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PIAGETJEAN

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Alceu Amoroso Lima | Almeida JĂșnior | AnĂ­sio TeixeiraAparecida Joly Gouveia | Armanda Álvaro Alberto | Azeredo Coutinho

Bertha Lutz | CecĂ­lia Meireles | Celso Suckow da Fonseca | Darcy RibeiroDurmeval Trigueiro Mendes | Fernando de Azevedo | Florestan FernandesFrota Pessoa | Gilberto Freyre | Gustavo Capanema | Heitor Villa-Lobos

Helena Antipoff | Humberto Mauro | José Mårio Pires AzanhaJulio de Mesquita Filho | Lourenço Filho | Manoel Bomfim

Manuel da NĂłbrega | NĂ­sia Floresta | Paschoal Lemme | Paulo FreireRoquette-Pinto | Rui Barbosa | Sampaio DĂłria | Valnir Chagas

Alfred Binet | Andrés BelloAnton Makarenko | Antonio Gramsci

Bogdan Suchodolski | Carl Rogers | CĂ©lestin FreinetDomingo Sarmiento | Édouard ClaparĂšde | Émile Durkheim

Frederic Skinner | Friedrich Fröbel | Friedrich HegelGeorg Kerschensteiner | Henri Wallon | Ivan Illich

Jan Amos ComĂȘnio | Jean Piaget | Jean-Jacques RousseauJean-Ovide Decroly | Johann Herbart

Johann Pestalozzi | John Dewey | José Martí | Lev VygotskyMaria Montessori | Ortega y Gasset

Pedro Varela | Roger Cousinet | Sigmund Freud

Ministério da Educação | Fundação Joaquim Nabuco

Coordenação executivaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier e Isabela Cribari

Comissão técnicaCarlos Alberto Ribeiro de Xavier (presidente)

Antonio Carlos Caruso Ronca, AtaĂ­de Alves, Carmen LĂșcia Bueno Valle,CĂ©lio da Cunha, Jane Cristina da Silva, JosĂ© Carlos Wanderley Dias de Freitas,

Justina Iva de AraĂșjo Silva, LĂșcia Lodi, Maria de Lourdes de Albuquerque FĂĄvero

RevisĂŁo de conteĂșdoCarlos Alberto Ribeiro de Xavier, CĂ©lio da Cunha, JĂĄder de Medeiros Britto,JosĂ© Eustachio RomĂŁo, Larissa Vieira dos Santos, Suely Melo e Walter Garcia

Secretaria executivaAna Elizabete Negreiros Barroso

Conceição Silva

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PIAGETJEAN

Alberto Munari

Tradução e organizaçãoDaniele Saheb

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ISBN 978-85-7019-546-3© 2010 Coleção Educadores

MEC | Fundação Joaquim Nabuco/Editora Massangana

Esta publicação tem a cooperação da UNESCO no ùmbitodo Acordo de Cooperação Técnica MEC/UNESCO, o qual tem o objetivo a

contribuição para a formulação e implementação de políticas integradas de melhoriada equidade e qualidade da educação em todos os níveis de ensino formal e não

formal. Os autores são responsåveis pela escolha e apresentação dos fatos contidosneste livro, bem como pelas opiniÔes nele expressas, que não são necessariamente as

da UNESCO, nem comprometem a Organização.As indicaçÔes de nomes e a apresentação do material ao longo desta publicação

não implicam a manifestação de qualquer opinião por parte da UNESCOa respeito da condição jurídica de qualquer país, território, cidade, região

ou de suas autoridades, tampouco da delimitação de suas fronteiras ou limites.

A reprodução deste volume, em qualquer meio, sem autorização prĂ©via,estarĂĄ sujeita Ă s penalidades da Lei nÂș 9.610 de 19/02/98.

Editora MassanganaAvenida 17 de Agosto, 2187 | Casa Forte | Recife | PE | CEP 52061-540

www.fundaj.gov.br

Coleção EducadoresEdição-geralSidney Rocha

Coordenação editorialSelma CorrĂȘa

Assessoria editorialAntonio Laurentino

PatrĂ­cia LimaRevisĂŁo

Sygma ComunicaçãoRevisão técnica

Jeanne Marie Claire SawayaUlisses Ferreira de AraĂșjo

IlustraçÔesMiguel Falcão

Foi feito depĂłsito legalImpresso no Brasil

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Fundação Joaquim Nabuco. Biblioteca)

Munari, Alberto. Jean Piaget / Alberto Munari; tradução e organização: Daniele Saheb. – Recife:Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 156 p.: il. – (Coleção Educadores) Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7019-546-31. Piaget, Jean, 1896-1980. 2. Educação – Pensadores – História. I. Saheb, Daniele. II.Título.

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SUMÁRIO

Apresentação, por Fernando Haddad, 7

Ensaio, por Alberto Munari, 11O combate de uma vida: a ciĂȘncia, 12O descobrimento da infĂąncia e da educação, 14Da aventura do BIE aosprincĂ­pios educacionais de Piaget, 16A longa construção da epistemologia genĂ©tica, 22A dupla leitura do construtivismo genĂ©tico, 24Piaget atual, 25

Textos selecionados, 27O Nascimento da InteligĂȘncia na Criança, 27Jean Piaget - Sobre a Pedagogia: textos inĂ©ditos, 44Psicologia e Pedagogia, 68O Estruturalismo, 105

Cronologia, 141

Bibliografia, 143Obras de Jean Piaget, 143Obras sobre Jean Piaget, 147Obras de Jean Piaget em portuguĂȘs, 151

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O propĂłsito de organizar uma coleção de livros sobre educa-dores e pensadores da educação surgiu da necessidade de se colo-car Ă  disposição dos professores e dirigentes da educação de todoo paĂ­s obras de qualidade para mostrar o que pensaram e fizeramalguns dos principais expoentes da histĂłria educacional, nos pla-nos nacional e internacional. A disseminação de conhecimentosnessa ĂĄrea, seguida de debates pĂșblicos, constitui passo importantepara o amadurecimento de ideias e de alternativas com vistas aoobjetivo republicano de melhorar a qualidade das escolas e daprĂĄtica pedagĂłgica em nosso paĂ­s.

Para concretizar esse propĂłsito, o MinistĂ©rio da Educação insti-tuiu ComissĂŁo TĂ©cnica em 2006, composta por representantes doMEC, de instituiçÔes educacionais, de universidades e da Unescoque, apĂłs longas reuniĂ”es, chegou a uma lista de trinta brasileiros etrinta estrangeiros, cuja escolha teve por critĂ©rios o reconhecimentohistĂłrico e o alcance de suas reflexĂ”es e contribuiçÔes para o avançoda educação. No plano internacional, optou-se por aproveitar a co-leção Penseurs de lÂŽĂ©ducation, organizada pelo International Bureau ofEducation (IBE) da Unesco em Genebra, que reĂșne alguns dos mai-ores pensadores da educação de todos os tempos e culturas.

Para garantir o ĂȘxito e a qualidade deste ambicioso projetoeditorial, o MEC recorreu aos pesquisadores do Instituto PauloFreire e de diversas universidades, em condiçÔes de cumprir osobjetivos previstos pelo projeto.

APRESENTAÇÃO

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Ao se iniciar a publicação da Coleção Educadores*, o MEC,em parceria com a Unesco e a Fundação Joaquim Nabuco, favo-rece o aprofundamento das políticas educacionais no Brasil, comotambém contribui para a união indissociåvel entre a teoria e a prå-tica, que é o de que mais necessitamos nestes tempos de transiçãopara cenårios mais promissores.

É importante sublinhar que o lançamento desta Coleção coinci-de com o 80Âș aniversĂĄrio de criação do MinistĂ©rio da Educação esugere reflexĂ”es oportunas. Ao tempo em que ele foi criado, emnovembro de 1930, a educação brasileira vivia um clima de espe-ranças e expectativas alentadoras em decorrĂȘncia das mudanças quese operavam nos campos polĂ­tico, econĂŽmico e cultural. A divulga-ção do Manifesto dos pioneiros em 1932, a fundação, em 1934, da Uni-versidade de SĂŁo Paulo e da Universidade do Distrito Federal, em1935, sĂŁo alguns dos exemplos anunciadores de novos tempos tĂŁobem sintetizados por Fernando de Azevedo no Manifesto dos pioneiros.

Todavia, a imposição ao paĂ­s da Constituição de 1937 e doEstado Novo, haveria de interromper por vĂĄrios anos a luta auspiciosado movimento educacional dos anos 1920 e 1930 do sĂ©culo passa-do, que sĂł seria retomada com a redemocratização do paĂ­s, em1945. Os anos que se seguiram, em clima de maior liberdade, possi-bilitaram alguns avanços definitivos como as vĂĄrias campanhas edu-cacionais nos anos 1950, a criação da Capes e do CNPq e a aprova-ção, apĂłs muitos embates, da primeira Lei de Diretrizes e Bases nocomeço da dĂ©cada de 1960. No entanto, as grandes esperanças easpiraçÔes retrabalhadas e reavivadas nessa fase e tĂŁo bem sintetiza-das pelo Manifesto dos Educadores de 1959, tambĂ©m redigido porFernando de Azevedo, haveriam de ser novamente interrompidasem 1964 por uma nova ditadura de quase dois decĂȘnios.

* A relação completa dos educadores que integram a coleção encontra-se no início deste

volume.

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Assim, pode-se dizer que, em certo sentido, o atual estĂĄgio daeducação brasileira representa uma retomada dos ideais dos mani-festos de 1932 e de 1959, devidamente contextualizados com otempo presente. Estou certo de que o lançamento, em 2007, doPlano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como mecanis-mo de estado para a implementação do Plano Nacional da Edu-cação começou a resgatar muitos dos objetivos da polĂ­tica educa-cional presentes em ambos os manifestos. Acredito que nĂŁo serĂĄdemais afirmar que o grande argumento do Manifesto de 1932, cujareedição consta da presente Coleção, juntamente com o Manifestode 1959, Ă© de impressionante atualidade: “Na hierarquia dos pro-blemas de uma nação, nenhum sobreleva em importĂąncia, ao daeducação”. Esse lema inspira e dĂĄ forças ao movimento de ideiase de açÔes a que hoje assistimos em todo o paĂ­s para fazer daeducação uma prioridade de estado.

Fernando HaddadMinistro de Estado da Educação

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JEAN PIAGET1

(1896-1980)

Alberto Munari2

A ideia de considerar o grande epistemĂłlogo e psicĂłlogo suĂ­-ço educador poderia surpreender Ă  primeira vista: de fato, comochamar de “educador” a Jean Piaget, que jamais exerceu esta pro-fissĂŁo, que sempre negou considerar-se pedagogo, chegando aoponto de declarar que “Em matĂ©ria de pedagogia, nĂŁo tenho opi-niĂŁo” (Bringuier, 1977, p.194), e cujos escritos sobre educação3

nĂŁo ultrapassam 3%4 do conjunto de sua obra?A perplexidade pode ser totalmente justificada quando se pensa

exclusivamente na produção cientĂ­fica do prĂłprio Piaget. PorĂ©m,torna-se menor quando se pensa no considerĂĄvel nĂșmero de obras

1 Este perfil foi publicado em Perspectives: revue trimestrielle d’éducation comparĂ©e.

Paris, Unesco: Escritório Internacional de Educação, v. 24, n. 1-2, pp. 321-337, 1994.2 Alberto Munari (Suíça) é psicólogo e epistemológo, professor da Universidade de

Genebra, onde dirige, desde 1974, a Unidade de Psicologia da Educação. Alberto Munari

colaborou com Piaget de 1964 a 1974 e obteve, em 1971, seu tĂ­tulo de doutor em

psicologia genética experimental, sob a orientação de Piaget. Tem diversas publicaçÔes,

dentre as quais se destacam The Piagetian approach to the scientifc method: implicationsfor teaching [A abordagem piagetiana do método científico: implicaçÔes para o ensino];

La scuola di Ginebra dopo Piaget [A escola de Genebra desde Piaget] (em colaboração)

e o recente (1993) Il sapere ritovato: conoscenza,formazione, organizzazione [O saber

reencontrado: conhecimento, formação, organização].

3 Piaget, 1925, 1928, 1930, 1931, 1932, 1933a, 1933b, 1934a, 1934b, 1935, 1936a, 1939a,

1939b, 1942, 1943, 1944, 1949a, 1949b, 1949c, 1954a, 1957, 1964, 1965, 1966a, 1966b,

1969, 1972a, 1972b, 1973; Piaget & Duckworth, 1973. Além disso, Piaget redigiu, na

qualidade de diretor do Bureau International d’Éducation (BIE), cerca de quarenta discur-

sos e relatĂłrios, todos publicados aos cuidados do BIE, entre 1930 e 1967.4 Talvez um pouco menos de mil pĂĄginas (aĂ­ compreendidos os discursos e os relatĂłrios

redigidos para o BIE) sobre um total estimado em torno de 35.000 pĂĄginas, sem contar as

traduçÔes!

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de outros autores que se referem Ă s implicaçÔes educacionais daobra piagetiana5. De fato, hĂĄ muitos anos, inĂșmeros educadores epedagogos de diversos paĂ­ses se referem explicitamente Ă  obra dePiaget para justificar suas prĂĄticas ou princĂ­pios. Mas trata-se sem-pre da mesma interpretação? Faz-se referĂȘncia invariavelmente Ă  psi-cologia de Piaget, ou evocam-se outros aspectos de sua obra com-plexa e multiforme? A qual dos tĂŁo diversos “Piagets” devem-se ascontribuiçÔes mais importantes: ao Piaget biĂłlogo, ao epistemĂłlogo,ao psicĂłlogo, ou se estĂĄ particularmente em dĂ­vida com o “polĂ­ti-co” da educação – que Ă© como se poderia qualificar o Piaget dire-tor do Bureau Internacional de Educação?

O combate de uma vida: a ciĂȘncia

Comecemos pintando o pano de fundo. Figura tĂ­pica de aca-dĂȘmico “iluminado”, Jean Piaget lutou toda a sua vida contras asinstituiçÔes e os preconceitos intelectuais de sua Ă©poca – e, talvez,tambĂ©m, contra suas prĂłprias preocupaçÔes espiritualistas e idea-listas da juventude (Piaget, 1914, 1915, 1918) – para defender epromover o enfoque cientĂ­fico.

Incitado por um pai “de espĂ­rito escrupuloso e crĂ­tico, quenĂŁo gostava das generalizaçÔes apressadas” (Piaget, 1976, p.2); ini-ciado muito cedo Ă  precisĂŁo da observação naturalista pelas mĂŁos

5 A propĂłsito, a literatura mundial Ă© extremamente rica e Ă© difĂ­cil estabelecer uma lista

completa. Entre as obras de referĂȘncia “clĂĄssicas” podem ser citadas: Campbell & Fuller,

1977; Copeland, 1970; Duckworth, 1964; Elkind, 1976; Forman & Kuschner, 1977; Furth,

1970; Furth & Wachs, 1974; Gorman, 1972; Kamii, 1972; Kamii & De Vries, 1977;

Labinowicz, 1980; Lowery, 1974; Papert, 1980; Rosskopf & al., 1971; Schwebel & Raph,

1973; Sigel, 1969; Sinclair & Kamii, 1970; Sprinthall & Sprinthall, 1974; Sund, 1976;

Vergnaud, 1981.

NĂłs mesmos, com a ajuda de alguns colegas que colaboravam em nosso grupo,

notadamente, Donata Fabbri,analisamos, em muitas ocasiÔes as implicaçÔes educacio-

nais da psicoepistemologia piagetiana: Bocchi et al., 1983; Ceruti et al., 1985; Fabbri,

1984, 1985, 1987a, 1987b, 1988a, 1988b, 1989, 1990, 1991, 1992; Fabbri & Formenti,

1989, 1991; Fabbri et al., 1992; Fabbri & Munari, 1983, 1984a, 1984b, 1985a, 1985b,

1988, 1989, 1991; Fabbri & Panier-Bagat, 1988; Munari, 1980, 1985a, 1985b, 1985c,

1987a, 1987b, 1987c, 1988, 1990a, 1990b, 1990c, 1992; Munari et al., 1980.

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do malacólogo Paul Godet, diretor do Museu de História Naturalde Neuchatel, sua cidade natal (id., ib., p.2 e 3); lançado, ainda estu-dante, na arena da confrontação científica internacional, em 1911,com a idade de 15 anos, publica seus primeiros trabalhos em re-vistas de grande circulação. Piaget foi muito rapidamente seduzidopelo charme e pelo rigor da pesquisa científica. Escutemos suaspróprias palavras:

Esses estudos, por prematuros que fossem, foram de grande utili-dade para minha formação cientĂ­fica; alĂ©m disso, funcionaram, pode-ria dizer, como instrumentos de proteção contra o demĂŽnio da filo-sofia. Graças a eles, tive o raro privilĂ©gio de vislumbrar a ciĂȘncia e oque ela representa antes de sofrer as crises filosĂłficas da adolescĂȘncia.Ter tido a experiĂȘncia precoce destes dois tipos de problemĂĄtica cons-tituiu, estou convencido, o motivo secreto da minha atividade pos-terior em psicologia (id., ib., p.3).

Assim, apesar de duas importantes “crises de adolescĂȘncia”,uma religiosa e outra filosĂłfica, Piaget chegou, progressivamen-te, Ă  convicção Ă­ntima de que o mĂ©todo cientĂ­fico era a Ășnica viade acesso legĂ­tima ao conhecimento, e que os mĂ©todos reflexivosou introspectivos da tradição filosĂłfica, no melhor dos casos, sĂłpodiam contribuir para elaborar certo tipo de conhecimento(Piaget, 1965b).

Essa convicção, cada vez mais forte, determinou as opçÔesbĂĄsicas que Piaget adotou atĂ© os anos 20 do sĂ©culo passado e queele nunca mais modificou, seja no campo da psicologia que deci-dira estudar; seja no da polĂ­tica acadĂȘmica que decidira defender;seja, finalmente, no compromisso que aceitara enfrentar diante dosproblemas da educação.

No que diz respeito Ă  psicologia, dizia: – “Isso me fez adotara decisĂŁo de consagrar minha vida Ă  explicação biolĂłgica do co-nhecimento” (Piaget, 1965b, p.5), abandonando, assim, apĂłs uminteresse inicial, vinculado Ă  sua prĂłpria experiĂȘncia familiar, a psi-canĂĄlise e a psicologia patolĂłgica.

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Quanto a seu trabalho de pesquisador e de professor universi-tĂĄrio, a preocupação constante que estimulava e orientava sua obrae sua vida inteira foi a de conseguir o reconhecimento, em particu-lar de seus colegas no campo das ciĂȘncias fĂ­sicas e naturais, decarĂĄter tambĂ©m cientĂ­fico das ciĂȘncias do homem e mais especifi-camente da psicologia e da epistemologia. Quanto Ă  sua atitude eseu engajamento no campo da educação, sua posição o levou na-turalmente a reconhecer, desde o princĂ­pio de sua participaçãoativa como estudante, o caminho privilegiado para incorporar omĂ©todo cientĂ­fico na escola.

O descobrimento da infùncia e da educação

Animado por esse projeto, Jean Piaget se distanciou daintrospecção filosófica e foi para Paris trabalhar com Janet, Piéron eSimon, nos laboratórios fundados por Binet. Ali, descobriu, pelaprimeira vez, a maravilhosa riqueza do pensamento infantil.

Foi tambĂ©m, nessa ocasiĂŁo, que elaborou o primeiro esboço deseu mĂ©todo crĂ­tico – que, Ă s vezes, chamou tambĂ©m de “mĂ©todoclĂ­nico” – de interrogação da criança, partindo de uma sĂ­ntese total-mente original e surpreendente dos ensinamentos que acabara dereceber de Dumas e Simon, em psicologia clĂ­nica, e de Brunschvicge Lalande, em epistemologia, lĂłgica e histĂłria das ciĂȘncias.

A originalidade do estudo do pensamento infantil que Piagetrealizou tem como base o princĂ­pio metodolĂłgico segundo o qual aflexibilidade e a precisĂŁo da entrevista “em profundidade”, que ca-racterizam o mĂ©todo clĂ­nico, devem modular-se mediante a buscasistemĂĄtica dos processos lĂłgico-matemĂĄticos subjacentes aos raci-ocĂ­nios expressados; alĂ©m disso, para realizar esse tipo de entrevista,Ă© preciso referir-se Ă s diversas etapas de elaboração pelas quais pas-sou o conceito que se examina no curso de sua evolução histĂłrica.

A metodologia de Piaget se apresenta, pois, de entrada, comouma tentativa de associar os trĂȘs mĂ©todos que a tradição ocidental

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atĂ© entĂŁo mantinha separados: o mĂ©todo empĂ­rico das ciĂȘnciasexperimentais, o mĂ©todo hipotĂ©tico-dedutivo das ciĂȘncias lĂłgico-matemĂĄticas e o mĂ©todo histĂłrico-crĂ­tico das ciĂȘncias histĂłricas(Munari, 1985a, 1985b).

Mas, em Paris, Piaget interrogava principalmente as criançashospitalizadas. Somente quando Edouard ClaparĂšde e Pierre Boveto chamaram a Genebra Ă© que começou a estudar a criança em seumeio de vida “normal” e, sobretudo, na escola: a Casa das Criançasdo Instituto Jean-Jacques Rousseau converteu-se, entĂŁo, no seu princi-pal campo de pesquisa. Seus trabalhos, nesse centro privilegiado daeducação moderna e, em seguida, nas escolas primĂĄrias de Genebra,da Ă©poca – talvez menos modernas do que a Casa das Crianças –levaram, provavelmente, Piaget a compreender a distĂąncia que, comdemasiada frequĂȘncia, separava as capacidades intelectuais insuspei-tas, que acabara de descobrir nas crianças, e das prĂĄticas normal-mente utilizadas pelos professores das escolas pĂșblicas.

AlĂ©m disso, o fato de trabalhar no Instituto Jean-JacquesRousseau, dedicado inteiramente ao desenvolvimento e ao aper-feiçoamento de sistemas de educação e de prĂĄticas educativas, enĂŁo mais em estabelecimentos hospitalares ou laboratĂłrios mĂ©di-cos interessados na criança enferma ou deficiente, nĂŁo podia dei-xar de exercer certa influĂȘncia na consciĂȘncia que Piaget tinha ad-quirido sobre a problemĂĄtica da educação.

Piaget reconheceu, porĂ©m, sem inocĂȘncia, que “a pedagogianĂŁo me interessava entĂŁo, porque nĂŁo tinha filhos” (Piaget, 1976,p.12). Somente mais tarde, quando voltou a Genebra, depois deum breve perĂ­odo em Neuchatel, onde substituiu seu antigo pro-fessor Arnold Reymond, que assumira, com ClaparĂšde e Bovet, aco-direção do Instituto Jean-Jacques Rousseau, que seu compro-misso com a educação adquirira uma primeira forma tangĂ­vel:“Em 1929 aceitei imprudentemente o cargo de diretor do BureauInternacional de Educação (BIE), cedendo Ă  insistĂȘncia de meu

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amigo Pedro Rosselló” (Piaget, 1976, p.17). Isso resultou ser ummarco importante na vida de Piaget, já que o levou a descobrir oselementos sociopolíticos que, inevitavelmente, estão em jogo emtoda ação educacional, e a comprometer-se no grande projeto deuma educação internacional.

Da aventura do BIE aos princĂ­pios educacionais de Piaget

“Nesta aventura havia um elemento esportivo”, dizia Piaget(id., ib.), como se quisesse diminuir-lhe a importĂąncia. Contudo,permaneceu Ă  frente dessa organização internacional de 1929 a1968. Isso constituiu, sem dĂșvida, um fato notĂĄvel, sobretudo emrelação Ă  prĂłpria personalidade de Piaget, notoriamente poucoinclinado a dedicar-se a tarefas nĂŁo cientĂ­ficas.

Tratava-se do desejo de melhorar os mĂ©todos pedagĂłgicosmediante “a adoção oficial de tĂ©cnicas melhor adaptadas ao espĂ­-rito infantil” (id., ib.) e, portanto, tambĂ©m, mais cientĂ­ficas? Ou tra-tava-se de poder intervir com maior eficĂĄcia nas instituiçÔes esco-lares oficiais por meio de uma organização supragovernamental?Ou, ainda, se tratava da esperança de poder combater a incompre-ensĂŁo entre os povos e o flagelo da guerra, mediante um esforçoeducativo orientado aos valores internacionais?

Todos os anos, de 1929 atĂ© 1967, Piaget redigia diligentemen-te o “Discurso do Diretor”, apresentado ao Conselho do BIE e Ă ConferĂȘncia Internacional de Instrução PĂșblica. É nesta coleçãode uns 40 textos – esquecidos pela maior parte dos comentaristasda obra de Piaget – que se encontram, expressos mais explicita-mente do que em seus outros escritos, os elementos do credopedagĂłgico de Piaget. Graças a esses textos, mais do que comqualquer obra de carĂĄter geral publicada por Piaget sobre os pro-blemas da educação (Piaget, 1969, 1972b), Ă© possĂ­vel ilustrar osprincĂ­pios bĂĄsicos que orientam seu projeto educacional. Desco-brir-se-ĂĄ, entĂŁo, que esse projeto Ă© muito menos “implĂ­cito” emenos “inconsciente” do que se costuma afirmar.

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Em primeiro lugar, Piaget, contrariamente ao que costumasupor-se, atribui uma importĂąncia muito grande Ă  educação, umavez que nĂŁo hesitou declarar abertamente que “somente a educa-ção pode salvar nossas sociedades de uma possĂ­vel dissolução,violenta ou gradual” (Piaget, 1934c, p.31). Para ele, a ação educa-tiva Ă© algo pelo que vale a pena lutar, confiando no ĂȘxito final:

Basta recordar que uma grande ideia tem sua própria força6 e que arealidade é em boa parte o que queremos que seja7, para ter confiançae assegurar-se de que, partindo de nada, conseguiremos dar à educa-ção, no plano internacional, o lugar que lhe corresponde por direito(id., ib.).

Alguns anos mais tarde, Ă s vĂ©speras da Segunda Guerra Mun-dial, Piaget declarou ainda: “ApĂłs os cataclismos que marcaramestes Ășltimos meses, a educação constituirĂĄ, uma vez mais, o fatordecisivo nĂŁo sĂł da reconstrução, mas inclusive e, sobretudo, daconstrução propriamente dita” (Piaget,1940, p.12). A educaçãoconstitui, pois, em sua opiniĂŁo, a primeira tarefa de todos os po-vos, sobrepondo as diferenças ideolĂłgicas e polĂ­ticas: “O bemcomum de todas as civilizaçÔes: a educação da criança” (id., ib.).

Mas que tipo de educação? Neste caso, e contrariamente aoque dirĂĄ, mais tarde, a Bringuier (1977, p.194), Piaget nĂŁo temeuexplicitar suas opiniĂ”es nos “Discursos”. Em primeiro lugar, enun-ciou uma regra fundamental: “A coerção Ă© o pior dos mĂ©todospedagĂłgicos” (Piaget, 1949d, p.28). Por conseguinte, “no terrenoda educação, o exemplo deve desempenhar um papel mais im-portante do que a coerção” (Piaget, 1948, p. 22). Outra regra, igual-mente fundamental e que propĂ”e em vĂĄrias ocasiĂ”es Ă© a impor-tĂąncia da atividade do aluno: “Uma verdade aprendida nĂŁo Ă© maisque uma meia verdade, enquanto a verdade inteira deve ser recon-quistada, reconstruĂ­da ou redescoberta pelo prĂłprio aluno” (Piaget,

6 Esta é uma convicção fundamental de Jean Piaget, apresentada em todos os seus

primeiros escritos: cf. La mission de l’idĂ©e (PIAGET, 1915).7 Belo ato de fĂ© construtivista.

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1950, p.35). Este princĂ­pio educativo repousa, para Piaget, em umarealidade psicolĂłgica indiscutĂ­vel: “Toda psicologia contemporĂąneanos ensina que a inteligĂȘncia procede da ação” (id., ib.). DaĂ­ o papelfundamental que a pesquisa deve desempenhar em toda estratĂ©giaeducacional: porĂ©m, esta investigação nĂŁo deve ser abstrata: “Aação supĂ”e pesquisas prĂ©vias e a investigação sĂł tem sentido seleva Ă  ação” (Piaget, 1951, p.28).

Portanto, propÔe uma escola sem coerção, na qual o aluno éconvidado a experimentar ativamente, para reconstruir por si mes-mo, aquilo que tem de aprender. Este é, em linhas gerais, o projetoeducativo de Piaget. Porém,

NĂŁo se aprende a experimentar simplesmente vendo o professorexperimentar, ou dedicando-se a exercĂ­cios jĂĄ previamente organiza-dos: sĂł se aprende a experimentar, tateando, por si mesmo, traba-lhando ativamente, ou seja, em liberdade e dispondo de todo otempo necessĂĄrio (Piaget, 1949, p.39).

Sobre esse princĂ­pio, que considera primordial, Piaget nĂŁoteme a polĂȘmica:

Ora, na maior parte dos países, a escola forma linguistas, gramáticos,historiadores, matemáticos, mas não educa o espírito experimental. Énecessário insistir na dificuldade muito maior de se formar o espíritoexperimental do que o espírito matemático nas escolas primárias e se-cundárias. (...) É muito mais fácil raciocinar do que experimentar (id., ib.).

Que papel teriam entĂŁo, nesta escola, os livros e os manuais? “Aescola ideal nĂŁo teria livros obrigatĂłrios para os alunos, mas somen-te obras de referĂȘncia que se empregariam livremente: (...) os Ășnicosmanuais indispensĂĄveis sĂŁo os de uso do professor” (id., ib.).

Esses princĂ­pios sĂŁo vĂĄlidos apenas para a educação da criança?Pelo contrĂĄrio, os mĂ©todos ativos, que recorrem ao trabalho ao mesmotempo espontĂąneo e orientado por perguntas planejadas, ao trabalhoem que o aluno redescobre ou reconstrĂłi as verdades em lugar de recebĂȘ-las jĂĄ feitas, sĂŁo igualmente necessĂĄrios tanto para o adulto quanto paraa criança... Cabe recordar, de fato, que cada vez que o adulto aborda problemas

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novos, o desenvolvimento de suas reaçÔes assemelha-se à evolução das reaçÔes noprocesso do desenvolvimento mental 8 (Piaget, 1965a, p.43).

Esses sĂŁo, pois, os princĂ­pios bĂĄsicos da educação segundo Piaget.Quanto Ă s distintas disciplinas, Piaget tambĂ©m nĂŁo hesita, em seus“Discursos”, em oferecer conselhos precisos, sobretudo, para o ensi-no de matemĂĄtica.

A criança pequena, estando mais desenvolvida do ponto de vista sensó-rio-motor do que do da lógica verbal, convém proporcionar-lhes esque-mas de ação sobre os quais possa basear-se posteriormente. Por conse-guinte, uma educação sensório-motora, tal como se pratica, por exem-plo, na Casa das Crianças de Genebra favorece a iniciação à matemåtica(Piaget, 1939c, p.37).

Sua posição a este respeito Ă© muito clara: “A compreensĂŁomatemĂĄtica nĂŁo Ă© questĂŁo de aptidĂŁo da criança. É um erro suporque um fracasso em matemĂĄtica obedeça a uma falta de aptidĂŁo.A operação matemĂĄtica deriva da ação: resulta que a apresentaçãointuitiva nĂŁo basta, a criança deve realizar por si mesma a operaçãomanual antes de preparar a operação mental. (...) Em todos os do-mĂ­nios da matemĂĄtica, o qualitativo deve preceder ao numĂ©rico”(Piaget, 1950, pp.79 e 80).

Piaget tambĂ©m chama atenção ao ensino das ciĂȘncias naturais:Aqueles que, por profissĂŁo, estudam a psicologia das operaçÔes intelec-tuais da criança e do adolescente sempre se surpreendem com os recur-sos de que dispĂ”e todo aluno normal, desde que se lhe proporcionemos meios de trabalhar ativamente, sem constrangĂȘ-los com repetiçÔespassivas. (...) Desse ponto de vista, o ensino das ciĂȘncias Ă© a educaçãoativa da objetividade e dos hĂĄbitos de verificação (Piaget, 1952, p. 33).

Mas o princípio da educação ativa pode-se aplicar, também,a åreas menos técnicas, como a aprendizagem de uma língua

8 Queríamos sublinhar esta passagem – muitas vezes ignorada por aqueles que conside-

ram que a abordagem piagetiana não seria aplicável à criança – porque nos parece

revestir-se de uma importĂąncia capital do ponto de vista educacional. Foi com este

espírito que desenvolvemos, com Donata Fabbri, em outro trabalho, uma estratégia de

intervenção educacional para o adulto, à qual podíamos dar o nome de “Laboratório

epistemológico operativo” (Fabbri, 1988a, 1990; Fabbri; Munari, 1984a, 1985b, 1988,

1990, 1991; Munari, 1982, 1989, 1990a, 1992, 1993).

