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INFLUÊNCIA DA VELOCIDADE DE ENCHIMENTO SOBRE A

FORMAÇÃO DE DEFEITOS EM PEÇAS DE ALUMÍNIO:

SIMULAÇÃO NUMÉRICA VS. RESULTADOS EXPERIMENTAIS

Verran, G. O. (1); Rebello, M.A. (2); Oliveira, C. G.(1) Dr. Eng. DEM-CCT/UDESC; CTMa/IST-SOCIESC, Joinville/SC, Brasil

[email protected] ; [email protected]

(2) Msc. Eng. IST-SOCIESC, Joinville/SC, Brasil

[email protected]

(3) Eng. Mec. Ind. de Fundição Tupy, Joinville/SC, [email protected]

Resumo – A utilização da simulação numérica como ferramenta de trabalho na engenharia de

fundição está apresentando uma utilização crescente e cada vez mais eficiente na otimização de

projetos e processos, entretanto até o presente existem poucos estudos relacionados com a avaliação

da eficiência destes softwares em fundição sob pressão, onde os eventos enchimento da cavidade e

solidificação da peça ocorrem sob condições totalmente diferentes daquelas encontradas nos processos

por gravidade. Neste trabalho foi realizado um estudo comparativo entre os resultados da simulação

do enchimento de uma peça fundida sob pressão usando a liga Al9Si3Cu, com as peças obtidas

experimentalmente usando as mesmas condições de processamento. Foram obtidos diferentes lotes de

peças usando velocidades distintas, com o objetivo de provocar a ocorrência de defeitos tipo solda fria

e porosidades. A comparação entre os resultados obtidos nas simulações e as peças fundidas mostrou

resultados que confirmam a capacidade do software de indicar a possível ocorrência de defeitos em

função dos parâmetros de processo utilizados.

Palavras chave: Fundição sob pressão, Simulação, Enchimento, Defeitos, Solda Fria.

Abstract - Despite the increasing use of numerical simulation of general casting problems, and its

well known efficiency, at the present it still exist relatively few studies on the efficiency of numerical

methods to simulate pressure casting. In such processes, the events associated with the filling front and

solidification take place under markedly different conditions from those found in gravity casting. This

work presents a comparison between experimental and numerical results of pressure casting of

Al6Si3Cu under the same conditions. Simulation was performed for several filling velocities in order

to create conditions of defects to occur, such as cold shut and pin holes. The results show that, for the

pressure casting conditions used, the software was able to predict correctly the occurrence of defects.

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Key-words: Pressure Die Casting, Simulation, Filling, Defects, Cold Shuts.

1. Introdução

Na simulação da fundição sob pressão tem-se uma prévia do comportamento do metal

fundido desde o preenchimento até a sua completa solidificação e extração, incluindo

condições de ciclo, tais como tempo de abertura e fechamento do molde, tempo para extração

e limpeza, número de ciclos e etc. Mas para que esta simulação corresponda ao que se passa

em condições reais, o software de CAE deve estar apoiado em equações e leis que regem

todos os fenômenos envolvidos no processo, e desta forma as equações são resolvidas de

acordo com as condições de contorno que o operador impõe, tais como a geometria da peça e

os parâmetros de fundição. Pode-se afirmar então que tanto melhor será o software de

simulação quanto mais a solução numérica, fornecida na simulação, se aproximar da solução

analítica das equações fundamentais [1]. Esta diferença se dá devido a complexidade das

equações fundamentais, fazendo-se necessário algumas aproximações e simplificações, que

dependendo da situação podem comprometer os resultados da simulação em questão.

