UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CIÊNCIAS SOCIAIS
MORTE E VIDA DE GRANDES CIDADES
Iago Vinícius Avelar Souza
INTRODUÇÃO
Segundo Jacobs (2009), para compreendermos as cidades, precisamos admitir de
imediato, como fenômeno fundamental, as combinações ou as misturas de usos, não os
usos separados. Se tivermos como meta que a mistura de usos seja suficientemente
complexa para promover a segurança urbana, o contato do público e a interação de usos,
ela precisa de uma quantidade enorme de componentes.
“Seja de que espécie for, a diversidade gerada pelas cidades
repousa no fato de que nelas muitas pessoas estão bastante
próximas e elas manifestam os mais diferentes gostos, habilidades,
necessidades, carência e obsessões.” (JACOBS, 2009:161).
É importante salientar que pequenez e diversidade não são sinônimas. A diversidade dos
espaços e empresas urbanas inclui todas as variações de tamanho, mas uma grande
variedade significa, sim, maior proporção de pequenos elementos. A paisagem urbana é
viva graças ao seu enorme acervo de pequenos elementos. (JACOBS, 2009). Portanto, é
necessário descobrir as situações que geram diversidade e quais as razões econômicas
que permitem o seu surgimento.
CONDIÇÕES QUE GERAM DIVERSIDADE
Embora esses resultados sejam complexos e os ingredientes que os produzem tendam a
variar bastante essa complexidade fundamenta-se em relações econômica tangíveis, que,
em princípio, são muito mais simples do que as intrincadas combinações que elas
possibilitam nas cidades.
Nesse caso, é importante compreender como as cidades podem gerar uma mistura
suficiente de usos, uma diversidade suficiente, por uma tensão suficiente de áreas
urbanas para preservar a própria civilização. Segundo Jacobs (2009) existem quatro
condições indispensáveis para gerar uma diversidade exuberante nas ruas e nos distritos.
“1- O distrito, e sem dúvida o maior número possível de segmentos que o compõem, deve atender a mais de uma função principal: de preferência, a mais de duas. Estas devem garantir a presença de
pessoas que saiam de casa em horários diferentes e estejam nos lugares por motivos diferentes, mas sejam capazes de utilizar boa parte da infra-estrutura.” (JACOBS, 2009:165).
Nenhum bairro ou distrito, seja ele bem estabelecido, famoso ou prospero, seja ele, por
qualquer razão, densamente povoado, pode desconsiderar a necessidade a necessidade
da presença de pessoas ao longo do dia sem com isso frustrar seu potencial de gerar
diversidade. (JACOBS, 2009).
As pessoas devem frequentar as ruas em horários diversificados, de modo que haja
grande circulação ao longo do dia. Essa necessidade da presença de pessoas na
vizinhança além de criar segurança nas ruas contribui para dar vida ao comercio local.
Os estabelecimentos comerciais, assim como as ruas precisam de frequentadores. Essas
distintas combinações de usos diversos da cidade não são uma forma de caos, ao
contrário, representam uma forma de organização complexa e altamente desenvolvida
que possibilita que a cidade crie diversidade e mantenha-se viva. (JACOBS, 2009).
É importante salientar que o total absoluto de pessoas que utiliza as ruas e a maneira
como essas pessoas de distribuem ao longo do dia são duas coisas distintas. E que esta
distribuição só é eficaz quando a mistura de pessoas na rua em determinado momento
do dia é razoavelmente proporcional ao número de pessoas presentes em outros horários
do dia.
Segundo Jacobs (2009), as áreas urbanas debilitadas ou fracassadas passam por
dificuldades não tanto pelo que tem, mas pelo que não tem. Dessa forma, é quase
impossível promover a revitalização dessas áreas apagadas com carências das mais
graves e mais difíceis de suprir, a não ser investir em outros distritos apagados onde
tenha restado ao menos um ponto de partida que proporcione uma melhor
redistribuição das pessoas ao longo do dia.
E, portanto, quanto maior o êxito das cidades na geração de diversidade e vitalidade em
qualquer uma de suas zonas, “obviamente maiores serão as probabilidades de elas
obterem êxito também em outras zonas, inclusive, provavelmente as mais
desencorajadoras.” (JACOBS, 2009:195).
“2- A maioria das quadras deve ser curta; ou seja, as ruas e as oportunidades de virar esquinas devem ser frequentes.” (JACOBS, 2009:165).
