua das mídias. Além disso, as mídias propagam em in
glês a reprodução da realidade do mundo contemporâneo ( . . . ) . 2 0
Esse tem sido não só o idioma da aldeia global, mas também e
simultaneamente o idioma da Babel global. Nessa Babel, atravessada
pelas mais surpreendentes diversidades e desigualdades, polarizada
por movimentos de integração e fragmentação, todos se entendem e
desentendem principalmente em inglês. Podem ser japoneses e chine
ses, indianos e árabes, africanos e latino-americanos, franceses e indo
nésios, alemães e russos, mas tendem a entender-se ou a desentender-
se principalmente nesse idioma.
Natura lmente as outras línguas não só permanecem mas desen
volvem-se, transformam-se e até mesmo podem enriquecer-se. N a me
dida em que é um momento essencial da cultura, do m o d o de ser, pen
sar, agir, sentir, imaginar ou fabular, toda língua é necessariamente
vida, movimento, devir, transfiguração. O diálogo, o monólogo e a
polifonia estão sempre no âmago da sintaxe e semântica, do signo e
significado, do dito e desdito. Mais ainda porque o diálogo, o monó
logo e a polifonia envolvem necessariamente as outras línguas, os ou
tros modos de ser, pensar, agir, sentir, imaginar ou fabular. D o inter
câmbio entre as diferentes línguas como momentos essenciais das di
ferentes culturas, dos diferentes modos de ser, tan to se produzem mu
tilações e reiterações como recriações e transfigurações.
As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos
e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios.
(...) A palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumula
ções quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de
adquirir uma nova qualidade ideológica, que ainda não tiveram tem
po de engendrar uma forma ideológica nova e acabada. A palavra é
capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras
CAPÍTULO 7 A racionalização do mundo
h i . d e o princípio, o processo de desenvolvimento do capitalismo é
miiuiltaneamente um processo de racionalização. Com o vaivém, de
|x i meio às mais surpreendentes situações, juntamente com as rela-
çocs, os processos e as estruturas próprias do capitalismo, ocorre o
di .( nvolvimento de formas racionais de organização das atividades
iodais em geral, compreendendo as políticas, as econômicas, as jurí
dicas, as religiosas, as educacionais e out ras . Aos poucos , as mais
diversas esferas da vida social são burocratizadas, organizadas em ter
mos de calculabilidade, contabilidade, eficácia, produtividade, lucra
tividade. Juntamente com o mercado, a empresa, a cidade, o Estado e
o direito, também as atividades intelectuais são racionalizadas. A ri
gor, os desenvolvimentos das ciências ditas naturais e sociais, t raduzi
dos em tecnologias de todos os t ipos, revelam-se s imultaneamente
condições e produtos de um vasto complexo processo de racionaliza
ção do mundo .
Desde que se formou o moderno capitalismo, o mundo passou a
ser influenciado pelo pad rão de racionalidade gerado com cul tura
desse mesmo capitalismo. A administração das coisas, gentes e idéias,
ii calculabilidade do dever-e-haver, a definição jurídica dos direitos e
das responsabilidades, a codificação do que é privado e do que é pú-
145
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 Max Weber, Historia económica general, tradução de Manuel Sánchez Sarto, 2 a . edição, Fondo de Cultura Económica, México, 1956, p, 298.
146
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
complexo processo social, econômico, político e cultural. Ainda que
possa ser caracterizado pela racionalização das ações e relações, das
Instituições e organizações, para que esta racionalização ocorra e de-
u-nvolva torna-se indispensável que se modifiquem práticas e ideais,
padrões e valores sócio-culturais, transformando-se o imaginário e as
«tividades de uns e outros . N a medida em que se forma, consolida e
expande, o capitalismo pode influenciar, criar, tensionar, modificar,
recobrir ou mesmo dissolver outras formas de organização das ativi
dades produtivas e da vida sócio-cultural.
Existe capitalismo onde quer que se realize a satisfação de necessida
des de um grupo humano com caráter lucrativo e por meio de empre
sas, qualquer que seja a necessidade de que se trate. Em especial,
dizemos que uma exploração racionalmente capitalista é uma explo
ração com contabilidade de capital, é uma ordem administrativa por
meio da contabilidade moderna, com base no balanço, exigência for
mulada pela primeira vez no ano de 1698 pelo teórico holandês
Simon Stevin. Naturalmente uma economia individual pode orientar-
se de modo diferente da capitalista; parte da satisfação de suas neces
sidades pode ser capitalista e parte não-capitalista, ou seja, de orga
nização artesanal ou senhorial. (...) A premissa mais geral para a
existência do capitalismo moderno é a contabilidade racional do
capital como norma para todas as grandes empresas lucrativas que se
ocupam da satisfação das necessidades cotidianas. As premissas des
sas empresas, por sua vez, são as seguintes: 1) apropriação dos bens
materiais de produção (a terra, aparelhos, instrumentos, máquinas
etc.) como propriedade de livre disposição por parte de empresas
lucrativas autônomas; 2) a liberdade mercantil, ou seja, a liberdade
de mercado em face de toda limitação irracional de intercâmbio; 3)
técnica racional, ou seja, contabilizável ao máximo e, em conseqüên
cia, mecanizada; 4) direito racional, ou seja, direito calculável. Para
que a exploração econômica capitalista se processe racionalmente
precisa confiar em que a justiça e a administração seguirão determi
nadas normas; 5) trabalho livre, ou seja, que existam pessoas, não só
147
blico, tudo isso passa a constituir a t rama das relações sociais, o p |
d r ão predominante de organização das ações sociais. A racionalidadl
originada com o mercado, a empresa, a cidade, o Estado e o direita
tende a organizar progressivamente os mais diversos círculos de rela*
ções sociais, compreendendo os grupos sociais e as instituições em que
se inserem, da fábrica à escola, da agência do poder estatal à família t
dos sindicatos aos part idos políticos, dos movimentos sociais às cofi
rentes de opinião pública. Aos poucos, t udo se burocratiza segunda
um padrão burocrático racional legal. Esse é o padrão que salta d l
Europa aos Estados Unidos da América do Nor te . Em forma errática
e contraditória, no curso dos anos, décadas e séculos, esse padrão sr
estende pelos out ros países ou povos, compreendendo continentes,
ilhas e arquipélagos.
C o m freqüência, a dominação racional está convivendo c o m i
dominação tradicional e a dominação carismática. A realidade social!
sempre complexa, múltipla, caótica e infinita, pode ser lida nas perM
pectivas abertas por esses três t ipos de dominação . Eles podem sei
verificados não só na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, mal
t ambém nas outras sociedades, nações, nacionalidades, tribos, comuy
nidades ou povos, em diferentes gradações. N a Ásia, Oceania, África!
América Latina e Caribe, apresentam-se em múltiplas combinações. I
são comuns as situações nas quais prevalece o padrão carismático, om
o tradicional. M a s também são evidentes as situações nas quais a do-,
minação racional predomina amplamente, segundo o padrão inaugu
rado com o moderno capitalismo europeu e progressivamente mun
dial. " O que o capitalismo criou, em definitivo, foi a empresa dura-!
doura e racional, a contabilidade racional, a técnica racional, o direi-]
t o racional; a tudo isto haveria que acrescentar a ideologia racional, a
racionalização da vida, a ética racional na economia . " 1
Note-se , pois , que o capital ismo compreende t o d o um vasto e
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
2 Max Weber, Historia econômica general, citado, pp. 236-238. 3 Benjamin Nelson, "On Orient and Occident in Max Weber", Social
Research, Spring 1976, Nova York, pp. 114-129; citação da p. 117.
148
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
parecendo característico do hemisfério norte, também expande-se pelo
hemisfério sul. Desde o mercantilismo, o colonialismo e o imperialis
mo, vastos processos por meio dos quais se tecem laços, comunicações,
redes, geoeconomias e geopolíticas desenhando o mapa d o m u n d o ,
sempre compreendendo culturas e civilizações também muito diferen
tes entre si e das ocidentais, desde esses vastos processos todo o mun
do foi sendo permeado por padrões, valores, instituições e organiza
ções mais ou menos característicos do capitalismo. Em certos casos,
tomo no do Japão, o capitalismo tanto floresce, que até mesmo inova
e desafia as próprias matrizes originais desse modo de produção. Aos
poucos, as "ou t ras" culturas e civilizações revelam-se "compatíveis"
com os padrões e valores, as instituições e organizações, mais caracte
rísticos do capitalismo. Aí nascem e desenvolvem-se a empresa, o mer
cado, o planejamento, a administração, a contabilidade, as técnicas de
produção e controle, a divisão do trabalho social, o taylorismo, o fayo-
lismo, o fordismo, o toyot ismo, a flexibilização, a produtividade, a
lucratividade e a acumulação , t udo isso ar t iculado nos moldes da
racionalidade capitalista. Sem prejuízo das peculiaridades sócio-cultu-
rais de cada povo, praticamente todas as tribos, nações e nacionalida
des do mundo foram alcançadas, envolvidas, impregnadas, transfor
madas ou recriadas pelas relações, processos e estruturas de organiza
ção da produção e da vida social mais característicos do capitalismo.
Aqui , novamente , recoloca-se o cont raponto "ét ica-economia"
ou "religião-capitalismo". Esse foi um tema t ra tado classicamente por
Weber, para o qual também contribuíram de modo notável os estudos
de Sombart , Troeltsch e Tawney, entre outros . Examinaram tanto as
configurações históricas que Weber havia anal isado c o m o ou t r a s ,
além de empenharem-se em desenvolver o contraponto protestantis-
mo-catolicismo-judaísmo-capitalismo. 4
4 E. Troeltsch, El protestantismo y el mondo moderno, tradução de Eugenio Imaz, Fondo de Cultura Económica, México, 1951; Werner Sombart, El Burgués, tradução de Victor Bernardo, Ediciones Oresme, Buenos Aires, 1953; R.H. Tawney, A religião e o surgimento do Capitalismo, tradução de Janete Meiches, Editora Perspectiva, São Paulo, 1971.
149
em seu aspecto jurídico mas também no econômico, obrigadas a ven
der livremente sua atividade em um mercado; 6) comercialização da
economia, sob cuja denominação compreende-se o uso geral de títu
los de valor, para os direitos de participação nas empresas e igual
mente para os direitos patrimoniais. Em resumo, a possibilidade de
uma orientação exclusiva, no que se refere à satisfação das necessida
des, no sentido mercantil e da rentabilidade. 2
O que cabe ressaltar, neste ponto, é que o padrão de sociabilidade
envolvido no processo de racionalização das ações, relações, institui-'
ções, organizações e formações sociais pode influenciar, tensionar, mo
dificar, recobrir ou mesmo dissolver os padrões de sociabilidade não-
capitalistas, tais como o carismático e o tradicional. Ainda que estes
padrões com freqüência subsistam, reapareçam ou mesmo formem-se à margem ou por dentro do padrão racional, ou burocrático legal, ainda
assim cabe reconhecer que este se apresenta dominante na história
moderna européia e mundial. Devido à força, complexidade, abrangên
cia e expansividade do capitalismo como processo civilizatório, as mais
diversas formas de organização das atividades produtivas e da vida
social tendem a ser recobertas, subordinadas, modificadas ou dissolvi
das por esse processo. "A racionalização tem sido a força decisiva no
mundo moderno. O seu progresso no âmbito da conduta, da empresa,
da organização, da tecnologia, da lei e da ciência tem resultado no pro
fundo desencantamento do cosmos que caracteriza a nossa época ." 3
Se é verdade que o capitalismo nasceu na Europa Ocidental, am
bientado no protestantismo, desenvolvendo-se inclusive nos Estados
Unidos impregnados desse mesmo protestantismo, é também verdade
que o capitalismo tem se expandido progressivamente por outras na
ções e nacionalidades, culturas e civilizações, atravessando continen
tes, ilhas e arquipélagos. O que parecia característico e peculiar do
Ocidente, logo se revela compatível e até mesmo próspero no Oriente;
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
5 Maxime Rodinson, Islam y capitalismo, tradução de Marta Rojzman, Siglo Veintiuno Editores, Buenos Aires, 1973; Michio Morishima, Capitalisme et confucionisme (Technologie Occidentale et Éthique Japonai-
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
se), tradução de Anne de Ruff e Pierre-Emmanuel Dauzat, Flammarion, Paris, 1986; World Development, vol. 8, n<* 7/8, Pergamon Press, Oxford, número especial dedicado a "Religious Values and Development".
Cabe sempre reconhecer e reiterar que a sociologia das religiões
mundiais desenvolvida por Weber é também e principalmente urna
sociologia da cultura, uma sociologia de estilos de vida e visões do
mundo constituídos culturalmente e sintetizados nas religiões. É claro
que as religiões podem envolver os mais distintos e opostos elementos,
tais como Deus e diabo, natureza, sociedade e sobrenatural , religiosi
dade e magia, misticismo e profetismo, Igreja e seita, sagrado e profa
no, pecado e castigo, rotinização e secularização, teologia e cosmogo
nia. N o jogo das relações sociais e na t rama dos padrões e valores cul
turais, tendo em conta processos e estruturas também econômicos e
políticos, as mais diversas formas de vida religiosa não só são levadas
a inserir-se e redefinir-se no âmbito da sociedade como um todo como
podem rotinizar-se e secularizar-se, constituindo segmentos mais ou
menos básicos da cultura. Acontece que os processos de rotinização e
secularização historicamente desenvolvem-se de par-em-par, tensa e
combinadamente, com outros processos, tais como individuação, ur
banização, mercantilização, industrialização e racionalização. E esses
processos com freqüência ultrapassam fronteiras geográficas e histó
ricas, atravessando culturas e civilizações.
De fato, o capitalismo pode ser visto como um processo de am
plas proporções e acentuadamente expansivo, inaugurando e desen
volvendo uma época excepcionalmente singular da história européia e
mundial. Ainda que se configure inicialmente como uma singularida
de européia, decisivamente influenciada pela ética protestante, logo
passa a influenciar outras partes do mundo. Mais do que isso, desde o
início já há nele algo de mundializado.
É possível dizer, com Weber, que o capitalismo pode ser visto como
um processo civilizatório gerado no Ocidente mas espalhando-se pelo
Oriente, originário do norte mas difundindo-se pelo sul, marcadamen
te ocidental mas progressivamente mundial. Assim, a mundialização em
curso no século XX, em especial depois da Segunda Guerra Mundial e
151 1 5 0
Posteriormente, outros pesquisadores dedicaram-se à problema
ca inaugurada por Weber. Mas preocupando-se particularmente coffl
os contrapontos "islamismo-capitalismo", "confucionismo-capitaIii>
m o " e "hinduísmo-capitalismo", além de outros. Dedicaram-se e con-
t inuam a dedicar-se a esclarecer as relações entre religião e economia,
ou ética religiosa e racionalidade econômica, ou ainda profissão e se»
cularização da ética religiosa, de modo a desvendar o enigma "reli»
gião-capitalismo". Empenham-se em analisar o ideário do islamismOjj
do hinduísmo e do confucionismo, entre outras religiões, para desven*
dar seus componentes de ascetismo e pragmatismo, de modo a escla»
recer os eventuais elementos ou as potencialidades mais ou menot
compatíveis e incompatíveis com a racionalidade dos processos de tra*l
balho, produção, distribuição, troca e consumo característicos do cai
pitalismo. Alguns pesquisadores colocam-se o dilema "religião-capitM
l ismo" de uma forma um tanto imediata e direta, deixando de contem»
piar outras dimensões da realidade social abrangente. Outros , no e m
tanto , ampliam e diversificam seu horizonte de reflexão, contemplan»
d o aspectos sociais, políticos, culturais e históricos também relevanteaj
Note-se que o contraponto "religião-capitalismo", envolvendo éti
ca religiosa e comportamento econômico, ou visão religiosa do mundo
e racionalização do trabalho e da produção, não se desenvolvem em
abstrato, mas no âmbito do jogo das relações, processos e estruturas so
ciais, culturais e outras que constituem a sociedade. Sempre que Webefj
se refere à religião, que pode ser protestantismo, catolicismo, judaísmo]
islamismo, hinduísmo, confucionismo ou mesmo as demais, o que está
em causa é tanto a religião como a cultura; cultura esta da qual a reli-!
gião é uma dimensão privilegiada, mas não única. Sim, para Weber a
religião pode ser compreendida como um elemento nuclear da cultura.
O estilo de vida e a visão do mundo envolvidos sinteticamente na reli
gião em geral correspondem às dimensões essenciais da cultura. 5
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
6 Bryan S. Turner, "The Two Faces of Sociology: Global or National?", publicado por Mike Featherstone (editor), Global Culture (Nationalism, Globalization and Modernity), Sage Publications, Londres, 1990, pp. 343-358; citação da p. 353.
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
O sistema econômico capitalista, com a sua calculabilidade, levou o
controle burocrático ao seu mais extremo desenvolvimento. M a x
Weber observou que quanto mais "desumanizada" se torna a burocra
cia, melhor ela desenvolve as características valorizadas pelo capitalis
mo. As suas técnicas tornam-se mais refinadas, quanto mais eliminam
das ocupações oficiais o amor, o ódio e todos aqueles elementos pura
mente pessoais, irracionais e emocionais que desafiam o cálculo. (...) A
invenção de um aparato de tal precisão, como meio de controle, exclui
a possibilidade de qualquer outro sistema. A complexidade da socieda
de industrial não permite a não ser a administração burocrática, o que
torna o destino das massas ligado ao contínuo funcionamento do apa
relho burocrático. (...) Uma vez plenamente estabelecida, a burocracia
é uma daquelas estruturas sociais mais difíceis de serem destruídas. 7
Nesse contexto em que se formam, generalizam e predominam as
tecnoestruturas dest inadas a diagnost icar , planejar e implementar
diretrizes gerais e decisões especiais. As tecnoestruturas reúnem pro
fissionais sofisticados de todas as qualificações, d o economista ao
matemático, d o sociólogo ao publicitário, de m o d o a pensar as condi
ções e perspectivas dos mercados efetivos e potenciais, das condições
7 Henry Jacoby, The Bureaucratization of the World, University of California, Berkeley, 1976, pp. 148-9, 149 e 150. Consultar também: Wolfgang J. Mommsen, The Age of Bureaucracy (Perspectives on the Political Sociology of Max Weber), Harper & Row Publishers, Nova York, 1974.
153
mais ainda em seguida ao término da Guerra Fria, pode ser vista com
um novo surto de mundialização da racionalidade própria da civiliza
ção capitalista ocidental. Mas com uma peculiaridade: nesta época
racionalidade própria desse processo civilizatório já adquire catego "
global. Uma racionalidade global, com dinamismo próprio, que já incu
te nas sociedades nacionais algo novo, distinto, próprio da socieda
global. A tecnocracia internacional, transnacional ou mundial é be
uma expressão dessa globalização. Há empresas, corporações e congl
merados, bem como agências multilaterais, desde a O N U ao FMI e
OIT, que expressam muito bem os primórdios e os horizontes da raci
nalização possível, almejada, realizada ou em curso em escala global.
Para Weber, a força globalizante do capitalismo traduz-se na teori
da racionalização global. A combinação do capitalismo protestan
com o racionalismo ocidental produziu uma força irresistível, que ir
lenta mas seguramente convertendo o mundo em um sistema sócia
regulado e organizado, no qual haverá pouco espaço para a tradição,
a magia ou o carisma. O desencantamento do mundo tornará tudo,
em princípio, sujeito ao cálculo racional. Embora muitas cultura
tenham "antecipado" tais mudanças, somente na Europa pós-calvi
nista e nas culturas protestantes da América do Norte a força espiri
tual do racionalismo instrumental floresceu plenamente. 6
Ocorre que o capitalismo, como produto e condição da ampla e g
neralizada racionalização do mundo , logo se impõe ou sobrepõe às
mais diversas formas de organização da vida social. Tanto pode convi
ver como absorver, tanto modificar como recriar as mais diferentes mo
dalidades de organização social do trabalho e da produção. As forma
ções sócio-culturais de tribos e clãs, nações e nacionalidades, províncias
p regiões, muitas vezes sedimentadas por séculos de história, tradições e
nulos, tudo pode ser alterado, abalado, mutilado ou recriado pelas rela
ções, processos e estruturas que constituem a organização e a dinâmica
• capitalismo como processo civilizatório. Em geral, t udo isso está
marcado pela calculabilidade, contabilidade, administração, ordena
mento jurídico, desempenho, eficácia, produt ividade, lucratividade,
MI íonalidade. Está em curso a burocratização do mundo.
152
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
sociais, políticas, culturais e econômicas para a seleção e implementa
ção de investimentos, operações publicitárias, inauguração de temas,
preparação da opinião pública, em conformidade com decisões que
podem interessar a governos, corporações, igrejas, lobbings, correntes
de opinião pública e outras instituições e organizações.
A sociedade econômica moderna só pode ser entendida como um
esforço, inteiramente bem-sucedido, de sintetizar na organização
uma personalidade de grupo muito superior (para os seus objetivos)
à de uma pessoa natural e com a vantagem adicional da imortalida
de. A necessidade de tal personalidade de grupo começa pela circuns
tância de que, na indústria moderna, um grande número de decisões
e todas as que são importantes valem-se de informações possuídas
por mais de um homem. De modo típico, se valem do conhecimento
científico e técnico especializado, da experiência e das informações
acumuladas e do sentido intuitivo ou artístico de muitas pessoas. Isso
é norteado por outras informações que são reunidas, analisadas e
interpretadas por profissionais que utilizam um equipamento alta
mente técnico. (...) Deverá haver homens cujo conhecimento lhes
permita prever as necessidades e garantir uma oferta de mão-de-
obra, materiais e outros requisitos de produção; homens que saibam
planejar estratégias de preços e cuidem de que os consumidores este
jam apropriadamente persuadidos a comprar a esses preços; homens
que, nos níveis mais altos da tecnologia, estejam tão informados que
possam trabalhar eficientemente com o Estado, de modo que este
seja convenientemente dirigido; homens, por fim, que possam orga
nizar o fluxo de informações que as tarefas acima mencionadas e
muitas outras exigem. 8
As tecnoestruturas podem ser vistas como organizações sistêmi
cas, expressando muito do que é a racionalidade instrumental ou téc-
8 John Kenneth Galbraith, O novo Estado industrial, tradução de Alvaro j Cabral, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968, pp. 70 e 72. Citações do cap. VI, intitulado "A Tecnoestrutura".
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
nica predominante no capitalismo. Elas podem ser locais, nacionais ,
regionais e mundiais, operando em esferas como as da economia, p o
lítica, cultura, geopolítica, geoeconomia, indústria cultural e ou t ras .
Talvez sejam as formas mais desenvolvidas das estruturas decisórias
que articulam as partes e o todo , nas mais diferentes esferas da vida
social. Transformam recursos científicos e tecnológicos em diretrizes,
decisões, planejamentos e práticas destinados a organizar, dinamizar
e modificar o jogo das forças sociais, em conformidade com os inte
resses prevalecentes nas estruturas de dominação política e apropr ia
ção econômica. Formaram-se e desenvolveram-se n o âmbito da eco
nomia, envolvendo empresas, corporações e conglomerados operan
d o em escala local, nacional, regional e mundial .
Note-se que as tecnoestruturas das corporações transnacionais e das
organizações multilaterais aperfeiçoam e desenvolvem suas ativida
des beneficiando-se bastante das contribuições dos think-tanks, ou
seja, das produções de equipes de intelectuais dedicados, em geral de
modo exclusivo e sistemático, à realização de estudos, diagnósticos e
prognósticos relativos aos mais distintos problemas locais, nacionais,
regionais e mundiais. Em escala crescente no século XX, e em forma
cada vez mais sistemática e generalizada depois da Segunda Guerra
Mundial, os think-tanks floresceram e multiplicaram-se por todo o
mundo, em geral, pensando, falando e escrevendo em inglês. Trata-se
de equipes de intelectuais, combinando cientistas e técnicos, seniors e
juniors, especializados em problemas relativos à sociedade e à natu
reza, desde a geologia e a astronomia à demografia e ao marketing,
cujos conhecimentos se traduzem em diagnósticos e prognósticos, ou
planos, programas e projetos, sempre em conformidade com os pro
blemas suscitados por corporações e organizações privadas e públi
cas, nacionais, regionais e mundiais. É no âmbito dos think-tanks,
assim como no das tecnoestruturas, de forma independente ou com
binadamente, que se dá a tradução de conhecimentos científicos em
técnicas de produção e controle, relativamente a problemas econômi
cos, políticos, culturais, demográficos, religiosos, raciais, ecológicos,
155
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
geoeconômicos, geopolíticos e outros, nos mais distintos e distantes
países, envolvendo nações e nacionalidades, povos e coletividades,
culturas e civilizações. Dessa maneira, desenvolve-se, aprimora-se e
generaliza-se a racionalização do mundo, ainda que de modo irregu
lar, fragmentário e contraditório, mas em geral inexorável. 9
Uma parte fundamental da racionalização da sociedade é desem
penhada pelo direito, pela codificação jurídica das responsabilidades,
normas e procedimentos, estipulando os parâmetros das ações e rela
ções, das instituições e organizações. A partir dos princípios da liber
dade e igualdade de proprietários, formalizados no contrato , institu
cionalizam-se, generalizam-se e cristalizam-se as condições e possibi
lidades formais do intercâmbio, negociação, parlamentação, contro
vérsia, prémio e punição. Independentemente das peculiaridades não
apenas sociais, econômicas e políticas, mas também culturais e civili-
zatór ias , as t r ibos, clãs, nacionalidades e nações podem tomar por
referência critérios da racionalidade básica indispensável à interde
pendência.
Juntamente com a racionalização do mercado, da empresa, da ci
dade, d o Estado, do ensino, da cultura e da religião, desenvolve-se e
generaliza-se o direito racional. Os códigos de todos os tipos, traduzi
dos em estatutos, normas e diretrizes, estabelecendo direitos e obriga
ções, prêmios e punições, t raduzem os padrões e os valores sócio-cul-
turais do ascetismo originário do capitalismo em disposições racio
nais secularizadas impostas e válidas para todos , independentemente
das diferenças de classe, religião, raça, sexo e idade. Sob outras for
mas, pois, está em curso a racionalização das ações e relações, institui
ções e organizações, em escala local, nacional, regional e mundial .
9 The Economist, "The Good Think-Tank Guide", Londres, 21 de janeiro de 1992, pp. 79-85; Alvin W. Gouldner, El futuro de los intelectuales y el ascenso de la nueva clase, tradução de Néstor Miguez, Alianza Editorial, Madri, 1985; Ernst B. Haas, Mary Pat Williams e Don Babai, Scientists and World Order (The Uses of Technical Knowledge in International Organizations), University of California Press, Berkeley, 1977.
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
1 0 Max Weber, Economia e sociedade, 2 vols., tradução de Régis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa, Editora Universidade de Brasília, 1991, vol. 1, especialmente o cap. III; "Os Tipos de Dominação".
157
A calculabilidade econômica, ou a contabil idade cada vez mais
sistemática, rigorosa e mecanizada, é uma espécie de concret ização
efetiva, cotidiana e generalizada das exigências da racionalidade geral
que constitui e dinamiza ações sociais com relação a fins e valores típi
cos da ordem social capitalista. Mas cabe reconhecer que o direito se
consti tui em uma espécie de pa râmet ro universal da sociabi l idade
característica da ordem social capitalista. Em todas as esferas da vida
social, da empresa ao Estado, do mercado à cidade, da escola à igre
ja, em todas essas e outras esferas da vida social está presente o parâ
metro constituído pelas disposições jurídicas que ordenam e discipli
nam as ações e relações de uns e outros em moldes racionais.
Talvez se possa dizer que, para Weber, o direito racional é o co
roamento do processo de racionalização inerente ao desenvolvimento
do capitalismo como processo civilizatório. A racionalidade possível
na empresa e no mercado, envolvendo o capital, a tecnologia, a força
de t rabalho e os outros fatores da produção codifica-se em última ins
tância no direito racional. Ele é o parâmetro universal das atividades,
ações, relações, instituições e organizações, envolvendo indivíduos e
coletividades, nações e nacionalidades. Ainda que na mesma socieda
de subsistam distintos tipos de dominação, tais como o carismático e
o tradicional, entre outros, quando a dominação racional começa a
predominar , ela tende a influenciar, recobrir, tensionar, modificar,
recriar ou mesmo dissolver outras modalidades de organização das
atividades produtivas e da vida soc ia l . 1 0
Esse é o universo em que predomina o princípio da quant idade. O
mesmo princípio que funda a racionalidade da empresa e do mercado,
da cidade e do Estado, aos poucos impregna todos os outros círculos
da vida social, compreendendo o part ido político e o sindicato, a mí
dia e a escola, a Igreja e a família. Aos poucos, o princípio da qualida
de subordina-se ao da quantidade. Ainda que a qualidade jamais seja
156
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 1 Daniel Bell, The Cultural Contradictions of Capitalism, Basic Books, Nova York, 1978; Colin Campbell, The Romantic Ethic and the Spirit of Modern Consumerism, Basil Blackwell, Oxford, 1989.
158
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
Sob todos os aspectos, pode-se dizer que o conceito de racionali
dade está na base do pensamento de Weber, tan to n o que se refere às
suas reflexões teóricas c o m o n o que diz respeito às suas análises his
tóricas. T u d o que é social, em qualquer época e lugar, pode ser anali
sado em termos de formas e gradações de racionalidade das ações so
ciais de indivíduos, g rupo ou coletividades. Os conceitos típico-ideais
de ação social tradicional e ação social afetiva adquirem maior clare
za quando em cont raponto com os conceitos de ação racional com re
lação a valores e ação racional com relação a fins. Em out ro nível, o
conceito de dominação racional legal ajuda a clarificar os de domina
ção tradicional e dominação carismática. A rigor, os conceitos de em
presa, cidade, mercado, Estado e direito são elaborados por Weber de
modo a esclarecer distintas formas e gradações de racionalidade, co
mo configuração típico-ideal e como processo histórico. Racionalida
de é a matriz da sua teoria da história.
A idéia de racionalidade é o grande tema unificador da obra de M a x
Weber. Os seus estudos empíricos aparentemente díspares conver
gem para um objetivo subjacente: caracterizar e explicar o desenvol
vimento da racionalidade específica e peculiar que distingue a civili
zação ocidental moderna de todas as outras. As suas pesquisas meto
dológicas enfatizam a capacidade universal dos homens para agir
racionalmente e a conseqüente força da ciência social para com
preender essa a ç ã o . 1 2
A mesma racional idade q u e singulariza a civilização ocidental
transforma-se em parâmet ro de análise de todas as outras civilizações
1 2 Rogers Brubaker, The Limits of Rationality (An Essay on the Social and Moral Thought of Max Weber), George Allen & Unwin, Londres, 1984, p. 1. Consultar também: Ralph Schroeder, Max Weber and the Sociology of Culture, Sage Publications, Londres, 1992; Wolfgang J. Mom-msen, The Age of Bureaucracy, citado; Henry Jacoby, The Bureaucratization of the World, citado; Benjamin Nelson, "On Orient and Occident in Max Weber", citado.
