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II Seminário Nacional em Estudos da Linguagem: 06 a 08 de outubro de 2010

Diversidade, Ensino e Linguagem UNIOESTE - Cascavel / PR

ISSN 2178-8200

PERFORMANCE: O CORPO COMO EXPRESSÃO MÁXIMA E SINGULAR

LIMA, Mauricio Marcelino – G (UNIPAN/UNIBAN)1

RESUMO: A arte contemporânea ganha força a partir da década de 1960 embalada pela

arte conceitual; as manifestações e obras das Artes Visuais vão além da obra plástica e do

objeto pronto e acabado, ou da simples contemplação. A performance artística e o

happening são duas das tendências contemporâneas que dão início a uma maneira diferente

de se fazer arte, tendo o corpo do próprio artista como expressão máxima. Tanto a

Performance como o Happening podem acontecer em lugares diversos e inusitados, são

conseqüência de movimentos como o Dadaísmo, o Futurismo, a Bauhaus, a Pop Art, entre

outros que impulsionaram a mudança dos meios de expressão e a própria construção da

obra. Observando a importância dessas tendências e as similaridades que tanto o happening

e que a performance podem ter, este trabalho realiza uma análise reflexiva da performance

de Joseph Beuys – “I Like America e America Likes Me” ( Eu amo a America e ela me

ama - 1974), na qual o artista passa dias conversando isoladamente com um coiote – para

que se compreenda melhor a essência dessas novas tendências artísticas. Sendo assim

estes modos diversificados de apresentações-arte e de formas de expressão acabaram se

tornando extremamente notáveis e diferentes dentro da História da Arte, sendo que até hoje

existem grupos que as realizam, tornando-as cada vez mais difundidas na arte

contemporânea, como no grupo “Teatro Mágico”.

PALAVRAS-CHAVE: Arte Contemporânea, Expressão corporal, Performance,

Happenings.

1- Introdução

Com a efetivação dos movimentos de vanguarda no início do século XX, surgiram

mudanças drásticas e essenciais para a modernização e até mesmo para a renovação da arte

naquele período, no qual encontrava-se um tanto quanto que “obsoleta”, estagnada, voltada

para padrões imutáveis há séculos e que necessitava de uma nova carga de expressividade e

inovação, impulsionada pelo espírito revolucionário dos movimentos de Vanguarda e dos

grandes artistas que se colocaram a frente desses movimentos.

1 Acadêmico do último ano de Artes Visuais da UNIPAN/UNIBAN, orientado pela professora Ms. Andrea

Pessutti Rampini.

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Mesmo com as críticas e resistência inicial da sociedade e do possível descrédito,

esses artistas foram à luta e levaram a arte a uma nova essência e significância, superando

assim conceitos até então inquestionáveis e altamente valorizados no contexto histórico e

cultural. Difícil para os novos movimentos e artistas foi enfrentar as grandes academias de

arte, e pior, a não aceitação da sua proposta de ruptura pela maioria da sociedade, que de

certa forma mantinha a arte naquele momento como consumidores daquele mercado, dessa

forma ficou muito contraditório enfrentar os “clientes” com novos “produtos” que em sua

grande maioria não atendiam os gostos dos consumidores.

Dentre os diversos movimentos de vanguarda teremos alguns que foram importantes

para mais tarde a disseminação da arte das performances, como o Dadaísmo, que já

seguindo por uma linha mais radical e ainda mais inovadora nega a própria arte, criando

obras que fugiam de qualquer equilíbrio, usando sempre temas irônicos e absurdos para

chamar a atenção da sociedade. Além dele teremos o Futurismo que busca o dinamismo e o

movimento, e se vale dos manifestos e declamações como uma nova ferramenta de chamar

a atenção do público, tornando-se importante para o desencadeamento não só das

Performances, mais também dos Happenings no final do século XX. Também destaca-se a

Pop Arte, que ironiza a indústria popular, utilizando de figuras e ícones populares através

da mídia digital e histórias em quadrinho, com objetivo de despertar a população acerca do

consumismo e cultura de massa, extremamente utilizada pelas indústrias naquele período.

Nesse contexto teremos o artista Claes Oldenburg, que introduz algumas performances em

seus trabalhos.