Vizinhanças isoladas, separadas, tem tudo para serem abandonadas. No caso do
predomínio de quadras longas, mesmo as pessoas que estejam na vizinhança pelas
mesmas razões são mantidas tão afastadas que impede a formação de combinações
razoavelmente complexas de usos urbanos compartilhados. (JACOBS, 2009).
Por natureza, quadras longas neutralizam as vantagens potenciais que as cidades
propiciam aos numerosos empreendimentos pequenos e específicos, na medida em que
estes necessitam de cruzamentos muito maiores de pedestres para atrair fregueses e
clientes. (JACOBS, 2009). As quadras longas também dificultam as misturas, a
presença de pessoas diferentes, em horários distintos, mas usando as mesmas ruas.
O “mito” de que um grande número de ruas com quadras curtas é um “esbanjamento”
urbano consiste em dogmas do planejamento urbano ortodoxo, como teóricos da
Cidade-Jardim e da Ville Radieuse, que criticam o uso do solo para ruas porque
defendem o solo com grandes áreas verdes planejadas.
Assim, segundo Jacobs (2009) um distrito com ruas frequentes e quadras curtas são
valiosas por propiciar uma rede de usos combinados e complexos entre usuários de um
bairro. “Ruas frequentes não são um fim em si mesmas. Elas são um meio para um
fim.” (JACOBS, 2009:205).
As ruas ajudam a gerar diversidade só pela maneira como atuam. A maneira como
funciona (atraindo para si misturas de usuários) e os resultados que proporcionam
(como o crescimento da diversidade) estão intimamente ligadas. Consiste em uma
relação recíproca. (JACOBS, 2009).
“3- O distrito deve ter uma combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados, e incluir boa porcentagem de prédios antigos, de modo a gerar rendimento econômico variado. Essa mistura deve ser compacta.” (JACOBS, 2009:165).
As cidades precisam de mesclas de prédios antigos para cultivar as misturas de
diversidade. Elas precisam especificamente dos prédios antigos para incubar uma nova
diversidade. (JACOBS, 2009).
Segundo Jacobs (2009) as cidades necessitam tanto de prédios antigos que sem eles
provavelmente seria impossível obter ruas e distritos vivos. Ao falar de prédios antigos
trata-se de uma boa porção de prédios antigos simples, comuns, de baixo valor,
incluindo alguns prédios antigos deteriorados.
Se uma área da cidade tiver apenas prédios novos, as empresas que venham a existir
nesse local estarão limitadas apenas aquelas que podem arcar com os custos dos novos
edifícios. Portanto, somente atividades que tem giro alto e são padronizadas ou muito
subsidiadas conseguem normalmente arcar com os custos das construções novas
(JACOBS, 2009). Mas, bares de bairro, restaurantes típicos, por exemplo, instalam-se
em prédios antigos e proporcionam diversidade.
O problema de prédios antigos é que inevitavelmente ele não resulta senão da idade, e
como tudo que é antigo e se deteriora. Mas segundo Jacobs (2009), uma área urbana em
tal situação não fracassa por ser velha, ao contrário, a área é velha por ter fracassado.
Uma área urbana bem sucedida torna-se uma espécie de “celeiro natural” de
construções, dessa forma, ano após ano, alguns dos prédios antigos são substituídos por
novos. Portanto, com o passar do tempo, há uma mistura constante de edifícios de várias
idades e de vários tipos. Trata-se de um processo dinâmico, em que o que era novo
acaba se tornando velho em meio à variedade.
É importante salientar que nada num distrito que tenha vitalidade parece velho ao ponto
de ser eventualmente substituído por algo novo, essa utilidade do antigo não é uma
questão pura e simples de excelência ou de charme arquitetônico (JACOBS, 2009).
“4- Deve haver densidade suficientemente alta de pessoas, sejam quais forem seus propósitos. Isso inclui alta concentração de pessoas cujo propósito é morar lá.” (JACOBS, 2009:165).
Por outro lado, as pessoas reunidas em concentrações de tamanho e densidade típicos de
cidades grandes podem ser consideradas um bem positivo, na crença de que são
desejáveis fontes de imensa vitalidade e por representarem, num espaço geográfico
pequeno, uma enorme e exuberante riqueza de diferenças e opções, sendo muitas dessas
diferenças singulares e imprevisíveis e acima de tudo valiosas só por existirem.