159
suprimida, ela perde prerrogativas na maioria dos espaços públicos, e
tende a perdê-las também em espaços privados.
O paradoxo está em que o princípio da qualidade subjacente ao as
cetismo presente na origem do espírito do capitalismo progressivamen
te foi sendo substituído pelo princípio da quantidade. A mesma dinâ
mica deflagrada com a ética protestante, com a profissão como realiza
ção da vocação, ou com a atividade econômica disciplinada e produti
va como missão, essa mesma dinâmica engendra a substituição da qua
lidade pela quantidade. Há um momento em que a montanha de mer
cadorias produzidas precisa ser consumida para realizar-se, como valor
de uso e de troca, sem o que não se realiza o lucro. Para que o capital
possa concretizar-se e desenvolver-se como lucrat ividade, torna-se
necessário que o consumo se efetive, intensifique e generalize. Isto sig
nifica que o princípio da quant idade também estava subjacente, na
mesma origem do espírito do capitalismo, determinando a seculariza-
ção da ética protestante e a metamorfose do ascetismo e consumismo.
De fato, é inegável a contradição entre ascetismo e consumismo, se
pensamos no capitalismo em perspectiva weberiana. Ao longo da his
tória, à medida que se desenvolve o capitalismo, o ascetismo parece
declinar e o consumismo hedonista, crescer. Isto significa que a matriz
originária do capitalismo, sintetizada na ética protestante, na profissão
como vocação e no ascetismo como negação do hedonismo, progressi
vamente rotiniza-se, seculariza-se e dissolve-se no jogo das forças
sociais presentes e crescentes no mercado. Assim, aos poucos, o consu
mismo se constitui em outra esfera de dinamização das ações, relações,
instituições e organizações sociais, em escala local, nacional, regional e
mundial. N o âmbito do consumismo é que se desenvolve a sociedade
de consumo, a sociabilidade consumista, em que indivíduos e multi
dões imaginam que estão realizando a cidadania, confundindo a liber
dade e a igualdade de consumidores com os direitos do c idadão . 1 1
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
ou formações sociais diferentes da ocidental. Aliás, o própr io Oci
dente é analisado a partir desse parâmetro. É como se muito do que se
situa no Ocidente só aos poucos se tornasse racional, organizado se
gundo as características da dominação racional legal. Simultaneamen
te, é como se muito do que é tradicional, carismático, patrimonial ou
oriental só aos poucos se deixasse penetrar por características da do
minação racional legal. Essa é a perspectiva simultaneamente metodo
lógica e histórica em que Weber se situa para refletir sobre a China, a
índia, o Egito, a Grécia, sobre Roma, Idade Média européia e outras
configurações sociais ou civilizatórias recentes, remotas ou presentes.
Essa é a perspectiva concomitantemente metodológica e histórica
em que Weber se coloca para refletir sobre o socialismo. Em forma
breve, para ele o socialismo distingue-se principalmente como uma
forma ou gradação de exercício da racionalidade na organização das
atividades econômicas, políticas, culturais e sociais. A estatização da
economia, ou a expropriação da propriedade privada das empresas,
bem como o planejamento da produção e mercado, além de outras
características do socialismo que já se ensaiava nos primeiros anos de
vida da União Soviética, tudo isso poderia traduzir-se em novas for
mas ou gradações de racionalidade; algo perfeitamente inteligível na
ótica aberta pelo tipo de dominação racional legal burocrática. Em lu
gar de propiciar a emancipação do trabalhador, do povo e da socieda
de, poderia reforçar e aprofundar o poder da empresa, do aparelho
estatal, ou dos grupos sociais, instituições e organizações que detives
sem os meios de controle, decisão e implementação.
Onde quer que o funcionário especializado moderno venha a predo
minar, sua força se revela praticamente indestrutível, pois toda orga
nização e mesmo a satisfação da necessidade mais elementar foi
adaptada ao seu modo de operação. Uma eliminação progressiva do
capitalismo privado é teoricamente concebível, ainda que certamente
não seja tão fácil como o fazem supor os sonhos de alguns Hterati que
desconhecem o assunto. Essa eliminação, com toda certeza, não será
uma das conseqüências desta guerra (1914-18). Mas suponhamos
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
que no futuro o capitalismo privado seja eliminado. Qual seria o re
sultado prático? A destruição da estrutura de aço do trabalho indus
trial moderno? Não! A abolição do capitalismo privado significaria
simplesmente que também a alta administração das empresas nacio
nalizadas ou socializadas tomar-se-ia burocrática. (...) A burocracia
estatal reinaria absoluta se o capitalismo privado fosse eliminado. As
burocracias privada e pública, que agora funcionam lado a lado, e
potencialmente uma contra a outra, e assim se restringem mutua
mente até certo ponto, fundir-se-iam numa única hierarquia. Este Es
tado seria então semelhante à situação no antigo Egito, mas ocorre
ria de uma forma muito mais racional e por isso indestrutível. 1 3
Para Weber , o socialismo se caracteriza po r criar novas formas e
gradações de racionalização das atividades, instituições e organiza
ções, o que reforça o poder da burocracia e d o burocrata, tan to no
que se refere à gestão do aparelho estatal e da empresa como no rela
tivo à estrutura de aço na qual o t rabalhador é inserido.
Semelhante estatização, quer dizer, uma associação forçada em car
téis de empresários de todos os setores e a participação do Estado nes
ses cartéis com uma quota de lucro relativo (em troca da renúncia ao
direito de controle) significaria de fato, em tempos de paz, o domínio
do Estado por parte da indústria antes que o domínio da indústria
por parte do Estado. Tudo isto poderia tomar uma força malsã. N o
interior das associações empresariais, os representantes do Estado se
sentariam à mesma mesa que os industriais, muito mais capacitados
que eles em matéria de habilidade profissional, adestramento comer
cial e capacidade de defender seus próprios interesses. 1 4
1 3 Max Weber, Ensaios de sociologia e outros escritos, seleção de Maurício Tragtenberg, Abril Cultural, São Paulo, 1974, pp. 30-31; citação extraída de "Parlamentarismo e Governo numa Alemanha Reconstruída", pp. 7-91.
1 4 Max Weber, "Conferência sobre o Socialismo"; em: Émile Dürkheim e Max Weber, Socialismo, organização de Luis Carlos Fridman, Relu-me Dumará, Rio de Janeiro, 1993, pp. 85-128; citação extraída da p. 105.
161 160
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Sob essas condições, alteram-se as condições de trabalho e produção,
assim como as de reivindicação e luta por parte dos trabalhadores.
Contra o Estado não é possível fazer greve alguma, e portanto com
esse tipo de socialismo de Estado a dependência do operário seria n
realidade notavelmente aumentada. Este é um dos motivos pelo
quais a social-democracia rejeitou esse tipo de "intervenção estatal"
na economia, ou essa forma de socialismo em geral. Tal socialism
nada mais seria do que uma comunidade de cartéis. 1 S
A racionalidade de que fala Weber desenvolve-se de uma forma
excepcionalmente intensa e generalizada na empresa, corporação e
conglomerado, de modo a produzir mercadoria e lucro. A produtivi
dade crescente, cada vez mais intensificada pelas mais diversas tecno
logias mecânicas, elétricas, eletrônicas, administrativas, psicológicas,
sociológicas, culturais e gerenciais, é um lema universal. Esse o signi
ficado de processos produtivos como o manchester iano, taylorista
fordista, stakanovista e toyotista, além de muitos mais. São diferente
modalidades de aperfeiçoamento da organização social e técnica d
t rabalho e da produção, de modo a acelerar e a generalizar a raciona
lidade produtiva, a multiplicação do lucro.
Aí está uma das ironias da história. O Estado Soviético, organiza
do em um país em que a revolução burguesa se havia realizado de for
ma precária e incompleta, foi levado a realizar tarefas que a revoluçã
burguesa não havia cumprido, ou havia realizado apenas parcialmen
te. A necessidade de desenvolver e generalizar o padrão capitalista d
organização da economia, em um país parcialmente feudal, levou
governo soviético a transformar o Estado em um imenso, poderoso
1 5 Max Weber, "Conferência sobre o Socialismo", citado, p. 106. Con sultar também: Wolfgang J. Mommsen, The Political and Social Theo of Max Weber, Polity Press, Oxford, 1989, esp. cap. 4: "Capitalism and Socialism: Weber's Dialogue with Marx"; Wolfgang J. Mommsen, The Age of Bureaucracy, citado, especialmente cap. Ill: "The Alternative td Marx: Dynamic Capitalism instead of Bureaucratic Socialism".
1 6 2
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
singular capitalista coletivo. O lema em que se dizia que o soviete
mais a eletrificação produziriam o socialismo, ado tado com a nova
política econômica, em seguida à revolução, sintetizou mui to bem a
exigência de acelerar e generalizar um padrão de dinamização e orga
nização das forças econômicas, de um sistema econômico nacional ,
integrado e fluente. Daí a admiração pelos procedimentos e tecnolo
gias d o fordismo, ou americanismo, o que se desdobrou no s tachano-
vismo, um padrão avançado e dinâmico de racionalização do proces
so de t rabalho e produção.
Se Alexej Stachanov, aquele homem a respeito do qual se afirma ter
extraído, na noite de 31 de agosto de 1935, na região do rio Donez,
102 toneladas de carvão num turno de cinco horas e 45 minutos, tor
nou-se o modelo soviético e um mito do trabalho, ele personifica com
isso precisamente o princípio capitalista de um dispêndio abstrato de
força de trabalho, em cuja esfera de influência existe o trabalho como
atividade que, de forma tautológica, traz sua finalidade em si mesma.
Só que o caráter naturalista da "ideologia de toneladas" expressa
esse princípio em quantidades abstratas de matérias e produtos que
são privados de suas qualidades sensíveis. Portanto, é lúcida a obser
vação de Thomas Mann, que em junho de 1919, ao refletir sobre a
composição de seu romance A montanha mágica, escreve: "Fiquei
pensando, a esse respeito, que a diferença ética entre o capitalismo e
o socialismo é insignificante, porque ambos consideram o trabalho o
princípio supremo, o absoluto ." 1 6
De fato, nas condições adversas sob as quais se organizou o Esta
do soviético, o taylorismo e o fordismo acabaram por encontrar con
dições particularmente propícias para implantação e desenvolvimen
to. Tratava-se de criar, acelerar e generalizar processos produtivos na-
1 6 Robert Kurz, O colapso da modernização (Da Derrocada do Socialismo de Caserna à Crise da Economia Mundial), tradução de Karen Elsabe Barbosa, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1992, pp. 23-24.
163
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
cionais, de modo a desenvolver a economia soviética, isto é, central
mente planificada, já que o que se havia herdado da época tzarista era
uma economia apenas parcialmente industrial izada, no sentido do
a p o i o em forças p rodu t ivas e relações de p r o d u ç ã o propr iamente
capitalistas. Sob a direção do apara to estatal, com base no planeja
mento centralizado e no princípio da produtividade e quantidade, o
taylorismo e o fordismo marcaram bastante as relações de produção,
compreendendo a disciplina e a hierarquia na organização técnica e
social das relações de t rabalho.
Lênin reconhecia o papel do taylorismo no aumento da exploração,
mas acreditou que pela melhora da produtividade do trabalho sob o
socialismo os trabalhadores seriam liberados para assumir uma par
te maior na gestão da sociedade e do Estado. Entretanto, a ausência
de uma avaliação crítica das relações sociais na fábrica acabou por
provocar conseqüências teóricas e práticas de vulto. Não resultou so
mente na incapacidade para transformar os métodos de trabalho, no
que se refere às relações entre trabalho manual e mental. Também
alimentou inevitavelmente outras tendências, tais como o declínio do
comitê de fábrica, a erosão do controle operário e a sua substituição
pela direção unipessoal. (...) Trotsky expressou perfeitamente o pon
to de vista tecnicista, quando disse: as formas soviéticas de proprie
dade, na base das mais modernas formas de técnicas americanas
transplantadas para todas as formas da vida econômica, isto, de fato,
poderá ser o primeiro estágio do socialismo. 1 7
Em síntese, "as relações de t rabalho nas sociedades de t ipo sovié
tico revelam amplo leque de similaridades com as do Ocidente: hierar
quia, coerção pela produção por peça, subordinação dos produtores
d i r e t o s " . 1 8
1 7 Paul Thompson, The Nature of Work (An Introduction to Debates on the Labour Process), 2! edição, MacMillan, Londres, 1989, pp. 60-61. 1 8 Paul Thompson, The Nature ofWork, citado, p. 248.
164
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
1 9 Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, tradução de M. Irene de Q. F. Szmrecsanyi e Tamás J. M. K. Szmrecsanyi, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1967, p. 1.
165
C o m o se depreende das reflexões de Weber sobre o socialismo e
o capitalismo, a idéia de racionalidade pode ser tomada como matriz
de sua teoria da história. Trata-se de uma teoria da história universal,
ainda que construída principalmente a partir da singularidade, ou ex
cepcionalidade, d o Ocidente. A despeito da perspectiva aberta pela
chamada civilização ocidental, é inegável que para Weber a idéia de
racionalização serve de base pa ia pensar o passado recente, remoto e
presente, em âmbi to local, nacional, regional e mundial . " N o estudo
de qualquer problema da História universal, um filho da moderna ci
vilização européia sempre estará sujeito à indagação de qual a combi
nação de fatores a que se pode atribuir o fato de na civilização ociden
tal, e somente na civilização ocidental, haver aparecido fenômenos
culturais dotados (como queremos crer) de um desenvolvimento uni
versal em seu valor e s ignif icado." 1 9
Está em curso o desencantamento do mundo . O que era um pro
cesso circunscrito a alguns países da Europa, e t ransplantado para os
Estados Unidos, logo se revela mais ou menos generalizado e, às ve
zes, avassalador, em escala mundial . Nesta altura da história, a metá
fora iluminista aparece como realidade cotidiana e universal, de nor
te a sul, d o ocidente ao oriente. À força de desenvolver-se por todos
os cantos e recantos da vida social, ao mesmo tempo que mutiplican-
do sua capacidade de influenciar, disciplinar, diversificar e potenciar
as ações e relações, bem como as instituições e organizações de todos
os t ipos e em todas as partes do mundo , o processo de racionalização
passa a submeter o indivíduo, singular e coletivamente, aos produtos
de sua criatividade. De produto , meio ou instrumento, a tecnologia
transforma-se em finalidade, objetivo por excelência, numa surpreen
dente inversão de meios e fins. Essa é a metamorfose provocada pela
racionalização que configura um estágio avançado do desencanta
mento do mundo , quando de repente o indivíduo e a coletividade se
vêem encerrados na gaiola de ferro que construíram, na qual n ã o dei-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
x a r a m nem porta nem janela, no empenho de levar a racionalização
ao ext remo da perfeição. Q u a n d o o ascetismo foi
transferido para a vida profissional, passando a influenciar a morali
dade secular, fê-lo contribuindo poderosamente para a formação da
moderna ordem econômica e técnica ligada à produção em série atra
vés da máquina, que atualmente determina de maneira violenta o es
tilo de vida de todo indivíduo nascido sob esse sistema, e não apenas
daqueles diretamente atingidos pela aquisição econômica, e, quem
sabe, o determinará até que a última tonelada de combustível tiver
sido gasta. De acordo com a opinião de Baxter, preocupações pelos
bens materiais somente poderiam vestir os ombros do santo como um
tênue manto, do qual a toda hora se pudesse despir. O destino iria
fazer com que o manto se transformasse numa prisão de ferro. Desde
que o ascetismo começou a remodelar o mundo e a nele se desenvol
ver, os bens materiais foram assumindo uma crescente e, finalmente,
uma inexorável força sobre os homens, como nunca antes na história.
Hoje em dia — ou definitivamente, quem sabe — seu espírito religio
so safou-se da prisão. O capitalismo vencedor, apoiado numa base
mecânica, não carece mais de seu abrigo. (...) Ninguém sabe ainda a
quem caberá no futuro viver nessa prisão, ou se, no fim desse tremen
do desenvolvimento, não surgirão profetas inteiramente novos, ou um
vigoroso renascimento de velhos pensamentos e idéias, ou ainda se
nenhuma dessas duas — a eventualidade de uma petrificação mecani
zada caracterizada por esta convulsiva espécie de autojustificação. 2 0
A metáfora da gaiola de ferro torna-se realidade cotidiana, prosaica
e generalizada, à medida que se desenvolvem as tecnologias da produ
ção e reprodução material e espiritual, envolvendo progressivamente j
todos os círculos da vida social e funcionando, cada vez mais, também
2 0 Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, citado, pp. 130-131. Consultar também: Ralph Schroeder, Max Weber and the So-1 ciology of Culture, citado, especialmente o cap. 4: "The Iron Cage of Modern Rationalism".
166
A R A C I O N A L I Z A Ç Ã O DO M U N D O
2 1 Herbert Marcuse, "Some Social Implications of Modern Technology", Social Studies in Philosophy and Social Science, vol. IX, n°. 3, The Institute of Social Research, Nova York, 1941, pp. 414-439; citação das pp. 418-419. Consultar também: Norbert Wiener, Cibernética e sociedade (O Uso Humano de Seres Humanos), tradução de José Paulo Paes, Editora Cultrix, São Paulo, 1968; David S. Landes, The Unbound Prometheus (Technological Change and Industrial Development in Western Europe from 1750 to the Present), Cambridge University Press, Cambridge, 1987; Jacques Ellul, The Technological Society, Alfred A. Knopf, Nova York, 1967.
167
como técnicas de controle social. Todos os círculos da vida social, desde
a empresa à escola, do mercado ao Estado, da Igreja à família, são pro
gressivamente organizados e dinamizados pelas tecnologias da raciona
lização, compreendendo recursos das ciências naturais e sociais, da
cibernética à psicologia. À medida que corre o século XX, atravessando
guerras e revoluções, nacionalidades e nações, culturas e civilizações, o
capitalismo intensifica e generaliza o desencantamento do mundo.
O mundo tem sido racionalizado em tal escala, e esta racionalização
tornou-se uma força de tanto poder, que o indivíduo nada pode fazer
de melhor senão ajustar-se a isso sem reservas. (...) Os fatos que diri
gem o pensamento e ação do homem não são os da natureza, que pre
cisam ser aceitos a fim de que possam ser dominados, ou os da socie
dade, que precisam ser mudados porque não mais correspondem às
necessidades e potencialidades humanas. Antes, são aqueles proces
sos tecnificados, que se apresentam como a corporificação da racio
nalidade e da eficácia. (...) Não há qualquer possibilidade individual
de escapar ao aparato que mecanizou e estandardizou o mundo. Tra
ta-se de um aparato racional, combinando eficácia e conveniência,
economizando tempo e energia, removendo desperdícios, adaptando
todos os meios ao objeto, antecipando conseqüências, garantindo cal-
culabilidade e segurança. (...) Não há espaço para autonomia. A
racionalidade individualista desenvolveu-se em uma eficiente confor
midade com o preestabelecido continuum de meios e fins. Os fins
absorvem os esforços liberadores do pensamento, e às várias funções
da razão convergem para a incondicional manutenção do apara to . 2 1
A dialética da globalização
Desde o princípio, o capitalismo revela-se c o m o um m o d o de produ
ção internacional. Um processo de amplas proporções que, ul t rapas
sando fronteiras geográficas, históricas, culturais e sociais, influencia
feudos e cidades, nações e nacionalidades, culturas e civilizações. Ao
longo de sua história, desde o século XVI, teve seus centros dinâmicos
e dominantes na Holanda , na Inglaterra, n a França, na Alemanha ,
nos Estados Unidos, no Japão e em outras nações, e em qualquer caso
sempre ul t rapassou fronteiras de todos os t ipos . Mais d o que isso,
sempre recobriu, deslocou, dissolveu, recriou ou inventou fronteiras.
Em sua marcha pela geografia e história, influenciou decisivamente os
desenhos dos mapas do mundo , com os desenvolvimentos da acumu
lação originária, do mercantilismo, do colonialismo, do imperialismo,
do multinacionalismo, d o transnacionalismo e do globalismo. Ainda
que tenha sido sucessiva e simultaneamente nacional , regional e inter
nacional, juntamente com sua vocação colonialista e imperialista, o
capi ta l ismo se to rna n o século X X um m o d o de p r o d u ç ã o n ã o só
internacional, mas propriamente global.
Ocorre que o capitalismo é um processo simultaneamente social,
econômico, político e cultural de amplas proporções , complexo e con
tradi tório, mais ou menos inexorável, avassalador. Influencia todas as
171
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
formas de organização d o t rabalho e vida social com as quais entra
em conta to . Ainda que se preservem economias de subsistência, arte
sanatos , patrimonialismos, tribos, clãs, nacionalidades e nações, entre
out ras formas de organização da vida e do t rabalho, ainda assim o
processo capitalista influencia, tensiona, modifica, dissolve ou recria
todas e quaisquer formas com as quais entra em contato . Exerce in
fluência moderada ou avassaladora, dependendo do Estado em que se
encontra , bem como da formação social do Estado com o qual se de
fronta.
Acontece que o m o d o capitalista de produção funda-se no jogo
das forças produtivas liberadas com o declínio do feudalismo, a ace
leração da acumulação originária, a reprodução ampliada do capital,
o desenvolvimento intensivo e extensivo da p rodução , da distribui
ção , da troca e do consumo. As forças produtivas básicas, tais como o
capital , a tecnologia, a força de t rabalho, a divisão do t rabalho social,
o mercado e o planejamento, entre outras, entram em contínua e am
pla conjugação, desenvolvendo-se de forma intensiva e extensiva, ul
t r apassando fronteiras geográficas e históricas, regimes políticos e
modos de vida, culturas e civilizações. Na medida em que se torna do
minante , o m o d o capitalista de produção lança luz e sombra, formas
e movimentos, cores e sons, sobre muito do que encontra pela frente.
O mundo continua povoado de múltiplas e distintas formas cul
turais , l ínguas, religiões, tradições e visões d o m u n d o , ao lado das
mais diferentes formas de vida e de t rabalho. Os hindus cont inuam
imbuídos de hinduísmo e budismo; da mesma forma que os árabes de
islamismos; e os europeus de cristianismos. As tradições culturais, re
ligiosas, lingüísticas e outras permanecem ou mesmo se reiteram e, às
vezes, se expandem. Mas tudo se modifica. N o curso da história da
globalização do capitalismo, muito do que se encontra pelo caminho
se altera, tensiona, modifica, anula, mutila, recria ou transfigura.
N o capitalismo, as forças produtivas, compreendidas sempre co
mo forças sociais, encontram-se todo o tempo em interação dinâmica.
A competição entre os capitais, a busca de novos processos produti
vos, a conquista de outros mercados e a procura de lucros provocam
172
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
i Karl Marx, Wage-Labour and Capital, International Publishers, Nova York, 1933, pp. 33 e44 .
173
a dinamização das forças produtivas e da forma pela qual elas se com
binam e aplicam nos mais diversos setores de produção, nas mais dife
rentes nações e regiões do mundo . Estão em marcha os processos de
concentração do capital, o que implica a contínua reinversão dos ga
nhos no mesmo ou em outros empreendimentos, e os de centralização
ilo capital, o que implica a contínua absorção de outros capitais, p ró
ximos e distantes, pelo mais ativo, dinâmico ou inovador.
N o capitalismo,
da mesma forma que o método de produção e os meios de produção
são constantemente ampliados, revolucionados, assim também a di
visão do trabalho necessariamente provoca maior divisão do traba
lho, o emprego de maquinaria provoca maior emprego de maquina
ria, o emprego de trabalho em ampla escala provoca o emprego de
trabalho em escala ainda mais ampla. Esta é a lei que continuamente
empurra a produção capitalista além dos seus velhos limites e compe
le o capital a mobilizar sempre mais forças produtivas de trabalho,
pela mesma razão que ele já as mobilizou anteriormente. (...) Portan
to, se compreendermos esta agitação febril como ela opera no merca
do mundial como um todo, estaremos em condições de compreender
como o crescimento, a acumulação e a concentração do capital tra
zem consigo uma cada vez maior renovação das velhas máquinas e
uma constante aplicação de novas máquinas: um processo que segue
ininterruptamente, com uma velocidade febril e em uma escala cada
vez mais gigantesca. 1
Esse é o contexto em que se formam e desenvolvem as atividades
econômicas lucrativas, organizadas em moldes competitivos e mono-
políticos, nacionais e internacionais. A medida que se liberam e agili
zam as forças produtivas, juntamente com as relações de produção
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
2 Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economia po lítica (borrador) 1857-1858, 3 vols., tradução de José Arico, Migue Murmis e Pedro Scarón, Siglo Veintiuno Editores, México, 1971-1976 2° vol., pp. 30-31.
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
A partir dessa perspectiva, o modo capitalista de produção pode
ser visto como um todo complexo, desigual, contraditório e dinâmi
co, uma totalidade aberta ou propriamente histórica. Está sempre em
movimento, no sentido de que se transforma e expande, entra em cri
se e retoma sua expansão, de maneira errática mas progressiva, com
freqüência inexorável.
Como totalidade histórica e teórica, o modo capitalista de produ
ção pode ser sintetizado a partir dos seguintes elementos, visto de for
ma encadeada, determinando-se reciprocamente:
O resultado a que chegamos não é que a produção, a distribuição, a
troca e o consumo sejam idênticos, mas que constituem as articula
ções de uma totalidade, diferenciações dentro de uma unidade. A pro
dução transcende além de si mesma na determinação da produção,
assim como mais além de todos os outros momentos. A partir dela, o
processo recomeça sempre novamente. Compreende-se que a troca e
o consumo não podem ser o transcendente. E o mesmo se pode dizer
da distribuição, enquanto distribuição dos produtos. Mas, como dis
tribuição dos agentes da produção, constitui um momento da produ
ção. Uma produção determinada, portanto, determina um consumo,
uma distribuição, uma troca determinada e relações recíprocas deter
minadas destes diferentes momentos. Em verdade, também a produ
ção, sob sua forma unilateral, está por sua vez determinada pelos
outros momentos, por exemplo, quando o mercado, ou seja, a esfera
da troca estende-se, a produção amplia seu âmbito e se subdivide
mais em profundidade. Quando se dão transformações da distribui
ção, ocorrem mudanças na produção, como no caso, por exemplo, da
concentração do capital, ou de uma diferente distribuição da popula
ção na cidade e no campo etc. Finalmente, as necessidades do consu
mo determinam a produção. Entre os diferentes momentos, ocorre
uma ação recíproca. Isto ocorre sempre nos conjuntos orgânicos. 3
3 Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (borrador) 1857-1858, citado, 1° vol., p. 20.
175
demarcando as condições de liberdade e da igualdade dos p rop r i e t t
rios de capital e força de trabalho, organizados em forma contratual,
intensifica-se e generaliza-se a reprodução ampliada do capital . Ao
longo da história, desde o século XVI ao XX, e já prenunciando o sé
culo XXI , multiplicam-se as empresas, corporações e conglomerado8|
compreendendo monopólios, trustes, cartéis, multinacionais e trans
nac iona is . São empreendimentos que es tão sempre u l t rapassando
fronteiras geográficas e históricas, atravessando mares e oceanos, ins«f
talando-se em continentes, ilhas e arquipélagos. Assim, se é verdade
que o mercantilismo, o colonialismo e o imperialismo t inham raízei
no nacionalismo e ajudaram a difundir o modelo de Estado-nação pe-f
lo m u n d o afora, é também verdade que quebraram fronteiras de tri
bos, clãs, povos, nacionalidades, culturas e civilizações. Nesse sentido
é que o capitalismo entra decisivamente no desenho e redesenho do
mapa do mundo , cr iando nações e colônias, metrópoles e impérios,
geoeconomias e geopolíticas, ocidentes e orientes.
Enquanto que o capital, por um lado, deve tender a destruir toda bar
reira espacial oposta ao comércio, isto é, ao intercâmbio, e a conquis
tar toda a Terra como um mercado, por outro lado tende a anular o
espaço por meio do tempo, isto é, a reduzir a um mínimo o tempo
tomado pelo movimento de um lugar a outro. Quanto mais desenvol
vido o capital, quanto mais extenso é portanto o mercado em que cir
cula, mercado que constitui a trajetória espacial de sua circulação,
tanto mais tende simultaneamente a estender o mercado e a uma
maior anulação do espaço através do tempo. (...) Aparece aqui a ten
dência universal do capital, o que o diferencia de todas as formas an
teriores de produção. 2
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
É claro que toda essa dinâmica é comandada pelo capital, pelos
que detêm a propriedade e os movimentos do capital, em âmbito na
cional e mundial . A forma pela qual o capital se articula e desdobra,
inclusive pelos vários setores da economia, confere a ele a preeminên
cia sobre as outras forças produtivas. Ainda que o capital não possa
nunca atuar de maneira independente e, além disso, dependa em es
sência da capacidade da força de trabalho produzir valor, é inegável
que pode determinar as direções e os ritmos da reprodução ampliada.
Para que se realize a reprodução ampliada do capital, compreenden
do setores econômicos, economias nacionais, economias internacio
nais e a economia mundial como um todo, o capital desenvolve-se,
desdobra-se e articula-se em distintas formas de organização do tra
balho e da produção. Adquire configurações singulares, particulares e
gerais, reciprocamente referidas e determinadas, mas cada vez mais
sob a influência do capital em geral, simultaneamente abstrato e real.
N o âmbito da economia global, desenvolve-se ainda mais a forma ge
ral do capital, uma espécie de síntese e matriz do singular e do parti
cular, todos reciprocamente referidos, mas determinados pelo geral . 4
À medida que se desenvolve o capitalismo, pela dinamização e ge
neralização das forças produtivas e das relações de produção, o capi
tal em geral adquire maior relevância, influenciando cada vez mais as
condições e as possibilidades dos capitais singulares e particulares, em
âmbitos nacional e setorial, regional e internacional. Nesse sentido é
que a globalização do capitalismo pode ser vista como produto e con
dição do capital em geral, no qual se realizam e multiplicam todas as
outras formas de capital. Nessa perspectiva, os ocupantes dos escritó
rios centrais das corporações, por exemplo,
4 Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economia política (borrador) 1857-1858, citado, 1° vol., pp. 409-410. Consultar também: Rudolf Hilferding, O capital financeiro, tradução de Reinaldo Mestrinel, Nova Cultural, São Paulo, 1985.
176
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
5 Paul M. Sweezy, "The Triumph of Financial Capital", Monthly Review, vol. 46, n? 2, Nova York, 1994, pp. 1-11; citação da p. 10.
