Instrumentos para ocupação urbana em favor dos
referenciais da paisagem
Eneida Maria Souza Mendonça1
Este estudo baseia-se em pesquisa que propõe a estruturação de método para controle da
ocupação urbana em benefício da preservação de visibilidades paisagísticas referenciais à
memória coletiva. A preocupação volta-se para os impactos sobre a paisagem enfocando
especificamente a perda das referências paisagísticas ocasionada pela obstrução da
visibilidade destas, em função da implantação e/ou do porte das construções no entorno das
mesmas. Nota-se que a definição de modelo construtivo proposto em zoneamento
urbanístico encontra-se, em geral, fortemente ligado às intenções do mercado imobiliário,
sendo irrelevantes as preocupações relacionadas à paisagem. Assim, o capítulo um expõe
os conceitos de paisagem que nortearam o estudo, além de abordar aspectos específicos
referentes ao contexto paisagístico de Vitória (ES). Nestes foram caracterizados o sub-setor
urbano objeto de estudo e a área delimitada para efeito de experimentação do método. O
capítulo dois apresenta os procedimentos metodológicos definidos e referências
conceituais. O capitulo três demonstra a atuação dos procedimentos metodológicos sobre a
área de estudo e respectivos efeitos. O capítulo quatro expõe considerações finais e o cinco
a bibliografia.
1. PREOCUPAÇÕES COM A PAISAGEM - Aspectos conceituais A idéia de paisagem aqui tratada remete ao entendimento transmitido pela geografia,
divergindo de uma dimensão autóctone e admitindo-a então a partir dos acréscimos a ela
atribuídos ao longo do tempo. Neste sentido Ab'Sáber (2003, p. 9) ao abordar
potencialidades paisagísticas brasileiras indica que: ...a paisagem é sempre uma 'herança'.
1 Universidade Federal do Espírito Santo: [email protected]
Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra: herança de processos
fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram
como território de atuação de suas comunidades.
Deste modo Ab'Sáber atribui à paisagem o caráter de heranças de processos de
atuação antiga remodelados e modificados por processos de atuação recente, ao mesmo
tempo em que chama a atenção para a responsabilidade dos povos, cidadãos e governos,
sobre as paisagens que herdaram, no sentido da utilização não predatória dessa herança
única que é a paisagem terrestre. É ainda Ab'Sáber (2003, p. 10) quem recomenda,
apoiado em Góes: Para tanto, há que conhecer melhor as limitações de uso específicas de
cada tipo de espaço e de paisagem. Há que procurar obter indicações mais racionais,
para preservação do equilíbrio fisiográfico e ecológico. E, acima de tudo, há que
permanecer eqüidistante de um ecologismo utópico e de um economismo suicida (Walder
Góes, 1973).
Neste contexto, importa distinguir então espaço de paisagem a partir de Santos
(1997, p. 83) que atribui também, a esta, a idéia de herança, ao indicar que paisagem e
espaço não são sinônimos. A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento,
exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homens e
natureza. O espaço são essas formas mais a vida que as anima.
Visualizando a paisagem como acúmulo de objetos ao longo do tempo, Santos (1997,
p. 83) lhe atribui um caráter transtemporal, chamando a atenção, no entanto, para
particularidades, características de cada paisagem, por uma dada distribuição de formas-
objetos, providas de um conteúdo técnico específico.
Diante destas referências, o pensamento que norteia este trabalho parte da
importância em identificar, no sentido de reconhecer e destacar, as particularidades
características da paisagem, orientar a construção dos objetos que possam futuramente
fazer parte desta paisagem, de modo a conservar, como herança, o reconhecimento destas
características.
Cabe assinalar o tratamento do espaço, associado à idéia de análise, construção e
conservação da paisagem. Santos, mesmo imbuído no esforço em distinguir paisagem e
espaço, lembrando François Ricci (1974, p. 132 in Santos, 1997, p. 84) admite que estes
participam da condição daquelas coisas com 'duplo rosto'... Diante delas, corremos o
risco de não distinguir essas duas faces ou de separá-las de tal modo que acabamos por
apenas considerar uma só face de cada vez. A operação só pode ser levada a bom termo
quando 'a face ignorada, mas não abolida, vem se impor, como face escondida sob a face
reconhecida'.
Deste modo, Santos (1997, p. 88) considera legítimo falar em funcionamento da
paisagem, mesmo tratando-a como história congelada, por entendê-la participante da
história viva; para este autor, são as suas formas [da paisagem] que realizam, no espaço,
as funções sociais. Santos afirma ainda: É a sociedade, isto é, o homem, que anima as
formas espaciais, atribuindo-lhes um conteúdo, uma vida. ...
...O simples fato de existirem como formas, isto é, como paisagem, não basta. A
forma já utilizada é coisa diferente, pois seu conteúdo é social. Ela se torna espaço,
porque forma-conteúdo.
Assim, intrínseca à noção de conservação das referências da paisagem abordada no
contexto deste trabalho, encontra-se o propósito de propiciar o contato público com esses
elementos referenciais, tornando-os, ou mantendo-os, de fato, espaço. Este caráter, mesmo
que complementar à abordagem, tendo em vista o objetivo da pesquisa relacionado à
análise e à construção da paisagem, assume papel primordial. Isto porque associada à idéia
de realce das referências paisagísticas encontra-se a noção de identidade e cidadania, que
consolida-se e fortalece-se a partir da apropriação pública do espaço.
