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COLÉGIO SINODAL DA PAZ
VINÍCIUS ENDRES SANDER
CARLA CRISTINA PEDROZO DA SILVA
IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM
Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outrasestórias.
Novo Hamburgo
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VINÍCIUS ENDRES SANDER
IDADE MÉDIA E IGREJA CATÓLICA: O QUE NÃO NOS ENSINARAM
Analisando a Inquisição, a Terra quadrada, a Venda de Indulgências, e outrasestórias.
Trabalho de conclusão apresentado ainsituição de ensino Colégio Sinodal da Pazcomo requisito parcial para finalização dosegundo grau (ensino médio)
Orientador: Carla Cristina Pedrozo da Silva
Novo Hamburgo
2015
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Dedico este trabalho a dois grupos de pessoas: aqueles que se empenhamem mostrar e estudar a verdadeira história, e aos que se empenham napropagação de mentiras ou simplesmente negam a verdade. Aos primeiros,o mundo precisa de mais pessoas que ajam assim. Aos outros, que a luzque o conhecimento proporciona possa ser maior do que a vontade de
manter seus paradigmas e crenças. O verdadeiro trabalho do historiadornão é manipular a história para defender ideologias ou crenças de suapreferência, mas estudar os acontecimentos e entendê-los em seu cursonatural.
“A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” – Albert Einstein.
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RESUMO
A Idade Média é um período importantíssimo da história humana (do século V aoséculo XV, ou seja, 1000 anos), no qual a Igreja Católica Apostólica Romana foi a
personagem mais importante do mundo ocidental. Ao longo da história, essesséculos foram difamados pelos mais diversos motivos, normalmente com o intuito deatacar a Igreja ou as religiões em conjunto. Atualmente, estudos já mostraram averdade sobre as mais diversas farsas contadas acerca do tempo medieval, e osfatos mostram que esse período teve grande importância, beleza, e contribuiçãopara a humanidade. Infelizmente, esses estudos ainda não chegaram ao meiopopular. Diante disso, este trabalho reúne as pesquisas de diversos historiadores eestudiosos, e apresenta de maneira simples explicações sobre o que é mito e o queé verdade (e no caso do mito, porque ele foi criado).
Palavras-chave: Idade Média – Igreja - mitos
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RESUMÉN
La Edad Media es un periodo importantísimo de la historia humana (del siglo V hastael siglo XV, o sea, mil años), en el cual la Iglesia Católica Apostólica Romana fue el
personaje más importante del mundo occidental. A lo largo de la historia, eses siglosfueron difamados por los más distintos motivos, normalmente con la meta de atacarla Iglesia o las religiones en general. Actualmente, estudios mostraron la verdadsobre las diversas farsas contadas sobre el tiempo medieval, y los factos muestranque ese periodo tuvo gran importancia, belleza y contribución para la humanidad.Infelizmente, eses estudios todavía no llegaron al conocimiento popular. Así, esetrabajo reúne las pesquisas de muchos historiadores y estudiosos y presenta demanera sencilla explicaciones sobre lo que es mito y sobre lo que es verdad (y en elcaso del mito, porque fue creado).
Palabras llaves: Edad Media- Iglesia- mitos
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ABSTRACT
The Middle Ages is a very important period of human history (the fifth century to thefifteenth century, i.e. 1000 years), where the Roman Catholic Church was the most
important character of the Western world. Throughout history, those centuries werevilified for various reasons, usually in order to attack the Church or the religions ingeneral. Currently, studies have shown the truth about the various farces told aboutthe medieval time, and the facts show that this period was very important, beauty andcontribution to mankind. Unfortunately, these studies have not yet reached thepopular media. Thus, this work brings together the research of many historians andscholars, and presents simple explanations of what is myth and what is true (and inthe case of myth, why it was created).
Keywords: Middle Ages – Church - Myths
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 8
2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS” ............................................................ 9
2.1. A MULHER MEDIEVAL ......................................................................................................... 172.2. O SERVO MEDIEVAL............................................................................................................ 20
2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA .......................................................................................... 22
3. VENDA DE INDULGÊNCIAS ............................................................................................... 28
4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA ................................................................................. 33
4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU ........................................................................................... 35
4.2. O HELIOCENTRISMO ........................................................................................................... 36
4.3. O “JULGAMENTO” ................................................................................................................. 40
4.4. A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA ................................................................................. 43
5. A SANTA (?) INQUISIÇÃO ....................................................................................................... 45
5.1. OS ANTECEDENTES DA INQUISIÇÃO: O CAMINHO ROMANO ............................ 46
5.2. A HERESIA CÁTARA ........................................................................................................ 50
5.3. A CRIAÇÃO DA INQUISIÇÃO .......................................................................................... 55
5.4. A QUESTÃO DA BRUXARIA ........................................................................................... 60
5.5. O DISSOLVIMENTO DA INQUISIÇÃO ........................................................................... 65
5.6. A (NADA FAMOSA) INQUISIÇÃO PROTESTANTE .................................................... 66
7. IGREJA E ESCRAVIDÃO ..................................................................................................... 74
7.1. CRIATURAS SEM ALMA? ................................................................................................ 74
7.2. A POSIÇÃO DA IGREJA CONTRA A ESCRAVIDÃO ...................................................... 78
7.3. A ESCRAVIDÃO NO BRASIL E A ATUAÇÃO DO CATOLICISMO................................ 80
8. PORQUE MENTIR SOBRE HISTÓRIA .............................................................................. 83
8.1. A CULPABILIDADE ILUMINISTA ........................................................................................ 87
8.2. A SOLUÇÃO ............................................................................................................................ 90
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1. INTRODUÇÃO
Neste trabalho será explanada a importância do período medieval e
desmentidos os diversos mitos acerca deste tempo e também acerca da Igreja
Católica. Simultaneamente, será explicado o início de cada uma das mentiras, e
o motivo pelo qual foram criadas ou acreditadas.
A escolha deste assunto se deu pela necessidade de expor a verdade, visto
que apesar de existir grande material sobre o assunto e de que a verdade já é
conhecida no meio acadêmico, o meio popular e escolar continuam carentes de
atualização sobre estes tópicos.
Cada capítulo trata sobre uma das polêmicas medievais ou católicas (ou
como no caso de alguns mitos, episódios que são associadas ao catolicismo ou
ao tempo medieval, mesmo sem pertencerem a estes), que diariamente são
reafirmadas e acreditadas até mesmo por pessoas com formação e instrução.
Será trabalhada também a extensão das mentiras e também a possibilidade
de solução dessa problemática.
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2. LANÇANDO LUZ SOBRE A “IDADE DAS TREVAS”
Quando se fala em idade média, o mais comum a se esperar de pessoas que
não estudaram a fundo esse período é o pensamento de um tempo de trevas, onde
a Igreja Católica Apostólica Romana dominava toda sociedade, desde o estado
(reinado, nesse caso) até a ciências e toda produção cultural, e portanto as coisas
não ganhavam espaço para a evolução. O período que vai do século V ao século
XV, ou seja, mil anos, mas que não tiveram nenhum avanço significativo. A maior
parte do mundo acredita que os fatos acima sejam verdade, e as produções
cinematográficas, literárias, entre outras do século XXI, não conseguem desmentir
os mitos criados sobre a dita “Idade das Trevas” (essas produções só agravam e
reafirmam as mentiras).
Ainda assim, grandes autores se dedicaram a estudar a fundo esses séculos
e não só repetir que eram tempos obscuros, e estes surpreenderam não só a eles
mesmos, mas também ao resto do mundo acadêmico com suas descobertas (comoDaniel Rops, Régine Pernoud, Thomas Woods, Jacques Le Goff, e outros, que
chegaram a ganhar prêmios pelos seus trabalhos excepcionais e únicos).
Tendo em vista que mesmo hoje (na era da informação) a maior parte da
sociedade continua sem saber a verdade, é preciso expor os fatos, pois a grande
crença é de que a culpa de toda essa época de ignorância (se é que existiu) é daIgreja Católica, que teria reprimido o homem e o avanço da sociedade.
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“É difícil para o homem de hoje compreender como era a vida na IdadeMédia. Em meio aos escombros da queda do Império romano, a Igreja setornou o único refúgio para as populações desorientadas, feridas,
amedrontadas, a única fonte de cultura, de progresso, de proteção, demoral, de esperança, de vida. Sem a tutela da Igreja havia um vácuo e odesamparo. Basta percorrer a Europa ainda hoje para se ver nas ruas, nascatedrais, nas universidades, nas praças, nos castelos, nos mosteiros, aherança da Igreja mostrada nas artes, na arquitetura, na cultura, na música,etc. Essa fé religiosa profunda e esse amor fiel à Igreja fez multidões demoças e rapazes deixarem seus lares para viver a vida religiosa emmosteiros e se alistarem nas Cruzadas e nas sagradas Cavalarias.”(AQUINO, 2009, p. 38)
Em primeiro lugar, a respeito da sociedade medieval, é preciso descontruir o
pensamento comum de que todos viviam em um enorme convento e eramtotalmente fanáticos, que os cidadãos não podiam sequer pensar sobre ciência,
filosofia ou sexualidade, somente religião. Algumas das produções poéticas da
época, já servem para mostrar a verdade, como o poema III de Guillerme IX da
Aquitânia. O escrito fala sobre a vagina, “que deve ser bem tratada e muito utilizada,
pois é como o bosque podado: sempre cresce com renovado vigor”. O pensamento
comum é de que as produções poéticas ou avanços significativos eram feitos só por
pagãos (muito se fala no avanço dos árabes, mas se menospreza os avançoseuropeus durante a Idade Média, que são muito maiores do que o do mundo
ocidental), mas isto não é verdade. No caso da sexualidade, o poema de Guilherme
IX já mostra que a situação não é exatamente essa, mas que na verdade a
população era cristã, e se não falava de sexo da maneira que se falou nos séculos
que sucedem o tempo medieval, é por que agir dessa forma não estava de acordo
com a ética e moral dos cidadãos, e não por que seriam mortos pela Igreja caso
abrissem as bocas para falar sobre sexo. De fato, a própria sociedade desaprovaria
quem agisse dessa forma.