6 The Economist, Londres, 19 de setembro de 1992, p. 5. Citação do suplemento intitulado "Fear of Finance", pp. 1-50.
7 Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economia política (borrador) 1857-1858, citado, vol. 1, p. 27.
são eles próprios, em crescente medida, constrangidos e controlados
pelo capital financeiro operado por meio de redes globais do merca
do financeiro. Em outras palavras, o poder real não está totalmente
nos escritórios das corporações, mas nos mercados financeiros. O
que é válido para os diretores de corporações é também válido para
os que controlam o poder político nacional: cada vez mais, eles tam
bém são controlados pelos mercados financeiros, no que podem e no
que não podem fazer. 5
O que M a r x observava como algo incipiente em seu t empo , na
medida em que se desenvolve o capitalismo, revela-se crescentemente
efetivo e generalizado. O capital, sob formas novas e renovadas, de
senvolveu-se e fortaleceu-se assinalando a sua lógica pelos qua t ro can
tos d o mundo . N o fim do século XX adquire características propria
mente globais. Nas últimas décadas desse século "dissolvem-se muitas
fronteiras entre os mercados financeiros nacionais, e emerge um ver
dadeiro mercado global de capi ta is" . 6
Essa vocação do capital fica mais evidente se lembramos que o di
namismo da reprodução ampliada do capital, ou seu caráter progres
sivo, influencia contínua e reiteradamente as mais diferentes formas
de organização social e técnica do t rabalho e da produção.
Em todas as formas de sociedade existe uma determinada produção
que confere a todas as outras sua correspondente posição e influên
cia; uma produção cujas relações conferem a todas as outras a posi
ção e a influência. É uma iluminação geral, em que se banham todas
as cores, e que modifica as particularidades destas. 7
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
8 A propósito dos processos de "concentração" e "centralização", consultar: Karl Marx, El capital, 3 tomos, tradução de Wenceslao Roces, Fondo de Cultura Económica, México, 1946-1947, especialmente o tomo I, caps. 23 ,24 e 25; Nikolai I. Bukharin, A economia mundial e o imperialismo, tradução de Raul de Carvalho, Abril Cultural, São Paulo, 1984, especialmente cap. X; Rosa Luxemburg, A acumulação do capital, tradução de Marijane Vieira Lisboa e Otto Erich Walter Maas, Nova Cultural, São Paulo, 1985, especialmente a Seção III; Ernest Mandel, O capitalismo tardio, tradução de Carlos Eduardo Silveira Matos, Régis de Castro Andrade e Dinah de Abreu Azevedo, Abril Cultural, São Paulo, 1982, especialmente os caps. 10 e 11.
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
179
e recria, contínua e reiteradamente, as forças produtivas e as relações
de produção, seja pelo desenvolvimento extensivo como pelo intensi
vo. As novas tecnologias, por exemplo, podem tornar as outras tecno
logias obsoletas, da mesma forma que podem tornar obsoletas out ras
formas de mobilização da força de t rabalho. As várias forças produt i
vas, bem como as instituições e organizações que configuram as rela
ções de produção, podem tornar-se dispensáveis, técnica e socialmen
te obsoletas. A dinâmica da reprodução ampliada do capital, envol
vendo concentração e centralização, produz e reproduz o desenvolvi
mento desigual e combinado, em escala nacional, regional e mundial .
Na medida em que essa dinâmica se realiza, provoca necessariamente
a reiteração de algo estruturalmente semelhante à acumulação origi
nária, como uma espécie de " revolução" que periodicamente t rans
forma ou moderniza as mais diversas formas sociais e técnicas de
organização do t rabalho e da produção.
Vejamos, pois, o elemento nuclear da acumulação originária, um
processo que se desenvolve e reitera ao longo da história:
O divórcio entre o produto do trabalho e o próprio trabalho, entre as
condições objetivas de trabalho e a força subjetiva de trabalho é,
pois, como sabemos, a premissa real dada, o ponto de partida do
processo capitalista de produção. (...) O processo capitalista de pro
dução reproduz, portanto, pelo seu próprio mecanismo, o divórcio
entre a força de trabalho e as condições de trabalho, reproduzindo e
eternizando desta maneira as condições de exploração do trabalha
dor. Obriga constantemente o trabalhador a vender a sua força de
trabalho para viver e permite constantemente ao capitalista comprá-
la para enriquecer-se. (...) O regime do capital pressupõe o divórcio
entre os trabalhadores e a propriedade das condições de realização de
seu trabalho. Quando já se move por seus próprios pés, a produção
capitalista não só mantém esse divórcio como o reproduz e acentua
em uma escala cada vez maior. Portanto, o processo que engendra o
capitalismo somente pode ser um: o processo de dissociação entre o
trabalhador e a propriedade sobre as condições de trabalho, proces-
O predomínio do m o d o capitalista de produção, implicando seu
desenvolvimento intensivo e extensivo, de forma progressiva e fre
qüentemente avassaladora, traduz-se nos processos de concentração e
centralização do capital. A dinâmica da reprodução ampliada realiza-
se pela contínua concentração, ou reinversão do excedente, isto é, da
mais-valia, e pela contínua centralização, ou absorção de outros capi
tais pelo mais ativo, forte ou inovador. Esses são processos que tor
nam o capitalismo uma realidade histórica e geográfica, atravessando
fronteiras, mares e oceanos. Ainda que desenvolvendo-se de maneira
desigual, combinada e contraditória, o capitalismo expande-se pelas
mais diferentes nações e nacionalidades, bem como culturas e civiliza
ções, d inamizado pelos processos de concent ração e centralização,
concretizando sua globalização. O que já se anunciava nos primeiros
tempos do capitalismo revela-se claro no século XIX e mais ou menos
avassalador no X X . 8
N a medida em que se desenvolve, o capitalismo tanto revolucio
na as outras formas de organização social e técnica do t rabalho e da
produção com as quais entra em contato , como transforma reiterada
mente as formas de organização social e técnica d o t rabalho e da pro
dução já existentes em moldes capitalistas. Isto significa que a acumu
lação originária pode ser vista como um processo simultaneamente
genético e estrutural, inerente ao capitalismo, desenvolvendo-se todo
o tempo, em todas as partes. A dinâmica desse m o d o de produção cria
178
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
9 Karl Marx, El capital, citado, tomo I, pp. 645-646,653 e 802. Nesse livro, consultar especialmente o cap. 24: "La Llamada Acumulación Originaria". Consultar também: Ernest Mandel, O capitalismo tardio, citado, especialmente o cap. 2: "A Estrutura do Mercado Mundial Capitalista".
180
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 0 Folker Frobel, Jürgen Heinrichs e Otto Kreye, The New International Division of Labour, tradução de Pete Burgess, Cambridge University Press, Cambridge, 1980; Lawrence C. McQuade (editor), East-West Trade, Westview Press, Boulder, Colorado, 1977; Vito Tanzi (editor), Transition to Market (Studies in Fiscal Reform), International Monetary Fund, Washington, 1993; David Wen-Wei Chang, China Under Deng Xiaoping, MacMillan, Londres, 1991; Robert Kurz, O colapso da modernização, tradução de Karen Elsabe Barbosa, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1992;
181
so que, de um lado converte em capital os meios sociais de vida e de
produção, e por outro converte os produtores diretos em trabalhado
res assalariados. A chamada acumulação originária não é, portanto,
mais do que o processo histórico de dissociação entre o produtor e os
meios de produção. 9
O que já se revelava uma característica fundamental da gênese do
capitalismo europeu no século XVI, revela-se uma característica tam
bém fundamental dos desenvolvimentos do capitalismo global no sé
culo X X . A despeito das muitas diversidades sociais, políticas e cultu
rais, evidentes nos desenhos e movimentos das nações e nacionalida
des, continua a realizar-se e generalizar-se reiteradamente o divórcio
entre a força de t rabalho, ou seja, o t rabalhador, e as condições de tra
balho, ou seja, a propriedade dos meios de produção.
São vários e encadeados os processos que caracterizam a globali
zação do capitalismo, desde a acumulação originária à concentração
e centralização do capital; do desenvolvimento quanti tat ivo e qualita
tivo das forças produtivas ao desenvolvimento e à modernização das
relações de produção; da nova divisão internacional do t rabalho e da
produção à constituição do mercado mundial , influenciando ou arti
culando mercados nacionais e regionais; das formas singulares e par
ticulares do capital ao capital em geral.
N o fim do século XX, reabrem-se espaços e fronteiras, inespera
dos ou recriados, disponíveis ou forçados. Juntamente com a desagre
gação do bloco soviético, com a dissolução do mundo socialista, gene
ralizam-se políticas de desestat ização, desregulação, pr iva t ização,
abertura de mercados, fluxo cada vez mais livre das forças produtivas,
modernização das normas jurídico-políticas e das instituições que or-
ganizam as relações de produção, tudo isso universalizando mais do
que nunca o m o d o capitalista de produção; e o capitalismo como pro
cesso civilizatório.
A ironia da história é que a globalização do capitalismo t o m o u
um papel decisivo na desagregação do bloco soviético e na transição
de cada uma e de todas as nações socialistas de economias central
mente planificadas para economias de mercado. N a s últimas décadas
do século X X , as corporações t ransnacionais , bem c o m o o F M I , o
BIRD e a União Européia, entre outras organizações multilaterais e
transnacionais, passam a desempenhar um papel crescente e decisivo
na institucionalização e dinamização da economia de mercado, volta
do ao capitalismo, nas nações que haviam desenvolvido sistemas eco
nômicos centralmente planificados; sistemas estes considerados bási
cos para a construção da sociedade socialista. O desenvolvimento in
tensivo e extensivo do capitalismo, conforme se havia verificado du
rante a Guerra Fria, acelerou-se ainda mais quando esta terminou, de
vido à Perestroika, à Glasnost, à queda d o M u r o de Berlim, à reunifi
cação da Alemanha e à reativação dos movimentos das forças produ
tivas e das trocas em âmbito mundial . Nessa ocasião, o Leste Euro
peu, a Rússia, as repúblicas formadas com a desagregação da União
Soviética, a China, o Vietnã e outras nações com regimes socialistas
tornaram-se fronteiras de desenvolvimento intensivo e extensivo d o
capitalismo. Um capitalismo que já encontrou forças produtivas bas
tante desenvolvidas, mas que precisou criar, desenvolver e consolidar
relações de produção conseqüentes com as exigências da dinâmica d o
mercado, da reprodução ampliada do capital em escala g loba l . 1 0
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Peter Galuszka, Patricia Kranz e Stanley Reed, "Russia's New Capitalism", Business Week, 10 de outubro de 1994, pp. 36-40; Peter Engardio e Bruce Einhorn, "Vietnam: Asia's Next Tiger?", Business Week, 23 de maio de 1994, pp. 48-55; The Economist, Londres, 30 de outubro de 1993: "A Billion Consumers", suplemento sobre a Ásia, pp. 1-26. 1 1 Carta de Marx a Engels, datada de Londres, 8 de outubro de 1858, publicada em: Marx e Engels, Selected Correspondence, Progress Publishers, Moscou, 1965, pp. 110-111; citação da p. 111.
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 2 Arthur MacEwan, "Notes on U.S. Foreign Investment and Latin America", Monthly Review, vol. 45, n°. 8, Nova York, 1994, pp. 15-26; cita-c io das pp. 15-16.
183
A ironia está em que a globalização do capitalismo é um proces
so cujos primórdios M a r x havia esboçado em várias passagens de seus
escritos sobre a Irlanda, Polônia, Rússia, China, índia, Estados Uni
dos , México, Egito e outras nações, nacionalidades ou colônias e de
pendências d o capitalismo europeu e norte-americano. Em suas análi
ses sobre a dinâmica do capitalismo, sobre a reprodução ampliada do
capital , compreendendo a expansão e potenciação das forças produti
vas, bem como a generalização das relações capitalistas de produção,
em todas as suas análises está a constatação, ou o suposto teórico, de
que a vocação d o capitalismo é mundial, com tendência a influenciar
mais o u menos decisivamente todas as formas de organização d o tra
balho e vida social. "A tarefa específica da sociedade burguesa é o es
tabelecimento do mercado mundial , ao menos em suas linhas gerais, e
da produção baseada neste mercado mundial . Como o mundo é re
dondo , isto parece já ter sido completado pela colonização da Cali
fórnia e Austrália e a abertura da China e J a p ã o . " 1 1
O caráter internacional do capitalismo, que já se prenunciava des
de seus inícios, e revela-se evidente no século XIX, torna-se particular
mente efetivo na segunda metade do século X X , quando adquire to
das as características de um m o d o de produção global.
A grande mudança que define a era econômica do fim do século XX
é que o mundo tornou-se crescentemente capitalista, interligado em
um sistema de relações de comércio e investimentos. Virtualmente,
em todas as partes do mundo a produção é baseada no trabalho
assalariado e está organizada para o lucro. (...) Com o fim da União
182
Soviética, o abandono da pretensão de socialismo através do Leste
Europeu e o abandono de tudo menos a pretensão na China, não há
virtualmente nenhuma alternativa evidente ao capitalismo em cena.
N o que tradicionalmente chamamos Terceiro Mundo — os países
que estabeleceram as suas relações com o capitalismo pela domina
ção colonial — as relações capitalistas de produção estão generaliza
das. Enquanto as nações do Terceiro Mundo por longo tempo têm
estado enredadas em relações comerciais capitalistas, a emergência
das relações capitalistas de produção simplesmente tornaram-se ple
namente dominantes nas décadas recentes. Por toda a economia
mundial, a produção doméstica, fora do nexo capitalista, está rapi
damente dando lugar à atividade mercantil. (...) Portanto, o amplo
debate sobre a "globalização" da vida econômica significa principal
mente a universalização do capitalismo. As relações econômicas no
comércio e investimento estão bem estabelecidas há pelo menos um
século, mas o que é novo na presente era é o grau em que esses laços
mercantis tornaram-se conexões no âmbito do sistema capitalista
mundial ( . . . ) . 1 2
A forma pela qual se dá a globalização do capitalismo reabre, re
cria e supera a controvérsia "imperialismo ou interdependência". Pa
ra que se esclareça, em suas linhas principais, é indispensável que a
controvérsia seja vista em perspectiva simultaneamente histórica e
teórica.
Vista em perspectiva histórica ampla, a globalização vem de lon
ge e envolve diversas formas de organização e dinamização das forças
produtivas e das relações de produção: acumulação originária, mer
cantilismo, colonialismo, imperialismo, interdependência, transnacio
nal ismo e globalismo. São várias, diferentes e inter-relacionadas as
formas pelas quais o capitalismo se desenvolve, transforma e genera-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
liza, ao longo da história e da geografia. São configurações também
assinaladas pelas monarquias universais portuguesa e espanhola, bem
como pela preeminência da Holanda e Inglaterra, eventualmente de
safiada pela França, Alemanha, Rússia e Japão , mas progressivamen
te superadas pela preeminência dos Estados Unidos; o que se concre
tiza de maneira crescente no século XX. Depois da Segunda Guerra
Mundia l , no curso da Guerra Fria, a hegemonia dos Estados Unidos é
disputada apenas pela União Soviética, já que esta liderava o mundo
socialista, com um modo de produção "não-capitalista", que envolvia
ou t ro padrão de organização e dinamização das forças produtivas e
relações de produção. Com o fim da Guerra Fria, as nações que com
punham o ex-mundo socialista transformaram-se em fronteiras de ex
pansão do capitalismo, sob a liderança dos Estados Unidos; uma lide
rança que se divide progressivamente, de maneira mais ou menos di
plomática, com o Japão e a Alemanha, bem como com as corporações
transnacionais.
N a época da globalização propr iamente dita do capital ismo, o
que se concretiza com o fim da Guerra Fria, ou a desagregação do blo
co soviético, é a adoção da economia de mercado por praticamente
todas as nações do e x - m u n d o socialista; nessa época ocor re u m a
transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo, como m o d o
de produção e processo civilizatório. Uma transformação quanti tat i
va e qualitativa no sentido de que o capitalismo se torna concretamen
te global, influenciando, recobrindo, recriando ou revolucionando to
das as outras formas de organização social do t rabalho, da produção
e da vida. Isto não significa que tudo o mais se apaga ou desaparece,
mas que tudo o mais passa a ser influenciado, ou a deixar-se influen
ciar, pelas instituições, padrões e valores sócio-culturais característi
cos do capitalismo. Aos poucos, ou de maneira repentina, os princí
pios de mercado, produtividade, lucratividade e consumismo passam
a influenciar as mentes e os corações de indivíduos, as coletividades e
os povos.
É claro que o globalismo não anula nem a interdependência nem
o imperial ismo. Essas são duas dimensões da real idade histórica e
184
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
geográfica do capitalismo que se reproduzem e se recriam com maior
força ainda. Mais do que nunca, essas categorias são generalizadas,
no sentido de que abarcam indivíduos, coletividades e povos em todos
os continentes, ilhas e arquipélagos. São determinações que se repro
duzem todo o tempo, rei terando, modificando ou mesmo aprofun
dando as desigualdades sociais, econômicas , políticas e cu l tura is .
Pode-se mesmo dizer que a d inâmica da reprodução ampl iada d o
capital, em escala mundial, tem propiciado uma acentuada concentra
ção do poder econômico, agravando a questão social em âmbi to tam
bém mundial .
M a s a interdependência e o imperialismo deixaram de estar basi
camente determinados pelo jogo das relações entre nações dominan
tes , cen t ra i s , desenvolv idas ou indus t r i a l i zadas , p o r um l a d o , e
nações dependentes, periféricas, subdesenvolvidas ou agrár ias , por
outro . Ocorre que a industrialização espalhou-se pelo mundo , inclu
sive provocando uma crescente dissolução do mundo agrário. A nova
divisão internacional do t rabalho, agilizada pelos meios de comuni
cação e t ransporte , cada vez mais apoiados em técnicas eletrônicas,
t ransformou o mundo em uma fábrica e um shopping center globais.
São globalismos decisivamente baseados na organização e dinâmica
das corporações transnacionais, que desenvolvem suas geoeconomias
e suas geopolí t icas em moldes mais ou menos independentes dos
Estados nacionais . M a s , é claro que sempre levam em conta esses
Estados, tan to os dominantes como os dependentes, sempre em con
formidade com as exigências estabelecidas em seus diagnóst icos e
prognós t icos sobre mercados reais e potenciais , bem c o m o sobre
investimentos próprios e associados. As transnacionais são corpora
ções simultaneamente localizadas e desterritorializadas. Enraízam-se
nos mais diversos e distantes lugares, mas também se movem de um
a ou t ro todo o tempo, de acordo com a dinâmica das forças produt i
vas, segundo as exigências da concentração e centralização do capi
tal, concret izando a reprodução ampliada do capital em moldes cres
centemente globais.
Esse é o contexto mais amplo, histórico e teórico, em que a inter-
185
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
dependência e o imperialismo desenvolvem-se além dos próprios limi
tes. N a mesma medida em que a globalização redefine e subordina os
Estados nacionais, inclusive os mais fortes, nessa mesma medida a in
terdependência e o imperialismo são recriados e superados. De fato
cresce mais do que nunca a interdependência. As nações e as naciona
lidades, assim como os indivíduos e as coletividades, tornam-se mais
interdependentes do que nunca. As coisas, as gentes e as idéias dester-
ritorializam-se, a despeito de parecerem enraizadas. N a mesma medi
da em que se ampliam os mercados, agilizam-se as forças produtivas,
concretizadas na nova divisão internacional do t rabalho, na fábrica e
no shopping center globais. Sendo assim, o imperialismo também se
acentua, generaliza e muda de figura. Ainda que os Estados nacionais
mais fortes continuem a desempenhar tarefas imperialistas, formular
geoeconomias e geopolíticas, suas prerrogativas já não são mais aque
las do imperialismo "clássico". Ao lado dos Estados nacionais, mes
mo os mais fortes, já se colocam e impõem as corporações transnacio
nais, que se t ransformaram inclusive em estruturas mundiais de po
der. N a medida em que as corporações adquirem a força, a versatili
dade e a generalidade que se concretizam com a globalização do capi
talismo, nessa mesma medida reduzem-se ou subordinam-se as possi
bilidades dos Estados nacionais, que eram as figuras por excelência do
imperialismo e da interdependência.
Esse dilema se torna um pouco mais claro quando reconhecemos
que as organizações multilaterais, tais como a O N U , o FMI e a OIT,
entre outras, situam-se cada vez mais na confluência dos Estados na
cionais e corporações transnacionais. Ainda que instituídas em termos
multilaterais, o que significa a participação ativa dos Estados, essas
organizações contemplam crescentemente os interesses e os papéis das
corporações. As organizações multilaterais, enquanto estruturas mun
diais de poder, desenvolvem suas atividades reconhecendo também as
transnacionais como estruturas mundiais de poder. Assim, a interde
pendência e o imperialismo são recriados e superados pelo globalis
mo. O globalismo progressivamente subsume boa parte das relações,
186
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 3 David G. Becker, Jeff Frieden, Sayre P. Schatz e Richard L. Sklar, Pos-timperialism (International Capitalism and Development in the Late Twentieth Century), Lynne Rienner Publishers, Boulder & Londres, 1987; James Manor (editor), Rethinking Third World Politics, Longman, Londres, 1991; V.I. Lenin, Imperialism, The Highest Stage of Capitalism, International Publishers, Nova York, 1939.
187
processos e estruturas característicos da interdependência e do impe
rialismo, assim como do nacionalismo e do regionalismo. 1 3
Nos termos em que se desenvolve o capitalismo no fim do século
XX, desde o término da Guerra Fria, logo se reabre a controvérsia
"mercado ou planejamento". Na medida em que os países que com
punham o ex-mundo socialista transformam-se em "fronte i ras" de
expansão do capitalismo, reabre-se a controvérsia. Ela não é apenas
teórica e doutrinária, mas simultaneamente prática, como se pode ob
servar por seus desdobramentos efetivos em cada um e todos esses
países. Envolve governos dos países em que havia regimes socialistas,
ou nos quais o regime político se define como socialista, mas todos
empenhados na transição do planejamento estatal ao mercado aber to .
Envolve empresas estatais e setores sociais de diversos desses países,
ao mesmo tempo que em corporações transnacionais e organizações
multilaterais. Dentre estas destacam-se evidentemente o FMI, o BIRD
e a União Européia (UE), mas cabendo papel especial ao Banco de Re
construção e Desenvolvimento da Europa do Leste (BERD) criado pe
la Europa do Oeste. É claro que aí entram inclusive governos de paí
ses capitalistas dominantes reunidos principalmente no Grupo dos 7 e
os think-tanks reanimados com as perspectivas de produção de diag
nós t icos e p rognós t i cos . M u i t o s economis tas e ou t ro s c ient is tas
sociais, situados em diferentes perspectivas teóricas ou doutr inárias ,
participam mais ou menos ativamente das discussões.
A globalização do capitalismo reaviva a controvérsia mercado ou
planejamento no nível dos setores produtivos, das economias nacio
nais, dos blocos regionais e, obviamente, da economia mundial como
um todo. É claro que essa é uma controvérsia mais ou menos perma-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 4 Albert Waterston, Development Planning (Lessons of Experience), The Johns Hopkins Press, Baltimore, 1969; editado para "The Economic Development Institute: International Bank for Reconstruction and Development"; Edward S. Mason, Economic Planning in Underdeveloped Areas: Government and Business, Fordham University Press, Nova York, 1958; Everett E. Hagen (org.), Planeacion del desarrollo económico, tradução de Fernando Rosenzweig, Fondo de Cultura Económica, México, 1964; Andrew Shonfield, Modern Capitalism (The Changing Balance of Public and Private Power), Oxford University Press, Nova York, 1965.
188
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
volver políticas mais ou menos drásticas e gerais de desestatização,
desregulação, privatização ou liberalização, de m o d o a intensificar a
formação de mercados abertos. Tratava-se de favorecer a dinamiza
ção dos fatores da produção, criar as condições da competi t ividade,
multiplicar as iniciativas empresariais, oferecer quantidades e diversi
dades crescentes de mercadorias, incentivar o consumo. T u d o isso
envolve necessariamente a adoção de novas e renovadas técnicas p ro
dutivas e de t rabalho, assim como de marketing, além da mudança de
mentalidade de empresários, técnicos, assalariados e consumidores .
Uma espécie de "revolução", envolvendo forças produtivas e relações
de produção, compreendendo padrões e valores sócio-culturais, p ro
movendo a substituição de um princípio organizatório básico e geral
como o do "planejamento" por ou t ro princípio organizatório básico
e geral como o do "mercado" . Uma parte importante da guerra ideo
lógica desenvolvida com a Guerra Fria está sintetizada nessa cont ro
vérsia, que no fim do século X X parece vencida pelo princípio d o
mercado.
Mas seria ilusório pensar que o princípio do planejamento está
simplesmente descartado, para todos os efeitos. A realidade é que está
mais vivo do que nunca, ainda que em out ro lugar. As corporações
transnacionais, precisamente as maiores beneficiárias da liberalização
e generalização dos mercados, são especialistas em planejamento. Ba
seiam todas as suas atividades, desde os estudos sobre mercados à mo
bilização de fatores produtivos, unidades produtivas, filiais, revende
dores , terceir ização e t c , em estudos de viabi l idade, d iagnóst icos ,
prognósticos, planos, programas e projetos. T u d o se planeja com ri
gor e sistemática nas corporações transnacionais , inclusive levando
em conta as diversidades e as potencialidades dos mercados, as pecu
liaridades de regimes políticos nacionais, os padrões e valores sócio-
culturais de diferentes grupos sociais, classes sociais, coletividades,
povos, nações e nacionalidades. Aliás, cabe observar que as corpora
ções mobilizam ativamente todos os recursos intelectuais, científicos e
técnicos necessários pa ra apr imorar seus planejamentos, l ançando
mão tanto dos conhecimentos acumulados pelas ciências sociais como
189
nente na história da economia política, ainda que seja reaberta de for
m a mais clara em a lgumas conjunturas . Logo depois da Segunda
Guerra Mundia l , foi generalizada a adesão de governantes, empresá
rios, políticos, tecnocratas, economistas e outros cientistas sociais ao
planejamento governamental , como técnica de reconstrução de eco
nomias nacionais e de industrialização substitutiva de importações em
países d o então Terceiro M u n d o . O Plano Marshall faz parte dessa
história, assim como o FMI e o BIRD (também chamado Banco Inter
nacional de Reconstrução e Desenvolvimento) criados no fim da déca
da de 1940 e engajados ativamente em projetos de desenvolvimento
econômico planificado em países do então Terceiro M u n d o . Fortale
cer as economias dos países dominantes e desenvolver as dos que
compunham o Terceiro M u n d o , principalmente a índia, a África do
Sul e o Brasil, entre outros estrategicamente situados no mundo capi
talista, produzia vários resultados importantes: reduziam-se ou con
trolavam-se tensões sociais potencialmente revolucionárias em países
"subdesenvolvidos" ; criavam-se ou desenvolviam-se mercados , em
sentido lato, convenientes para as economias dos países dominantes ,
o u "desenvolvidos"; e dinamizava-se o capitalismo como um todo ,
fortalecendo-o em face do mundo social ista. 1 4
A controvérsia mercado ou planejamento foi colocada de forma
part icularmente estridente com a desagregação do bloco soviético e
d o conjunto do mundo socialista, quando se colocaram em causa as
economias centralmente planejadas. As economias socialistas, apoia
das no planejamento estatal sistemático e impositivo, passam a desen-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
pelas potencialidades das técnicas da eletrônica, sem esquecer os refi
namentos do marketing.
É claro que o mercado permanece no espaço da competição, as
sim como do monopól io , do oligopólio, do truste, do cartel, d o mo-
nopsônio e de outras manifestações de competição e poder no âmbito
da economia e da sociedade. São contínuas e reiteradas as disputas en
tre corporações e seus produtos no mercado. Aí estão presentes, todo
o t empo, as pequenas e médias empresas, os bancos e seus financia
mentos , as agências governamentais e suas diretrizes. Também o FMI,
o BIRD e a Organização Mundia l do Comércio (OMC) , herdeira do
Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), são organizações mul
tilaterais empenhadas na preservação, consolidação e generalização
dos mercados nacionais, regionais e mundiais, além de sua missão de
guardiães do capital em geral.
M a s o princípio do mercado não elimina o princípio do planeja
mento . Ambos subsistem todo o tempo no âmbi to do capitalismo, em
seus níveis setoriais, nacionais, regionais e mundiais . Mesmo quando
os governos reduzem sua interferência no jogo das forças produtivas,
mesmo nesses casos subsistem diretrizes, estímulos, restrições e puni
ções que orientam decisões e opções dos proprietários dos meios de
produção; o que sempre envolve a institucionalização e o controle das
condições sociais e jurídico-políticas da força de t rabalho.
A Nike está fabricando seus famosos e caros tênis atléticos na Indo
nésia, onde suas operárias trabalham longas horas por um magro
salário mensal de 38 dólares. Wal-Mart, K-Mart e Sears, os grandes
símbolos norte-americanos da venda a varejo, têm as suas camisas
feitas em Bangladesh por mulheres islâmicas culturalmente passivas
trabalhando sessenta horas por semana e ganhando menos que trin
ta dólares por m ê s . 1 5
1 5 Terry Collingsworth, F. William Gold e Pharis F. Harvey, "Labor and Free Trade: Time for a Global New Deal", Foreign Affaire, vol. 73, n°. 1, Nova York, 1994, pp. 8-13; citação da p. 8.
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
É raro , ou apenas uma possibilidade ideal, que os governos e as
agências governamentais se ausentem totalmente do jogo das forças
produtivas e das relações de produção, garant indo oferta de força de
trabalho constante, barata e disciplinada, ou submissa.
Esse cenário em que passam a desenvolver as forças produtivas e
as relações de produção que se produzem e reproduzem, rei teram e
generalizam, como o m o d o capitalista de produção, em âmbi tos na
cional, regional e mundial . A globalização do capitalismo contempla,
todo o tempo, o cont raponto mercado-planej amento . O pleno predo
mínio do princípio do mercado seria o caos. Para evitar que o caos ir
rompa de m o d o avassalador, governantes, proprietários dos meios de
produção, gerentes, técnicos, organizações multilaterais, ou seja, tec-
noest ruturas t ransnacionais ou propr iamente mundiais planejam a
expansão e a consolidação dos empreendimentos, a competição e a
política anti-cíclica, o certo e o incerto. E para isso tudo mobilizam
amplamente os tbink-tanks, como fermentos e agentes dinâmicos das
tecnoestruturas que pensam e implementam o jogo das forças sociais,
econômicas, políticas e culturais que operam no mercado e no plane
jamento.
Conforme já dizia Tinbergen em 1968, o planejamento é uma téc
nica de organização e dinamização das forças do mercado.
A planificação do desenvolvimento tornou-se uma atividade regular
para grande número de corporações, tanto quanto para entidades
governamentais de vários níveis, particularmente governos nacio
nais. Chegou o tempo de formularem-se propostas de criação de uma
organização para todas estas atividades no mais alto nível, isto é, em
nível mundia l . 1 6
1 6 Jan Tinbergen, "Wanted: A World Development Plan", publicado por Richard N. Gardner e Max F. Millikan (editores), The Global Partnership (International Agencies and Economic Development), Frederick A. Praeger Publishers, Nova York, 1968, pp. 417-431; citação da p. 417.
191
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
O planejamento é uma técnica versátil, p o d e n d o influenciar a
rac ional ização das forças produt ivas , inclusive funcionando como
técnica anticíclica. N a medida em que se t raduz em diretrizes, normas
de ação e instituições, envolvendo padrões e valores sócio-culturais e
jurídico-políticos, influencia as relações de produção também em ter
mos de racionalização, sempre em conformidade com as exigências da
reprodução ampliada do capital.