- O contexto paisagístico de Vitória (ES) Seguindo as indicações de Ab'Sáber (2003, p. 16-17), percebe-se o contexto
paisagístico de Vitória inserido no domínio conhecido como "mares de morros"
florestados, que inclui o Espírito Santo, ao abranger extensa faixa do litoral brasileiro, do
nordeste ao sul, estendendo-se à porção leste de Minas Gerais, estados do Rio de Janeiro,
São Paulo e norte do Paraná. De modo particular, o autor destaca no Espírito Santo,
juntamente ao nordeste de Minas Gerais e região costeira do Rio de Janeiro, espetaculares
setores de mares de morros alternados com "pães de açúcar" (Ab'Sáber, 2003, p. 17). O
mesmo autor chama ainda a atenção, neste domínio, para as matas atlânticas que chegam
até as proximidades da linha de costa em quase todas as "terras firmes" litorâneas e para
minirredutos ou refúgios de cactos e bromélias encontrados em "pães de açúcar", penedos
e pontões rochosos, inseridos na linha de costa (Ab'Sáber, 2003, p. 48).
Neste sentido, este autor não só realça a presença do morro de Penedo na baía de
Vitória (Ab'Sáber, 2003, p. 60), como foram diversos os viajantes que desde momentos
pretéritos, assinalaram os morros de Vitória como aspecto paisagístico peculiar do lugar.
A partir do percurso marítimo de entrada na baía de Vitória, Charles Frederick Hartt,
canadense em visita à Vitória entre 1865 e 1867, descreveu: Passando o pão de açúcar o
canal se alarga num espaçosíssimo porto, e, do lado norte, num belo anfiteatro entre
morros, está construída a cidade de Vitória. (in Sarcinelli, 2003, p.12).
Seguindo a descrição de Saint Hilaire: Entre todas estas montanhas, seria impossível
deixar de notar a Jucutaocara que termina por um rochedo nu, arredondado no topo e
cilíndrico. O rochedo de Jucutaocara, realmente, não é cilíndrico como me parecia
quando eu o avistei... Ao norte este rochedo é cortado a pique, mas para o sul atira-se
num declive acentuado e do lado leste mostra dois amplos buracos arredondados, neles
não se tem entrado e, dizem, recebeu dos índios o nome que hoje tem. (in Sarcinelli, 2003,
p. 15-16).
Sobre a mesma paisagem Hartt assinalou: Exatamente abaixo da cidade de Vitória,
há uma destas encostas lisas, formando um elemento extremamente atrativo no cenário
romântico da ilha. Erguendo-se num anfiteatro entre belas montanhas, e vista em cheio do
mar, forma um guia precioso para o navegante essa montanha cônica, sustentando no
topo uma massa semelhante a uma torre, cuja face externa é escavada a leste por
considerável caverna, na qual, dizem, em tempos passados, se refolgavam os escravos
fugitivos; tal é a montanha chamada Jucutuquara ou Frade de São Leopardo. (in
Sarcinelli, 2003, p. 16).
No entanto, a despeito da evidente qualidade paisagística inerente ao ambiente
tratado, é ainda, Ab'Sáber quem alerta para o fato de que dentre os seis grandes domínios
paisagísticos e macroecológicos brasileiros, o domínio dos "mares de morros" tem
mostrado ser o meio físico, ecológico e paisagístico mais complexo e difícil do país em
relação às ações antrópicas (Ab'Sáber, 2003, p. 17).
Este é então um processo no qual insere-se Vitória, cuja geomorfologia é assinalada
por monumentos rochosos e visualizações marítimas proporcionadas pela atmosfera
insular. Esta atmosfera compreende não só o ambiente da ilha, que durante séculos abrigou
o sítio urbano, mas também a porção continental, permeada por mangues, canais e praia
oceânica. O aspecto paisagístico é ainda enaltecido pela situação desta ilha, incrustada na
Baía de Vitória, tendo em seu entorno elementos montanhosos, que embora pertencentes
aos municípios vizinhos, fazem parte das cenas urbanas da capital. Este contexto de
paisagem característico desta porção regional do Brasil vem há algumas décadas recebendo
o impacto de processo de ocupação, cuja dinâmica imobiliária se contrapõe à valorização
de suas referências paisagísticas. Este processo, ainda em curso, é marcado pela
verticalização de construções, tendo se desenvolvido em Vitória a partir da segunda
metade dos anos de 1940. Até meados da década de 1970 este processo provocou
alterações significativas na paisagem da área central, situação vivenciada atualmente pela
região leste do município (Mendonça, 2001). Esta região encontra-se então, sob o risco de
ter anuladas referências paisagísticas significativas, pela obstrução gerada a partir da forma
de construção imobiliária em vigor. Em alguns casos, além da visibilidade, também o
acesso público encontra-se restrito.
De fato, a questão não se reduz ao contexto de Vitória. Constata-se que o ritmo de
urbanização, a agilidade possibilitada aos processos construtivos e a generalização das
formas urbanas indicadas pelas normas urbanísticas vêm, entre outros aspectos,
contribuindo para a conformação de ambientes urbanos massificados, padronizantes e
desintegrados em relação ao meio em que se inserem. Porteous (1996), ao defender o
debate e a tomada de decisões sobre a estética urbana a partir de ponto de vista coletivo,
indica a difusão das altas torres de edifícios ao longo do século XX, como fator
responsável pela transformação expressiva na paisagem de diversas cidades. Este autor
alerta para a acentuação do processo ocorrida nos últimos cinqüenta anos, o que contribuiu
em muitos casos para completa alteração da paisagem e padronização do ambiente urbano
entre cidades.