Outra grande questão que está sempre repercutindo é de que “a Igreja
privava as pessoas do conhecimento”. Escuta-se ainda, que se não fosse pelo
catolicismo o homem já estaria na era espacial. Este é talvez o maior mito acerca da
Igreja Católica, mas também o mais fácil de refutar, pois basta olhar para o mundo
atual e enxerga-se o reflexo do mundo medieval, pois boa parte do conhecimentoque temos hoje sobre o mundo antigo foi nos trazido pelo zelo da Igreja. Foi durante
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o período medieval que os monges criaram as bibliotecas em seus mosteiros, e com
grande esforço copiaram textos e livros tanto cristãos quanto pagãos, para que se
conservassem. Acredita-se que nem todos entendiam o que copiavam, e se isso for
verdade, revela que estes monges eram movidos acima de tudo por uma vontade de
preservar o patrimônio do conhecimento, longe de depreciar o saber, como muitos
acreditam. Uma figura que é prova disso é Flávio Magno Aurélio Cassiodoro, escritor
e estadista romano que se recolheu no mosteiro romano de Vivarium no século VI, e
encorajou a cópia de manuscritos religiosos e seculares, dando instruções
importantes na maneira de como deveria ser feito esse trabalho, para que não se
perdesse nada na transcrição dos escritos. Dentro desses mesmos mosteiros
surgiram escolas para a educação de leigos no período da Alta Idade Média, quandomonges e freiras se viram obrigados a exercer papéis que não estavam previstos,
tais como enfermagem e treinamento de lavradores em novas técnicas agrícolas. De
fato, os primeiros farmacêuticos ocidentais foram os monges, devido ao cultivo de
ervas medicinal nos jardins dos mosteiros. Em pouco tempo, conventos e mosteiros
criavam enfermarias, orfanatos e escolas.
A Idade Média se divide em dois períodos de tempo, respectivamente: alta e
baixa Idade Média (alguns historiadores consideram um terceiro período no meio
destes, a “média Idade Média”). Os primeiros passos em direção ao sistema de
universidades que existe hoje foram dados na Baixa Idade Média (séculos XI a XV),
quando os bispos começaram a criar as escolas das catedrais, que se diferenciavam
das escolas dos mosteiros por terem um conhecimento mais avançado a oferecer. A
PhD em história Diane Moczar (2012), explica que esse desenvolvimento só foi
possível com o fim das invasões estrangeiras e o renascimento econômico do
século XI. Essas universidades das catedrais atraíam estudantes de lugares
distantes por oferecem um currículo mais avançado. Diferente do que se acredita,
não era ensinada só teologia nas universidades (em Paris houve de fato uma
universidade voltada para estudo teológico, porém todas incluíam gramática, lógica,
retórica, matemática, música e astronomia). O jornalista Rodrigo Constantino
observa em uma matéria publicada na revista VEJA (03-04-2015) sobre o período
medieval, que se a população fosse puramente supersticiosa como alguns afirmam, jamais iria se reunir em grupos para debater sobre os mais diversos temas, em
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busca da verdade e de mais conhecimento. O saber era tão valorizado que
grandes inovadores surgiram no período medieval, e nunca foram proibidos pela
Igreja de prosseguir seus estudos ou trabalhos, exemplos como Duns Scott, São
Tomás de Aquino, São Boaventura (que criticou o sistema monárquico, e em vez de
ser reprendido pela igreja, foi canonizado), Pedro Abelardo, Roger Bacon
(franciscano desenvolvedor da ciência de ótica), Santo Alberto Magno (primeiro
botânico desde os tempos antigos), Nicolau Copérnico (que desenvolveu a teoria
heliocêntrica, e fio encorajado pelo clero a escrever um livro explanando a mesma),
e outros. Diferente do que se acredita os medievais não viam problema na filosofia e
na ciência, pois acreditavam que o intelecto é a faculdade mais elevada da alma, e
as verdades que o intelecto discerne não podem contradizer as da fé (já que na óticadeles, Deus criou ambas).
Durante o século XIII surgiram as grandes universidades: Bolonha, Paris,
Oxford, Sorbone, La Sapienza, entre outras não tão famosas, todas fundadas pelo
catolicismo. Já no ano de 1608, haviam mais de cem Universidades na Europa,
sendo mais de oitenta fundadas na Idade Média.
A primeira fundada foi a de Bolonha na Itália, fundada em 1111, com 10.000estudantes (italianos, lombardos, francos, normandos, provençais,espanhóis, catalães, ingleses, germanos, etc.). Depois veio a Sorbone deParis (1157), fundada pelo confessor de São Luiz IX, rei de França, Sorbon;Oxford, na Inglaterra foi apoiada pelo Papa Inocêncio IV (1243 – 1254) em1254. Na Espanha, nasceu a de Compostela (1346), Valadolid, Salamanca,etc. (AQUINO, 2009, p. 30).
Há inúmeros exemplos de importantes contribuições históricas da Igreja para
o mundo. Primeiramente a filosofia escolástica elaborada por São Tomás de Aquino,
que mudou a maneira de se ver fé , e conciliou a mesma com a razão. Os Jesuítas
por sua vez, foram tão exímios nas ciências que, neste exato momento, 35 crateras
lunares têm o nome de cientistas jesuítas e dentre esses, o padre J.B. Macelawane
destaca-se, pois foi quem escreveu o primeiro livro sobre Sismologia nos Estados
Unidos, sendo que todo ano, a União Geofísica Americana premia uma medalha
com o nome deste padre a um jovem geofísico inspirador. Ele também foi o primeiro
presidente da União Geofísica Americana, e por isso o estudo dos terremotos é
conhecido como “A Ciência Jesuíta”. O também jesuíta Secchi descobriu a análise
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espectral, e a ordem ainda se destaca por ser a descobridora do gás. O padre
Cavalieri, também jesuíta, inventou a policromia.
Além da ordem jesuítica, há inúmeros exemplos importantes a serem citados:
os católicos escolásticos criaram a ciência econômica moderna, muito importante
nos últimos séculos; os padres Oton, São Mesrob e Ardoíno, aperfeiçoaram o
alfabeto; São Cirilo e Metódio, no século IX, desenvolveram um alfabeto para o
velho idioma eslavo, que depois se tornou o precursor do alfabeto russo “cirílico”, e
em 885, São Metódio traduziu a Bíblia inteira neste idioma; o Papa Silvestre II fez o
primeiro relógio de rodas; o padre Pacífico, de Verona, inventou o relógio de bolso;
padre Welogord, em 1316, fez o primeiro relógio astrológico; padre Alexandre Spina,
dominicano, inventou no século XIII o óculos; padre Magnon inventou o
microscópio; padre Embriaco descobriu o hidro-cronômetro e o sismógrafo; o padre
Procópio Divisch, em 1759, descobriu o para-raios, e não Franklin, que apenas
aplicou à proteção das casas; o doutor da Igreja Beda descobriu as leis das marés;
padre Gilbert introduziu os algarismos arábicos; padre Guido d’Arezzo inventou o
nome das sete notas musicais; padre José Joaquim Lucas (brasileiro) inventou o
melógrafo, ou modo de escrever as notas e sinais que correspondem à escrita
musical; padre Alberto, saxônio, imaginou as leis da navegação aérea; padre
Bartolomeu de Gusmão, em 1720, fez a aplicação destas leis aos aeróstatos, 60
anos antes de Mongolfier; padre Amaro, monge, foi o desenhador da célebre carta
marítima, em 1456, que inclinou Colombo às suas explorações; padre Gauthier, em
1753, aproveitando as experiências de Papin, Dickens e Watt, inventou o moderno
funcionamento da navegação; padre Nollet inventou as máquinas elétricas e
descobriu a eletricidade nas nuvens; padre Raul, vigário de Sfax, é o verdadeiro
inventor do submarino moderno; padre Duen fundou, em 1715, a primeira fábrica de
gás; padre Barrant, monge, descobriu o freio das locomotivas; bispo
Regiomontanos, de Ratisbona, descobriu a teoria da imobilidade do sol e do
movimento da terra em redor dele (em 1470), isto é, 10 anos antes do padre
Copérnico, e padre Copérnico, polaco, achou o duplo movimento dos planetas sobre
si mesmos e em volta do sol; os padres Ponce e Epée, beneditinos, criaram o
método da educação dos surdos-mudos, e fundaram a primeira escola para surdos;padre Fegenece foi o primeiro a praticar a gravura nas vidraças; cardeal Mezzofanti
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foi o maior conhecedor de línguas do século passado; bispo Virgílio, de Salzburg, foi
o descobridor da existência dos antípodas; padre Alberto Magno, dominicano,
descobriu o zinco e o Arsênico; cardeal Régio Fontana inventou o sistema métrico;
padre Lucas de Borgo é o inventor da Álgebra.
O monge matemático Jordanus Nemorarius, que, além dos conhecimentos
que contribuiu à matemática introduzindo os sinais de “mais” e de “menos”, iniciou a
investigação dos problemas da mecânica, superando a visão dos problemas do
equilíbrio, também foi o fundador da escola medieval de mecânica, o primeiro em
formular corretamente a “lei do plano inclinado”, e pesquisou sobre a conservação
do trabalho nas máquinas simples. O padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, foi
um cientista e inventor nascido no Brasil Colônia, famoso por ter inventado o
primeiro aeróstato operacional, era chamado de “o padre voador”, e é uma das
maiores figuras da história da aeronáutica mundial. Ele também é o inventor de uma
“máquina para a drenagem da água alagadora das embarcações de alto mar.”; Papa
Gregório XIII, foi quem nos deu o Calendário Gregoriano, que é o calendário
utilizado na maior parte do mundo, e em todos os países ocidentais; Jean Buridan foi
um filósofo e padre francês, que desenvolveu e popularizou a “teoria do Ímpeto”, que
explicava o movimento de projéteis e objetos em queda livre. Essa teoria
pavimentou o caminho para a dinâmica de Galileu e para o famoso princípio da
Inércia, de Isaac Newton.