Ocorre que se aplica às economias capitalistas nacionais, tanto
quan to à economia capitalista mundial , a noção de excedente econô
mico potencial. Trata-se de um excedente realizável, desde que a con
jugação das forças produtivas seja a mais eficaz, tendo-se em conta as
relações de produção prevalecentes, que também podem ser moderni
zadas. Em uma interpretação diversa da proposta por Baran, mas ins
pirada na dele, pode-se afirmar que na economia capitalista o plane
j amen to pode ser mobi l izado c o m o uma técnica de real ização do
excedente econômico potencial , naturalmente dos quadros de uma
ordem social burguesa.
Excedente econômico potencial, isto é, a diferença entre o produto
social que poderia ser obtido em um dado meio natural e tecnológi
co, com o auxílio dos recursos produtivos realmente disponíveis, e o
que se pode considerar como consumo indispensável. A transforma
ção desse excedente potencial em efetivo pressupõe a reorganização
mais ou menos drástica da produção e distribuição do produto social
e implica profundas mudanças da estrutura da sociedade. 1 7
N a sociedade burguesa, da mesma forma, ocorrem reorganiza
ções mais ou menos drásticas das forças produtivas e das relações de
produção, de maneira a racionalizar e dinamizar a produtividade e a
1 7 Paul A. Baran, A economia política do desenvolvimento econômico, tradução de S. Ferreira da Cunha, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1960, pp. 35-36; citação do cap. 2: "O Conceito de Excedente Econômico".
192
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
193
lucratividade, sem que necessariamente também haja mudanças drás
ticas na distribuição d o p rodu to social.
Em larga medida, as políticas de "modernização" e "racionaliza
ç ã o " , assim como as de "desregulação", "desestatização" e "liberali
zação" preconizadas pelo FMI e o BIRD, juntamente com as corpora
ções transnacionais, em geral secundados po r ideólogos d o neolibera-
lismo, significam também a criação de condições para a realização do
excedente econômico potencial. Ainda que a expressão "planejamen
t o " nem sempre esteja explícita, a realidade é que as políticas e dire
trizes, ou diagnósticos e prognósticos, das organizações multilaterais
e das corporações destinam-se a orientar e disciplinar o uso de recur
sos, a mobilização de fatores, a modernização de instituições, a racio
nalização de mentalidades e práticas, tudo isso de maneira a aperfei
çoar e dinamizar a produtividade e a lucratividade. Sob várias moda
lidades, permeando inclusive o cont raponto mercado-planejamento,
estão em curso os processos de concentração e centralização d o capi
tal , em escala nacional, regional e mundial .
Para M a r x , a técnica é uma poderosa força produt iva , concreti
zando e dinamizando as potencialidades da ciência. A tecnologia, sob
todas as suas formas, desde a eletrônica à sociologia, p o d e ser uma
força decisiva na potenciação da força de t rabalho. É c laro que a tec
nologia não adquire o caráter de força produtiva a n ã o ser a o lado d o
capital, da força de t rabalho , da divisão do t rabalho social, do mer
cado e do planejamento, entre as principais forças produt ivas . M a s
pode ser fundamental , no sentido de potenciar as ou t ra s forças p ro
dutivas, em especial a força de t rabalho como a força produt iva por
excelência.
Sob a influência da tecnologia, seja na forma de ferramenta ou
computador , seja na de taylorismo ou psicologia d o t r a b a l h o , a força
de t rabalho não só pode ser potenciada como pode intensificar a efe
t ivação de t rabalho excedente e, simultaneamente, d iminui r a d o ne
cessário. Se reconhecemos que o t rabalho necessário destina-se à re
posição da força de t rabalho, é claro que a potenciação d a capacida
de produtiva desta força aumenta o excedente que ela p o d e produzir ,
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
em favor d o proprietár io dos meios de produção . Essa potenciação
efetiva-se com base em equipamentos, processos produtivos, formas
de organização e disciplina dos processos de t rabalho, quando se mo
bilizam os recursos científicos e técnicos das ciências sociais, envol
vendo desde a adminis t ração à psicologia, desde a ant ropologia à
política.
As metamorfoses da ciência em técnica e da técnica em força pro
dutiva correspondem a um desenvolvimento fundamental do m o d o
capitalista de produção . São metamorfoses que multiplicam ampía
la mente as condições e as possibilidades de reprodução ampliada do ca
pital , intensificando o caráter "civilizatório" deste.
Se o processo produtivo torna-se esfera de aplicação da ciência, então
/ (...) a ciência torna-se um fator, uma função, do processo produtivo.
Cada descoberta converte-se na base de novos inventos, ou de um
novo aperfeiçoamento das formas de produção. O modo capitalista
de produção coloca desde o início as ciências naturais a serviço ime
diato do processo de produção, ao passo que o desenvolvimento da
produção oferece, em troca, os instrumentos para a conquista teóri
ca da natureza. A ciência alcança o reconhecimento de ser um meio
de produzir riqueza, um meio de enriquecimento. Desta maneira, os
processos produtivos apresentam-se pela primeira vez como proble
mas práticos, que somente podem ser resolvidos cientificamente. A
experiência e a observação (e as necessidades do próprio processo
produtivo) alcançam agora, pela primeira vez, um nível que permite
e torna indispensável o emprego da ciência. (...) O desenvolvimento
das ciências naturais (que também formam a base de qualquer conhe
cimento), como o de qualquer noção (que se refira ao processo pro
dutivo), realizam-se, por sua vez, com base na produção capitalista
que, pela primeira vez, oferece em ampla medida às ciências os meios
materiais de pesquisa, observação e experimentação. Os homens de
ciência, na medida em que as ciências são utilizadas pelo capital
como meio de enriquecimento e, portanto, convertem-se elas mesmas
em meios de enriquecimento, inclusive para os homens que se ocu-
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
pam do desenvolvimento da ciência, competem entre si nos intentos
de encontrar uma aplicação prática da ciência. 1 8
As metamorfoses da ciência em técnica e da técnica em força pro
dutiva adquirem ritmos crescentes e surpreendentes no século XX. E
na segunda metade desse século, com os desenvolvimentos das ciên
cias naturais e sociais, e suas transformações em técnicas, tudo isso,
agilizado e generalizado pelas conquistas da eletrônica e da informá
tica, impõe outros surtos de potenciação da força produtiva do t raba
lho, em todos os setores da economia, em âmbitos nacional, regional
e mundial .
Esta pode ser considerada uma das características mais notáveis
da globalização do capitalismo: as técnicas eletrônicas, compreenden
d o a microeletrônica, a au tomação , a robótica e a informática, em
suas redes e vias de alcance global, intensificam e generalizam as capa
cidades dos processos de t rabalho e produção. N o mesmo curso da
dispersão geográfica das fábricas, usinas, montadoras e zonas francas,
simultaneamente à nova divisão internacional do t rabalho e p rodu
ç ã o , intensificam-se e general izam-se as tecnologias des t inadas a
potenciar a capacidade produtiva de todas as formas sociais de t raba
lho e produção.
Note-se, no entanto , que as maravilhas da ciência e da técnica não
se t raduzem necessariamente na redução ou eliminação das desigual
dades sociais entre grupos, classes, coletividades ou povos. Ao contrá
r io, em geral preservam, recriam ou aprofundam as desigualdades.
T a n t o é assim que, nas últimas décadas do século XX, as ciências so
ciais estão e laborando conceitos como os de "desemprego estrutural" ,
subclasse", e " Q u a r t o M u n d o " , ou recuperando noções como as de
"marg ina l idade" , "perifer ia" , "pobreza" , "misér ia" e "exc lusão" ,
1 8 Karl Marx, Progresso técnico y desarrollo capitalista, tradução de Raul Crisafio e Jorge Tula, Ediciones Pasado y Presente, México, 1982, pp. 191-193; citação do "Cuaderno XX. Continuación del Cuaderno XIX", escrito por Marx em 1863, pp. 172-193.
195 194
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
para caracterizar as condições sociais de vida não só de grupos e clas
ses, mas de amplas coletividades e, às vezes, povos inteiros. Aliás, é
t a m b é m m u i t o s in tomát ico que na época da global ização sur jam
m o v i m e n t o s sociais t r ansnac iona i s mobi l i zados pa ra preservar e
recriar patr imônios ecológicos ou ecossistemas, ameaçados pelo uso
predatório de recursos naturais ou do meio ambiente principalmente
por parte de corporações transnacionais. "A difusão das atividades
econômicas industriais e dos seus estilos de vida estão exaur indo a
riqueza ecológica básica do nosso planeta, mais rapidamente do que
pode ser restituída. Estão em perigo os recursos naturais dos quais
depende a crescente população m u n d i a l . " 1 9
Sim, as metamorfoses da ciência em técnica e da técnica em força
produtiva permitem intensificar a reprodução do capital e, simulta
neamente, contribuir para a concentração e a centralização do capi
tal. C o m o essas metamorfoses realizam-se sob o controle das corpo
rações transnacionais, muitas vezes apoiadas e estimuladas por go
vernos nacionais e organizações multilaterais, as maravilhas da ciên
cia e da técnica não se t raduzem em diretrizes ou realizações destina
das a reduzir ou eliminar desigualdades sociais, econômicas, políticas
e culturais.
Hoje em dia, tudo parece levar no seu seio a sua própria contradição.
Vemos que as máquinas, dotadas da propriedade maravilhosa de
reduzir e tornar mais frutífero o trabalho humano, provocam a fome
e o esgotamento do trabalhador. As fontes de riqueza recém-desco-
bertas se convertem, por artes de um estranho malefício, em fontes de
privações. Os triunfos da arte parecem adquiridos ao preço de quali
dades morais. O domínio do homem sobre a natureza é cada vez
maior; mas, ao mesmo tempo, o homem se transforma em escravo de
outros homens ou da sua própria infâmia. Até a pura luz da ciência
19 The Group of Green Economists, Ecological Economics (A Practical Programme for Global Reform), Zed Books, Londres, 1992, p. 16.
196
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
2 0 Karl Marx, "Discurso pronunciado na festa de aniversário do People's Paper", em K. Marx e F. Engels, Textos, 3 vols., Editora Alfa-ômega, São Paulo, 1977, vol. Ill, pp. 298-299. Consultar também: Ashis Nandy (editor), Science, Hegemony and Violence (A Requiem for Modernity), The United Nations University, Tóquio, 1990; Loren Baritz, The Servants of Power (A History of the Use of Social Science in American Industry), John Wiley & Sons, Nova York, 1965.
1 9 7
parece só poder brilhar sobre o fundo tenebroso da ignorância. To
dos os nossos inventos e progressos parecem dotar de vida intelectual
as forças materiais, enquanto reduzem a vida humana ao nível de
uma força bruta. Este antagonismo entre a indústria moderna e a
ciência, de um lado, e a miséria e a decadência, de outro, este antago
nismo entre as forças produtivas e as relações sociais da nossa época
é um fato palpável, esmagador e incontrovertível. 2 0
São várias as formas de alienação que se desenvolvem e multipli
cam com o capitalismo, visto como processo civilizatório. N a medida
em que transforma continuamente as condições sociais de vida nos
países em que ele já se encontra enraizado, e revoluciona as condições
sociais de vida em tribos, clãs, nacionalidades e nações nos quais não
havia chegado ou encontrava-se pouco desenvolvido, o m o d o capita
lista de produção provoca a emergência de outras formas de sociabi
lidade. Algumas formas de sociabilidade são realmente inovadoras ,
liberadoras ou deslumbrantes. Abrem novas possibilidades de eman
cipação individual e coletiva, permit indo outras formas de cr iação
também individuais e coletivas. Florescem idéias filosóficas, científi
cas e artísticas, ao mesmo tempo que se criam distintas condições so
ciais de individualização, mobil idade social, organização de movi
mentos sociais e correntes de opinião pública. Também os movimen
tos artísticos podem dispor de outras condições de emergência, desen
volvimento e generalização. A multiplicação dos meios de comunica
ção e as possibilidades de circulação das coisas, gentes e idéias, em
âmbitos nacional, regional e mundial , abrem outros horizontes para
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
2 1 David S. Landes, The Unbound Prometheus (Technological Change and Industrial Development in Western Europe from 1750 to the Present), Cambridge University Press, Cambridge, 1987; Jacob Schmookler, Invention and Economic Growth, Harvard University Press, Cambridge, Mass., 1966.
1 9 8
A D I A L É T I C A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
marca mais ou menos profundamente as configurações e os movimen
tos da sociedade, em níveis local, nacional, regional e mundial .
A burguesia não pode existir sem revolucionar continuamente os ins
trumentos de produção e, por conseguinte, as relações de produção,
portanto todo o conjunto das relações sociais. (...) O contínuo revo
lucionar da produção, o abalo constante de todas as condições so
ciais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época burguesa de
todas as precedentes. Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu
séquito de crenças e opiniões tornadas veneráveis pelo tempo, são
dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se consolidarem.
Tudo o que é sólido e estável se volatiliza, tudo o que é sagrado é pro
fanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobrie
dade e sem ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas. A
necessidade de mercados cada vez mais extensos para seus produtos
impele a burguesia para todo o globo terrestre. Ela deve estabelecer-
se em toda parte, instalar-se em toda parte, criar vínculos em toda
parte. Através da exploração do mercado mundial, a burguesia deu
um caráter cosmopolita à produção e ao consumo de todos os países.
Para grande pesar dos reacionários, retirou de baixo dos pés da in
dústria o terreno nacional. As antigas indústrias nacionais foram des
truídas e continuam a ser destruídas a cada dia. São suplantadas por
novas indústrias, cuja introdução se torna uma questão de vida ou
morte para todas as nações civilizadas; indústrias que não mais em
pregam matérias-primas locais, mas matérias-primas provenientes
das mais remotas regiões, e cujos produtos são consumidos não so
mente no próprio país, mas em todas as partes do mundo. Em lugar
das velhas necessidades, satisfeitas pela produção nacional, surgem
necessidades novas, que para serem satisfeitas exigem os produtos
das terras e dos climas mais distantes. Em lugar da antiga auto-sufi-
ciência e do antigo isolamento local e nacional, desenvolve-se em to
das as direções um intercâmbio universal, uma universal interdepen
dência das nações. E isso tanto na produção material quanto na inte
lectual. Os produtos intelectuais de cada nação tornam-se patrimô-
indivíduos e coletividades. Paralelamente à emergência de formas de
soc iab i l idade i novadora s , l iberadoras ou mesmo des lumbran tes ,
desenvolvem-se também as que limitam, inibem ou propriamente alie
nam. Elas podem ser totalmente novas, ou acrescentam-se às preexis
tentes, podendo recriá-las ou agravá-las. Nestes casos, intensificam as
limitações ou mesmo as mutilações que atingem indivíduos e coletivi
dades, ou mesmo nações e nacionalidades.
Sob vários aspectos, é possível dizer que o capitalismo desacor-
rentou Prometeu do castigo que lhe havia imposto Zeus , por ensinar
aos homens o segredo do fogo, para que pudessem emancipar-se das
forças da natureza. Mas também é possível dizer que Prometeu esca
pou da tutela de Zeus e foi colocado sob a tutela do Capital. O misté
rio da metáfora não foi desfeito, desenvolveu-se, foi refei to. 2 1
Para Marx , o capitalismo é um processo civilizatório, influencian
do mais ou menos radicalmente todas as outras formas de organização
do trabalho e da vida com as quais entra em contato. Configura-se co
mo um modo de produção que nasce, desenvolve-se e generaliza-se,
atravessando as crises, realizando-se por ciclos de curta, média e longa
durações, e transformando-se continuamente. Tanto cria e recria algu
mas de suas determinações estruturais, como transforma-se crescente
mente. Além das forças produtivas que mobiliza todo o tempo, tais
como o capital, a tecnologia, a força de trabalho, a divisão do trabalho
social, o mercado, o planejamento e a violência, entre outras, também
desenvolve e recria simultânea e necessariamente as relações de produ
ção, compreendendo as instituições em geral, as instituições jurídico-
políticas em especial, envolvendo os padrões sócio-culturais, os valores
e os ideais; tudo isso compondo um todo em movimento e complexo,
integrado e contraditório. N o limite, o modo capitalista de produção
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
nio comum. A unilateralidade e a estreiteza nacionais tornam-se cada
vez mais impossíveis, e das numerosas literaturas nacionais e locais
forma-se uma literatura mundial . 2 2
Para M a r x , o capitalismo é um processo civilizatório mundia l .
Ainda que desenvolva pólos mais ou menos poderosos, como na H o
landa, na Inglaterra, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, no
Japão e em outras nações, esses mesmos pólos formam-se e desenvol
vem-se com base em um vasto sistema de relações com tribos, clãs, po
vos, nações e nacionalidades, próximos e remotos , em continentes,
ilhas e arquipélagos. Trata-se de um processo civilizatório que "invade
todo o g lobo" , envolve " o intercâmbio universal" e cria as bases de
"um novo m u n d o " , influenciando, destruindo ou recriando outras for
mas sociais de trabalho e vida, outras formas culturais e civilizatórias.
O período burguês da história está chamado a assentar as bases ma
teriais de um novo mundo: a desenvolver, de um lado, o intercâmbio
universal, baseado na dependência mútua do gênero humano, e os
meios para realizar esse intercâmbio; e, de outro, desenvolver as for
ças produtivas do homem e transformar a produção material num
domínio científico sobre as forças da natureza. A indústria e o comér
cio burgueses vão criando essas condições de um novo mundo do
mesmo modo que as revoluções geológicas criavam a superfície da
Ter ra . 2 3
N ã o se trata de pensar que a sociedade global já estava em M a r x .
Trata-se apenas de reconhecer que algumas das intuições e interpreta-
2 2 Karl Marx e Friedrich Engels, Manifesto do Partido Comunista, tradução de Marco Aurélio Nogueira e Leandro Konder, Editora Vozes, Petrópolis, 1988, pp. 69-70; citação do cap. I: "Burgueses e Proletários". Cabe observar que a primeira edição desse texto data de 1848.
2 3 Karl Marx, "Futuros Resultados do Domínio Britânico na índia", publicado em: Karl Marx e Friedrich Engels, Textos, 3 vols., Edições Sociais, São Paulo, 1977, vol. III, pp. 292-297; citação da p. 297.
200
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
ções desenvolvidas em seus escritos contemplam as dimensões mun
diais do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório.
N o pensamento de M a r x e de alguns de seus continuadores podem en
contrar-se recursos metodológicos e teóricos fundamentais para a in
teligência da globalização. Nessa perspectiva, a sociedade global pode
aparecer complexa e evidente, caótica e transparente; uma totalidade
problemática, contraditória, em movimento. É assim que a sociedade
global, vista em suas configurações e em seus movimentos, revela-se o
novo pa tamar da história. Este é o horizonte a partir do qual se pode
reler o passado, interpretar o presente e imaginar o futuro.
201
CAPÍTULO 9 Modernidade-mundo
A formação da sociedade global reabre a problemática da modernida
de em suas implicações filosóficas, científicas e artísticas. N o âmbi to
da globalização de coisas, gentes e idéias, modificam-se os quadros so
ciais e mentais de referência. Tudo que é evidentemente local, nacional
e regional revela-se também global. As relações, os processos e as es
truturas característicos da globalização incutem em praticamente to
das as realidades preexistentes novos significados, outras conotações.
N a medida em que se dá a globalização do capital ismo, c o m o
modo de produção e processo civilizatório, desenvolve-se simultanea
mente a sociedade global, uma espécie de sociedade civil global em
que se cons t i t uem as condições e as poss ibi l idades de c o n t r a t o s
sociais, formas de cidadania e estruturas de poder de alcance global.
Nessa mesma medida, desenvolvem-se as relações e os processos ca
racterísticos da globalização, formam-se as estruturas do poder eco
nômico e político também característicos da globalização.
Evidentemente a global ização é problemát ica e con t rad i tó r ia ,
compreendendo integração e fragmentação, nacionalismo e regiona
lismo, racismo e fundamentalismo, geoeconomia e geopolítica. Nesse
sentido é que as diversas teorias da globalização oferecem subsídios
para a compreensão de distintos aspectos da sociedade global em for-
205
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
mação . São teorias que priorizam aspectos tais como os seguintes: |
interdependência das nações, a modernização do mundo , as econo-
mias-mundo, a internacionalização do capital, a aldeia global, a ra«]
cionalização do m u n d o e a dialética da globalização, entre outros.
Elas acentuam aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, geoe-
conômicos, geopolíticos e outros da sociedade global em formação.
Ainda que enfatizem os papéis do Estado-nação, a importância de Es
tados hegemônicos e dependentes, as condições da integração regio
nal e mundial , as tensões que produzem a fragmentação e a guerra,
ainda que enfatizem este ou aquele aspecto do nacionalismo e regio
nalismo, ou racismo e fundamentalismo, todas oferecem alguma con
tr ibuição para a inteligência das condições sob as quais se forma a
sociedade global.
Esse é o horizonte em que se reabre a problemática da moderni
dade . C o m o a globalização abala mais ou menos profundamente os
parâmetros históricos e geográficos, ou as categorias de tempo e espa
ço, que se haviam elaborado com base no Estado-nação, nas configu
rações e movimentos da sociedade nacional, logo se reabre a proble
mática da continuidade ou não-continuidade da modernidade; assim
como o debate modernidade ou pós-modernidade. Mui to do que tem
sido a controvérsia sobre "o pequeno relato e o grande re la to" , "o in
dividualismo metodológico e o holismo metodológico" , ou "as inter
pretações micro e macro" , entre outros dilemas, tem algo a ver com a
ruptura epistemológica provocada pela globalização, quando se aba
lam os quadros sociais e mentais de referência com os quais muitos se
haviam habi tuado.
Aliás, é bastante provável que uma parte da produção e do deba
te acerca da pós-modernidade emerja precisamente na época em que
se acentuam os sinais da globalização de coisas, gentes e idéias. Simul
taneamente ao desenvolvimento das relações, processos e estruturas
que abalam os quadros de referência habituais, ocorre um surto de
amplas proporções sobre aspectos filosóficos, científicos e artísticos
da pós-modernidade. Muitos imaginam que está instalado o reino da
fragmentação, da descontinuidade, de desconstrução, da bricolagem,
M O D E R N I D A D E - M U N D O
i Jean Chesneaux, Modernité-monde, Éditions La Découverte, Paris, 1989, pp. 196,198 e 199.
207
do simulacro, da realidade virtual, da dissolução d o t empo e d o espa
ço, do fim da geografia e d o fim da história. A drástica e ampla rup
tura dos quadros sociais e mentais de referência logo provoca a o n d a
da pós-modernidade.
A verdade é que a formação da sociedade global, de par-em-par
com a global ização d o capi ta l i smo, compreend ido c o m o m o d o de
produção e processo civilizatório, logo reabre a problemática da m o -
dernidade-mundo.
N o final de contas, pois, é a sua globalidade simultaneamente estru
tural e planetária que define a modernidade no fim do século XX
como um momento singular. (...) Esta, portanto, é a mutação funda
mental realizada pela modernidade: com a mundialização da econo
mia, o tecnocosmo, a internacionalização da vida social, cria-se um
sistema global sem equivalente na história da humanidade. (...) M o
mento histórico singular: a modernidade-mundo impôs também a
sua singularidade à reflexão histórica e ao saber histórico. 1
Boa parte das produções e controvérsias sobre a modernidade-na-
ção , assim como sobre a modernidade-mundo, coloca o t empo e o es
paço como categorias essenciais; sempre presentes na filosofia, ciência
e a r te . A mode rn idade , e n q u a n t o m o d o de ser de coisas , gentes e
idéias, sempre envolve essas categorias. Elas permitem articular a his
toricidade e a territorialidade, a biografia e a história, o território e o
planeta, a continuidade e a descontinuidade, a sincronia e a diacronia,
a multiplicidade dos espaços e a pluralidade dos tempos, a comunida
de e a sociedade, a evolução e o progresso, a complementaridade e a
ant inomia, a reforma e a revolução, o norte e o sul, o leste e o oeste,
o centro e a periferia, o Ocidente e o Oriente, ou eu e o ou t ro , o local
e o global, o mágico e o fantástico.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Sob muitos aspectos, o tempo e o espaço situam-se no centro da
problemática da modernidade.
Existe um tipo de experiência vital — experiência de tempo e espaço, de
si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da vida — que é com
partilhado por homens e mulheres em todo o mundo, hoje. Designarei
esse conjunto de experiências como "modernidade". Ser moderno é
encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, cres
cimento, autotransformação das coisas em redor — mas ao mesmo tem
po ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que
somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as frontei
ras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia:
nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana.
Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela des
peja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de
luta e contradição, de ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer par
te de um universo no qual, como disse Marx, "tudo que é sólido desman
cha no ar" . 2
Dentre as diversas características da modernidade-mundo, logo se
destacam as novas e surpreendentes formas do tempo e espaço ainda
pouco conhecidas. Além do localismo, nacionalismo e regionalismo,
em geral constituídos com base em noções de tempo e espaço acentua
damente influenciadas pela historicidade e territorialidade do Estado-
2 Marshall Berman, Tudo que é sólido desmancha no ar (A Aventura da Modernidade), tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti, Companhia das Letras, São Paulo, 1986, p. 15. Consultar também: Renato Ortiz, Mundialização e cultura, Editora Brasiliense, São Paulo, 1994, especialmente o cap. III: "Cultura e Modernidade-Mundo"; David Harvey, A Condição pós-moderna, tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stella Gonçalves, Edições Loyola, São Paulo, 1992, especialmente a parte III: "A Experiência do Espaço e do Tempo"; Jurgen ijabermas, O discurso filosófico da modernidade, tradução de Ana Maria Bernardo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1990.
2 0 8
M O D E R N I D A D E - M U N D O
nação, o globalismo abre outros horizontes de historicidade e terri to
rialidade. Como a globalização envolve relações, processos e estrutu
ras de dominação política e apropriação econômica de alcance global,
próprios das condições e horizontes que se abrem com a generalização
do capitalismo, é evidente que logo se instituem outras possibilidades
de realização e imaginação do tempo e espaço. O que já se prenuncia
va nos primeiros tempos do desenvolvimento do capi tal ismo, revela-
se mu i to mais aber ta e general izadamente em fins d o século X X ,
influenciando decisivamente as configurações e os mov imen tos da
sociedade global.
Enquanto que o capital, por um lado, deve tender a destruir toda bar
reira espacial oposta ao comércio, isto é, ao intercâmbio, e a conquis
tar toda a Terra como um mercado, por outro lado tende a anular o
espaço por meio do tempo, isto é, a reduzir a um mínimo o tempo
tomado pelo movimento de um lugar a outro. Quanto mais desenvol
vido o capital, quanto mais extenso é, portanto, o mercado em que
circula, mercado que constitui a trajetória especial de sua circulação,
tanto mais tende simultaneamente a estender o mercado e a uma
maior anulação do espaço através do tempo. (...) Aparece aqui a ten
dência universal do capital, o que o diferencia de todas as formas
anteriores de produção. 3
Desde que se acelerou o processo de global ização d o m u n d o ,
modificaram-se as noções de espaço e tempo. A crescente agilização
das comunicações, mercados, fluxos de capitais e tecnologias, inter
câmbios de idéias e imagens, modifica os parâmetros herdados sobre
a realidade social, o modo de ser das coisas, o andamento d o devir. As
fronteiras parecem dissolver-se. As nações integram-se e desintegram-
3 Karl Marx, Elementos fundamentales para la crítica de la economia política (borrador) 1857-1858, 3 vols., tradução de José Aricó, Miguel Murmis e Pedro Scarón, Siglo Veintiuno Editores, México, 1971-1976, vol. 2, pp. 30-31.
2 0 9
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
se. Algumas transformações sociais, em escalas nacional e mundial,
fazem ressurgir fatos que pareciam esquecidos, anacrônicos. Simulta
neamente, revelam-se outras realidades, abrem-se outros horizontes.
É como se a história e a geografia, que pareciam estabilizadas, voltas
sem a mover-se espetacularmente, além das previsões e ilusões.
É nesse contexto, visto assim em escala global, que se revelam no
vas formas sociais do espaço e tempo. São múltiplas, novas e recria
das, as formas do espaço e tempo desvendadas pelos desdobramentos
da globalização: o local e o global, o micro e o macro, a homogenei
dade e a diversidade, a primazia do presente e a recriação do passado,
a contemporaneidade e a não-contemporaneidade, o norte e o sul, o
Ocidente e o Oriente, o real e o virtual, a experiência e o simulacro, a]
desterritorialização e a miniaturização, a mensagem e o videoclipe, a
velocidade e o instante, o fugaz e o silêncio.
N o âmbito da sociedade global, as formas sociais do espaço e do
tempo modificam-se e multiplicam-se. Dado que a globalização arti
cula, tensiona e dinamiza configurações sociais locais, nacionais, re
gionais, internacionais e transnacionais, multiplicam-se as possibili
dades do espaço e do tempo. Pluralizam-se e entrecruzam-se em mol
des desconhecidos, ainda não codificados. Surpreendem pelas possibi
lidades potenciais escondidas e pelas criações inesperadas. Deslocam
pontos e lugares, ritmos e andamentos, modos de ser e devir.
Todas as velocidades revelam -se não só ultrapassáveis, mas são
de fato ultrapassadas. O trem, automóvel, avião, telefone, telégrafo
tornam-se mais velozes, deixam de ser mecânicos, a vapor ou elétricos
e tornam-se eletrônicos. Correm atrás do computador , fax, telefax,
rede eletrônica, comunicação contínua on Une everywbere tbrough
tbe worldall time in English. A eletrônica e a informática tecem as re
des invisíveis que a tam e desatam coisas, gentes, idéias, palavras, ges
tos, sons e imagens, em todo o mundo . De repente a velocidade excep
cional produz o instante desconhecido, algo momentâneo e fugaz, in
serido no novo mapa do mundo e do movimento da história, anulan
do e inaugurando fronteiras reais e invisíveis, imaginárias e virtuais.
Em qualquer momento, em qualquer lugar, em todo o mundo , a ele-
2 1 0
M O D E R N I D A D E MUNDO
trónica relaciona e prende, ata e desata pessoas, coisas, idéias, pala
vras, gestos, sons e imagens. A velocidade dissolve-se no instante, a
demora apagada pelo fugaz.
Agora o planeta Terra pode ser concebido como plenamente esféri
co, ou plenamente plano, dá na mesma. Os meios de comunicação, in
formação, locomoção ou intercâmbio reduzem as distâncias, obliteram
as barreiras, equalizam os pontos dos territórios, harmonizam os mo
mentos da velocidade, modificam os tempos da duração, dissolvem os
espaços e tempos conhecidos e codificados, inaugurando outros, desco
nhecidos e inesperados. Assim se tem a impressão de que se dissolvem
fronteiras, montanhas, desertos, mares, oceanos, línguas, religiões, cul
turas, civilizações. Cria-se a ilusão de que o mundo se tornou finalmen
te esférico, ou plano. Dissolvem-se as realidades, diversidades e desi
gualdades no mundo dos simulacros e virtualidades, a despeito de que
se reafirmam e desenvolvem as realidades, diversidades e desigualdades.
