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IMPLICAÇÕES POLÍTICO-PEDAGÓGICAS NAS IMAGENS DE CORPO EM

LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS: UMA RELEITURA

Denise de Souza Destro

(SME/JF; Faculdade Metodista Granbery – JF/MG)

Resumo

Partir da experiência do aluno tem sido largamente difundido como princípio pedagógico,

atualmente vinculado à defesa de políticas curriculares e pedagogias com viés cultural. Neste

contexto, o livro didático torna-se um instrumento importante ao veicular diferentes ideias e

concepções acerca das disciplinas escolares e, portanto, artefato educacional de suma

importância para diferentes estudos. Entendendo que o partir da experiência do aluno provém

de sua vivência enquanto ser histórico e que estabelece relações com o outro a partir de sua

corporeidade, buscamos analisar, em um momento anterior, os significados das imagens de

corpo nos livros didáticos de ciência das décadas de 1980 e 1990, sendo que estas imagens

(re) produziam estereótipos e estavam a serviço de uma pedagogia cartesiana e racionalista,

comprometendo, assim, o empoderamento dos alunos. Atualmente, entendendo que as

políticas para o livro didático sofreram mudanças, objetivou-se com este estudo, analisar as

imagens de corpo veiculadas pelos atuais livros didáticos de ciência para o oitavo ano do

ensino fundamental, com o propósito de verificar quais significados estas imagens trazem e

quais identidades elas suscitam. A partir da interpretação das imagens pela via dos Estudos

Culturais (HALL, 2003), verificou-se nas análises realizadas que houve mudanças

significativas nas imagens de corpo veiculadas pelos livros didáticos de ciência e que elas

contribuem para o fortalecimento de uma pedagogia cultural, uma vez que as mesmas fazem

circular diferentes identidades de grupos minoritários na sociedade, contribuindo para uma

visão de corpo em sua totalidade, para uma postura de alteridade e para uma visão ampla do

social. Nesse sentido, entendemos que as imagens são de suma importância nos processos

pedagógicos porque viabilizam processos de significação, veiculando significados sociais e

culturais, não podendo, portanto, ser entendidas como ilustrações despretensiosas de

conteúdos sobre o corpo.

Palavras-chave: Livro Didático. Imagens. Corpo.

Partir da experiência do aluno. Desde meados do século XX até os dias atuais, esta

tem sido uma afirmativa bastante propagada como princípio pedagógico na história do campo

da didática no Brasil. Em virtude das diversas perspectivas teóricas deste campo, da

complexidade das relações sociais e de suas igualmente complexas implicações para a

Educação, os debates na pedagogia tornaram-se múltiplos e o partir da experiência do aluno

se fez presente em políticas curriculares públicas, caracterizando a defesa de pedagogias

vinculadas às políticas culturais, no sentido da defesa de conhecimentos pertinentes ou

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 302482

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significativos para determinado grupo social, defesa esta vinculada a um saber que indica um

pertencimento a uma identidade.

Problematizamos essa questão em 2002, quando os estudos de Giroux (1999) e de

Candau; Anhorn (2000) assinalavam para insatisfações em relação às construções teóricas e

destacavam as práticas pedagógicas que assumiam o partir da experiência do aluno como

princípio pedagógico. A partir de tal problema, empreendemos um estudo abrangendo as

relações entre experiência, corpo e livro didático.

Assim como Giroux (1999), vemos a possibilidade de avançar na superação da

insatisfação com as construções teóricas e práticas pedagógicas à medida que situamos as

pesquisas em uma política cultural, entendendo a ênfase na experiência como princípio

pedagógico, como característica central de uma pedagogia cultural.

Nessa perspectiva, a ênfase na experiência não significa apenas uma motivação para a

aprendizagem ou a pertinência do conhecimento selecionado a um grupo identitário, mas

sim, uma preocupação em como se constroem os significados em sala de aula, de modo à

“[...] estabelecer condições de aprendizagem que permitam aos alunos se localizarem na

história e interrogarem a adequação dessa localização como uma questão ao mesmo tempo

pedagógica e política” (GIROUX, 1999, p. 213). Reafirmando essa premissa de modo ainda

mais radical, atualmente compreendemos a experiência como,

[...] uma posição autenticadora em qualquer análise cultural. Em última análise,

trata-se de onde e como as pessoas experimentam as suas condições de vida, como

as definem e a elas respondem. [...] Na ‘experiência’ todas as práticas se

entrecruzam; dentro da ‘cultura’ todas as práticas interagem – ainda que de forma

desigual e mutuamente determinante (HALL, 2003, p. 142).