Merece destaque o bispo de Lisieux, um gênio intelectual e talvez o pensador
mais original do século XIV. Foi um dos principais propagadores das ciências
modernas. Na“Livre du ciel et du monde” (1377), Oresme se opôs à teori a de uma
Terra estacionária como proposto por Aristóteles e, neste trabalho, ele propôs a
rotação da Terra, cerca de 200 anos antes de Copérnico. No entanto, ele estragou
um pouco este belo pedaço de pensamento, rejeitando suas próprias ideias, no final
dos trabalhos e assim, como Clagett escreve, não pode ser considerada como a
reivindicação de que a Terra girava antes de Copérnico. Ele escreveu “Questiones
Super Libros Aristotelis de Anima lidar”, com a natureza da luz, reflexão da luz e da
velocidade da luz, discutidos em detalhes; o monge Luca Bartolomeo de Pacioli é
considerado o pai da contabilidade moderna, sendo Leonardo da Vinci um de seus
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alunos; padre paraibano Francisco João de Azevedo, é reconhecido como inventor e
construtor da máquina de escrever, a máquina foi exposta ao público, ganhou
medalhas em dezembro de 1861, portanto antes que Samuel W. Soule e seus dois
parceiros, em 1868, recebessem a formalização da patente nos Estados Unidos;
padre Nicolas Steno é considerado o pai da Estratigrafia, que estuda as camadas de
rochas sedimentares formadas na superfície terrestre, e ainda teve estudos
significativos em anatomia; Jean-Antoine Nollet, foi abade e físico francês, se
constitui como um grande divulgador da física e da eletricidade em particular; o
padre Giabattista Riccioli foi a primeira pessoa a calcular a velocidade com que um
corpo em queda livre acelera até o chão; padre Francesco Grimaldi descobriu e
nomeou o fenômeno de difração da luz, e também participou de uma descriçãodetalhada de um mapa da superfície da lua. Esse mapa chamado de Selenógrafo
adorna até hoje a entrada do Museu Nacional do Ar e Espaço, em Washington D.C;
padre Roger Boscovich, falecido em 1787, é louvado por cientistas modernos por ter
apresentado a primeira descrição coerente de teoria atômica, bem mais de um
século antes que a teoria atômica moderna emergisse, considerado “o maior gênio
que a Iugoslávia produziu”.
Vale citar padre Athanasius Kircher, que é considerado o pai da Egiptologia.
Foi graças ao trabalho deste padre que encontrou-se a Pedra Rosetta, que decifrou
os símbolos egípcios. Ele foi chamado de “Mestre das cem artes”, e seu trabalho em
química ajudou a desbancar a alquimia, que era um tipo de falsa ciência, que até
Isaac Newton e Boyle levavam a sério; o astrônomo católico Giovanni Cassini usou
a Catedral de São Petrônio, em Bolonha, para verificar as teorias de movimentos
planetários de Johannes Kepler.
Limitando-se agora a era medieval, foi nesse período que se registrou vários
dos inventos mais importantes da humanidade, e novamente é valido citar alguns
exemplos como: a bússola, as lentes de óculos, a roda com aros, o relógio mecânico
com pesos e rodas ("invenção mais revolucionária do que a da pólvora e a da
máquina a vapor", conforme o autor Ernst Junger), o canhão (em 1327), a caravela
(em 1430), a imprensa, a ferradura de cavalo (que permitiu ao animal correr sobre
terrenos inóspitos, antes impossível), os moinhos de água, de maré e de vento,
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entre outras coisas. Tudo isso fez com que o Ocidente se encontrasse em melhores
condições de civilização do que outras partes do mundo no século XVI.
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que a primeira dissecação de um
cadáver humano tivesse ocorrido só em 1315, pelo famoso professor Mondinho de
Luizzi, na universidade católica de Bolonha. Isso teria demorado à ocorrer pelo
suposto fato de a Igreja proibir a dissecação de cadáveres. Porém, pesquisas
recentes e fatos históricos brandamente conhecidos mudaram esse conceito.
Arqueólogos descobriram o mais antigo corpo humano dissecado, e este data
de 1200 (mais de 100 anos antes dos estudos de Mondino) e foi dissecado demaneira experiente, o que revela indícios de um projeto de educação médica
contínua, e não de um fato isolado. O historiador James Hannam afirma que a Igreja
medieval não só não proibia autópsias, como até mesmo as ordenava, o que ocorria
eventualmente com a finalidade de procurar sinais de santidade no corpo de uma
pessoa (isso porque várias vezes confirmou-se orgãos em perfeito estado, como
corações, em corpos de pessoas que estavam em processo de canonização, e
quando essas conservações se dão de maneira milagrosa a Igreja leva isso emconsideração no processo; houveram também casos onde se acharam cruzes
dentro do coração de uma pessoa já morta, que obviamente não poderiam ter sido
colocadas por meios humanos). Em 1308, por exemplo, foi dissecado o corpo da
abadessa Clara de Montefalco, que seria canonizada em 1881. Também era prática
comum embalsamar os corpos dos papas e autoridades civis (e para embalsamar
um corpo é preciso abrir e retirar diversos órgãos). Outro fato é que em 1286 um
médico italiano também realizou autópsias a fim de identificar a origem de uma
epidemia. Quem afirma isso é Philippe Charlier, médico e cientista forense do
Hospital Universitário R. Poincaré, na França. Assim, é provável que Mondino tenha
feito a primeira dissecação pública de um cadáver humano, em 1315; porém, as
dissecações sistemáticas para fins educacionais já aconteciam em Bolonha muito
tempo antes.
A Idade Média teve muitas pragas e dificuldades. A população de fato vivia
em condições difíceis e esse povo sofreu muito mais do que qualquer outro naquelaépoca. Ainda assim, isso não segurou o progresso, a produção poética, a pintura, a
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escultura, e tantas coisas desenvolvidas nesse meio tempo. A população abraçou a
fé católica em meio a tanto sofrimento, e através dessa pode fazer muitas inovações
(daí que se dá o grande progresso da Igreja durante o tempo medieval).
2.1. A MULHER MEDIEVAL
A situação da mulher medieval é assunto relativamente novo em questões de
pesquisa, mas que vem sendo estudado mais afundo. A sociedade francesa de Jean
Bodin editou em 1959 -1962 (respectivamente 347 e 770 paginas) um trabalho
interessante sobre a mulher medieval, e a também francesa Régine Pernoudcontribuiu muito para esse aspecto da história medieval. Estes e outros grandes
historiadores, já proporcionaram descobertas que mostram a importância da mulher
na sociedade medievalista.
Muito se diz que a igreja católica privou e priva as mulheres até hoje da
mesma dignidade que o homem, entre outras acusações. Por vezes é comum
escutar nos dias de hoje coisas como “A maneira que as mulheres muçulmanas são
tratadas no ocidente é medieval!”, insinuando que a “maneira medieval” de tratar
uma mulher é bárbara e repressiva. Não poderia haver erro maior.
A época medieval foi onde houve a grande promoção de dignidade e direitos
dignos entre mulher e homem. O lugar que elas ocupavam na sociedade era de
influência, exercendo exatamente um traçado paralelo com o dos homens. Muitos
por vezes se contradizem, dizendo “o que dominava a cabeça de toda população era
a Igreja”, e em seguida “por isso a mulher não tinha voz na idade medieval”. Ora, a
Igreja seguia o Direito Canônico durante todo o período medieval, e a população
seguia a Igreja, sendo que esse mesmo conjunto de regras e leis garantia a
dignidade e igual valor de importância entre os sexos. Como poderia então a igreja
ser uma entidade que fez a mulher perder a voz e ficar em segundo plano?
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Os registros da cidade de Paris do século XIII deixam claro: mulheres não
ficavam somente em casa ou nos conventos como nos séculos seguintes. Havia
professoras, médicas, boticárias, tintureiras, copistas, miniaturistas, encanadoras,
arquitetas, e também abadessas e rainhas (PERNOUD, 1994). Exemplos como
Eleonora de Aquitânia, ou Branca de Castela, dominaram realmente seus séculos,
exercendo poder sem contestação na ausência do Rei, tendo suas chancelarias e
alfândegas, e seus campos de atividade pessoal. As coroações de rainhas tinham o
mesmo prestígio e pompa das coroações de reis, e certas abadessas (madres
superioras) eram tão influentes que administravam vastos territórios, incluindo
aldeias e paróquias. Muitas abadessas usavam báculo, tal como um bispo, pois
eram consideradas pela Igreja como pastoras supremas do território sobre o qualgovernavam. No século XII, o célebre pregador Robert d’Arbrissel fundou um
mosteiro feminino e um masculino na cidade de Fontevrault, e esse mosteiro duplo
foi posto sob a autoridade de uma abadessa: a nobre viúva Petronilla de Chemillé.
Esse caso não foi único: houveram outros mosteiros colocados sob gestão feminina.
Figura 1.
Ao falar do papel da mulher na Idade Média, Régine Pernoud ainda faz uma
crítica aos movimentos feministas da época: diferente das mulheres medievais, que
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tinham suas próprias áreas de atuação e vivência, as atuais se admiraram tanto pelo
mundo masculino que querem ser e atuar de maneira idêntica aos homens,
perdendo assim a identidade do sexo feminino.