Mu i to s imaginam que começou a era da pós -modern idade . A
fragmentação do real disperso pelo espaço e despedaçado no tempo
desafia a razão e a imaginação geradas desde o iluminismo. Q u a n d o se
acelera o processo de globalização, dando a impressão de que a geo
grafia e a história chegam ao fim, muitos pensam que entrou a pós-
modernidade, declinou a razão e soltou-se a imaginação. Troca-se a
experiência pela aparência, o real pelo virtual, o fato pelo simulacro, a
história pelo instante, o território pelo dígito, a palavra pela imagem.
T u d o se desterritorializa. Coisas, gentes e idéias, assim como pa
lavras, gestos, sons e imagens, tudo se desloca pelo espaço, atravessa
a duração , revelando-se flutuante, itinerante, volante. Desenraízam-se
dos lugares, esquecem os pretéritos, presentificam-se nos quat ro can
tos do mundo . A sociedade global transforma-se em um vasto merca
do de coisas, gentes e idéias, bem como de realizações, possibilidades
e ilusões, compreendendo também homogeneidades e diversidades,
obsolescências e novidades.
Ao fim desta difícil mutação, o homem se converterá ao mesmo tempo
em portador de objetos nômades e nômade-objeto ele próprio. Seu corpo
2 1 1
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
se cobrirá de próteses e logo ele por sua vez se converterá em prótese, até
vender-se e comprar-se como objeto. 4
O mundo transforma-se em território de todo o mundo. T u d o se
desterritorializa e reterritorializa. N ã o somente muda de lugar, desen-
raíza-se, circulando pelo espaço, atravessando montanhas e desertos,
mares e oceanos, línguas e religiões, culturas e civilizações. As frontei
ras são abolidas ou tornam-se irrelevantes e inócuas, fragmentam-se e
mudam de figura, parecem mas não são. Os meios de comunicação,
informação, transporte e distribuição, assim como os de produção e
c o n s u m o , agil izam-se universa lmente . As descober tas científicas,
transformadas em tecnologias de produção e reprodução material e es
piritual, espalham-se pelo mundo. A mídia impressa e eletrônica, aco
pladas à indústria cultural, transforma o mundo em paraíso das ima
gens, videoclipes, supermercados, shopping centers, Disneylândias.
Esse é o universo da fragmentação. Fragmentam-se o espaço e o
tempo, o pensado e o pensamento, a realidade e a virtualidade, o todo
e a parte . Dissolvem-se modos de ser sedimentados e formas de pen
sar cristalizadas. As linguagens caminham para outras formas de ex
pressar, narrar , soar, desenhar, ilustrar. A narração é atravessada pela
dispersão dos signos, significados e conotações. Inauguram-se novas
formas narrativas: montagem, colagem, bricolagem, videoclipe, afo
rismo, pastiche, simulacro, virtualismo. O grande relato se revela in
satisfatório, ultrapassado, insuficiente. Em lugar da grande narrat iva,
articulação abrangente ou histórica, coloca-se o método aforístico, a
colagem, bricolagem, montagem, videoclipe, pastiche, a pequena nar
ração, a folclorização do singular, a ilusão da ident idade. 5
4 Jacques Attali, Milenio, tradução de R.M. Bassols, Seix Barral, Barcelona, 1991, p. 87.
5 Jean-François Lyotard, O pós-moderno, tradução de Ricardo Corrêa Barbosa, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1986; Fredric Jameson, El posmodernismo o la lógica cultural dei capitalismo avanzado, tradução de José Luis Pardo Torio, Ediciones Paidos, Barcelona, 1991.
212
M O D E R N I D A D E M U N D O
Esse é o clima da pós-modernidade: a história substi tuída pelo
efêmero, pela imagem do instante, pelo lugar fugidio. T u d o se dissol
ve no momen to presente, imediatamente superado pela ou t ra ima
gem, colagem, bricolagem, montagem, mensagem. Assim se deteriora
o passado remoto e imediato. N ã o se interrompem as seqüências nem
as descontinuidades, apenas apagam-se d o horizonte, deixam de ser,
esgarçadas, anuladas. Privilegia-se o dado imediato, evidente, cotidia
no, inesperado, prosaico, surpreendente, fugaz. A violência urbana e
a guerra, da mesma forma que o show da televisão, o futebol, o shop
ping center, ou a Disneylândia são imagens espetaculares d o espetácu
lo cotidiano sucedâneo da experiência da vida das tensões dos movi
mentos da história.
N o âmbito da pós-modernidade, dissolvem-se os espaços e tem
pos herdados do iluminismo, sedimentados na geografia e história, ar
ticulados nas formas de pensamento, organizados nas práticas de gru
pos e classes, part idos e movimentos, nações e nacionalidades, cultu
ras e civilizações. Fragmentam-se as realidades, recorrências e desen
contros, seqüências e descontinuidades; multiplicando-se os espaços e
os tempos imaginários, virtuais, simulacros.
Cada um inventa o espaço e o tempo que quer. Essa l iberdade
multiplica-se muitíssimo na segunda parte do século XX, no limiar do
século X X I . As conquis tas da ciência, t raduzidas em tecnologias ,
abrem muitas possibilidades práticas e imaginárias. Tan to assim que
alguns, os que dispõem de meios e informações, podem desprender-se
dos parâmetros sedimentados, das explicações acumuladas. Podem li
dar com o espaço e o tempo em moldes desconhecidos, tendo a ilusão
de que os parâmetros podem ser modificados à vontade, imaginando
a pós-modernidade.
M a s as metamorfoses do espaço e do tempo não são inocentes.
N ã o ocorrem apenas como produtos da tecnologia, como conquistas
da ciência, já que com freqüência levam o contrabando da ideologia.
N ã o só podem sublimar a experiência como pasteurizar a realidade,
elegendo o simulacro como experiência de fato.
213
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Uma sociedade capitalista exige uma cultura baseada em imagens.
Necessita fornecer quantidades muito grandes de divertimentos a fim
de estimular o consumo e anestesiar os danos causados pelo fato de
pertencermos a determinada classe, raça ou sexo. E necessita igual
mente reunir quantidades ilimitadas de informação, explorar os recur
sos naturais de modo eficiente, aumentar a produtividade, manter a
ordem, fazer a guerra e proporcionar empregos aos burocratas. A du
pla capacidade da câmara de tornar subjetiva e objetiva a realidade sa
tisfaz essas necessidades de forma ideal, e reforça-as. A câmara define
a realidade de dois modos indispensáveis ao funcionamento de uma
sociedade industrial avançada: como seus óculos (para as massas) e
como objeto de vigilância (para os dirigentes). A produção de imagens
fornece também uma ideologia dominante. A transformação social é
substituída por uma transformação das imagens. A liberdade de con
sumir uma pluralidade de imagens e bens equivale à própria liberda
de. A contração da liberdade de opção política em liberdade de consu
mo econômico exige a produção ilimitada e o consumo de imagens. 6
Esse é um processo que vem de longe, desde que a produção, cir
culação, troca e consumo das mercadorias passaram a atender às ne
cessidades reais e imaginárias de uns e outros, desde que uns e outros
p a s s a r a m a delei tar-se o u resignar-se às exigências e delícias das
necessidades reais e imaginárias t rabalhadas, criadas ou recriadas pela
publicidade universal. Nesse momento a experiência se empobrece e a
aparência enriquece.
Pobreza de experiência: não se deve imaginar que os homens aspirem
a novas experiências. Não, eles aspiram a libertar-se de toda expe
riência, aspiram a um mundo em que possam ostentar tão pura e tão
claramente sua pobreza externa e interna, que algo de decente possa
resultar disso. (...) A natureza e a técnica, o primitivismo e o confor-
6 Susan Sontag, Ensaios sobre a fotografia, tradução de Joaquim Paiva, Editora Arbor, Rio de Janeiro, 1981, p. 171.
214
M O D E R N I D A D E - M U N D O
to se unificam completamente, e aos olhos das pessoas, fatigadas com
as complicações infinitas da vida diária e que vêem o objetivo da vida
apenas como o mais remoto ponto de fuga numa interminável pers
pectiva de meios, surge uma existência que se basta a si mesma, em
cada episódio, do modo mais simples e mais cômodo, e na qual um
automóvel não pesa mais que um chapéu de palha, e uma fruta na
árvore se arredonda como gôndola de um balão. (...) Ficamos pobres.
Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio
humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do
seu valor para recebermos em troca a moeda miúda do "atual" . 7
N o âmbi to de u m mesmo e vasto processo, ocorre a substituição
da experiência pela aparência, do fato pelo simulacro, do real pelo
virtual, da palavra pela imagem. É claro que todas essas instâncias
cont inuam válidas e presentes, mas assim revertidas, invertidas. A me
dida que se acelera e generaliza o processo de racionalização das orga
nizações e atividades, das relações e estruturas sociais, com base na
técnica, eletrônica, robótica, informática, telemática, a aparência, o
simulacro, o virtual e a imagem adquirem preeminência na vida social
e povoam o imaginário de todo o mundo . Esse é o ambiente da mídia
impressa e eletrônica, da indústria cultural, da cultura de massa, em
escalas local, nacional e global. Um ambiente em que cidadão, povo,
indivíduo, t rabalhador , negro, branco, árabe, europeu, asiático, lati
no-americano, mulher, homem, adul to , jovem, criança, islâmico, bu
dista, cristão, hindu e assim por diante aparecem como multidão.
As observações de Le Bon sobre a psicologia das multidões torna
ram-se obsoletas, pois é possível apagar a individualidade de cada
um e uniformizar-lhe a racionalidade em sua própria casa. O manejo
7 Walter Benjamin, Magia e técnica, arte e política (Ensaios sobre Literatura e História da Cultura), tradução de Sérgio Paulo Rouanet, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985, pp. 118-119; citação do ensaio intitulado "Experiência e Pobreza".
215
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
teatral das massas ao estilo de Hitler tornou-se supérfluo: para trans
formar o homem em ninguém (e numa criatura que se orgulha de ser
ninguém) já não é preciso afogá-lo na massa nem alistá-lo como
membro real de uma organização de massa. Nenhum método de des
personalizar o homem, de privá-lo dos seus poderes humanos, é mais
eficaz do que o que parece preservar a liberdade da pessoa e os direi
tos da individualidade. E quando o condicionamento é posto em prá
tica separadamente para cada indivíduo, na solidão do seu lar, em
milhões de lares isolados, é incomparavelmente mais eficaz. 8
Nesse sentido é que a mídia se converte em uma espécie nova, sur
preendente, insólita e eficaz de intelectual orgânico dos blocos de po
der que se articulam em escala global. O que já ocorre largamente em
âmbito nacional passa a ocorrer largamente em âmbito mundial . Da
mesma forma que a mídia se globaliza, junto com a economia e polí
tica, a indústria cultural e os meios de comunicação, a eletrônica e a
informática, nessa mesma escala globalizam-se interesses e objetivos,
ideologias e visões do m u n d o daqueles que detêm meios polít icos,
econômicos, sociais e culturais de mando e desmando em escala glo
bal. Tan to é assim que o planeta Terra pode parecer esférico ou pla
no, indiferentemente.
Ocorre que o mundo não se conforma com a pós-modernidade
imaginária ou sonhada . Ao mesmo tempo que solta a imaginação,
articula-se mais ou menos r igorosamente segundo as exigências da
prática pragmática tecnocrática. N a mesma escala em que se solta a
8 Gunther Anders, "O Mundo Fantasmático da TV", Bernard Rosenberg e David Manning White (orgs.), Cultura de massa, tradução de Octavio Mendes Cajado, Editora Cultrix, São Paulo, 1973, pp. 415-425; citação da p. 417. Cabe-se lembrar aqui a frase de Baudelaire: "A suprema glória de Napoleão III terá sido provar que qualquer pessoa pode governar uma grande nação assim que obtém o controle do telégrafo e da imprensa nacional." Conforme David Harvey, Condição pós-moderna, tradução de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, Edições Loyola, São Paulo, 1992, p. 215.
216
M O D E R N I D A D E - M U N D O
pós-modernidade no mundo , o mundo articula-se cada vez mais de
acordo com as exigências da razão instrumental.
Aos poucos, a razão instrumental articula os espaços e tempos ,
modos de produzir e consumir , ser e viver, pensar e imaginar . N o
mesmo ambiente em que se solta a pós-modernidade, solta-se a racio
nalidade. Ordenam-se racionalmente o mercado, a produção e a re
produção, da mesma forma que as condições de vida e as possibilida
des da imaginação. As atividades das pessoas, dos grupos e das clas
ses, da mesma maneira que a vida das nações e nacionalidades, das
empresas e igrejas, dos part idos e universidades, passam a organizar-
se segundo padrões universais de racionalidade, eficácia, produtivida
de, lucratividade. 9
O tempo eletrônico tece cada vez mais a vida de todo o m u n d o .
Aceleram-se e diversificam-se as possibilidades dos diálogos e m o n ó
logos, comunicações e desentendimentos, simultaneamente aos inter
câmbios e comércios, trocas e negócios. A razão instrumental torna-se
eletrônica, tecendo o mundo de m o d o sistemático, pragmático, tudo
sob medida, quantificado. O predomínio do princípio da quant idade
acelera-se por todos os níveis da vida social, generaliza-se por todo o
mundo . N a época da globalização do capitalismo, dos mercados, das
exigências dos negócios, das condições de produtividade e lucro, o
princípio da quantidade estende-se a todas as atividades, produções
culturais, modos de ser, visões do mundo .
Assim como o espaço, o tempo é uma mercadoria provida pelo com
putador, um material para ser moldado tanto quanto possível aos fins
humanos. (...) Um relógio convencional produz somente uma série de
idênticos segundos, minutos e horas; um computador transforma
9 Max Horkheimer, Eclipse da razão, tradução de Sebastião Uchoa Leite, Editorial Labor do Brasil, Rio de Janeiro, 1976. Consultar também: Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, Dialética do esclarecimento, tradução de Guido Antonio de Almeida, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1985.
217
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
segundos, microssegundos ou não-segundos em informação. A enor
me velocidade desta transformação põe a operação do computador
em um universo de tempo que está fora da experiência humana. (...)
O tempo eletrônico é o ponto mais avançado deste desenvolvimento
(do homem ocidental), a mais abstrata e matemática noção de tempo
jamais incorporada à máquina; leva a escala de tempo muito além do
limite inferior da percepção humana. Representa o triunfo final da
perspectiva européia ocidental, quando o próprio tempo se torna
uma mercadoria, um recurso para ser trabalhado tanto quanto um
engenheiro de estruturas trabalha o aço ou o a lumínio. 1 0
T o d o esse universo de coisas, gentes, idéias, realizações, possibili
dades e ilusões articula-se no mercado global tecido principalmente
pelo idioma inglês. O m u n d o transformado em território de que todo
m u n d o fala, pensa e age principalmente por intermédio desse código.
Em geral, o inglês t raduz o pensamento e o pensado, a informação e a
decisão, a compra e a venda, a possibilidade e a intenção.
Uma análise global de expansão da língua inglesa aponta para sua
efetiva cristalização como segundo idioma — 8 5 % das ligações inter
nacionais são conduzidas em inglês, 7 5 % da correspondência mun
dial é em inglês e mais de 8 0 % dos livros científicos publicados são
em inglês. Os executivos japoneses conduzem suas negociações glo
bais em inglês e contam com mil escolas só em Tóquio. N o Japão o
inglês é matéria obrigatória por seis anos. Em Hong Kong, nove de
cada dez alunos estudam inglês. Na China 250 milhões de pessoas
estudam inglês. Até mesmo na França, onde há pouco interesse por
idiomas estrangeiros, a École des Hautes Études Commerciales ago
ra oferece seu clássico curso de gerenciamento comercial em inglês.
Na Europa, aliás, em recente pesquisa encomendada pela Comissão
do Mercado Comum Europeu, o inglês apareceu como o segundo
1 0 J. David Bolter, Turing's Man (Western Culture in the Computer Age), Penguin Books, Middlesex, Inglaterra, 1986, pp. 101,102-103 e 108.
218
M O D E R N I D A D E - M U N D O
11 Paulo Sanchez, "Executivos Adotam o Idioma Inglês", O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 de julho de 1993, p. 1, caderno "Empresas".
1 2 Pier Paolo Pasolini, Os jovens infelizes, organização de Michel Lahud, tradução de Maria Betânia Amoroso, Editora Brasiliense, São Paulo, 1990, pp. 45-46; citação de "Análise Lingüística de um Slogan".
2 1 9
idioma mais falado e ensinado, com 5 1 % contra 4 2 % do francês,
3 3 % do alemão, 2 1 % do italiano e 18% do espanhol . 1 1
O inglês pode ser o idioma da globalização. A maior par te dos
acontecimentos, relações, atividades e decisões expressa-se nesse idio
ma, ou nele se traduz. Assim se articula a eletrônica, da mesma manei
ra que a mídia e o mercado, grande parte da ciência, tecnologia, filo
sofia e arte. Na época da globalização, o inglês se universaliza, comu
nicativo e pragmático, expressivo e informático.
Assim, a linguagem do mercado espalha-se pelo mundo acompa
nhando o mercado. Torna-se presente em muitos lugares, invade qua
se todos os círculos de relações sociais. O mesmo processo de mercan-
tilização universal universaliza determinado modo de falar, taquigra-
far, codificar, pensar. Cria-se uma espécie de língua franca universal:
econômica, racional e moderna, ou prática, pragmática e telemática.
O mesmo processo de globalização do capitalismo mundializa signos
e símbolos, logotipos e slogans, qualificativos e estigmas.
Existe apenas um caso de expressividade — mas de expressividade
aberrante — na linguagem puramente comunicativa da indústria: é o
caso do slogan. De fato, para impressionar e convencer, o slogan
deve ser expressivo. Mas sua expressividade é monstruosa porque se
torna imediatamente estereotipada e se fixa numa rigidez que é o
contrário da expressividade, que é eternamente mutável e se oferece
a uma interpretação infinita. A falsa expressividade do slogan é assim
o ponto extremo da nova língua técnica que substitui a língua huma
nística. É o símbolo da vida lingüística do futuro, isto é, de um mun
do inexpressivo, sem particularismos nem diversidade de culturas,
perfeitamente padronizado e aculturado. 1 2
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
1 3 Jean Chesneaux, Modernité-monde, Éditions La Découverte, Paris, 1989, p. 196.
220
M O D E R N I D A D E - M U N D O
1 4 Anthony Giddens, As conseqüências da modernidade, tradução de Raul Fiker, Editora Unesp, São Paulo, 1991, pp. 69-70.
221
O mundo já está tecido por muitos tecidos, diferentes laços e laça
das, visíveis e invisíveis, reais e imaginários. São redes eletrônicas, in
formáticas, telemáticas, on Une alltime everywhere worldwide in En-
glish. São transnacionais conglomeradas, aliadas e estrategicamente
planejadas produzindo e reproduzindo as forças produtivas organiza
das na nova divisão internacional da produção e trabalho flexível do
pós-fordismo global. São inúmeros supermercados, shopping centers,
Disneylândias, distribuídos no novo mapa do mundo , exibindo merca
dorias globais destinadas às necessidades reais e imaginárias multipli
cadas. O marketing global encarrega-se de anunciar e pronunciar tudo
que é "bom-melhor-ótimo-indispensável-maravilhoso-fantástico".
O mesmo cenário criado com a mundialização do capitalismo ins
titui o m o d o se ser característico da modernidade-mundo; uma mo
dernidade na qual predominam os princípios da mercantilização uni
versal, da tecnificação das condições de vida e t rabalho e da quantifi
cação generalizada em detrimento do princípio da qualidade.
N o final das contas, é a sua globalidade simultaneamente estrutural
e planetária que define a modernidade no fim do século XX como um
momento singular. Globalidade social de um capitalismo onipresen
te e de um sistema social fundado na imbricação e interconexão de
múltiplos processos, estes também cada vez mais complexos.
Globalidade espacial do planeta tecido por redes, pelo mercado mun
dial e pelo tecnocosmo. 1 3
O clima que está sendo criado com a globalização d o capitalismo,
visto como processo civilizatório, cria s imultaneamente o clima da
modernidade-mundo. São padrões e valores sócio-culturais, al tera
ções nas formas de sociabilidade, desenraizamentos de coisas, gentes
e idéias, tudo isto constituindo algo, ou mui to , do estado de espírito
da modernidade-mundo.
A modernidade é inerentemente globalizante. (...) A globalização
pode assim ser definida como a intensificação das relações sociais em
escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que
acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a mui
tas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético por
que tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção
anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transfor
mação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão
lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço . 1 4
Mas esse não é um processo t ranqüilo. Desenvolve-se de m o d o
problemático. Ao mesmo tempo que impulsiona a homogeneização,
equalização ou integração, provoca fragmentações, rupturas , contra
dições. Multiplicam-se desencontros de todos os t ipos, em âmbi tos
local, nacional e mundial , envolvendo relações, processos e estruturas
sociais, econômicos, políticos e culturais. As configurações e movi
mentos da sociedade global descortinam outras possibilidades da geo
grafia e história, novas formas de espaço e tempo, às vezes límpidos e
transparentes, outras vezes caleidoscópicos e labirínticos.
N a época da globalização, as coisas, gentes e idéias ent ram em
descompasso com os espaços e tempos instituídos pela eletrônica. O
andamento das relações, processos e estruturas, das vivências e exis
tências, dos indivíduos e coletividades, das nações e nacionalidades,
das culturas e civilizações, ficou para t rás , ul t rapassado pelo anda
mento simbolizado pela eletrônica, instituindo outros pontos e redes,
out ros r i tmos e velocidades. As fronteiras não são abolidas, dissol
vem-se; as línguas continuam a existir, traduzidas em geral para o in
glês; as moedas nacionais cont inuam a circular, sempre referidas a
uma moeda abstrata geral mundial; as cartografias são redesenhadas
pelo computador ; as histórias são recontadas desde os horizontes da
globalização; as experiências traduzem-se em virtualidades, simula
cros; as palavras progressivamente recobertas pelas imagens.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
222
M O DE RN ID A D E - M U N D O
1« K.M. Panikkar, A dominação ocidental na Ásia, tradução de Nemésio Salles, 3! edição; Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977; Joseph Ki-Zerbo, História da África negra, 2 vols., T. edição, Publicações Europa-América, Lisboa, s/d; J.H. Elliott, El Viejo Mundo y el Nuevo (1492-1650), tradução de Rafael Sánchez Mantero, Alianza Editorial, Madri, 1984; Jacques Lafaye, Los conquistadores, tradução de Elsa Cecilia Frost, 3'. edição, Siglo Veintiuno Editores, México, 1978.
223
E o império da não-contemporaneidade. O passado e o presente,
da mesma maneira que o espaço e o tempo, embaralham-se por todos
os cantos e recantos. A velocidade de algumas transformações é diver
sa das outras . Umas realidades modificam-se em dado ri tmo, ao pas
so que outras em ritmo diferente, além das direções que podem ser di
vergentes. São diversos, muito diversos, os ritmos sob os quais cami
nham coisas, gentes e idéias, assim como realizações, possibilidades e
ilusões. Ampliam-se e generalizam-se os desencontros. Assim como
muitas coisas se equalizam, muitas coisas se desencontram. São pa
drões e valores, modos de ser e agir, de pensar e imaginar, que simul
taneamente combinam-se e tensionam-se. N o âmbito da globalização,
a eletrônica, informática e telecomunicação invadem as atividades e
as relações de todo o mundo . Modernizam-se antes procedimentos do
que temperamentos, antes modos de agir do que de pensar, antes for
mas de imaginar do que de sentir.
Ocorrem defasagens, desníveis, fraturas, anacronismos, dissonân
cias, assincronias, desencontros, tensões. O residual mescla-se com a
novidade, o pretérito com o predominante, o que era com o que não
é. Multiplicam-se as descontinuidades e as repetições, os desencontros
e as tensões. Tudo se estilhaça, despedaça. O espaço e o tempo diver
sificam-se de modo surpreendente, multiplicando-se ao acaso, de mo
do conjugado e disparatado.
Nesse sentido é que o século XX produz um manancial de obso
lescência, simultaneamente às novidades, às inovações de todos os ti
pos , "modern idades" e "pós-modernidades" . N o mesmo sentido é
que as rupturas que acompanham o surto da globalização em curso
no fim do século XX, quando se anuncia o século XXI, inauguram
obsolescências e novidades de cunho social, econômicas, políticas e
culturais, em âmbito individual e coletivo, nacional e mundial . As cri
ses, guerras e revoluções não só expressam rupturas históricas como
revelam e aprofundam as t ramas da não-contemporaneidade. De um
momento para outro , grupos, classes, movimentos, part idos, corren
tes de opinião pública, interpretações da realidade social, estilos de
pensamento, visões do mundo podem tornar-se anacrônicos, exót i -
cos, estranhos, inconvenientes, dispensáveis. Decreta-se o novo e o ve
lho, o arcaico e o moderno , instituindo-se as tradições e obsolescên
cias, novidades e inovações, modernidades e pós-modernidades. Ins
tauram-se outras t ramas de não-contemporaneidade, além das que se
produzem e reproduzem cont ínua ou periodicamente com os movi
mentos da história.
É no âmbito da ruptura histórica, com freqüência envolvendo cri
se, guerra ou revolução, que se inaugura o monumento e a ruína, de
marcando o presente privilegiado e o passado tolerado, recriado ou
simplesmente rejeitado. O s vários surtos de expansão d o capitalismo
no mundo podem ser vistos como arrancadas de criação de novidades
e obsolescências, modernidades e anacronismos, heróis e t ra idores ,
santos apóstatas, monumentos e ruínas. O mercantilismo, o colonia
lismo e o imperialismo, que atravessam a geografia e a história desde
o Renascimento, a Reforma e a Contra-Reforma, ou os pr imórdios d o
capi ta l i smo, en tendido t a m b é m c o m o processo civil izatório, insti
tuem muitas t ramas de não-contemporaneidade, produzindo ruínas
pelos qua t ro cantos do mundo ; ruínas não só no sentido literal, mas
também como metáforas e a legor ias . l s
É bem no seio da não-contemporaneidade que se revelam as ruí
nas, como obras de arte originais, diferentes de suas formas pretéritas
e de suas áureas primordiais. São marcas de lugares e épocas que assi
nalam as metamorfoses do espaço e do tempo, das configurações so
ciais passadas, dos estilos de vida remotos, das visões do m u n d o esba
tidas pela pátina dos tempos. Nas ruínas, a batalha dos tempos carre
ga consigo a batalha entre à natureza e a sociedade, o telúrico e a cul
tura . O mesmo espírito que conforma a natureza à imaginação logo
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
assiste à revolta dessa mesma natureza, transfigurando a obra de ar te
primordial em obra de arte de outra época, com forma diferente e au
ra surpreendente. A ruína não é um fragmento, algo muti lado, destro
çado , só parecendo assim quando vista na ótica do passado. Vista na
ótica d o presente, ela é original, incomparável, surpreendente, preci
samente porque é um produto da imaginação pretérita transfigurado
pela pát ina dos tempos, recriado pelo olhar presente.
A ruína aparece como a vingança da natureza pela violência que lhe
fez o espírito ao conformá-la à sua própria imagem. O processo his
tórico da humanidade como um todo consiste em uma gradual apro
priação da natureza pelo espírito, a qual encontra-se fora dele, mas
também de certa maneira dentro dele. (...) O encanto da ruína con
siste em que uma obra humana é percebida, em definitivo, como se
fosse um produto da natureza. As mesmas forças, que pela erosão,
desagregação, submersão e expansão da vegetação deram às monta
nhas o seu aspecto, demonstram também aqui a sua eficácia nos
muros. (...) O encanto fantástico e supra-sensível da pátina fez-me
basear na misteriosa harmonia pela qual o objeto se embeleza, devi
do a um processo químico-mecánico, e o projeto deliberado do ho
mem converte-se de modo não-deliberado e imprevisível em algo no
vo, com freqüência mais belo, constituindo uma nova unidade. 1 6
Sob vários aspectos, as t ramas da não-contemporaneidade permi
tem desvendar formas insuspeitadas do tempo escondidas na pát ina
da história. A não-contemporaneidade pode ser um momento excep
cionalmente heurístico, quando se trata de surpreender as formas so-
1 6 Georg Simmel, Sobre la aventura (Ensayos Filosóficos), tradução de Gustau Muñoz e Salvador Mas, Ediciones Península, Barcelona, 1988, pp. 117,119 e 120; citações de "Las Ruinas". Consultar também: Cario Carena, "Ruína/Restauro", Enciclopédia Einaudi, vol. 1, "Memória-História", Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Porto, 1985, pp. 107-129; Ian Knizek, "El Extraño Encanto de las Ruinas", Plural, n°. 186, México, 1987, pp. 31-38.
224
M O D E R N I D A D E - M U N D O
ciais do tempo, as configurações e os movimentos da sociedade. N a
época da globalização, ela se revela novamente emblemática, desa
fiando ciência, filosofia e arte.
Esse é o ambiente em que germinam nostalgias e utopias, umas
pretéritas e outras futuras. Diante do novo, inesperado e surpreenden
te surto de globalização, quando as nações, nacionalidades, culturas e
civilizações são desafiadas, mesclam-se, embaralham-se, reafirmam-se
e modificam-se modos de ser, pensar, agir, sentir, fabular. São muitos
os que ficam com saudade do passado, ou do futuro. Às vezes, apenas
negam o presente. M a s outras vezes podem utilizar a nostalgia ou a
utopia para refletir melhor sobre o presente. Em todos os casos, elas
podem ser vistas como sinais de configurações atravessadas pela não-
con temporane idade . Desvendam dimensões heurísticas escondidas
nos desencontros de espaços e tempos gerados pela g loba l ização . 1 7
Note-se que o tema da não-contemporaneidade reaparece de m o
do particularmente acentuado e generalizado na época da globaliza
ção. Q u a n d o se dá um novo surto de expansão do capitalismo, em es
cala mundial , quando o capital reaparece como agente "civilizador",
todas as outras formas sociais de organização da vida e t rabalho são
desafiadas, levadas a subordinar-se formal ou realmente, em certos
casos marginalizar-se. N a medida em que o capitalismo é um proces
so civilizatório de ampla envergadura, combatividade e agressividade,
logo se criam e recriam configurações sócio-culturais atravessadas de
não-contemporaneidade. São aglutinações, integrações e convergên
cias, simultaneamente a desencontros, excludências e antagonismos,
revelando-se em escalas local, nacional e mundial . Um fenômeno que
está sempre presente na realidade social e que tem sempre desafiado o
pensamento científico, filosófico e artístico reaparece muito forte nes-
»7 Roland Robertson, Globalization (Social Theory and Global Culture), Sage Publications, Londres, 1992, especialmente o cap. 10: "Globalization and the Nostalgic Paradigm"; Fredric Jameson, El posmodernismo o la lógica cultural del capitalismo avanzado, citado, especialmente o cap. II: "La Posmodernidad y el Pasado".