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viva: “aprender a língua na forma mais direta possível para po-der dominá-la; para refletir sobre ela na dedução da gramática”(Piaget, 1965b, p.44); ou mesmo para o desenvolvimento de umespírito internacional:

Para lutar contra o ceticismo e as dificuldades das relaçÔes entre ospovos, somente se imaginaram propostas de carĂĄter passivo, consis-tentes em liçÔes, exortaçÔes Ă  sensibilidade e Ă  imaginação dos alu-nos. (...) É necessĂĄrio estabelecer entre as crianças, sobretudo entre osadolescentes, relaçÔes sociais, apelar para a sua atividade e para a suaresponsabilidade (Piaget, 1948, p.36).

Quanto Ă s relaçÔes entre educação e psicologia, Piaget Ă© muitomais explĂ­cito em seus “Discursos” do que em outros escritos.Para ele a relação entre educação e psicologia Ă© uma relação neces-sĂĄria: “NĂŁo creio que exista uma pedagogia universal. O que Ă©comum a todos os sistemas de educação Ă© a prĂłpria criança, oupelo menos, algumas caracterĂ­sticas gerais de sua psicologia” (Piaget,1934d, p.94). E sĂŁo justamente esses traços gerais que a psicologiadeve evidenciar, a fim de que os mĂ©todos educativos possam tĂȘ-los em conta:

É inegĂĄvel que as investigaçÔes dos psicĂłlogos foram o ponto departida de quase todas as inovaçÔes metodolĂłgicas e didĂĄticas destasĂșltimas dĂ©cadas. Nunca Ă© demais recordar que todos os mĂ©todosque apelam aos interesses e Ă  atividade real dos alunos se inspiraramna psicologia genĂ©tica (Piaget, 1936b, p. 14).

PorĂ©m,as relaçÔes entre a pedagogia e a psicologia sĂŁo complexas: a pedago-gia Ă© uma arte, enquanto que a psicologia Ă© uma ciĂȘncia; mas se a artede educar supĂ”e atitudes inatas insubstituĂ­veis, ela requer ser desen-volvida por meio dos conhecimentos necessĂĄrios sobre o ser huma-no que se educa” (Piaget, 1948, p.22).

Por outra parte,costuma-se afirmar que a educação Ă© uma arte, nĂŁo uma ciĂȘncia e que,portanto, nĂŁo deveria requerer uma formação cientĂ­fica. Se Ă© verdadeque a educação Ă© uma arte, ela o Ă© da mesma forma e pela mesmarazĂŁo que a medicina, a qual tambĂ©m exige atitudes e um dom inato,

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também requer conhecimentos anatÎmicos, patológicos etc. Domesmo modo, se a pedagogia deve moldar o espírito do aluno, håde partir do conhecimento do aluno e, portanto, da psicologia (Piaget,1953, p.20).

Sendo mais preciso ainda, no plano da pesquisa cientĂ­fica Piagetconsiderou – e nĂŁo sem uma ligeira intenção polĂȘmica – que a peda-gogia experimental nĂŁo poderia existir sem a ajuda da psicologia:

Se a psicologia experimental quer ser uma ciĂȘncia puramentepositivista, ou seja, que se limita a constatar fatos e nĂŁo pretendeexplicĂĄ-los, que se limita a constatar resultados, mas sem compreen-der suas razĂ”es, Ă© evidente que nĂŁo necessitarĂĄ da psicologia. (...) Masse a pedagogia experimental quer compreender o que descobre, ex-plicar os resultados que encontra, explicar as razĂ”es da eficĂĄcia decertos mĂ©todos em comparação com outros, neste caso, com certeza,Ă© indispensĂĄvel relacionar a pesquisa pedagĂłgica com a investigaçãopsicolĂłgica, isto Ă©, praticar constantemente a psicopedagogia, e nĂŁosimplesmente adotar as medidas de rendimento da pedagogia expe-rimental (Piaget, 1966a, p.39).

Mas se as relaçÔes entre pedagogia e psicologia sĂŁo complexas,o diĂĄlogo entre educadores e psicĂłlogos nĂŁo Ă© menos. Piaget chegou,inclusive, a dar conselhos estratĂ©gicos que, por mais surpreendentesque possam parecer, traduzem a sabedoria e a experiĂȘncia de umhĂĄbil negociador. É preciso ter sempre presente, nos recorda:

(...) a lei psicológica mais elementar: nenhum ser humano gosta quelhe deem liçÔes, e dos mestres menos ainda. Faz tempo que ospsicólogos bem sabem que, para os mestres e os administradoresserem ouvidos não devem dar a impressão de estar recorrendo adoutrinas psicológicas, mas devem dar a entender que estão apelan-do, simplesmente, ao senso comum (Piaget, 1954a, p. 28).

Oportunismo? Poderia parecer à primeira vista. Porém, pensan-do bem, também aqui se manifesta o credo educativo fundamentalde Piaget:

Temos confiança no valor educativo e criador das trocas objetivas. Pensa-mos que as informaçÔes mĂștuas e a compreensĂŁo recĂ­proca de pontosde vista diferentes sĂŁo formadoras das verdades. Defendemo-nos damiragem das verdades gerais para crer nesta verdade concreta e

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viva que nasce da livre discussão e da coordenação laboriosa de pers-pectivas distintas e, às vezes, contrårias (id., ib.).

Essa crença não se restringe exclusivamente ao ùmbito das ativi-dades educativas: é, para Piaget, a condição indispensåvel de todotrabalho científico, o princípio regulador de toda atividade humana,a norma de vida de todo ser inteligente.

A longa construção da epistemologia genética

Com esta perspectiva, Piaget prosseguiu durante muitos anos dedi-cando-se ao grande projeto que o fascinava desde o inĂ­cio de sua carrei-ra: estabelecer “uma espĂ©cie de embriologia da inteligĂȘncia” (PIAGET,1976, p.10). Estudando a evolução da inteligĂȘncia desde a mais tenrainfĂąncia, com enfoques e mĂ©todos diversos, por meio da confrontaçãoentre estudos de perspectivas distintas e de especialidades diferentes,Piaget chegou a formular sua famosa hipĂłtese de um “paralelismo”entre os processos de elaboração do conhecimento individual e os pro-cessos de elaboração do conhecimento coletivo, ou seja, entre apsicogĂȘnese e a histĂłria das ciĂȘncias (Piaget; Garcia, 1983).

Essa hipĂłtese suscitou inĂșmeras controvĂ©rsias que transcende-ram as fronteiras da regiĂŁo de Genebra e o Ăąmbito especĂ­fico dapsicologia. Teve, porĂ©m, do ponto de vida heurĂ­stico, uma fecundidadeextraordinĂĄria: nĂŁo somente inspirou a enorme produção cientĂ­ficado Centro Internacional de Epistemologia GenĂ©tica, cujos trabalhosocupam atualmente 37 volumes, mas, igualmente, deu um novo im-pulso ao debate sobre a educação inspirada em Piaget, sobretudo nosEstados Unidos da AmĂ©rica9.

O Piaget psicĂłlogo jĂĄ tinha proporcionado ao educador umasĂ©rie importante de dados experimentais em apoio aos mĂ©todos ati-vos – preconizados igualmente por Montessori, Freinet, Decroly e

9 Cf. Copelan, 1970; Elkind, 1976; Furth, 1970; Gorman, 1972; Schwebel & Raph, 1973.

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ClaparĂšde10. Com seus trabalhos sobre os estĂĄgios do desenvolvi-mento da inteligĂȘncia jĂĄ havia incitado os mestres a adaptar melhorsuas intervençÔes pedagĂłgicas ao nĂ­vel operatĂłrio alcançado pelo alu-no. O Piaget epistemĂłlogo propunha outro ponto de vista e sugeriadescentrar, de alguma maneira, o aluno de seu nĂ­vel, de suas dificulda-des, de suas habilidades particulares, para abrir-se mais ao seu contex-to cultural e levar em conta os diversos percursos e trajetĂłrias histĂłri-cas dos conceitos a que se propĂ”e estudar, ou fazer estudar.

Em particular, o postulado bĂĄsico da psicoepistemologia ge-nĂ©tica, segundo o qual a explicação de todo fenĂŽmeno, seja fĂ­sico,psicolĂłgico ou social, Ă© buscar em sua prĂłpria gĂȘnesis e nĂŁo alhu-res, contribuiu para dar um novo papel Ă  dimensĂŁo histĂłrica, tantona prĂĄtica pedagĂłgica como na reflexĂŁo sobre a educação. Todateoria, todo conceito, todo objeto criado pelo homem foi anteri-ormente uma estratĂ©gia, uma ação, um gesto. Deste postuladobĂĄsico nasce, entĂŁo, uma nova norma pedagĂłgica: se para apren-der bem Ă© necessĂĄrio compreender bem, para compreender bemĂ© preciso reconstruir, por si mesmo, nĂŁo tanto o conceito ou obje-to de que se trate, mas o percurso que levou do gesto inicial a esseconceito ou a esse objeto. AlĂ©m disso, este princĂ­pio pode apli-car-se tanto ao objeto do conhecimento como ao sujeito queconhece: daĂ­ a necessidade de desenvolver paralelamente a todaaprendizagem uma metareflexĂŁo sobre o prĂłprio processo deaprendizagem11.

10 Neste sentido, ainda que elas pareçam não ter tido relaçÔes diretas com a psicologia

piagetiana – salvo, bem entendido, em Genebra –, as diversas tendĂȘncias, cada vez

mais numerosas, no que diz respeito às “biografias educativas”, ou às “histórias de vida”,

como instrumento pedagĂłgico, poderiam ser consideradas como um desenvolvimento

particular deste princĂ­pio (cf. p.ex., Dunn, 1982; Ferrarotti, 1983; Josso, 1991; Pineau &

Giobert, 1989; Sarbin, 1986). Da mesma maneira, ainda que sua origem seja outra,

(Flavell, 1976), o fluxo crescente de pesquisas e de intervençÔes pedagógicas com

traços de metacognição pode igualmente ser situado nessa mesma direção (cf. Noël,

1990; Weinert & Kluwe, 1987; e, também, Piaget, 1974a, 1974b).11 Cf., p.ex., Fabbri, 1990; Fabbri & Munari, 1988; Landier, 1987; Munari, 1987b.

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A dupla leitura do construtivismo genético

Os fatos e as teorias do construtivismo genĂ©tico de Piaget e,sobretudo, sua descrição dos estĂĄgios do desenvolvimento da in-teligĂȘncia e dos conhecimentos cientĂ­ficos, foram objeto de lei-turas muito diferentes segundo o tipo de concepção, expressa outĂĄcita, que cada leitor tinha da cultura – objetivo Ășltimo de todaação educativa.

Entre essas diversas concepçÔes, cabe reconhecer duas ten-dĂȘncias principais: uma que entende a cultura como um tipo deedifĂ­cio que se constrĂłi progressivamente, segundo um procedi-mento bem programado; e outra que a considera antes como umaespĂ©cie de rede, dotada de certa plasticidade e de uma capacidadede auto-organização e, por conseguinte, o processo de construçãoou de reconstrução pode ser provocado ou facilitado, mas nĂŁodominado totalmente (Fabbri; Munari, 1984a).

O fato interessante Ă© que ambas as tendĂȘncias fazem referĂȘnciaao construtivismo genĂ©tico de Piaget, precisamente a sua teoriados estĂĄgios, mas dando-lhe interpretaçÔes que se localizam emnĂ­veis diferentes: um mais concretamente psicolĂłgico e o outromais propriamente epistemolĂłgico. SĂŁo interpretaçÔes que, na prĂĄ-tica pedagĂłgica, terminaram por opor-se radicalmente.

A primeira, aquela que se situa primeiro no nível da psicologiada criança, då ao conceito de estågio o sentido de etapa precisa enecessåria para a construção do edifício da cultura. Etapa determi-nada pela própria natureza, quase biológica, do processo de cresci-mento, e que, segundo se entende, representa uma aquisição eståvel esólida, sem a qual toda construção posterior seria impossível.

Exemplo tĂ­pico desta posição Ă© a utilização de “provas”piagetianas para legitimar, de forma mais “cientĂ­fica”, as prĂĄticasde orientação e de seleção escolar, que visam a hierarquizar o siste-ma e as prĂĄticas educacionais em nĂ­veis considerados como “ho-mogĂȘneos”, e cada vez mais difĂ­ceis de alcançar.

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A essa primeira interpretação do construtivismo genĂ©ticopiagetiano se opĂ”e a segunda – a que se situa, sobretudo, no nĂ­velda reflexĂŁo epistemolĂłgica, e para a qual o conceito de estĂĄgiodeve ser entendido antes como uma espĂ©cie de estruturação oureestruturação repentina, parcialmente imprevisĂ­vel, sempre tradi-cional e instĂĄvel, de uma rede complexa de relaçÔes que vinculam,em um movimento continuamente ativo, certo nĂșmero de con-ceitos e de operaçÔes mentais.

JĂĄ um exemplo da segunda posição – que recorda claramentea de Kuhn (1962) – Ă© o abandono de toda forma rĂ­gida de pro-gramação e de uniformização na prĂĄtica pedagĂłgica em benefĂ­ciode um esforço especial para criar contextos voltados a favorecer osurgimento das formas de organização dos conhecimentos que sedeseja (Munari, 1990d).

Essas duas posiçÔes, ainda que opostas, costumam encontrar-se nas diversas regiĂ”es (tanto no sentido prĂłprio como no figu-rado) do complexo e heterogĂȘneo mundo da educação. Às vezes,uma prevalece sobre a outra, segundo o momento histĂłrico preci-so, as tradiçÔes locais, os fatores econĂŽmicos e a correlação deforças polĂ­ticas.

Piaget atual

De qualquer maneira, a segunda posição parece ter uma maiordifusĂŁo atualmente, talvez menos nas instituiçÔes escolares do quena prĂĄtica educativa extraescolar. Sobretudo, nas estratĂ©gias de for-mação dos responsĂĄveis pela gestĂŁo, possivelmente por causa dosnovos desafios que um meio, cada vez mais interconectado eimprevisĂ­vel, impĂ”e Ă  organização das atividades humanas. Demaneira que, se o Piaget “psicĂłlogo” deixou uma pegada evidentenas prĂĄticas escolares, sobretudo no que se refere Ă  educação daprimeira infĂąncia; se o Piaget “polĂ­tico” da educação contribuiu,sem dĂșvida, para a promoção de movimentos de coordenação

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internacional em educação; o Piaget “epistemĂłlogo”, por sua par-te, influi, atualmente, nas prĂĄticas educativas que se situam em uni-versos que nĂŁo se tinha imaginado. Temos, assim, um sinal inegĂĄvelda riqueza das consequĂȘncias teĂłricas e das sugestĂ”es concretasque sua obra pode ainda oferecer aos educadores.

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O desenvolvimento intelectual: inteligĂȘncia12

A questĂŁo das relaçÔes entre a razĂŁo e a organização psicolĂłgi-ca pĂ”e-se necessariamente no inĂ­cio de um estudo sobre o nasci-mento da inteligĂȘncia. Se Ă© verdade que tal discussĂŁo nĂŁo nos podelevar a nenhuma conclusĂŁo positiva atual, em vez de nos sujeitar-mos implicitamente Ă  influĂȘncia de uma das soluçÔes possĂ­veis aeste problema, vamos antes escolher com lucidez, salientando ospostulados de que se parte para a investigação.

A inteligĂȘncia verbal ou refletida repousa na inteligĂȘncia prĂĄticaou sensĂłrio-motora, que se apoia em hĂĄbitos e associaçÔes quesĂŁo adquiridos para voltarem a se combinar. Estas associaçÔes pres-supĂ”em, por outro lado, o sistema de reflexos cuja relação com aestrutura anatĂŽmica e morfolĂłgica do organismo Ă© evidente. HĂĄ,pois, uma certa continuidade entre a inteligĂȘncia e os processospuramente biolĂłgicos de morfogĂȘnese e de adaptação ao meio.Que significado tem esta continuidade?

É evidente que certos fatores hereditários condicionam o de-senvolvimento intelectual, mas isso pode ser entendido de duasformas tão diferentes no plano biológico que foi a sua confusão,na verdade, que obscureceu o debate clássico acerca das ideiasinatas e mesmo do, a priori, epistemológico.

12 Da obra O Nascimento da InteligĂȘncia na Criança (1970, p.15). O tema serĂĄ retomado

adiante, quando da confrontação da escola tradicional com a psicologia clåssica.

TEXTOS SELECIONADOS

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Os fatores hereditĂĄrios do primeiro grupo sĂŁo de ordem es-trutural e estĂŁo ligados Ă  constituição do nosso sistema nervoso edos nossos ĂłrgĂŁos dos sentidos. É desse modo que percebemoscertas radiaçÔes fĂ­sicas, mas nĂŁo todas, que percebemos os corpossomente em relação Ă  determinada escala etc. Estes dados estrutu-rais influenciam a construção das noçÔes mais fundamentais. Porexemplo, a nossa intuição do espaço Ă© certamente condicionadapor eles, mesmo quando, atravĂ©s do pensamento, elaboramos es-paços transintuitivos e puramente dedutivos. Estas caracterĂ­sticasdo primeiro tipo, se bem que forneçam Ă  inteligĂȘncia estruturasĂșteis, sĂŁo, porĂ©m, essencialmente limitativas, por oposição Ă s dosfatores do segundo tipo. As nossas percepçÔes sĂŁo apenas o quesĂŁo, dentro da multiplicidade do que Ă© concebĂ­vel (p. 15).

As invariantes funcionais da inteligĂȘncia e a organização biolĂłgica

A inteligĂȘncia Ă© uma adaptação. Para apreender as suas rela-çÔes com a vida em geral Ă© necessĂĄrio determinar quais as relaçÔesque existem entre o organismo e o meio ambiente. De fato, a vidaĂ© uma criação contĂ­nua de formas cada vez mais completas, umabusca progressiva do equilĂ­brio entre essas formas e o meio.

Dizer que a inteligĂȘncia Ă© um caso particular da adaptação bio-lĂłgica Ă© supor que Ă© essencialmente uma organização cuja função Ă©estruturar o Universo, como o organismo estrutura o meio imedia-to. Para descrever o mecanismo funcional do pensamento em ter-mos verdadeiramente biolĂłgicos basta encontrar os invariantes co-muns a todas as estruturaçÔes de que a vida Ă© capaz. O que devetraduzir-se em termos de adaptação nĂŁo sĂŁo os objetivos particula-res visados pela inteligĂȘncia prĂĄtica, nos seus primĂłrdios (estes obje-tivos serĂŁo alargados atĂ© abrangerem todo o saber), mas a relaçãofundamental prĂłpria do conhecimento em si: a relação entre o pen-samento e as coisas. O organismo adapta-se construindo material-mente formas novas para as inserir nas formas do Universo, en-

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quanto a inteligĂȘncia prolonga esta criação conduzindo mentalmenteas estruturas susceptĂ­veis de se aplicarem Ă s formas do meio.

De certa forma, e no inĂ­cio da evolução mental, a adaptaçãointelectual Ă©, pois, mais restrita do que a adaptação biolĂłgica, masquando esta se prolonga, aquela a supera infinitamente: se, do pontode vista biolĂłgico, a inteligĂȘncia Ă© um caso particular da atividadeorgĂąnica, e se as coisas que percebemos ou conhecemos sĂŁo umaparte restrita do meio ao qual o organismo tende a adaptar-se, dĂĄ-se em seguida uma inversĂŁo destas relaçÔes. Isso em nada exclui aprocura dos invariantes funcionais.

Hå, com efeito, no desenvolvimento mental, elementos variåveise outros invariantes. Daí os mal-entendidos da linguagem psicológica,dos quais alguns partem para a atribuição de características superioresaos estådios inferiores, e outros para a pulverização dos estådios e dasoperaçÔes. Assim, convém evitar tanto o preformismo da psicologiaintelectualista como a hipótese das heterogeneidades mentais. A solu-ção para esta dificuldade encontra-se precisamente na distinção entreas estruturas variåveis e as funçÔes invariantes.

Do mesmo modo que as grandes funçÔes do ser vivo sĂŁo idĂȘn-ticas em todos os organismos, mas correspondem a ĂłrgĂŁos muitodiferentes de um grupo para outro, tambĂ©m entre a criança e oadulto podemos assistir a uma construção contĂ­nua de estruturasvariadas, enquanto que as grandes funçÔes do pensamento perma-necem constantes.

Ora, estes funcionamentos invariantes pertencem ao grupo dasduas funçÔes biolĂłgicas mais gerais: a organização e a adaptação.Comecemos pela Ășltima, porque se reconhecermos que, no de-senvolvimento da inteligĂȘncia, tudo Ă© adaptação, temos de nosqueixar da imprecisĂŁo deste conceito.

Alguns biĂłlogos definem simplesmente adaptação pela conser-vação e pela sobrevivĂȘncia, isto Ă©, pelo equilĂ­brio entre o organismoe o meio. Mas, deste modo, a noção perde todo o seu interesse por-

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que se confunde com a da prĂłpria vida. HĂĄ diferentes graus de sobre-vivĂȘncia, e a adaptação implica o mais elevado e o mais baixo. ÉnecessĂĄrio distinguirmos adaptação-estado e adaptação-processo. Noestado, nada Ă© claro. Com o seguimento do processo as coisas come-çam a deslindar-se: hĂĄ adaptação a partir do momento em que oorganismo se transforma em função do meio, e que esta variaçãotenha por consequĂȘncia um aumento das trocas entre o meio e oorganismo que sejam favorĂĄveis Ă  sua conservação (pp. 17- 18).

(...)Se chamarmos acomodação ao resultado das pressÔes

exercidas pelo meio, podemos então dizer que a adaptação é umequilíbrio entre a assimilação e a acomodação.

Esta definição aplica-se tambĂ©m Ă  prĂłpria inteligĂȘncia. A inte-ligĂȘncia Ă© de fato assimilação na medida em que incorpora todosos dados da experiĂȘncia. Quer se trate do pensamento que, graçasao juĂ­zo, faz entrar o novo no jĂĄ conhecido, reduzindo assim oUniverso Ă s suas prĂłprias noçÔes, quer se trate da inteligĂȘncia sensĂł-rio-motora que estrutura igualmente as coisas que percebereconduzindo-as aos seus esquemas, nos dois casos a adaptação in-telectual comporta um elemento de assimilação, quer dizer, deestruturação por incorporação da realidade exterior Ă s formas devi-das Ă  atividade do sujeito.

Quaisquer que sejam as diferenças de natureza que separam avida orgĂąnica (a qual elabora materialmente as formas, e assimiladesta as substĂąncias e as energias do meio ambiente), a inteligĂȘnciaprĂĄtica ou sensĂłrio-motora (que organiza os atos e assimila aoesquematismo destes comportamentos motores as situaçÔes queo meio oferece) e a inteligĂȘncia reflexiva ou gnĂłstica (que se con-tenta em pensar as formas ou em construĂ­-las interiormente paralhes assimilar o conteĂșdo da experiĂȘncia), tanto umas como asoutras se adaptam assimilando os objetos ao sujeito.

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TambĂ©m nĂŁo podemos ter dĂșvidas de que a vida mental seja,simultaneamente, uma acomodação ao meio ambiente. A assimi-lação nĂŁo pode ser pura porque, quando incorpora os elementosnovos nos esquemas anteriores, a inteligĂȘncia modifica imediata-mente estes Ășltimos para adaptĂĄ-los aos novos dados.

Mas, pelo contrårio, as coisas nunca são conhecidas nelas mes-mas, uma vez que este trabalho de acomodação só é possível emfunção do processo inverso de assimilação. Veremos como a pró-pria noção de objetos estå longe de ser inata e necessita de umaconstrução ao mesmo tempo assimiladora e acomodadora.

Resumindo, a adaptação intelectual, como qualquer outra, Ă©uma equilibração progressiva entre um mecanismo assimilador euma acomodação complementar. O espĂ­rito sĂł se pode conside-rar adaptado a uma realidade quando hĂĄ uma acomodação per-feita, isto Ă©, quando nada nesta realidade modifica os esquemas dosujeito. Mas nĂŁo hĂĄ adaptação se a nova realidade impĂ”e atitudesmotoras ou mentais contrĂĄrias Ă s que tinham sido adaptadas nocontato com outros dados anteriores: sĂł hĂĄ adaptação quandoexiste coerĂȘncia, assimilação.

É certo que, no plano motor, a coerĂȘncia apresenta uma estru-tura completamente diferente da que tem no plano reflexivo ouno plano orgĂąnico, e sĂŁo possĂ­veis todas as sistematizaçÔes. Mas aadaptação sĂł se consegue levar a um sistema estĂĄvel, quer dizer,quando hĂĄ um equilĂ­brio entre acomodação e assimilação.

Isso leva-nos Ă  função de organização. De um ponto de vistabiolĂłgico a organização Ă© inseparĂĄvel da adaptação: sĂŁo os doisprocessos complementares de um Ășnico mecanismo, sendo o pri-meiro aspecto interno do ciclo do qual a adaptação constitui oaspecto exterior. Ora, no que diz respeito Ă  inteligĂȘncia tanto nasua forma reflexiva como na sua forma prĂĄtica, voltamos a en-contrar este fenĂŽmeno duplo da totalidade funcional e dainterdependĂȘncia entre organização e adaptação (p. 19 e 20).

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Acerca do problema da inteligĂȘncia, parece-nos que podemostirar as liçÔes seguintes. Desde os seus primĂłrdios, a inteligĂȘnciaencontra-se, graças Ă s adaptaçÔes hereditĂĄrias do organismo, em-penhadas numa rede de relaçÔes, entre este e o meio.

Ela não aparece, pois, como um poder de reflexão indepen-dente da situação particular que o organismo ocupa no Universo,mas estå ligada desde o início por a priori biológico: não tem nadade um independente absoluto, mas é uma relação entre outras,entre o organismo e as coisas.

Ora, se a inteligĂȘncia prolonga deste modo uma adaptação orgĂą-nica que lhe Ă© anterior, o progresso da razĂŁo consiste, sem dĂșvida,numa tomada de consciĂȘncia cada vez maior da atividade organizadorainerente Ă  prĂłpria vida, constituindo os estados primitivos do desen-volvimento psicolĂłgico apenas as tomadas de consciĂȘncia mais super-ficiais deste trabalho de organização. A fortiori, as estruturas morfolĂłgico-reflexas de que Ă© testemunha o corpo vivo, e a assimilação biolĂłgicaque estĂĄ no ponto de partida das formas elementares de assimilaçãopsĂ­quica, nĂŁo seriam mais do que o esboço mais exterior e mais mate-rial da adaptação, cujas formas superiores de atividade intelectual ex-primiriam melhor a sua natureza profunda.

Podemos, entĂŁo, conceber que a atividade intelectual, partindode uma ligação de interdependĂȘncia entre o organismo e o meio, oude indiferenciação entre o sujeito e o objeto, avança simultaneamen-te na conquista das coisas e na reflexĂŁo sobre si mesma, dois proces-sos de direção inversa, sendo correlativos. Sob esse ponto de vista, aorganização fisiolĂłgica e anatĂŽmica aparece pouco a pouco na cons-ciĂȘncia como exterior a ela, e a atividade inteligente apresenta-se comoa prĂłpria essĂȘncia da nossa existĂȘncia de sujeitos. DaĂ­ a inversĂŁo que,ao fim e ao cabo, se opera nas perspectivas do desenvolvimentomental e que explica por que Ă© que a razĂŁo, prolongando os meca-nismos biolĂłgicos mais centrais, acaba por ultrapassĂĄ-los simultane-amente em exterioridade e em interioridade complementares (p. 30).

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A inteligĂȘncia nĂŁo aparece, de modo algum, num dado momentodo desenvolvimento mental, como um mecanismo completamentemontado e radicalmente diferente dos que o precedeu. Apresenta,pelo contrĂĄrio, uma continuidade admirĂĄvel com os processos adqui-ridos ou mesmo inatos respeitantes Ă  associação habitual e ao reflexo,processos sobre os quais ela se baseia, ao mesmo tempo que os utiliza.ConvĂ©m, pois, antes de analisarmos a inteligĂȘncia como tal, investigarde que forma ocorre o nascimento dos hĂĄbitos e mesmo o exercĂ­ciodos reflexos que lhe preparam a vinda (p. 34).

Os comportamentos que se observam durante as primeirassemanas de vida do individuo são, do ponto de vista biológico, deuma grande complexidade. Em primeiro lugar, existem reflexosde ordem muito diferente, que dizem respeito à medula, ao bolbo,às camadas ópticas, e mesmo ao córtex; por outro lado, do instin-to ao reflexo só hå uma diferença de grau.

Paralelamente aos reflexos do sistema nervoso central, hå osdo sistema nervoso autÎnomo, e todas as reaçÔes devidas à sensi-bilidade oprotopåtica. Principalmente hå o conjunto de reaçÔesposturais de que H. Wallon mostrou a importùncia para osprimórdios da evolução mental.

Por fim, Ă© difĂ­cil conceber a organização destes mecanismossem fazer referĂȘncia aos processos endĂłcrinos, cujo papel foi in-vocado a propĂłsito de tantas reaçÔes instrutivas ou emocionais.HĂĄ, pois, uma sĂ©rie de problemas atualmente postos Ă  psicologiafisiolĂłgica e que consistem em determinar os efeitos de cada umdos mecanismos que dissociamos no comportamento do indivĂ­-duo. A questĂŁo que H. Wallon analisa no seu Ăłtimo livro sobre LĂ©neĂĄnt turbulent Ă© uma das mais importantes a este respeito: existe umestĂĄdio da emoção, ou estĂĄdio de reaçÔes posturais e extrapiramidais,anterior ao estĂĄdio sensĂłrio-motor ou estĂĄdio cortical?

Nada melhor do que a discussĂŁo detalhada de Wallon, que nosfornece um material patolĂłgico de grande riqueza como apoio Ă 

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anålise genética, para nos mostrar a complexidade das condutaselementares e a necessidade de distinguir os estådios sucessivosnos sistemas fisiológicos concomitantes.

Mas, por mais sedutores que sejam os resultados assim obtidos,parece-nos difĂ­cil ultrapassarmos hoje a descrição global, quando setrata de compreender a continuidade entre as primeiras condutas dobebĂȘ e as futuras condutas intelectuais. É por isso que, apesar desimpatizarmos inteiramente com o esforço de H. Wallon no sentidode identificar os mecanismos psĂ­quicos com os da prĂłpria vida,pensamos que nos devemos limitar a sublinhar a identidade funcio-nal, sem sair do ponto de vista de simples comportamento exterior.

O problema que a esse respeito se nos pĂ”e, a propĂłsito das rea-çÔes das primeiras semanas, Ă© simplesmente o seguinte: de que modoas reaçÔes sensĂłrio-motoras, posturais etc., dadas no equipamentohereditĂĄrio do recĂ©m-nascido, preparam o indivĂ­duo para se adaptarao meio exterior e para adquirir as condutas posteriores, caracteriza-das precisamente pela utilização progressiva da experiĂȘncia?

O problema psicológico começa, portanto, a colocar-se a partirdo momento em que consideramos os reflexos, as posturas etc.,não na sua relação com o mecanismo interno do organismo vivo,mas nas suas relaçÔes com o meio exterior, tal como ele se apre-senta à atividade do sujeito. Examinemos sob este ponto de vistaalgumas reaçÔes fundamentais das primeiras semanas: os reflexosde sucção e de preensão, os gritos e as fonaçÔes, os gestos e atitu-des dos braços, da cabeça ou do tronco etc.

O que espanta a propĂłsito do que referimos, Ă© que, desde oseu funcionamento mais primitivo, estas atividades dĂŁo lugar, cadauma por si prĂłpria e umas em relação Ă s outras, a uma sistemati-zação que ultrapassa o seu automatismo. HĂĄ, pois, quase desde anascença, “conduta” no sentido de reação total do indivĂ­duo, enĂŁo apenas ativação de automatismos particulares ou locais, relaci-onados entre eles unicamente do interior. Por outras palavras, as

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manifestaçÔes sucessivas de um reflexo como o da sucção não sepodem comparar com a ativação periódica de um motor que seutilizaria de tantas em tantas horas para o deixar repousar nos in-tervalos, mas constituem um desenrolar histórico de tal modo quecada período depende dos precedentes e condiciona os seguintes,numa evolução realmente orgùnica: qualquer que seja o mecanis-mo intenso deste processo histórico, podemos seguir as suas peri-pécias do exterior, e descrever as coisas como se qualquer reaçãoparticular determinasse as outras sem intermediårios (p. 37).

Infelizmente, não hå nada tão difícil de definir como a in-tencionalidade. Dir-se-å, como acontece frequentemente, que umato é intencional quando é determinado pela representação, dife-renciando-se assim das associaçÔes elementares nas quais o ato éregido por um estímulo externo?

Mas se Ă© necessĂĄrio adotar o termo representação no sentidoestrito, nĂŁo haveria açÔes intencionais antes da linguagem, isto Ă©,antes da capacidade de pensar o real atravĂ©s de signos quecomplementam a ação. Ora, a inteligĂȘncia precede a linguagem etodo o ato da inteligĂȘncia sensĂłrio-motora supĂ”e a intenção.