A arte moderna com o passar das décadas será enfim aceita e institucionalizada

pelas academias de arte, muitas das obras acabam virando modelos de arte e foram

reconhecidas por boa parcela da sociedade. Porém esse grande acontecimento não foi o

suficiente para que todos compreendessem o verdadeiro sentido da modernidade, para

muitos ela será apenas tolerada, para não serem assim “taxados” de retrógrados ou

antiquados.

Foi possível então que a arte caminhasse para uma nova fase em sua cronologia,

com o surgimento do pós-moderno/contemporaneidade, que de certa forma será uma

“continuação” da arte moderna, por prezar ainda de alguns de seus conceitos, e ter a

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intencionalidade de novas experimentação, lembrando que ela não terá aquele espírito de

ruptura e sim a intenção de valorizar e em dados momentos utilizar os períodos artísticos

anteriores para a sua produção.

Apesar das performances terem as suas raízes também nos movimentos de

vanguarda, será na arte contemporânea que ela será amplamente disseminada e

independente, surgindo como uma tendência específica, acompanhada de outras similares e

que também tinham o corpo como expressão máxima e singular, como os Happenings e a

Body Arte. É nesse contexto que surge o artista Joseph Beuys, um dos mais notórios dentro

das Performances, o qual apresenta dentre suas obras primas a performance “I Like

America e America Likes Me”, que será tida como objeto de análise neste artigo.

2 -Arte contemporânea: Uma maneira diferente de se fazer Arte

Com a institucionalização da Arte Moderna, o espírito revolucionário que

impulsionava os movimentos de vanguarda perdeu o seu sentido natural de revolucionar e

de impactar o contexto artístico da época. Assim a arte moderna chega ao seu estágio final

desencadeando o desenvolvimento da arte Pós-moderna ou Arte Contemporânea que se

intensifica a partir da arte conceitual, dando início a uma nova maneira de se fazer a arte,

provocando novas experiências e se apropriando de materiais não convencionais. O

conceito ou a idéia que se tem de arte, torna-se a própria obra, independente do objeto

concreto que estávamos acostumados até então.

Segundo Arthur Danto, a passagem da arte moderna para a contemporânea por um

período ficou meio confusa, havendo uma fase transitória que ao certo não vai ficar muito

bem definida, “por muito tempo a arte contemporânea continuaria a ser a arte moderna

produzida por nossos contemporâneos”(DANTO, 2006, p.14).

Será a partir das décadas de 1970 e 1980, que finalmente haverá a distinção entre o

moderno e o contemporâneo, quando artistas, críticos se dão conta que as novas formas de

construção da obra de arte vão se distanciando da arte moderna e do seu espírito de

revolução e ruptura. No entanto, ao que parece contraditório, a arte moderna e toda a

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história tornam-se acessíveis para uma possível utilização na construção das obras

contemporâneas, assim como o autor afirma:

A arte contemporânea, em contrapartida, nada tem contra a arte do

passado, nenhum sentimento de que o passado seja algo de que é preciso

se libertar e mesmo nenhum sentimento de que tudo seja completamente

diferente, como em geral a arte da arte moderna. É parte do que define a

arte contemporânea que a arte do passado esteja disponível para qualquer

uso que os artistas queiram lhe dar. (DANTO, 2006, p.07)

Assim sendo a arte contemporânea fará referências a arte do passado em algumas

produções; o que irá diferenciá-la da Arte Moderna, é a forma como a obra será

configurada, o uso de materiais não artísticos, o modo de tratar o objeto como motivo de

reflexão e não mais de apenas contemplação. Além disso, teremos a utilização de objetos

cotidianos, não apenas descontextualizados de sua função, como os ready-mades de

Duchamp. Com a Arte Conceitual, seria possível que o significado do objeto, a idéia ou o

conceito que se faz dele se tornasse arte, portanto um conceito se tornaria o foco principal

da obra, e não mais o objeto como nos era convencionado. De acordo com Janson:

[...] os produtos da arte são secundários, acidentais, podemos dispensá-

los totalmente, da mesma maneira que as galerias, e por extensão até

mesmo o público do artista. O processo criativo só tem que ser

documentado de alguma maneira – geralmente de uma forma verbal, e às

vezes através da fotografia e do cinema. (JANSON, 2007. p. 399)

Um dos mais relevantes artistas da tendência conceitual, foi Joseph Kosuth que na

obra “Uma e três Cadeiras”, apresenta o objeto cadeira, uma fotografia dela e sua definição

retirada do dicionário. Foi justamente nesse período que a arte passou a ser conceitual,

transitória, dando início a uma nova fase dentro da arte - a contemporaneidade.