O historiador Jacques Le Goff (francês, ateu, especialista em Idade Média)
explica: devemos à Idade Média a emancipação da mulher. No tempo feudal era
grande o número de uniões arranjadas. As numerosas “uniões de berço” servem
para mostrar como os moços estavam “no mesmo barco” que as moças: ambos não
podiam questionar essas imposições vindas de seus superiores. A Igreja nesse
cenário lutou contra essas uniões impostas, multiplicando no Direito Canônico ascausas da nulidade, reclamou a liberdade para os que se unem e com frequência se
mostrou indulgente ao tolerar a ruptura de laços impostos. Podemos perceber que
hoje em países cristãos, essa liberdade é justamente reconhecida pelas leis,
enquanto nos países não cristãos, como no extremo oriente, ela não existe, ou foi só
recentemente concedida.
Há algumas afirmações ainda mais ilógicas a respeito da ligaçaõ entre o sexo
feminino e o catolicismo, como a de que “a Igreja dizia nos primórdios que a mulher
não tinha alma”. Observa-se que os primeiros mártires honrados como santos foram
mulheres, como Santa Agnes, Santa Cecília, Santa Ágata e tantas outras. A Igreja
então teria dado a eucaristia (corpo de Cristo na crença católica) para seres sem
almas durante muito tempo, e até mesmo a mãe de Jesus Cristo (sempre honrada
pelos católicos) não teve alma nessa lógica.
A arte medieval também promoveu a exaltação do feminino. O romantismo
(período literário medieval) idealizava a mulher como musa, criatura inspiradora da
perfeição. Surpreendente constatar também que a mais conhecida enciclopédia do
século XII é da autoria de uma religiosa, a abadessa Herrade de Landsberg (Hotus
Deliciarum), o que também desmente a crença de que a primeira enciclopédia foi
organizada pelos iluministas, somente séculos mais tarde.
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A independência e valorização da mulher foi lhe retirada a partir da Baixa
Idade Média, com a vinda do Renascimento, que acarretou na volta do DireitoRomano. O Direito Romano não é favorável à mulher, nem tampouco à criança. Ele
defende o direito de Pater Familias, pai, proprietário, e em sua casa, grande-
sacerdote e chefe da família com poderes sagrados, que tem sobre seus filhos
direito de vida e morte, assim como sob sua mulher. Apoiando-se nisso, juristas
estenderam o poder do estado centralizado e também restringiram a liberdade da
mulher e sua capacidade de ação. A influência desse direito é tão forte que no
século XVI a maioridade que era aos 12 para meninas e 14 para meninos, é
transferida para a mesma idade de Roma, ou seja, 25. Vale observar que é só no fim
do século XVII é que a mulher passa a tomar obrigatoriamente o nome do marido no
casamento.
Infelizmente tudo isso foge do conhecimento popular, e acredita-se que a
Idade Média tenha sido tão machista quanto o Renascimento, ou até mais. “Idade
das trevas”.
2.2. O SERVO MEDIEVAL
A escravidão é a prática social em que um ser humano
assume direitos de propriedade sobre outro, que é chamado então de escravo. Tal
condição é imposta por meio da força, e em algumas épocas e locais da história os
escravos eram legalmente definidos como uma mercadoria. Os preços variavam
conforme as condições físicas, habilidades profissionais, a idade, a procedência e o
destino. O dono ou comerciante pode comprar, vender, dar ou trocar por uma dívida,
sem que o escravo possa exercer qualquer direito e objeção pessoal ou legal
(retirado de Wikipédia, a enciclopédia livre, baseado em BARROS, 2009).
A partir do século IV, a escravidão foi desaparecendo progressivamente. Ela
foi substituída por servidão a partir do feudalismo. Quando Salviano de Massília
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(escritor cristão do século V) escreveu a queda do império romano, diz “o único voto
que os romanos fazem é não ter jamais que recair sob o jugo de Roma”, ele
exprimiu um sentimento de liberação muito próximo aos dos povos descolonizados
de hoje.
O servo medieval é tratado como pessoa, e assim sendo, seu senhor não tem
direito sobre a vida e morte dele. Mais do que uma categoria jurídica, a servidão
medieval era um estado, intimamente ligado a um modo de vida rural e que obedece
aos imperativos agrícolas, e a estabilidade necessária ao seu cultivo. O servo tem
todos os direitos do homem livre: pode casar, fundar família, e a sua terra passarápara seus filhos na morte, assim como seus bens. Aí se vê um dos grandes avanços
sociais da época medieval, quando a situação de servo é radicalmente diferente da
de escravo, que não podia se casar, nem fundar família, nem possuir nada (objeto
algum), afinal ele próprio era visto como um item a ser vendido e trocado.
A relação de servo com o senhor feudal era totalmente diferente da relaçãode senhor e escravo. A imagem construída a respeito da época feudal muitas vezes
é a de os senhores feudais estragando as plantações dos pobres servos só por
diversão e crueldade, os trabalhadores sofrendo para sustentar não só a si mesmo
mas também ao seu tirano senhor. Imagem retorcida, pois na verdade o que ocorria
era uma troca: o senhor oferecia as vantagens do feudo, e o servo podia usufruir
destas coisas dando em troca parte da sua produção para o senhor feudal. Na
época feudalista não se tem a ideia de possuir como hoje: o ter ou possuir era o
mesmo que usufruir, ou seja, um servo usufruir da terra do senhor, era como ter a
terra do senhor, afinal o sentido de ter era poder gozar e aproveitar de algo, e isso
os servos podiam.
Uma certidão antiga, exposta no Museu de História da França, mostra a
evolução da servidão quando posta em jogo com a escravidão. No documento se
veem duas servas, Auberede e Romelde, que no fim do século XI compraram sua
liberdade em troca de uma casa que possuíam em Beauvais (Paris). Esse simples
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documento serve para provar que os servos poderiam possuir bens próprios,
negociar, vender, etc. Infelizmente, ainda se tem a forte crença de que na época
feudal não havia possibilidade de mobilidade social. A Igreja entrou nessa história
justamente como a fonte de mobilidade social, encorajando a libertação dos servos.
O perfeito exemplo é Abade Suger (1081 – 1151), um filho de servo que se tornou
ninguém menos do que colega do futuro rei Luís VI, na abadia de Saint-Denis. Nos
bancos escolares nasceu entre eles uma amizade que só terminou com a morte, e
sabe-se como, tornando-se abade de Saint-Denis, Suger governou o reino durante a
cruzada de Luís VII, que ao retornar o proclamou “Pai da Pátria”.
A escravidão ressurgiu nas colônias da América no século XVI, e novamente
a volta do Direito Romano e as mudanças sociais ocorridas com a Baixa Idade
Média e o Renascimento contribuíram para a defesa dessa prática. Estima-se que
em Roma mais de trinta por cento da população detinha a condição de escravo, e o
escravismo sempre foi defendido como direito pelos romanos. Qualquer advogado
ou estudante de direito sabe que o Direito Romano exerceu e ainda exerce forte
influência sobre as ações jurídicas. Na época renacentista, isso foi tirado como viade regra, e aí gerou-se tantas das regressões que são pouco sabídas do período de
“trevas” para o renascimento.
2.3. O PERÍODO RENASCENTISTA
A injúria de que a Idade Média é tempo de trevas começou a ser proferida
justamente no tempo que a sucedeu: o Renascimento.
O Renascimento do século XIV precisou criar uma imagem falsa sobre a
Idade Média, uma imagem de que aquela população vivia na ignorância, e que eles
é que dotavam do verdadeiro conhecimento, para promover-se e ajudar na
divulgação de suas ideias. O Iluminismo tem a maior parcela de culpa, pois achando
que o centro da arte, ciência, e de tudo deveria ser o homem e não Deus, rejeitou a
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visão teocêntrica medieval, e criou o mito de “Idade das Trevas” para denegrir a
imagem de tudo que viesse do tempo medieval e da Igreja.
O Renascimento é caracterizado pela imitação do mundo clássico. Já se
cultuava o conhecimento desse mundo, pois durante toda a Idade Média foram
valorizados os avanços antigos, como a filosofia aristotélica no século XIII. O
simples bom senso na verdade, basta para raciocinar que o Renascimento não
poderia produzir nada embasado no conhecimento clássico se os textos antigos não
tivessem sido conservados em manuscritos recopiados durante os séculos
medievais, justamente pelo valor que era dado à esse conhecimento. Todavia, oRenascimento exprime a imitação doentia pelo mundo antigo, e por isso acarreta em
toda a mudança cultural de direitos (já citada anteriormente) e de cultura, que serão
vistas aqui.
Em questão de arte, é comum na época renascentista a repetição. Para
exprimir a admiração que o Renascimento experimentava pelos filósofos antigos,
basta citar Bernardo de Charters, que o século XII, exclama “Somos anões
montados nos ombros de gigantes”. Ele se refere aos gigantes do mundo antigo: aos
romanos e gregos. Já começava a se pensar que não era possível ver mais longe do
que esses gigantes, mas que de fato, o mundo clássico tinha feito o trabalho com a
beleza de modelo para passado, presente e futuro, e portanto bastava copiar a
cultura dele. Tudo que estivesse em desacordo com a plástica grega e latina era
impiedosamente recusado. Para os renascentistas, tudo precisava ser regrado
novamente, de acordo com os artistas antigos, de acordo com Vitrúvio e Vasari.
Portanto, não fica difícil entender por que a arte medieval foi tão rejeitada e ignorada
durante tanto tempo. A visão era tão bitolada, que o francês André Malraux escreve:
“Pré-julgava-se que o escultor gótico (medieval) desejara esculpir uma estátua
clássica, e que não o conseguira pois não soube fazer”.