Essa forma a que se refere Hall (2003) remete ao alerta disparado por Oliveira (2014,

p. 266) ao se referir às contribuições de Williams para a compreensão da cultura e da

experiência: “[...] ela se estrutura em termos basicamente societários, em relações que muitas

vezes escapam à premissa de autonomia ou autodeterminação dos indivíduos, pela própria

força dos modos de seleção e transmissão da cultura”.

Tais aportes nos possibilitam situar a construção de significados pertinentes ao

processo de escolarização a partir da experiência, na cultura vivida. Assim compreendida, a

experiência implica uma vivência corpórea, em que o corpo faz a mediação entre experiência

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EdUECE - Livro 302483

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e pedagogia. Desse modo, o corpo ganha centralidade nos processos didáticos e,

consequentemente, na necessidade de o focalizarmos em nossas pesquisas.

Em consequência dessa compreensão, em 2002, fizemos uma pesquisa indagando

sobre o lugar do corpo e sobre como ele estava sendo abordado nos processos de ensino.

Diante do fato de os livros didáticos serem um elemento central nesses processos,

perguntamos, ainda, como o corpo estava sendo apresentado nestes instrumentos

pedagógicos. No desenvolvimento da pesquisa, elegemos os documentos figurados como um

modo privilegiado para entender a forma como o corpo vinha sendo exposto nos livros

didáticos e quais significados que ele comunicava nesses livros. Frente a esta opção,

perguntamos: as imagens de corpo apresentadas nos livros didáticos favorecem ou não a

existência de empoderamento no processo de ensino? Quais as relações entre sujeito,

conhecimento e poder proporcionadas por imagens de corpo em livros didáticos?

Em termos metodológicos, entendemos os livros didáticos como documentos de

pesquisa, e as imagens que nele são contidas, como “[...] textos imagéticos [que] carregam

significados simbólicos” (VEIGA-NETO, 2002, p. 56). Nesse sentido, salientamos que a

leitura de imagens é uma das muitas maneiras possíveis de leituras, o que “[...] implica

aprender como apreciar, decodificar e interpretar imagens, analisando tanto a forma como

elas são construídas e operam em nossas vidas, quanto o conteúdo que elas comunicam em

situações concretas” (ibidem, 2002, p. 56).

No estudo anterior, objetivávamos identificar relações político-pedagógicas

suscitadas pelas imagens de corpo em livros didáticos de Ciências. Para tanto, selecionamos

14 livros didáticos de Ciências para a análise, compreendidos entre a 5ª a 8ª séries do ensino

fundamental, publicados por cinco diferentes editoras no decorrer das décadas de 1980 e

1990.

Muito embora destacássemos as potencialidades do corpo para a efetivação do partir

da experiência, encontramos uma divisão cartesiana e racionalista dos corpos, em que eles

eram apresentados de forma mutilada: ora a cabeça, ora as mãos; ora o tronco, ora os

membros. Estas (in) cisões sugeriam uma racionalidade que divide corpo e mente, teoria e

prática, pensar e fazer.

No que diz respeito aos significados relacionados à identidade, encontramos a

ausência de imagens de corpo de pessoas idosas e a imagem estereotípica de família, do

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EdUECE - Livro 302484

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gênero feminino e da população negra. As imagens eram, respectivamente, de corpos jovens,

no modelo heteronormativo, em trabalhos hierarquicamente inferiores aos dos homens e em

situação de vulnerabilidade social. Assim, elas sugeriam uma despotencialização de quem

não se enquadra na lógica da moderna racionalidade técnica e de uma identidade masculina,

branca, jovem e heterossexual.

A pedagogia presente na representação de corpo nos livros didáticos analisados

encontrava-se configurada pela carência, pela docilização e pela disciplinarização de corpos

e mentes, em um movimento que direciona os sujeitos a não aceitação de si mesmos,

sugerindo uma pedagogia racionalista.

Passados onze anos desta pesquisa, mantendo-se a presença significativa dos livros

didáticos nos processos de ensino, a necessidade de superação teórico-prática da pedagogia

cultural, bem como a constante redefinição de políticas editorias dos livros didáticos,

consideramos pertinente realizar uma releitura das imagens de corpo em livros de ciências

atuais indagando: houve mudanças na imagens de corpo nos livros didáticos de ciências na

última década? Em que sentido elas ocorreram e a quais significados remetem? Ainda

persiste a perspectiva racionalista de corpos e identidades?