Na fundição sob pressão a concepção da câmara de injeção e o mecanismo de

alimentação da mesma, fazem com que quando ocorre o disparo boa quantidade de ar seja

forçada para dentro da cavidade, o que além de tornar a regime mais turbulento, contribui

para o aparecimento de porosidades. Alguns trabalhos têm sugerido a mudança desta

concepção, propondo formas alternativas para a alimentação da câmara de injeção de forma

não turbulenta [1]. A alta complexidade da cavidade favorece o regime turbulento de

preenchimento do molde, que pode ser amenizada com o posicionamento adequado dos

canais de ataque, além de um perfil apropriado da zona de ataque, conforme estudo anterior

[2]. A velocidade de injeção atua diretamente na forma de escoamento dentro da cavidade e

indiretamente promove, de forma branda, a redução da viscosidade da liga, pois quando o

metal é transferido da câmara de injeção para a cavidade é forçado a passar pelo ataque, e

nesse ponto o fluxo metálico é acelerado violentamente, promovendo o aquecimento do metal

líquido em função do forte cisalhamento. Birch [3] demonstrou que a velocidade no ataque

não interfere no volume de porosidade, mas sim no tamanho e distribuição dos poros. Ou seja,

o aumento da velocidade no ataque reduz o tamanho do poro e provoca sua dispersão dentro

da peça. O tempo de injeção juntamente com a velocidade de ataque, servem como ponto de

partida para o cálculo de outros parâmetros, uma vez que interfere diretamente na

temperatura da frente de enchimento, pois maiores tempos implicam em maior extração de

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calor do metal líquido e conseqüente redução de sua temperatura levando a incidência de

solda fria [4,5]. Neste trabalho é proposto um estudo sobre a influência da velocidade de

injeção sobre a incidência de defeitos tipo solda e porosidade, usando como ferramentas a

observação experimental e a simulação via um software de CAE.

2. Metodologia

No desenvolvimento experimental foi utilizada uma peça com características

adequadas ao processo de fundição sob pressão, injetada usando uma máquina com recursos

para controle de parâmetros de processo, de forma a alimentar o software e tentar simular

as mesmas condições. A peça escolhida, em liga AlSi9Cu3, possui massa de 1,05 kg e

dimensões conforme a Figura 1.

As amostras foram fundidas em injetora de câmara fria com força de fechamento de 850

toneladas força, a temperatura do metal líquido no forno de espera se encontrava a 670°C e a

alimentação da câmara de injeção foi feita por braço mecânico. Foram injetadas algumas

peças, para aquecimento do molde, e a cada ciclo, a temperatura na superfície da cavidade foi

aferida através de um pirômetro a laser, segundos antes do fechamento do molde, até atingir a

temperatura de regime de trabalho em 255°C, na superfície da cavidade. As amostras foram

produzidas em 4 lotes de 5 peças, sendo cada lote, com variações na velocidade de injeção,

tendo sido utilizadas velocidades de 1,05 – 1,75 – 2,45 e 3,15 m/s. A peça mais

representativa de cada lote de cinco peças foi fotografada e também submetida ao exame de

raio X de modo a evidenciar, respectivamente, os defeitos de solda fria e porosidade. Para

análise dos resultados foram realizados mapeamentos das regiões com incidência de defeitos

tipo solda fria. Para a simulação os dados de processo foram alimentados no módulo HPDC

(high pressure die casting) do Magmasoft, onde foi construída uma malha com 3156736

elementos usando um tempo de processamento numérico de 36092 s para cada simulação.

29 327

169

Figura 1: Peça usada no estudo.

mmEspessura de paredes e nervuras: 3,0 mm

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Para dar mais fidelidade às condições de processo, 8 pontos do molde foram estrategicamente

escolhidos para o controle da temperatura. Assim, para colocar o molde em temperatura de

regime de trabalho, foram necessários 5 ciclos usando cada condição de velocidade.

3. Resultados e Discussão

Os resultados da simulação são apresentados na forma de evolução do enchimento

para as velocidades de 1,05 e 3,15m/s, na figura 2.

Enchimento: 52 %

Enchimento: 64 %

Enchimento: 70 %(a) Vinjeção = 1,05 m/s (a) Vinjeção = 3,15 m/s

Figura 2: Evolução do enchimento da cavidade para diferentes velocidades de injeção,

evidenciando as diferentes temperaturas na frente de enchimento.