Assim, conforme já mencionado, na segunda metade do século XX, o
desenvolvimento do processo de verticalização de construções, acompanhando efeitos
indicados por Porteous (1996) em outras cidades, ocasionou, também em Vitória,
transformações consideráveis na paisagem urbana. O adensamento excessivo de
determinados endereços transformados em preferenciais do ponto de vista imobiliário,
passou a causar transtornos no sistema viário e desconforto ambiental quanto à iluminação
e à ventilação. Mesmo considerando a relevância destes aspectos, interessa a este estudo
salientar que a alteração no porte do modelo construtivo gerada pela inserção do edifício na
paisagem de Vitória e sua presença indiscriminada no espaço urbano passaram a gerar
inesperadas soluções urbanísticas e inadequadas no que concerne ao valor histórico dos
respectivos ambientes. Neste mesmo sentido, outro aspecto relevante, como conseqüência
do processo de verticalização de construções, vem sendo a perda das referências
geográficas pela obstrução da visibilidade dos morros, elementos marcantes do imaginário
local, desde as histórias dos viajantes marítimos.
Como efeitos dessas alterações teme-se pela redução de interação do homem ao
meio, pela dificuldade gradativa de visualização e, portanto de reconhecimento das
características geográficas básicas do território do município e dos processos históricos de
sua ocupação. Aliados a esses fatores, há ainda, a degradação do ambiente a partir da
neutralização dos aspectos que antes conferiam beleza ao lugar.
Neste sentido, em Vitória, o setor urbano polarizado pelo bairro Praia do Canto, pela
atração que exerce em relação às atividades imobiliárias, vem apresentando crítica
tendência no que diz respeito às transformações na paisagem, constituindo-se por este
motivo, na área de experimento deste estudo.
A região leste de Vitória aqui em foco originou-se de projeto de expansão elaborado
pelo engenheiro sanitarista Saturnino de Brito em 1896, tendo se desenvolvido ao longo do
século XX, inicialmente como balneário passando a bairro residencial. A consolidação do
local como bairro a partir dos anos de 1950 coincide com o início da construção de
edifícios, processo que intensificou-se a partir da década de 1970 (Mendonça, et alii,
1996). É também, a partir desta década que observa-se a transformação na paisagem e no
pinturesco do projeto em função da verticalização e do extenso aterro, que altera a
configuração litorânea, afasta o mar e modifica hábitos sociais e atividades econômicas.
Gradativamente, os elementos rochosos confrontantes com vias do bairro passaram a se
configurar cercados por edifícios, o que restringe sobremaneira acesso e visibilidade em
relação a esses elementos. Observa-se que a forma de ocupação do aterro também não vem
favorecendo a manutenção destes destaques paisagísticos, contribuindo para isso a falta de
sintonia do traçado viário com a estrutura urbana e paisagística existente, incluindo a
ausência de atenção para com a orla e a possibilidade construtiva permitida pela legislação.
Desde 1994, a situação passou a agravar-se, com a ausência de limite de altura de
edificação para grande parte das zonas urbanísticas permitida pelo novo plano diretor
urbano. A possibilidade de edificar construções de maior porte em região de elevado valor
imobiliário reduz então, ainda mais, o contato físico e visual, com os marcos da paisagem.
Trata-se de limitação crescente não só em relação aos morros que configuram a paisagem
local, mas em relação à linha d'água. Os impedimentos de contato com as águas da baía de
Vitória e com o Canal de Camburi dificultam ainda mais a percepção em Vitória de sua
característica insular, já bastante oculta por tratar-se de uma ilha incrustada em uma baía,
com reduzido trecho de contato oceânico (Bissoli, 2002).
A despeito da intensa verticalização verificada na região leste da ilha de Vitória, há
ainda áreas vazias e sujeitas à renovação com edificações de um e dois pavimentos, sendo
oportuno e fundamental a realização de estudo que busque manter e recuperar o acesso e a
visibilidade possíveis.
No âmbito da pesquisa em desenvolvimento, os experimentos foram realizados no
Morro do Guajuru, também conhecido como Morro do Cruzeiro, alusão à cruz de madeira
nele existente. Trata-se de morro situado na Praia do Canto e ainda consideravelmente
visível da orla e de partes internas do bairro, a despeito do acentuado volume de edifícios
construído em seu redor. Esta situação tende a agravar-se se for concretizada a proposição
já divulgada na mídia local a respeito da construção de um conjunto de edifícios na área
conhecida como Chácara von Schilgen, diante da qual se vislumbra uma das vistas mais
pitorescas do morro (Figura 1). A chácara representa uma das formas características de
ocupação urbana do bairro, sendo esta chácara, em particular, provavelmente, a primeira a
ser constituída e uma das últimas restantes. Este espaço representa, sem dúvida, um raro
ambiente pela sua generosa confrontação com o morro e seu posicionamento diante da
orla. Esta, mesmo distanciada pelo vasto aterro executado na década de 1970, dispõe de
fabuloso percurso de observação para o morro, visto estar equipada com ambientes de
lazer, esporte e caminhadas e ladeada por avenida de âmbito intermunicipal. A qualidade
descrita com relação à situação da chácara na orla é responsável também pelo interesse
imobiliário no local, tornando crítica a possibilidade de manutenção desta que se configura
na principal vista do morro.
É neste contexto e no entendimento de que a problemática relacionada à conservação
do Morro do Guajuru como referência paisagística local, represente, em um âmbito mais
amplo, problemática característica de outros ambientes urbanos, que as possibilidades do
método em estudo foram demonstradas nesta localização.