Se, pelo contrĂĄrio, concebemos o termo representação englo-bando toda a consciĂȘncia de significaçÔes, haveria intencionalidadedesde as associaçÔes mais simples e quase desde o exercĂ­cio refle-xo. Dir-se-ĂĄ, entĂŁo que a intencionalidade estĂĄ ligada ao poder deevocar imagens e que a procura de uma fruta numa caixa fechada,por exemplo, Ă© um ato intencional, enquanto determinado pelarepresentação da fruta na caixa?

Mas, como veremos, parece que mesmo este tipo de repre-sentaçÔes por imagens e sĂ­mbolos individuais, aparece tarde: aimagem mental Ă© um produto da interiorização dos atos da inteli-gĂȘncia e nĂŁo um dado anterior a estes atos.

Do ponto de vista teórico, a intencionalidade marca, portanto,a extensão das totalidades e das relaçÔes adquiridas durante o estå-

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dio precedente, e, devido a esta extensão, a sua dissociação é maisdesenvolvida em totalidades reais e totalidades ideais, em relaçÔesde fato e em relaçÔes de valor.

HĂĄ uma inteligĂȘncia sensĂłrio-motora ou prĂĄtica cujo funcio-namento prolonga o funcionamento dos mecanismos de nĂ­vel in-ferior: reaçÔes circulares, reflexos, e mais profundamente ainda, aatividade morfogenĂ©tica do prĂłprio organismo. (...) ConvĂ©m, noentanto especificar o alcance de tal interpretação, tentando dar umavisĂŁo de conjunto desta forma elementar da inteligĂȘncia.

Em primeiro lugar, lembramos o quadro das explicaçÔes pos-sĂ­veis dos diferentes processos psicobiolĂłgicos para podermosinserir nele a nossa descrição. Efetivamente, hĂĄ, pelo menos, cincoformas principais de conceber o funcionamento da inteligĂȘncia,que correspondem Ă s concepçÔes que jĂĄ enumeramos em relaçãoĂ  gĂȘnese das associaçÔes adquiridas e dos hĂĄbitos e das estruturasbiolĂłgicas em si (p. 162).

Empirismo

Podemos, em primeiro lugar, atribuir o desenvolvimento inte-lectual Ă  pressĂŁo do meio exterior, cujas caracterĂ­sticas (concebidascomo completamente constituĂ­das independentemente da ativida-de do sujeito) se imprimiram pouco a pouco na mente da criança.PrincĂ­pio do lamarckismo quando aplicado Ă s estruturas hereditĂĄ-rias, esta aplicação leva a que se considere o hĂĄbito como fatoprimeiro e as associaçÔes adquiridas mecanicamente como o prin-cĂ­pio da inteligĂȘncia. É difĂ­cil conceber outras ligaçÔes entre o meioe a inteligĂȘncia que nĂŁo sejam os da associação atomĂ­stica, quando,com o empirismo, se negligencia a atividade intelectual em favorda pressĂŁo dos objetos.

As teorias que consideram o meio como um todo ou umconjunto de totalidades sĂŁo obrigadas a admitir que Ă© a inteligĂȘnciaou a percepção que lhes dĂŁo este carĂĄter (mesmo se este corres-

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ponde a dados independentes de nós, o que implica então umaharmonia preestabelecida entre as estruturas do objeto e as dosujeito): não vemos como é que na hipótese empirista, o meiosendo concebido como constituindo um todo em si, se imponhaao espírito por fragmentos sucessivos, isto é, novamente por asso-ciação. O primado do meio leva à hipótese associacionista.

Apriorismo

(...) Segundo as concepçÔes aprioristas, podemos considerar odesenvolvimento da inteligĂȘncia como devido, nĂŁo a uma faculda-de que jĂĄ estĂĄ completada, mas Ă  manifestação de uma sĂ©rie deestruturas que se impĂ”em de dentro Ă  percepção e Ă  inteligĂȘncia, Ă medida das necessidades que o contato com o meio provoca. Asestruturas exprimiriam assim a prĂłpria contextura do organismo edas suas caracterĂ­sticas hereditĂĄrias, o que torna inĂștil qualquer apro-ximação entre a inteligĂȘncia e as associaçÔes ou hĂĄbitos adquiridossob a influĂȘncia do meio.

Construtivismo

(
) Por fim, podemos conceber a inteligĂȘncia como o desen-volvimento de uma atividade assimiladora cujas leis funcionais sĂŁodadas desde a vida orgĂąnica e cujas estruturas sucessivas que lheservem de ĂłrgĂŁos se elaboram por interação entre ela e o meioexterior. Esta solução difere da primeira porque nĂŁo acentua uni-camente a experiĂȘncia, mas a atividade do sujeito que torna possĂ­-vel esta experiĂȘncia.

Ao apriorismo estĂĄtico (
), opĂ”e-se a ideia de uma atividadeestruturante, sem estruturas prĂ©-formadas, que elabora os ĂłrgĂŁos dainteligĂȘncia durante o funcionamento em contato com a experiĂȘncia.

(
)Que a pressão do meio tem um papel essencial no desenvolvimento

da inteligĂȘncia, parece-nos impossĂ­vel de negar, e nĂŁo podemos acom-

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panhar o gestaltismo no seu esforço para explicar a invenção inde-pendentemente da experiĂȘncia adquirida. É por isso que o empirismoestĂĄ condenado a renascer continuamente das suas cinzas, e a ter oseu papel Ăștil de antagonista das interpretaçÔes aprioristas.

Mas o problema consiste em saber como Ă© que o meio exercea sua ação e como Ă© que o sujeito registra os dados da experiĂȘncia:Ă© neste ponto que os fatos nos obrigam a separarmo-nos doassociacionismo.

Podemos invocar em favor do empirismo tudo o que, na su-cessĂŁo dos nossos estĂĄdios, manifeste a influĂȘncia da histĂłria doscomportamentos atĂ© o seu presente estĂĄdio.

A importĂąncia do meio sĂł Ă© sensĂ­vel num desenrolar histĂłrico,quando as experiĂȘncias somadas opĂ”em suficientemente as sĂ©riesindividuais umas Ă s outras, para permitirem determinar o papeldos fatores externos. Pelo contrĂĄrio, a pressĂŁo atual das coisas so-bre a mente, num ato de compreensĂŁo ou de invenção, por exem-plo, pode sempre ser interpretado em função das caracterĂ­sticasinternas da percepção ou do intelecto.

Ora, o papel da histĂłria vivida pelo sujeito, isto Ă©, a ação dasexperiĂȘncias passadas na experiĂȘncia atual, pareceu-nos considerĂĄ-vel durante os estĂĄdios sucessivos que estudamos.

Logo, desde o primeiro estådio, podemos constatar até queponto o exercício de um mecanismo reflexo influencia a suamaturação. Que quer isto dizer senão que, logo desde o início, omeio exerce a sua ação: o uso ou não uso de uma montagemhereditåria depende, efetivamente, sobretudo de circunstùnciasexteriores.

Durante o segundo estĂĄdio, a importĂąncia da experiĂȘncia sĂłaumenta. Por um lado, os reflexos condicionados, associaçÔes ad-quiridas e hĂĄbitos, cujo aparecimento caracteriza o perĂ­odo, con-sistem de ligaçÔes impostas pelo meio exterior: qualquer que seja aexplicação adaptada em relação Ă  prĂłpria capacidade de estabele-

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cer estas ligaçÔes (em relação Ă  prĂłpria capacidade formal, por-tanto) nĂŁo podemos duvidar de que o seu conteĂșdo seja empĂ­rico.

Constatamos, por outro lado, que determinadas maturaçÔesnormalmente consideradas como dependentes apenas de fatoresinternos, sĂŁo realmente regulados, pelo menos parcialmente, peloprĂłprio meio: Ă© assim que a coordenação entre a visĂŁo e a preensĂŁose apresenta em idades que oscilam entre os 0; 3 e os 0; 6, conformea experiĂȘncia adquirida pelo sujeito.

A conduta que caracteriza o terceiro estådio é, como sabe-mos, a reação circular secundåria. Ora, ainda neste caso, qualquerque seja a interpretação que se då à própria capacidade de repro-duzir os resultados interessantes obtidos por acaso, não podemosduvidar que as ligaçÔes adquiridas devido a estas condutas se de-vam a aproximaçÔes empíricas.

As reaçÔes circulares secundĂĄrias prolongam assim as reaçÔesprimĂĄrias (que se devem aos primeiros hĂĄbitos): quer a criançaatue sobre as coisas ou sobre o prĂłprio corpo, sĂł descobre asligaçÔes reais por um exercĂ­cio contĂ­nuo, cujo poder de repetiçãosupĂ”e como matĂ©ria os dados da experiĂȘncia.

Com a coordenação dos esquemas característicos do quartoestådio, a atividade da criança deixa de consistir apenas na repeti-ção ou no prolongamento, para combinar e unir.

PoderĂ­amos entĂŁo esperar que o papel da experiĂȘncia dimi-nuĂ­sse em favor de estruturaçÔes a priori. PorĂ©m, nĂŁo Ă© assim. Emprimeiro lugar, sendo os esquemas sempre sĂ­nteses de experiĂȘnci-as, as suas assimilaçÔes recĂ­procas ou combinaçÔes, por mais aper-feiçoadas que sejam, sĂł exprimem uma realidade experimental,passada ou futura.

Depois, se estas coordenaçÔes de esquemas supĂ”em, como asreaçÔes circulares e os prĂłprios reflexos, uma atividade do prĂł-prio sujeito, elas, no entanto, sĂł se operam em função da ação, dosseus sucessos ou fracassos: o papel da experiĂȘncia, longe de dimi-

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nuir nos terceiro e quarto estĂĄdios, sĂł aumenta de importĂąncia.Durante o quinto estĂĄdio, a utilização da experiĂȘncia estende-seainda mais, visto que este perĂ­odo se caracteriza pela reação cir-cular terciĂĄria ou a experiĂȘncia, para ver o que a coordenação dosesquemas se prolonga agora em descobertas de novos meios porexperimentação ativa.

Por fim, o sexto estĂĄdio vem juntar Ă s condutas anterioresmais um comportamento: a invenção de novos meios por dedu-ção ou combinação mental. Como aconteceu no quarto estĂĄdio,podem-nos perguntar se a experiĂȘncia nĂŁo Ă© agora descartada pelotrabalho do espĂ­rito e se as novas ligaçÔes, de origem a priori, nĂŁovĂŁo agora substituir as relaçÔes experimentais. Isso nĂŁo Ă© assim,pelo menos no que respeita ao conteĂșdo das relaçÔes elaboradaspelo sujeito.

Mesmo na prĂłpria invenção, que, aparentemente, ultrapassa aexperiĂȘncia, esta tem o seu papel enquanto a experiĂȘncia mental.Por outro lado, a invenção por mais livre que seja, junta-se Ă  expe-riĂȘncia e submete-a ao seu veredicto. Esta submissĂŁo pode, real-mente, ter o aspecto de um acordo imediato e completo, donde ailusĂŁo de uma estrutura endĂłgena no prĂłprio conteĂșdo e ligadaao real por uma harmonia prĂ©-estabelecida.

Em resumo, a experiĂȘncia Ă© necessĂĄria ao desenvolvimento dainteligĂȘncia, a qualquer nĂ­vel. É este o fato fundamental em que sebaseiam as hipĂłteses empiristas que tĂȘm o mĂ©rito de lhe dar atenção.Neste ponto, as nossas anĂĄlises do nascimento da inteligĂȘncia da cri-ança confirmam esta forma de ver. Mas no empirismo hĂĄ mais doque uma afirmação do papel da experiĂȘncia: o empirismo Ă©, princi-palmente, uma determinada concepção da inteligĂȘncia e da sua ação.

Por um lado, tende a considerar a experiĂȘncia como se im-pondo por si sem que o sujeito a tenha de organizar, isto Ă©, comose imprimisse diretamente no organismo sem que fosse necessĂĄriaqualquer atividade do sujeito para a sua constituição. Por outro

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lado, e por consequĂȘncia, o empirismo vĂȘ a experiĂȘncia como exis-tindo por si, quer deva o seu valor a um sistema de coisas exterio-res e completas e de relaçÔes dadas entre estas coisas (empirismometafĂ­sico), quer consista num sistema de hĂĄbitos e de associaçÔesque se bastam a si mesmos (fenomenismo).

Esta dupla crença na existĂȘncia de uma experiĂȘncia por si e na suapressĂŁo direta sobre a mente do sujeito explica, por fim, o motivopelo qual o empirismo Ă© necessariamente associacionista: qualquer outraforma de registro da experiĂȘncia, que nĂŁo a associação nas suas dife-rentes formas (reflexo condicionado, transferĂȘncia associativa, imagi-nação de imagens, etc.), supĂ”e uma atividade intelectual que participada construção da realidade exterior percebida pelo sujeito.

Evidentemente, o empirismo que aqui apresentamos Ă© hojeapenas uma teoria-limite. Mas hĂĄ determinadas teorias cĂ©lebres deinteligĂȘncia que lhe estĂŁo bastante prĂłximas. Por exemplo, quandoSpearman descreve as suas trĂȘs etapas do progresso intelectual, aintuição da experiĂȘncia (apreensĂŁo imediata dos dados), a eduçãodas relaçÔes e a edução dos correlatos, emprega uma linguagembem diferente do associacionismo e que parece indicar a existĂȘnciade uma atividade sui generis do espĂ­rito. Mas em que consiste, nestecaso particular?

A intuição imediata da experiĂȘncia nĂŁo vai alĂ©m da consciĂȘnciapassiva dos dados imediatos. Em relação Ă  edução das relaçÔes oudos correlatos, Ă© simples leitura de uma realidade jĂĄ completamenteconstruĂ­da, leitura essa que nĂŁo especifica o pormenor do mecanis-mo. Um continuador sutil de Spearman, N. Isaacs, tentou realmenteanalisar este processo. O importante na experiĂȘncia seria a expectati-va, isto Ă©, a antecipação que resulta das observaçÔes anteriores e quese destina a ser confirmada ou desmentida pelos acontecimentos.

Quando a previsão é infirmada pelos fatos, o sujeito dedicar-se-ia a novas antecipaçÔes (faria novas hipóteses) e finalmente, emcaso de fracasso, voltar-se-ia para si próprio e modificaria o seu

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mĂ©todo. Mas ou os esquemas que servem Ă  expectativa e ao con-trole dos resultados sĂŁo apenas um resĂ­duo mnemĂŽnico das expe-riĂȘncias anteriores, e voltamos ao associacionismo cujo Ășnico pro-gresso Ă© o de ser motor e nĂŁo apenas contemplativo, ou entĂŁoimplicam uma organização intelectual propriamente dita (uma ela-boração ativa dos esquemas de antecipação devida a um mecanis-mo assimilador ou construtivo) e saĂ­mos do empirismo, visto que,neste caso, a experiĂȘncia Ă© estruturada pelo prĂłprio sujeito.

(...) A mente da criança adianta-se Ă  conquista das coisas, comose o avanço da experiĂȘncia supusesse uma atividade inteligente quea organizasse em vez de resultar dela. Por outras palavras, o conta-to com os objetos Ă© menos direto no princĂ­pio do que no fim daevolução que pretende. Mais que isso, nunca o Ă©, apenas tende atornar-se: foi o que constatamos ao mostrar que a experiĂȘncia Ă©apenas uma acomodação, por mais exata que ela se possa tornar.

Ora, pertence Ă  prĂłpria essĂȘncia do empirismo colocar, pelocontrĂĄrio, as coisas, ou na sua falta os dados imediatos, isto Ă© sem-pre a atitude receptiva do espĂ­rito, no inĂ­cio de qualquer evoluçãointelectual, consistindo o avanço da inteligĂȘncia apenas em cons-truir sĂ­nteses de reaçÔes ou das reaçÔes cada vez mais diferidas,destinadas a fazerem passar do contato direto para sĂł o voltar aencontrar de longe a longe.

Lembramos como decorrem os seis estĂĄdios do ponto devista desta acomodação progressiva ao meio exterior. Durante oprimeiro estĂĄdio, naturalmente nĂŁo hĂĄ qualquer contato direto coma experiĂȘncia, visto que a atividade Ă© simplesmente reflexa. A aco-modação confunde-se com o exercĂ­cio do reflexo.

Durante o segundo estĂĄdio constituem-se novas associaçÔes ecomeça aqui a pressĂŁo da experiĂȘncia. Mas estas associaçÔes limi-tam-se, de inĂ­cio, a ligar entre si dois ou mais movimentos do prĂł-prio corpo, ou ainda uma reação do sujeito a um sinal exterior. AquihĂĄ, decerto, uma conquista que se deve Ă  experiĂȘncia. Mas esta expe-

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riĂȘncia ainda nĂŁo pĂ”e o espĂ­rito em contato com as coisas: coloca-oexatamente a meio caminho entre o meio exterior e o prĂłprio cor-po. A acomodação ainda nĂŁo Ă© dissociĂĄvel da atividade de repeti-ção, referindo-se esta Ășltima apenas a resultados adquiridos fortuita-mente em vez de se deverem ao desenrolar da atividade reflexa.

Com o terceiro estĂĄdio, as associaçÔes adquiridas constituemrelaçÔes entre as coisas e nĂŁo unicamente entre os diversos movi-mentos do corpo. Mas estas relaçÔes estĂŁo ainda sob a dependĂȘn-cia da ação prĂłpria, o que quer dizer que o sujeito nĂŁo experimen-ta sempre: a sua acomodação ao meio Ă© ainda um simples esforçode repetição, sendo apenas agora mais complexos os resultadosreproduzidos.

Com o quarto estĂĄdio a experiĂȘncia aproxima-se mais doobjeto, e as coordenaçÔes entre os esquemas permitem Ă  criançaestabelecer relaçÔes reais entre as coisas (por oposição Ă s relaçÔesprĂĄticas puramente fenomenistas). Mas Ă© sĂł no quinto estĂĄdio quea acomodação se ativa, que Ă© a Ășnica a penetrar no interior dascoisas (pp. 371-377),

Por outras palavras, as relaçÔes entre o sujeito e o seu meiomantĂ©m-se numa interação radical, de modo que a consciĂȘncianĂŁo se inicia nem pelo conhecimento dos objetos nem pelo co-nhecimento da atividade prĂłpria, mas por um estado indiferenciado,e que deste estado procedem dois movimentos complementares,um de incorporação das coisas ao sujeito e o outro de acomoda-ção Ă s prĂłprias coisas.

Em resumo, o problema da invenção, que constitui o proble-ma central da inteligĂȘncia, segundo muitas perspectivas, na hipĂłte-se dos esquemas nĂŁo requer qualquer solução especial porque aorganização, de que a atividade assimiladora Ă© uma prova, Ă© essen-cialmente construção e, assim, Ă© efetivamente invenção desde oinĂ­cio. É por isso que o sexto estĂĄdio, ou estĂĄdio da invenção porcombinação mental, nos apareceu como o “coroar” dos cinco

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anteriores, e nĂŁo como o inĂ­cio de um perĂ­odo novo: desde ainteligĂȘncia empĂ­rica dos quarto e quinto estĂĄdios, mesmo desde aconstrução dos esquemas primĂĄrios e secundĂĄrios, este poder deconstrução estĂĄ a germinar, e revela-se em cada operação.

Sintetizando, a assimilação e a acomodação que primeiro sĂŁoantagĂŽnicas, uma vez que a primeira permanece egocĂȘntrica e asegunda Ă© imposta pelo meio exterior, complementam-se uma Ă outra Ă  medida que se diferenciam, e a coordenação dos esquemasfavorece reciprocamente o desenvolvimento da acomodação. Éassim que, desde o plano sensĂłrio-motor, a inteligĂȘncia supĂ”e umauniĂŁo cada vez mais estreita da experiĂȘncia com a dedução, uniĂŁoessa de que o rigor e fecundidade da razĂŁo serĂŁo, mais tarde, o seuduplo produto (p. 426).

O desenvolvimento moral13

Os procedimentos da educação moral podem ser classifica-dos sob diferentes pontos de vista. Primeiramente, do ponto devista dos fins perseguidos: Ă© evidente que os mĂ©todos serĂŁo muitodiferentes se desejarmos formar uma personalidade livre ou umindivĂ­duo submetido ao conformismo do grupo social a que elepertence. PorĂ©m, aqui nĂŁo temos de tratar dos fins de educaçãomoral, mas somos forçados a classificar os procedimentos e adistinguir aqueles que favorecem a autonomia da consciĂȘncia emrelação Ă queles que conduzem ao resultado inverso.

Em segundo lugar, podemos considerar o ponto de vista dasprĂłprias tĂ©cnicas: se queremos alcançar a autonomia da consciĂȘncia,podemos perguntar se um ensinamento oral da moral - uma “liçãode moral” - Ă© tĂŁo eficaz como supĂ”e Durkheim, por exemplo, ou seuma pedagogia inteiramente “ativa” Ă© necessĂĄria para este fim. Paraum mesmo fim podem ser concebĂ­veis diferentes tĂ©cnicas.

13 Textos extraídos da obra Jean Piaget - Sobre a Pedagogia: textos inéditos. Org.

Silvia Parrat e AnastĂĄsia Tryphon, SĂŁo Paulo: Casa do PsicĂłlogo, 1998.

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Em terceiro lugar, podemos classificar os procedimentos deeducação moral em função do domínio moral considerado: um pro-cedimento excelente para desenvolver a veracidade, a sinceridadee as virtudes que podemos chamar intelectuais, é bom, também,para a educação da responsabilidade ou do caråter.

Classificando o conjunto de procedimentos de educação moralsob trĂȘs pontos de vista e construindo, assim, uma tabela de triplaentrada, corremos o risco de cair num caos. NĂŁo existe alguma divi-sĂŁo mais simples, algum princĂ­pio que nos permita a orientação si-multĂąnea para os fins, as tĂ©cnicas e os domĂ­nios?

Acreditamos que sim, mas sob a condição de partirmos pri-meiramente da própria criança e de aclarar a pedagogia moral pormeio da psicologia da moral infantil. Quaisquer que sejam os finsque se proponha alcançar, quaisquer que sejam as técnicas que sedecida adotar e quaisquer que sejam os domínios sob os quais seaplique essas técnicas, a questão primordial é a de saber quais sãoas disponibilidades da criança. Sem uma psicologia precisa dasrelaçÔes das crianças entre si, e delas com os adultos, toda a discus-são sobre os procedimentos de educação moral resulta estéril.Consequentemente, impÔe-se um råpido exame dos dados psico-lógicos atuais. Isso nos permite, ademais, classificar sem dificulda-de os procedimentos em função de seus fins.

HĂĄ uma proposição sobre a qual todos os psicĂłlogos e todosos educadores estĂŁo seguramente de acordo: nenhuma realidademoral Ă© completamente inata. O que Ă© dado pela constituiçãopsicobiolĂłgica do indivĂ­duo como tal sĂŁo as disposiçÔes, as ten-dĂȘncias afetivas e ativas: a simpatia e o medo - componentes do“respeito” -, as raĂ­zes instintivas da sociabilidade da subordinação,da imitação etc., e, sobretudo, certa capacidade indefinida de afei-ção, que permitirĂĄ a criança amar um ideal, assim como amar aseus pais e atender Ă  sociedade, ao bem de seus semelhantes.

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Mas, deixadas livres, essas forças puramente inatas permane-ceriam anårquicas: fonte dos piores excessos como de todos osdesenvolvimentos, a natureza psicológica do indivíduo como talpermanece neutra do ponto de vista moral.

Para que as realidades morais se constituam Ă© necessĂĄrio umadisciplina normativa, e para que essa disciplina se constitua Ă© neces-sĂĄrio que os indivĂ­duos estabeleçam relaçÔes uns com os outros.Que as normas morais sejam consideradas impostas, a priori, aoespĂ­rito, ou que nos atenhamos aos dados empĂ­ricos, Ă© sempre ver-dade, do ponto de vista da experiĂȘncia psicopedagĂłgica, pois Ă© nasrelaçÔes interindividuais que as normas se desenvolvem: sĂŁo as rela-çÔes que se constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e seussemelhantes que a levarĂŁo a tomar consciĂȘncia do dever e a colocaracima de seu “eu” essa realidade normativa na qual a moral consiste.

NĂŁo hĂĄ, portanto, moral sem educação moral, “educação” nosentido amplo do termo, que se sobrepĂ”e Ă  constituição inata doindivĂ­duo. Somente - e Ă© aqui que se coloca finalmente a questĂŁo dosprocedimentos da educação moral - na medida em que a elabora-ção das realidades espirituais depende das relaçÔes que o indivĂ­duotem com seus semelhantes, nĂŁo hĂĄ uma Ășnica moral e nem haverĂĄtantos tipos de reaçÔes morais quanto as formas de relaçÔes sociaisou interindividuais que ocorrerem entre a criança e seu meio ambi-ente. Por exemplo, a pressĂŁo exclusiva do adulto sobre a alma infan-til conduz a resultados muito diversos dos da livre cooperação entrecrianças e, dependendo de como a educação moral emprega umaou outra dessas tĂ©cnicas, ela moldarĂĄ as consciĂȘncias e determinarĂĄcomportamentos de modos diferentes.

Ao nos referirmos a um conjunto de pesquisas, das quais uti-lizaremos especialmente as dos sociĂłlogos – de Durkheim e desua escola, em particular - e dos psicĂłlogos da infĂąncia - os traba-lhos de Bovet e as experiĂȘncias ainda inĂ©ditas que esses trabalhosnos tĂȘm sugerido! –, cremos que podemos afirmar que existe en-

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tre as crianças, senĂŁo no geral, duas “morais”, isto Ă©, duas maneirasde sentir e de se conduzir que resultam da pressĂŁo no espĂ­rito dacriança de dois tipos fundamentais de relaçÔes interindividuais.

Essas duas morais que se combinam entre si, mais ou menosintimamente, ao menos em nossas sociedades civilizadas, sĂŁo mui-to distintas durante a infĂąncia e se reconciliam mais tarde, no cursoda adolescĂȘncia. É essa anĂĄlise desse dado essencial que nos pareceindispensĂĄvel para a classificação e o estudo dos diversos procedi-mentos de educação moral.

Admitimos, juntamente a quase todos os estudiosos da moral,que o respeito constitui o sentimento fundamental que possibilita aaquisição das noçÔes morais. Duas condiçÔes, nos diz M. Bovet, sĂŁonecessĂĄrias e suficientes para que se desenvolva a consciĂȘncia de obri-gação: em primeiro lugar, que um indivĂ­duo dĂȘ conselhos a outro e,em segundo lugar, que esse outro respeite aquele de quem emanamos conselhos. Dito de outro modo, Ă© suficiente que a criança respeiteseus pais ou professores para que os conselhos prescritos por essessejam aceitos por ela, e mesmo sentidos como obrigatĂłrios.

Enquanto Kant vĂȘ o respeito como um resultado de lei eDurkheim um reflexo da sociedade; Bovet mostra, pelo contrĂĄrio,que o respeito pelas pessoas constitui um fato primĂĄrio e que mes-mo a lei deriva dele. Esse resultado Ă© essencial para a educação mo-ral, posto que conduz de uma sĂł vez a situar as relaçÔes de indivĂ­-duo a indivĂ­duo acima de nĂŁo importar qual ensinamento oral eteĂłrico parece confirmar tudo o que sabemos sobre a psicologiamoral infantil.

Porém, se o fenÎmeno do respeito apresenta assim uma ine-gåvel unidade funcional, pode-se, por abstração, distinguir-se aomenos dois tipos de respeito (o segundo constituindo-se comoum caso limite do primeiro).

Em primeiro lugar, hĂĄ o respeito que chamaremos unilateral,porque ele implica uma desigualdade entre aquele que respeita e aquele

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que Ă© respeitado: Ă© o respeito do pequeno pelo grande, da criançapelo adulto , do caçula pelo irmĂŁo mais velho. Esse respeito, o Ășnicoem que normalmente se pensa – e no qual Bovet tem insistidomuito especialmente – implica uma coação inevitĂĄvel do superiorsobre o inferior; Ă©, pois, caracterĂ­stico de uma primeira forma derelação social, que nĂłs chamaremos de relação de coação.

Mas existe, em segundo lugar, o respeito que podemos quali-ficar de mĂștuo, porque os indivĂ­duos que estĂŁo em contato se con-sideram como iguais e se respeitam reciprocamente.

Esse respeito não implica, assim, nenhuma coação e caracterizaum segundo tipo de relação social, que chamaremos relação de coopera-ção. Essa cooperação constitui o essencial das relaçÔes entre criançasou entre adolescentes num jogo regulamentado, numa organização deself-government ou numa discussão sincera e bem conduzida.

SĂŁo esses dois tipos de respeito que nos parecem explicar aexistĂȘncia de duas morais cuja oposição se observa sem cessar nascrianças. De modo geral, pode-se afirmar que o respeito unilate-ral, fazendo par com a relação de coação moral, conduz, comoBovet bem notou, a um resultado especĂ­fico que Ă© o sentimentode dever. Mas o dever primitivo assim resultante da pressĂŁo doadulto sobre a criança permanece essencialmente heterĂŽnomo. AocontrĂĄrio, a moral resultante do respeito mĂștuo e das relaçÔes decooperação pode caracterizar-se por um sentimento diferente, osentimento do bem, mais interior Ă  consciĂȘncia e, entĂŁo, o ideal dareciprocidade tende a tomar-se inteiramente autĂŽnomo (pp. 1-6).

Em suma, não hå exagero em se falar de duas morais que coexis-tem na criança e que as características de heteronomia e da autonomiaconduzem a avaliaçÔes e comportamentos muito diferentes. Antes deconsiderarmos os fins da educação moral, destacamos, ainda, queessas duas morais se encontram igualmente no adulto, porém, essadualidade é verificada desde que enfoquemos a totalidade das socie-dades atualmente conhecidas, graças à sociologia e à história.

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A moral da heteronomia e do respeito unilateral (F. W. Foerster,Schuld und SĂŒhne, MĂŒnchen, 1920) parece corresponder Ă  moraldas prescriçÔes e das interdiçÔes rituais (tabus), prĂłprias das soci-edades ditas “primitivas”, nas quais o respeito aos costumes encar-nados nos anciĂ”es prima sobre toda manifestação da personalida-de. A moral da cooperação, ao contrĂĄrio, Ă© um produto relativa-mente recente da diferenciação social e do individualismo que re-sulta do tipo “civilizado” de solidariedade.

Em nossas sociedades, consequentemente, o prĂłprio conteĂș-do da moral Ă©, em sĂ­ntese, o da cooperação. Dito de outro modo,as regras prescritas, mesmo que na forma de deveres categĂłricos ede imperativos de motivos religiosos, nĂŁo contĂȘm, a tĂ­tulo de “ma-tĂ©ria”, mais do que o ideal de justiça e de reciprocidade prĂłprios Ă moral do respeito mĂștuo. Somente cada um, tendo em vista aeducação que recebeu, pode, no que concerne Ă  “forma”, diferen-ciar o sentimento de dever do livre consentimento prĂłprio dosentimento do bem (pp. 6 e 7).

NĂŁo temos que discutir aqui os fins da educação moral, massomente classificĂĄ-los, para saber a que resultados conduzem os di-ferentes procedimentos pedagĂłgicos que agora vamos estudar. Pelamesma razĂŁo, nĂŁo temos aqui que nos posicionar entre uma moralreligiosa e uma moral laica: tanto numa como noutra se encontramtraços pertencentes Ă  moral do respeito unilateral e outros perten-centes Ă  moral da cooperação. SĂł difere a “motivação”. Propomo-nos, assim, a situar a discussĂŁo sobre um terreno suficientementeobjetivo e psicolĂłgico para que qualquer um, sejam quais forem osfins a que se propĂ”e, possa utilizar nossa anĂĄlise.

Dito isso, o problema é o seguinte: entre os procedimentosem curso na educação moral, uns apelam somente para recursospróprios do respeito unilateral e da coação do adulto, outros ape-lam somente para a cooperação entre crianças e outros.

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Ao se estudar os procedimentos de educação do ponto devista de suas tĂ©cnicas gerais, pode-se considerar trĂȘs aspectos dis-tintos: conforme sejam fundamentados sobre tal ou qual tipo derespeito ou relaçÔes interindividuais, conforme eles recorrem ounĂŁo Ă  prĂłpria ação da criança (p. 7).

Autoridade e liberdade

O procedimento mais conhecido de educação moral Ă© aqueleque recorre exclusivamente ao respeito unilateral: o adulto impĂ”esuas regras e as faz observar graças a uma coação espiritual ou emparte material. Comum na pedagogia familiar, embora dificilmen-te Ășnico, esse procedimento encontra sua aplicação mais sistemĂĄti-ca no domĂ­nio da disciplina escolar tradicional. Que se apoie so-bre uma moral religiosa ou sobre uma moral laica, o procedimen-to Ă© o mesmo: para a criança, com efeito, pouco importa que asregras emanem de Deus, dos pais, ou dos adultos em geral, se elassĂŁo recebidas de fora e impostas de uma vez por todas.