A pintura medieval causava tanta repulsa nos séculos clássicos, que os
renascentistas não encontraram outra solução se não cobrir os afrescos românticosou góticos com massa e quebrar os vitrais para substituí-los por vidros brancos. Isto
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ocorreu em basicamente toda a parte e apenas alguns poucos lugares
permanecerem com seus vitrais e artes medievais intactas, e permitem que hoje em
dia tenhamos uma ideia da beleza medieval. Régine Pernoud explica em seu livro
“Idade Média: o que não nos ensinaram” (1994): “As rosáceas do transepto de
Notre-Dame de Paris foram conservadas somente porque se receava ser difícil
refazê-las”. Os historiadores de arte tiveram de se esforçar para encontrar de onde
veio a arte medieval, e durante um bom tempo ninguém duvidava que a arte gótica
tivesse sido trazida pelos árabes ou coisa do gênero, pois foi tão comum durante
tanto tempo somente copiar e recopiar, que ao olhar para a arte medieval os
estudiosos pensavam “De onde copiaram isto?”. Durante quatro séculos é a arte da
cópia que impera, junto com a desvalorização da invenção e criação. A Idade Médiatambém se inspirava na antiguidade, a diferença é que fazia isso como modelo, não
como imitação.
Já na questão da literatura, foi na “barbárie” onde nasceu o sentimento de
extrema delicadeza que fará da mulher suserana de todos os poetas. O romance é
uma invenção da época feudal, pela cultura de senhor e vassalo: um prometendoproteção, outra fidelidade. A mulher nessa história, torna-se “senhor”, a suserana do
poeta à qual ele deve sua fidelidade.
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Vitral da igreja Matriz de Espinho, Portugal. Figura 2.
É igualmente nesta época que foi elaborada a linguagem musical usada no
ocidente até hoje. A atividade poética e musical é intensa com a criação de múltiplos
hinos e cantos litúrgicos, e sabe-se que o cantochão ou canto gregoriano (atribuído
durante um bom tempo ao papa Gregório Magno) data do século VII. Até mesmo os
nomes das notas da escala musical foram tirados de um hino do século VIII, em
homenagem a São João Batista, Ut Queant Laxis, pelo já citado italiano Gui d’
Arezzo. A nossa civilização deve a música a esses tempos “obscuros”, que
inventaram a escala. Nem todos sabiam ler, mas todos sabiam cantar, pois não se
separava a música da poesia.
Até mesmo a arte teatral sofreu regresso depois da Idade média. O teatro no
período medieval era para toda gente e recrutava pessoas de toda profissão e
trabalho. Porém, no século XVI do Renascimento, já não havia mais espaço para
essas pessoas terem cultura teatral. Ocorreu que em 1542 na França, o parlamento
proibiu os confrades da paixão de continuar a representar no palácio de Borgonha
os mistérios medievais que eram encenados para o povo. “Esta confraria produziu
artistas medíocres. Que em consequência são incapazes de honrarias. faziam
caminhar lado a lado escravos e artesãos”, disse o parlamento.
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. O preconceito contra o tempo medieval não foi só gerado no Renascimento.
Muitas vezes e em tempos diferentes, a Idade Média foi alvo de injúrias por diversosmotivos. Um dos mais claros é o ataque à Igreja Católica Apostólica Romana, pois
sendo ela o personagem principal da Idade Média, ataca-se esse período com o
intuito de manchar a imagem da Igreja ou mesmo das religiões em geral. Estes
obtiveram sucesso, afinal, por mais que se tenham estudos suficientes hoje para
saber que a Igreja não matou Galileu, que a Inquisição não foi uma instituição de
intolerância e irracionalidade, e que a venda de indulgências não aconteceu de
maneira aceita pela Igreja, esses e tantos outros mitos e mentiras foram difundidos
na mente popular por pseudo-historiadores, de maneira que até os dias atuais são
ensinadas mentiras em universidades e escolas, pois são raros os historiadores que
estudam o suficiente para fugirem dos anti-medievais e conseguirem descobrir a
verdade. Mesmo entre os próprios católicos, dentro da Igreja, é comum que não
conheçam a história verdadeira. “Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma
verdade”, como disse Joseph Goebbels.
Entre os culpados por criar a mentira medieval, também se encontram os
cristãos protestantes. Desde o fim da Idade Média e até os dias atuais, toda e
qualquer igreja se empenha em fazer uma propaganda anticatólica, e para isso não
mede esforços ao falar dos “regressos medievais” (mesmo que eles não tenham
existido). O historiador, Jacques Heers, atual diretor do Departamento de Estudos
Medievais da Universidade de Paris-Sorbonne, destaca que os revolucionários
franceses de 1789 também souberam orquestrar muito bem a propaganda anti-
medieval para cumprir seus interesses.
O próprio nome que foi dado à Idade Média é um perfeito exemplo: “Média”.
Justamente para dar a ideia de que no tempo Clássico o homem evoluiu, de que a
antiguidade é uma época bela e importante, mas então houve um grande sono, uma
grande noite de trevas, mas que depois terminou com o “Renascimento”. Um
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período “médio”, que de nada serve se não para estar no meio dos séculos que
realmente servem para a humanidade.
“Mil anos sem produção poética ou literária digna desse nome, éconcebível? Mil anos vividos pelo homem sem que se tenha exprimido nadade belo, de profundo, de grande, sobre ele mesmo? Quem acreditaria nisto?No entanto, fizemos acreditar nisto pessoas muito inteligentes [...]” – (PERNOUD, 1909, p.49).
Por todos esses motivos, nos próximos capítulos serão tratadas as mentiras
mais famosas sobre a Igreja Católica e o período medieval, a fim de separar a
verdade do mito.
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3. VENDA DE INDULGÊNCIAS
A famosa Venda de Indulgências é conhecida por ter sido um dos maioresescândalos da história da Igreja Católica. Conta-se aos quatro ventos que foi umperíodo medieval em que a Igreja teria vendido para os fiéis lugares no céu, graças,perdão dos pecados, entre outras coisas, mediante o pagamento de uma taxa,sendo esse pagamento a garantia de que todas essas dádivas aconteceriam.
A referida venda ocorreu, mas como já se tem brando conhecimento pelos
historiadores medievais, não foi da maneira como se conta e tampouco propostapela Igreja, mas sim uma forma de heresia que surgiu na Alemanha, e que maistarde veio a ser atribuída ao catolicismo por aqueles que não simpatizavam com omesmo.
Para entender como se deu o mito da Venda de Indulgências, precisa-seentender o que são as indulgências de fato. Elas passaram a fazer parte da doutrinacatólica junto com o florescer do cristianismo e perduram até os dias de hoje. Deacordo com a Igreja Católica, quando o ser humano peca ele sofre duas
consequências: a perda da comunhão com Deus (o afastamento que o seu pecadogerou, pois Deus nunca se afasta do homem, mas sim o homem que se afasta deDeus quando opta pelo pecado), e uma “marca” na alma, chamada de penatemporal. A comunhão com Deus pode ser reatada pelo sacramento da confissão,onde os católicos primeiro se arrependem de seus pecados, depois os admitemperante um padre (que no momento da confissão age como intermediador, sendoentão o próprio Cristo ao qual é necessário pedir perdão), e por último fazem umaboa ação, rezam, ou outro tipo de ato para tentar compensar seus erros para comDeus. É muito questionado de onde vem o poder de um padre para perdoar os
pecados de uma pessoa. O Catolicismo afirma que o poder não vem do padre em si,pois esse só age como meio para manifestar o poder de Jesus Cristo, que é quemde fato perdoa os pecados dos homens. Isso teria sido confirmado por Jesus na
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bíblia no livro de João, capitulo 20 e versículos 21 – 23, onde Cristo aparece aosseus apóstolos e diz que recebam o Espírito Santo, e a quem eles perdoarem ospecados, eles lhes serão perdoados, e a quem reterem, eles lhes serão retidos. Issoseria válido para os padres pela sucessão apostólica católica.
Não se alongando mais na parte referente a confissão, é necessário entendero que são as penas temporais citadas acima. Elas são penas que não podem serretiradas pelo sacramento da confissão, mas exigem uma purificação, que pode serem vida ou em morte. Exemplifica-se como um filho, que perde a confiança do paiapós fazer alguma besteira: o pai o perdoa, mas depois ele mesmo tem dereconquistar a confiança do pai. Assim, o homem deixa de ser santo quando peca, emesmo depois de receber o perdão dos pecados pela confissão, precisa correr atrás
da santidade pelos seus méritos. A Igreja Católica justifica isso através de váriosversículos bíblicos, como Isaias 43:24-26 (entre outros).
O Catecismo da Igreja Católica explica, a partir dos números 1472l, que asantificação pode ocorrer totalmente ou parcialmente de várias maneiras: quando ofiel cumpre a penitência estabelecida pelo sacerdote no ato da confissão; quandoaceita os sofrimentos da vida como forma de se santificar, sem queixar-se; quandopersevera em oração constante; quando pratica obras de caridade; quando pratica
gestos de mortificação; ou quando recebe indulgências.
Em artigo no site de doutrina e história católica “O Catequista”, publicado em19/09/2014, explica-se o caso das indulgências baseado em nos autores Tuchman,Russel, Ranke, entre outros. Explica-se que a criação das indulgências aconteceuporque na antiguidade, porém, sempre foi comum que a penitência fosse mista comum ato de mortificação. Sendo assim, nem todos católicos podiam fazer essa práticapor questões de saúde (como os idosos). Então, a partir do século XI, a Igrejapermitiu que nesses casos o fiel doasse uma quantia referente a sua renda, que
seria usada para obras de caridade (como a ajuda que a Igreja dava para as viúvas,por exemplo) ou necessidades da Igreja, visto que o fiel doar a sua renda (fruto doseu esforço) já era um ato de caridade e boa obra, e aí o fiel recebia umaindulgência, que na verdade era a substituição da penitência quando o cristão nãopodia faze-la. Todavia, a indulgência não era o perdão dos pecados, muito menosvenda de um “lugar no céu”, como muito se ouve dizer. Essa prática foi perfeitadurante certo tempo, funcionando da maneira que fora pensada para funcionar:ajudando os fiéis que não podiam fazer os atos de penitência. Mas para entendercomo começaram as heresias referente as indulgências, precisa-se entender o
cenário em que se desenrolou esse episódio.