A análise exposta neste texto é uma interpretação de imagens sob a ótica cultural,

porque se inscreve nos Estudos Culturais (HALL, 2003), pretendendo ser um exercício de

ligação, de permeabilidade entre mundo, imagem de corpo e possibilidades de significação

por meio de livros didáticos. Para empreendermos nova pesquisa, nos apoiamos teoricamente

nas contribuições de Kofes (1994), Giroux (1999), Veiga-Neto (2002), Vianna e Castilho

(2002), Trindade (2002), Najmanovich (2002), Hall (2003), Carvalho (2014) e Oliveira

(2014).

Imagens de corpo: racionalidades e identidades

A base empírica deste estudo conta com livros de ciências para o 80 ano do Ensino

Fundamental, com temática voltada ao estudo do corpo humano. Foram considerados cinco

livros de quatro editoras distintas – SM, Moderna, FTD e Positiva; sendo que estas duas

últimas se encontram no PNLD (Plano Nacional do Livro Didático).

No estudo anterior, inferimos duas descobertas: a pedagogia que se realiza nesses

materiais é uma pedagogia moderna e as identidades culturais apresentadas aos discentes (re)

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EdUECE - Livro 302485

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produzem estereótipos e sugerem ausências. Nessa pedagogia há uma centralidade da razão,

observada na grande quantidade de figuras de tronco do corpo humano, predominantemente

da cabeça. Entre essas figuras, chamou-nos a atenção os cientistas de renome (Newton,

Mendel, Lavoisier, Darwin entre outros), serem apresentados somente com suas cabeças,

introduzindo o conteúdo a ser tratado (FIGURA 1). Nesta pesquisa, pode-se perceber que

este tipo de imagem é menos frequente, porém utiliza-se da mesma estrutura, ou seja,

apresentam-se os cientistas somente da cintura para cima (FIGURA 2).

Em reforço à cisão e racionalização, na introdução dos exercícios e nos exemplos de

experimentos nos livros do estudo anterior, destinados como atividades dos alunos, aparece

somente a figura de mãos. Esse contraponto suscita a ideia de que aos cientistas cabe produzir

conhecimentos e aos docentes e discentes resta a repetição manual. Em linhas gerais, o que

parece haver é uma cisão entre corpo e mente que, em consonância com a racionalidade

hegemônica em nossa sociedade, dividem aqueles que pensam e planejam daqueles que

cumprem e executam (FIGURA 3). Já no estudo atual, nos livros das Editoras SM e Moderna,

este tipo de introdução aos exercícios não é encontrado, porém nos das Editoras FTD e

Positivo, são encontradas figuras antecedendo questões para reflexão e experiências práticas

(FIGURA 4 e 5), sugerindo a dicotomia entre fazer e pensar.

No estudo anterior, assinalamos o esfacelamento do corpo em detrimento à sua

apresentação por inteiro. Nessas obras são apresentadas figuras de mãos, pés, braços, órgãos,

sistemas orgânicos, células, etc., isoladamente. O corpo era ensinado de modo mecanicista,

dividido em compartimentos estanques, limitado a uma visão biológica, o que poderia

impedir que o mesmo fosse visto em sua totalidade pelos/as estudantes. A esse respeito,

Najmanovich (2002, p. 89) nos alerta dizendo que “as concepções mais comuns da

corporalidade têm se caracterizado por um pensamento que divide o conhecimento em

compartimentos estanques. Esta forma de pensar tem limitado o corporal ao biológico, o vivo

ao físico e o físico ao mecânico”. Acrescenta ainda que, com o estudo do corpo humano

“retalhado em “aparelhos” e “sistemas”, isolados do seu meio nutriente, o corpo tornou-se

antônimo da alma. O homem se afastou da comunidade, a pessoa do organismo, a

humanidade do cosmo” (NAJMANOVICH, 2002, p. 91). Assim o corpo era tratado de modo

dissociado de seu entorno e da totalidade social, numa direção contrária à experiência como

princípio pedagógico.

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EdUECE - Livro 302486

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Nos livros mais recentes, podemos visualizar avanços em relação a esta questão uma

vez que, ao introduzir um determinado sistema corporal nas unidades didáticas, este é

apresentado dentro de um corpo em sua totalidade, para depois ser selecionado e destacado

para o processo de ensino e aprendizagem (FIGURA 6).

A relação entre corpo, identidade e relações de trabalho sofreu alterações nos livros

considerados no estudo atual. Nos anteriores, era comum visualizarmos situações de trabalho

braçal serem identificadas com imagens de pessoas negras, enquanto trabalhos de melhor

estratificação social eram identificadas com imagens de pessoas brancas. Nos livros atuais,

essa situação se transformou, uma vez que se tornou comum a imagem de pessoas negras em

trabalhos de prestígio social (FIGURA 7 e 8).