(JACOBS, 2009).
Altas densidades habitacionais significam grande quantidade de moradias por acre, isso
não tem relação alguma com superlotação. Muitas pessoas numa moradia em relação ao
número de cômodos que ela possui são diferentes do número de moradias na área.
Além das pessoas que moram na rua, uma densidade alta de pessoas deve conter boa
parte de desconhecidos que transitam ou trabalham por lá. A presença desses
desconhecidos contribui para a diversidade local e aumentam a segurança. Segundo
Jabobs (2009) para as ruas se tornarem seguras são necessárias três características
principais. Primeira, deve ser nítida a separação entre espaço público e espaço privado.
O espaço público e o privado não podem misturar-se, como normalmente ocorre em
subúrbios ou em conjuntos habitacionais. Segunda, devem existir olhos para a rua, os
olhos daqueles que podemos chamar de proprietários naturais da rua. Os edifícios de
uma rua preparada para receber estranhos e garantir a segurança tanto deles quanto dos
moradores devem estar voltados para a rua. Eles não podem estar com os fundos ou um
lado morto para a rua e deixa-la cega. E terceira, a calçada deve ter usuários transitando
initerruptamente, tanto para aumentar na rua o número de olhos atentos quanto para
induzir um número suficiente de pessoas dentro dos edifícios da rua a observar as
calçadas.
Quando as ruas são seguras, as chances de possuir um elevado número de
frequentadores diários são altas. Outro requisito básico da vigilância é um numero
substancial de estabelecimentos e outros locais públicos dispostos ao longo das
calçadas; deve haver entre eles, sobretudo estabelecimentos e espaços públicos que
sejam utilizados de noite. Lojas, bares e restaurantes, atuam de forma bem variada e
complexa para aumentar a diversidade e a segurança nas calçadas. Em primeiro lugar,
dão às pessoas motivos concretos para utilizar as calçadas onde esses estabelecimentos
existem. Em segundo lugar, fazem com que as pessoas percorram as calçadas, passando
por locais que, em si, não tem interesse para uso público, mas se tornam frequentados e
cheios de gente por ser caminho para outro lugar. Entretanto, essa influência não vai
muito longe; portanto, devem existir muitos estabelecimentos comerciais para preencher
com pedestres os trechos da rua que não dispõem de espaços públicos ao longo das
calçadas. Deve haver, além do mais, um comércio bem variado, para levar as pessoas a
circular por todo o local. Em terceiro lugar, os próprios lojistas e outros pequenos
comerciantes costumam incentivar a tranquilidade e a ordem; detestam que os clientes
fiquem preocupados com a segurança. Em quarto lugar, a movimentação de pessoas a
trabalho ou que procuram um lugar pra comer e beber constitui em si mais um atrativo
para mais pessoas. (JACOBS, 2009).
Portando, para que uma rua ou um distrito possua uma diversidade exuberante, uma
capacidade de unir os mais diferentes gostos, habilidades, necessidades numa mesma
região é necessário que essa rua possua uma densidade alta de pessoas circulando tanto
de dia quanto de noite, uma mistura de prédios novos e antigos que comportem os mais
diversos serviços e ruas e quadras curtas para que essas pessoas possam se encontrar e
facilite sua circulação.
“Associadas, tais condições criam combinações de usos
economicamente eficazes. Nem todos os distritos dotados dessas
quatro condições produziram uma diversidade comparável à dos
outros. O potencial de distritos distintos difere por muitas razões;
mas, com essas quatro condições plenamente atendidas (ou o mais
próximo possível de sua plena consecução na realidade), o distrito
deverá ter condições de desempenhar seu potencial, seja ele qual
for.” (JACOBS, 2009:165).
MITOS SOBRE A DIVERSIDADE
Algumas mas interpretações sobre a o papel da diversidade para a vida das cidades
criam falsos mitos sobre a mistura de usos, os quais relacionam a diversidade com ruas
e distritos mal sucedidos. A ideia de que a mistura de usos é feia, provoca
congestionamentos e estimulam usos nocivos às cidades são reflexos de distritos que
não tem muita, mas pouca diversidade.
A crença de que a diversidade está relacionada a mal aparência, implica que as misturas
de usos se assemelha a bagunça, e mais, implica que lugares marcados pela
homogeneidade de usos tem melhor aparência e são mais eficientes, o que não é
verdade. (JACOBS, 2009).