Podemos citar como modelo de pedagogia moral fundada naautoridade a bela obra pĂłstuma de Durkheim: A Educação Moral.Esse livro Ă© particularmente instrutivo porque Ă© em nome de preo-cupaçÔes puramente cientĂ­ficas (sociolĂłgicas) que o autor procuradescrever uma pedagogia geralmente combatida pelos homens deciĂȘncia e, em segundo lugar, porque o que Durkheim pretendeformar sĂŁo personalidades livres e autĂŽnomas; ele quer chegar Ă moral da cooperação por meio da autoridade. Como a tese deDurkheim Ă© muito representativa da educação moral tradicionalna Europa, convĂ©m que a discutamos em detalhes.

TrĂȘs elementos principais constituem a moralidade, segundoDurkheim.

Primeiramente, o espĂ­rito de disciplina: a moral Ă© um sistemade regras que se impĂ”em Ă  consciĂȘncia e deve-se habituar a criançaa respeitĂĄ-las. Em segundo lugar, a ligação aos grupos sociais: a

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moral implica o elo social e deve-se cultivar a solidariedade nascrianças. E, finalmente, a autonomia da vontade. PorĂ©m, como aregra se impĂ”e ao indivĂ­duo sob a pressĂŁo dos grupos, ser autĂŽ-nomo significa nĂŁo libertar-se dessa pressĂŁo dos grupos, mas com-preender sua necessidade de aceitĂĄ-la livremente. Como satisfazera essas trĂȘs exigĂȘncias na pedagogia escolar?

O que concerne Ă  disciplina, Durkheim pretende recorrer, so-mente, Ă  autoridade do professor e Ă s regras da escola enquantouma instituição adulta. É necessĂĄrio que a criança sinta uma vontadeque lhe seja superior e Ă© necessĂĄrio que cada uma das atividades sejalimitada e canalizada por esse sistema de prescriçÔes e interdiçÔesque sĂŁo as regras escolares. É necessĂĄrio, alĂ©m disso, que por inter-mĂ©dio do professor sĂł a lei seja respeitada, e toda disciplina devetender a esse culto da lei como tal. DaĂ­ a necessidade dos castigosescolares, constituindo a sanção a maneira tangĂ­vel (p. 10 e 11).

Uma vez que a criança tenha sentido, graças a seu altruĂ­smoespontĂąneo e Ă  disciplina adquirida, a unidade e a coerĂȘncia dassociedades que sĂŁo a escola e a famĂ­lia, liçÔes apropriadas a con-duzirĂŁo a descobrir a existĂȘncia de grupos maiores aos quais deve-rĂĄ se adaptar: a cidade e a nação e, enfim, a prĂłpria humanidade.

Por outro lado, a autonomia se adquire graças a um ensino quefaz a criança compreender a natureza da sociedade e o porquĂȘ dasregras morais (p. 12).

Quando se constata o tempo que a humanidade tomou sim-plesmente para dar lugar Ă  livre cooperação ao lado da coação soci-al, podemos nos perguntar se nĂŁo Ă© queimar etapas querer constituirna criança uma moral do respeito mĂștuo antes de toda moral unila-teral. O puro dever nĂŁo esgota a vida moral. Mas nĂŁo Ă© necessĂĄrioconhecĂȘ-lo para compreender plenamente o valor desse livre idealque Ă© o Bem? O respeito mĂștuo Ă© uma espĂ©cie de forma limite deequilĂ­brio para a qual tende o respeito unilateral, e pais e professoresdevem fazer tudo o que for possĂ­vel, segundo cremos, para conver-

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terem-se em colaboradores iguais à criança. Cremos, no entanto,que essa possibilidade depende da própria criança, e pensamos quedurante os primeiros anos um elemento de autoridade fatalmente semescla às relaçÔes que unem as crianças aos adultos.

A verdade nos parece estar entre e consiste em nĂŁo negligenciarnem o respeito mĂștuo nem o respeito unilateral, fontes essenciais davida moral infantil. É o que buscam os procedimentos “ativos” deeducação dos quais falaremos adiante. Mas, antes disso, devemosainda discutir o problema do ensino verbal da moralidade (p. 14).

Os procedimentos verbais de educação moral

Do mesmo modo que a escola, hĂĄ sĂ©culos, pensa ser suficientefalar Ă  criança para instruĂ­-la e formar seu pensamento, os moralistascontam com o discurso para educar a consciĂȘncia. Pode-se, na verda-de, distinguir um grande nĂșmero de variaçÔes do ensino da moralpela palavra, do mais verbal ao mais “ativo”, isto Ă©, do mais impreg-nado de coação espiritual adulta ao mais direto e prĂłximo da criança.

HĂĄ, primeiramente, a “lição mordi” tal qual se pratica na Fran-ça, conforme um programa sistemĂĄtico, abarcando os principaisaspectos da prĂĄtica moral. HĂĄ, em seguida, as conversaçÔes mo-rais sob forma de relatos, de comentĂĄrios sobre os grandes e pe-quenos exemplos histĂłricos ou literĂĄrios etc. Devemos citar, emparticular, o mĂ©todo Gould, assim como os seguidos entre F. W.Foerster e Ch. Wagner. Em terceiro lugar, deve-se distinguir o pro-cedimento que consiste em nĂŁo dar Ă  moral um lugar especialentre o horĂĄrio das liçÔes, mas utilizar as diferentes matĂ©rias deensino para tecer consideraçÔes morais feitas, assim, ao vivo.

Enfim, destacamos o procedimento que consiste em nĂŁo falar demoral se nĂŁo a propĂłsito de experiĂȘncias efetivas vividas pelas crian-ças: a “lição” nada mais Ă© aqui do que uma conversação provocadapelas peripĂ©cias do self-government ou do trabalho em grupo.

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Os mĂ©todos “ativos” de educação moral

A “escola ativa” baseia-se na ideia de que as matĂ©rias a seremensinadas Ă  criança nĂŁo devem ser impostas de fora, masredescobertas pela criança por meio de uma verdadeira investiga-ção e de uma atividade espontĂąnea. “Atividade” se opĂ”e, assim, Ă receptividade. A educação moral ativa supĂ”e, consequentemente,que a criança possa fazer experiĂȘncias morais e que a escola cons-titui um meio prĂłprio para tais experiĂȘncias.

Para os participantes da escola ativa, a educação moral nĂŁoconstitui uma matĂ©ria especial de ensino, mas um aspecto particu-lar da totalidade do sistema. Dito de outro modo, a educaçãoforma um todo, e a atividade que a criança executa com relação acada uma das disciplinas escolares supĂ”e um esforço do carĂĄter eum conjunto de condutas morais, assim como supĂ”e uma certatensĂŁo da inteligĂȘncia e mobilização de interesses (p. 18 e 19).

Esteja ocupada em analisar regras da gramĂĄtica, a resolver umproblema de matemĂĄtica, ou a documentar um ponto da histĂłria,a criança que trabalha “ativamente” Ă© obrigada, nĂŁo sĂł diante de sicomo diante do grupo social que Ă© a classe ou da “equipe” da qualfaz parte, a comportar se de modo muito diferente do aluno tra-dicional que escuta uma lição ou realiza um “dever” escolar.

A escola ativa supÔe necessariamente a colaboração no traba-lho. Na escola tradicional, cada um trabalha para si: a classe escutao professor e, em seguida, cada um deve mostrar no decorrer deseus trabalhos e de provas apropriadas o que reteve das liçÔes oudas leituras em casa.

A classe, desse modo, nada mais Ă© que uma soma de indivĂ­duose nĂŁo uma sociedade: a comunicação entre alunos Ă© proibida e acolaboração quase inexistente. Ao contrĂĄrio, na medida em que otrabalho suscita a iniciativa da criança, torna-se coletivo; pois, se ospequenos sĂŁo egocĂȘntricos e inaptos Ă  cooperação, ao se desenvol-verem as crianças constituem uma vida social cada vez mais forte.

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A liberdade do trabalho em classe tem implicado, geralmente,a cooperação na atividade escolar. Quer este procedimento tenhasido utilizado deliberadamente,

(...) Esses procedimentos se inspiram na noção bem conhecida deself-government. Para aprender a fĂ­sica ou a gramĂĄtica, nĂŁo hĂĄ mĂ©todomelhor que descobrir por si, por meio de experiĂȘncia, ou da anĂĄlisede textos, as leis da matĂ©ria ou as regras da linguagem; do mesmomodo, para adquirir o sentido da disciplina, da solidariedade e daresponsabilidade, a escola ativa se esforça em colocar a criança numasituação tal que ela experimente diretamente as realidades espirituaise discuta por si mesma, pouco a pouco, as leis constitutivas.

Ora, posto que a classe forma uma sociedade real, uma as-sociação que repousa sobre o trabalho em comum de seus mem-bros, Ă© natural confiar Ă s prĂłprias crianças a organização dessasociedade. Elaborando, elas mesmas, as leis que regulamentarĂŁoa disciplina escolar, elegendo, elas mesmas, o governo que seencarregarĂĄ de executar tais leis e constituindo o poder judiciĂĄrioque terĂĄ por função a repressĂŁo dos delitos, as crianças adquiri-rĂŁo a possibilidade de aprender, pela experiĂȘncia, o que Ă© a obe-diĂȘncia Ă  regra, a adesĂŁo ao grupo social e a responsabilidadeindividual.

Longe de preparar-se para a autonomia da consciĂȘncia pormeio de procedimentos fundados na heteronomia, o estudantedescobre as obrigaçÔes morais por uma experimentação verda-deira, envolvendo toda a sua personalidade (p. 22).

É necessĂĄrio citar sobre esse assunto a Liga da Bondade, bemconhecida aqui, pois a primeira referĂȘncia sobre suas atividades foiapresentada, em 1912, no Congresso de Educação Moral de La Haya.

Para fazer parte da Liga da Bondade, a criança se comprome-te, simplesmente, a “perguntar, todas as manhãs, o que poderáfazer de bom durante o dia. À noite, deve dar-se conta do resulta-do de seus esforços e lembrar-se do bem que tenha desejado fazerao seu redor”.

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Os resultados, quaisquer que sejam, tratem-se de vitĂłria ou defracassos, sĂŁo escritos numa folha nĂŁo assinada, que a criança de-posita numa caixa colocada em uma classe para esse fim. EssasanotaçÔes anĂŽnimas sĂŁo lidas na classe durante a aula de moral(extrato da circular francesa). O sucesso desse mĂ©todo tĂŁo simplestem sido surpreendente e contrasta com a carĂȘncia de benefĂ­ciosdos mĂ©todos simplesmente verbais.

De onde vem esse sucesso? Em primeiro lugar, evidenciasseque toda a atenção estĂĄ colocada sobre a prĂłpria atividade da crian-ça e nĂŁo sobre o discurso. Os assuntos que servem de matĂ©ria paraa reflexĂŁo moral nĂŁo sĂŁo episĂłdios histĂłricos ou fictĂ­cios, que oprofessor propĂ”e arbitrariamente e que se mantĂȘm exteriores aosinteresses espontĂąneos do aluno: sĂŁo os prĂłprios atos da criança.

Em segundo lugar, pelo fato de haver uma “liga”, umamutualidade Ă© criada entre as crianças, e um forte empenho con-junto Ă©, assim, desencadeado.

Seguramente, continua havendo o risco de que o professor seimponha em demasiado no decorrer da discussĂŁo e substitua ojulgamento dos alunos pelo seu.

Mas, se hĂĄ respeito Ă s prĂłprias crianças, o pedagogo inteligen-te poderĂĄ se omitir e deixar Ă  classe uma autonomia suficiente paraa organização das “ligas” e para a avaliação de seus membros. Éassim, que, em muitos casos, sĂŁo as prĂłprias crianças que desig-nam o titular do prĂȘmio anual das “ligas”?

Essa flexibilidade permite, entĂŁo, um livre progredir do self-government e da atividade da criança. Outro movimento bastanteconhecido, de modo que nĂŁo precisamos falar muito dele, deveseu imenso sucesso aos mesmos princĂ­pios da atividade e damutualidade: Ă© o escotismo. Limitemo-nos a destacar que essa admi-rĂĄvel experiĂȘncia de educação moral Ă© instrutiva, isto do ponto devista que temos adotado.

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Sobre o conteĂșdo de sua “lei”, o escotismo nĂŁo apresentanada de muito novo. O apelo Ă  honra para formar o carĂĄter, Ă ajuda aos outros e o equilĂ­brio entre a saĂșde fĂ­sica e a saĂșde moralsĂŁo os preceitos usados; quando Baden Powell busca relatar, emseus escritos, os artigos de sua pedagogia moral nĂŁo suplanta emquase nada os melhores autores sobre liçÔes de moral.

A esse respeito, parece-nos que o problema central do esco-tismo é alcançar um equilíbrio mais flexível entre as duas moraisda criança, às quais temos procurado distinguir.

O respeito dos pequenos pelos mais velhos e destes pelos che-fes explica, esse inicialmente, porque os conselhos do educadornĂŁo caem em vĂŁo, mas adquirem um valor duplamente obrigatĂł-rio: Baden Powell compreendeu muito bem nĂŁo sĂł que o exem-plo Ă© tudo na educação, mas tambĂ©m que as relaçÔes das pessoasentre si constituem a verdadeira fonte dos imperativos morais. AlĂ©mdisso, ele compreendeu, tambĂ©m, e este nĂŁo Ă© o seu mĂ©rito menor,que a moral do dever institui-se apenas como uma etapa do de-senvolvimento da consciĂȘncia e que o respeito unilateral exige, porseus fins, ser moderado pelo respeito mĂștuo, atĂ© o momento emque serĂĄ definitivamente substituĂ­do por este.

Essa Ă© a razĂŁo pela qual o ideal do chefe dos escoteiros Ă© ser umtreinador e nĂŁo um comandante: o instrutor nĂŁo deve ser nem umprofessor de escola, nem um oficial de tropa, nem um pastor, nemum monitor, ele deve ser um “homem-criança”, ele deve ter, em si,a alma de uma criança; ele deve colocar-se no mesmo plano da-queles de quem vai ocupar-se.

Ademais, entre o chefe adulto e o escoteiro-criança, toda umahierarquia de intermediĂĄrios provoca uma diluição da oposiçãoentre o respeito unilateral e o mĂștuo e, em consequĂȘncia, a assimi-lação progressiva da moral do dever Ă  da cooperação e do bem.

Por outro lado, constituindo a sociedade dos escoteiros umagrande fraternidade e, graças ao sistema de patrulhas, uma coleção

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orgĂąnica de grupos fraternais, Ă© evidente que hĂĄ as melhores condi-çÔes para o desenvolvimento do respeito mĂștuo e da cooperação.

Por fim, estando a manifestação da moral da colaboração au-tÎnoma ligada, na criança, à pråtica das regras dos jogos coletivos,nota-se que uma das instituiçÔes mais notåveis do escotismo é a deter ligado a educação do caråter e do altruísmo a todo um sistemade jogos organizados (pp. 25 e 26).

A veracidade

No que concerne a esse aspecto, de certo modo intelectual davida moral, não se tem encontrado procedimento melhor de edu-cação do que os métodos de colaboração no trabalho dos quaisfalamos anteriormente.

Tudo que sabemos atualmente da psicologia da criança parecedemonstrar que o pensamento infantil não comporta espontanea-mente nem a objetividade em geral, nem a veracidade. Com efeito,a função primitiva do pensamento é assegurar a satisfação dos dese-jos, mais do que adaptar o eu à realidade objetiva; quando a adapta-ção sensório-motora não é suficiente para assegurar essa satisfação,o pensamento assume esse papel graças à imaginação e ao jogo.

É pelos outros e em função de uma colaboração organizadaque renunciamos Ă  nossa fantasia individual para ver a realidade talqual ela Ă©, e para dar primazia Ă  veracidade sobre o jogo ou a men-tira. Ora, a criança Ă© naturalmente egocĂȘntrica, e enquanto nĂŁo ti verconseguido socializar seu pensamento, ela nĂŁo compreenderĂĄ nem ovalor da verdade nem, a fortiori, a obrigação da veracidade.

Como conduzir seu espĂ­rito aos valores da verdade? Os con-selhos dos adultos e as melhores liçÔes serĂŁo suficientes para sechegar a essa consciĂȘncia?

A experiĂȘncia nos mostra o contrĂĄrio: mesmo que a criançaaceite os deveres relativos Ă  veracidade e sinta-se culpada nos ca-sos de infração Ă s regras, ela nĂŁo chega Ă  incorporar em sua perso-

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nalidade uma lei que nĂŁo compreende internamente e continua aser dominada pelas tendĂȘncias naturais de sua mentalidade. Ape-nas a colaboração entre crianças e a prĂĄtica da discussĂŁo organiza-da dĂŁo a cada um o significado da objetividade.

SĂł a ação mĂștua faz a criança compreender o que a mentira Ă©em realidade e qual o valor social da veracidade (p. 27).

TendĂȘncias instintivas

(...) Portanto, nĂŁo temos porque rever as vantagens dos mĂ©to-dos ditos “ativos” aplicados a esses novos objetivos. O apelo dosescoteiros ao respeito mĂștuo e Ă  honra pessoal, o compromissoem fazer o bem da Liga da Bondade e, sobretudo, os interessesespontĂąneos tornados ação e as possibilidades de colaboração sĂŁode uma importĂąncia decisiva no que concorre ao domĂ­nio dastendĂȘncias instintivas.

(...) Mas as pesquisas psicolĂłgicas tĂȘm conduzido os pedagogos aentrever certos problemas especĂ­ficos da educação dos instintos: des-tacam-se, por exemplo, os que se originam na curiosidade sobre onascimento, seja porque os pais enganaram as crianças, seja porque oscolegas mal-intencionados tenham se antecipado Ă s liçÔes do adulto.

(...) Para evitar esses perigos, tĂȘm sido propostas diversas solu-çÔes: a iniciação precoce da criança pela famĂ­lia ou pela escola,uma informação biolĂłgica elementar dada desde o inĂ­cio da esco-laridade etc.

(...) No que concerne aos conhecimentos a serem dados Ă  cri-ança, um modo adequado de agir parece ser nĂŁo o de prevenir suacuriosidade, mas sim o de satisfazĂȘ-la com toda a objetividade; noque concerne Ă  luta contra os maus hĂĄbitos, jamais empregar acoação ou a intimidação, mas, sim, fortalecer a confiança da crian-ça em si mesma e colocar toda a atenção na educação do carĂĄter.

(...) De nossa parte, dificilmente admitiremos, antes que nosdemonstrem, que homens e mulheres se compreendem melhor na

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vida quando sĂŁo educados separadamente do que quando se en-tendem desde os bancos escolares (pp. 28 e 29).

Educação internacional

Os principais esforços tĂȘm sido realizados sobre as prĂłpriasmatĂ©rias de ensino e sobre os procedimentos ativos de colabora-ção internacional entre crianças. Sobre o primeiro ponto se podecitar as tentativas de utilização da histĂłria para criar uma atmosferade aproximação entre os povos.

Os procedimentos negativos, como a eliminação de tudo oque, nos manuais, evoca as guerras ou as causas de conflitos entrenaçÔes, tĂȘm motivado todo um conjunto de crĂ­ticas tanto doshistoriadores como dos pedagogos: com efeito, Ă© tĂŁo perigosoignorar o que Ă© ou tem sido no campo dos males internacionaisquanto seria perigoso educar socialmente uma criança deixando-aignorar as taras da sociedade.

Mas nĂŁo temos nada a dizer contra os procedimentos positivos.Fornecer ao aluno um instrumento ativo de crĂ­tica histĂłrica, fazĂȘ-locomparar as diversas interpretaçÔes de um mesmo fato, fazĂȘ-lo ana-lisar as causas dos conflitos, Ă© formar um espĂ­rito de compreensĂŁocujos benefĂ­cios jamais ocorreriam sem essa objetividade histĂłrica.

Recordemos, também, os esforços realizados no campo daliteratura infantil em tornar conhecido às crianças os diversos paí-ses e civilizaçÔes estranhas aos seus.

Quanto aos procedimentos ativos, deve-se Ă s correspondĂȘn-cias interescolares individuais e Ă s diversas atividades da Cruz Ver-melha da Juventude.

Melhor que todos os ensinamentos, nĂŁo hĂĄ dĂșvidas, sĂŁo astrocas de cartas ou documentos, de ĂĄlbuns e mesmo de jogosentre escolares de diferentes paĂ­ses, que contribuem Ă  informaçãointernacional da criança e, sobretudo, provocam um interesse difĂ­-cil de acontecer sem esses recursos.

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É isso que explica o marcante sucesso dessas tentativas e seudesenvolvimento crescente. Em alguns paĂ­ses os grupos da CruzVermelha da Juventude adquiriram tanta importĂąncia que possibi-litaram uma verdadeira organização autĂŽnoma das crianças; Ă© as-sim que na Hungria, J. E. Vajkai aproveitou uma atividade prĂłpriada Cruz Vermelha da Juventude para organizar grupos na formade self-government, cujas repercussĂ”es sobre o carĂĄter e os compor-tamentos das crianças sĂŁo dignos da maior atenção (p. 35).

O que vimos sobre escotismo ou sobre o self-government pode-rå ser considerado aqui a propósito da educação do caråter. Emparticular, o esforço do escotismo para a preparação de cidadãoslivres e, simultaneamente, disciplinados é notåvel.

Porém, gostaríamos de destacar certos esforços particularesda educação cívica e base da iniciativa e do trabalho ativo.

O self-government, em virtude de sua flexibilidade, serve admiravel-mente a esse gĂȘnero de experiĂȘncias. Ao invĂ©s de impor Ă s criançasum estudo apenas verbal das instituiçÔes de seu paĂ­s e de seusdeveres de cidadĂŁo, Ă©, efetivamente, mais adequado aproveitar astentativas da criança na constituição da cidade escolar para infor-mar-lhe sobre os mecanismos da cidade adulta.

Quando se comprova atĂ© que ponto as sociedades extra-esco-lares das crianças (clubes de esporte ou de histĂłria natural) sĂŁo aocasiĂŁo, para estas, de iniciar a estrutura das sociedades adultas, fica-seconfuso com a lentidĂŁo com a qual nossas escolas pĂșblicas utilizamtendĂȘncias sociais da criança em educação cĂ­vica e econĂŽmica.

A esse respeito, Ă© dos paĂ­ses novos que nos vĂȘm exemplos. APolĂŽnia, cujo problema nacional Ă© o de realizar a assimilação de trĂȘsfacçÔes carregadas de tradiçÔes heterogĂȘneas, a TchecoslovĂĄquia e aÁustria, novas unidades requisitadas a viver por si mesmas, compre-enderam a importĂąncia do self-government na educação cĂ­vica.

Em vĂĄrias escolas pĂșblicas, as classes sĂŁo constituĂ­das na for-ma de “comunidades”. Com ĂłrgĂŁos legislativos, executivos e ju-

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diciårios e até com funçÔes econÎmicas (cooperativas escolares);as comunidades não são, naturalmente, simples reduçÔes de orga-nizaçÔes adultas, pois tal jogo artificial desencantaria a criança des-se modelo mais do que lhe prepararia para sua vida de cidadão.

A organização da comunidade estĂĄ calçada sobre as funçÔesprĂłprias da escola: administração da classe, regulamentação dotrabalho, gerĂȘncia de bibliotecas e museus escolares, organizaçãode eventos e de um jornal dos estudantes, tribunal de julgamentosentre colegas, reservas financeiras e fundos sociais, cooperativaeconĂŽmica etc.

Pode-se notar, apĂłs ler os relatos dessas experiĂȘncias e consta-tar sua duração (muitas “comunidades” continuam a existir depoisda formatura), o quanto a vida ativa dos alunos nesses fez maispara iniciĂĄ-los nos deveres do cidadĂŁo que as melhores liçÔes.

Onde o self-government estĂĄ ausente das escolas pĂșblicas, comona França, certos trabalhos extra-escolares, como as “cooperativasescolares”, assumem o mesmo papel.

AdmirĂĄveis escolas de ajuda mĂștua, essas cooperativas tĂȘm avantagem de iniciar as crianças nos mecanismos de uma adminis-tração e nas realidades econĂŽmicas.

A experiĂȘncia mostra, entĂŁo, o quanto os mĂ©todos ativos sĂŁosuscetĂ­veis de se diferenciarem em função das diversas necessida-des de educação social. AtĂ© a educação antialcoĂłlica se beneficiacom essas liçÔes.

A escola faz muito ao ensinar Ă s crianças os perigos do ĂĄlcoole dar -lhes, tĂŁo concretamente quanto possĂ­vel , o saber indispen-sĂĄvel para resistir ao ĂĄlcool. PorĂ©m, de que valem essas liçÔes en-quanto nĂŁo se conseguir fazer a criança participar de uma atividadeautĂŽnoma em direção ao movimento antialcoĂłlico? Fundadores deligas semelhantes Ă s Ligas da Bondade, da qual jĂĄ falamos, tĂȘm seocupado disto: as “Bands of Hope ”, )“L’Espoir” etc.

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A questão que aqui se coloca é a de saber se é possível pedir àcriança que se engaje nesse campo. Mesmo sem fazermos mais doque interessar a criança sobre a documentação e a propagandaantialcoólica, obtemos dela esforços e açÔes que sozinhos atribu-em sentido ao ensino oral mais perfeito (pp. 32 e 33).

Self-government

O problema das puniçÔes tem provocado os mais sugestivosdebates na pedagogia europeia. A escola sem castigos e uma edu-cação da responsabilidade pelo julgamento dos prĂłprios alunostĂȘm se oposto, em um movimento cada vez mais forte, ao proce-dimento tradicional da sanção expiatĂłria.

Para dizer a verdade, a situação permanece extremamenteconfusa tanto na teoria como na pråtica, ao ponto de vermosparticipantes da pedagogia sociológica defender as puniçÔes e pro-tagonistas do self-government, conceder às próprias crianças a neces-sidade de expiação.

A dificuldade resulta, aqui, como em outros lugares, das in-terferĂȘncias emaranhadas provindas das duas morais que fazemparte do espĂ­rito da criança, como das aspiraçÔes coletivas dosprĂłprios adultos.

Duas coisas, no entanto, parecem certas. A primeira Ă© que odesenvolvimento da sanção, como fato social assim como noçãomoral aceita pela consciĂȘncia da criança, Ă© correlativo Ă  pedagogiada autoridade exterior.

O castigo corporal, por exemplo, nasceu na escola e passou àfamília, como Durkheim demonstrou em påginas que deveriam serrefletidas por todos os pais e educadores. Porém, se desaparece dequase todas as escolas da Europa, salvo certas exceçÔes bem conhe-cidas, permaneceu como regra, infelizmente, na pedagogia familiar.

As puniçÔes não corporais, mas igualmente expiatórias, per-manecem, por outro lado, necessårias em todos os lugares onde alei não é estabelecida com a própria criança.

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Em segundo lugar, Ă© certo que a disciplina e o sentimento daresponsabilidade podem se desenvolver sem nenhuma puniçãoexpiatĂłria. TĂȘm sido feitas, a esse respeito, as mais precisas experi-ĂȘncias: as relaçÔes de cooperação bastam para provocar nas crian-ças um tal respeito Ă  regra que a simples censura e um sentimentode isolamento moral, resultantes do ato cometido, conduzem ofaltoso Ă  disciplina comum. PorĂ©m, entre esses dois extremos, umasĂ©rie de situaçÔes intermediĂĄrias vem complicar o problema.

Confiando às próprias crianças a possibilidade de exercer ajustiça retributiva, observa-se frequentemente que as puniçÔes es-colhidas pelos juízes são do tipo expiatório.

Deve-se concluir disso a necessidade das puniçÔes e limitar-sea transpor nossas noçÔes tradicionais penais na linguagem do self-government?

É aqui que se pode constatar melhor o quanto a educaçãomoral Ă© solidĂĄria a toda a pedagogia.

Quando o self-government limita-se ao exercĂ­cio do poder judi-ciĂĄrio, em oposição aos poderes legislativos e executivos, e sobre-tudo, quando a autonomia da escola nĂŁo Ă© acompanhada de umatotal reestruturação na direção da “escola ativa”, Ă© evidente que aconsciĂȘncia infantil, no que concerne Ă  sanção, nĂŁo se transforma.

É natural que a criança adote as puniçÔes clĂĄssicas quando setrata de impor o respeito a leis, em cuja elaboração ela nĂŁo podeintervir. É tambĂ©m natural que vĂĄrias possibilidades sejam obser-vadas entre os procedimentos externos, pois o julgamento moraldas crianças depende do conjunto de relaçÔes interindividuais nasquais elas se encontram engajadas.

O problema das puniçÔes é, assim, daqueles em que seria de-sejåvel uma grande investigação científica. E é, também, um dosmais difíceis de resolver.

Quanto Ă s recompensas, igualmente existem todos os inter-mediĂĄrios na pedagogia europeia, desde o sistema no qual toda a

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ação individual é recompensada, aquele no qual a ação e, ela mesma,sua própria recompensa.

A distribuição de prĂȘmios pode ser citada como um exemplo doprimeiro mĂ©todo. Mas deve-se insistir sobre o fato de que, mesmo lĂĄonde a lista de alunos premiados nĂŁo Ă© mais utilizada (como nas esco-las pĂșblicas da Suíça), as notas escolares semanais ou trimestrais equi-valem a um verdadeiro sistema de recompensas ou de sançÔes.

Ao contrĂĄrio, as escolas de mĂ©todo “ativo” tendem a elimi-nar toda recompensa, nĂŁo somente pela supressĂŁo das notas pro-priamente ditas, mas pelo carĂĄter coletivo adquirido pelo trabalho.Parece-nos que as razĂ”es psicolĂłgicas dessa transformação se re-duzem a duas. De um lado, tanto a recompensa como a puniçãosĂŁo incontestavelmente a marca da heteronomia moral: Ă© quandoa regra Ă© exterior ao indivĂ­duo, que, para conquistar sua sensibilida-de, torna-se necessĂĄrio um sĂ­mbolo de aprovação.

O esforço autÎnomo rejeita tais procedimentos. De outro lado,e, sobretudo, a recompensa é o complemento de certa competi-ção entre os indivíduos, a qual nossa educação moral clåssica temusado como recurso da pedagogia.

Ora, o benefĂ­cio da educação ativa, em moral como no de-senvolvimento intelectual, Ă© ter retido o que Ă© construtivo na con-corrĂȘncia, para utilizĂĄ-lo na competição entre grupos ou equipesde trabalho e ter rejeitado esse elemento de rivalidade egoĂ­sta pormeio da qual o adulto sabe impor-se aos alunos submissos.

Seja essa transformação um bem ou um mal, Ă© incontestĂĄvelque ela se dĂĄ dentro do campo do moral da cooperação e Ă©,assim, solidĂĄria a uma pedagogia mais prĂłxima da prĂłpria criançae, talvez, das atuais exigĂȘncias sociais (pp. 29-32).

Trabalho em grupo

O método do trabalho em grupo que, desde 1900 aproxima-damente e, sobretudo, depois de 1918, desenvolveu-se em dife-

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rentes países sob diversas formas, nasceu de dois tipos de preocu-pação. Por um lado, a importùncia crescente atribuída ao fatorcoletivo pelas diversas ideologias políticas levou os educadores adesenvolver a vida social em classe, a tal ponto que o trabalho emgrupo encontra, hoje em dia, protagonistas pertencentes aos regi-mes mais variados, por mais opostos que aparentem ser.

Durante muito tempo a escola teve por Ășnica tarefa transmitirĂ  criança os conhecimentos adquiridos pelas geraçÔes precedentese exercitĂĄ-las nas tĂ©cnicas especiais do adulto. (...) Nessa concep-ção, a escola por certo supĂ”e uma relação social indispensĂĄvel,mas apenas entre o professor e os alunos: sendo o professor odetentor dos conhecimentos exatos e o perito nas tĂ©cnicas a seremutilizadas, o ideal Ă© a submissĂŁo da criança a sua autoridade, e todocontato intelectual das crianças entre si nada mais Ă© que perda detempo e risco de deformaçÔes e erros (p. 138).

(...)(...) Se for verdade que a operação é indispensåvel para a elabo-

ração da razĂŁo, o mĂ©todo de trabalho em grupo estĂĄ fundado sobreos mecanismos essenciais da psicologia da criança. (...) A coopera-ção, com efeito, Ă© um mĂ©todo caracterĂ­stico da sociedade que seconstrĂłi pela reciprocidade dos trabalhadores e a implica, ou seja, Ă©precisamente uma norma racional e moral indispensĂĄvel para a for-mação das personalidades, ao passo que a coerção, fundada apenassobre a autoridade dos mais velhos ou do costume, nada mais Ă© quea cristalização da sociedade jĂĄ construĂ­da e enquanto tal permaneceestrangeira aos valores racionais. Por outro lado, a personalidadenĂŁo tem justamente nada de oposto Ă s realidades sociais, pois cons-titui, ao contrĂĄrio, o produto por excelĂȘncia da cooperação. (...) OindivĂ­duo, a princĂ­pio fechado no egocentrismo inconsciente quecaracteriza sua perspectiva inicial, sĂł se descobre na medida em queaprende a conhecer os outros (p. 141).

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(...) A cooperação Ă© necessĂĄria para conduzir o indivĂ­duo Ă objetividade, ao passo que, por si sĂł, o “eu” permanece prisionei-ro de sua perspectiva particular. (p. 142).