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3.1. A FRACA ALEMANHA MEDIEVAL
No mundo medieval, os grandes estados europeus possuíam um governo
forte. A Alemanha, porém, não o tinha. O país alemão como o conhecemosatualmente, é algo recente, um estado que surgiu no século XIX. Porém, nos temposdas famosas vendas de indulgências, durante o papado de Leão X, o que havia noterritório alemão eram duques e condes reunidos sobre o título de “Sacro ImpérioRomano-Germânico“, que por sua vez não eram muito influentes e poderosos, eviviam um estado de penúria espiritual e econômica. Estes foram vítimas dosdemandos financeiros do desesperado Papa Leão X.
Nesse contexto começa-se a entender porque se deram alguns abusos.Roma era antipática aos olhos do povo alemão (e talvez o seja até hoje) justamentepor conta de que para eles, a Igreja era uma força sanguessuga, mas que possuía aautoridade legada por Jesus e era a casa do Espírito Santo, portanto eles nãopodiam negar a importância e a necessidade da presença dela. Nesse contexto jáum pouco caótico, Leão X mandou Johann Tetzel (um frade dominicano) comopregador para Alemanha, dando lhe poder para conceder as indulgências.
As indulgências, como citado acima, podem ser consideradas como uma
dispensa da prática de boas ações, sob condições particulares, no todo ou em parte,como penalidade. Tetzel (e alguns padres que o seguiram) contrariaram a doutrinada Igreja, e passaram a pregar que as indulgências eram a libertação do pecado emsi. Depois disso, para começar a famosa “venda de graças” foi um pequeno passo.
Um terço do dinheiro arrecadado com a venda de indulgências por Tetzel iapara Roma, na época da reconstrução da Basílica de São Pedro. Deve-se salientarque Leão X nunca proclamou uma heresia, concordando com o que o frade herege
dizia. O Papa inclusive puniu Tetzel, por sua pregação que ia muito além do que adoutrina católica ensinava de fato.
Leão X vivia no seu claustro romano como seus antecessores, sem ter ideiado que ocorria na Alemanha. Antes de Lutero já haviam surgido outros protestantesno território germânico, por isso não fica difícil entender o motivo de o protestantismoter surgido na Alemanha, e não na Itália, França, ou em qualquer outro lugar doglobo.
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Bula de indulgência como as que eram concedidas por Leão X. Figura 3.
Os diversos abusos que a prática das indulgências sofreu não foram nadaqueridos pela Igreja, e então essa modalidade de concessão de indulgência foicancelada pelo Concílio de Trento no século XVI, justamente por causa das
heresias. Como é comum na história, é próprio do homem distorcer algo que foiestabelecido para o bem de muitos.
Nos dias de hoje, a indulgência só é concedida pela Igreja nas raríssimasocasiões em que ela considera que o esforço de uma pessoa para viver a fé lheredime dos pecados já perdoados. Sendo assim só podem receber as indulgênciasos que já estão sem pecados, depois de se arrepender e confessar-se.
O Catecismo da Igreja Católica esclarece sobre as Indulgências que podemser alcançadas:
§1479 – Uma vez que os fiéis defuntos em vias de purificação também sãomembros da mesma comunhão dos santos, podemos ajudá-los obtendopara eles indulgências, para libertação das penas temporais devidas porseus pecados.§1498 – Pelas indulgências, os fiéis podem obter para si mesmos e tambémpara as almas do Purgatório, a remissão das penas temporais, seqüelasdos pecados.§1032 – A Igreja recomenda também as esmolas, as indulgências e as
obras de penitência em favor dos defuntos… “Não hesitemos emsocorrer os que partiram e em oferecer nossas orações por eles.” (S. JoãoCrisóstomo, Hom. In 1Cor 41,5)
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§1471 – A doutrina e a prática das indulgências na Igreja estãoestreitamente ligadas aos efeitos do Sacramento da Penitência.“Indulgência é a remissão, diante de Deus, da pena temporal devida aospecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto eem certas e determinadas condições, alcança por meio da Igreja, a qual,
como dispensadora da redenção, distribui e aplica, com autoridade, otesouro das satisfações de Cristo e dos Santos” (Paulo VI, Const. Apos t.,Indulgentiarum doctrina, 2)“A indulgência é parcial ou plenária, conforme libera parcial ou totalmenteda pena devida pelos pecados (Indulgentiarum Doctrina,2 ). Todos os fiéispodem adquirir indulgências (…) para si mesmos ou para aplicá-las aosdefuntos” (CDC, cân 994). §1472 – As penas do pecado. Para compreender esta doutrina e estaprática da Igreja, é preciso admitir que o pecado tem dupla conseqüência. Opecado grave priva-nos da comunhão com Deus e, consequentemente, nostorna incapazes da vida eterna; esta privação se chama pena eterna dopecado. Por outro lado, mesmo o pecado venial, acarreta um apegoprejudicial às criaturas que exige purificação, quer aqui na terra quer depois
da morte, no estado chamado purgatório. Esta “purificação” liberta dachamada “pena temporal” do pecado. (PAULO, 1998, p. 406, 408 e 411).
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4. GALILEU GALILEI E A TERRA PLANA
O caso de Galileu é uma das mais famosas estórias contadas acerca daIgreja Católica e do período medieval. Muito se ouve que Galilei foi morto por proporo sistema heliocentrista, e as versões que justificam a morte são as mais diversas:que a Igreja queria “dominar o universo”, e se a terra não estivesse no centro dele ela não poderia dizer ter controle do universo (por mais engraçado que pareça); quea Igreja queria a Terra como quadrada para não contradizer a bíblia; que ele foiachado pela Inquisição, torturado, humilhado, e que teve de afirmar que o que disseera mentira, etc. Outras versões contam que ele recebeu sentença de prisão, foi
queimado, ou dezenas de outras coisas horríveis para ilustrar a vilania da Igrejacontra o estudioso.
Primeiramente, acerca da questão de que a Igreja e o povo acreditavam quea Terra era redonda antes de Galileu, é importante notar que em 1473, quase 20anos antes da viagem de Colombo, foi publicado o Tractatus de Sphaera Mundi (sphaera = esfera), um manual de astronomia e geografia com o maior número deedições até hoje. Foi muito utilizado pelos portugueses durante a era das grandes
navegações, e o autor deste foi John Holywood (um monge inglês). São Tomás de Aquino também já havia afirmado em sua suma teológica que a terra era esférica, eDante também havia se referido à Terra dessa forma na famosa obra “A DivinaComédia”. Na Grécia antiga já era admitido por Pitágoras (VI a.C.) e seus discípulosa esfericidade da Terra, e a prova final disso se deu com a expedição feita porFernão de Magalhães, em 1521 (que ocorreu antes mesmo de Galileu nascer).Galileu nasceu em 1564, um século após o término da Idade Média, ou seja, maisuma mentira: ele não viveu na época medieval.
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Imagem de Nossa Senhora da Grade, padroeira de Lille (França), do século XI, onde nota-se o globonas mãos do Menino Jesus, simbolizando a Terra (esférica). Figura 4.
Escultura de Carlos Magno, feita por volta do ano 900, onde ele segura a Terra (esférica). Figura 5.
Nas últimas décadas, a versão de que Galileu foi obrigado a dizer que estavamentindo em público (para que a Igreja continuasse como sendo a conhecedora daverdade) era a aceita na maioria dos lugares, por ter ficado famosa através de obras
populares ou mesmo livros didáticos de história. Jackson Spielvogel, autor de umtexto bastante usado em faculdades, refere-se a citações do julgamento de Galilei, ea dramatização completa do suposto julgamento estão a disposição no museuSmithsonian, de Washington D.C., mostrando um tribunal lotado, e esforçando-separa fazer a Igreja como “malvada” e o cientista como herói, criando assim o embatede religião versus ciência. É interessante observar que esta estória não existia até oséculo XVI: ela foi citada a primeira vez em 1760 (mais de um século depois damorte de Galileu, que foi em 1642), e apareceu justamente com o auge doIluminismo, onde vários filósofos atacaram a Igreja de toda forma (Voltaire a
chamava de “a coisa infame”). Os historiadores atualmente sabem que a lenda foiinventada para difamar a Igreja e criar o embate citado acima. A Phd Diane Moczarexplica em seu livro “Sete Mentiras Sobre a Igreja Católica”: “Inventou -se a lenda de
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Galileu para denegrir a Igreja, trazer a público os supostos males da Inquisição edemonstrar o quão anticientíficas e antiprogressivas são as religiões.”
De fato, o Iluminismo veio propor uma nova religião: a ciência, que não
precisa mais de Deus. E para promover essa religião, contou sobre os vários“cientistas heróis” que foram perseguidos pelo suposto “inimigo do progresso”: ocatolicismo.
4.1. A VERDADE SOBRE GALILEU
Mesmo sendo um dos casos históricos mais difamados, o assunto de Galileuno meio acadêmico já foi esclarecido há algum tempo, e qualquer historiadoratualizado ou mesmo apreciador de história sabe que Galileu não foi morto nemtorturado pela Igreja por defender a ideia de sistema solar que foi concebida porpadre Copérnico. Pelo contrário, ele morreu em Arcetri (Itália), rodeado de sua filhaMaria Celeste e seus discípulos, e enterrado na Basílica de Santa Cruz, emFlorença.