2. A ESTRUTURAÇÃO DO MÉTODO - Os princípios gerais O método aqui exposto visa atuar na identificação de elementos paisagísticos
marcantes, na classificação/interpretação de seus atributos e no estudo de formas de
ocupação do entorno que favoreçam a permanência ou a retomada dos elementos
identificados como referenciais na paisagem. A atitude metodológica pauta-se na idéia que
relaciona a conservação da paisagem à manutenção da identidade e ao fortalecimento da
cidadania.
Vale assinalar que este método não se constitui propriamente, em construção
integralmente inédita, encontrando-se, de fato, estruturado a partir de indicações
metodológicas já existentes. Ressalta-se porém, que estas foram cuidadosamente extraídas
dos diversos contextos estudados e dirigidas à abrangente finalidade desta pesquisa, com o
intuito de apresentar-se, entre outros aspectos, como um instrumento prático de orientação
e monitoramento da ocupação urbana em benefício da paisagem.
A partir das etapas listadas a seguir, é possível acompanhar a seqüência
metodológica, perceber a respectiva filiação conceitual e compreender o sentido de sua
aplicação.
- A identificação das referências paisagísticas O princípio para identificação das referências paisagísticas segue neste estudo
literatura clássica no âmbito da percepção ambiental urbana, como Gordon Cullen e Kevin
Lynch. Ambos valorizam o percurso ao longo do qual as paisagens são contempladas,
como veículo por onde são viabilizados impactos, surpresas, emoções. O registro de
imagens seqüenciais e as análises de perspectivas onde a implantação da edificação é
percebida de modo a direcionar e qualificar o percurso fazem parte de abordagens
orientadas por Cullen (1983). A indicação de percurso (vias) e marcos (pontos marcantes)
como dois dos cinco elementos a serem analisados em estudos urbanos, bem como o
exame de mapas mentais, como prática relativa às referências da população, apontam o
repertório de Lynch (1980) e confirmam sua predileção pelo percurso como ambiente de
percepção das referências da paisagem.
Apoiando-se em aspectos do método para análise de desempenho topoceptivo de
Kolsdorf (1996), o caráter de orientabilidade inerente ao referencial paisagístico pode ser
estudado a partir do mapeamento de zonas de visualização. Esta experiência foi
desenvolvida por Buffon (1999) em estudo sobre a Enseada do Suá (Vitória), resultando
em registros em planta e em vista como base à identificação dos valores da paisagem e das
condições de visibilidade, para posterior simulação de ocupação.
Para percepção das referências paisagísticas, além do aspecto metodológico
relacionado ao percurso, que indica a necessidade da caminhada como pesquisa de campo,
e do mapeamento das zonas de visualização do elemento paisagístico identificado, a
abordagem a cerca da história é também fundamental. A partir da história do lugar e da
história do projeto é possível, entre outros aspectos, identificar, ao longo do tempo, os
elementos característicos da paisagem que permanecem em destaque. Do mesmo modo, no
caso de mudança dos referenciais paisagísticos, a história permite também, detectar quando
houve a alteração e em função de que fatores. Tudo isso auxilia a ponderação em torno da
análise dos valores da paisagem, bem como das decisões quanto à manutenção ou à
recuperação da visibilidade de determinadas referências, conservando ou revertendo
algumas situações do passado.
- A eleição dos pontos de vista privilegiados Os registros produzidos na etapa anterior, quanto ao percurso, zonas de visualização
e história permitem embasar decisão quanto à escolha dos pontos de vista considerados
privilegiados, a partir dos quais devem ser mantidas as visibilidades para as referências
paisagísticas identificadas. Vale sugerir que, além de referências históricas específicas que
podem perpetuar determinados pontos de observação, os percursos ou localizações de
intensa circulação de pessoas devem ser identificados como pontos preferenciais de
visibilidade. Considerando o caráter de orientabilidade que alguns elementos paisagísticos
podem gerar, torna-se também, fundamental determinar pontos de vista direcionados aos
mesmos, em localizações, que possam garantir a permanência do referido caráter, a partir,
portanto de regiões diferenciadas e de diversos sentidos de observação.
- A definição dos níveis de percepção desejados O mapeamento e registros fotográficos referentes às zonas de visualização de
determinado referencial paisagístico são instrumentos importantes para a análise e
definição dos níveis de percepção a serem mantidos e contribuem para a previsão do ponto
de vista a ser considerado para efeito de preservação.
A partir dos registros fotográficos é possível desenvolver classificação abordando
níveis de percepção do elemento paisagístico em foco, adotando-se, por exemplo, gradação
entre níveis mais amplos e mais restritos. Essa classificação permite conhecer a intensidade
bem como, a vulnerabilidade da percepção do elemento em análise, resultando em
instrumental para avaliação, debate e decisão. Importa assinalar que os níveis restritos de
visibilidade não devem ser necessariamente desprezados, sobretudo no caso de
constituírem-se em oportunidades únicas e singulares de observação.
- A localização e o porte das construções existentes No âmbito da zona de visualização mapeada é necessário trabalho de campo
específico, neste caso, para mapear a localização e o porte das construções existentes,
como registros preliminares para elaboração da simulação gráfica para ocupação futura. É
importante que estes dados constem de base cartográfica digitalizada, facilitando a
posterior simulação.
- A garantia de acessibilidade
Antes porém, de proceder a simulação gráfica, torna-se primordial a realização de
mapeamento, em campo, das possibilidades de acesso e de recuperação de acesso ao local
correspondente ao foco de interesse paisagístico. Cabe enfatizar a importância de atuar no
sentido de manter ou alcançar o benefício da visibilidade articulado com o da
acessibilidade.