(...) A cooperação Ă© essencialmente uma fonte de regras para opensamento. A lĂłgica constitui, com efeito, um conjunto de regrasou de normas. Ora, essas regras nĂŁo sĂŁo inatas como tais. SemdĂșvida, desde o funcionamento mais primitivo da inteligĂȘncia prĂĄ-tica, ou sensĂłrio-motora, observa-se uma necessidade de coerĂȘn-cia quase orgĂąnica, que anuncia a coerĂȘncia do pensamento formal(nĂŁo contradição etc.), uma elaboração de esquemas que equiva-lem no plano da ação, ao que seriam os conceitos no plano dareflexĂŁo e uma construção de relaçÔes prĂĄticas que preparam asfuturas relaçÔes (p. 143).

(...) É portanto possĂ­vel, a tĂ­tulo de conclusĂŁo, sublinhar as van-tagens do trabalho em grupo do ponto de vista da prĂłpria for-mação do pensamento. (...) Os frutos especĂ­ficos do mĂ©todo sĂŁo,pois, o espĂ­rito experimental, por um lado, e, por outro, a objetivi-dade e o progresso do raciocĂ­nio (p. 151).

Ensino da matemĂĄtica

A revista Enseignement mathĂ©matique vem publicando certo nĂș-mero de artigos de grande interesse sobre a revisĂŁo da iniciaçãomatemĂĄtica desde as classes elementares. Todos os autores estĂŁode acordo quanto Ă  necessidade dessa reforma (p. 217).

(...) É perfeitamente possĂ­vel e desejĂĄvel, empreender uma re-forma do ensino na direção da matemĂĄtica moderna, pois, poruma convergĂȘncia notĂĄvel, esta revela-se bem mais prĂłxima dasoperaçÔes naturais ou espontĂąneas do sujeito (criança ou adoles-cente) do que o ensino tradicional desse ramo, excessivamente sub-metido Ă  histĂłria.

(...) A criança desde os sete anos e o adolescente manipulam otempo todo operaçÔes de conjuntos, de grupos, de espaço vetorial

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etc., mas nĂŁo tĂȘm qualquer consciĂȘncia disso, pois estes sĂŁo osesquemas fundamentais de comportamento e depois de raciocĂ­-nio, muito antes de poderem ser objeto de reflexĂŁo (p. 220).

(...) Toda uma gradação Ă©, portanto, indispensĂĄvel par passarda ação ao pensamento representativo, e uma nĂŁo menos longasĂ©rie de transiçÔes continua sendo necessĂĄria para passar do pensa-mento operatĂłrio Ă  reflexĂŁo sobre esse pensamento. (...) A cons-trução matemĂĄtica procede por abstraçÔes reflexivas (...), e Ă© desteprocesso fundamental que um nĂșmero grande demais de ensaioseducacionais apressados pretendem se abster, esquecendo que todaabstração procede a partir de estruturas mais concretas (p. 221).

Ensino da histĂłria

(...) A educação do senso histĂłrico da criança pressupĂ”e a doespĂ­rito a do espĂ­rito crĂ­tico ou objetivo, a da reciprocidade inte-lectual e a do senso das relaçÔes ou das escalas, nada parece maisapropriado para determinar a tĂ©cnica do ensino da histĂłria do queum estudo psicolĂłgico das atitudes intelectuais espontĂąneas da cri-ança, por mais ingĂȘnuas e insignificantes que possam parecer Ă primeira vista (p. 95).

Ensino das ciĂȘncias naturais

Se um dos objetivos essenciais do ensino Ă©, como todos con-cordam hoje em dia, a formação de uma inteligĂȘncia ativa, aptapara o discernimento crĂ­tico e pessoal bem como para a pesquisaconstrutivista, cabe Ă  iniciação Ă s ciĂȘncias naturais desempenhar umpapel cada vez mais importante desde o primeiro grau. (...) Maisque qualquer outro ensino, ela favorece a livre atividade do aluno edesenvolve o espĂ­rito cientĂ­fico sob um de seus aspectos maisfundamentais: o aspecto experimental, na medida em que o dis-tingamos do aspecto dedutivo ou matemĂĄtico (p. 167).

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(...) É aqui que o papel do professor volta a ser central, en-quanto animador das discussĂ”es, depois de ter sido o investiga-dor, junto a cada criança, da apropriação desse admirĂĄvel poderde construção intelectual que toda atividade real manifesta (p. 180).

Psicologia e pedagogia14

A evolução da pedagogia

Ao abordar uma tarefa tĂŁo temerĂĄria como a de querer resu-mir – e mais ainda, tentar julgar – o desenvolvimento da educaçãoe da instrução no decorrer dos Ășltimos trinta anos, instala-se umverdadeiro terror diante da desproporção que, como em 1935,ainda hoje subsiste entre a extensĂŁo dos esforços realizados e aausĂȘncia de uma renovação fundamental dos mĂ©todos, dos pro-gramas, da prĂłpria posição dos problemas e, por assim dizer, dapedagogia tomada em seu conjunto como disciplina diretora.

Em 1939, Lucien Febvre comentava o choque violento e mes-mo brutal que se experimentou ao comparar o empirismo da pe-dagogia com o realismo sĂŁo, reto e fecundo dos estudos psicolĂł-gicos e sociolĂłgicos em que essa pedagogia poderia inspirar-se. Eexplicava tal desequilĂ­brio ou carĂȘncia de coordenação afirmandoser infinita a complexidade da vida social, de que a educação Ă©, aomesmo tempo, reflexo e instrumento. Sem dĂșvida isso acontece,mas o problema subsiste e se torna cada dia mais inquietante quan-do nos conscientizamos de que, apesar de seus preceitos perma-necerem inaplicĂĄveis em numerosos paĂ­ses e ambientes, somosdetentores de uma medicina cientĂ­fica, enquanto os ministĂ©rios deeducação nacional nĂŁo podem, como os de saĂșde pĂșblica, recor-rer a uma disciplina imparcial e objetiva de que a autoridade pu-desse impor os princĂ­pios e os dados reais, os problemas limitan-do-se a determinar as melhores aplicaçÔes.

14 Textos extraĂ­dos de Psicologia e Pedagogia. 9. ed. SĂŁo Paulo: Forense UniversitĂĄria,

2003.

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Em suma, os ministĂ©rios da saĂșde nĂŁo legislam no domĂ­niodo conhecimento mĂ©dico, porque existe uma ciĂȘncia da medicinacujas pesquisas sĂŁo, ao mesmo tempo, autĂŽnomas e amplamenteencorajadas pelo Estado, e embora os educadores pĂșblicos sejamfuncionĂĄrios de um ministĂ©rio que decide os princĂ­pios e as aplica-çÔes, carecem de poder para se apoiarem numa ciĂȘncia da educa-ção suficientemente elaborada, Ă  altura de responder a inĂșmerasquestĂ”es que aparecem todos os dias, e para cuja solução se apelaao empirismo e Ă  tradição.

Traçar o desenvolvimento da educação e da instrução desde1935 atĂ© aos nossos dias Ă© constatar um imenso progresso quanti-tativo da instrução pĂșblica e um determinado nĂșmero de pro-gressos qualitativos locais, principalmente naqueles pontos em quemais foram favorecidos pelas mĂșltiplas transformaçÔes polĂ­ticas esociais. Mas a esta altura caberia, de inĂ­cio, jĂĄ que o esquecimentodas questĂ”es prĂ©vias tornaria falso todo o quadro, indagar por quea ciĂȘncia da educação tem avançado tĂŁo pouco em suas posiçÔes,em comparação com as renovaçÔes profundas ocorridas na psi-cologia infantil e na prĂłpria sociologia (p. 12)

NĂŁo se cogita aqui partir de consideraçÔes teĂłricas, mas dosprĂłprios fatos que cedo ou tarde, as tornam necessĂĄrias.Contrastantes e escolhidas entre muitos outros, trĂȘs espĂ©cies dedados sĂŁo instrutivas a este respeito.

IgnorĂąncia dos resultados

Surpreendentemente que a primeira constatação a se impordepois de um intervalo de trinta anos é a ignorùncia em que nosencontramos no que se refere aos resultados das técnicas educativas.Em 1965 sabíamos tanto quanto em 1935 sobre o que permanecedos variados conhecimentos adquiridos nas escolas de primeiro esegundo graus após 5, 10 ou 20 anos de convívio com represen-tantes de diferentes meios da população. Certamente se possuem

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indicaçÔes indiretas, como as fornecidas pelos exames pĂłs-escola-res dos conscritos, que se realizam no exĂ©rcito suíço, cuja histĂłriaadmirĂĄvel nos foi contada por P. Bovet, compreendendo o perĂ­o-do que vai de 1875 a 1914; em especial, os exercĂ­cios intensivos derepetição, organizados em diversas localidades para encobrir osresultados desastrosos a que chegavam esses exames quando acon-tecia nĂŁo serem preparados para um ensino de Ășltima hora.

Mas nada se conhece de exato sobre o que subsiste, por exem-plo, dos ensinamentos de geografia ou histĂłria na cabeça de umcamponĂȘs de 30 anos ou sobre o que um advogado conservou dosconhecimentos de quĂ­mica, de fĂ­sica ou mesmo de geometria, ad-quiridos quando frequentava as aulas do Liceu. Diz-se que o latim(em alguns paĂ­ses, o grego) Ă© indispensĂĄvel Ă  formação de um mĂ©-dico, mais jamais se tentou, para que tal afirmação fosse controladae para dissociĂĄ-la dos fatores da proteção profissional interessada,avaliar o que resta dessa formação no espĂ­rito de um prĂĄtico, esten-dendo-se a comparação aos mĂ©dicos japoneses e chineses tanto quantoaos europeus, no que se refere ao relacionamento entre o valor mĂ©-dico e os estudos clĂĄssicos. Contudo, os economistas que tĂȘm cola-borado no Plano Geral do Estado francĂȘs vĂȘm exigindo que serealizem controles do rendimento dos mĂ©todos pedagĂłgicos.

Poder-se-ĂĄ dizer que a memorização dos conhecimentos nĂŁose relaciona com a cultura adquirida, mas, neste caso, como sepode avaliar esta Ășltima fora dos juĂ­zos particularmente globais esubjetivos? Afinal, a cultura que conta num indivĂ­duo Ă© sempre aque resulta da formação propriamente escolar (uma vez esqueci-do o detalhe das aquisiçÔes ao nĂ­vel do exame final) ou Ă© aquelaque a escola logrou desenvolver em virtude de incitaçÔes ou deinteresses provocados independentemente do que parecia essen-cial na formação considerada de base?

Mesmo a questĂŁo central do valor do ensino das lĂ­nguasmortas, a tĂ­tulo de exercĂ­cio capaz de transferir seus efeitos

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benfazejos a outros campos de atividade, tambĂ©m permanece tĂŁopouco resolvida pela experiĂȘncia hoje, como hĂĄ trinta anos, apesarde um certo nĂșmero de estudos que os ingleses dedicaram a esseproblema (p. 13).

O educador continua limitado, no que diz respeito a essa ques-tĂŁo, a dar seus conselhos sobre assuntos tĂŁo importantes apoiando-senĂŁo apenas sobre um saber, mas sobre consideraçÔes de bom sensoou de simples oportunidade, tal como o nĂșmero das carreiras ina-cessĂ­veis a quem nĂŁo passou pelas formalidades prescritas.

Por outro lado, hå ensinos obviamente desprovidos de qualquer valor formador e que continuam a impor-se sem se saberao menos se eles chegam a atingir ou não a função utilitåria quese objetiva. Por exemplo, admite-se comumente ser necessårio,para viver socialmente, conhecer ortografia (sem discutir se nestecaso hå significação racional ou meramente tradicionalista deuma tal obrigação). Mas o que se ignora plenamente, e de ma-neira decisiva, é se o ensino especializado da ortografia favore-ce essa aprendizagem, se permanece indiferente ou se se tornaàs vezes nocivo.

Certas experiĂȘncias tĂȘm mostrado que os registros automĂĄti-cos realizados pela memĂłria visual alcançam o mesmo resultadodas liçÔes sistemĂĄticas. Assim Ă© que em dois grupos de alunos, umdos quais seguiu, e o outro nĂŁo, o ensino da ortografia, as notas deambos foram equivalentes. A experiĂȘncia tentada deste modo per-manece, sem dĂșvida, insuficiente, por carecer da amplitude e dasvariaçÔes necessĂĄrias. Mas Ă© inacreditĂĄvel que um terreno de talmodo acessĂ­vel Ă  experimentação, no qual se encontram em con-flito os interesses divergentes da gramĂĄtica tradicional e da linguĂ­sticacontemporĂąnea, a pedagogia nĂŁo organize experiĂȘncias contĂ­nuase metĂłdicas, contentando-se apenas em resolver os problemas pormeio de opiniĂ”es, cujo “bom senso” encerra realmente ‘maisafetividade do que razĂ”es efetivas.

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De fato, para se julgar o rendimento dos mĂ©todos escolares dis-pĂ”e-se tĂŁo somente dos resultados das provas finais nas escolas e, emparte, de alguns exames de concursos. Ocorre aĂ­, portanto, simultane-amente, uma petição de princĂ­pio e um cĂ­rculo vicioso (p. 14), o que Ă©bastante grave, por se querer julgar o valor do ensino escolar peloĂȘxito nas provas finais, embora sabendo que grande parte do traba-lho escolar estĂĄ influenciada pela perspectiva dos exames, e que,segundo os espĂ­ritos argutos, se encontra gravemente deformadapela dominĂąncia de tal preocupação. DaĂ­ concluir-se que, apesar dahonestidade dos pais e sobretudo dos alunos, e da objetividade ci-entĂ­fica, a questĂŁo prĂ©via de um tal estudo pedagĂłgico de rendimen-to escolar estĂĄ em se comparar os resultados de escolas sem exames,onde o valor do aluno Ă© julgado pelos mestres em função do traba-lho realizado durante todo o ano escolar, com os das escolas ordi-nĂĄrias, onde a perspectiva dos exames falseia, ao mesmo tempo, otrabalho dos alunos e dos prĂłprios mestres. Neste caso, responder-se-ĂĄ que os mestres nem sempre sĂŁo imparciais, e que as possĂ­veisparcialidades locais causarĂŁo mais prejuĂ­zos do que a parte aleatĂłriae o bloqueio afetivo que intervĂȘm em todos os exames.

Outra resposta Ă© que os alunos nĂŁo sĂŁo cobaias a serem utiliza-das em experiĂȘncias pedagĂłgicas. Mas, por sua vez, as diferentesdecisĂ”es ou reorganizaçÔes administrativas nĂŁo realizam tambĂ©mexperiĂȘncias? PorĂ©m, diferentemente das experiĂȘncias cientĂ­ficas,aquelas nĂŁo comportam qualquer controle sistemĂĄtico. Poder-se-ĂĄainda responder que os exames, por sua vez, podem englobaruma utilidade formadora etc. (p. 15).

Mas entĂŁo Ă© o caso de – sem se levar demasiado em conta asopiniĂ”es por mais autorizadas que sejam, isto Ă©, a dos “peritos”,visto serem mĂșltiplas e contraditĂłrias – se verificar por meio deexperiĂȘncias objetivas. Pois, sobre todas essas questĂ”es fundamen-tais e outras mais, a pedagogia experimental – que existe e jĂĄ for-neceu grande nĂșmero de trabalhos de valor - permanece ainda

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muda, e prova, portanto, a terrĂ­vel desproporção que continua asubsistir entre a amplitude ou importĂąncia dos problemas e osmeios que se pode utilizar para resolvĂȘ-los. Quando o mĂ©dicoutiliza uma terapĂȘutica, intervĂ©m igualmente certa parte deempirismo, e em presença de um caso particular, nĂŁo se estĂĄ abso-lutamente certo se o que levou Ă  cura foram os remĂ©dios empre-gados ou se a vis medicatrix naturae agiu por si mesma.

Entretanto, existe um acervo considerĂĄvel de pesquisasfarmacolĂłgicas e outras mais que, juntando-se ao progresso dosconhecimentos fisiolĂłgicos, fornece uma base mais ou menos se-gura para as intuiçÔes clĂ­nicas. Como se explica, entĂŁo, que no cam-po da pedagogia, onde o futuro das geraçÔes ascendentes estĂĄ emcausa num grau pelo menos igual ao existente no campo da saĂșde,as pesquisas de base permaneçam tĂŁo pobres como indicam al-guns exemplos menores? (p. 16).

O corpo docente e a pesquisa

Poder-se-ia citar, a partir de 1935 atĂ© 1965, em quase todas asdisciplinas designadas pelos termos ciĂȘncias naturais, sociais ouhumanas, os nomes de grandes autores, possuidores de reputaçãomundial, que mais ou menos profundamente renovaram os ra-mos do saber nos quais se consagraram.

Durante o mesmo perĂ­odo, entretanto, nenhum grande peda-gogo apareceu na lista dos homens eminentes que marcaram ahistĂłria da pedagogia. Isso levanta um problema (p. 16).

Os termos desse problema nĂŁo sĂŁo, por sua vez, especĂ­ficos doperĂ­odo em causa. A primeira constatação que se impĂ”e quando sepercorre os Ă­ndices das histĂłrias da pedagogia Ă© o nĂșmero propor-cionalmente considerĂĄvel dos inovadores em pedagogia que nĂŁoeram educadores profissionais. ComĂȘnio criou e dirigiu escolas, masera teĂłlogo e filĂłsofo de formação. Rousseau nĂŁo dava aulas e, seteve filhos, sabe-se que pouco se ocupou deles. Fröbel, criador dos

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jardins de infĂąncia e defensor de uma educação sensorial (aliĂĄs, beminsuficiente), era quĂ­mico e filĂłsofo. Herbart era psicĂłlogo e filĂłso-fo. Entre os contemporĂąneos, Dewey era filĂłsofo, MadameMontessori, DĂ©croly, ClaparĂšde eram mĂ©dicos, e os dois ĂșltimostambĂ©m psicĂłlogos. O mais ilustre, talvez, dos pedagogos que nĂŁoera senĂŁo educador (por sinal, muito moderno), isto Ă©, Pestalozzi, narealidade nĂŁo inventou mĂ©todos ou processos novos, a nĂŁo ser oemprego da ardĂłsia, e mesmo assim por razĂ”es de economia.

Um dos acontecimentos pedagĂłgicos importantes ocorridosentre os anos de 1934 e 1965 Ă© o projeto francĂȘs de reformas quedeu lugar aos “cĂ­rculos de orientação” e de “observação”.

Surgiu dos trabalhos de uma comissão dirigida e inspiradapor um físico e um médico-psicólogo: Langevin e Wallon.

Sem dĂșvida, o mesmo ocorre em outras disciplinas: certas ins-piraçÔes fundamentais podem ser devidas a homens que nĂŁo per-tenciam Ă  “profissĂŁo”. NinguĂ©m desconhece o que a medicinadeve a Pasteur, que nĂŁo era mĂ©dico. Mas, grosso modo, a medici-na Ă© obra de mĂ©dicos, as ciĂȘncias de engenharia sĂŁo obras de enge-nheiros etc.

Por que, entĂŁo, a pedagogia sĂł em Ă­nfima parte Ă© obra depedagogos? Eis um problema grave e sempre atual. A ausĂȘncia oua carĂȘncia de pesquisas sobre os resultados do ensino, sobre o queacabamos de insistir, nĂŁo passa de um dos aspectos do problema.O problema geral consiste em compreender a razĂŁo por que aimensa coorte de educadores, que trabalham no mundo inteirocom tanta dedicação e, na maioria dos casos, competĂȘncia, nĂŁo foicapaz de produzir uma elite de pesquisadores que fizessem dapedagogia uma disciplina, ao mesmo tempo cientĂ­fica e viva, comoocorre com todas as disciplinas aplicadas que participam simulta-neamente da arte e da ciĂȘncia (p. 17).

EstarĂĄ a razĂŁo na natureza da prĂłpria pedagogia, visto quesuas lacunas sĂŁo provenientes da impossibilidade de encontrar um

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equilĂ­brio estĂĄvel entre os dados cientĂ­ficos e as aplicaçÔes sociais?É o que procuraremos saber mais adiante, Ă  luz da renovação dosproblemas entre os anos de 1935 e 1965. Mas responderemospela negativa. E antes de examinar as questĂ”es teĂłricas, Ă© indispen-sĂĄvel conhecer de inĂ­cio a parte dos fatores sociolĂłgicos, pois tan-to nesse como noutros casos, uma ciĂȘncia sĂł se desenvolve emfunção das necessidades e das incitaçÔes do meio social. No nossocaso particular, carecemos dessas incitaçÔes e o meio nem sempreĂ© muito propĂ­cio.

Um fenĂŽmeno cuja gravidade nĂŁo se pode evitar e que cadavez mais se configura de modo nĂ­tido no curso dos Ășltimos anosĂ© o da dificuldade de recrutamento de mestres primĂĄrios e secun-dĂĄrios. A 16.a ConferĂȘncia Internacional de Instrução PĂșblica, rea-lizada em 1963, colocou em pauta o problema da “luta contra acarĂȘncia de mestres primĂĄrios” e logo se constatou a generalidadedo problema. Como se sabe, trata-se inicialmente de um proble-ma econĂŽmico, e se se pudesse oferecer aos mestres o tratamentoque recebem os representantes das outras carreiras liberais, entĂŁoassistirĂ­amos Ă  aceleração do recrutamento. Mas o problema Ă© bemmais amplo e liga-se, de fato, Ă  posição do educador no conjuntoda vida social. Eis porque este problema se junta ao nosso proble-ma central da pesquisa em pedagogia.

A verdade Ă© que a profissĂŁo de educador, nas nossas socieda-des, nĂŁo atingiu ainda o status normal a que tem direito na escala dosvalores intelectuais. Um advogado, ainda quando nĂŁo dotado detalento excepcional, deve a consideração que possui a uma disciplinarespeitada e respeitĂĄvel, o Direito, cujo prestĂ­gio corresponde a qua-dros universitĂĄrios bem definidos. Um mĂ©dico, mesmo quando nĂŁocura sempre, representa uma ciĂȘncia consagrada e difĂ­cil de adquirir.Um engenheiro representa, tal e qual o mĂ©dico, uma ciĂȘncia e umatĂ©cnica. Um professor universitĂĄrio representa a ciĂȘncia que ensina ese esforça para fazĂȘ-la progredir. Entretanto, ao mestre-escola falta

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um prestĂ­gio intelectual equivalente, e isso devido ao concurso extra-ordinĂĄrio e muito inquietante das circunstĂąncias.

A razão geral de tal estado de coisas estå naturalmente em queo mestre-escola não chega a ser considerado pelos outros - e, oque é pior, nem por ele mesmo - como um especialista, quer doponto de vista das técnicas, quer do da criação científica. Apenasaparece como um simples transmissor de um saber ao nível decada um. Em outras palavras, conta-se que um bom mestre con-tribua com o que dele se espera, porquanto possui uma culturageral elementar e algumas receitas aprendidas, que lhe permiteminculcå-la na mente dos alunos.

Assim, esquece-se simplesmente que o ensino em todas as suasformas abarca trĂȘs problemas centrais, cuja solução estĂĄ longe deser alcançada, e dos quais se pode indagar como serĂŁo resolvidossenĂŁo com a colaboração dos mestres ou de uma parte deles:

1. Qual o objetivo desse ensino? Acumular conhecimentosĂșteis? (Mas em que sentido sĂŁo Ășteis?) Aprender a aprender?Aprender a inovar, a produzir o novo em qualquer campotanto quanto no saber? Aprender a controlar, a verificar ousimplesmente a repetir? Etc.2. Escolhidos esses objetivos (por quem ou com o consenti-mento de quem?), resta ainda determinar quais sĂŁo os ramos(ou o detalhe dos ramos) necessĂĄrios, indiferentes ou contra-indicados para atingi-los: os da cultura, os do raciocĂ­nio e so-bretudo (o que nĂŁo consta de um grande nĂșmero de progra-mas) os ramos da experimentação, formadores de um espĂ­ri-to de descoberta e de controle ativo?3. Escolhidos os ramos, resta afinal conhecer suficientemente asleis do desenvolvimento mental para encontrar os mĂ©todos maisadequados ao tipo de formação educativa desejada (p. 19).

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Pedagogia científica e determinação dos objetivos da educação

Cabe Ă  sociedade fixar os objetivos da educação que ela for-nece Ă s geraçÔes ascendentes. AliĂĄs, Ă© o que ela faz sempre de modosoberano, e de duas maneiras. Fixa-os inicialmente de uma formaespontĂąnea por meio dos imperativos da linguagem, dos usos, daopiniĂŁo, da famĂ­lia, das necessidades econĂŽmicas etc., isto Ă©, porintermĂ©dio das formas mĂșltiplas da ação coletiva atravĂ©s das quaisas sociedades se conservam e se transformam, plasmando cadanova geração no molde estĂĄtico ou imĂłvel das geraçÔes prece-dentes. A seguir, fixa-os de maneira reflexiva por meio dos ĂłrgĂŁosdo Estado ou das instituiçÔes particulares, consoante os tipos con-siderados de educação.

Mas esta determinação dos objetivos da educação não é frutodo azar. Quando ocorre de modo espontùneo, obedece às leis soci-ológicas passíveis de anålise, e este estudo é de natureza a esclareceras decisÔes refletidas das autoridades em matéria de educação.

Quanto Ă s prĂłprias decisĂ”es, nĂŁo sĂŁo, em geral, tomadas a nĂŁoser quando se tem em vista informaçÔes de todos os gĂȘneros, nĂŁoapenas polĂ­ticas, mas econĂŽmicas, tĂ©cnicas, morais, intelectuais etc.Essas informaçÔes, via de regra, sĂł sĂŁo recolhidas para as consultasdiretas dos interessados. E de fato Ă© indispensĂĄvel começar por aĂ­quando, por exemplo, se trata de necessidades tĂ©cnicas e econĂŽmi-cas da sociedade. Neste caso, hĂĄ interesse na posse de tais estudosobjetivos sobre as relaçÔes entre a vida social e a educação por partedos responsĂĄveis pelas diretrizes a serem dadas aos educadores.

Por um lado, não é bastante fixar os objetivos para poderatingi-los, porque ainda resta examinar o problema dos meios, oque se refere mais à psicologia do que à sociologia, embora condicionedo mesmo modo a escolha dos objetivos. Assim é que Durkheimsimplificou um pouco as coisas ao sustentar que o homem sobre oqual incide a educação é um produto da sociedade e não da natu-reza, embora a natureza não se submeta à sociedade a não ser sob

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certas condiçÔes, e que, ao conhecer estas Ășltimas, esclarece-as emvez de contrariĂĄ-las com a escolha dos objetivos sociais. Por outrolado, limitando-se apenas aos objetivos, as diversas finalidades de-sejadas podem ser mais ou menos compatĂ­veis ou contraditĂłriasentre si. Por exemplo, nĂŁo Ă© evidente que se possa esperar dosindivĂ­duos a formar que sejam, ao mesmo tempo, construtores einovadores em certos campos das atividades sociais, onde se temnecessidade de tais qualidades, e de rigorosos conformistas emoutros ramos do saber e da ação. Ou a determinação dos objeti-vos da educação permanece assunto de opiniĂ”es “autorizadas” ede empirismo, ou deve ser o objeto de estudos sistemĂĄticos, o quecada vez mais vem sendo aceito no decurso dos Ășltimos anos.

Assim Ă© que se desenvolveu uma sociologia da educação quetem negligenciado um pouco os grandes problemas discutidospelos fundadores desta disciplina – Durkheim e Dewey – mas quese especializou no estudo das estruturas concretas. Por exemplo: oestudo da classe escolar como grupo tendo sua dinĂąmica prĂłpria(sociometria, comunicação efetiva entre mestres e discĂ­pulos etc.),o estudo do corpo docente como categoria social (recrutamento,estruturas hierĂĄrquicas, ideologia etc.) e sobretudo o estudo dapopulação estudantil: a origem social dos alunos segundo os nĂ­veisatingidos, os dĂ©bouchĂ©s, os pontos de estrangulamento, a “rendição”(Ia relĂšve), a mobilidade social nas perspectivas educativas etc.

SĂŁo estes problemas relativos Ă  população estudantil que maistĂȘm chamado a atenção e, na realidade, os mais importantes parajulgar os objetivos da instrução (p. 26).

A “economia da educação” começa a ter grandes desenvolvi-mentos: estudos dos acordos e das discordĂąncias entre os sistemaseducativos e as necessidades econĂŽmicas e “sociais” da coletividade, anatureza e magnitude dos recursos postos Ă  disposição da escola, aprodutividade do sistema, as relaçÔes entre a orientação da juventudepela escola e a evolução das formas de atividade econĂŽmica etc.

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DaĂ­ ter o conjunto desses trabalhos um interesse bastante cen-tral para a “planificação do ensino”, hoje em vigĂȘncia em quasetodos os paĂ­ses, e que consiste em elaborar projetos para os anosfuturos. Na verdade, esta planificação estĂĄ naturalmente ligada Ă determinação dos objetivos visados, e Ă© essa determinação quepoderĂĄ esclarecer em diversos graus a sociologia da educação.

Diz-se que, mais diretamente, a planificação e a fixação dosobjetivos pedagĂłgicos podem encontrar as informaçÔes necessĂĄ-rias nos trabalhos de educação comparada, como os que se tĂȘmrealizado nos Estados Unidos da AmĂ©rica (Kandel e outros), naGrĂŁ-Bretanha (Lauwerys e outros), e que vĂȘm sendo seguidos noBureau Internacional de Educação por P. Rossello, apoiando-senos informes anuais dos ministĂ©rios de instrução pĂșblica constan-tes do Annuaire international de l’Education et de l’Instruction.

Comparando notadamente as indicaçÔes quantificĂĄveis, che-ga-se a discernir certas tendĂȘncias segundo os crescimentos e dimi-nuiçÔes de um ano para outro ou certas correlaçÔes em função dainterdependĂȘncia dos problemas. Mas Ă© preciso compreender quea educação comparada sĂł tem futuro se se subordina inelutavel-mente Ă  sociologia, isto Ă©, a um estudo detalhado e sistemĂĄtico docondicionamento social dos sistemas educativos. E que todo estu-do quantitativo, em si infinitamente delicado devido Ă  falta de uni-dades de medida (donde os mĂ©todos “ordinais”, com todas asprecauçÔes que podem ser tomadas a seu respeito), sĂł tem signifi-cação ao ser subordinado Ă s anĂĄlises qualitativas, o que conduz aosgrandes problemas que se desejaria evitar (p. 27).

A pedagogia experimental

ou o estudo dos programas e dos métodos

É mais do que evidente que nada se pode dizer de fundamentadosobre o rendimento efetivo nem sobre os mĂșltiplos efeitos impre-vistos que os programas e os mĂ©todos didĂĄticos impostos pelo

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Estado ou deixados à iniciativa dos educadores poderiam ter so-bre a formação geral dos indivíduos, sem que antes se faça umestudo sistemåtico que disponha os mais ricos meios de controlejå elaborados pela estatística moderna e pelas diversas pesquisaspsicossociológicas.

HĂĄ vĂĄrias dĂ©cadas se constituiu uma disciplina especializada noestudo de tais problemas: a “pedagogia experimental”. Em umaobra com o duplo tĂ­tulo Psychologie de lÂŽenfant et pĂ©dagogie expĂ©rimentale,desde o inĂ­cio do sĂ©culo conhecida do pĂșblico atravĂ©s de numero-sas ediçÔes e inĂșmeras traduçÔes, ClaparĂšde mostrava que essapedagogia experimental nĂŁo Ă© um ramo da psicologia (exceto porintegrar no objeto dessa Ășltima todas as atividades dos mestres); eexplicava: a pedagogia experimental sĂł incide, realmente, sobre odesenvolvimento e os resultados dos processos propriamente pe-dagĂłgicos, o que nĂŁo significa, como vamos ver, que a psicologianĂŁo constitua uma referĂȘncia necessĂĄria. O que queremos dizer Ă©que os problemas colocados sĂŁo outros e consideram menos oscaracteres gerais e espontĂąneos da criança e de sua inteligĂȘncia doque sua modificação pelo processo em questĂŁo.

Por exemplo, Ă© um problema de pedagogia experimental de-cidir se a melhor maneira de aprender a ler consiste em começarpelas letras, passando em seguida Ă s palavras. E finalmente Ă s fra-ses, segundo preceitua o mĂ©todo clĂĄssico chamado “analĂ­tico”, ouse Ă© melhor proceder na ordem inversa, como recomenda o mĂ©-todo “global”, de Decroly (p. 28).

Qualquer mĂ©todo didĂĄtico ou programa de ensino cujas aplica-çÔes e cujos resultados sejam analisados pela pedagogia experimen-tal abordam os problemas de psicologia do desenvolvimento, depsicologia do ensino e de psicologia geral da inteligĂȘncia. DaĂ­ resultaque os progressos da pedagogia experimental - enquanto ciĂȘnciaindependente quanto ao seu objeto - sĂł podem estar ligados, comoem todas as ciĂȘncias, Ă s pesquisas interdisciplinares, trata-se de cons-

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truir uma verdadeira ciĂȘncia. Em outras palavras: que seja explicativae nĂŁo apenas descritiva. AliĂĄs, Ă© o que ocorre, essencialmente, noscentros de pesquisas desta nova disciplina. E o que acabamos dedizer apenas enuncia o que jĂĄ se tornou uma verdade corriqueira nodecorrer dos Ășltimos anos (p. 31).