Um simpósio realizado na Universidade Católica de Washington em 1982, arespeito de Galilei, ajuda no entendimento de algumas verdades sobre o caso. Osimpósio foi chamado de “Reinterpretando Galileu”. Ficou claro que ele não podiaapresentar razões convincentes na época para o heliocentrismo, e também suagrande aposta era que o fluxo das marés seria a prova da revolução da Terra emtorno do Sol, quando na verdade sabe-se que as marés se devem à força dagravidade da Lua. Sem argumentos sólidos, e mais a contrariedade da bíblia (cf Js10, 12s), é plenamente compreensível a repulsa sofrida pelo cientista na época. Osintelectuais do simpósio destacaram alguns pontos irrefutáveis:
1. Galileu não foi acusado nem condenado por heresia. Não foi torturado, nemlhe foram mostrados os instrumentos de tortura.
2. O ponto de debate no processo não foi estritamente de ignorância religiosaversus verdade científica: a verdade científica em si mesmo, naquela época,era obscura e equívoca.
3. E, depois de Galileu concordar em dizer que não acreditava na terra emmovimento e no sol parado, não pronunciou, como diz a lenda, asprovocadoras palavras “E, contudo, ela se move!”.
4. De fato, seria difícil a Igreja achar Galileu inocente. Ele foi apenas acusado de
desobedecer a uma ordem da Igreja, e está fora de dúvida que realmentedesobedeceu (a ordem de 1616, que será vista mais a frente).
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5. Não havia simplesmente prova de que o modelo heliocêntrico de Galileu eCopérnico fosse melhor do que o modelo popular geocêntrico de TychoBrahe. O sistema de Brahe tinha a vantagem de não se opor às Escrituras.
4.2. O HELIOCENTRISMO
Para entender como foi o caso de Galileu, é necessário conhecer a história dosistema heliocêntrico, para não cometer erros ou injúrias (como normalmente éfeito). A primeira questão que entrou em jogo é se a Terra está parada e os planetasorbitam ao seu redor, ou se a Terra é que orbita em torno do sol com os outrosplanetas. Naquela época, a ciência natural tornou-se paixão de muitos intelectuais,
incluindo papas, cardeais, e monges (entre outros), então por mais que essaproblemática pareça pequena para gerar toda uma confusão dessas, ela não é.
Diferente da crença popular, Galileu não foi o primeiro a teorizar sobre oscéus. Astrônomos da Grécia Antiga haviam desenvolvido teorias sobre o movimentoceleste, e Ptolomeu, Aristóteles e mais alguns adotaram versões da teoriageocêntrica (Terra no centro fixo ao redor do qual os outros corpos orbitam). Aversão de Ptolomeu sobre as estrelas foi tão precisa que até hoje é usada para a
navegação. O primeiro defensor da teoria heliocêntrica (o Sol no meio do sistema)foi Aristarco no século III a.C. Seu sistema não foi aceito pois a teoria de Ptolomeuera melhor para fins práticos, e mais agradável ao pensamento grego.
Galileu Galilei por Justus Susterman, 1636. Figura 6.
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A teoria geocêntrica provavelmente foi questionada durante toda a IdadeMédia, embora não se tenha um trabalho concreto sobre isso. O que se sabe é queos medievais se perguntavam por que as coisas simplesmente não cairiam com amovimentação da Terra, como a Lua poderia orbitar o Sol e a Terra ao mesmotempo, entre outras coisas. Vale observar que estas não são perguntas estúpidas,prova disso é que algumas só foram respondidas no século seguinte, por Newton.
A teoria heliocêntrica voltou a ser defendida no começo do século XVI, porCopérnico. Nicolau Copérnico foi um clérigo polonês, professor de medicina e dedireito. Nicolau e seus superiores sabiam que certas referências bíblicas aos Céuspareciam se basear na imobilidade da Terra e mobilidade do Sol e das estrelas.Uma teoria científica que contradissesse as escrituras era uma atitude polêmica, e
poderia gerar incômodo. Para servir de exemplo, o monge Lutero foi um dos críticosmais violentos de Copérnico, que sem medir palavras chamou-o de “tolo”, e aindacomentou que “Josué ordenou que o Sol parasse, e não a Terra”, na bíblia (MOCZAR, 2012). Teólogos protestantes da época também discordavamradicalmente da teoria heliocêntrica. Melancton, teólogo protestante e companheirode Lutero, dizia que este sistema significava o enlouquecimento das ciências.
Johannes Kepler, famoso protestante contemporâneo de Galileu, que
descobriu as três leis que regem os movimentos dos satélites, teve que deixarWittemberg (sua terra natal) por causa da perseguição protestante que sofreu pelasideias copernicanas. Em 1659, o Superintendente Geral de Wittemberg, Calovius,afirmou que a razão deve se calar quando a Escritura fala, e verificava com prazerque os teólogos protestantes rejeitavam até o último a teoria de que a Terra semove. Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenouNils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Em 1774, o pastor luteranoKohlreiff, de Ratzeburg, pregava que “a teoria do heliocentrismo era abominávelinvenção do diabo”.
Enquanto isso, Johannes Kepler baseou-se nas observações do dinamarquêsTycho Brahe, e refinou a teoria de Copérnico para torna-la mais plausível (o quecausou a revolta dos protestantes da Universidade de Tubingen, a ponto de Keplerprecisar refugiar-se com a ajuda de jesuítas em 1596).
A teoria de Copérnico circulou mais de sessenta anos pela Europa, sem
qualquer desaprovação da Igreja: antes de morrer, ele havia sido encorajado pormembros do clero a divulgar seus estudos, e então escreveu o famoso “Derevolutionibus orbium coelestium” e o dedicou ao Papa Júlio III (que aceitou a
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homenagem). Aí já se vê um problema referente a afirmação de que a Igreja negoua Galileu o direito de mostrar sua teoria. Afinal, a teoria de Copérnico havia sidoaceita e prestigiada pela Igreja. Sendo teoria do novo cientista baseada nesta,porque haveria problema?
De revolutionibus orbium coelestium, livro escrito por Copérnico. Figura 7.
É no final do século XVII que Galileu entra em cena: formado em astronomiae pouco diplomático (raramente admitia quando estava errado, a exemplo de quandoPapa Urbano, seu colega de astronomia, tentou corrigi-lo sobre a questão domovimento das marés). Existem relatos de amigos próximos ao cientista, de que eleera arrogante e egocêntrico, e os diálogos escritos pelo próprio Galileu com o clerotambém podem comprovar esta característica. Ele tinha um talento natural para oescárnio, e hoje em dia sabe-se que ele teve sorte de receber uma punição leve daIgreja por seus atos. É necessário mostrar a verdade sobre o cientista, não paradiminui-lo, mas para que saiba-se a real face desse grande personagem histórico, enão a versão distorcida que foi inventada pelo iluminismo.
Atualmente, se tem conhecimento de que Galileu não inventou o telescópio,mas apenas o aperfeiçoou; não descobriu as manchas solares (quem o fez foi oastrônomo Johannes Frabicius); que sua opinião sobre os cometas serem umailusão de ótica estava errada, entre outras questões que ainda estão sendoestudadas (atualmente cientistas querem exumar seus restos mortais para tentar
descobrir o quanto seu problema de visão influenciou em muitas das suas teorias).Esses fatos são importantes para que se tenha conhecimento de que ele não era umgênio imbatível, e, portanto, já foi recebido com certo ceticismo pela comunidade
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acadêmica quando defendeu o sistema copernicano. Além disso, o problema eraagravado pelas passagens bíblicas, que (como dito anteriormente) pareciamcontradizer suas ideias.
“Hoje já não há mais dificuldade de se conciliar a fé com a ciência, pois osestudiosos tomaram consciência de que a Bíblia não pretende ensinarciências naturais. Naquele tempo não havia essa clareza” (AQUINO, 2009,p. 230).
Impaciente e teimoso pela reação do meio acadêmico ao seu novoestudo (que foi a de não dar a atenção esperada), o cientista foi a Roma tentar obterpatrocínio de seus admiradores, incluindo um de seus grandes amigos (por mais que
isso possa ser difícil de conceber para a maioria das pessoas) o Papa. Este por suavez, tentou mostrar a Galileu que sua ideia era boa, porém era só uma teoria, e quepor mais que a bíblia não ensinasse ciência e sim fé, era preciso evitar contradizeras escrituras sem uma prova concreta. Outro ponto, é de que a teoria de Galileutrazia detalhes (como o movimento circular perfeito dos planetas) que nãosatisfizeram outros astrônomos. É importante lembrar que nessa época a teoria deTycho Brahe (a que permitiu Johannes Kepler descobrir as leis dos movimentos dosplanetas) não fora desaprovada, e para os medievais ela parecia muito mais próximada verdade.
Na ida a Roma, para audiência particular com Papa Paulo V, Galileu foirecebido pelo famoso colégio de Roma com uma grande festa em sua homenagem,com a presença de vários jesuítas, condes, duques, e membros do clero em geral(isso porque alguns jesuítas gostavam muito da teoria de Copérnico, e adoraram vero cientista a defendendo).
Todavia, Galileu ignorou o conselho do Papa, e partiu para ofensiva demaneira desastrosa. Ele mesmo relata em uma carta como havia lidado com acontrovérsia em uma festa elegante, diz ele “Comecei a bancar o teólogo”,insinuando que se as escrituras fossem usadas contra ele, ele também poderiainterpreta-las da maneira que fosse preciso.
Ofendido pela falta de prestígio de seu estudo, Galilei se deu ao trabalho depublicar um diálogo fictício entre dois personagens, um “tolo” que apoiava Aristóteles, chamado Simplício, e outro que adotava a visão defendida por Galileu.Ele colocou as palavras do Papa Urbano na boca de Simplício, deixando claro que
seriam tolos todos aqueles que compartilhassem da visão de Aristóteles e do Papa.Galileu simplesmente conseguiu motivos para gerar um grande conflito quandodisseram que ele não estava certo. O interessante é notar que no imaginário popular
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é justamente o oposto que se manifesta: a Igreja que foi ignorante e não aceitouGalileu.