Ressalta-se que para o estudo da acessibilidade é fundamental assegurar a integração
do elemento de interesse paisagístico com os elementos de circulação em seu entorno,
procurando garantir, por exemplo, o acesso, ou quando este não for possível, pelo menos, o
contato, pelas diversas faces daquele elemento. Este procedimento pauta-se na noção de
realçar a presença do marco paisagístico em questão, pela possibilidade de apropriação,
que amplia, por sua vez a capacidade de entendimento das características estruturais do
ambiente. Esta postura realça a idéia de orientabilidade a partir de marcos paisagísticos, o
que contribui para fortalecer na população sua identidade e sua relação com o lugar.
A garantia de acessibilidade ou de contato compreende a idéia de espaço indicado
por Santos (1997, p. 88), transcendendo a idéia de paisagem pela presença humana.
- A construção A simulação gráfica perspectivada deverá ser desenvolvida para projeção de formas
de ocupação futuras adequadas à manutenção ou recuperação da visibilidade pretendida.
Para isso a simulação será realizada a partir dos pontos de vista previamente eleitos e
deverá considerar não só a possibilidade de construção nos terrenos livres, mas também, de
renovação urbana em terrenos com construções de até dois, ou mesmo, três pavimentos. É
importante simular as formas de ocupação a partir de alternativas diversas de parcelamento
do solo, diante, sobretudo, do remembramento para verticalização de construções.
Para efeito de demonstração e de maior facilidade na tomada de decisão, é
interessante que a simulação gráfica exponha mais de uma possibilidade de ocupação, de
modo a permitir a percepção da opção mais adequada, considerando o objetivo quanto à
visualização de determinada paisagem. Tendo em vista as diversas possibilidades de
ocupação, interessa experimentar simulações abordando mais de uma situação. Como
exemplo poderia ser proposta uma situação imaginada como ideal, outra situação
caracterizada como de ocupação máxima, mantendo-se, porém, a qualidade pretendida em
termos de visibilidade e ainda uma situação que ultrapasse este último limite,
comprometendo negativamente a manutenção da vista. Esta última situação tem o papel de
reforçar o caráter limite da situação anterior.
- Os instrumentos complementares Após definição da forma de ocupação mais adequada no entorno de determinado
elemento paisagístico, observa-se que sua realização prática demanda ainda, a identificação
de instrumentos jurídico-urbanísticos complementares.
Em termos gerais, é possível prever a necessidade de alteração do zoneamento
urbanístico vigente, adaptando-o à nova configuração urbana proposta. No entanto,
reconhece-se também, a aplicabilidade de um amplo conjunto jurídico, em apoio à temática
em questão, possibilitado pelo Estatuto da Cidade, instituído por lei federal em 2001. Para
citar alguns instrumentos nele previstos e passíveis de aplicação ao contexto de
conservação dos referenciais paisagísticos, vale mencionar a transferência do direito de
construir e o estudo de impacto de vizinhança.
A transferência do direto de construir (art. 35 do Estatuto da Cidade), como outros
instrumentos do estatuto, baseia-se em entendimento jurídico que distingue o direito de
propriedade do direito de construir. Este instrumento é previsto com o intuito de preservar
edificações e áreas de interesse histórico ou ambiental, implantação de equipamentos
urbanos e comunitários e atendimento a programas de interesse social. Em troca da
preservação e/ou utilização do imóvel, seu proprietário, impedido de aplicar, sobre o local,
os índices construtivos previstos, teria índices a estes correspondentes em valor imobiliário
transferidos para áreas receptoras do município, previamente estabelecidas pelo poder
público.
O estudo de impacto de vizinhança (art. 36 a 38 do Estatuto da Cidade) é proposto
para empreendimentos cujas características, previstas pelo poder público municipal, sejam
consideradas passíveis de geração de impacto ao meio urbano e social. O estudo deve
considerar aspectos positivos e negativos a serem ocasionados pelo empreendimento em
questão, abordando questões relativas ao trânsito, uso do solo, paisagem, necessidades
sociais do entorno e abranger a opinião da população a ser diretamente atingida. No caso
de ser indicada pelo estudo a inadequação do empreendimento, o poder público pode
estabelecer condições para adequação do mesmo, no sentido de reduzir ou neutralizar o
impacto, e ainda exigir a participação do empreendedor na realização de obras públicas de
caráter urbanístico ou social em correção ou compensação ao impacto gerado.
Embora tratem-se de instrumentos instituídos recentemente, é possível afirmar,
acompanhando-se a aplicação prática de instrumentos semelhantes, que sua eficácia e
legitimidade encontram-se diretamente ligadas ao caráter da orientação político-
adimistrativa, da capacidade técnica e da mobilização popular. A depender da conjunção
destes fatores, a aplicação dos instrumentos torna-se inócua à finalidade pública a que se
destina.
As dificuldades técnicas presentes na enorme maioria das municipalidades, bem
como o caráter populista, tradicional na política brasileira, permitem visualizar o risco do
emprego desse novo e amplo arcabouço jurídico e urbanístico [o Estatuto da Cidade] em
favor do poder econômico e em detrimento de favorecer as causas de fato sociais. No
entanto, o alerta aqui indicado deve sugerir a necessidade de ampliação dos canais de
participação, a fim de neutralizar as ações impróprias e viabilizar o verdadeiro exercício
da cidadania (Mendonça, 2004).
- O setor urbano como escala de planejamento O caráter de continuidade, superposição e interrelação dos ambientes geográficos não
impede a repartição destes para efeito de aprofundamento analítico, planejamento e
intervenção do poder público. Neste sentido, ressalta-se a importância da sub-divisão
territorial em escalas e a inserção nestas do setor urbano como a menor configuração.