Os progressos da psicologia da criança e do adolescente

O tomo XV da Enciclopédia Francesa inclui um capítulo es-crito, hå mais de trinta anos, no qual estudamos o que a psicologiada criança pode oferecer ao educador (...).

Se a psicologia de Wallon e a nossa terminaram por se tornarmais complementares do que antagĂŽnicas – por a sua anĂĄlise dopensamento ter enfatizado mais os aspectos figurativos, enquantoa nossa pĂŽs em evidĂȘncia os aspectos operativos (o que procureimostrar numa “Homenagem a H. Wallon”, num curto artigo, ten-do meu saudoso amigo a oportunidade de me comunicar queaprovava essa “conciliação dialĂ©tica”) – nem por isso o problemalevantado por L. Febvre deixa de subsistir em nossos dias, embo-ra jĂĄ colocados em termos renovados por um conjunto conside-rĂĄvel de fatos descobertos desde entĂŁo (p. 32).

Bastante decisivo para a escolha dos mĂ©todos de ensino, esseproblema Ă© concretamente colocado nos seguintes termos: hĂĄ ma-tĂ©ria, como a histĂłria da França ou a ortografia, cujo conteĂșdo foielaborado ou mesmo inventado pelo adulto, e cuja transmissĂŁoimplica apenas os problemas relacionados com a melhor ou apior tĂ©cnica de informação. Por outro lado, existem ramos nosquais o tipo de verdade que os caracteriza independe das ocorrĂȘn-cias mais ou menos particulares resultantes de mĂșltiplas decisĂ”esindividuais, dependendo, entretanto, de pesquisas ou descobertasno decorrer das quais a inteligĂȘncia humana se afirma com suaspropriedades de universalidade e de autonomia. Neste caso, umaverdade matemĂĄtica nĂŁo provĂ©m das contingĂȘncias da sociedade

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adulta, mas de uma construção racional acessĂ­vel a toda inteligĂȘn-cia sĂŁ; uma verdade fĂ­sica elementar Ă© verificĂĄvel por um processoexperimental que nĂŁo depende das opiniĂ”es coletivas, mas de umprocedimento racional, ao mesmo tempo indutivo e dedutivo,igualmente acessĂ­vel a essa inteligĂȘncia.

O problema, nesse caso, estĂĄ - o que ocorre para as verdadesdesse tipo - em decidir se elas sĂŁo melhor conquistadas. Por umatransmissĂŁo educativa anĂĄloga Ă quelas que tiveram algum ĂȘxito nocaso dos conhecimentos do primeiro tipo, ou se uma verdade sĂł Ă©realmente assimilada enquanto verdade na medida em que Ă©reconstruĂ­da ou redescoberta por meio de uma atividade suficiente.

Assim acontecia no ano de 1935, e este é o problema cardealda pedagogia contemporùnea. Se se deseja, como necessariamentese faz cada vez mais sentir, formar indivíduos capazes de criar e detrazer progresso à sociedade de amanhã, é claro que uma educa-ção ativa verdadeira é superior a uma educação consistente apenasem moldar os assuntos do querer pelo jå estabelecido e os dosaber pelas verdades simplesmente aceitas. Mas mesmo caso setenha por objetivo formar espíritos conformistas prontos a trilharos caminhos jå traçados das verdades adquiridas (p. 33).

A formação da inteligĂȘncia e a natureza ativa dosconhecimentos

R. M. Hutchins, em artigo recente da EnciclopĂ©dia BritĂąnica,declara que o objetivo principal do ensino Ă© desenvolver a prĂłpriainteligĂȘncia, e sobretudo aprender a desenvolvĂȘ-la “o maislongamente possĂ­vel”, isto Ă©, alĂ©m do tĂ©rmino da vida escolar.Sem dĂșvida, ninguĂ©m pode deixar de aceitar a fĂłrmula de Hutchins,de acordo com a qual os fins, confessos ou nĂŁo, assinalados Ă educação, consistem em subordinar o indivĂ­duo Ă  sociedade tal equal ela Ă©, ou em preparar uma sociedade melhor. Mas tambĂ©mfica patente que ela nĂŁo significa grande coisa enquanto nĂŁo preci-

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sar em que consiste a inteligĂȘncia, visto que se as ideias do sensocomum sobre o assunto sĂŁo tanto uniformes quanto inexatas, asdos teĂłricos variam suficientemente para inspirar as mais diver-gentes pedagogias. É, portanto, indispensĂĄvel consultar os fatospara saber o que Ă© a inteligĂȘncia, e a experiĂȘncia psicolĂłgica sĂłresponde a um tal problema ao caracterizar essa inteligĂȘncia porseu modo de formação e de desenvolvimento (p. 34).

(...)As funçÔes essenciais da inteligĂȘncia consistem em compreen-

der e inventar, em outras palavras, construir estruturas estruturandoo real. E, de fato, Ă© cada vez mais patente que estas duas funçÔessĂŁo indissolĂșveis e que, para compreender um fenĂŽmeno ou umacontecimento, Ă© preciso reconstruir as transformaçÔes de que elassĂŁo resultantes, e ainda que, para reconstituĂ­-las, faz-se mister pri-meiramente elaborar uma estrutura de transformação, o que su-pĂ”e uma parte de invenção ou de reinvenção (p. 35).

A didĂĄtica das matemĂĄticas

O ensino das matemĂĄticas sempre levantou um problema bas-tante paradoxal. Existe, de fato, certa categoria de alunos inteligen-tes e que, em outros campos, dĂŁo mesmo prova de capacidadesuperior, mas fracassam mais ou menos sistematicamente quandose trata das matemĂĄticas. Ora, estas constituem um prolongamen-to direto da prĂłpria lĂłgica, e a tal ponto que atualmente Ă© impos-sĂ­vel traçar uma fronteira estĂĄvel entre os dois campos (e isto qual-quer que seja a interpretação dada a. esta relação: identidade, cons-trução progressiva etc.). É, pois, difĂ­cil pensar que as pessoas bemdotadas na elaboração e na utilização das estruturas lĂłgico-mate-mĂĄticas espontĂąneas da inteligĂȘncia sejam carentes de qualquer van-tagem na compreensĂŁo de um ensino que incide exclusivamentesobre o que se pode tirar de tais estruturas. Ora, o fato aĂ­ estĂĄ, elevanta um problema.

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Tem-se o costume de responder de modo um pouco fĂĄcilquando se fala de aptidĂŁo para as matemĂĄticas (ou de “bossa”para usarmos um termo familiar a Gall). Mas, se o que acaba-mos de supor Ă© correto, no que se refere Ă s relaçÔes desta formade conhecimento com as estruturas operatĂłrias fundamentais dopensamento, ou esta “aptidĂŁo” ou esta “bossa” se confunde coma prĂłpria inteligĂȘncia, o que nĂŁo Ă© obrigatoriamente o caso, ou elaĂ© totalmente relativa, nĂŁo em relação Ă s matemĂĄticas por si mes-mas, mas Ă  maneira pela qual sĂŁo ensinadas. Na verdade, as estru-turas operatĂłrias da inteligĂȘncia, sendo de natureza lĂłgico-mate-mĂĄtica, nĂŁo sĂŁo conscientes enquanto estruturas no espĂ­rito dascrianças: sĂŁo as estruturas de açÔes e de operaçÔes, que dirigem,certamente, o raciocĂ­nio do sujeito, mas nĂŁo constituem um objetode reflexĂŁo por sua vez (do mesmo modo que se pode cantar semser obrigado a construir uma teoria do solfejo e mesmo sem quese saiba ler mĂșsica).

O ensino das matemĂĄticas convida, pelo contrĂĄrio, as pessoas auma reflexĂŁo sobre as estruturas, por meio de uma linguagem tĂ©cni-ca que comporta um simbolismo muito particular, e exige um graumais ou menos alto de abstração. A chamada “aptidĂŁo para as ma-temĂĄticas” pode muito bem incidir sobre a compreensĂŁo da prĂł-pria linguagem, em oposição Ă s estruturas por ela descritas, ou so-bre a velocidade de abstração enquanto se acha vinculada a um talsimbolismo e nĂŁo enquanto reflexĂŁo sobre as estruturas naturais.

Ademais, como tudo se acha incluĂ­do numa disciplina inteira-mente dedutiva, o impasse ou a incompreensĂŁo que incide sobretal ou qual elo acarreta uma dificuldade crescente na sequĂȘncia dosencadeamentos, de tal modo que o aluno desadaptado no que serefere a um ponto, nĂŁo compreende o ponto seguinte e cada vezduvida mais dele: os complexos afetivos, amiĂșde reforçados pelaspessoas que o cercam, acabam por bloquear uma iniciação quepoderia ser inteiramente diversa.

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Numa palavra: o problema central do ensino das matemĂĄticasĂ© o do ajustamento recĂ­proco das estruturas operatĂłrias espontĂą-neas, prĂłprias Ă  inteligĂȘncia, e do programa ou dos mĂ©todos rela-tivos aos domĂ­nios matemĂĄticos ensinados. No entanto, esse pro-blema alterou-se profundamente nas Ășltimas dĂ©cadas, em virtudedas transformaçÔes das prĂłprias matemĂĄticas.

Por um processo de aparĂȘncia paradoxal, mas psicologica-mente natural e muito explicĂĄvel, as estruturas mais abstratas e maisgerais das matemĂĄticas contemporĂąneas contam com a vantagemdas estruturas operatĂłrias naturais da inteligĂȘncia e do pensamentoque nĂŁo lhes eram oferecidas pelas estruturas particulares que cons-tituĂ­am o arcabouço das matemĂĄticas clĂĄssicas e do ensino (p. 51).

O ensino das lĂ­nguas antigas e o problema das humanidades

Contrariamente aos setores precedentes, as disciplinas literĂĄri-as e as humanidades deram lugar a apenas umas poucas modifica-çÔes no seu ensino. A razĂŁo disso talvez esteja no fato de quenesses ramos o conteĂșdo tem variado muito pouco, apesar dosconsiderĂĄveis progressos observados na linguĂ­stica, e de a histĂłriater ampliado sensivelmente as suas perspectivas. Mas a principalrazĂŁo, sem dĂșvida alguma, estĂĄ em outros tipos de consideraçÔes:situaçÔes adquiridas, tradiçÔes de interesses profissionais. Indepen-dentemente do problema do seu valor educativo intrĂ­nseco, sobreo qual ainda falaremos, Ă© inegĂĄvel, de fato, que as poucas discus-sĂ”es sobre o ensino das humanidades - salvo entre os“planificadores” que sonham com as orientaçÔes futuras da ins-trução pĂșblica - resultam do fato de que um nĂșmero apreciĂĄvel decarreiras liberais sĂł estĂŁo abertas aos portadores de um bacharela-do em que se incluem as letras clĂĄssicas, e de que o Estado, encon-trando-se no caso diante de situaçÔes coercitivas, nĂŁo procura le-vantar questĂ”es sem saĂ­da, sabendo existirem muitas outras paraserem estudadas.

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JĂĄ nos referimos Ă  ausĂȘncia de todo controle preciso sobre autilidade do conhecimento das lĂ­nguas antigas, por exemplo, paraos mĂ©dicos, principalmente quando se leva em conta a fragilidadedos argumentos concernentes Ă  terminologia mĂ©dica, porque umaassimilação das raĂ­zes Ășteis ou de termos sĂĄbios pode ser maisfacilmente adquirida sem necessidade de uma entrega, durante seisou oito anos, aos estudos clĂĄssicos. A este propĂłsito, e sem deforma alguma procurar cortar por via dedutiva ou por meio deargumentos de bom senso um problema para a solução do qualse necessita apenas reunir um nĂșmero suficiente de fatos devida-mente controlados, Ă© interessante assinalar o que ocorre em algunspaĂ­ses que mudaram de regime polĂ­tico: enquanto em alguns delesjĂĄ nĂŁo hĂĄ, para os mĂ©dicos, a obrigação de saber latim, essa lĂ­nguacontinua a ser adotada na PolĂŽnia, e como numerosos estudantesse apresentam nas faculdades de medicina sem possuir tal conheci-mento, instituĂ­ram-se, por exemplo, em VarsĂłvia, cursos obrigatĂł-rios de latim para os futuros mĂ©dicos. No JapĂŁo, a mesma obriga-ção depende inteiramente das universidades, enquanto na Índia elasimplesmente inexiste.

Mas os verdadeiros problemas que propÔem os estudos clåssi-cos do segundo grau são os dos objetivos a seguir e da adequaçãodos meios empregados. Sobre estes dois pontos é que tem havidovårios debates interessantes, embora somente no plano teórico.

Os objetivos sĂŁo de duas espĂ©cies: um Ă© essencial e sem dis-cussĂŁo possĂ­vel, o outro Ă© marginal e levanta toda a sorte de pro-blemas. O objetivo principal Ă© a formação do espĂ­rito histĂłrico eo conhecimento das civilizaçÔes passadas, de onde procede a nos-sa sociedade. Por isso, se as ciĂȘncias exatas e naturais e a reflexĂŁofilosĂłfica sĂŁo indispensĂĄveis ao conhecimento do universo e dohomem, hĂĄ um outro aspecto da humanidade que precisa de in-formação tĂŁo complexa quanto elas, e de um tipo diferente: asculturas e sua histĂłria. É, pois, perfeitamente legĂ­timo prever, em

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função das atitudes de cada um e dos especialistas futuros, a for-mação de um humanista cujo papel serĂĄ tĂŁo indispensĂĄvel Ă  vidasocial como o das ciĂȘncias e do conhecimento racional.

A evolução dos métodos de ensino

AtĂ© agora indicamos algumas transformaçÔes ocorridas a partirde 1935 em diferentes campos, mas permanecendo na perspectivatradicional e serena de quem nĂŁo pensa mais do que na natureza dosramos a ensinar, na compreensĂŁo intelectual dos alunos e nos valo-res permanentes da sociedade. A seguir vamos, ao contrĂĄrio, estarem presença dos trĂȘs principais acontecimentos que caracterizam assituaçÔes novas da educação ou da instrução, e que determinamtodas as espĂ©cies de opçÔes de modo, ao mesmo tempo, coercitivoe acelerado. DaĂ­ resulta que as exposiçÔes que a seguir serĂŁo lidasabandonarĂŁo, pouco a pouco, o tom da pesquisa, ganhando o danarração ou da discussĂŁo mais imediatas e concretas.

TrĂȘs acontecimentos sĂŁo: o aumento vertiginoso do nĂșmerode alunos, devido a um acesso muito mais geral Ă s diversas for-mas de ensino; a dificuldade quase correlativa de recrutamento deum pessoal docente suficientemente formado; e o conjunto dasnecessidades novas, sobretudo econĂŽmicas, tĂ©cnicas e cientĂ­ficas,das sociedades em que a instrução pĂșblica estĂĄ sendo organizada.

Estes trĂȘs fatores intervĂȘm jĂĄ de maneira notĂĄvel na escolha dosmĂ©todos gerais de ensino, e conduzem a conflitos compreensĂ­veisentre os mĂ©todos verbais tradicionais, cujo emprego Ă© mais fĂĄcil en-quanto o pessoal docente ainda nĂŁo tenha recebido uma formaçãosuficientemente avançada, enquanto os mĂ©todos ativos se tornam cadavez mais necessĂĄrios quando se visa vantajosamente formar quadrostĂ©cnicos e cientĂ­ficos, sendo que dos mĂ©todos intuitivos ou audiovisuaisse crĂȘ poder tirar os mesmos resultados que com os processos ativos,cada qual mais necessĂĄrio, e o ensino programado cujo ĂȘxito crescentefaz com que se esqueçam as questĂ”es que ele levanta (p. 67).

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Os métodos receptivos ou de transmissão pelo mestre

Parece nĂŁo ter sentido recordar os mĂ©todos tradicionais de en-sino oral num informe destinado a insistir sobre as novidadesaparecidas desde 1935. Mas o fato novo Ă© que alguns paĂ­ses “pro-gressistas”, como as repĂșblicas populares do Leste europeu, preten-dem justificar um ensino fundado essencialmente sobre a transmis-sĂŁo pelo mestre ou sobre a “lição”, aperfeiçoando o detalhe dosmĂ©todos por meio de pesquisas psicopedagĂłgicas sistemĂĄticas eavançadas. Ora, estas pesquisas colocam naturalmente em evidĂȘnciao papel dos interesses e da ação na compreensĂŁo dos alunos, e de talmodo que se produz uma espĂ©cie de conflito entre o que sugeremnos casos particulares e as linhas gerais de uma educação receptiva.E, pois, de certo interesse seguir de perto, a este propĂłsito, o desen-volvimento dos mĂ©todos nos paĂ­ses do Leste europeu.

De fato, o conflito latente que acreditamos discernir possuiuma dualidade de inspiração ideológica perfeitamente coerente noque diz respeito ao espírito adulto, mas cuja síntese cria um pro-blema no terreno da educação.

A primeira dessas inspiraçÔes tende a apresentar a vida mentalcomo o produto da combinação entre dois fatores essenciais: osfatores biolĂłgicos e a vida social. O fator orgĂąnico fornece ascondiçÔes da aprendizagem: as leis do “condicionamento” primĂĄ-rio (no sentido de Pavlov) e as do segundo sistema de sinalizaçãoou sistema de linguagem. A vida social fornece, por outro lado, oconjunto de regras prĂĄticas e os conhecimentos elaborados coleti-vamente e que se transmitem de uma geração a outra. Os fatoresbiolĂłgicos e sociais sĂŁo suficientes, neste caso, para explicar a vidamental e, assim sendo, todo apelo Ă  consciĂȘncia individual corre orisco, numa tal perspectiva, de conduzir a um individualismo ouidealismo retrĂłgrados.

Mas uma segunda inspiração proveniente da mesma fonte ideo-lógica vem, na verdade, preencher a lacuna que se podia então imagi-

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nar: Ă© o papel da ação na passagem entre o biolĂłgico e o social. Estepapel da ação (ou da prĂĄxis) foi profusamente sublinhado por K.Marx, que com razĂŁo chegava a considerar a prĂłpria percepção comouma “atividade” dos ĂłrgĂŁos dos sentidos. Este papel, por outro lado,foi constantemente confirmado pelos psicĂłlogos soviĂ©ticos, que aesse respeito tĂȘm fornecido abundantes e belos trabalhos.

Do ponto de vista dos métodos gerais de educação, subsisterealmente uma espécie de dualidade de princípios ou de conflitodialético, de acordo com o qual se insiste sobre o papel criador davida social adulta, levando a que se ponha a tÎnica sobre as trans-missÔes do mestre para o aluno, ou sobre o papel não menosconstrutivo da ação, o que leva a conceder-se uma parte essencialàs próprias atividades do escolar.

Na maioria dos casos, procura-se a sĂ­ntese, nas repĂșblicas po-pulares, em um sistema tal que o mestre dirija o aluno, mas de modoa que aja mais do que se limite a lhe dar “aulas”. Por isso, tanto alicomo em outros lugares, a lição permanece conforme as tendĂȘnciasnaturais do mestre, porque aĂ­ estĂĄ a solução mais fĂĄcil (jĂĄ que todomundo nĂŁo dispĂ”e dos lugares nem do saber daquele inspetor cana-dense que distribuĂ­a cada classe em duas salas de aula, para que -explicava - as crianças tivessem tempo de “trabalhar” e o mestrenĂŁo pudesse falar a todos em conjunto durante todo o dia de aula!).

Mas, por outro lado, a parte dada Ă  ação leva certos educa-dores soviĂ©ticos a desenvolverem, na direção das atividades, aspesquisas realizadas pelas prĂłprias crianças, como Ă© o caso, porexemplo, de Suhomlinsky e da Escola de Lipetsk. Essas atividadeslivres sĂŁo, alĂ©m disso, naturalmente multiplicadas nas instituiçÔespara escolares, como os centros de “Pioneiros” e os clubes a elesligados. Visitamos igualmente alguns internatos, por exemplo naRomĂȘnia, onde a formação profissional dĂĄ lugar a pesquisas ativasdos alunos e a felizes combinaçÔes entre o trabalho individual e otrabalho por equipes.

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Os métodos ativos

De modo algum se pode dizer que, desde 1935, uma onda deenvergadura tenha renovado os processos pedagógicos no senti-do dos métodos ativos.

A razão principal de forma alguma é de princípio, contraria-mente ao que acabamos de presenciar em certos meios do Lesteeuropeu, porque sobre o terreno teórico faz-se, cada vez menos,objeçÔes a um recurso sistemåtico à atividade dos alunos. Våriosmal-entendidos foram por sua vez dissipados, pelo menos teori-camente, dos quais os dois principais são os que se seguem.

Em primeiro lugar, acabou-se por compreender que uma es-cola ativa nĂŁo Ă© necessariamente uma escola de trabalhos manuaise que, se, em certos nĂ­veis, a atividade da criança implica uma ma-nipulação de objetos e mesmo um certo nĂșmero de tateios mate-riais, por exemplo, na medida em que as noçÔes lĂłgico-matemĂĄti-cas elementares sĂŁo tiradas, nĂŁo desses objetos, mas das açÔes dosujeito e de suas coordenaçÔes, noutros nĂ­veis a atividade maisautĂȘntica de pesquisa pode manifestar-se no plano da reflexĂŁo, daabstração mais avançada e de manipulaçÔes verbais, posto quesejam espontĂąneas e nĂŁo impostas com o risco de permaneceremparcialmente incompreendidas.

Do mesmo modo acabou-se compreendendo, no nĂ­vel do pla-no teĂłrico, que o interesse nĂŁo exclui de forma alguma o esforço.Muito pelo contrĂĄrio. É que uma educação que prepara para a vidanĂŁo consiste em substituir os esforços espontĂąneos pelos esforçosfeitos com ajuda, porque se a vida implica uma parte nĂŁo negligenciĂĄvelde trabalhos impostos ao lado de iniciativas mais livres, as disciplinasnecessĂĄrias permanecem mais eficazes quando livremente aceitas semeste acordo interior. Os mĂ©todos ativos nĂŁo levam, de forma alguma,a um individualismo anĂĄrquico, mas, principalmente quando se tratade uma combinação de trabalho individual e do trabalho por equipes,a uma educação da autodisciplina e do esforço voluntĂĄrio.

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Mas mesmo aceitando-se hoje esses pontos de vista mais doque antes, a prĂĄtica deles nĂŁo fez grandes progressos, porque osmĂ©todos ativos sĂŁo muito mais difĂ­ceis de serem empregados doque os mĂ©todos receptivos correntes. Por um lado, exigem domestre um trabalho bem mais diferenciado e bem mais ativo, en-quanto dar liçÔes Ă© menos fatigante e corresponde a uma tendĂȘn-cia muito mais natural no adulto em geral e no adulto pedagogoem particular. Por outro lado, principalmente, uma pedagogia ati-va implica uma formação muito mais consequente, e sem conhe-cimento suficiente da psicologia da criança (e, para os ramos ma-temĂĄticos e fĂ­sicos, sem um conhecimento bastante forte das ten-dĂȘncias contemporĂąneas destas disciplinas), o mestre compreendemal as condutas espontĂąneas dos alunos e nĂŁo chega a aproveitar-sedo que considera insignificante e simples perda de tempo. O dra-ma da pedagogia, como, aliĂĄs, o da medicina e de outros ramosmais que compartilham, ao mesmo tempo, da arte e da ciĂȘncia, Ă©,de fato, o de que os melhores mĂ©todos sĂŁo os mais difĂ­ceis: nĂŁo sepode utilizar um mĂ©todo socrĂĄtico sem ter adquirido, previamen-te, algumas das qualidades de SĂłcrates, a começar por certo res-peito Ă  inteligĂȘncia em formação.

Se nĂŁo Ă© de todo vaga, e se essa carĂȘncia Ă© tanto mais explicĂĄ-vel que o crescimento do nĂșmero de alunos, a penĂșria dos mestrese uma quantidade considerĂĄvel de obstĂĄculos materiais se opĂ”emĂ s melhores intençÔes, deve-se notar, no entanto, algumas iniciati-vas individuais importantes, como a de Freinet, e um constanteretorno Ă s preocupaçÔes maiores que motivam os mĂ©todos ativoslogo que as necessidades sociais impĂ”em o seu reaparecimento. JĂĄassinalamos, por exemplo, o movimento bastante amplo nos Es-tados Unidos, que levou a uma reformulação dos ensinos de ma-temĂĄticas e fĂ­sicas elementares, e que objetivou, naturalmente, arenovação dos processos “ativos”. Na sua sessĂŁo de 1959, a Con-ferĂȘncia Internacional da Instrução PĂșblica votou uma longa Re-

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comendação (nÂș 49) dirigida aos ministĂ©rios sobre “As medidasdestinadas a facilitar o recrutamento e a formação de quadrostĂ©cnicos e cientĂ­ficos”. LĂȘ-se aĂ­ (artigo 34): “A fim de aumentar,desde a escola primĂĄria, o interesse dos alunos pelos estudos tĂ©cni-cos e cientĂ­ficos, convĂ©m utilizar os mĂ©todos ativos prĂłprios paradesenvolver, entre eles, o espĂ­rito experimental” (p. 71-75).

Os métodos intuitivos

Uma das causas do atraso dos mĂ©todos ativos – e uma causaque Ă© devida Ă  formação psicolĂłgica insuficiente da maioria doseducadores – Ă© a confusĂŁo que se estabelece Ă s vezes entre essesprocessos ativos e os mĂ©todos intuitivos. Um determinado nĂșme-ro de pedagogos imagina, de fato – e o faz frequentemente commuita boa fĂ©, que estas Ășltimas se equivalem Ă s precedentes, ou,pelo menos, fornecem o essencial do benefĂ­cio que se pode tirardos mĂ©todos ativos.

HĂĄ, aliĂĄs, duas confusĂ”es distintas. A primeira, jĂĄ abordada,leva a pensar que toda “atividade” do sujeito ou da criança sereduz a açÔes concretas, o que Ă© verdadeiro para os graus elemen-tares, nĂŁo o sendo, entretanto, para os nĂ­veis superiores, nos quaiso aluno pode ser inteiramente “ativo”, no sentido de umaredescoberta pessoal das verdades a conquistar, fazendo com queessa atividade incida sobre a reflexĂŁo interior e abstrata.

A segunda confusão consiste em crer que uma atividade queincida sobre os objetos concretos se reduza a um processo figura-tivo, isto é, que forneça uma espécie de cópia fiel, em percepçÔesou em imagens mentais, aos objetos em questão. Esquece-se, des-se modo, e logo de início, que o conhecimento não då, de maneiraalguma, uma cópia figurativa da realidade, a qual consiste sempre deprocessos operativos que chegam a transformar o real, quer emaçÔes quer em pensamentos, para perceber o mecanismo dessastransformaçÔes e assimilar, assim, os acontecimentos e os objetos a

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sistemas de operaçÔes (ou estruturas de transformaçÔes). Esquece-se, por conseguinte, de que a experiĂȘncia que incide sobre os objetospode manifestar duas formas, sendo uma a lĂłgico-matemĂĄtica, queextrai os conhecimentos nĂŁo apenas dos prĂłprios objetos, mas tam-bĂ©m das açÔes como tais que modificam esses objetos. Esquece-se,por fim, de que a experiĂȘncia fĂ­sica, por sua vez, na qual o conheci-mento Ă© abstraĂ­do dos objetos, consiste em agir sobre estes paratransformĂĄ-los, para dissociar e fazer variar os fatores etc., e nĂŁopara deles extrair, simplesmente, uma cĂłpia figurativa.

Portanto, esquecendo-se de tudo isso, os métodos intuitivosconseguem simplesmente fornecer aos alunos as representaçÔesimagéticas falantes, seja dos objetos ou acontecimentos, seja doresultado das possíveis operaçÔes, mas sem conduzir a uma reali-zação efetiva daqueles. Tais métodos, aliås clåssicos, renascem semcessar das próprias cinzas e constituem, na verdade, um progressoem relação aos processos puramente verbais ou formais do ensino.

Mas de modo algum sĂŁo suficientes para desenvolver a ativi-dade operatĂłria, e Ă© por uma simples confusĂŁo dos aspectos figu-rativos e operativos do pensamento que se crĂȘ haver pago o seutributo ao ideal dos mĂ©todos ativos, concretizando as matĂ©rias deensino sob esta forma figurativa (p. 77).

A formação do pessoal do ensino primårio

TrĂȘs espĂ©cies de sistemas sĂŁo utilizados em diferentes paĂ­ses naformação dos professores primĂĄrios: as escolas normais (com ousem internato), os institutos pedagĂłgicos de tipo intermediĂĄrio, e osinstitutos universitĂĄrios ou faculdades de pedagogia. A tendĂȘncia, nodecorrer destes Ășltimos anos, tem sido nitidamente elevar o nĂ­vel des-sa preparação, e a ConferĂȘncia de Instrução PĂșblica, em sua delibera-ção de 1953, jĂĄ concluĂ­a que “a formação dos professores primĂĄri-os em um estabelecimento de nĂ­vel superior” constitui “um ideal doqual Ă© preciso aproximar-se cada vez mais” (R. 36, artigo 10).

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Os inconvenientes reprovados Ă s escolas normais sĂŁo de duasespĂ©cies. O primeiro Ă© fechar o corpo docente primĂĄrio em umvaso incomunicĂĄvel, isto Ă©, criar um corpo social fechado, legiti-mamente consciente de seus mĂ©ritos, mas exposto a uma espĂ©ciede sentimento de inferioridade coletivo e sistemĂĄtico, que Ă© manti-do pelas razĂ”es jĂĄ expostas. Em segundo lugar, o fato de fornecerno seio da prĂłpria escola normal os conhecimentos indispensĂĄveisao ensino ulterior dos professores tem como consequĂȘncia limitara cultura, quer se queira quer nĂŁo, por falta do intercĂąmbio neces-sĂĄrio com as correntes de estudos que levam a outras profissĂ”es.

Em particular a preparação psicolĂłgica, tĂŁo indispensĂĄvel aosprofessores primĂĄrios - cujo ensino Ă©, deste ponto de vista, visivel-mente mais complexo e difĂ­cil que um ensino secundĂĄrio, nĂŁo poderealizar-se eficientemente a nĂŁo ser em ligação com os nĂșcleos depesquisa universitĂĄrios, nos quais se encontram em ação os especi-alistas. SĂł se aprende realmente a psicologia infantil colaborandoem pesquisas novas e particularmente em experiĂȘncias, sem con-tentar-se com exercĂ­cios ou trabalhos prĂĄticos que sĂł se referem aresultados conhecidos; ora, os professores podem aprender a setornarem pesquisadores e a ultrapassarem o nĂ­vel de simples trans-missores. O mesmo acontece com a pedagogia experimental, elaprĂłpria convocada a se tornar a disciplina por excelĂȘncia dos pro-fessores, cuja atividade especĂ­fica atingirĂĄ um carĂĄter cientĂ­fico seeles fossem suficientemente formados: mas esta formação Ă©indissociĂĄvel de uma psicologia e de uma sociologia de alto nĂ­vel.

Os Institutos Pedagógicos de tipo intermédio tentam remedi-ar esses defeitos, prevendo uma formação em duas etapas: umageral de nível secundårio, adquirida previamente nos estabeleci-mentos comuns, e uma especializada, própria a esses Institutos.

O progresso Ă© evidente no sentido de que assim toda a ĂȘnfasepode ser colocada na preparação psicopedagĂłgica. Contudo, sub-siste o inconveniente de uma separação entre o corpo social dos

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futuros professores primårios com relação aos professores secun-dårios e, sobretudo, com o conjunto de estudantes universitåriosque se consagram a ramos em que a aquisição do saber é una coma iniciação aos métodos de pesquisa.

O simples fato de dissociar da universidade as escolas profis-sionais; onde se aprende a ensinar matĂ©rias elementares - enquantoos dentistas, os farmacĂȘuticos e muitos outros, inclusive os futurosprofessores secundĂĄrios, sĂŁo chamados a se prepararem nos ban-cos das faculdades -, parece indicar que a formação profissionaldo professor primĂĄrio Ă© de outro nĂ­vel e que se trata, precisamen-te, sem mais nem menos, de uma formação profissional um pou-co fechada por oposição Ă  iniciação nas disciplinas suscetĂ­veis derenovação e aprofundamento contĂ­nuos. O problema Ă© tanto maisreal que em vĂĄrios paĂ­ses pode-se distinguir os Institutos PedagĂł-gicos e as Escolas PedagĂłgicas, estas destinadas Ă  preparação dosprofessores de classes elementares.

Nesse sentido, convém levantar uma questão de ordem geralantes de examinar os sistemas de formação pedagógica na univer-sidade. Em nome de que critério o ensino elementar é julgadomais fåcil do que o ensino nas classes primårias superiores, e estemais fåcil do que o ensino secundårio?