Sem dúvidas, o modo de se pensar a arte modificou a sua estrutura – que durante

muitos anos esteve condicionada a aspectos e características acadêmicas – transformando-

se radicalmente, exigindo um novo público para compreender a obra. É relevante destacar

que na década de 1960, surgiram maneiras ainda mais inusitadas de se apresentar obras de

arte, como os Happenings, as Performances e a Body Arte – tendências que utilizam o

corpo como expressão máxima e única para caracterizar suas obras, tornando-as cada vez

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mais inovadoras, as vezes radicais e extremamente efêmeras. Torna-se basicamente

impossível a reprodução exata de tais obras em outros momentos e lugares, sendo assim

necessário o uso de instrumentos da arte conceitual para documentar as suas obras: o vídeo

e a fotografia, únicos meios de imortalizá-las.

2.1 - O Corpo é o Objeto de Arte

O corpo foi utilizado como objeto de arte ainda no início do século XX, no

movimento Futurista, quando os artistas apresentavam seus inúmeros manifestos de modo

polêmico, aos gritos ofendendo o público. Em vários momentos é possível pensar que tais

apresentações eram a forma menos radical em relação às performances contemporâneas,

assim a autora Roselee Goldberg afirma; “em seus primórdios, a performance futurista era

mais manifesto do que prática, mais propaganda do que produção efetiva” (GOLDBERG,

2006, p.01).

Foi com o Futurismo, que os artistas daquela época encontraram nessa atividade

performática uma maneira diferente de expressar as idéias de seu grupo para o público. Foi

uma maneira inusitada de chamar a atenção para suas propostas, de realçar as suas

intenções e características que eles defendiam, para que através da inovação pudessem

buscar o público novamente para a arte.

Foi com os sarais futuristas que se intensificou o uso das performances, norteados

pelos princípios do teatro e da música, presentes nos seus manifestos. Segundo Goldberg:

“os manifestos estimulavam os artistas a apresentar performances mais elaboradas e as

experiências com as performances, por sua vez, levavam a manifestos mais detalhados”

(GOLDBERG, 2006 p.07).

A performance era o meio mais seguro de desconectar um público

acomodado. Dava a seus praticantes a liberdade de ser, ao mesmo tempo

“criadores” no desenvolvimento de uma nova forma de artista teatral, e

“objetos de arte”, porque não faziam nenhuma separação entre sua arte

como poetas, como pintores ou como performers. (GOLDBERG, 2006,

p.04)

Na história da arte, a performance se faz presente em movimentos subseqüentes

como no Dadaísmo, no Surrealismo entre outros, até que ultrapassa a Europa e chega nos

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Estados Unidos na década de 1930. No ano de 1945 a atividade já havia se tornado mais

importante e independente, se caracterizando mais intensamente pelas provocações que

eram sua marca registrada desde então. As performances foram se tornando cada vez mais

freqüentes e ousadas no meio artístico, conseguindo maior reconhecimento da crítica e do

público. Lado a lado com a performance, estavam o happening e até mesmo a Body Arte,

tendências que usavam o corpo como objeto de arte, no entanto apesar de certa similaridade

existentes entre performances, Body Arte o happening, cada uma delas apresentam algumas

diferenças importantes entre si.

Dos fatores que diferenciaram essas três tendências, o principal é que a performance

é elaborada previamente em relação ao happening, que muita das vezes usa o público e

improvisações se diferenciando nesse aspecto. Já a Body Arte, em sua essência é muito

radical com o objeto de arte “corpo”, partindo para o masoquismo; de modo geral o que

liga essas tendências é o uso do corpo como objeto artístico, além de em algumas atividades

explorarem as outras linguagens artísticas como o teatro, a música e a dança.