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
ta época em que se dá um novo surto de globalização, na esteira do
desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo em escala mun
dial. Mais uma vez, recoloca-se a problemática do desenvolvimento
desigual, contraditório e combinado, atravessando a geografia e a his
tória, desafiando a teoria e a prática nos horizontes da globalização.
" N e m todos estão presentes no tempo presente. Estão apenas exte
r io rmente , pois que podemos vê-los hoje. M a s não é por isso que
vivem no mesmo tempo que os outros. Ao contrár io, carregam consi
go um passado que se inf i l t ra ." 1 8
Vista assim, no contraponto contemporaneidade-não-contempo-
rane idade , a história se revela plena de possibil idades e surpresas.
Além das regularidades e recorrências, das descontinuidades e ruptu
ras, contam-se as reorientações e retrocessos. N o âmbito da dinâmica
da vida social, do movimento das forças sociais, compreendendo tam
bém suas dimensões econômicas, políticas e culturais, o tempo pode
revelar-se múlt iplo e cont radi tór io , progressivo e regressivo, inter
rompido e vazio. A ilusão do progresso, da evolução ou moderniza
ção tem sido atravessada por fraturas e reorientações, re tomadas e
regressões, estabilidades e atonias. Há conjunturas em que o jogo das
forças sociais pode provocar tanto a diversificação como a aceleração,
tan to o declínio como a dissolução. Esse é o contexto em que o con
t raponto contemporaneidade-não-contemporaneidade reaberto pela
globalização revela-se particularmente heurístico, desafiando as ciên
cias sociais, a filosofia e as artes. Permite repensar as formas sociais
do tempo, descobrir algumas de suas formas insuspeitadas, inclusive
sublimadas, como as que se escondem na nostalgia e na utopia.
1 8 Ernst Bloch, Héritage de ce temps, trad. de Jean Lacoste, Payot, Paris, 1978, p. 95. Citação extraída da segunda parte, intitulada "Non-con-temporanéité et enivrement", pp. 37-187. Ainda sobre o problema da não-contemporaneidade: Eric Hobsbawm e Terence Ranger, A invenção das tradições, trad. de Celina Cardim Cavalcante, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1984; Arno J. Mayer, A força da tradição (A Persistência do Antigo Regime), trad. de Denise Bottmann, Companhia das Letras, São Paulo, 1987; Paul Ricoeur (org.), As culturas e o tempo, Editora Vozes, Petrópolis, 1975.
226
M O D E R N I D A D E - M U N D O
1 9 Jorge Luis Borges, Historia de la eternidad, Alianza Editorial, Madri, 1971, p. 24. Richard O'Brien, "La Fin de la Géographie?", publicado por Marie-Françoise Durand, Jacques Lévy e Denis Retaillé, Le monde: espaces et systèmes, Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques & Dalloz, Paris, 1992, pp. 169 e 173. Francis Fukuyama, O fim da Historia e o último homem, tradução de Aulyde Soares Rodrigues, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1992. Perry Anderson, O fim da Historia (De Hegel a Fukuyama), tradução de Alvaro Cabral, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1992.
227
N e m chegou o fim da história nem chegou o fim da geografia. É
apenas ilusória a impressão de que chegou o reino da eternidade. Tan
to é assim, que o planeta Terra não alcançou ainda uma forma acaba
da, podendo parecer plenamente esférico ou plenamente p lano. Mui
tos podem agir, pensar e sentir conforme sua imaginação. M a s esse
mesmo planeta continua atravessado por montanhas e desertos, ma
res e oceanos, ilhas e continentes, nações e nacionalidades, línguas e
religiões, culturas e civilizações. Apenas o mundo fragmentou-se ou
tra vez, num momento , de repente. Os que sonham com a eternidade
escondida n o fim da história e da geografia esquecem que ela se dis
persa pelo espaço e despedaça no t e m p o . 1 9
O s horizontes abertos pela globalização iluminam o presente e re
criam o passado. Grande parte do passado conhecido e desconhecido
é recriada pelo presente. Uma ruptura histórica excepcional, como a
globalização em curso no limiar do século XXI, institui todo um novo
parâmetro para a inteligência e a invenção do passado. É como se o
presente fosse longe, lá longe, em busca de suas origens, raízes. Ao
mesmo tempo que se nega ou recria o passado reconhecido, busca-se
o primordial escondido. Um passado que pode surgir como história e
memória, identidade e pluralidade, simbolizado em heróis e santos,
façanhas e glórias, vitórias e derrotas, monumentos e ruínas. São me
táforas dispersas pelo espaço, despedaçadas no tempo.
As marcas do espaço e tempo podem ser metáforas da mundiali-
zação, ou signos da universalidade descortinada desde os horizontes
da globalização: a queda da Bastilha e a queda do M u r o de Berlim, a
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
2 2 8
M O D E R N I D A D E - M U N D O
indiferença: não se t rata de chegar primeiro a um limite preesta
belecido; ao contrário, a economia do tempo é uma coisa boa, por
que quanto mais tempo economizamos, mais tempo poderemos per
d e r a
A despeito das diversidades e dos desencontros das formas sociais
do tempo, das multiplicidades dos tempos, todos estão relacionados à
vida social, às at ividades dos indivíduos e coletividades, aos movi
mentos da história. Todos se consti tuem e manifestam no âmbito da
fábrica da sociedade, d o t rabalho social. Apresentam-se como condi
ção e p roduto da vida social, compreendendo a comunidade e socie
dade, t r ibo e nação , sociedade nacional e sociedade global. Sabendo
ou não sabendo, podendo ou não organizá-los, tendo que administrá-
los em condições adversas ou precisando submeter-se a suas determi
nações, a realidade é que as diversas e múltiplas formas do tempo p ro -
duzem-se c o m o condição e resul tado d o t r aba lho social, d o m o d o
pelo qual opera a fábrica da sociedade global.
M a s cabe reconhecer que aqueles que detêm os meios de mando e
comando , ou dominação e apropr iação, muitas vezes podem também
instituir o r i tmo das atividades, a duração do t rabalho, a comensura-
bilidade das coisas. Esse é o contexto em que se desenvolve o predo
mínio d o princípio da quan t idade , em det r imento d o princípio da
qualidade.
Tomar apenas a quantidade de trabalho como medida de valor, sem
levar em conta a qualidade, supõe que o trabalho simples se tornou o
fulcro da indústria. Supõe que os trabalhos são equalizados pela
subordinação do homem à máquina ou pela divisão extrema do tra
balho; supõe que os homens se apagam diante do trabalho; supõe
que o movimento do pêndulo tornou-se a exata medida da atividade
20 Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milênio, tradução de Ivo Barroso, Companhia das Letras, São Paulo, 1990, pp. 58 e 59; citação do cap. 2: "Rapidez".
i 229
Mura lha da China e as Pirâmides do Egito, o cabo da Boa Esperanç
e os estreitos de Magalhães, Gibraltar, Suez e Panamá, o Ganges, o
Nilo e o Amazonas, os Andes e o Himalaia, a Revolução Industrial,
Revolução Francesa e a Revolução Soviética, a Reforma, a Contra
Reforma e a Renascença, a Batalha de Mara tona e a Bomba de Hiro
shima, Jerusalém, Roma e Meca, o Velho M u n d o , o Novo Mundo ,
Ásia e a África, Oriente e Ocidente, o Céu, o Inferno e o Paraíso,
Atlântida e o Olimpo. Em lugar da eternidade a humanidade, da mes
ma forma que em lugar do fato a metáfora. Onde não alcança a refle
xão , lá pode chegar a imaginação.
Cada tempo inventa seu tempo. O tempo é uma criação social, u
p roduto da atividade humana, uma invenção cultural. É claro que sã
várias, múltiplas, congruentes e contraditórias as formas sociais d
tempo. Tan to assim que ele pode ser cósmico, geológico, sazonal, his
tór ico, biográfico, mítico, épico, dramát ico, subjetivo, cronológico,
mecânico, elétrico, eletrônico. Mas todos são criações sociais, inven
ções culturais. Mesmo aqueles altamente determinados pela natureza,
cósmicos, telúricos, geológicos ou sazonais, podem ser reelaborados
pela atividade humana, pela t rama das relações sociais, compreenden
do processos e estruturas de dominação e apropriação. Todos estão
presentes na vida social dos indivíduos e coletividades, nações e nacio
nalidades, sociedades e comunidades. É verdade que são diversos pelo
r i tmo e andamento , força e localização, irrelevância e repercussão.
Significam diferentemente, coexistem, convergem, ressoam e negam-
se. Há situações em que uns dão a impressão de recobrir ou suprimir
os outros, mas logo os outros reaparecem, revelam-se.
Numa época em que outros media triunfam, dotados de uma veloci
dade espantosa e de um raio de ação extremamente extenso, arris
cando reduzir toda comunicação a uma crosta uniforme e homogê
nea, a função da literatura é a comunicação entre o que é diverso pelo
fato de ser diverso, não embotando mas antes exaltando a diferença,
segundo a vocação própria da linguagem escrita. (...) Na literatura,
o tempo é uma riqueza de que se pode dispor com prodigalidade e
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
relativa de dois operários, da mesma maneira que o da velocidade de
duas locomotivas. Então, não há por que dizer que uma hora de urfl
homem equivale a uma hora de outro homem; deve-se dizer que O
homem de uma hora vale tanto quanto outro homem de uma hora-
O tempo é tudo, o homem não é nada — quando muito, é a carcaça
do tempo. Não se discute a qualidade. A quantidade decide tudo:
hora por hora, jornada por jornada. 2 1
A mesma racionalização que articula progressivamente as mais
diversas esferas da vida social, acentua e generaliza a alienação de unS
e outros , também em âmbito universal. O que já era um dilema evi '
dente no século XIX, acentua-se no XX e promete aprofundar-se nO
século XXI. A marcha da racionalização caminha de par-em-par com
a alienação, uma e outra determinando-se reciprocamente.
O predomínio da razão instrumental, técnica ou pragmática gene
raliza-se por todos os setores da vida social. Em escala crescente, aS
conquistas da ciência são traduzidas em técnicas de produção e con '
trole social, conforme o jogo das forças sociais, segundo as estruturas
de dominação e apropr iação prevalecentes. Esse é o contexto em que
os desenvolvimentos da ciência, traduzidos em técnicas, aprofundam
e generalizam as mais diversas modalidades de alienação, do p a u p c
r ismo à muti lação.
Hoje em dia, tudo parece levar no seu seio a sua própria contradição.
Vemos que as máquinas, dotadas da propriedade maravilhosa de
reduzir e tornar mais frutífero o trabalho humano, provocam a fome
e o esgotamento do trabalhador. As fontes de riqueza recém-desco-
bertas se convertem, por artes de um estranho malefício, em fontes de
privações. Os triunfos da arte parecem adquiridos ao preço de quali
dades morais. O domínio do homem sobre a natureza é cada vez
maior; mas, ao mesmo tempo, o homem se transforma em escravo de
2 1 Karl Marx, Miséria da Filosofia, tradução de José Paulo Netto, Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1982, pp. 57-58.
M O D E R N I D A D E - M U N D O
outros homens ou da sua própria infâmia. Até a pura luz da ciên< ia
parece só poder brilhar sobre o fundo tenebroso da ignorância^
Todos os nossos inventos e progressos parecem dotar de vida intele<
tual as forças materiais, enquanto reduzem a vida humana ao nível
de uma força material b ru ta . 2 2
O mesmo processo que carrega consigo a racionalização e a alie
nação promove o predomínio do princípio da quantidade, em detri
mento do princípio da qualidade, e realiza a crescente inversão nas re
lações entre os indivíduos e os produtos de suas atividades, produzin
do a subordinação do criador à criatura. A crescente disciplina e 0
progressivo ritmo das organizações, empresas e mercados espalha-se
por todos os cantos e recantos da vida social, impregnando modos de
ser, agir, sentir, pensar e imaginar.
Desde que o ascetismo começou a remodelar o mundo e a nele se
desenvolver, os bens materiais foram assumindo uma crescente e,
finalmente, uma inexorável força sobre os homens, como nunca
antes na história. Hoje em dia — ou definitivamente, quem sabe —
seu espírito religioso safou-se da prisão. O capitalismo vencedor,
apoiado numa base mecânica, não carece mais de seu abrigo. (...)
Ninguém sabe ainda a quem caberá no futuro viver nessa prisão, ou
se, no fim desse tremendo desenvolvimento, não surgirão profetas
inteiramente novos, ou um vigoroso renascimento de velhos pensa
mentos e idéias, ou ainda se nenhuma dessas duas — a eventualidade
de uma petrificação mecanizada caracterizada por esta convulsiva
espécie de autojustificação. 2 3
2 2 Karl Marx, "Discurso pronunciado na festa de aniversário do People's Paper" no dia 14 de abril de 1856, conforme K. Marx e F. Engels, Textos, 3 vols., Edições Sociais, São Paulo, 1977, vol. 3, pp. 298-299.
2 3 Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo, tradução de M. Irene de Q. F. Szmrecsanyi e Tamás J.M.K. Szmrecsanyi, Pioneira Editora, São Paulo, 1967, p. 131.
231 2 3 0
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
2 4 Norbert Elias, Sobre el tiempo, tradução de Guillermo Hirata, Fondo de Cultura Económica, México, 1989, p. 16.
232
M O D E R N I D A D E - M U N D O
pitai, mesmo quando articulada pela sofisticação sistemática eletrôni
ca e telemática.
Tanto o tempo como o espaço são definidos por intermédio da orga
nização de práticas sociais fundamentais para a produção de merca
dorias. Mas a força dinâmica da acumulação (e superacumulação) do
capital, aliada às condições da luta social, torna as relações instáveis.
Em conseqüência, ninguém sabe bem quais podem ser "o tempo e o
lugar certo para tudo" . Parte da insegurança que assola o capitalismo
como formação social vem dessa instabilidade dos princípios espa
ciais e temporais em torno dos quais a vida social poderia ser or
ganizada (quando não ritualizada à feição das sociedades tradicio
nais). Durante fases de troca máxima, as bases espaciais e temporais
de reprodução da ordem social estão sujeitas à ruptura mais severa. 2 5
N o âmbito da sociedade global descortinam-se outras possibilida
des de real ização e imaginação dos r i tmos e ciclos da vida social.
Alteram-se as regularidades e recorrências da história, assim c o m o
suas condições de fraturas e rupturas. A longa duração pode revelar-se
em toda sua amplitude, da mesma maneira que o instante pode adqui
rir sua universa l idade . Q u a n d o se globaliza o m u n d o , q u a n d o a
máquina do mundo passa a funcionar em sua globalidade, o andamen
to de coisas, gentes e idéias, províncias e nações, culturas e civilizações
adquire out ras realidades, diferentes possibilidades. Pode-se pensar
tudo novamente: a longa e a curta durações, o instante e o fugaz, o
ciclo e a era, a regularidade e a recorrência, a continuidade e a ruptu
ra, a diversidade e a contradição, o passado e o presente, o próximo e
o remoto, a racionalização e a alienação, o indivíduo e a humanidade.
2* David Harvey, Condição pós-moderna, tradução Adail Ubirajara Sobral e Maria Stella Gonçalves, Edições Loyola, São Paulo, 1992, p. 218.
A mesma racionalização que prioriza o tempo, o r i tmo, a veloci
dade e a produtividade produz a subordinação do indivíduo à máqui
na, ao sistema, às estruturas de dominação e apropriação prevalecen
tes, promovendo sua alienação. Mais uma vez, o criador é levado a
subordinar-se à criatura.
Já não se pergunta por que nem de que maneira chegou-se a apare
lhos precisamente regulados que medem o tempo em dias, horas e se
gundos, e ao correspondente modelo de autodisciplina individual im
plícito no conhecer que hora é. Compreender as relações entre a es
trutura da sociedade, que possui uma imprescindível e inevitável rede
de determinações temporais, e a estrutura de uma personalidade, que
tem uma finíssima sensibilidade e disciplina de tempo, não constitui
para os membros de tal sociedade nenhum problema grave. Expe
rimentam, em toda a sua crueza, a pressão do tempo horário de cada
dia; e em maior grau — conforme vão crescendo — a pressão dos
anos do calendário. E isto, convertido em segunda natureza, parece
um destino que todos devem assumir. 2 4
Esse o contexto em que se produzem, insti tuem, desenvolvem,
transformam ou declinam as mais diversas formas sociais de tempo:
sazonal, biográfico, genealógico, histórico, mítico, dramático, épico,
cronológico, mecânico, elétrico, eletrônico. Correspondem a distintas
formas de organização social da vida e t rabalho, distintos níveis de or
ganização técnica do processo produtivo, distintas estruturas de apro
priação e dominação. Nesse sentido é que alguns signos são emblemá
ticos. Ao longo dos tempos, o significado de time is money é instituí
do , modificado, dinamizado, generalizado, priorizado ou universali
zado. Inclusive pode tensionar, desorganizar ou romper formas de so
ciabilidade, modos de ser. É sempre instável, ou mesmo precária, a ra
cionalidade instituída pelas regras do mercado, pela dinâmica d o ca-
CAPITULO 10 Sociologia da globalização
Nesta altura da história, no declínio do século X X e limiar do XXI, as
ciências sociais se defrontam com um desafio epistemológico novo .
Seu objeto transforma-se de m o d o visível, em amplas proporções e,
sob certos aspectos, espetacularmente. Pela primeira vez, são desafia
das a pensar o m u n d o como uma sociedade global. As relações, os
processos e as estruturas econômicas, políticas, demográficas, geográ
ficas, históricas, cul turais e sociais, que se desenvolvem em escala
mundial , adquirem preeminência sobre as relações, processos e estru
turas que se desenvolvem em escala nacional. O pensamento científi
co , em suas produções mais notáveis , e l aborado pr imord ia lmente
com base na reflexão sobre a sociedade nacional, não é suficiente para
apreender a constituição e os movimentos da sociedade global.
O paradigma clássico das ciências sociais foi constituído e conti
nua a desenvolver-se com base na reflexão sobre as formas e os movi
mentos da sociedade nacional. Mas a sociedade nacional está sendo
recoberta, assimilada ou subsumida pela sociedade global, uma reali
dade que não está ainda suficientemente reconhecida e codificada. A
sociedade global apresenta desafios empíricos e metodológicos, o u
históricos e teóricos, que exigem novos conceitos, outras categorias,
diferentes interpretações.
237
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
i Immanuel Wallerstein, Unthinking Social Science (The Limits of Nineteenth-Century Paradigms), Polity Press, Cambridge, 1991, p. 246. Citação retirada do cap. 18: "Call for a Debate about the Paradigm", pp. 236-256.
238
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
nos estudos e interpretações sobre: relações internacionais, geopolíti
ca, integração regional, s istema-mundo, economia-mundo, três mun
dos, quatro mundos , Guerra Fria, fim da Guerra Fria, fim da história,
nova divisão internacional do t rabalho, fábrica global, cidade global,
aldeia global, shopping center global, Disneylândia global , p laneta
Te r r a , nor te e sul , O N U , U N E S C O , U N I C E F , F A O , F M I , BIRD,
G A T T , O T A N , N A F T A , M E R C O S U L , Casa da E u r o p a , Es tados
Unidos da Europa, espaço europeu, espaço do Pacífico, imperialismo,
pós-imperialismo, dependência, nova dependência, interdependência,
multilateralismo, multinacional, t ransnacional, ascensão e queda das
grandes potências, Ocidente e Oriente, ciclo Kondratieff, telecomuni
cações, mídia mundial , indústria cultural, cultura internacional popu
lar, marketing global, globalização e fragmentação, novo m a p a d o
mundo , modernidade-mundo, pós-modernidade.
Este é um momento epistemológico fundamental : o pa rad igma
clássico, fundado na reflexão sobre a sociedade nacional, está sendo
subsumido formal e realmente pelo novo paradigma, fundado na re
flexão sobre a sociedade global. O conhecimento acumulado sobre a
sociedade nacional não é suficiente para esclarecer as configurações e
os movimentos de uma realidade que já é sempre internacional, mul
tinacional, t ransnacional, mundial ou propriamente global. É obvio
que a sociedade nacional continua a ter vigência, com seu terr i tório,
sua população, seu mercado, sua moeda, seu hino, sua bandeira, seu
governo, sua constituição, sua cultura, sua religião, sua história, e de
mais formas de organização social e técnica do t rabalho, façanhas, he
róis, santos, monumentos , ruínas. Ela constitui o cenário no qual seus
membros movimentam-se, vivem, t raba lham, lutam, pensam, fabu
lam, morrem. Tan to assim que subsistem e ressurgem nacionalismos,
p rov inc ian i smos , reg iona l i smos , e tn ic ismos, fundamenta l i smos e
identidades em muitos lugares, nos diversos quadrantes d o m u n d o .
Mas a sociedade nacional não dá conta, nem empírica nem metodolo
gicamente, nem histórica ou teoricamente, de toda a realidade na qual
se inserem indivíduos e classes, nações e nacionalidades, culturas e ci
vilizações. Aos poucos, e às vezes de repente, a sociedade global sub-
239
Sempre houve um enorme debate sobre como a sociedade e o Estado
relacionam-se, qual deveria subordinar o outro e qual encarnar os
valores morais mais elevados. Assim, ficamos acostumados a pensar
que as fronteiras da sociedade e do Estado são as mesmas ou, se não,
poderiam (e deveriam) ser. (...) Vivemos em Estados. Há uma socie
dade sob cada Estado. Os Estados têm história e portanto tradições.
(...) Esta imagem da realidade social não era uma fantasia, tanto
assim que teóricos colocados em perspectivas ideográficas e nomoté-
ticas desempenhavam-se com razoável desenvoltura, utilizando esses
enfoques acerca da sociedade e do Estado e alcançando alguns resul
tados plausíveis. O único problema era que, à medida que o tempo
corria, mais e mais "anomalias" revelavam-se inexplicadas nesse
esquema de referência; e mais e mais lacunas (de zonas da atividade
humana não pesquisadas) pareciam emergir, l
Ocorre que a sociedade global não é a mera extensão quanti tat i
va e qualitativa da sociedade nacional. Ainda que esta continue a ser
básica, evidente e indispensável, manifestando-se inclusive em âmbi to
internacional , é inegável que a sociedade global se consti tui c o m o
uma realidade original, desconhecida, carente de interpretações.
A sociedade global já tem sido objeto de estudos e interpretações,
em seus aspectos históricos, políticos, econômicos, culturais, geográ
ficos, demográficos, geopolíticos, ecológicos, religiosos, lingüísticos,
artísticos e filosóficos. Além das indicações e intuições que freqüente
mente aparecem nos estudos sobre a sociedade nacional, multiplicam-
se as reflexões sobre as configurações e os movimentos da sociedade
global. Já são muitos os que pensam a sociedade em âmbi to t ransna
cional, mundial ou propr iamente global, mesmo q u a n d o não estão
utilizando esta noção, mesmo quando cont inuam a pensar a nação.
Em forma sintética, pode-se dizer que essa problemática está presente
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
sume formal ou realmente a sociedade nacional, compreendendo indi
víduo, grupo, classe, movimento social, cultura, língua, religião, moe
da, mercado, formas de t rabalho, modos de vida. Tudo isto continua
vigente, c o m o nacional, com toda sua força original. M a s tudo isto,
s imultaneamente, articula-se dinâmica e contradi tor iamente com as
configurações e os movimentos da sociedade global. Como totalidade
geográfica e histórica, espacial e temporal , em suas dimensões sincrô-
nicas e diacrônicas, a sociedade global se constitui como um momen
to epistemológico fundamental, novo, pouco conhecido, desafiando a
reflexão e a imaginação de cientistas sociais, filósofos e ar t is tas . 2
O s estudos e as interpretações da sociedade global apresentam al
gumas características que merecem ser registradas. Cada uma de per
se, e todas em conjunto, permitem visualizar um pouco melhor tan to
a originalidade do novo objeto das ciências sociais como as dificulda
des epistemológicas que suscita.
Pr imeiro , baseiam-se principalmente nos ens inamentos das se
guintes teorias, mui to correntes nas ciências sociais: evolucionismo,
funcionalismo, sistêmica, estruturalista, weberiana e marxista. Essas
são as que predominam, às vezes em termos bastante sistemáticos, ou
tras vezes utilizadas de m o d o fragmentário. Também há tentativas de
combinar elementos de várias teorias, em formulações ecléticas. Em
muitos casos, no entanto, fica evidente a dificuldade que alguns au to
res enfrentam para libertar-se dos quadros de referência representa
dos pela sociedade nacional, como emblema do paradigma clássico, e
pensar a sociedade global em toda sua originalidade.
Segundo, priorizam determinados aspectos da sociedade global:
econômicos, financeiros, tecnológicos, informáticos, culturais , reli
giosos, políticos, geopolíticos, ecológicos, sociais, históricos, geográ
ficos e outros . São poucos os que formulam abordagens gerais, abran
gentes, integrativas. Também são poucos os que reconhecem que o
conjunto das relações, processos e estruturas, que descrevem e inter-
2 Octávio Ianni, A sociedade global, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1992. A T. edição é de 1993.
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
241
pre tam, diz respeito a um objeto novo , const i tuído pela sociedade
global.
Terceiro, a maioria situa-se em perspectiva que se pode denomi
nar de convencional. Focaliza este ou aquele aspecto da sociedade glo
bal, priorizando antecipadamente uma perspectiva: a superpotência
mundial; uma ou várias das nações dominantes ou centrais no cenário
mundial; uma ou várias nações do ex-Terceiro M u n d o , do sul ou da
periferia, tais como as asiáticas, africanas, latino-americanas e inclu
sive remanescentes do ex-bloco soviético do Leste Europeu; a comuni
dade européia; a classe ou as classes dominantes; as classes subalter
nas, compreendendo trabalhadores assalariados em geral, proletaria
do e campesinato; as etnias "minori tár ias"; a luta pela soberania na
cional, com base em projeto capitalista, socialista ou "terceira via"; a
rede intra e in te rcorporações , cong lomerados ou empresas , com
preendendo muitas vezes alianças estratégicas entre elas; a nova divi
são internacional do trabalho e da produção; a mídia internacional;
um ou ou t ro fundamentalismo religioso, incluindo-se o islamismo,
catolicismo, protestantismo e outros; a luta pela hegemonia mundial
por parte desta ou daquela nação.
Q u a r t o , o método comparat ivo evidentemente está na base de
praticamente todos os estudos e interpretações. Comparam-se nações
e continentes, tecnologias e mercadorias, regimes políticos e políticas
governamentais , indicadores econômicos, financeiros, políticos, so
ciais e culturais, economias estatizadas, mistas e de empresa privada,
mercado e planejamento. Há casos em que a comparação elege rela
ções, processos e estruturas, procurando combinar configurações sin
crónicas e diacrônicas. Em outros casos, comparam-se índices, indica
dores, variáveis. É claro que o recurso ao método comparativo apóia-
se, em última instância, em uma das diversas teorias mobilizadas para
a pesquisa: evolucionismo, funcionalismo, sistêmica, estruturalista,
weberiana ou marxista. Em geral, a comparação toma como referên
cia aberta ou implícita este ou aquele país "moderno" , "desenvolvi
d o " , " industr ial izado", "pós-industrial".
Quin to , são poucos, muito poucos, os que se posicionam nos ho-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
tua-se a distância entre a realidade e o ideal. A diversidade cultural e
o freqüente desentendimento mútuo parece caracterizar o mundo
real. O método comparativo tornou-se central na sociologia precisa
mente como resposta a essa experiência. Foi a realidade do desenvol
vimento social que mudou essa situação. Desde a Segunda Guerra
Mundial, tem havido um crescente reconhecimento, entre sociólogos,
de que a população mundial está envolvida em um único sistema
mundial. "Sociedade", como tal, passa a compreender uma multidão
de "sociedades" que, no contexto de um sistema mais amplo, podem
somente encontrar uma autonomia relativa e condicionada, em gran
de medida como nações-Estados estreitamente entrelaçados. 3
Revertem-se perspectivas e possibilidades de ser de uns e outros ,
em todo o mundo . O local e o global determinam-se reciprocamente,
umas vezes de m o d o congruente e conseqüente, outras de m o d o desi
gual e desencontrado. Mesclam-se e tensionam-se singularidades, par
ticularidades e universalidades.
A globalização pode assim ser definida como a intensificação das
relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de
tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos
ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um pro
cesso dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar
numa direção anversa às relações muito distanciadas que os mode
lam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quan
to a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e espaço.
Assim, quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer
parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa vizinhança
local tende a ser influenciado por fatores — tais como dinheiro mun-
3 Martin Albrow e Elizabeth King (editores), Globalization, Knowledge and Society (Readings from "International Sociology"), Sage Publications, Londres, 1990, p. 155. Citação de "One World Society", introdução de uma das partes da coletânea reunindo textos de diferentes autores.
243 242
rizontes da desterritorialização, uma perspectiva que pode passar pelas
convencionais, mas não se fixa em nenhuma, como a que seria priori
tária, privilegiada ou mais "avançada". Dado o fato de que esse novo
objeto das ciências sociais não só é novo mas é também muito proble
mático, seria apressado estabelecer uma perspectiva como prioritária
ou exclusiva. A fecundidade possível da reflexão sobre a sociedade glo
bal, em suas configurações e movimentos, pode ampliar-se bastante se
o sujeito do conhecimento não permanece no mesmo lugar, deixando
que seu olhar flutue livre e a ten to por mui tos lugares, p róx imos e
remotos, presentes e pretéritos, reais e imaginários.
Sim, a sociedade global é o novo objeto das ciências sociais. Ao
lado da sociedade nacional, vista como um todo e também em suas
partes , as ciências sociais começam a se debruçar sobre a sociedade
global, vista como um todo e também em suas partes. São dois obje
tos presentes, um dos quais bastante conhecido, codificado, interpre
t ado , ao passo que o ou t ro ainda por conhecer-se, explicar-se. A so
ciedade nacional, que pode ser vista como o emblema do paradigma
clássico das ciências sociais, com o qual elas nascem, amadurecem e
cont inuam a desenvolver-se, enquanto que a sociedade global pode
ser vista como o emblema de um paradigma emergente. Envolve um
novo parad igma, t a n t o po rque a sociedade global encontra-se em
constituição, em seus primórdios, como porque carece de conceitos,
categorias, interpretações.
Acontece que a globalização em curso no fim do século X X pode
ser algo muito novo, a despeito da impressão de que parece apenas
cont inuidade. A humanidade de que se falava no passado era uma
idéia, uma hipótese, u m a u topia . A global ização que prenuncia o
século XXI está aí, dada , evidente, esperando ser pensada, revelando
a humanidade como ela começa a ser.