O grande erro de Galileu foi tentar usar das escrituras como prova de que eleestava certo, tentando fazer com que o trecho: “O sol se levanta, o sol se põe;apressa-se a voltar a seu lugar; em seguida, se levanta de novo.” (Eclesiastes 1,5),mostrasse de alguma maneira que sua teoria estava correta. Galileu quis levar adiscussão (que era científica) para o caminho teológico, usando-se das Escrituraspara provar que sua tese era real. Esse foi seu grande erro, pois além de estarsendo herético (a heresia de manipular a bíblia de maneira que ela satisfaça suasnecessidades), ele foi derrotado pelos teólogos da época.
“Se examinarmos o processo, vemos que Galileu não foi condenado pelassuas teses científicas, mas porque tentava fazer teologia. O próprio Galileuafirmava, errando: visto que a Terra gira em torno do Sol, devemos mudar aSagrada Escritura. Nesse caso, quando Newton descobriu a gravitaçãouniversal e Einstein a relatividade, deveríamos ter mudado de novo ostextos sagrados” – Nicolau Cabibbo, presidente do Insituto Nacional deFísica Nuclear da Itália
São Roberto Belarmino (cardeal amigo de Galileu) esclareceu que a teoria
não poderia ser provada, e por isso seria tratado como o que ela era: uma hipótese.Ele escreve:
“Se houvesse uma prova concludente de que Sol está no centro do universoe a Terra está no Terceiro céu, e que o Sol não circula a Terra, mas a Terracircula o Sol, precisaríamos proceder com grande cautela ao explicarmos asEscrituras que parecem afirmar o contrário. Precisaríamos dizer que nósnão as entendemos, em vez de dizer que seu conteúdo é falso. Mas sóacreditarei em tal prova quando me for mostrada.” Carta de São Belarminoa Foscarini.
A prova que Belarmino pediu nunca foi mostrada, pois Galileu não a tinha.
4.3. O “JULGAMENTO”
Em 1616, pelo fato de Galileu não ter dado ouvidos e ter seguido em frentedefendendo sua hipótese como verdade irrefutável, o Cardeal Roberto Belarmino o
recomendou que parasse com isso, e que a partir de agora nem sequer defendessesua teoria. Galileu prometeu que o faria, e por isso não houve nenhum processoformal. O Papa Paulo V o acolheu, e também Papa Urbano VIII. Em 1624, Paulo III
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inclusive deu a Galileu medalhas e outros presentes, e lhe rogou que seguisserealizando seu trabalho.
Em maio de 1630, Galileu foi a R oma novamente para obter o Imprimatur (uma declaração da Igreja de que um livro é bom e deve ser lido por todo católico;em latim significa “deixem-no ser impresso”) do seu livro. Padre Riccardi (amigo doastrônomo) examinando o livro, concluiu que eram necessárias 3 correções:
1. Mudar o título de “Diálogo sobre as Marés”, porque destacava demais oúnico argumento (e errado) de Galileu para o sistema copernicano.
2. Alterar algumas passagens.3. Alterar o prefácio, de modo a não apresentar o sistema heliocêntrico como
verdade, mas sim como hipótese.
Diante disso, Galileu quis imprimir o livro em Florença, e Pe. Riccardiconcordou, desde que Galileu lhe trouxesse o primeiro exemplar com as correções,para receber o “Imprimatur”. O cientista argumentou que a peste da região impedia acomunicação entre as duas cidades, e então novamente Riccardi cedeu,concordando com o exame da obra em Florença, bastando enviar a Roma só o título
e Prefácio.
Em Florença, Galilei conseguiu outro revisor amigo seu, Stefani, que foiinduzido a pensar que a obra já tinha sido aprovada em Roma. Stefani concedeuautorização, o título e o prefácio foram enviados para aprovação, e o livro publicadoem 1631.
Riccardi recebeu um exemplar e viu com surpresa que antes da aprovaçãoflorentina, estava a sua, e sem nenhuma correção no livro: o sistema copernicanoera apresentado em toda a obra, exceto no prefácio, como verdade incontestável.Foi aí que Papa Urbano VII passou o assunto à Inquisição.
A comissão encarregada de examinar a obra destacou oito pontos, quedeveriam ser esclarecidos. Mas deixaram claro que a desobediência do cientista eraum agravante sério.
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Depois de vários adiamentos (doença, velhice, peste, inundações, entreoutras alegações) Galileu foi a Roma para julgamento. Foi submetido a quatroquestionamentos. No primeiro negou que houvesse defendido o sistemaheliocêntrico no livro. No segundo disse que relendo o livro, reparou em algunstrechos onde o leitor pode pensar que ele defendia o sistema. No terceiro desculpou-se por desobedecer a proibição de 1616, afirmando que não se recordara. E noquarto e último (21/06/1633) lhe perguntaram solenemente se ele defendia o sistemacopernicano, e ele negou. No dia seguinte, foi declarado em Decreto do Santo Ofícioem sentença pública: “... é absolvido da suspeição de heresia, desde que abjure,maldiga e deteste ditos erros e heresias...”
Na época que o famoso “julgamento” ocorreu, Galileu estava com 70 anos, e
uma saúde debilitada. Como já foi dito, ele não foi torturado nem preso. Enquantoestava em Roma, ficou primeiro na embaixada florentina e depois no apartamentodo palácio do Vaticano, acompanhado de um empregado, com vinho e comidafornecidos pela embaixada. Nunca houve um imenso tribunal cheio de inimigos.Estavam presentes apenas Galileu, dois oficiais e um secretário. Depois o relato dosoficiais foi submetido a um tribunal de dez cardeais, dos quais três se negaram avotar. Também é falsa a afirmação de que ele teria dito “E, no entanto, ela se move”,ao sair da sala. Essa afirmação apareceu pela primeira vez em um livro sobreGalileu, escrito dois séculos depois, sem nenhum embasamento empírico para essa
questão (MOCZAR, 2012).
É fato que a Igreja foi longe para obter uma retratação de Galileu, e isso sedeu por várias razões: seu escárnio público do papa, no diálogo citado anteriormente(publicado em 1632, que fazia chacota também de Aristóteles, que se é admiradonos dias de hoje, quanto mais no século XVI, renascentista); o fato de que Galileuensinou por anos sua teoria como se fosse fato, negando a todos que pudesse estarerrado; o conflito gerado com os protestantes, pelo fato de que o que o cientista fez
(de apresentar sua teoria como fato) criou uma impressão de que os católicos nãoligavam para verdades bíblicas (e só agravou ainda mais a difícil situação que sealastrava com o protestantismo); a depreciação que ele fez por cientistas e filósofosmuito respeitados; e por fim, a possibilidade da existência de uma teoria alternativaque pudesse ser tão plausível como as outras. Sobre este último ponto, o filósofo daciência Paul Feyerabend comenta: “A Igreja no tempo Galileu mostrou-se muito maisracional do que o próprio Galileu”.
Felipe Aquino também explica sobre a época do caso de Galileu:
“Outro fato, para alguns teólogos, a defesa de Galileu assemelhava-se comas inovações protestantes do “livre exame da Bíblia”, defendido por Lutero
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apartir de 1517. (...) Na época de Galileu ainda era pequeno odesenvolvimento das ciências naturais, então era normal usar as SagradasEscrituras também para explicações científicas, o que hoje não se faz mais”(AQUINO, 2009, p. 231).
Galileu retratou-se, e recebeu detenção. Em razão de sua saúde e idade, suapena foi um tipo de prisão domiciliar: deveria permanecer na sua casa em Toscana.O famoso Descartes observa que esta foi somente uma ação disciplinar dacomissão, não ratificada por Papa Urbano. Galileu passou então os últimos dez anosde sua vida produzindo sua melhor obra: um trabalho sobre física. De fato, este foimuito melhor do que seus estudos anteriores em astronomia, e Newton aproveitouseu trabalho sobre movimento e gravidade.
O Professor Annibale Fantoni, doutor em matemática e física pela
Universidade de Roma, italiano, mestre em filosofia e teologia, e autor do livro“Galileu – pelo copernicanismo e pela Igreja” (um dos livros mais respeitados sobreo assunto) conclui que é irracional pensar que Galileu foi castigado por sustentarque a terra gira ao redor do sol; se assim fosse Copérnico também teria sidocastigado (afinal teve a ideia antes de Galileu, e não sofreu nenhum processo). Adiferença é que Copérnico era um cientista humilde e afirmou suas ideias comohipóteses, e Galileu foi agressivo e teimoso, mesmo sem provas.
4.4. A CONSEQUÊNCIA DA MENTIRA
Nos dias atuais, Galileu tornou-se um ícone: o iluminismo cumpriu suamissão. O caso de Galileu (da maneira que foi e ainda é contado em muitos lugares)serve para gerar o atrito entre ciência e religião, e despertar na mente dos cidadãosessa ideia de que essas coisas são incompatíveis (pensamento esse que o próprioGalileu desaprovaria). O Arcebispo Gianfranco Ravasi, presidente do ConselhoPontifício para a Cultura, afirma:
“Efetivamente é necessário dizer que Galileu era um grande crente, e quedisse muitas coisas importas do ponto de vista da teologia, do métodoteológico, do método exegético. Precisamente sobre esta base, surpreendeum pouco que ainda se utilize Galileu como uma espécie de bandeira contraa Fé.” (DE LA TORRE, 24 de abril de 2009).
Para concluir a história, vale a pena citar os comentários do Prof. JoaquimBlessmann, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Mestre eDoutor em Ciências pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, que resumem bem ocaso:
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1. O episódio de Galileu é lamentável, mas compreensível, se levarmos emconsideração o ambiente, costumes e mentalidade vigentes naquelaépoca
2. A imagem Galileu versus Igreja