A Ășnica consideração que justifica tal hierarquia Ă©, certamen-te, a das matĂ©rias a ensinar, mas consideradas somente sob oĂąngulo do nĂ­vel dos conhecimentos em si mesmos, independen-temente de sua maior ou menor facilidade de assimilação porparte dos alunos.

Dois grandes problemas prévios se colocam a seguir. O pri-meiro é o de estabelecer se, efetivamente, é mais fåcil fazer comque uma criança de sete a nove anos aprenda uma estrutura ele-mentar, suponhamos, de cålculo ou de linguagem, do que fazercom que um adolescente assimile uma estrutura mais complicada.Ora, nada prova que a segunda estrutura, do ponto de vista da

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ciĂȘncia ou do prĂłprio adulto, efetivamente mais complexa, sejamais difĂ­cil de transmitir, a nĂŁo ser pelo fato de que o adolescenteestĂĄ de fato mais prĂłximo, quanto Ă  sua organização mental, doshĂĄbitos de pensar e de falar do adulto. O segundo problema Ă© ode saber se para o prosseguimento do progresso intelectual doaluno uma boa assimilação da estrutura em jogo (em oposição auma assimilação aproximativa ou mais ou menos verbal) Ă© maisimportante quando se trata de estruturas, de um nĂ­vel superior oude um nĂ­vel elementar, estas condicionando de fato toda a vidaescolar posterior, enquanto aquelas podem dar lugar a complemen-taçÔes ou autocorreçÔes segundo o nĂ­vel do aluno.

A partir de ambas as opiniĂ”es – a dificuldade de assimilação ea importĂąncia exterior das noçÔes – Ă©, de fato, plausĂ­vel pensar, senos colocarmos em um campo psicolĂłgico e mesmo epistemolĂłgicomais do que no do senso comum administrativo, que quanto maiso aluno Ă© jovem, mais o ensino fica difĂ­cil e maiores sĂŁo asconsequĂȘncias no futuro.

Por esse motivo, uma das experiĂȘncias mais interessantes ten-tadas no campo da formação de professores foi aquela dirigidadurante anos em Edimburgo pelo grande psicĂłlogo GodfreyThomson Ă  frente da Murray House ou Departamento de Peda-gogia da Universidade: os futuros professores, uma vez instruĂ­dos(em nĂ­vel de segundo grau e nas faculdades) em relação ao conjun-to de matĂ©rias que pensavam ensinar, recebiam na Murray Houseuma formação propriamente psicolĂłgica e didĂĄtica, e sĂł no fimdessa formação pedagĂłgica especializada escolhiam o nĂ­vel esco-lar ao qual queriam ligar-se.

Em outros termos, os futuros professores primĂĄrios e secun-dĂĄrios preparavam-se juntos, nesses Ășltimos anos de iniciaçãoeducativa, sem decidir com antecedĂȘncia se pertenceriam a umaou outra dessas categorias, donde a dupla vantagem da supressĂŁodos complexos de inferioridade ou de superioridade e de uma

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preparação centrada nas necessidades do aluno mais do que nasvantagens da carreira (estas passavam a ser iguais).

NĂŁo Ă©, pois, sem razĂŁo que a ConferĂȘncia Internacional deInstrução PĂșblica, ao tratar, em sua sessĂŁo de 1954, da formaçãodo pessoal do ensino secundĂĄrio, insistiu na necessidade de umainiciação psicolĂłgica Ă  altura da preparação referente Ă s prĂłpriasdisciplinas a serem ensinadas. Ora, esta formação psicopedagĂłgicaĂ© muito mais difĂ­cil de se obter dos professores desse nĂ­vel do quedaqueles do primeiro grau, e as razĂ”es indicadas levantam, muitasvezes, uma barreira intransponĂ­vel Ă s tentativas mais bem intencio-nadas. A dificuldade reside, antes de mais nada, em que para com-preender a psicologia das funçÔes mentais do adolescente Ă© indis-pensĂĄvel dominar a totalidade do desenvolvimento, da criança Ă idade adulta, que os futuros professores secundĂĄrios começampor se desinteressar totalmente da infĂąncia, antes de perceber deque maneira a anĂĄlise do conjunto dos processos formadores es-clarece aqueles que sĂŁo prĂłprios Ă  adolescĂȘncia.

(...) No entanto, uma vez colocados os problemas de aquisi-ção de conhecimentos em termos de relaçÔes entre o sujeito e oobjetivo, isto é, em termos de interpretaçÔes empiristas, aprioristas,ou construtivistas etc., eles tornam a encontrar uma ligação comalguns dos problemas centrais de seu ramo de especialização epercebem o interesse de pesquisas cuja simples apresentação pe-dagógica os deixava insensíveis.

Quanto aos futuros professores de Letras, o estado das pesqui-sas permite menos tais contatos. Mas com o progresso das anåliseslinguísticas que se referem à evolução individual da linguagem, elasjå são promissoras, tanto do ponto de vista do próprio estrutura-lismo linguístico como das relaçÔes entre a função semiótica e opensamento.

Aqui tambĂ©m o campo de pesquisas Ă© imenso e nĂŁo resta dĂșvidade que dia virĂĄ em que as ciĂȘncias da educação, beneficiando-se de

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todas essas contribuiçÔes, criarão técnicas muito mais refinadas doque as atuais, e propiciarão por isso mesmo uma preparação maisprofunda do corpo docente, e sobretudo sua colaboração ativa naedificação sem cessar renovada, de tais disciplinas (p. 131 e 132).

Princípios de educação e dados psicológicos

A escola moderna, ao contrĂĄrio, apela para a atividade real,para o trabalho espontĂąneo baseado na necessidade e no interessepessoal. Isso nĂŁo significa, como diz muito bem ClaparĂšde que aeducação ativa exige que as crianças façam tudo o que queiram;“ela exige que eles queiram tudo o que façam; que ajam, nĂŁo quesejam manipulados” (L’éducation fonctionnelle, p.252). A necessidade,o interesse resultante da necessidade, “eis o fator que farĂĄ de umareação um ato verdadeiro”. A lei do interesse Ă©, pois, “o Ășnicoeixo em torno do qual se deve mover todo o sistema”.

Ora, tal concepção implica numa noção precisa do significadoda infùncia e de suas atividades. Porque, para repetir com Dewey eClaparÚde que o trabalho obrigatório é uma anomaliaantipsicológica e que toda atividade fecunda supÔe um interesse,expomo-nos a parecer que repetimos simplesmente o que os gran-des clåssicos tantas vezes afirmaram; por outro lado, ao oferecer àcriança a possibilidade de um trabalho pessoal duråvel, postula-mos precisamente o que se trata de demonstrar.

A infùncia é capaz dessa atividade, característica das condutas maiselevadas do próprio adulto - a procura contínua, surgida de umanecessidade espontùnea, problema central da educação moderna.

O jogo

O jogo Ă© um caso tĂ­pico das condutas negligenciadas pela es-cola tradicional, dado o fato de parecerem destituĂ­das de significa-do funcional. Para a pedagogia corrente, Ă© apenas um descanso ouo desgaste de um excedente de energia. Mas esta visĂŁo simplista

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não explica nem a importùncia que as crianças atribuem aos seusjogos e muito menos a forma constante de que se revestem osjogos infantis, simbolismo ou ficção, por exemplo.

Depois de ter estudado os jogos dos animais, Karl Grooschegou a uma concepção completamente diversa, segundo a qualo jogo Ă© um exercĂ­cio preparatĂłrio, Ăștil ao desenvolvimento fĂ­sicodo organismo. Da mesma maneira que os jogos dos animais cons-tituem o exercĂ­cio de instintos precisos, como os de combater oucaçar, tambĂ©m a criança que joga desenvolve suas percepçÔes, suainteligĂȘncia, suas tendĂȘncias Ă  experimentação, seus instintos sociaisetc. É pelo fato do jogo ser um meio tĂŁo poderoso para a apren-dizagem das crianças, que em todo lugar onde se consegue trans-formar em jogo a iniciação Ă  leitura, ao cĂĄlculo, ou Ă  ortografia,observa-se que as crianças se apaixonam por essas ocupaçÔescomumente tidas como maçantes.

(...) O jogo Ă©, portanto, sob as suas duas formas essenciais deexercĂ­cio sensĂłrio motor e de simbolismo, uma assimilação doreal Ă  atividade prĂłpria, fornecendo a esta seu alimento necessĂĄrioe transformando o real em função das necessidades mĂșltiplas do“eu”. Por isso os mĂ©todos ativos de educação das crianças exigemque se forneça Ă s crianças todo um material conveniente, a fim deque, jogando, elas cheguem a assimilar as realidades intelectuaisque, sem isso, permanecem exteriores Ă  inteligĂȘncia infantil.

Contudo, se a assimilação Ă© necessĂĄria Ă  adaptação, ela consti-tui apenas um de seus aspectos. A adaptação completa que deveser realizada pela infĂąncia consiste numa sĂ­ntese progressiva da as-similação com a acomodação. É por isso que, pela prĂłpria evoluçãointerna, os jogos das crianças se transformam pouco a pouco emconstruçÔes adaptadas, exigindo sempre mais de trabalho efetivo,a ponto de, nas classes pequenas de uma escola ativa, todas astransiçÔes espontĂąneas ocorrem entre o jogo e o trabalho. Mas,sobretudo, desde os primeiros meses de existĂȘncia, a sĂ­ntese da

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assimilação e da acomodação se realiza graças Ă  prĂłpria inteligĂȘn-cia, cuja obra unificadora aumenta com a idade, e da qual convĂ©magora destacar a atividade real, jĂĄ que nessa noção estĂĄ baseada aeducação moderna (195-197).

A inteligĂȘncia

Para a psicologia clĂĄssica, a inteligĂȘncia era concebida seja comouma faculdade dada de uma vez por todas e suscetĂ­vel de conhe-cer o real, seja como um sistema de associaçÔes mecanicamenteadquiridas sob a pressĂŁo das coisas. DaĂ­ a importĂąncia atribuĂ­dapela pedagogia antiga Ă  receptividade e Ă  organização da memĂł-ria. Atualmente, ao contrĂĄrio, a psicologia mais experimental reco-nhece a existĂȘncia de uma inteligĂȘncia que ultrapassa as associaçÔese os hĂĄbitos e atribui a essa inteligĂȘncia uma atividade verdadeira enĂŁo somente a faculdade do saber.

Para uns, tal atividade consiste em ensaios e erros, de iníciopråticos e exteriores, depois interiorizando-se sob a forma de umaconstrução mental de hipóteses e de uma pesquisa dirigida pelaspróprias representaçÔes (ClaparÚde). Para outros, ela implica umareorganização contínua do campo das percepçÔes e umaestruturação criadora (Kohler etc.).

Mas todos concordam em admitir que a inteligĂȘncia começasendo prĂĄtica ou sensĂłrio-motora, sĂł se interiorizando pouco apouco em pensamento propriamente dito, e reconhecem que suaatividade Ă© uma construção contĂ­nua.

O estudo do aparecimento da inteligĂȘncia no decorrer do pri-meiro ano parece indicar que o funcionamento intelectual nĂŁo pro-cede nem por tateamento nem por uma estruturação puramenteendĂłgena, mas por uma atividade estruturante que implica aomesmo tempo em formas elaboradas pelo sujeito e num ajusta-mento contĂ­nuo dessas formas aos dados da experiĂȘncia. Isto Ă©, ainteligĂȘncia Ă© a adaptação por excelĂȘncia, o equilĂ­brio entre a assi-

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milação contínua das coisas à atividade própria e a acomodaçãodesses esquemas assimiladores aos objetos em si mesmos.

É assim que, no plano da inteligĂȘncia prĂĄtica, a criança sĂł compre-ende os fenĂŽmenos (por exemplo, as relaçÔes espaciais, causais etc.)assimilando-os Ă  sua atividade motora, mas ela acomoda por sua vezesses esquemas de assimilação aos detalhes dos fatos exteriores. Tam-bĂ©m, os estĂĄgios inferiores do pensamento da criança mostram umaassimilação constante das coisas Ă  ação do sujeito, unida a uma aco-modação nĂŁo menos sistemĂĄtica desses esquemas Ă  experiĂȘncia.

Depois, Ă  medida que a assimilação combina melhor com aacomodação, a primeira se reduz Ă  atividade dedutiva em si mes-ma, a segunda Ă  experimentação, e a uniĂŁo das duas transforma-senessa relação indissociĂĄvel entre a dedução e a experiĂȘncia, relaçãoque caracteriza a razĂŁo.

Assim concebida, a inteligĂȘncia infantil nĂŁo poderia ser tratada,muito menos do que a inteligĂȘncia adulta, por mĂ©todos pedagĂłgi-cos de pura receptividade.

Toda inteligĂȘncia Ă© uma adaptação; toda adaptação comportauma assimilação das coisas do espĂ­rito, como tambĂ©m o processocomplementar de acomodação. Logo, qualquer trabalho de inteli-gĂȘncia repousa num interesse.

O interesse nĂŁo Ă© outra coisa, com efeito, senĂŁo o aspectodinĂąmico da assimilação. Como foi mostrado profundamente porDewey, o interesse verdadeiro surge quando o “eu” se identificacom uma ideia ou um objeto, quando encontra neles um meio deexpressĂŁo e eles se tornam um alimento necessĂĄrio Ă  sua atividade.Quando a escola ativa exige que o esforço do aluno venha delemesmo sem ser imposto, e que sua inteligĂȘncia trabalhe sem rece-ber os conhecimentos jĂĄ todos preparados de fora, ela pede sim-plesmente que sejam respeitadas as leis de toda inteligĂȘncia.

No adulto, ainda, o intelecto só pode, com efeito, funcionar e darocasião a um esforço da personalidade inteira se seu objeto estå assi-

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milado a esta em vez de ficar exterior. Com maior razĂŁo na criança, jĂĄque nela a assimilação ao eu nĂŁo Ă© de forma alguma equilibrada deinĂ­cio com a acomodação Ă s coisas e necessita de um exercĂ­cio lĂșdicoe contĂ­nuo Ă  margem da adaptação propriamente dita (p. 159-162).

A vida social da criança

A questĂŁo da influĂȘncia do meio sobre o desenvolvimento e ofato de que as reaçÔes caracterĂ­sticas dos diferentes estĂĄgios sejamsempre relativas a um certo ambiente, tanto quanto Ă  prĂłpriamaturação do espĂ­rito, nos levam a examinar, no final desta breveexposição, o problema psicopedagĂłgico das relaçÔes sociais prĂł-prias da infĂąncia. Um dos pontos sobre o qual a escola moderna ea escola tradicional se opĂ”em da maneira mais significativa.

A escola tradicional conhece apenas um tipo de relaçÔes soci-ais: a ação do professor sobre o aluno. Sem dĂșvida, as crianças deuma mesma classe constituem um verdadeiro grupo, sejam quaisforem os mĂ©todos aplicados no trabalho, e a escola sempre apro-vou a camaradagem e as regras de solidariedade e de justiça que seestabelecem numa tal sociedade.

Mas, além das horas reservadas aos esportes e ao jogo, esta vidasocial entre crianças não é utilizada na própria classe; os exercíciosfalsamente chamados de coletivos são na realidade apenas uma jus-taposição de trabalhos individuais executados no mesmo local.

A ação do professor sobre o aluno Ă©, portanto, tudo. Ora, oprofessor estando revestido de autoridade intelectual e moral, e oaluno lhe devendo obediĂȘncia, esta relação social pertence, damaneira mais tĂ­pica, ao que os sociĂłlogos chamam de pressĂŁo,ficando claro que seu carĂĄter coercitivo aparece somente no casode nĂŁo submissĂŁo e que em seu funcionamento normal esta pres-sĂŁo pode ser suave e facilmente aceita pelo aluno.

Os novos métodos de educação, por sua vez, reservaram emprincípio um lugar essencial à vida social entre crianças. Desde as

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primeiras experiĂȘncias de Dewey e Decroly, os alunos ficaram li-vres para trabalhar entre si, e colaborar na pesquisa intelectual tan-to quanto no estabelecimento de uma disciplina moral; esse traba-lho em equipes e esse self-government tornaram-se essenciais na prĂĄ-tica da escola ativa (p. 176).

Os processos de socialização

Assim, em todos os domĂ­nios, e isto Ă© ainda mais fĂĄcil deestabelecer do ponto de vista da moral que do ponto de vistaintelectual, a criança permanece egocĂȘntrica na medida em quenĂŁo estĂĄ adaptada as realidades sociais exteriores. Este egocentrismoconstitui um dos aspectos de cada uma de suas estruturas mentais.Como entĂŁo adaptar-se-ĂĄ ela Ă  vida social ou, melhor dizendo,quais sĂŁo os processos da socialização?

Aqui se destaca a originalidade dos métodos novos de educa-ção. A escola tradicional reduz toda socialização, intelectual ou moral,a um mecanismo de pressão. A escola ativa, em quase todas assuas realizaçÔes, distingue, ao contrårio, cuidadosamente, dois pro-cessos de resultados bem diferentes e que só se tornam comple-mentares com muito cuidado e tato: a pressão do adulto e a coo-peração das crianças entre si.

A pressĂŁo do adulto tem resultados tanto mais importantes quan-to responde a tendĂȘncias muito profundas da mentalidade infantil.

A criança, de fato, tem pelo adulto em geral, e inicialmente porseus pais, esse sentimento essencial, feito de uma mistura de medoe de afeição, que Ă© o respeito: ora, como mostrou P. Bovet, orespeito nĂŁo deriva nem da lei como tal, assim como pensavaKant, nem do grupo social encarnado nos indivĂ­duos, como que-ria Durkheim; ele constitui um fato especial nas relaçÔes afetivasentre a criança e os adultos que a cercam, e explica, ao mesmotempo, a obediĂȘncia da criança e a constituição das regras impera-tivas. De fato, na medida em que uma pessoa Ă© respeitada pela

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criança, as ordens e as proibiçÔes que ela dita são sentidas comoobrigatórias.

A gĂȘnese do sentimento do dever se explica assim pelo respei-to, e nĂŁo inversamente, o que basta para mostrar o significadoessencial da ação do adulto sobre a criança.

Mas se, no ponto de partida do desenvolvimento, o adulto Ă© afonte de toda moralidade e de toda verdade, esta situação nĂŁo estĂĄisenta de perigos. Do ponto de vista intelectual, por exemplo, oprestĂ­gio que ele possui aos olhos da criança faz com que estaaceite completamente acabadas as afirmaçÔes que emanam doprofessor, e que a autoridade a dispense da reflexĂŁo. Como a ati-tude egocĂȘntrica leva precisamente o espĂ­rito Ă  afirmação semcontrole, o respeito ao adulto chega muitas vezes a consolidar oegocentrismo em lugar de corrigĂ­-lo, substituindo sem mais a crençaindividual por uma crença baseada na autoridade – mas sem levara esse raciocĂ­nio e a essa discussĂŁo que constituem a razĂŁo e que sĂło apoio mĂștuo e a troca verdadeira podem desenvolver.

(...) Os métodos novos tendem todos a utilizar essas forçascoletivas em lugar de negligenciå-las ou deixå-las transformarem-se em poderes hostis.

A cooperação das crianças entre si apresenta, nesse sentido,uma importùncia tão grande quanto a ação dos adultos. Do pontode vista intelectual, é ela que estå mais apta a favorecer o intercùm-bio real do pensamento e da discussão, isto é, todas as condiçÔessuscetíveis de educarem o espírito crítico, a objetividade e a refle-xão discursiva. Do ponto de vista moral, ela chega a um exercícioreal dos princípios da conduta, e não só a uma submissão exterior.

Dizendo de outra maneira, a vida social, penetrando na classepela colaboração efetiva dos alunos e a disciplina autĂŽnoma do gru-po, implica o ideal mesmo de atividade que precedentemente des-crevemos como caracterĂ­stico da escola moderna: ela Ă© a moral emação, como o trabalho “ativo” Ă© a inteligĂȘncia em ato. Muito mais, a

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cooperação conduz a um conjunto de valores especiais tais como oda justiça baseada na igualdade e o da solidariedade “orgñnica”.

Certamente, salvo alguns casos extremos, os novos mĂ©todosde educação nĂŁo tendem a eliminar a ação social do professor,mas a conciliar com o respeito do adulto a cooperação entre ascrianças, e a reduzir, na medida do possĂ­vel, a pressĂŁo deste Ășltimopara transformĂĄ-la em cooperação superior (p. 180).

O estruturalismo15

O estruturalismo não é uma doutrina nem uma filosofia, masessencialmente um método com todas as implicaçÔes que se refe-rem ao termo assim como a tecnicidade, as obrigaçÔes, a honestida-de intelectual e, enfim, o progresso nas sucessivas aproximaçÔes.

Introdução e posição dos problemas

1. DefiniçÔes – Tem-se dito, frequentemente, que Ă© difĂ­cil caracteri-zar o estruturalismo, pois ele se revestiu de formas por demais varia-das para que possam apresentar um denominador comum, e as “es-truturas” esboçadas adquiriram significaçÔes cada vez mais diferentes.

Comparando os diversos sentidos que o estruturalismo to-mou nas ciĂȘncias contemporĂąneas e nas discussĂ”es correntes, cadavez mais em moda, parece possĂ­vel, entretanto, tentar-se uma sĂ­n-tese, mas sob a condição expressa de distinguir os dois problemas,sempre ligados de fato, ainda que independentes de direito, ouseja, o do ideal positivo que recobre a noção de estrutura nas con-quistas ou esperanças das diversas variedades de estruturalismo, eo das intençÔes crĂ­ticas que acompanharam o nascimento e o de-senvolvimento de cada uma delas, em oposição com as tendĂȘnciasreinantes nas diferentes disciplinas.

15 Textos extraídos da obra O Estruturalismo. Tradução Moacir Renato Amorim, São Paulo:

Difel, 1970.

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Entregando-se a esta dissociação, deve-se entĂŁo reconhecer queexiste um ideal comum de inteligibilidade que alcança ou investigatodos os “estruturalistas”, ao passo que suas intençÔes crĂ­ticas sĂŁo infi-nitamente variĂĄveis: para uns, como nas matemĂĄticas, o estruturalismose opĂ”e Ă  compartimentagem dos capĂ­tulos heterogĂȘneos, reencon-trando a unidade graças a isomorfismos; para outros, como nas su-cessivas geraçÔes de linguistas, o estruturalismo se distanciou sobretu-do das pesquisas diacrĂŽnicas, que se estribam em fenĂŽmenos isolados,para encontrar sistemas de conjunto em função da sincronia; em psi-cologia, o estruturalismo combatido por Jean Piaget mais tempo astendĂȘncias “atomĂ­sticas”, que procuravam reduzir as totalidades Ă sassociaçÔes entre elementos prĂ©vios; nas discussĂ”es correntes vĂȘ-se oestruturalismo queixar-se do historicismo, do funcionalismo e, Ă s ve-zes, de todas as formas de recurso ao sujeito humano em geral.

É evidente, portanto, que, se se procura definir o estruturalismoem oposição a outras atitudes e insistindo sobre aquelas que pĂŽdecombater, nĂŁo se encontrarĂĄ senĂŁo diversidade e contradiçÔes liga-das a todas as peripĂ©cias da histĂłria das ciĂȘncias ou das ideias.

Em compensação, centrando-se sobre os caracteres positivosda ideia de estrutura, encontram-se, pelo menos, dois aspectoscomuns a todos os estruturalismos: de uma parte, um ideal ouesperanças de inteligibilidade intrínseca, fundadas sobre o postula-do de que uma estrutura se basta a si própria e não requer, para serapreendida, o recurso a todas as espécies de elementos estranhos àsua natureza; por outro lado, realizaçÔes, na medida em que sechegou a atingir efetivamente certas estruturas e em que sua utiliza-ção evidencia alguns caracteres gerais e aparentemente necessåriosque elas apresentam, apesar de suas variedades.

Em uma primeira aproximação, uma estrutura é um sistemade transformaçÔes que comporta leis enquanto sistema (por opo-sição às propriedades dos elementos) e que se conserva ou se en-riquece pelo próprio jogo de suas transformaçÔes, sem que estas

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conduzam para fora de suas fronteiras ou façam apelo a elemen-tos exteriores. Em resumo, uma estrutura compreende os caracteresde totalidade, de transformaçÔes e de autorregulação.

Em uma segunda aproximação, mas pode tratar-se de umafase bem ulterior e também sucedendo imediatamente à desco-berta da estrutura, esta deve poder dar lugar a uma formalização.Contudo, é preciso deixar claro que essa formalização é obra doteórico, ao passo que a estrutura é independente dele, e pode tra-duzir-se imediatamente em equaçÔes lógico-matemåticas ou pas-sar pelo intermediårio de um modelo cibernético.

Existem, portanto, diferentes graus possĂ­veis de formalização,dependentes das decisĂ”es do teĂłrico, ao passo que o modo deexistĂȘncia da estrutura que ele descobre deve ser determinado emcada domĂ­nio particular de pesquisa.

A noção de transformação nos permite, primeiramente, deli-mitar o problema, porque se fosse preciso englobar na ideia deestrutura todos os formalismos, em todos os sentidos do tempo,o estruturalismo recobriria, de fato, todas as teorias filosĂłficas nĂŁoestritamente empiristas que recorrem a formas ou a essĂȘncias, dePlatĂŁo a Husserl, passando, sobretudo, por Kant, e mesmo certasvariedades de empirismo como o “positivismo lĂłgico”, que fazapelo a formas sintĂĄticas e semĂąnticas para explicar a lĂłgica.

Ora, no sentido definido hĂĄ pouco, a prĂłpria lĂłgica nĂŁo com-porta sempre “estruturas”, enquanto estruturas de conjunto e detransformaçÔes: ela permaneceu, em mĂșltiplos aspectos, tributĂĄriade um atomismo bastante resistente e o estruturalismo lĂłgico estĂĄapenas em seu inĂ­cio.

Limitar-nos-emos, portanto, neste pequeno trabalho, aos es-truturalismos prĂłprios Ă s diferentes ciĂȘncias, o que jĂĄ Ă© uma em-presa bastante arriscada, e tambĂ©m, para terminar, a alguns movi-mentos filosĂłficos inspirados em diversos graus pelos estrutura-lismos procedentes das ciĂȘncias humanas.

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De início, todavia, convém comentar um pouco a definiçãoproposta e esclarecer porque uma noção aparentemente tão abstra-ta como um sistema de transformaçÔes, fechado sobre si mesmo,pode fazer nascer, em todos os domínios, tão grandes esperanças.

2. A totalidade – O carĂĄter de totalidade prĂłprio Ă s estrutu-ras Ă© evidente, uma vez que a Ășnica posição sobre a qual todos osestruturalistas estĂŁo de acordo Ă© aquela das estruturas e dos agre-gados ou compostos a partir de elementos independentes do todo.

Uma estrutura Ă©, por certo, formada de elementos, mas estesestĂŁo subordinados Ă s leis que caracterizam o sistema como tal; e essasleis, ditas de composição, nĂŁo se reduzem a associaçÔes cumulativas,mas conferem ao todo, enquanto tal, propriedades de conjunto distin-tas daquelas que pertencem aos elementos. Por exemplo, os nĂșmerosinteiros nĂŁo existem isoladamente e nĂŁo se os descobriu em uma or-dem qualquer para os reunir, em seguida, em um todo: eles nĂŁo semanifestam senĂŁo em função da prĂłpria sequĂȘncia dos nĂșmeros, eesta apresenta propriedades estruturais de “grupos”, “corpos”, “anĂ©is”etc., bem distintas das que pertencem a cada nĂșmero que, por seulado, pode ser par ou Ă­mpar, primo ou divisĂ­vel por n > 1 etc.

Porém, esse caråter de totalidade levanta de fato muitos proble-mas, dos quais conservaremos os dois principais, um relativo à suanatureza e o outro ao seu modo de formação ou de pré-formação.

Seria falso crer que em todos os domínios as atitudes episte-mológicas se reduzem a uma alternativa: ou o reconhecimento detotalidades com suas leis estruturais ou uma composição atomísticaa partir de elementos.

Quer se trate de estruturas perceptivas ou Gestalt, de totalida-des sociais, classes sociais ou sociedades inteiras etc., constata-seque às pressuposiçÔes associacionistas para a percepção ou indivi-dualistas para a sociologia etc., opuseram-se, na história das ideias,duas espécies de concepçÔes, das quais apenas a segunda parececonforme ao espírito do estruturalismo contemporùneo.

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A primeira consiste em se contentar em inverter a tentativaque parecia natural aos espĂ­ritos querendo proceder do simplesao complexo, em colocar, sem mais, as totalidades desde o inĂ­-cio, segundo uma espĂ©cie de “emergĂȘncia”, considerada comouma lei da natureza.

Quando Auguste Comte queria explicar o homem pela humani-dade e nĂŁo mais a humanidade pelo homem, quando Durkheim con-siderava o todo social como emergindo da reuniĂŁo de indivĂ­duoscomo as molĂ©culas da reuniĂŁo dos ĂĄtomos, ou quando os gestaltistasacreditavam prevenir nas percepçÔes primĂĄrias uma totalidade imedi-ata, comparĂĄvel aos efeitos de campo no eletromagnetismo, tinham,sem dĂșvida o mĂ©rito de nos lembrar que um todo Ă© outra coisa alĂ©mde uma simples soma de elementos prĂ©vios, mas, considerando otodo como anterior aos elementos ou contemporĂąneos de seus con-tatos, simplificavam sua tarefa com o risco de deixar escapar os pro-blemas centrais da natureza das leis de composição.

Ora, além dos esquemas de associação atomística e os de tota-lidades emergentes, existe uma terceira posição, que é a das estrutu-ras operatórias: é aquela que adota desde o início uma atitude relacional,segundo a qual o que conta não é nem o elemento nem um todo seimpondo como tal, sem que se possa precisar como, e sim as rela-çÔes entre os elementos ou, em outras palavras os procedimentosou processos de composição (segundo se fale de operaçÔes intenci-onais ou de realidades objetivas), não sendo o todo senão a resultan-te dessas relaçÔes ou composiçÔes, cujas leis são as do sistema.

Mas surge então um segundo problema, muito mais grave,que é em verdade o problema central de todo estruturalismo: sãoas totalidades por composição sempre compostas, mas como oupor quem, ou estiveram antes de tudo (e estão sempre) em vias decomposição? Em outras palavras, comportam as estruturas umaformação ou não conhecem senão uma pré-formação mais oumenos eterna?

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Entre as gĂȘneses sem estrutura que supĂ”e a associaçãoatomĂ­stica, e Ă s quais o empirismo nos habituou, e as totalidadesou formas sem gĂȘnese que arriscam assim, sem cessar, a reunir-seao terreno transcendental das essĂȘncias, das ideias platĂŽnicas oudas formas a priori, o estruturalismo Ă© chamado a escolher ou aencontrar soluçÔes de superação.

Ora, Ă© naturalmente sobre esse ponto que as opiniĂ”es maisdivergem, atĂ© Ă quelas segundo as quais o problema da estrutura eda gĂȘnese nĂŁo poderia se colocar, sendo a primeira intemporalpor natureza (como se isso nĂŁo fosse uma escolha, e precisamenteno sentido da prĂ©-formação).

De fato, este problema, que a prĂłpria noção de totalidade jĂĄlevanta, se determina a partir do momento em que se leva a sĂ©rioa segunda caracterĂ­stica das “estruturas”, no sentido contemporĂą-neo do termo, e que Ă© a de ser um sistema de “transformaçÔes” enĂŁo uma “forma” estĂĄtica qualquer.

3. As transformaçÔes – Se o caracterĂ­stico das totalidades estru-turadas Ă© depender de suas leis de composição, elas sĂŁo, por-tanto, estruturantes por natureza e essa constante dualidade ou,mais precisamente, bipolaridade de propriedades de serem sem-pre e simultaneamente estruturantes e estruturadas, Ă© que expli-ca, em primeiro lugar, o sucesso dessa noção que, como a de“ordem” em Cournot (caso particular, aliĂĄs, das estruturas ma-temĂĄticas atuais), assegura sua inteligibilidade atravĂ©s de seu prĂł-prio exercĂ­cio. Ora, uma atividade estruturante nĂŁo pode consistirsenĂŁo em um sistema de transformaçÔes.

Esta condição limitativa pode parecer surpreendente se nosreferimos aos inícios saussurianos do estruturalismo linguístico (aliás,Saussure falava apenas em “sistema” e para caracterizar as leis deoposição e de equilíbrio sincrînicos) ou às primeiras formas doestruturalismo psicológico, uma vez que uma Gestalt caracterizaformas perceptivas em geral estáticas.

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Ora, nĂŁo apenas Ă© preciso julgar uma corrente de ideias emsua orientação, e nĂŁo exclusivamente em suas origens, mas tam-bĂ©m desde estes inĂ­cios linguĂ­sticos e psicolĂłgicos vĂȘem-se des-pontar as ideias de transformaçÔes.

O sistema sincrĂŽnico da lĂ­ngua nĂŁo Ă© imĂłvel: repele ou aceitaas inovaçÔes em função das necessidades determinadas pelas opo-siçÔes ou ligaçÔes do sistema e, sem que se tenha assistido de im-proviso ao nascimento de “gramĂĄticas transformacionais”, no sen-tido de Chomsky, a concepção saussuriana de um equilĂ­brio decerto modo dinĂąmico prolongou-se rapidamente na estilĂ­stica deBally, que jĂĄ se estriba em transformaçÔes em um sentido restritode variaçÔes individuais.