O happening é a atividade mais próxima das performances, sendo que suas origens

também se encontram no final da arte moderna, sendo muito utilizado por artistas do

Surrealismo, Neodadaismo e Pop Arte. Na década de 1960, com a tendência denominada

funk, percebe-se a inserção do corpo humano em obras de arte, como em “Couch (divã) –

1963” de Bruce Conner, que apresenta um cadáver em decomposição, certamente

assassinado e esquartejado, citamos também inúmeros quadros vivos de Colin Self como a

obra “Nuclear Victim (Vítima Nuclear)”, (SMITH, 2006, p.97).

O Happening será utilizado daí pra frente por diversos outros artistas, conquistando

a participação e valorização do público, se tornando mais difundido e independente de

outros estilos, criando uma identidade própria, se assimilando em partes com a Performance

– quanto ao uso das outras linguagens visuais – porém sendo mais inusitado e difícil de se

reproduzir em outros momentos e ou ambientes, devido a sua efemeridade e improviso.

3 -Um olhar para a Performance: “I Like America and America Likes Me”, de J. Beuys

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Com o avanço das performances européias e happenings americanos na década de

1950, a atividade acaba ganhando prestígio por artistas contemporâneos, os quais dariam

uma atenção especial para essa modalidade, tornando-a mais independente e com uma

identidade sólida, marca registrada na Arte Contemporânea.

Alguns artistas foram importantes na disseminação das performances, destaca-se

entre eles John Cage, Mercê Cunnningham e Allan Kaprow, que apresentou inúmeras

performances notáveis, como a obra “18 Happenings em 6 Partes” (1959). Teremos

também Joseph Beuys que apresentou a performance “I Like America and America Likes

Me” (Eu Amo a América e Ela Me Ama - 1974) – tema desse artigo – deste modo será

analisada para melhor compreendermos a sua intencionalidade e seus possíveis

significados.

Essa performance é uma das mais relevantes de Beuys, que ao longo da década de

1970 irá se destacar como um importante artista contemporâneo. Sempre ousado e

explorando temas marcantes e dramáticos, o artista “acreditava que a Arte era um elemento

importante na sociedade, devendo assim transformar efetivamente o dia-a-dia das pessoas”

(GOLDEBERG, 2006, p.123).

Beuys, em suas obras, apresenta uma espécie de simbolismo, com o uso de

elementos que faz relação com alguma coisa marcante para ele, assim como o feltro,

manteiga, lebres mortas, trenó, pás entre outros, sendo que esses objetos sempre irão

aparecer em suas criações performáticas ao longo de toda sua produção. Beuys se tornara

um artista polêmico devido ao seu posicionamento político e seu constante simbolismo, o

que torna sua obra difícil de ser compreendida sem antes conhecer um pouco de sua

história, o que esses elementos encontrados em suas performances significam.

Teve contato com o grupo Fluxus e a partir de então desenvolveu seus próprios

métodos de ensino quando lecionou na Academia Düsseldorf em 1961; porém a sua estádia

na academia não seria assim tão longa, afinal a sua maneira polêmica de criação e a própria

anti-arte que as vezes rondava a sua obra acabou sendo alvo de violentos protestos de

alunos, não agradando as autoridades o que desencadeou na sua demissão de Düsseldorf em

1972.

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Beuys foi um artista que viajou muito para a realização de suas performances, sendo

que em 1974 desembarcou em Nova Iorque para a apresentação de uma de suas obras mais

importantes, a performance denominada “I Like America e America Likes Me”, que em

português significa: Eu amo a America e ela me ama, no qual o artista passa dias numa

sala conversando com um coiote. Nesta obra além do coiote, Beuys utiliza um pedaço de

feltro, uma lanterna, uma bengala e a sua presença durante toda a performance junto ao

coiote. Ele passa todos aqueles dias enrolado no pedaço de feltro, que era mais do que um

simples pedaço de pano, era um isolante térmico, que o remetia a um acontecimento de sua

vida: aos 22, anos ele foi ferido na II Guerra Mundial e foi tratado por nômades numa

floresta da Criméia, onde os primitivos o esquentaram com feltro e passaram gordura nos

seus ferimentos. A partir de então, os elementos passam a ter um significado específico

para ele – de sobrevivência – utilizando-os inúmeras vezes em suas obras.