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A análise destas seqüências de enchimento mostra que para o uso de uma menor

velocidade de injeção ocorreu um resfriamento acentuado na frente de avanço do metal, sendo

que para 52% de enchimento já se observa a ocorrência de temperaturas inferiores à

temperatura líquidus da liga em estudo, no caso a liga Al9Si3Cu que apresenta Tliquidus de

aproximadamente 6000C, indicando uma maior possibilidade de ocorrência do defeito tipo

“solda fria” em comparação com o comportamento apresentado para o uso de maior

velocidade de injeção. A figura 3 apresenta graficamente a distribuição de temperaturas nas

frentes de enchimento para as velocidades de injeção de 1,05 e 3,15 m/s, onde são

representadas as temperaturas mínima e máxima observadas na frente a cada estágio do

enchimento.

Figura 3: Variação na temperatura da frente de enchimento para diferentes velocidades deinjeção.

O gráfico de Fig. 3 confirma a ocorrência de temperaturas inferiores à temperatura

liquidus da liga em estudo para a velocidade de injecão igual a 1,05m/s a partir de 52% de

enchimento, e mostra que a partir de 64% do enchimento a frente encontrava- se na sua

560

570

580

590

600

610

620

630

20 30 40 52 58 64 70 76 82 94 100

V= 1,75m/s V = 3,15m/s Tliquidus

Tem

pera

tura

da

Fren

te d

e En

chim

ento

(0 C

)

% de Enchimento

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totalidade abaixo da temperatura liquidus, enquanto que na condição onde foi utilizada

velocidade de injeção máxima (3,15m/s) a partir de 64% do enchimento começam a ocorrer

temperatura inferiores à líquidus na frente de enchimento, entretanto a maior parte desta

frente permanecia a temperaturas superiores à liquidus.

A figura 04 mostra ampliações da frente de enchimento para o uso da velocidade de

injeção de 1,05 m/s para 52% do enchimento (figura 4.a), onde fica evidenciada a

coexistência de temperaturas inferiores e superiores à liquidus ao longo da frente de

enchimento, enquanto que para 70% do enchimento (figura 4.b) praticamente toda a frente

apresenta temperaturas inferiores à liquidus, indicando a existência de uma grande quantidade

de material no estado semi-sólido, aumentando a tendência para o surgimento de “solda fria”.

(a) (b)

Figura 4: Detalhe ampliado de estágios do enchimento para a velocidade de injeção de 1,05

m/s, (a) 52% do enchimento, (b) 70% do enchimento.

Estas variações nas distribuições de temperaturas ao longo das frentes de enchimento

estão diretamente relacionadas com os maiores tempos necessários para o enchimento a

medida que a velocidade de injeção diminui, conforme mostra o gráfico da figura 5, onde

observa –se um significativo acréscimo no tempo de enchimento para a velocidade de injeção

igual a 1,05 m/s.

TemperaturaLiquidus

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Figura 5: Tempo de enchimento em função da velocidade de injeção.

De um modo geral, os resultados das corridas experimentais confirmaram as

observações obtidas através das simulações. As figuras 6 e 7 mostram a representação da

peça e dos pontos relativos às regiões críticas quanto a possibilidade de ocorrência de solda

fria em função dos resultados da simulação.

A figura 06 corresponde a uma peça fundida com velocidade de injeção igual a 1,05

m/s, mostrando a ocorrência de solda fria em todas as regiões mapeadas, o que confirma as

previsões obtidas nas simulações. Nas peças injetadas com velocidade de 1,75 m/s (figura 7)

também foi observada a ocorrência de solda fria em diversas regiões da peça, porém com

incidência inferior às peças injetadas com menor velocidade, o que também está em

concordância com o comportamento da frente de enchimento durante as simulações.