A idéia de humanidade é um pensamento antigo e persistente. Mas
foi uma idéia potencialmente realizável, ou como um ideal a ser pro
curado, que empolgou a atenção de filósofos. N o entanto, na medida
em que se expande a sociedade ocidental, desde o século XVI, acen-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
4 Anthony Giddens, As conseqüências da modernidade, tradução de Raul Fiker, Editora Unesp, São Paulo, 1991, pp. 69-70.
244
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
dências nesse mesmo cenário. Há vínculos antigos e novos que atre
lam nações umas às outras , não só em condições de igualdade, mas
principalmente de desigualdades. Também as organizações interna
cionais, compreendendo regionalismos e globalismos, exercem suas
atividades priorizando interesses de nações com maior poder econô
mico, político, militar, cultural . Essa cont inua a ser uma dimensão
importante do cenário mundial . Simultaneamente, n o entanto , decli
nam e reformulam-se as condições de soberania e hegemonia, em to
dos os quadrantes . Mesmo porque já há centros de poder, em escala
global, que sobrepassam soberanias e hegemonias. As empresas, cor
porações e conglomerados transnacionais, em suas redes e alianças,
em seus planejamentos sofisticados, o p e r a n d o em escala regional ,
continental e global, dispõem de condições para impor-se aos diferen
tes regimes políticos, às diversas estruturas estatais, aos distintos p ro
jetos nacionais.
Esse é o horizonte das noções e metáforas que as ciências sociais
estão sendo desafiadas a criar: aldeia global, fábrica global, cidade
global, nave espacial, desterritorialização, reterri torialização, redes
inter e intracorporações, alianças estratégicas de corporações, nova
divisão internacional do t rabalho, neofordismo, acumulação flexível,
zona franca, mercado global, mercadoria global, moeda global, pla
nejamento global, tecnocosmo, planeta Terra , sociedade civil mun
dial, cidadania mundial , contrato social universal.
N ã o é suficiente transferir conceitos, categorias e interpretações
elaborados sobre a sociedade nacional para a global. Quando se t ra ta
de movimentos , relações, processos e es t ru turas característicos da
sociedade global, não basta utilizar ou adaptar o que se sabe sobre a
sociedade nacional. As noções de sociedade, Estado, nação, par t ido,
sindicato, movimento social, identidade, território, região, t radição,
história, cul tura , soberania, hegemonia, urbanização, industrializa
ção , arcaico, moderno e out ras não se transferem nem se adap tam
facilmente. As relações, processos e estruturas de dominação e apro
priação, integração e antagonismo característicos da sociedade global
exigem também novos conceitos, categorias, interpretações.
245
dial e mercados de bens — operando a uma distância indefinida da vizinhança em questão. 4
Esse é o contexto em que todas as ciências sociais são postas dian
te de novo desafio epistemológico. Muitos de seus conceitos, catego
rias e interpretações são postos em causa. Alguns tornam-se obsole
tos , out ros perdem parte de sua vigência e há os que são recriados.
Mas logo se coloca o desafio de criar novos. N a medida em que a rea
lidade social passa por uma verdadeira revolução, quando o objeto
das ciências sociais se t ransfigura, nesse con tex to descort inam-se
outros horizontes para o pensamento.
Há noções que sofrem uma espécie de obsolescência, em certos
casos parcial, em outros total. O Estado-nação, por exemplo, entra
em declínio, como realidade e conceito. N ã o se trata de dizer que dei
xará de existir, mas que está realmente em declínio, passa por uma fa
se crítica, busca reformular-se. As forças sociais, econômicas, políti
cas, culturais, geopolíticas, religiosas e outras, que operam em escala
mundial , desafiam o Estado-nação, com sua soberania, como o lugar
da hegemonia. Sendo assim, os espaços do projeto nacional, seja qual
for sua tonalidade política ou econômica, reduzem-se, anulam-se ou
somente podem ser recriados sob outras condições. A globalização
cria injunções e estabelece parâmetros, anula e abre horizontes. Mas
o pensamento científico parece um tanto t ímido, surpreso ou mesmo
atôni to , diante das implicações epistemológicas da globalização.
As noções de interdependência, dependência e imperialismo tam
bém estão postas em causa, se admitimos que o Estado-nação está em
crise, enfrenta uma fase de declínio, busca reformular-se. As grandes
e pequenas nações, centrais e periféricas, dominantes e subordinadas,
ocidentais e orientais, ao sul e ao norte, todas se deparam com o dile
ma da reformulação das condições de soberania e hegemonia. É claro
que há blocos geopolíticos, imperialismos, dependências e interdepen-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
5 Talcott Parsons, "Evolutionary Universals in Society", American Sociological Review, vol. 29, n°. 3, Nova York, 1964; Talcott Parsons, Politics and Social Structure, The Free Press, Nova York, 1969, cap. 12: "Order and Community in the International Social System"; Harold D. Lasswell, "World Organization and Society", Daniel Lerner e Harold D. Lasswell (editores), The Policy Sciences, Stanford University Press, Stanford, 1965, cap. VI; Alex Inkles, "The Emerging Social Structure of the World", World Politics, vol. XXVII, n°. 4, Princeton, 1975, pp. 467-495; Wilbert E. Moore, "Global Sociology: The World as a Singular System", The American Journal of Sociology, vol. LXXI, n°. 5, Chicago, 1966, pp. 475-482; Niklas Luh-mann, "The World Society as a Social System", International Journal of General Systems, vol. 8,1982, pp. 131-138; Robert W. Cox, "On Thinking About Future World Order", World Politics, vol. XXVIII, n° 2, Princeton, 1976, pp. 175-196; C.E. Black, The Dynamics of Modernization (A Study in Comparative History), Harper & Row Publishers, Nova York, 1966.
246
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
247
Ocorre que a problemática da globalização encontra-se a inda em
processo de equacionamento empírico, metodológico e teórico. Mais
que isso, apenas começa a ser percebida em suas implicações episte
mológicas. Trata-se de uma realidade que pode ser vista c o m o uma
totalidade em formação. Constitui-se como um jogo de relações, p ro
cessos e estruturas de dominação e apropr iação, integração e contra
dição, soberania e hegemonia, configurando uma totalidade em movi
mento, complexa e problemática. Trata-se de um universo múltiplo,
uma sociedade desigual e contraditória, envolvendo economia, políti
ca, geografia, história, cultura, religião, língua, t radição, identidade,
etnicismo, fundamentalismo, ideologia, utopia. Nesse horizonte, mul
tiplicam-se as possibilidades e as formas do espaço e tempo, o contra
pon to par te- todo, a dialética singular e universal.
São ainda poucas as indicações, intuições e interpretações de que
a sociedade global corresponde a uma nova realidade, uma totalidade
abrangente, subsumindo formal ou realmente as nacionais.
A idéia central é a de que existe um sistema global com vida própria,
independentemente das sociedades nacionais constituídas que exis
tem dentro de suas fronteiras. (...) Embora os estudos sobre o moder
no sistema mundial envolvam grandes divergências quanto ao obje
to , horizontes temporais e metodologias, todos estão de acordo
quanto a duas questões. Primeiro, reconhecem que um sistema mun
dial ou global existe além das sociedades nacionais, que podem ser
estudadas de per se. Reconhecem que a economia mundial, ou o Es
tado do sistema internacional, possuem vida e dinâmica estrutural
próprias, podendo ser identificados e interpretados. Segundo, este
sistema-mundo exerce influência sobre o desenvolvimento e, mais
importante ainda, o subdesenvolvimento das sociedades nacionais
inseridas nas estruturas globais. Não há apenas um sistema-mundo
"lá", mas ele determina o desenvolvimento de áreas dentro das suas
fronteiras. Com efeito, o desenvolvimento ou subdesenvolvimento de
um país tem mais a ver com a sua localização hierárquica na divisão
do trabalho mundial do que com a própria taxa de desenvolvimento
Logo fica evidente que não se trata de dois objetos distintos, com
tessituras e dinâmicas próprias e alheias. Implicam-se reciprocamente,
em articulações sincrónicas e diacrônicas diversas, desde convergentes
e antagônicas. Envolvem possibilidades diferentes no que se refere às
formas do espaço, às durações do tempo. São duas totalidades bastan
te articuladas, cada uma a seu modo, mas reciprocamente referidas,
sendo que a global tende a subsumir formal ou realmente a nacional.
É claro que há autores que reconhecem que as ciências sociais en
contram-se em face das modificações radicais em seu objeto. Reco
nhecem que a globalização implica desafios empíricos, metodológi
cos , teór icos e, p ropr iamente , epistemológicos. M a s agarram-se a
conceitos, categorias e interpretações acumulados com base na refle
x ã o sobre os p rob lemas da sociedade nacional , d o Es tado-nação .
Procuram transferir ou reformular esse patr imônio, induzindo a idéia
de que a sociedade global significa uma ampliação da nacional, quan
do não simplesmente uma soma de nacionais. Inclusive há aqueles que
t o m a m as sociedades "mais desenvolvidas", dominantes ou hegemô
nicas como parâmetro do que pode ser o mundo . Nestes casos, a glo
balização tende a ser vista como europeização, americanização ou
ocidentalização, ainda que se fale em modernização, secularização,
individuação, urbanização, industrialização ou modern idade . 5
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
interno. (...) Denominamos esta ciência emergente da dinâmica glo
bal como globologia, o que simplesmente significa a ciência de distin
tos processos globais, sejam econômicos, políticos ou culturais. Se a
sociologia é a ciência dos sistemas sociais, então globologia é a ciên
cia do sistema global. Globologia, pois, é análoga à sociologia e refe
re-se aos estudos de estruturas e processos do sistema-mundo como
um todo, da mesma forma que a sociologia se refere ao estudo de
estruturas e processos sociais. 6
H á autores, no entanto , que sistematizam de m o d o mais ou me
nos consistente e convincente suas idéias sobre a sociedade global, co
m o um todo em algumas de suas partes. Ultrapassam o nível das indi
cações ou intuições preliminares. Focalizam diretamente a problemá
tica da globalização, colaborando no sentido de equacionar essa pro
blemática em suas implicações empíricas, metodológicas, teóricas e,
em certos casos, também epistemológicas. "Globalização diz respeito
a todos os processos por meio dos quais os povos do mundo são in
co rporados em uma única sociedade mundia l , a sociedade global .
Globalismo é uma das forças que a tuam no desenvolvimento da glo
ba l ização ." 7
A reflexão sobre a sociedade global, em suas configurações e mo
vimentos, t ransborda os limites convencionais desta ou aquela ciência
social. Ainda que haja ênfases e prioridades, quanto a este ou aquele
aspecto da globalização, logo fica evidente que qualquer análise en
volve necessariamente várias ciências. A economia da sociedade glo
bal envolve também aspectos políticos, históricos, geográficos, demo
gráficos, culturais e outros. A cultura da globalização passa pela cul-
6 Albert Bergesen, "The Emerging Science of the World-System", International Social Science Journal, vol. XXXIV, n". 1, Unesco, 1982, pp. 23-36; citação das pp. 23-24.
7 Martin Albrow, "Globalization, Knowledge and Society", publicado por Martin Albrow e Elizabeth King (editores), Globalization, Knowledge and Society (Readings from "International Sociology"), Sage Publications, Londres, 1990, pp. 3-13; citação da p. 9.
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
tura de massa, indústria cultural, mídias impressa e eletrônica, reli
giões e línguas, além de outros aspectos que t ransbordam limites con
vencionais d a antropologia e sociologia. N e m sempre, mas em muitos
casos, os estudos e as interpretações sobre globalização reabrem ques
tões epistemológicas que pareciam resolvidas, quando as ciências so
ciais t raba lhavam principalmente com a sociedade nacional , c o m o
emblema do paradigma clássico.
A questão diante de nós, hoje, é se há algum critério que possa ser usa
do para assegurar, com relativa clareza e consistência, as fronteiras
entre as quatro presumidas disciplinas de antropologia, economia,
ciência política e sociologia. A análise dos sistemas-mundo responde
com um inequívoco 'não' a esta pergunta. Todos os critérios presumí
veis — níveis de análise, objeto, métodos, enfoques teóricos — ou não
são mais verdadeiros na prática ou, se mantidos, são obstáculos a
conhecimentos posteriores, antes do que estímulos para a sua criação. 8
As noções de espaço e tempo, fundamentais para todas as ciências
sociais, estão sendo revolucionadas pelos desenvolvimentos científi
cos e tecnológicos incorporados e dinamizados pelos movimentos da
sociedade global. As realidades e os imaginários lançam-se em outros
horizontes, mais amplos que a província e a nação, a ilha e o arquipé
lago, a região e o continente, o mar e o' oceano. As redes de articula
ções e as alianças estratégicas de empresas, corporações, conglomera
dos, fundações, centros e institutos de pesquisas, universidades, igre
jas, part idos, sindicatos, governos, meios de comunicação impressa e
eletrônica, tudo isso constitui e desenvolve tecidos que agilizam rela
ções, processos e estruturas, espaços e tempos, geografias e histórias.
8 Immanuel Wallerstein, "World-Systems Analysis", publicado por Anthony Giddens e Jonathan H. Turner (editores), Social Theory Today, Polity Press, Cambridge, 1987, pp. 309-324; citação da p. 312; consultar também: Immanuel Wallerstein, Unthinking Social Science (The Limits of Nineteenth-Century Paradigms), Polity Press, Cambridge, 1991, especialmente a parte VI: "World-Systems Analysis as Unthinking".
249 248
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
9 Milton Santos, Técnica, espaço, tempo (Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional), Editora Hucitec, São Paulo, 1994, p. 31 .
250
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
bal colocam esse problema. A reflexão sobre a diversidade n ã o pode
estar ausente, já que implica aspectos empíricos, metodológicos, teó
ricos e propriamente epistemológicos. Logo que se reconhece que a
sociedade global é uma realidade em processo, que a globalização
atinge as coisas, as gentes e as idéias, bem como as sociedades e as
nações, as culturas e as civilizações, desde esse momento está pos to o
p r o b l e m a d o c o n t r a p o n t o g loba l i zação-d ivers idade , ass im c o m o
diversidade e desigualdade, ou integração e antagonismo.
M a s ocorrem posicionamentos exacerbados. Alguns chegam ao
extremo de autonomizar o diferente, o diverso, o suigeneris. Apegam-
se ao local e esquecem o global, imaginando que o singular prescinde
d o universal. Enfatizam a diferença, to rnando-a original, es t ranha,
exótica; ou elegendo-a primordial , isenta, ideal. Incorrem no etnocen-
t r ismo ocidentalizante que pretendem criticar, t o m a n d o o " o u t r o " ,
que querem resgatar e proteger, em um ente abstra to , descolado da
realidade, da t rama que o constitui como diferente. Alimentam u m a
nostálgica utopia escondida no própr io imaginário. Outros subordi
n a m toda diversidade à globalidade. Reconhecem a diversidade, mas
n ã o a contemplam, n ã o percebem sua originalidade. Esquecem que o
local pode não só afirmar-se como recriar-se no cont raponto com o
global. Natura lmente entre esses dois extremos, uns priorizando o lo
cal e out ros o global, há toda uma gama de posições. Revelam-se nas
reflexões sobre os mais diversos aspectos da realidade.
Nesse contexto metodológico é que se si tuam algumas das con
trovérsias correntes nas ciências sociais. Uns preocupam-se com a di
versidade, procurando a identidade e protestando contra a globalida
de . Out ros contrapõem o saber local ao global, falando em
"indigenização" ou "crioulização" das ciências sociais, fazendo
reservas ou oposição à "ocidentalização". /
H á u m a
crescente demanda pela "indigenização" das ciências sociais n o
Oriente Médio e no Sudoeste Asiático, em substituição à ocidentali-
251
O local e o global estão distantes e próximos, diversos e iguais. As
identidades embaralham-se e multiplicam-se. As articulações e as ve
locidades desterritorializam-se e reterritorializam-se em outros espa
ços, com outros significados. O m u n d o se torna mais complexo e mais
simples, micro e macro , épico e dramático.
Há, hoje, um relógio mundial, fruto do progresso técnico, mas o tem-
po-mundo é abstrato, exceto como relação. Temos, sem dúvida, um
tempo universal, tempo despótico, instrumento de medida hegemôni
co, que comanda o tempo dos outros. Esse tempo despótico é respon
sável por temporalidades hierárquicas, conflitantes, mas convergen
tes. Nesse sentido todos os tempos são globais, mas não há um tem
po mundial. O espaço se globaliza, mas não é mundial como um
todo, senão como metáfora. Todos os lugares são mundiais, mas não
há um espaço mundial. Quem se globaliza, mesmo, são as pessoas e
os lugares. 9
A rigor, a reflexão sobre a sociedade global reabre questões episte
mológicas fundamentais: espaço e tempo, sincronia e diacronia, micro
e macro, singular e universal, individualismo e holismo, pequeno relato
e grande relato. São questões que se colocam a partir do reconhecimen
to da sociedade global como uma totalidade complexa e problemática,
articulada e fragmentada, integrada e contraditória. Simultaneamente
às forças que operam no sentido da articulação, integração e até mesmo
homogeneização, operam forças que afirmam e desenvolvem não só as
diversidades, singularidades ou identidades, mas também hierarquias,
desigualdades, tensões, antagonismos. São forças que alimentam ten
dências integrativas e fragmentárias, compreendendo nação e naciona
lidade, grupo e classe sociais, provincianismo e regionalismo, localismo
e cosmopolitismo, capitalismo e socialismo.
É óbvio que a globalização envolve o problema da diversidade.
Praticamente todos os estudos e interpretações sobre a sociedade glo-
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
K> Mona Abaza e Georg Stauth, "Occidental Reason, Orientalism, Islamic Fundamentalism: A Critique", publicado por Martin Albrow e Elizabeth King (editores), Globalization, Knowledge and Society, citado, pp. 209-230; citação da p. 211.
1 1 Roland Robertson, Globalization (Social Theory and Global Culture), Sage Publications, Londres, 1992, p. 173. Consultar: International Social Science Journal, n°. 117, Unesco, 1988, número especial sobre "The Local-Global Nexus"; Clifford Geertz, Savoir local, savoir global (Les Lieux du Savoir), tradução de Denise Paulme, Presses Universitaires de France, Paris, 1986.
252
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Em bom entendimento, não se t rata de priorizar um ou ou t ro mo
mento da realidade e da reflexão. É claro que a análise da sociedade
global envolve sempre a t r ibo, nação e nacionalidade, a história e geo
grafia, a cultura e civilização, o indivíduo, grupo e classe, o sindicato,
o part ido político, o^movimento social e corrente de opinião pública,
a indústria e agricultura, o mercado e planejamento, o campo e cida
de, a identidade, a diversidade, a desigualdade e contradição, a sobe
rania e hegemonia, a reforma e revolução, a paz e guerra.
Em todos os casos está em causa o cont raponto local-global, par
te e todo , micro e macro, individualismo e holismo. Em todos os ca
sos, os momentos lógicos da reflexão científica necessariamente en
volvem a dialética singular e universal. N ã o se trata de priorizar um
m o m e n t o , em det r imento do ou t ro , mas reconhecer que ambos se
constituem reciprocamente, articulados harmônica, tensa e contradi
tor iamente , envolvendo múltiplas mediações. São mediações indis
pensáveis e secundárias, evidentes e insuspeitadas, próximas e remo
tas. Podem ser signos com sinais t rocados, reversos, recriados.
Nesses termos é indispensável que toda reflexão sobre a socieda
de global contemple tanto a diversidade como a globalidade, reconhe
cendo que ambas se constituem simultânea e reciprocamente. Q u a n d o
isso não ocorre, a reflexão arrisca-se a permanecer na mera descrição,
ideologizar este ou aquele momento da análise, ou ficar a meio cami
nho da interpretação. É difícil, na verdade impossível, que o conceito,
a categoria ou a interpretação deixem de contemplar o cont raponto
singular-universal . 1 2
N o conjunto, os estudos e as interpretações sobre a sociedade glo
bal, em suas configurações e em seus movimentos, permitem algumas
12 Charles Bright e Michael Geyer, "For a Unified History of the World in the Twentieth Century", Radical History Review, n°. 39,1987, pp. 69-91; George E. Marcus, "Past, Present and Emergent Identities: Requirements for Ethnographies of Late Twentieth-Century Modernity Worldwide", Anais da 17a. Reunião, Associação Brasileira de Antropologia, Florianópolis, 1990, pp. 21-46.
zação e importação das ciências sociais "distorcidas". Recentemente
deflagrou-se um clamor pela pureza dos traços culturais. Aqueles, no
entanto, que pedem autenticidade pela "indigenização" podem não
estar ainda cientes de que o saber local, sobre o qual querem cons
truir uma alternativa, há muito tempo tem sido parte das estruturas
globais; ou de que desempenham uma parte do jogo da cultura glo
bal, que também pede a "essência" da verdade local.io
Neste ponto , cabe relembrar que o problema da diversidade está
sempre presente nas configurações e movimentos da sociedade global.
Seria impossível imaginar a globalização sem a multiplicidade dos
indivíduos, grupos, classes, tr ibos, nações, nacionalidades, cul turas
etc. São estes que se globalizam, ao acaso ou por indução, sabendo ou
não. Da mesma forma que são estes que vivem, agem, pensam, ade
rem, protestam, mudam, transformam-se.
O capitalismo global simultaneamente promove e é condicionado
pela homogeneidade cultural e pela heterogeneidade cultural. A pro
dução e consolidação da diferença e variedade é um ingrediente
essencial do capitalismo contemporâneo, que é, em todos os casos,
crescentemente envolvido na múltipla variedade de micromercados
(nacional, cultural, racial e étnico, de gênero, socialmente estratifica
do e assim por diante). Ao mesmo tempo, o micromercado ocorre no
contexto das crescentes práticas econômicas universais-globais. 1 1
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
observações do ma io r interesse pa ra o esclarecimento desse novo
objeto das ciências sociais.
Primeiro, a sociedade global se constitui desde o início como uma
total idade problemática, complexa e contraditória, aberta e em movi
mento . Está impregnada e atravessada por totalidades t ambém notá
veis, às vezes também decisivas, ainda que subsumidas formal ou real
mente pela totalidade mais ampla, abrangente, global: Estado-nação,
bloco geopolítico, sistema econômico regional, grande potência, em
presa t ransnacional , O N U , FMI, BIRD, indústria cultural e outras;
t ambém tr ibo, nação, nacionalidade, etnia, religião, língua, cultura e
outras realidades também fundamentais. As próprias formas de pen
samento inserem-se na dinâmica da sociedade global, em seu todo ou
em suas partes, operando no sentido da constituição de todos os su
bordinados, ou da constituição da sociedade global como uma totali
dade abrangente, sempre problemática, complexa e contraditória.
Segundo, a sociedade global é o cenário mais amplo do desenvol
vimento desigual, combinado e contradi tór io . A dinâmica do todo
não se distribui similarmente pelas partes. As partes, enquanto distin
tas totalidades também notáveis, consistentes, t an to produzem e re
produzem seus próprios dinamismos como assimilam diferencialmen-
te os dinamismos provenientes da sociedade global, enquanto totali
dade mais abrangente. É no nível do desenvolvimento desigual, com
binado e contradi tór io , que se expressam diversidades, localismos,
singularidades, particularismos ou identidades. Às vezes, os localis
mos, provincianismos ou nacionalismos podem exacerbar-se, precisa
mente devido aos desencontros, às potencialidades e dinâmicas pró
prias de cada um, de cada parte; e t ambém devido às potenciações
provenientes da dinâmica da sociedade global, das relações, processos
e estruturas que movimentam o todo abrangente. Sob vários aspectos,
a ressurgência de nac ional i smos , regional ismos, p rov inc ian i smos ,
etnicismos, fundamental ismos e identidades são fenômenos que se
esclarecem melhor quando vistos nos horizontes dos rearranjos e ten
sões provocados pela emergência da sociedade global. N a medida em
que esta debil i ta o Es t ado -nação , reduz os espaços da sobe ran i a
S O C I O L O G I A DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
nacional, transforma a sociedade nacional em província global, nessa
medida reflorescem identidades pretéritas e presentes, novas e anacrô
nicas. Também por isso a globalização não significa nunca homoge
neização, mas diferenciação em outros níveis, diversidades com ou
tras potencialidades, desigualdades com outras forças. Nesse horizon
te, a sociedade global pode ser vista como uma totalidade desde o iní
cio problemática, no sentido^ de complexa e contraditória; atravessa
da pelo desenvolvimento desigual, combinado e contraditório, que se
especifica no âmbi to de indivíduos, grupos , classes, t r ibos , nações ,
sociedades, culturas, religiões, línguas e outras dimensões singulares
ou particulares.
Terceiro, na medida em que se constitui e desenvolve a sociedade
global, como emblema de um novo paradigma das ciências sociais, al
guns conceitos, categorias e interpretações podem tornar-se obsole
tos, exigir reelaborações ou ser articulados com novas noções suscita
das pela reflexão sobre a globalização. Já são diversas as noções que
começam a povoar o pensamento global: globalização, desterritoriali-
zação , re terr i tor ia l ização, minia tur ização, cul tura mundia l , aldeia
global, cidade global, shopping center global, Disneylândia global, fá
brica global, nova divisão internacional do t rabalho, redes de articu
lações intra e intercorporações, alianças estratégicas de corporações,
modernidade-mundo, s is tema-mundo, economia-mundo, comunica-
ção-mundo, publicidade global, espaço europeu, espaço do Pacífico,
capitalismo global, moeda global, capital global, terceiromundializa-
ção do Primeiro M u n d o , exército industrial ativo e de reserva global,
planeta Terra , sociedade civil mundial , c idadão do mundo , cont ra to
social mundial , pensamento universal.
Qua r to , nos horizontes abertos pela sociedade global, a história
universal deixa de ser uma fantasia, metáfora ou utopia. N a medida
em que se organiza e movimenta, as histórias das nações e nacionali
dades inserem-se de forma cada vez mais dinâmica nos movimentos
da história universal. As nações e as nacionalidades cont inuam a de
senvolver-se com r i tmos marcados por suas singularidades e t rad i
ções, forças, dinâmicas, historicidades, míticas. Simultaneamente, no
254 255
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
entanto , umas e outras são influenciadas pelos andamentos da histó
ria universal. Esse é o contexto em que se instauram algumas das no
vas condições da duração, curta, média ou longa, histórica ou mítica.
Já não é mais apenas a grande potência, a metrópole imperialista, que
incute de m o d o mais ou menos exclusivo seu andamento neste ou na
quele segmento, ou em grande parte do mundo . Desde que se forma e
desenvolve a sociedade global, com sua economia política, sua dinâ
mica sócio-cultural, desde esse momento as histórias nacionais ten
dem a ser, em alguma medida, subsumidas pela história universal.
Quin to , é no âmbito da sociedade global, com sua economia polí
tica, dinâmica sócio-cultural, historicidade complexa e contraditória,
é no âmbito dessa sociedade que se concretizam as possibilidades do
pensamento global. O que era fantasia, metáfora ou utopia, quando o
pensamento se propunha pensar o mundo, equacionar a razão univer
sal, imaginar o cosmopolit ismo, diagnosticar as contradições univer
sais, mergulhar nas opacidades do real, quando se forma a sociedade
global, tudo isso pode adquirir outro significado, novas possibilida
des. Nesse sentido é que a emergência da sociedade global permite re
pensar a dialética da história esboçada por M a r x ; ou a teoria da racio
nalização generalizada sugerida por Weber. Talvez se possa dizer que
sem Weber e Marx , fundamentalmente mas não exclusivamente, não
é possível pensar, em toda sua abrangência e complexidade, a socie
dade global que se forma no limiar do século XXI. Out ra vez, no en
tan to , isto não significa que se torna possível a transferência ou adap
tação pura e simples de conceitos, categorias, interpretações. Pode-se
af i rmar que as obras de M a r x e Weber cons t i tuem duas matr izes
excepcionalmente fecundas para pensar-se configurações e movimen
tos da sociedade global. Pensar, compreender e explicar essa socieda
de, tan to em suas singularidades e particularidades como nos horizon
tes da história universal.
256
Bibliografia
Abaza, Mona e Stauth, Georg, "Occidental Reason, Orientalism, Islamic Fundamentalism: A Critique", em: Martin Albrow e Elizabeth King (editores), Globalization, Knowledge and Society, Sage Publications, Londres, 1990.
Adorno, Theodor W. e Horkheimer, Max, Dialética do esclarecimento, trad, de Guido Antonio de Almeida, Jorge Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1985.
Albrow, Martin, "Globalization, Knowledge and Society", publicado por Martin Albrow e Elizabeth King (editores), Globalization, Knowledge and Society, citado.
Albrow, Martin e King, Elizabeth (editores), Globalization, Knowledge and Society (Readings from "International Sociology"), citado.
Amin, Samir, La Déconnexion (Pour Sortir du Système Mondial), Éditions La Décourverte, Paris, 1986. , L'Empire du Chaos, Éditions L'Harmattan, Paris, 1991. . L'accumulation à l'échelle mondiale, Éditions Anthropos e Ifan, Paris e Dakar, 1970. , L'eurocentrisme (Critique d'une Idéologie), Anthropos, Paris, 1988.
Amin, Samir, Arrighi, Giovanni, Frank, André Gunder e Wallers-tein, Le grand tumulte? (Les Mouvements Sociaux dans l'Économie-Monde), Éditions La Découverte, Paris, 1991.
Anders, Gunther, "O Mundo Fantástico da TV", publicado por Bernard Rosenberg e David Manning White (orgs.), Cultura de massa, trad, de Octavio Mendes Cajado, Editora Cultrix, São Paulo, 1973.
Anderson, Perry, O fim da História (De Hegel a Fukuyama), trad, de Alvaro Cabral, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1992.
Apter, David E., The Politics of Modernization, The University of Chicago Press, Chicago, 1965.
Aron, Raymond, Paz e guerra entre as nações, trad, de Sérgio Bath, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1986.
257
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Attali, Jacques, Milenio, trad, de R.M. Bassoles, Seix Barral, Barcelona, 1991.
Bakhtin, Mikhail (Volochínov), Marxismo e filosofia da linguagem, trad, de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, 2". edição, Editora Hucitec, São Paulo, 1981.
Baran, Paul A., A economia política do desenvolvimento econômico, trad, de S. Ferreira da Cunha, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1960.
Baritz, Loren, The Servants of Power (A History of the Use of Social Science in American Industry), John Wiley & Sons, Nova York, 1965.
Barnet, Richard J. e Muller, Ronald, Poder global (A Força Incontrolável das Multinacionais), trad, de Ruy Jungmann, Distribuidora Record, Rio de Janeiro, s/d (edição original em inglês realizada em 1974).
Baudelaire, citado por David Harvey, Condição pós-moderna, tradução de Adail U. Sobral e Maria S. Gonçalves, Edições Loyola, São Paulo, 1992.
Becker, David G., Frieden, Jeff, Schatz, Sayre P. e Sklar, Richard L., Postimperialism (International Capitalism and Development in the Late Twentieth Century), Lynne Rienner Publishers, Boulder e Londres, 1987.
Bell, Daniel, The Cultural Contradictions of Capitalism, Basic Books, Nova York, 1978.
Benjamin, Walter, Magia e técnica, arte e política (Ensaios sobre Literatura e Historia da Cultura), trad, de Sérgio Paulo Rouanet, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985; especialmente "Experiência e Pobreza", pp. 114-120.