No âmbito das escalas de planejamento, este entendido de modo a abarcar o aspecto
de conhecimento da realidade e de intervenção pública, Nogueira (In Birkholz, 1980)
considera amplo leque que percorre as sub-divisões nacional, macrorregional, estadual,
regional, microrregional, municipal, urbana, rural e setor urbano. Nogueira e Bruna (In
Birkholz, 1980) ao exemplificarem o contexto relacionado ao setor urbano, considerado
como uma parte do urbano, apresentam abordagem diversificada, tendo em vista a
classificação nesta escala de estudos para áreas centrais, setores industriais, estruturação de
quadras, entre outros.
Em Birkholz (1980) e Del Rio (1990) fica clara a idéia de integração necessária ao
planejamento em suas escalas, onde cada qual atua no âmbito de sua competência, e em
respeito às escalas de hierarquia superior, devido à capacidade destas em tratar a realidade
de modo mais abrangente. No entanto, acompanhando-se a normativa urbanística e
ambiental alemã e as próprias indicações presentes em Del Rio (1990), percebe-se o
potencial da escala denominada setor urbano no detalhamento da realidade e sua
contribuição para reformulação de entendimento, e mesmo de normas, estabelecidos em
outras escalas. Neste sentido, Del Rio (1990) menciona o plano de estruturação urbana
(PEU) desenvolvido desde a década de 1980 no Rio de Janeiro, para setor urbano,
envolvendo bairro ou conjunto de bairros, em revisão e complementação da norma
municipal referente ao uso e ocupação urbana. O mesmo autor trata ainda de instrumentos
alternativos de controle urbanístico, como os guias de desenho urbano, que podem atuar
sobre recorte da escala do setor urbano inferior à dimensão de bairro, como por exemplo, o
referente a um conjunto de quadras.
A possibilidade de conhecimento mais detalhado e, conseqüentemente, de
formulação mais precisa das normas urbanísticas e ambientais relacionadas à paisagem,
qualificam então, o setor urbano como escala de análise e complementação das
determinações estabelecidas de modo genérico, em escala urbana e municipal, sobre a
questão.
3. A APLICAÇÃO DO MÉTODO - Estudos preliminares Dentre os diversos estudos, que antecederam a abordagem aqui apresentada, caso
excepcional refere-se ao desenvolvido para manutenção da visibilidade do convento de
Nossa Senhora da Penha a partir da avenida do mesmo nome, preservando-se a intenção do
traçado urbanístico. Além disso, o estudo gerou alterações no zoneamento vigente,
inserindo neste vertente estética relacionada à preservação da paisagem. A despeito de
constituir-se em caso isolado no município, sua singularidade permite concluir pela
importância de estudos visando a análise, a orientação, o controle e a construção da
paisagem urbana. O mesmo estudo permite ilustrar aspecto desta pesquisa referente à
escala do setor urbano. Constatou-se que a análise pormenorizada do setor urbano
envolvido na questão possibilitou a percepção quanto à inadequação da proposta de
zoneamento vigente e generalizada para o município, ao mesmo tempo em que comprovou
a eficiência da adoção de uma escala particularizada para detalhar a análise requerida pela
problemática do entorno. Outro desdobramento da proposição, ensaiada preliminarmente
como elemento do método, refere-se à sugestão de instrumentos complementares, como à
transferência do direito de construir. Destaca-se porém, que o estudo para manutenção da
visibilidade do Morro e do Convento aqui comentado e tratado por Freitas e Mendonça
(2001) não corresponde ao que foi aprovado pela municipalidade de Vitória. As normas
sobre a questão atualmente em vigor, restringem a vista ao Convento através de uma
espécie de fresta, não favorecendo a visibilidade do Morro, além de permitir
inadequadamente, alturas elevadas para edificações que acompanham esta fresta,
competindo negativamente com o elemento de destaque, no lugar de realçá-lo.
- Identificação das referências paisagísticas
Em atendimento aos princípios gerais vinculados à permanência ou retomada dos
referenciais da paisagem e a relação destes aspectos à idéia de identidade e cidadania, a
identificação das referências paisagísticas no setor urbano em estudo seguiram a
abordagem aqui proposta, considerando a história e a técnica de campo pautada no
percurso. Deste modo, a figura 2 ilustra as elevações rochosas consideradas e mantidas em
destaque no projeto urbanístico que orientou a ocupação do local, formulado por Saturnino
de Brito em 1896. Conforme já apontado, este destaque permaneceu até a década de 1970,
tornando-se vulnerável, principalmente pela intensificação da forma de ocupação
verticalizada. Passando a tratar especificamente do Morro do Guajuru, para exemplificação
da abordagem alcançada a partir do percurso, a figura 3 ilustra a abrangência do âmbito de
visualização atual do morro, indicando não só de onde se vê o Guajuru, mas também as
áreas que se encontram comprometidas quanto à forma de ocupação para manutenção desta
visibilidade. Nota-se que além de pontos de vista próximos ao morro e inseridos no
contexto do bairro, em amarelo, existem também pontos de vista mais distantes,
assinalados em azul.
- A definição dos níveis de percepção Analisando os diversos ângulos de visualização documentados em mapa e registros
fotográficos, Pereira (2004) classificou essas possibilidades visuais do Morro do Guajuru
em 4 níveis de percepção, sendo o nível 1 (um) o de visibilidade mais ampla e o nível 4
(quatro), o de visibilidade mais reduzida. A mesma autora identificou ainda um quinto
nível de percepção, para caracterizar as visibilidades distanciadas.