Nessa mesma perspectiva, encontramos mudanças em relação à identidade de gênero.

Nos livros das décadas de 1980 e 1990, havia um considerável número de figuras do sexo

masculino em detrimento de figuras do sexo feminino. Além do quantitativo, sobressaíam

imagens da mulher relacionando-as aos trabalhos domésticos e aos cuidados com outros

(idosos, crianças e homens) (FIGURA 9). Entretanto, nos livros analisados neste estudo,

pode-se perceber a presença da imagem de mulheres e suas intervenções em espaços vistos

como lócus masculinos (FIGURA 10 e 11). Isso contribui para a ruptura com estereótipos da

identidade feminina e para o reconhecimento das conquistas feitas pelas mulheres na

sociedade.

Na pesquisa anterior, observamos que a sexualidade estava ausente das discussões,

sendo tratada somente quando se fazia referência aos órgãos genitais e no sistema reprodutor,

sem considerar os aspectos relacionados com o prazer corporal e a afetividade. Não havia

também o reconhecimento da diversidade de identidades e orientações sexuais. Já na pesquisa

atual, tem-se a sexualidade abordada para além da maturação sexual. No livro da Editora

Moderma (BRÖCKELMANN, 2010, pp. 46-47) encontra-se um esquema relacionado aos

papéis e orientações sexuais, o que entendemos ser de extrema importância, pois extrapola

as discussões pautadas apenas nas mudanças biológicas e aparentes da adolescência

(FIGURA 12). Os livros mais recentes discutem métodos contraceptivos, ilustrando-os e

ensinando como utilizá-los.

Apesar deste avanço, é importante destacar que a sexualidade é relacionada apenas à

fase da adolescência, não ampliando a discussão para adultos, idosos e não heterossexuais,

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EdUECE - Livro 302487

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podendo contribuir para a reprodução de preconceitos e para a invisibilidade de diferentes

identidades.

Ainda no que diz respeito às identidades, corpos de grupos minoritários em nossa

sociedade estavam ausentes nos livros da pesquisa anterior. Porém, em livros de 2010, já

trazem imagens e discussões acerca de deficientes, anões, ‘gigantes’ e síndromes, por

exemplo, a Síndrome de Down (FIGURAS 13, 14, 15).

Quanto às pessoas idosas, seus corpos também estavam ausentes dos livros analisados

anteriormente. Nos atuais, a presença do idoso é mais constante, sendo relacionado ao

envelhecimento biológico e à herança genética (FIGURA 16), porém identificam-se idosos

cuidando de suas saúde, sendo comum visualizarmos imagens desta população na prática de

exercícios físicos (FIGURA 17).

Nas edições de 1980 e 1990, o corpo apresentava-se com uma forma e um tempo

padrão (homem, jovem, branco, adulto e heterossexual), não aparecendo o tempo vivido e,

assim, concebido em um tempo fixo, portanto ahistórico. Essa questão tornava-se

problemática porque se limitava a um padrão de produtividade, beleza, saúde, enfim, a uma

identidade padrão. Nas edições mais recentes, encontramos corpos mais heterogêneos,

marcando certa historicidade, como também diferentes identidades.

Em linhas gerais, lembramos que “[...] o significado não pode ser fixado

definitivamente” (HALL, 2003, p. 33). No transcorrer de três décadas, observamos que as

imagens nos livros didáticos sofreram mudanças significativas, apresentando mais corpos

inteiros dos que fracionados; mulheres e homens ocupando espaços sociais de forma

igualitária; e imagens de negros e negras em quantidade superior a épocas anteriores e mais

qualitativas, ou seja, em situações sociais e de trabalho, esporte e vida social entendidas, até

pouco tempo atrás, como “lugar de branco”. Outro indicativo de mudança qualitativa são as

imagens de idosos orientadas para questão da vida com saúde e não somente em situações de

doenças e vulnerabilidade.

Em conseqüência, os processos de significação nas imagens de corpo nos livros

didáticos de ciências para o ensino fundamental analisados nesta pesquisa podem vir a

contribuir com a alteridade, com o reconhecimento da diferença na produção de identidades

de grupos como homossexuais masculinos e femininos, trabalhadores, crianças, idosos,

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EdUECE - Livro 302488

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mulheres, negros, deficientes, considerando assim o universo cultural brasileiro e, desse

modo, as experiências dos alunos, acolhidos em uma pedagogia cultural.