Durante a performance, apenas o coiote ficara ao seu lado. Era um animal que

representava a América – o lobo americano – e ao longo da performance, ele interagia com

o animal apresentando-lhe objetos como o feltro, a bengala, a lanterna elétrica e um

exemplar do jornal local, com a edição do dia; sobre esses objetos o animal urinava,

reconhecendo o seu território devido a presença humana. De acordo com Goldberg:

Coiote foi, nos termos de Beyus uma ação “americana”, o

“complexo de coiote”, a refletir ao mesmo tempo a história da

“I Like America and America Likes Me” – Joseph Beuys 1974 FONTE:http://www.greenmuseum.org/c/aen/Images/Ecology/a

merica.php

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perseguição aos índios norte-americanos e “toda a relação entre os

Estados Unidos e a Europa” (GOLDBERG, 2006, p.125).

O artista queria trocar de papel com o coiote, não queria ver nada da América,

apenas o coiote, como se ele esquecesse do restante das coisas que ali ocorrera; a invasão

pelos europeus, as dificuldades, a força bruta sobre os povos que ali residiam, os problemas

políticos, a guerra; ele queria se sentir como se não houvesse nada que o pudesse limitar.

Ao analisar todos os aspectos da obra e o teor social que eram atribuídas a ela,

podemos destacar a relação entre a invasão européia às terras da América e a liberdade. Na

obra de Beuys, o coiote significava para os nativos norte americanos, uma espécie de semi-

deus, e depois com a invasão européia, ele era apenas um animal que perturbava e deveria

ser exterminando. Olhando por esse ângulo podemos verificar que a intenção de Beuys com

o coiote seria a valorização da América pelos seus antepassados, através da figura de um

animal que representa a sua própria crença. A sua relação com o coiote durante aqueles

dias, de certa maneira, era de estranhamento assim como os europeus quando adentram ao

território dos nativos norte-americanos, ele sendo um humano invadia de certa maneira o

espaço do coiote, que por seu extinto se sentia acuado e acabava urinando nos objetos

apresentados a ele, na tentativa de marcar o seu território e intimidar o artista, como se

fosse um sinal que aquele local já tinha dono.

Refletindo sobre as questões que a obra levanta, podemos fazer uma relação com a

política, com a necessidade do ser humano conquistar territórios, assim como fez no

passado ao dominar a América e os nativos que aqui viviam, evidenciando assim que o

homem não é diferente do instinto animal, que também tem a necessidade do domínio e

conquista de seu território. Além disso, os outros elementos empregados por Beuys na obra,

como o feltro, com o qual ele se enrolada durante toda a performance enrolado, podem ter

funcionado como uma forma de defesa, e para demarcar o seu território na tentativa de

intimidar o coiote por ser algo diferente daquilo que o animal estava habituado; afinal ele

era um europeu e o coiote um “nato-americano”; aquela relação de invasão também pode

ser levada em conta e nunca se sabe como um animal selvagem pode se comportar.

Analisando por um outro ponto de vista, sua representação junto ao coiote não era de

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invasão ou de domínio, e sim de entendimento, de compreensão, uma maneira de se

relacionar passivamente com o animal que por sua vez representaria a América.

Em sua obra é possível analisar o contexto de liberdade, afinal, apesar da invasão e

dominação dos europeus à America, a liberdade foi novamente conquistada, e mesmo

naquele contexto de dominação, o homem podia dominar com a força física os nativos,

mais a interação deles com a sua terra, o seu conhecimento, suas crenças, não puderam ser

dominadas, e o coiote continuou livre, desfrutando a sua liberdade representando a América

e os seus ancestrais. Assim essa interação de Beuys com o coiote anos depois, foi uma

forma de demonstrar a cordialidade entre a Europa e a América, que apesar das suas

divergências, e da Europa de uma certa forma sempre se achar superior por ter dominado e

colonizado a América, é impossível não reconhecer a autonomia e a liberdade daquelas

pessoas, que hoje conquistaram o respeito e se relacionam com o restante do mundo de

igual por igual, independentes e em uma situação estável e talvez até melhor frente a outros

países, pois os EUA se apresenta como uma das maiores economias, e a Europa por sua vez

terá muito mais benefício sendo passível em relação a eles, do que confrontá-los.