A experimentação prática de simulação para futura forma de ocupação contida neste
trabalho foi realizada com o intuito de conservar a visibilidade identificada como nível 1
(um). Esta decisão apresenta exclusivamente caráter demonstrativo quanto às
possibilidades do método, não correspondendo à idéia de que apenas este nível de
percepção seja de interesse quanto à preservação. É preciso enfatizar que a depender do
contexto em estudo, a manutenção de visibilidades classificadas como de nível 4 (quatro)
ou 5 (cinco) podem ser fundamentais pelo caráter de singularidade ou de orientabilidade
que possam proporcionar.
- A eleição dos pontos de vista privilegiados Conforme já exposto, e demonstrado na figura 1, o ponto de vista por excelência para
o Morro do Guajuru encontra-se em localização frontal à Chácara von Schilgen. A
indicação de que esta visibilidade deva ser mantida leva a concluir pela adequação de
permanência do local sem edificação que comprometa ou restrinja o nível de percepção
atual.
Dentre os demais pontos de vista, foi escolhido, para efeito de exemplificação, o
referente à região da Praça San Martin, classificado, como o anterior, no nível 1 (um) de
percepção. Embora apresente a denominação de praça, trata-se, de fato, do cruzamento de
avenidas significativas para o trânsito local contando, nas imediações, com algum
tratamento paisagístico. Existe no contexto deste ambiente uma amplitude espacial,
permitindo uma certa visualização distanciada proporcionada por uma quadra triangular
ainda vaga. Neste sentido, a região adquire caráter especial, ao oportunizar, também a
visibilidade do Morro da Gamela, em sentido de observação oposto ao dirigido ao Morro
do Guajuru. Em sentido transversal à direção Gamela-Guajuru é possível ainda divisar o
Morro Itapenambi. A condição de importante cruzamento viário e a situação de elevada
acessibilidade pública propiciada pelos serviços do entorno e pela presença de pontos de
ônibus intermunicipais fortalecem as qualidades ambientais do lugar e justificam a escolha
deste ponto de vista para o estudo. Neste sentido nota-se que a condição de acessibilidade
pública do local deve ser utilizada como elemento catalizador para a assimilação da
paisagem.
Análise semelhante à aqui exposta, quanto ao potencial do lugar, deve ser realizada
para cada um dos pontos de vista documentados, a fim de embasar decisão quanto à
escolha dos locais privilegiados de observação e permitir a continuidade da aplicação
metodológica.
- A garantia de acessibilidade De acordo com a metodologia já indicada, torna-se fundamental a realização de
estudo referente às questões de acessibilidade, antecedendo o lançamento das simulações
gráficas. Observando-se as figuras 9, 10 e 11, pode-se acompanhar os procedimentos em
desenvolvimento para ampliar as condições de acessibilidade e/ou contato no Morro do
Guajuru em apoio à manutenção de sua visibilidade. Recuperando-se o aspecto referente à
história, nota-se pela figura 9 que o projeto original (Brito, 1896, 1996) previa
possibilidades ampliadas de acesso ou contato do habitante da cidade com o Morro do
Guajuru em função das diversas vias convergentes projetadas. A visibilidade estaria
garantida pelo porte das edificações previsto na ocasião para residências unifamiliares.
Conforme já indicado, a intensificação do processo de verticalização ocorrido na
região a partir da década de 1970 foi fator determinante da condição atual quanto às
diminutas chances de acesso e contato envolvendo o Morro do Guajuru. A figura 10 ilustra
a questão apontando a acessibilidade pública ao local limitada a uma única alternativa, por
um caminho entre edifícios, conflitando com acessos de veículos. Ainda assim, pelas
características relativamente suaves da topografia nesta região do morro, trata-se de
importante acesso por meio do qual é possível chegar, por caminhada, até o topo. A mesma
figura aponta também as reduzidas possibilidades, ao menos, de contato da população com
o morro, em regiões de acentuado aclive, onde o acesso seja inviável. Observa-se que além
disso, estas regiões nem sempre contam com tratamento urbanístico que permita a
permanência das pessoas.
Em busca de ampliar as possibilidades de acesso e contato do habitante da cidade
com o Morro do Guajuru, a figura 11 apresenta estudo, atuando na melhoria do acesso
existente e na definição de novos acessos públicos nas regiões onde as características
topográficas permitam. Na face mais íngreme do morro, por sua vez, encontra-se prevista a
abertura de novas zonas de contato. Junto destas prevê-se a conformação ou, quando for o
caso, ampliação e melhoria de espaços de permanência. Nestas regiões é possível ainda,
aventar-se a hipótese de acesso, embora, apenas pela realização de determinados tipos de
esporte, o que pode resultar em alternativa de interesse para alguns grupos.
Esta mesma figura, indica ainda o ambiente da Chácara Von Schilgen como o acesso
principal ao Morro, devidamente integrado ao contexto de um parque público. A vegetação
presente no local já o qualifica para esta função. Destaca-se que a apropriação pública do
espaço, a partir das oportunidades de acesso e contato, é de fato a conquista da cidadania e
a ratificação dos referenciais paisagísticos como elementos identificadores do lugar.
- A localização e o porte das construções existentes Com relação ao mapeamento da localização e porte das construções existentes no
âmbito da zona de visualização definida em torno do morro, houve apenas a necessidade
de atualização de dados. Isso porque pesquisa anterior já havia produzido banco de dados
sobre edifícios em bairros de significativa verticalização em Vitória (Mendonça, 2001).