Bergesen, Albert, "The Emerging Science of the World-System", publicado em International Social Science Journal, vol. XXXIV, n? 1, Unesco, Paris, 1982, pp. 23-36.
Berman, Marshall, Tudo que é sólido desmancha no ar (A Aventura da Modernidade), trad, de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioriatti, Companhia das Letras, São Paulo, 1986.
Bertelsmann, Annual Report 1992/93, Gütersloh, Alemanha, 1993.
Black, C. E., The Dynamics of Modernization (A Study in Comparative History), Harper & Row Publishers, Nova York, 1966.
Bloch, Ernst, Héritage de ce Temps, trad, de Jean Lacoste, Payot, Paris, 1978; especialmente "Non-contemporanéité et enivrement", pp. 37-187.
Bobbio, Norberto, A era dos direitos, trad, de Carlos Nelson Coutinho, Editora Campus, Rio de Janeiro, 1992.
258
B I B L I O G R A F I A
Bolter, J. David, Turing's Man (Western Culture in the Compuu-i Age), Penguin Books, Middlesex, Inglaterra, 1986.
Borges, Jorge Luis, El libro de arena, Alianza Editorial, Madri, 1981; especialmente "EI Congreso", pp. 21-38. . Historia de la Eternidad, Alianza Editorial, Madri, 1971.
Braga, José Carlos de Souza, "A Financeirização da Riqueza", publicado em Economia e Sociedade, n° 2, Instituto de Economia, Unicamp, Campinas, 1993, pp. 25-57.
Braudel, Fernand, A dinâmica do capitalismo, trad, de Carlos da Veiga Ferreira, 2! edição, Editorial Teorema, Lisboa, 1986. . O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II, 2 vols., Martins Fontes Editora, Lisboa, 1984; sem indicação do tradutor. , Civilisation matérielle, économis et capitalisme, XVe-XVIIIe Siècle, 3 vols., Librairie Armand Colin, Paris, 1979. , Escritos sobre a História, trad, de J. Guinsburg e Tercza Cristina Silveira da Mota, Editora Perspectiva, São Paulo, 1978; especialmente "Historia e Ciências Sociais: a Longa Duração", pp. 41-78. , L'identité de la France, 3 vols., Arthaud-Lammarion, Paris, 1986.
Bright, Charles e Geyer, Michael, "For a Unified History of the World in the Twentieth Century", Radical History Review, n". 39,1987.
Brubaker, Rogers, The Limits of Rationality (An Essay on the Social and Moral Thought of Max Weber), George Allen & Unwin, Londres, 1984.
Bukharin, Mikolai I., A economia mundial e o imperialismo, trad, de Raul de Carvalho, Abril Cultural, São Paulo, 1984.
Calvino, ítalo, Seis propostas para o próximo milênio, trad, de Ivo Barroso, Companhia das Letras, São Paulo, 1990.
Camilleri, Joseph A. e Falk, Jim, The End of Sovereignty? (The Politics of a Shrinking and Fragmenting World), Edward Elgar Publishing, Aldershot, Inglaterra, 1992.
Campbell, Colin, The Romantic Ethic and the Spirit of Modern Consumerism, Basil Blackwell, Oxford, 1989.
Carena, Carlo, "Ruína/Restauro", Enciclopédia Einaudi, vol. 1, "Memória-História", Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Porto, 1985; o verbete "Ruina/Restauro" foi traduzido por Mario Feliciano e Teresa Bento.
Cassese, Antonio, 7 diritti umani nel mondo contemporáneo, Editori Laterza, Roma-Bari, 1988.
Chang, David Wen-Wei, China Under Deng Xiaoping, MacMil-lan, Londres, 1991.
259
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Chesneaux, Jean, Modernité-monde, Éditions La Découverte, Paris, 1989.
Claude Jr., Inis L., States and the Global System (Politics, Law and Organization), MacMillan Press, Londres, 1988.
Collingsworth, Terry, Gold, F.William e Harvey, Pharis F., "Labor and Free Trade: Time for a Global New Deal", Foreign Affairs, vol. 73, n° 1, Nova York, 1994, pp. 8-13.
Cox, Robert W., "On Thinking About Future World Order", World Politics, vol. XXVIII, n°. 2, Princeton, 1976, pp. 175-196.
Deutsch, Karl, Análise das relações internacionais, trad, de Maria R. Ramos da Silva, Editora Universidade de Brasília, Brasília, 1982. . Las naciones en crisis, trad, de Eduardo L. Suarez, Fondo de Cultura Económica, México, 1981.
Eisenstadt, S. N., "Social Change, Diferentiation and Evolution", American Sociological Review, vol. 29, n° 3, 1964, pp. 375-386. . Modernização: protesto e mudança (Modernização de Sociedades Tradicionais), trad, de José Gurjão Neto, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1969. , "Theories of Social and Political Evolution and Development", publicado por: Unesco, The Social Sciences (Problems and Orientations), Mouton, The Hague, Paris, 1968, pp. 178-191.
Elias, Norbert, Sobre el tiempo, trad, de Guillermo Hirata, Fondo de Cultura Económica, México, 1989.
Elliott, J. H., El Viejo Mundo y el Nuevo (1492-1650), trad, de Rafael Sanchez Mantero, Alianza Editorial, Madri, 1984.
Ellul, Jacques, The Technological Society, trad, de John Wilkinson, Alfred A. Knopf, Nova York, 1967.
Engardio, Peter e Einhorn, Bruce, "Vietnam: Asia's Nest Riger?", Business Week, 23 de maio de 1994, pp. 48-55.
Enzensberger, Hans Magnus, Elementos para uma teoria dos meios de comunicação, trad, de Helena Parente Cunha e Moema Parente Angel, Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1978.
Estwell, John, Milgate, Murray e Newman, Peter (editores), The Invisible Hand, MacMillan Press, Londres, 1989.
Featherstone, Mike (editor), Global Culture (Nationalism, Globalization and Modernity), Sage Publications, Londres, 1990
260
B I B L I O G R A F I A
Ferguson, CA., "Foreword" em: B.B. Kachru (editor), The Other Tongue: English Across Cultures, Pergamon, Oxford, 1983, citado por Robert Phillipson, Linguistic Imperialism, Oxford University Press, Oxford, 1992.
Frank, Andre Gunder, Crisis: In the World Economy, Heine-mann Educational Books, Londres, 1980. , Critique and anti-critique (Essays on Dependence and Reformism), The MacMillan Press, Londres, 1984.
Freud, Sigmund, Obras completas, 3 tomos, trad, de Luis Lopez Ballesteros y de Torres, Editorial Biblioteca Nueva, Madri, 1981, especialmente tomo III, cap. CI: "Una Dificultad del Psicoanálisis!^—-
Friedman, Milfon, Capitalismo e liberdade, trad, de Luciana Carli, Abril Cultural, São Paulo, 1984.
Froebel, Folker, Heinrichs, Jürgen e Kreye, Otto, The New International Division of Labour (Structural Unemployment in Industrialised Countries and Industrialization in Developing Countries), trad, de Pete Burgess, Cambridge University Press, Cambridge, 1980.
Fukuyama, Francis, O fim da História e o último homem, trad, de Aulyde Soares Rodrigues, Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1992.
Galbraith, John Kenneth, O novo Estado industrial, trad, de Alvaro Cabral, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968.
Galuszka, Peter, Kranz, Patricia e Reed, Stanley, "Russia's New Capitalism", Business Week, 10 de outubro de 1994, pp. 36-40.
Gardner, Richard N. e Milikan, Max F. (editores), The Global Partnership (International Agencies and Economic Development), Frederick A. Praeger Publishers, Nova York, 1968.
Geertz, Clifford, Savoir local, savoir global (Les Lieux du Savoir), trad, de Denise Paulme, Presses Universitaires de France, Paris, 1986.
Giddens, Anthony, As conseqüências da modernidade, trad, de Raul Fiker, Editora Unesp, São Paulo, 1991.
Giddens, Anthony e Turner, Jonathan H. (editores), Social Theory Today, Polity Press, Cambridge, 1987.
Gilpin, Robert, La economia política de las relaciones internacionales, trad, de Cristina Pina, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1990.
Goodmann, John B. e Pauly, Louis W., "The Obsolescence of Capital Controls? Economic Management in an Age of Global
261 V
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Markets", World Politics, vol. 46, n°. 1, Princeton, 1993, pp. 50-82.
Gouldner, Alvin W., El futuro de los intelectuales y el ascenso de la nueva clase, trad, de Néstor Miguez, Alianza Editorial, Madri, 1985.
Gramsci, Antonio, Maquiavel, a política e o Estado moderno, trad, de Luiz Mario Gazzaneo, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1968.
Grunwald, Joseph e Flamm, Kenneth, The Global Factory (Foreign Assembly in International Trade), The Brookings Institution, Washington, 1985.
Haas, Ernst B., Williams, Mari Pat e Babai, Don, Scientists and World Order (The Uses of Technical Knowledge in International Organizations), University of California Press, Berkeley, 1977.
Habermas, Jürgen, O discurso filosófico da modernidade, trad, de Ana Maria Bernardo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1990.
Hagen, Everett E., On the Theory of Social Change (How Economic Growth Begins), The Dorsey Press, Home wood, Illinois, 1962. , (Org.), Planeación del desarrollo económico, trad, de Fernando Rosenzweig, Fondo de Cultura Económica, México, 1964.
Harvey, David, Condição pós-modema (Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural), trad, de Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves, Edições Loyola, São Paulo, 1992.
Hilferding, Rudolf, O capital financeiro, trad, de Reinaldo Mestrinel, Nova Cultura, São Paulo, 1985.
Hobsbawm, Eric e Ranger, Terence (orgs.), A invenção das tradições, trad, de Celina Cardim Cavalcante, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1984.
Hoffmann, Stanley, "International Systems and International Law", publicado por Klaus Knorr e Sidney Verba (editores), The International System (Theoretical Essays), Princeton University Press, Princeton, 1967.
Horita, Nilton, "Dinheiro Roda o Mundo Atrás de Investimentos", O Estado de S. Paulo, São Paulo, 25 de setembro de 1994, p. B-12.
Horkheimer, Max, Eclipse da razão, trad, de Sebastião Uchoa Leite, Editorial Labor do Brasil, Rio de Janeiro, 1976.
Huntington, Samuel P., "Transnational Organizations in World Politics", World Politics, vol. XXV, n°. 3,1973.
262
B I B L I O G R A F I A
Ianni, Octavio, A sociedade global, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1992. A T. edição é de 1993. . Imperialismo na América Latina, 2" edição, Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1988. . Imperialismo e cultura, Editora Vozes, Petrópolis, 1976.
Inkles, Alex, "The Emerging Social Structure of the World", World Politics, vol. XXVII, n° 4, Princeton, 1975, pp. 467-495.
International Social Science Journal, n°. 117, Unesco, Paris, 1988, edição especial sobre "The Local-Global Nexus".
Jacoby, Henry, The Bureaucratization of the World, trad, de Eveline L, Kanes, University of California Press, Berkeley, 1976 . /^
Jameson, F^edric, El posmodernismo o la lógica cultural del capitalismo avanzado, trad, de José Luis Pardo Torio, Ediciones Paidós, Barcelona, 1991.
Kafka, Franz, "O Brasão da Cidade", trad, de Modesto Carone, Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 de janeiro de 1993, p. 5 do caderno "Mais".
Keohane, Robert O., Después de la hegemonia (Cooperación y Discordia en la Política Económica Mundial), trad, de Mirta Rosenberg, Grupo Editor Latinoamericano, Buenos Aires, 1988.
Keohane, Robert O. e Nye, Joseph S., Power and Interdependence, 2". edição, Harper Collins Publishers, Nova York, 1989.
Kerr, Clark, Dunlop, John T., Harbison, Frederick H. e Myers, Charles A., Industrialism and Industrial Man (The Problem of Labor and Management in Economic Growth), Harvard University Press, Cambridge, 1960.
Key, Wilson Bryan, A era da manipulação, trad, de Iara Bi-derman, Scritta Editorial, São Paulo, 1993.
Ki-Zerbo, Joseph, História da África negra, 2 vols., 2a. edição, Publicações Europa-América, Lisboa, s/d.
Kliksberg, Bernardo, Cómo transformar al Estado? (Más Allá de Mitos y Dogmas), Fondo de Cultura Económica, México, 1993.
Knizek, Ian, "El Extraño Encanto de las Ruinas", Plural, n°. 186, México, 1987, pp. 31-38.
Knorr, Klaus e Verba, Sidney (editores), The International System (Theoretical Essays), Princeton University Press, Princeton, 1961.
Koves, András, "Integration into World Economy and Direction of Economic Development in Hungary", Acta Oeconomi-ca, vol. 20, n°.* 1-2, pp. 107-126.
263
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
. "Socialist Economy and the World-Economy", Review, vol. V, n? 1,1981, pp. 113-133.
Kurz, Robert, O colapso da modernização, trad, de Karen Elsabe Barbosa, Editora Paz e Terra, São Paulo, 1992.
Labrousse, Alain e Walion, Alain (Direction), La planète des drogues (Organisations Criminelles, Guerres et Blanchiment), Editions du Seuil, Paris, 1993.
Lafaye, Jacques, Los conquistadores, trad, de Elsa Cecilia Frost, Siglo Veintiuno Editores, México, 1978.
Landes, David S., The Umbound Prometheus (Technological Change and Industrial Development in Western Europe from 1750 to the Present), Cambridge University Press, Cambridge, 1987.
Laszlo, Ervin, La visione sistêmica del mondo, trad, de Davide Cova, Grupo Editoriale Insieme, Recco, Itália, 1991.
Latouche, Serge, L'occidentalisation du monde, Éditions La Découverte, Paris, 1989.
Lenin, V.l., Imperialism, The Highest Stage of Capitalism, International Publishers, Nova York, 1939.
Lerner, Daniel, The Passing of Traditional Society (Modernizing the Middle East), The Free Press, Nova York, 1966.
Lerner, Daniel e Lasswell, Harold D. (editores), The Policy Sciences, Stanford University Press, Stanford, 1965.
Levitt, Theodore, A imaginação de marketing, trad, de Auriphe-bo Berrance Simões, Editora Atlas, São Paulo, 1991.
Levy, Pierre, La Machine Univers (Création, Cognition et Culture Informatique), Éditions La Découverte, Paris, 1987. , As tecnologias da inteligência (O Futuro do Pensamento na Era da Informática), trad, de Carlos Irineu da Costa, Editora 34, Rio de Janeiro, 1993.
Levy, Jacques e Retaille, Denis, Le monde: espaces et systèmes, Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques &Dalloz, Paris, 1992.
Lipietz, Alain, Le capital et son espace, Éditions La Découverte-Maspero, Paris, 1983.
Luhmann, Niklas, Sociologia do direito, 2 vols., trad, de Gustavo Bayer, Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1985. . Sociedad y sistema: la ambición de la teoria, trad, de Santiago López Petit e Dorothée Schmitz, Ediciones Paidós Ibérica, Barcelona, 1990. ; "The World Society as a Social System", International Journal of General Systems, vol. 8,1982, pp. 131-138.
Luxemburg, Rosa, A acumulação do capital, trad, de Marijane Vieira Lisboa e Otto Erich Walter Maas, Nova Cultural, São Paulo, 1985.
264
B I B L I O G R A F I A
Lyotard, Jean-François, O pós-moderno, trad, de Ricardo Corrêa Barbosa, José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1986.
MacEwan, Arthur, "Notes on U.S. Foreign Investment and Latin America", Monthly Review, vol. 45, n° 8, Nova York, 1994, pp. 15-26.
Macpherson, C.B., The Political Theory of Possessive Individualism, Oxford University Press, Oxford, 1990.
Mandei, Ernest, O capitalismo tardio, trad, de Carlos Eduardo Silveira Matos, Regis de Castro Andrade e Dinah de Abreu Azevedo, Abril Cultural, São Paulo, 1982.
Mannheim, Kan, Man and Society in an Age of Reconstruction, Harcouft, Brace and Co, Nova York, 1949.
Manor, James (Editor), Rethinking Third World Politics, Longman, Londres, 1991.
Marcus, George E., "Past, Present and Emergent Identities: Requirements for Ethnographies of Late Twentieth Century Modernity Worldwide", Anais da 17a. Reunião, Associação Brasileira de Antropologia, Florianópolis, 1990, pp. 21-46.
Marcuse, Herbert, One-Dimensional Man, Beacon Press, Boston, 1966. . "Some Social Implications of Modern Technology", Studies in Philosophy and Social Science, vol. DC, n". 3, Nova York, 1941, pp. 414-439.
Marshall, T. H., Cidadania, classe social e status, trad, de Meton Porto Gadelha, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1967.
Marx, Karl, Wage-Labour and Capital, International Publishers, New York, 1933. Sem indicação do tradutor. , Elementos fundamentales para la critica de la economia política (Borrador) 1857-1858, 3 vols., trad, de José Aricó, Miguel Murmis e Pedro Scarón, Siglo Veintiuno Editores, México, 1971-1976. . El capital, 3 tomos, trad, de Wenceslao Roces, Fondo de Cultura Económica, México, 1946-47. . "Carta" a Engels, datada de Londres, 8 de outubro de 1858, em Marx e Engels, Selected Correspondence, Progress Publishers, Moscou, 1965, pp. 110-111. . Progreso técnico y desarrollo capitalista, trad, de Raul Crisafio e Jorge Tula, Ediciones Pasado y Presente, México, 1982. , "Discurso pronunciado na festa de aniversário do People's Paper, em: Marx e Engles, Textos, 3 vols., Edições Sociais, São Paulo, 1977, vol. Ill, pp. 298-299.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
266
B I B L I O G R A F I A
Mommsen, Wolfgang J., The Age of Bureaucracy (Perspective» on the Political Sociology of Max Weber), Harper ix Kow Publishers, Nova York, 1974. . The Political and Social Theory of Max Weber, Polity Press, Oxford, 1989.
Moore, Wilbert E., "Global Sociology: The World as a Slngultl System", The American Journal of Sociology, vol. I.XXI, n? 5, Chicago, 1966.
Morishima, Michio, Capitalisme et Confiicionisme (Technologic Occidentale et Éthique Japonaise), trad, de Anne de Rufl <• Pierre Emmanuel Dauzat, Flammarion, Paris, 1986.
Nandy, Ashis (Editor), Science, Hegemony and Violence (A Requiem for Modernity), The United Nations University, Tokyo, 1990.
Nebrija, Antonio de, citado por T. Todorov, A conquista da América, trad, de Beatriz Perrone Moisés, Martins FontM Editora, São Paulo, 1983.
Nelson, Benjamin, "On Orient and Occident in Max Weber", .S'o cial Research, Spring 1976, Nova York, pp. 114-129.
Norbu, Dawa, Culture and the Politics of Third World National ism, Routledge, Londres, 1992.
O'Brien, Richard, Global Financial Integration: The End of Geography, Council on Foreign Relations Press, Nova York, 1992.
Oliver, Roland, A experiência africana, trad, de Renato Aguiar, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1994.
Ortiz, Renato, Mundialização e cultura, Editora Brasiliense, S3o Paulo, 1994.
Palloix, Christian, Les firmes multinationales et le procès d'internationalisation, François Maspero, Paris, 1973. . "The Self-Expansion of Capital on a World Scale", The Review of Radical Political Economy, vol. 9, n° 2, Nova York, 1977, pp. 128.
Panikkar, A dominação ocidental na Ásia, trad, de Nemésio Salles, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1977,3'. edição.
Parsons, Talcott, Politics and Social Structure, the Free Press, Nova York, 1969. . Sociedades (Perspectivas Evolutivas e Comparativas), trad, de Dante Moreira Leite, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1969. . O sistema das sociedades modernas, trad, de Dante Moreira Leite, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1974.
267
. "Futuros Resultados do Domínio Britânico na índia", em: Marx e Engels, Textos, 3 vols., Edições Sociais, São Paulo, 1977, vol. Ill, pp. 292-297. . Miséria da filosofia, trad, de José Paulo Netto, Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1982.
Marx, Karl e Engels, Friedrich, Selected Correspondence, Progress Publishers, Moscou, 1965. . Textos, 3 vols., Edições Sociais, São Paulo, 1977. Sem indicação do tradutor. . Manifesto do Partido Comunista, trad, de Marco Aurélio Nogueira e Leandro Konder, Editora Vozes, Petrópolis, 1988.
Mason, Edward S., Economic Planning in Underdeveloped Areas: Government and Business, Fordham University Press, Nova York, 1958.
Mattelart, Armand, La Communication-Monde (Histoire des Idées et des Stratégies), Éditions La Découverte, Paris, 1992. L'internationale publicitaire, Éditions La Découverte, Pa
ris, 1989. Mayer, Arno J., A força da tradição (A Persistência do Antigo Re
gime), trad, de Denise Bottmann, Companhia das Letras, São Paulo, 1987.
McClelland, David C , The Achieving Society, Irvington Publishers, Nova York, 1976.
McLuhan, Marshall, "A Imagem, o Som e a Fúria", em: Bernard Rosenberg e David Monning White (orgs.), Cultura de massa, trad, de Octávio Mendes Cajado, Editora Cultrix, São Paulo, 1973, pp. 563-570.
McLuhan, Marshall e Powers, Bruce R., The Global Village (Transformation in World Life and Midia in the 21st Century), Oxford University Press, Nova York-Oxford, 1989.
McLuhan, Marshall, Fiore, Quentin e Agel, Jerome, Guerra y paz en la aldea global, trad, de José Méndez Herreras, Ediciones Martinez Roca, Barcelona, 1971.
McQuade, Lawrence (editor), East-West Trade (Managing Encounter and Accomodation), Westview Press, Boulder, Colorado, 1977.
Mesarovic, Mihajlo e Pestel, Eduard, Mankind at the Turning Point (The Second Report to the Club of Rome), E. P. Dut-ton and Reader's Digest Press, Nova York, 1974.
Michalet, Charles-Albert, O capitalismo mundial, trad, de Salvador Machado Cordaro, Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1984.
Modelski, George, Long Cycles in World Politics, University of Washington Press, Seattle e Londres, 1987.
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
. "Evolutionary Universais in Society", American Sociological Review, vol. 29, n? 3, Nova York, 1964, pp. 339-357.
Pasolini, Pier Paolo, Os jovens infelizes, organização de Michel Lahud, trad, de Maria Betânia Amoroso, Editora Brasiliense, São Paulo, 1990.
Paz, Octavio, A outra voz, trad, de Wladir Dupont, Editora Siciliano, São Paulo, 1993.
Perroux, François, "Grande Firme et Petite Nation", Economies etsociétés, tomo II, n? 9, Librairie Droz, Genève, 1968, pp. 1847-1867.
Phillipson, Robert, Linguistic Imperialism, Oxford University Press, Oxford, 1992.
Polanco, Xavier (org.), Naissance et development de la science-monde, Editions La Découverte, Paris, 1990.
Poster, Mark, The Mode of Information: Poststructuralism and Social Context, Polity Press, Cambridge, 1990.
Postman, Neil, Technopoly (The Surrender of Culture to Technology), Vintage Books, Nova York, 1993.
Reich, Robert B., The Work of Nations (Preparing Ourselves for 21st Century Capitalism), Alfred A. Knopf, Nova York, 1991.
Ricoeur, Paul (org.), As culturas e o tempo, trad, de Gentil Titton, Orlando dos Reis e Ephraim Ferreira Alves, Editora Vozes, Petrópolis, 1975.
Robertson, Roland, Globalization (Social Theory and Global Culture), Sage Publications, Londres, 1992.
Rodinson, Máxime, Islam y Capitalismo, trad, de Marta Rojz-man, Siglo Veintiuno Editores, Buenos Aires, 1973.
Rosenberg, Bernard e White, David Manning (orgs.), Cultura de massa, trad, de Octavio Mendes Cajado, Editora Cultrix, São Paulo, 1973.
Said, Edward W., Orientalismo (O Oriente como Invenção do Ocidente), trad, de Tomás Rosa Bueno, Companhia das Letras, São Paulo, 1990.
Sanchez, Paulo, "Executivos Adotam o Idioma Inglês", O Estado de S. Paulo, São Paulo, 23 de julho de 1993, p. 1 do caderno "Empresas".
Santos, Milton, Técnica, Espaço, Tempo (Globalização e Meio Técnico-Científico Informacional), Editora Hucitec, São Paulo, 1994.
Schachter, Osear, International Law in Theory and Practice, Martinus Nijhoff Publishers, Dordrecht-Boston-Londres, 1991.
268
B I B L I O G R A F I A
Schmookler, Jacob, Invention and Economic Growth, Harvard University Press, Cambridge, 1966.
Schneider, Cynthia e Wallis, Brian (editores), Global Television, Wedge Press, Nova York, 1988.
Schonfield, Andrew, Modern Capitalism (The Changing Balance of Public and Private Power), Oxford University Press, Nova York, 1965.
Schroeder, Ralph, Max Weber and the Sociology of Culture, Sage Publications, Londres, 1992.
Schumpeter, Joseph A., The Theory of Economic Development, trad, de Redvers Opie, Oxford University Press, Nova York, 1961.
Seton-Watson, Hugh, Nations & States, Methuen, Londres, 1977.
Simmel, Georg, Sobre la Aventura (Ensayos Filosóficos), trad, de Güstau Muñoz e Salvador Mas, Ediciones Peninsula, Barcelona, 1988, especialmente "Las Ruinas", pp. 117-125.
Smith, Anthony, La geopolítica de la información (Cómo la Cultura Occidental Domina el Mundo), trad, de Juan Utrilla, Fondo de Cultura Económica, México, 1984.
Smith, Richard, "The Chinese Road to Capitalism", New Left Review, n". 199, Londres, 1993, pp. 55-99.
Sombart, Werner, El Burgués, trad, de Victor Fernando, Ediciones Oresme, Buenos Aires, 1953.
Sontag, Susan, Ensaios sobre a fotografía, trad, de Joaquim Paiva, Editora Arbor, Rio de Janeiro, 1981.
Sweezy, Paul M., "The Triumph of Financial Capital", Monthly Review, vol. 46, n? 2, Nova York, 1994, pp. 1-11.
Tanzi, Vito (Editor), Transition to Market (Studies in Fiscal Reform), International Monetary Fund, Washington, 1993.
Tawney, R.H., A Religião e o surgimento do capitalismo, trad, de Janete Meiches, Editora Perspectiva, São Paulo, 1971.
The Economist, Londres: 25 de maio de 1991; 28 de setembro de 1991; 21 de janeiro de 1992; 19 de setembro de 1992; 30 de outubro de 1993.
The Group of Green Economists, Ecological Economics (A Practical Programme for Global Reform), Zed Books, Londres, 1992.
Thompson, Paul, The Nature of Work (An Introduction to Debates on the Labour Process), 2 a edição, MacMillan, Londres, 1989.
Thurow, Lester, Head to Head (The Coming Economic Battle Among Japan, Europe and America), William Morrow and Company, New York, 1992.
269
T E O R I A S DA G L O B A L I Z A Ç Ã O
Tinbergen, Jan, "Wanted: A World Development Plan", publicado por Richard N. Gardner e Max F. Millikan (editores), The Global Partnership (International Agencies and Economic Development), Frederick A. Praeger Publishers, Nova York, 1968, pp. 417-431.
Todorov, Tzvetan, A conquista da América (A Questão do Outro), trad, de Beatriz Perrone Moisés, Martins Fontes Editora, São Paulo, 1983.
Troeltsch, E., El protestantismo y el mondo moderno, trad, de Eugenio Imaz, Fondo de Cultura Económica, México, 1951.
Truchot, Claude, L'anglais dans le monde contemporain, Le Robert, Paris, 1990.
Turner, Bryan S., "The Two Faces of Sociology: Global or National?", publicado por Mike Featherstone (editor), Global Culture (Nationalism, Globalization and Modernity), Sage Publications, Londres, 1990, pp. 343-358.
United Nations, Transnational Corporations in World Development, Nova York, 1978.
Vernon, Raymond, Tempestade sobre as multinacionais, trad, de Waltensir Dutra, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1980.
Vinogradov, V. A. e outros, "Toward an International Information System", International Social Science Journal, vol. XXXIII, n° 1,1981, pp. 10-49.
Wallerstein, Immanuel, El moderno sistema mundial, vols. l e u , trad, de Antonio Resines e Pilar Lopes Manez, Siglo Veintiuno Editores, México, 1979 e 1984. . The Modern World-System, vol. Ill, Academic Press, Nova York, 1989. , O capitalismo histórico, trad, de Denise Bottmann, Editora Brasiliense, São Paulo, 1985. , The Politics of the World Economy, Cambridge University Press, Cambridge, 1988. . The Capitalist World Economy, Cambridge University Press, Cambridge, 1991. . "America and the World: Today, Yesterday and Tomorrow", Theory and Society, n". 21,1992, pp. 1-28. , "The USA in Today's World", Contemporary Marxism, a". 4, San Francisco, 1982, pp. 11-17. , Unthinking Social Science (The Limits of Nineteenth-Century Paradigms), Polity Press, Cambridge, 1991. . "World-Systems Analysis", publicado por Anthony Giddens e Jonathan H.Turner (editores), Social Theory Today, Polity Press, Cambridge, 1987, pp. 309-324.
270
B I B L I O G R A F I A
Waterston, Albert, Development Planning (Lessons of Experience), The John Hopkins Press, Baltimore, 1969.
Weber, Max, Historia económica general, trad, de Manuel Sánchez Sarto, 2". edição, Fondo de Cultura Económica, México, 1956. . Economia y sociedad, 2 tomos, trad, de José Medina Echavarria, Juan Roura Parella, Eduardo García Máynez, Eugenio Imaz e Jose Ferrater Mora, 2". edição, Fondo de Cultura Económica, México, 1964. . Ensaios de sociologia e outros escritos, seleção de Mauricio Tragtenberg, Abril Cultural, São Paulo, 1974. , "Conferência sobre o Socialismo", publicado em: Émile Dürkheim e Max Weber, Socialismo, organização de Luis Carlos Fridman, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 1993, pp. 85-Î28. , Â ética protestante e o espirito do capitalismo, trad, de M. Irene de Q. F. Szmrecsanyi e Tamas J. M. K. Szmrecsanyi, Livraria Pioneira Editora, São Paulo, 1967.
Wiener, Norbert, Cibernética e sociedade (O Uso Humano de Seres Humanos), trad, de José Paulo Paes, Editora Cultrix, São Paulo, 1968.
Wolf, Eric R., Europe and the People Without History, University of California Press, Berkeley, 1982.
Wooley, Benjamin, Virtual Worlds (A Journey in Hype and Hy-perreality), Penguin Books, Londres, 1992.
World Development, vol. 8, m 7/8, Pergamon Press, Oxford, 1980, edição especial dedicada a "Religious Values and Development".
Worsley, Peter, The Third World (Culture and World Development), The University of Chicago Press, Chicago, 1964.
Wossner, Mark, "Success and Responsability", publicado por Bertelsmann, Annual Report 1992/92, Gütersloh, Alemanha, 1993, pp. 4-7.
271