A homogeneidade de usos pode parecer inicialmente dotada de alguma ordem, porém
essa uniformidade gera monotonia e impede que as ruas tenham grande circulação de
serviços e pessoas. E mesmo que a diversidade de usos esteja associada a diversidade da
idade dos prédios, podem as vezes contaminar-se da monotonia típica das quadras muito
longas.
Ao buscar uma organização visual, na tentativa de suprimir as diferenças, as cidades
estão fadadas ao fracasso. Como harmonizar visualmente a diversidade urbana,
respeitando a liberdade ao mostrar visualmente que se trata de uma forma de ordem, é o
problema estético fundamental das cidades.
“A diversidade urbana não é intrinsecamente feia. Isso é um erro
de julgamento, e dos mais banais. Porém, a falta de diversidade é,
por um lado, naturalmente deprimente e, por outro, uma grosseria
caótica.” (JACOBS, 2009:253).
Outro equívoco comum é relacionar a diversidade a problemas no trânsito. A verdade é
que o congestionamento de trânsito é provocado por veículos e não pelas pessoas em si.
Em lugares onde a densidade urbana é baixa ou em lugares onde as combinações de
usos não são frequentes, qualquer ponto de atração particular causa congestionamento.
A inexistência de uma diversidade ampla e concentrada pode levar as pessoas a usarem
automóveis por qualquer motivo. (JACOBS, 2009). Os espaços ocupados pelas ruas e
estacionamentos fazem com que tudo fique mais distante e intensifiquem ainda mais o
uso de automóveis. (JACOBS, 2009).
“Em áreas urbanas de diversificas e densas, as pessoas ainda
caminham, atividade que é impossível em subúrbios e na maioria
das áreas apagadas. Quando mais variada e concentrada for a
diversidade de determinada área, maior a oportunidade para
caminhar. Até as pessoas que vão de carro ou de transporte público
a uma área viva e diversificada caminham ao chegar lá.”
(JACOBS, 2009:255).
Segundo Jacobs (2009) esses “mitos” são alguns dos “bichos-papões” que fazem as
cidades combaterem a diversidade, essas crenças ajudam a moldar as diretrizes do
zoneamento e atrapalham o planejamento urbano. Como já disse anteriormente essas
combinações distintas não são uma forma de caos, são organizações extremamente
complexas que permitem as cidades se manterem vivas.
CONCLUSÃO
Toda a discussão até aqui se resume ao seguinte: nas cidades, precisamos de todos os
tipos de diversidade, intrincadamente combinados e mutualmente sustentados. Isso é
necessário para que a vida urbana funcione adequadamente, de modo que a população
das cidades possa se preservar e desenvolver.
Não nos resta dúvida de que as áreas urbanas com diversidade emergente geram usos
desconhecidos e imprevisíveis e perspectivas visuais peculiares. Mas não se trata de um
inconveniente da diversidade. Trata-se da questão essencial, ou parte dela. Isso está de
acordo com uma das atribuições das cidades. (JACOBS, 2009). Basicamente, a maior
parte da diversidade urbana é criação de uma quantidade inacreditável de pessoas
diversas, com concepções diversas e de organizações diversas e com propósitos bastante
distintos. A diversidade das cidades se encontra justamente nesta pluralidade cultural
gerada através das relações sociais entre seus habitantes.
“As cidades monótonas, inertes, contêm, na verdade, as sementes
de sua própria destruição e um pouco mais. Mas as cidades vivas,
diversificadas e intensas contêm as sementes de sua própria
regeneração, com energia de sobra para os problemas e as
necessidades de fora delas.” (JACOBS, 2009:499).
Os distritos urbanos são lugares social e economicamente convenientes para que surja a
diversidade por si só e atinja seu potencial máximo, desde que possuam boas
combinações, ruas frequentes, densa mistura de idades das construções e elevada
concentração de pessoas. (JACOBS, 2009). Em suma, as cidades onde a diversidade é
presente, fruto das relações sociais de seus indivíduos e também de condições
estruturais que atendam a população, acabam por eliminar muitos problemas. Assim, as
cidades vivas detêm uma capacidade quase natural de compreender, comunicar, planejar
e inventar as necessidades para enfrentar as dificuldades.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JACOBS, J. Morte e vida de grandes cidades. 2ª Ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2009.