- A construção Para desenvolvimento da simulação gráfica, foi realizado ainda, um aprofundamento
dos registros fotográficos nas proximidades do ponto de vista escolhido (ponto 2),
procurando conhecer e determinar as situações limítrofes com relação às condições atuais
de visibilidade naquela região. As figuras 12, 13, 14, 15, 16, 17 e 18 permitem perceber um
percurso de observação passível de simulação gráfica no lugar de um ponto específico.
Ensaiando-se a proposta para o percurso referente ao ponto 2, procurou-se lançar
volumes construtivos em terrenos vazios ou em terrenos com construções de até dois
pavimentos, supondo-se a possibilidade de renovação urbana. O lançamento destes
volumes é proposto buscando a manutenção do nível de percepção 1 (um) no local
estudado. As figuras 20, 21 e 22 permitem analisar proposições futuras de ocupação para a
área comprometida com a visibilidade do Morro do Guajuru a partir do percurso de
visualização definido, deixando clara a adequação limite caracterizada pela segunda
proposta.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Exemplificada, a título de demonstração, a simulação gráfica aqui exposta exige
ainda alguns procedimentos técnicos para sua efetivação. Se o objetivo é manter o Morro
do Guajuru como referência paisagística do município, faz-se necessário cruzar dados a
respeito de simulações gráficas desenvolvidas nos diversos pontos de vista considerados
significativos para esta realização. Este cruzamento de dados indicaria que a forma de
ocupação propícia para determinado ponto de vista, pode gerar obstrução de visibilidade
em outros. Deste modo, a partir de um amplo cruzamento, da natureza descrita, é que seria
possível concluir sobre a forma de ocupação máxima para manutenção da visibilidade
desejada.
Quanto aos instrumentos complementares, é preciso ressaltar a necessidade de
inserção no planejamento municipal de atuação relacionada à escala do setor urbano, como
escala mais apropriada à identificação de nuanças específicas, permitindo assim, a revisão,
ou se for o caso, a complementação dos planos ou normas gerais. Observa-se ainda que
enquanto exemplos americanos apontados por Porteous (1996) demonstram o zoneamento
urbanístico como instrumento preferencial na orientação da construção da paisagem
urbana, a aplicação deste em Vitória, vem indicando desde sua origem, em 1954, estímulo
ao processo de verticalização, acompanhando percurso dos investimentos públicos em
infra-estrutura e a transferência quanto à localização do interesse imobiliário (Mendonça,
2001).
Vale indicar que a aplicação dos instrumentos complementares, como os referentes
ao Estatuto da Cidade, requer aprofundamento das práticas democráticas e ampliação de
legítimos canais de participação popular. Este é um aspecto de importância, tendo em vista
o princípio fundamental considerado neste estudo que relaciona o reconhecimento e a
conservação dos referenciais da paisagem ao fortalecimento da identidade e da cidadania,
procurando articular, pelos meios técnicos que propõe, visibilidade, acesso e conquista.
5. BIBLIOGRAFIA AB'SÁBER, Aziz. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São
Paulo: Ateliê Editorial, 2003. BIRKHOLZ, Lauro Bastos et alii. Introdução ao Planejamento. São Paulo, FAU-USP,
1980. BISSOLI, Daniela. Procura-se uma ilha. Vitória, 2002 (Projeto de Graduação II
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BUFFON, Ana C.. Ensaio da Teoria Topoceptiva: um exercício de desenho urbano. Estudo de caso – Enseada do Suá, Vitória – ES. Brasília, UNB (dissertação de mestrado), 1999.
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SENADO Federal, Estatuto da Cidade e Legislação Correlata. Brasília: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2001.
Fig.1- Vista do Morro do Guajuru a partir da orla diante da Chácara von Schilgen
Morro Grande
65
55
60
45
40
35
30
5
10
25
20
15
15 10 5
20
5
60 65
70 75
55
5 10 15 20
3025
35 40 45
10
15
25
20
5
35
5
65
55
3035
60
4045
10152025
105
15
3536
37
65
Fig.2- O prodestaque para o
Gur
Bento Ferreira
Itap
Suá
jeto do Novo s Morros
Gamela igica
enamby
Guajuru
Fig. 3- MavisualizaçãoGuajuru
Arrabalde com
Bosque Sagrado Cemitério
Bosque da Barrinha
pa da zona de do Morro do
Fig. 4- Nível 1, foto 02 Fig. 5- Nível 2, foto 05 Fig. 6- Nível 3, foto 20 Fig. 7- Nível 4, foto 06 Fig. 8- Nível 5, foto 30
Figura 9- Possibilidade de contato/ acesso ao Morro do Guajuru - Projeto original (1896)
Base Cartográfica: BRITO, 1896, 1996.
Figura 10- Possibilidades de contato e acesso público ao Morro do Guajuru, 2004.
Base cartográfica PMV, mapa do município de Vitória 2000 (atualizado em 2003)
Figura 11- Estudo para ampliar as possibilidades de acesso público
Base cartográfica PMV, mapa do município de Vitória 2000 (atualizado em 2003)
Fig. 12- Mapeamento dos percursos de visibilidade do Morro nos pontos de vista 2 e 26.
Fig. 13- Ponto "a" Fig. 14- Ponto “b” Fig.15- Ponto “c” Fig. 16- Ponto “d” Fig. 17- Ponto “e” Fig. 18- Ponto “f”
Fig. 13 a 18- Pontos do percurso correspondente ao ponto de vista 2.
Fig. 19 - Situação atual “a” “b” “c” “d”
Fig. 20 - Situação ideal “a” “b” “c” “d”
Fig. 21 - Ocupação limite “a” “b” “c” “d”
Fig. 22 - Acima do limite “a” “b” “c” “d”