As peças obtidas com velocidade de injeção igual a 3,15 m/s não apresentaram

nenhuma ocorrência de solda fria, indicando que esta velocidade é adequada para a obtenção

da peça em estudo. Estes resultados também estão de acordo com as observações feitas nas

simulações, confirmando a eficiência do software utilizado na análise do enchimento de

peças fundidas sob pressão.

3,3

3,35

3,4

3,45

3,5

3,55

3,6

20 30 40 52 58 64 70 76 82 94 100

V = 1,05 m/sV = 1,75 m/sV = 3,15 m/s

% de Enchimento

Tem

po d

e En

chim

ento

(s)

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Figura 6: Representação da peça mostrando o mapeamento das regiões críticas e detalhamento

das mesmas para velocidades de injeção 1,05 m/s.

a b c

fa

c

b d e

a b c

d e f

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Figura 7: Detalhamento da peça injetada com velocidade 1,75 m/s mostrando a ocorrência de

solda fria nas regiões críticas.

Outras publicações [6-9] apresentam com mais detalhe os resultados obtidos nesta

linha de pesquisa.

4. Conclusões

Embora o software não precise o local de ocorrência dos defeitos oriundos da fase de

enchimento da peça, ele mostra a distribuição de temperaturas e perfil da frente metálica

durante o enchimento. De posse dessas informações pode-se compor uma análise das

possíveis regiões com incidência de defeitos de solda fria, sendo que a comparação entre os

resultados experimentais e os simulados mostrou boa concordância para as condições testadas

neste trabalho.

No presente trabalho a incidência de solda fria aumentou em função da redução na

velocidade de injeção, o que pode ser atribuído ao aumento no tempo de enchimento e ao

a b c

d e

f

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conseqüente resfriamento da frente no decorrer do enchimento, levando a ocorrência de

temperaturas inferiores à temperatura liquidus da liga em estudo.

5. Agradecimentos

Os autores agradecem à Magma Engenharia do Brasil pela disponibilização do

software para a realização das simulações, à Wetzel Divisão Alumínio pela contribuição na

execução das experiências e ao CNPq pela bolsa PIBIC concedida.

6. Referências

[1] KEIL E., KOCH P., Processo del Fundir a Presión, Uzwill, Suiza,Información Técnica 6,

Julio, 1979, Buhler Hermanos S.A.

[2] BARKHUDAROV, M.; WILLIAMS, K. Simulation of “Surface Turbulence” Fluid

Phenomena During Mold Filling. AFS Transactions, 1995, p.669-674.

[3] BIRCH, Jim ; Porosity in Pressure Diecastings, Diecasting World, March, 1999, p. 16-18.

[4]TSENG, C. H. E.; ASKELAND, D. R. Study of the EPC Mold Filling Process Using Metal

Velocity and Mass and Energy Balances. AFS Transactions, 1992 ,p. 520.

[5] SWAMINATHAN, C. R.; VOLLER, V. R. A Time-Implicit Filling Algorithm. Appl.

Math. Modelling. 101-109. Vol. 18. February. 1994.

[6] REBELLO, M.A. O Uso de Análise via CAE na Fundição sob Pressão de Ligas de

Alumínio", Dissertação de Mestrado, 2000, 85p.

[7] VERRAN, G. O. , REBELLO, M. A., OLIVEIRA, C. G. Simulação da Fundição Sob

Pressão de Ligas de Alumínio - Parte II: Estudo Experimental De Uma Peça Representativa.

Anais do SULMAT 2000, 740-752, 2000.

[8] VERRAN, G. O. , REBELLO, M. A., OLIVEIRA, C. G. Simulação da Fundição Sob

Pressão de Ligas de Alumínio - Parte I: Estudo do enchimento de peças de geometria simples.

Anais do SULMAT 2000, Joinville, 730-739, 2000.

[9] REBELLO, M.A. , VERRAN, G.O. , OLIVEIRA, C.G. A utilização de recursos

computacionais na análise da fundição de peças. Revista do IST, 23-32, V1(2), julho 2000.


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