Considerações Finais

Deste estudo reiteramos o reconhecimento da existência de conexões entre

pedagogia, política e cultura no processo de escolarização e o corpo como objeto de mediação

entre essas dimensões, como lugar de significação, prazer e vivência, dinâmico e subjetivado,

construído historicamente. Essa centralidade do corpo nos processos de significação precisa

ser considerada se quisermos construir conhecimentos tendo a experiência dos estudantes

como princípio pedagógico, se almejamos uma pedagogia cultural.

Após as comparações entre livros didáticos do final do século vinte e livros didáticos

do início deste século, nos deparamos com mudanças substantivas em termos de imagens

representativas de diferentes identidades, sugerindo que as demandas advindas de grupos

minoritários da sociedade e, ainda, os resultados de pesquisas de vários campos disciplinares

em torno do livro didático e da sua utilização como instrumento pedagógico estão sendo

consideradas pelas políticas editoriais e por políticas públicas que proporcionam a existência

desses livros em escolas públicas brasileiras.

Finalmente, outro aprendizado resultante desta pesquisa é a compreensão de que pôr

a imagem em foco nos processos de pesquisa, aguça a vigilância para a importância da

imagem nos processos pedagógicos e identitários, de modo a criar condições para que os

sujeitos intervenham, cada vez mais, em suas próprias condições de formação e na forma

como olham o mundo e, sobretudo, a si mesmos.

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Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 302489

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Fonte: SILVA JÚNIOR, C. ; SASSON, S. e

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Figura 2 - Wallace

Fonte: BRÖCKELMANN, R. H. Projeto

Araribá: ciências: ensino fundamental. 3a ed. São

Paulo: Moderna, 2010, p.24.

Figura 3 – Introdução aos exercícios

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EdUECE - Livro 302490

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Fonte: SCHWENCK, Terezinha do Carmo. Ciências: ação & transformação. São Paulo: Do Brasil, 1997, p. 15.

Figura 4 – Introdução aos exercícios

Fonte: CARVALHO, W. L. P.; GUIMARÃES, M. A.

Ciências para o nosso tempo: 80 ano. Curitiba: Positivo,

2011,

p. 20.

Figura 5 – Organizando o

pensamento

Fonte:TRIVELLATO JÚNIOR, J. et al.

Ciências, natureza & cotidiano. São

Paulo, FTD, 2010, p. 155.

Figura 6 – Órgãos e Sistemas do Corpo Humano

Fonte: GODOY, L. P.; OGO, M. Y. Vontade de saber ciências. São Paulo: FTD, 2012,

pp. 35-36.

Figura 7 – Trabalhador em Refinaria de Sal

Fonte: SILVA JÚNIOR, C. ; SASSON, S. e

SANCHES, P. S. B. Ciências, entendendo a

natureza: a matéria e a energia. São Paulo:

Saraiva, 1995, p. 81.

Figura 8 – Médico

Fonte: AGUIAR, J. B. V.; SIGNORINI,

P. Para viver juntos: ciências. São

Paulo: Edições SM, 2011, p. 93.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 302491

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Figura 9 – Energia

Fonte: SILVA JÚNIOR, C. ; SASSON, S.;

SANCHES, P. S. B. Ciências, entendendo a

natureza: a matéria e a energia. São Paulo:

Saraiva, 1995, p. 159.

Figura 10 – Mulher cientista

Fonte: CARVALHO, W. L. P.; GUIMARÃES,

M. A. Ciências para o nosso tempo: 80 ano.

Curitiba: Positivo, 2011, p. 65.

Figura 12 – Orientação Sexual

Fonte: BRÖCKELMANN, R. H. Projeto Araribá: ciências: ensino fundamental. 3a ed. São

Paulo: Moderna, 2010, pp. 46-47.

Figura 13 – Deficientes

Fonte: AGUIAR, J. B. V.;

SIGNORINI, P. Para viver

juntos: ciências. São Paulo:

Edições SM, 2011, p. 93.

Figura 14 – Nanismo e

Gigantismo

Fonte: CARVALHO, W. L. P.;

GUIMARÃES, M. A.

Ciências para o nosso tempo: 80

ano. Curitiba: Positivo, 2011,

p.130.

Figura 15 – Síndrome de

Down

Fonte: GODOY, L. P.; OGO, M.

Y. Vontade de saber ciências.

São Paulo: FTD, 2012, p. 296).

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 302492

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Figura 16 – Idosos

Fonte: BRÖCKELMANN, R. H. Projeto Araribá:

ciências: ensino fundamental. 3a ed. São Paulo: Moderna,

2010, pp. 68-69.

Figura 17 – idoso e exercício físico

Fonte: AGUIAR, J. B. V.; SIGNORINI, P. Para viver

juntos: ciência. São Paulo: SM, 2011, p. 112

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