A performance de Beuys, pode ainda ter por intencionalidade, amenizar conflitos

instaurados a séculos entre esses continentes, como a própria rivalidade econômica e social,

os ataques sofridos entre eles na II guerra mundial, onde os Estados Unidos emerge como

potência, e até mesmo os conflitos artísticos e culturais, pois a partir dos anos de 1940,

surgem novas tendências de origem americana, descentralizando o monopólio artístico que

até então era europeu. Refletindo sobre tudo isso; seria talvez intenção de Beuys sair da

sua terra para realizar uma obra na América a fim de mostrar mais uma vez que, na

contemporaneidade não há mais monopólios e superioridade no fazer artístico; que a

universalização da arte é fato consumado e que pode pelo menos por si só trazer

entendimento no mundo artístico. Ficam então essas suposições, para refletirmos e

analisarmos, afinal a arte Contemporânea não nos dá as respostas prontas, mais nos leva a

construí-las, não se preocupa em manipular o espectador, e sim torná-lo crítico,

participativo e indispensável em toda e qualquer obra contemporânea.

4 -Considerações Finais

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Podemos observar que a arte contemporânea, apesar de incompreendida e

perturbadora para grande parte das pessoas, proporcionou uma nova expressividade,

valorizando o corpo humano e o elevando como objeto artístico máximo, singular, efêmero

e inigualável. Através das Performances, dos Happenings, entre outros que utilizam o corpo

como elemento de expressão, a arte vai atingir um patamar totalmente diferente e jamais

visto dentro da história, passa a tomar elementos, objetos e materiais não artísticos

possíveis de se tornar arte.

Nesse contexto surgem artistas como Joseph Beuys, que com notoriedade mostra

uma obra magnífica e muita vezes incompreendida, mas que traz fatos políticos e sociais,

relaciona culturas e acontecimentos assim como na obra - “I Like America e America Likes

Me”, que com sua criatividade e temas polêmicos trata a arte como elemento da essência

humana, sendo necessário em nosso cotidiano e possível de qualquer um de nós criarmos

algo novo e inédito, desde que tenha finalidade artística e objetivos.

A obra de Beuys analisada nesse artigo nos leva a perceber que a arte

contemporânea nos proporciona momentos de reflexão e crítica, e possibilita a

interpretação pessoal a partir dos aspectos que a obra nos apresenta e a própria

intencionalidade do artista.

No entanto temos que compreender a linguagem que nos é apresentada, e nos

fundamentarmos no contexto em que a obra está inserida, nas especificidades e vida do

artista para que com isso, alcançamos uma leitura diferenciada. Afinal a Arte

contemporânea de modo geral, tem esse caráter de reflexão que possibilita leituras que são

instigadas pela forma como o artista usa seus elementos, de acordo com sua

intencionalidade que pode estar de maneira subjetiva, podendo assim despertar no público

reflexões diferenciadas, interpretações inusitadas, tornando-se uma obra originalmente

contemporânea, com intenção de levar os telespectadores a analisar, observar e tentar

relacioná-la com o contexto na qual ela se encontra, tentando assim compreender a essência

e intenção do artista ao produzir essa obra.

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Referencias Bibliográficas

DANTO, C. ARTHUR. Após o Fim da Arte: A Arte Contemporânea e os Limites da

História. 1ª Edição. São Paulo: Editora Udusp, 2006.

GOLDBERG, ROSELEE. A Arte da Performance: do Futurismo ao Presente. 1ª Edição.

São Paulo: Editora Martins Fontes, 2006.

H.W JANSON e JANSON F. Anthony. Iniciação a História da Arte. 4ª Edição. São Paulo:

Editora Imfe, 2007.

SMITH-LUCIE, EDWARD. Os Movimentos Artísticos a partir de 1945. 1ª Edição. São

Paulo: Editora Martins Fonte, 2006.

Sites:

MACIEL, Pedro. A Arte Como Destino do Ser. Disponível em

http://www.digestivocultural.com/ensaios/ensaio.asp?codigo=8

Acesso em 21/jul./2010.


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