Quanto Ă s Gestalts psicolĂłgicas, seus autores falaram desde oinĂ­cio em leis de “organização”, que transformam o dado sensori-al, e as concepçÔes probabilĂ­sticas, que presentemente podem serinquietantes, acentuam esse aspecto transformador da percepção.

De fato, todas as estruturas conhecidas, dos “grupos matemĂĄti-cos” mais elementares Ă s que regulam os parentescos etc., sĂŁo siste-mas de transformaçÔes; contudo, estes podem ser quer intemporais(porque 1 + 1 “fazem” imediatamente 2, e 3 “sucede” a 2 semintervalo de duração), quer temporais (porque casar leva tempo) ese nĂŁo comportassem tais transformaçÔes, confundir-se-iam comformas estĂĄticas quaisquer e perderiam todo o interesse explicativo.

Mas coloca-se entĂŁo, inevitavelmente, o problema da fontedessas transformaçÔes, logo, de suas relaçÔes com uma “forma-ção”, simplesmente. Sem dĂșvida, Ă© preciso distinguir, numa estru-tura, seus elementos, que sĂŁo submetidos a tais transformaçÔes, eas leis prĂłprias que regem estas Ășltimas: tais leis podem ser entĂŁofacilmente concebidas como imutĂĄveis e, mesmo em estruturalis-mos nĂŁo estritamente formais (no sentido das ciĂȘncias daformalização), encontram-se excelentes espĂ­ritos pouco inclinadosĂ  psicogĂȘnese para, de um salto, pularem da estabilidade das re-

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gras da transformação a seu inatismo: Ă© o caso, por exemplo, deNoam Chomsky, para o qual as gramĂĄticas geradoras parecemrequerer a exigĂȘncia de leis sintĂĄticas inatas, como se a estabilidadenĂŁo pudesse se explicar atravĂ©s de processos obrigatĂłrios deequilibração, e como se o retorno Ă  biologia, que a hipĂłtese de uminatismo supĂ”e, nĂŁo levantasse problemas de formação tĂŁo com-plexos como os de uma psicogĂȘnese.

Todavia, a esperança implĂ­cita de todos os estruturalismosanti-histĂłricos ou antigenĂ©ticos Ă© colocar definitivamente as estru-turas sobre fundamentos intemporais, tais como os dos sistemaslĂłgico-matemĂĄticos (e o inatismo de Chomsky se acompanha, aeste respeito, de uma redução de suas sintaxes a uma estruturaformal de “monoide”).

Contudo, se queremos nos entregar a uma teoria geral dasestruturas, que nĂŁo pode estar, entĂŁo, senĂŁo conforme Ă s exigĂȘnci-as de uma epistemologia interdisciplinar, Ă© quase impossĂ­vel, salvoa se exilar incontinente no empĂ­reo dos transcendentalismos, nĂŁose perguntar, em presença de um sistema de transformaçÔesintemporais como um “grupo” ou como a rede do “conjunto daspartes”, como se os obtĂ©m.

Pode-se, entĂŁo, sempre proceder por decretos, como osaxiomĂĄticos, mas, do ponto de vista epistemolĂłgico, Ă© esta umaforma elegante de pilhagem que consiste em explorar o trabalhoanterior de uma classe laboriosa de construtores, em lugar de cons-truir por si prĂłprio os materiais de partida.

O outro mĂ©todo, epistemologicamente menos exposto Ă s aliena-çÔes cognitivas, Ă© o da genealogia das estruturas, que a distinçãointroduzida por Goedel entre a maior ou menor “força” ou “fraque-za” das estruturas, impĂ”e: nesse caso, um problema central nĂŁo podemais ser evitado, ou seja, o problema, nĂŁo ainda da histĂłria nem dapsicogĂȘnese, mas pelo menos o da construção das estruturas e dasrelaçÔes indissociĂĄveis entre o estruturalismo e o construtivismo.

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4. A autorregulação – A terceira caracterĂ­stica fundamental dasestruturas Ă© de se regularem elas prĂłprias, essa autorregulação acar-retando sua conservação e um certo fechamento.

Começando por estas duas resultantes, elas significam que astransformaçÔes inerentes a uma estrutura não conduzem para forade suas fronteiras e não engendram senão elementos que perten-cem sempre à estrutura e que conservam suas leis.

Assim Ă© que, adicionando um ao outro ou subtraindo um dooutro, dois nĂșmeros inteiros absolutamente quaisquer, obtĂȘm-sesempre nĂșmeros inteiros, os quais confirmam as leis do “grupoaditivo” desses nĂșmeros. É nesse sentido que a estrutura se fechapor si mesma, mas este fechamento nĂŁo significa absolutamenteque a estrutura considerada nĂŁo possa entrar, a tĂ­tulo de subes-trutura, em uma estrutura mais ampla.

Contudo, esta modificação das fronteiras gerais não anula asprimeiras: não hå anexação e sim confederação e as leis desubestrutura não são alteradas e sim conservadas, de maneira talque a mudança interposta é um enriquecimento.

Esses caracteres de conservação com estabilidade das frontei-ras, apesar da construção indefinida de novos elementos, supĂ”em,por conseguinte, uma autorregulação das estruturas e essa propri-edade essencial reforça, sem dĂșvida alguma, a importĂąncia da no-ção e as esperanças que suscita em todos os domĂ­nios porque,quando se consegue reduzir um certo campo de conhecimentos auma estrutura autorreguladora, tem-se a impressĂŁo de se entrar naposse do motor Ă­ntimo do sistema.

Essa autorregulação se efetua, aliås, segundo procedimentosou processos diversos, o que introduz a consideração de uma or-dem de complexibilidade crescente e reconduz, por conseguinte,às questÔes de construção e, definitivamente, de formação.

No cume da escala (mas acerca desse termo, podem haverdivergĂȘncias e uns falarĂŁo em base de uma pirĂąmide ali onde ve-

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mos um “cume”), a autorregulação procede por operaçÔes bemreguladas, essas regras nĂŁo sendo outras senĂŁo as leis de totalidadeda estrutura considerada.

Poder-se-ia dizer então que é fazer equívocos voluntårios falarem autorregulação, uma vez que se pensa ou nas leis da estrutura, eé evidente que elas a regulem, ou então no matemåtico ou nológico que opera e é novamente evidente que, se se encontra emestado normal, regula corretamente seus atos.

Contudo, se suas operaçÔes sĂŁo bem reguladas e se as leis daestrutura sĂŁo leis de transformação, portanto de carĂĄter operatĂł-rio, resta perguntar o que Ă© uma operação na perspectiva estrutu-ral. Ora, do ponto de vista cibernĂ©tico (da ciĂȘncia da regulação,portanto) ela Ă© uma regulação “perfeita”: isso significa que nĂŁo selimita a corrigir os erros em vista do resultado dos atos, e sim queconstitui deles uma prĂ©-correção graças aos meios internos de con-trole, tais como a reversibilidade (por exemplo + n – n = 0), fontedo princĂ­pio de contradição (se + n – n = 0, entĂŁo n = n).

Por outro lado, existe a imensa categoria das estruturas nĂŁo estrita-mente lĂłgicas ou matemĂĄticas, isto Ă©, cujas transformaçÔes se desen-rolam no tempo: linguĂ­sticas, sociolĂłgicas, psicolĂłgicas etc., e Ă© evi-dente entĂŁo que sua regulação supĂ”e de fato, nesse caso, regulaçÔes nosentido cibernĂ©tico do termo, fundadas nĂŁo em operaçÔes estritas,ou seja, inteiramente reversĂ­veis (por inversĂŁo ou reciprocidades), esim sobre um jogo de antecipaçÔes e retroaçÔes (feedbacks), cujodomĂ­nio de aplicação cobre a vida inteira (desde as regulaçÔes fisio-lĂłgicas e a homeostase do genoma ou do “pool genĂ©tico”).

Enfim, as regulaçÔes, no sentido habitual do termo, parecemproceder de mecanismos estruturais ainda mais simples, aos quaisĂ© impossĂ­vel recusar o direito de acesso ao domĂ­nio das “estrutu-ras” em geral: sĂŁo os mecanismos de ritmos, que se encontram emtodas as escalas biolĂłgicas e humanas.

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Ora, o ritmo assegura sua autorregulação; pelos meios maiselementares, fundados sobre as simetrias e as repetiçÔes.

Ritmos, regulaçÔes e operaçÔes, tais sĂŁo, portanto, os trĂȘs pro-cessos essenciais da autorregulação ou da autoconservação dasestruturas: cada um Ă© livre de ver aĂ­ as etapas da construção “real”destas estruturas, ou de inverter a ordem, colocando na base osmecanismos operatĂłrios sob uma forma intemporal e quase pla-tĂŽnica, dela extraindo todo o resto.

Fundou-se mesmo, apĂłs alguns anos, toda uma disciplina es-pecializada, com suas tĂ©cnicas matemĂĄticas assim como experi-mentais, consagrada Ă  ciĂȘncia dos ritmos e periodicidades biolĂłgi-cas (ritmos circundiĂĄrios*, isto Ă©, de aproximadamente 24 horas,que sĂŁo extraordinariamente gerais etc.) (p. 95-100).

Se a história do estruturalismo científico jå é longa, a lição a setirar é que ele não poderia, de fato, ser uma doutrina nem umafilosofia, pois teria sido bem depressa ultrapassado. Trata-se, pois,de um método, com as particularidades que esse termo implica, ecapaz de receber novos e posteriores contornos.

Do mesmo modo, qualquer que seja o espĂ­rito indefinidamenteaberto sobre novos problemas, que as ciĂȘncias devem conservar,nĂŁo se pode senĂŁo estar inquieto ao ver a moda apoderar-se deum modelo para lhe dar rĂ©plicas debilitadas ou deformadas. SerĂĄnecessĂĄrio, portanto, um certo recuo para poder permitir ao estru-turalismo autĂȘntico, isto Ă©, metĂłdico, julgar tudo o que se terĂĄ ditoe feito em seu nome.

Isto posto, a conclusĂŁo essencial que se desprende de nossossucessivos exames Ă© que o estudo das estruturas nĂŁo poderia serexclusivo e nĂŁo suprime, notadamente nas ciĂȘncias do homem eda vida em geral, nenhuma das outras dimensĂ”es da pesquisa.

* Tradução que forjamos, para o termo francĂȘs circadiaires, partindo da locução latina

circum/diem, isto Ă©, em torno do dia. (N.T.)

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Bem ao contrårio, esse estudo tende a integrå-los, e da manei-ra pela qual se fazem todas as integraçÔes no pensamento científi-co: pelo modo da reciprocidade e das interaçÔes. Em toda parteem que constatamos um certo exclusivismo em posiçÔes estrutu-ralistas particulares, os capítulos seguintes ou precedentes nos mos-traram que os modelos dos quais nos servimos para justificar essaslimitaçÔes ou endurecimentos estavam evoluindo precisamente emum sentido contrårio àquele que se lhes atribuía.

(...) A segunda de nossas conclusĂ”es gerais Ă© que, por seu prĂł-prio espĂ­rito, a pesquisa das estruturas sĂł pode desembocar em co-ordenaçÔes interdisciplinares. A razĂŁo bem simples disso Ă© que, que-rendo falar de estruturas em um domĂ­nio artificialmente restrito,como o Ă© sempre uma ciĂȘncia particular, Ă©-se levado, bem depressa,a nĂŁo mais saber onde situar o “ser” da estrutura, pois, por defini-ção, ela jamais se confunde com o sistema das relaçÔes observĂĄveis,as Ășnicas bem delimitadas na ciĂȘncia considerada. Por exemplo, LĂ©vi-Strauss situa suas estruturas em um sistema de esquemas conceituaisa meio caminho das infraestruturas e das prĂĄticas ou ideologias cons-cientes, e isso porque “a etnologia Ă© primeiramente uma psicologia”.

No que tem muita razĂŁo, uma vez que o estudo psicogenĂ©ticoda inteligĂȘncia mostra, igualmente, que a consciĂȘncia do sujeito in-dividual nĂŁo contĂ©m, de modo algum, os mecanismos de ondetira sua atividade e que o comportamento implica, ao contrĂĄrio, aexistĂȘncia de “estruturas” que dĂŁo conta, sozinhas, de sua inteligi-bilidade e, alĂ©m disso, sĂŁo as mesmas estruturas de grupo, de rede,de “agrupamento” etc.

Contudo, se nos perguntassem onde situamos essas estruturas,responderĂ­amos, transpondo o propĂłsito de LĂ©vi-Strauss: a meiocaminho entre o sistema nervoso e o prĂłprio comportamentoconsciente, “porque a psicologia Ă© primeiramente uma biologia”.

E poder-se-ia continuar, talvez; mas como as ciĂȘncias formamum cĂ­rculo e nĂŁo uma sĂ©rie linear, descer da biologia Ă  fĂ­sica signi-

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fica remontar, em seguida, desta Ă s matemĂĄticas e, finalmente, vol-tar... ao homem, digamos, para nĂŁo decidir entre seu organismo eseu espĂ­rito.

Prosseguindo nossas conclusĂ”es, existe uma, com efeito, quenos parece se impor com a evidĂȘncia que um exame comparativopode fornecer: as “estruturas” nĂŁo destruĂ­ram o homem e nem asatividades do sujeito. Certamente, Ă© preciso estar de acordo, poisos equĂ­vocos sobre aquilo que se deve chamar “sujeito” foramacumulados por certas tradiçÔes filosĂłficas.

Em primeiro lugar, convĂ©m distinguir o sujeito individual,que nĂŁo intervĂ©m em nada aqui, e o sujeito epistemolĂłgico ounĂșcleo cognitivo comum a todos os sujeitos de mesmo nĂ­vel. Emsegundo lugar, Ă© preciso opor Ă  tomada de consciĂȘncia, semprefragmentĂĄria e frequentemente deformadora, aquilo que o sujeitoconsegue fazer em suas atividades intelectuais, das quais conheceos resultados e nĂŁo o mecanismo.

PorĂ©m, se se dissocia, assim, o sujeito do “eu” e do “vivido”,restam suas operaçÔes, isto Ă©, o que ele tira, por abstração reflexi-va, das coordenaçÔes gerais de suas açÔes: ora, essas operaçÔessĂŁo precisamente os elementos constitutivos das estruturas que eleutiliza. Sustentar, entĂŁo, que o sujeito desapareceu para dar lugar aoimpessoal e ao geral seria esquecer que, no plano dos conhecimen-tos (como, talvez, dos valores morais ou estĂ©ticos etc.), a atividadedo sujeito supĂ”e uma contĂ­nua descentralização que o liberta deseu egocentrismo intelectual espontĂąneo em proveito, nĂŁo precisa-mente de um universal jĂĄ pronto e exterior a ele, mas de um pro-cesso ininterrupto de coordenaçÔes e de reciprocidades: ora, Ă©esse prĂłprio processo que Ă© gerador das estruturas em sua cons-trução ou reconstrução permanentes.

Em resumo, o sujeito existe porque, de maneira geral, o “ser”das estruturas Ă© sua estruturação. A justificação dessa afirmação Ă©fornecida pela seguinte conclusĂŁo, tirada igualmente da compara-

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ção de diferentes domínios: não existe estrutura sem uma constru-ção, ou abstrata ou genética. Todavia, como se viu, essas duas es-pécies de construçÔes não são tão afastadas como se costuma crer.

(...) Desta maneira, a construção abstrata nĂŁo Ă© senĂŁo o avessoformalizado de uma gĂȘnese, porque a gĂȘnese tambĂ©m procedepor abstraçÔes reflexivas, mas começando a partir de degrausmenos elevados. Certamente, em domĂ­nios em que os dados ge-nĂ©ticos sĂŁo desconhecidos e, por assim dizer, perdidos, como emetnologia, Ă© natural que se sorria perante a sorte adversa e que seajeite em considerar a gĂȘnese como inĂștil.

Contudo, nos domĂ­nios em que a gĂȘnese se impĂ”e Ă  observa-ção cotidiana, como em psicologia da inteligĂȘncia, percebe-se, defato, que entre gĂȘnese e estruturas existe interdependĂȘncia necessĂĄ-ria: a gĂȘnese nĂŁo Ă© senĂŁo a passagem de uma estrutura a outra, masuma passagem formadora que conduz do mais fraco ao mais for-te, e a estrutura nĂŁo Ă© senĂŁo um sistema de transformaçÔes, cujasraĂ­zes, porĂ©m, sĂŁo operatĂłrias e resultam, portanto, de uma for-mação prĂ©via dos instrumentos adequados.

(...) Em suma, o estruturalismo é um método e não uma dou-trina, ou, na medida em que se torna doutrinal, conduz a umamultiplicidade de doutrinas. Enquanto método não pode senãoser limitado em suas aplicaçÔes, o que significa que, se é conduzidopor sua própria fecundidade a entrar em conexÔes com todos osoutros métodos, supÔe outros e não contradiz em nada as pesqui-sas genéticas ou funcionais que, ao contrårio, vem reforçar comseus potentes instrumentos em todas as zonas limítrofes nas quaiso contato se impÔe.

Enquanto método é, por outro lado, aberto, o que significaque recebe no curso de suas trocas talvez não tanto quanto då,uma vez que é o recém-chegado ainda rico de imprevistos, masum conjunto importante de dados a integrar e de novos proble-mas a resolver (pp. 112-117).

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A formação do símbolo na criança

A imitação não assenta numa técnica instintiva ou hereditåria,como afirmam alguns autores, a exemplo de M. P. Guillaume. Aocontrårio, a criança aprende a imitar e essa aquisição suscita, tantoquanto as demais, todos os problemas relativos à construção sen-sório-motora e mental.

Esta conclusĂŁo continuaria sendo vĂĄlida mesmo que a tendĂȘn-cia para imitar comportasse um componente transmitido por he-reditariedade, visto que uma coisa Ă© uma tendĂȘncia e outra coisamuito diversa Ă© a tĂ©cnica que lhe permite desenvolver-se.

Iremos ainda mais longe e consideraremos a imitação prĂ©-verbal da criança uma das manifestaçÔes da sua inteligĂȘncia. Aoacompanharmos, passo a passo, a formação da imitação duranteos dois primeiros anos, somos impressionados, com efeito, pelaatividade propriamente dita que ela manifesta; durante esse perĂ­o-do, a imitação nada tem de “automĂĄtica” ou de “involuntĂĄria” (naacepção de nĂŁo intencional) mas, pelo contrĂĄrio, denuncia bemdepressa a existĂȘncia de coordenaçÔes inteligentes, tanto na apren-dizagem dos meios que emprega como nos seus prĂłprios fins.

AlĂ©m disso, existe uma conexĂŁo estreita, como veremos, entreas fases da imitação e as seis fases que distinguimos, anteriormente,no desenvolvimento da inteligĂȘncia sensĂłrio-motora, a tal pontoque nos serviremos desse mesmo quadro para descrever os fatoscuja anĂĄlise empreenderemos em seguida.

Ora, sendo esse o caso, Ă© possĂ­vel conceber desde jĂĄ a inter-pretação seguinte. A inteligĂȘncia sensĂłrio-motora pareceu-nos sero desenvolvimento de uma atividade assimiladora tendente a in-corporar os objetos exteriores aos seus esquemas, ao mesmo tem-po em que acomoda estes Ășltimos Ă queles. Na medida em que Ă©procurado um equilĂ­brio estĂĄvel entre a assimilação e a acomoda-ção, pode-se falar, pois, de adaptação propriamente inteligente.

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Mas, na medida em que os objetos exteriores modificam osesquemas de ação do sujeito, sem que este, por seu turno, utilizediretamente esses objetos ou, por outras palavras, na medida emque a acomodação predomina sobre a assimilação, a atividade sedesenrola no sentido da imitação: esta constituiria, assim, o simplesprolongamento dos movimentos de acomodação e compreen-der-se-ia o seu Ă­ntimo parentesco com o ato de inteligĂȘncia de queela apenas constituiria, portanto, um aspecto diferenciado ou umaparcela momentaneamente destacada. Inversamente, veremos emseguida que, quando a assimilação sobrepuja a acomodação, a ati-vidade do sujeito se orienta, por isso mesmo, no sentido do jogo,que todos os intermediĂĄrios ligam Ă  adaptação inteligente e queconstitui, assim, a recĂ­proca da imitação.

Enfim, compreende-se desde o início em que é que o problemada imitação conduz ao da representação: na medida em que estaconstitui uma imagem do objeto (o que certamente é, nada maissendo do que isso), deverå ser então concebida como uma espéciede imitação interiorizada, quer dizer, um prolongamento da aco-modação. Quanto ao simbolismo da imaginação, nenhuma dificul-dade existe em compreender como se apoia no do jogo. Portanto, énecessårio acompanhar, passo a passo, os progressos da imitação,depois os do jogo, para chegarmos, num dado momento, aos me-canismos formativos da representação simbólica (p. 14).

As trĂȘs primeiras fases: ausĂȘncia de imitação, imitaçãoesporĂĄdica e inĂ­cios de imitação sistemĂĄtica

Em que nĂ­vel do desenvolvimento devemos fixar o inĂ­cio daimitação? As variaçÔes dos autores a tal respeito mostram bem asdificuldades de uma separação nĂ­tida entre a imitação propria-mente representativa e suas mĂșltiplas formas preparatĂłrias(ecoquinĂ©sia etc.). Wallon chega ao ponto de afirmar que “a imita-ção nĂŁo sobrevĂ©m antes da segunda metade do segundo ano”,

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opinião admissível na hipótese de uma evolução mental por plata-formas sucessivas, mas supÔe, assim, a resolução antecipada doproblema no sentido de uma oposição absoluta entre o represen-tativo e o sensório-motor.

Na realidade, mesmo que se chegasse, sem arbitrariedade, aentrosar as diversas fases da vida mental com as camadas neurolĂł-gicas bem distintas (o que constitui uma tarefa muito legĂ­tima, masa respeito da qual a histĂłria das teorias psicofisiolĂłgicas nos acon-selha alguma prudĂȘncia), subsistiria sempre que Ă  descontinuidaderelativa das estruturas correspondesse uma certa continuidade fun-cional, de modo que cada uma dentre elas prepararia as seguintes,utilizando, ao mesmo tempo, as precedentes.

NĂŁo Ă© absolutamente uma explicação o fato de se constatar ofuncionamento sucessivo de aparelhos psiconeurolĂłgicos sobre-postos, mesmo indicando com exatidĂŁo como cada um integra osprecedentes. A esse ponto de vista, natural para o clĂ­nico, o psicĂł-logo desejoso de aproveitar os ensinamentos da embriologia ex-perimental sĂł pode opor o de uma sonolĂȘncia, sem o dormirpropriamente dito, quando um dos outros bebĂȘs começa gritan-do; nĂŁo tarda que ele nĂŁo chore tambĂ©m.

Pode-se interpretar essas observaçÔes banais de duas manei-ras, embora nenhuma delas nos pareça autorizar ainda a falarmosde imitação. Em primeiro lugar, é possível que o choro dos seusvizinhos desperte simplesmente o recém-nascido e o excite desa-gradavelmente, sem que ele estabeleça uma relação entre os sonsouvidos e os seus próprios, ao passo que um assobio ou um gritodeixam-no indiferente.

PorĂ©m, pode ser tambĂ©m que o choro se engendre pela suaprĂłpria repetição, graças a uma espĂ©cie de “exercĂ­cio reflexo” anĂĄ-logo ao que notamos a propĂłsito da sucção, mas com reforço dafonação por intermĂ©dio do ouvido (da audição dos sons emitidosem virtude dessa mesma fonação). Neste segundo caso, os gritos

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dos outros bebĂȘs reforçariam o reflexo vocal por confusĂŁo comos sons prĂłprios.

Num caso e no outro, vĂȘ-se que nĂŁo hĂĄ imitação, portanto, massimples deflagrar do reflexo por um excitante externo. Aconteceque, se os mecanismos reflexos nĂŁo engendram, assim, imitação al-guma, o seu funcionamento implica, entretanto, certos processosque tornarĂŁo possĂ­vel a imitação no decurso das fases seguintes. Namedida em que o reflexo conduz a repetiçÔes, as quais perduramalĂ©m da excitação inicial (cf. a sucção em seco etc.), Ă© porque seexerce por assimilação funcional e esse exercĂ­cio, sem constituir ain-da uma aquisição em função da experiĂȘncia exterior, torna-la-ĂĄ pos-sĂ­vel com os primeiros condicionamentos. A transição opera-se deum modo tĂŁo insensĂ­vel que Ă© muito difĂ­cil saber se se trata de uminĂ­cio de condicionamento ou nĂŁo.

Mas, se a segunda das duas interpretaçÔes for a boa, quer di-zer, se o choro escutado reforçar o choro prĂłprio por confusĂŁoou indiferenciação, entĂŁo vĂȘ-se despontar o momento em que oexercĂ­cio reflexo darĂĄ lugar a uma assimilação reprodutora porincorporação de elementos exteriores ao prĂłprio esquema refle-xo: nesse caso, as primeiras imitaçÔes serĂŁo possĂ­veis (p. 15).

Em resumo, a imitação adquire-se por uma constante assimila-ção dos modelos a esquemas suscetĂ­veis de se lhes acomodarem.Entretanto, isso nĂŁo quer dizer que se deva rejeitar inteiramente opapel que Guillaume atribui Ă  transferĂȘncia associativa. O Ășnico de-feito da sua explicação Ă© ser esta excessivamente exclusiva: se nĂŁoexplica totalmente a gĂȘnese da imitação, elucida muitĂ­ssimo bem asua automatização. Desde o começo das condutas imitativas, hĂĄ quaseque uma espĂ©cie de vontade de conquista que se subestima ao que-rer reduzĂ­-la aos moldes da transferĂȘncia. Mas assim que a imitaçãotriunfa e a sua tĂ©cnica atinge a perfeição, ela automatiza-se e, entĂŁo,os resultados a atingir sobrepujam os movimentos que aĂ­ condu-zem, ajustando-se estes Ășltimos aos fins por associaçÔes imediatas.

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Assim, no caso da imitação, como em todos os outros, sem dĂșvida,a transferĂȘncia associativa Ă© apenas um mecanismo derivado queaparece durante as fases secundĂĄrias do ato, e nĂŁo um mecanismoprimĂĄrio suscetĂ­vel de explicar a prĂłpria formação das condutas.

Procuremos, pois, para concluir, fazer um resumo dos resul-tados a que fomos conduzidos pelo conjunto das anĂĄlises prece-dentes. A atividade sensĂłrio-motora Ă©, antes de mais, assimiladora,isto Ă©, no caso das impressĂ”es que o assaltam, o recĂ©m-nascidoprocura, sobretudo, conservar e reencontrar aquelas que acompa-nham o funcionamento dos seus ĂłrgĂŁos. Esse esforço de repeti-ção constitui os “esquemas”, ou seja, as totalidades simultanea-mente motoras e perceptivas que se alimentam, pois, por assimila-ção ao mesmo tempo reprodutora e recognitiva. A esses esque-mas, no começo simplesmente reflexos (fase I), sĂŁo incorporados,em seguida, inĂșmeros elementos exteriores, numa sĂ©rie infinita; aassimilação torna-se, desse modo, generalizadora.

Mas essa exploração jamais termina: as realidades encontradasretornam sempre repletas de uma multidão de cambiantes ou de no-vos elementos, que é possível negligenciar no princípio, assimilando omåximo de eventos aos esquemas habituais, mas que, em longoprazo, fazem desmoronar os moldes precedentes. Logo, toda aconduta se torna bipolar: assimilação aos esquemas antigos e aco-modação desses esquemas às novas condiçÔes. A assimilação man-tém a sua função primordial de conservar e de fixar pelo exercícioo que interessa à atividade do sujeito.

Quando surge, porĂ©m, durante essa busca, uma realidade se-melhante Ă  que Ă© procurada, mas suficientemente distinta para ne-cessitar um esforço especial de acomodação, o esquema assim di-ferenciado tende, entĂŁo, para reter a novidade como tal. É essadiversificação progressiva dos esquemas por assimilação e aco-modação combinadas que caracteriza as reaçÔes circulares prĂłpri-as das fases II e III. Mas, nesses nĂ­veis, a assimilação e a acomoda-

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ção, embora orientadas em sentidos inversos, nĂŁo sĂŁo ativamentediferenciadas; quer dizer, se uma tende a conservar e a outra con-siste em modificar os esquemas, essa modificação ainda Ă© impostapelas realidades assimiladas e nĂŁo procurada intencionalmente. Épor isso que, nas citadas fases, a imitação, que prolonga a acomo-dação, reduz-se sempre a uma reprodução dos modelos conheci-dos, confundindo-se a imitação de outros com essa imitação de simesmo que constitui, de fato, a reação circular.

A partir da fase IV, a assimilação torna-se mediata, ou seja, osesquemas, assimilando-se reciprocamente, conseguem coordenar-sede tal modo que uns servem de meios a outros que assimilam oobjetivo. Assim, a inteligĂȘncia manifesta-se na forma de subordi-naçÔes de meios a fins, e de aplicaçÔes de meios conhecidos Ă snovas situaçÔes. Logo, graças ao prĂłprio jogo dessa assimilaçãorecĂ­proca dos esquemas e das acomodaçÔes que ela impĂ”e, o uni-verso assimilĂĄvel enriquece-se cada vez mais, ampliando cada con-quista o domĂ­nio a conquistar ainda.

É neste nĂ­vel que a assimilação e a acomodação diferenciam-seativamente, tornando-se a primeira tanto mais mĂłvel quanto maioro seu raio de ação, e culminando a segunda numa “exploração”das mĂșltiplas particularidades concretas que resistem a essa incor-poração geral aos esquemas do sujeito. É entĂŁo, e sĂł entĂŁo, que seconstitui essa função especĂ­fica da imitação que Ă© a reproduçãodos novos modelos (incluindo aqueles que sĂŁo conhecidos, mas,indiretamente, isto Ă©, que correspondem aos movimentos invisĂ­-veis do corpo do prĂłprio sujeito). AtĂ© aqui, com efeito, a imitaçãotendia a reproduzir os modelos assimilĂĄveis Ă  atividade prĂłpria,acomodando-a Ă queles. Ora, o sujeito, nĂŁo podendo assimilar ouniverso inteiro Ă  sua atividade, Ă© quem, doravante, em virtude domesmo princĂ­pio de equilĂ­brio, mas invertendo os termos do pro-blema, passa a identificar-se com os novos modelos, graças a essaacomodação dos esquemas, agora ativa e diferenciada. Assim, a

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imitação propriamente dita surge como um prolongamento daacomodação dos esquemas assimiladores, o que ela é desde o prin-cípio, mas o que passa especificamente a ser com a diferenciaçãoativa da fase IV. Durante a fase V, a imitação do novo sistematiza-se em virtude dos progressos da acomodação no sentido da ex-perimentação ativa e, no decurso da fase VI, atinge mesmo o nívelda imitação diferida por interiorização das acomodaçÔes.

A imitação vem assim inserir-se, e Ă© esta a nossa conclusĂŁoessencial, no quadro geral das adaptaçÔes sensĂłrio-motoras quecaracterizam a construção da prĂłpria inteligĂȘncia. Como vimos atodo o momento, a adaptação inteligente Ă© constituĂ­da por umequilĂ­brio entre a acomodação e a assimilação: sem esta, a acomo-dação nĂŁo forneceria possibilidade alguma de coordenação nemde compreensĂŁo. Mas, sem aquela, uma assimilação pura defor-maria o objeto em função do sujeito.

A inteligĂȘncia sensĂłrio-motora Ă©, pois, incessantemente, aco-modação do esquema antigo ao novo objeto e, ao mesmo tempo,assimilação deste Ă quele. Mas a acomodação Ă© essencialmente ins-tĂĄvel e vicariante, pois constitui apenas, de fato, o “negativo” dascaracterĂ­sticas objetivas que impedem a assimilação integral do realĂ  atividade do sujeito: constantemente Ă  mercĂȘ das circunstĂąnciasnovas que quebram os moldes da assimilação, ela sĂł atinge o equi-lĂ­brio na condição de receber das coisas uma sĂ©rie de “positivos”,isto Ă©, de cĂłpias estĂĄveis ou de reproduçÔes, anunciadoras da re-presentação propriamente dita. É nisso que consiste a imitação,cuja função parece se construir como um conjunto de “positivos”correspondentes, prolongando-os, aos “negativos” que caracteri-zam a acomodação, e permitir, a cada nova tiragem, novasreconstituiçÔes e antecipaçÔes. Finalmente, Ă© nisso que consiste aimagem mental ou representação simbĂłlica (...).

Compreende-se, assim, a “tĂ©cnica” da imitação e por quemotivo ela acompanha, passo a passo, os progressos da prĂłpria

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inteligĂȘncia, desenvolvendo-lhe simplesmente os mecanismosacomodadores.

A partir da fase II é que vemos o processo se esboçar emfunção da construção dos primeiros esquemas adquiridos. Umbom exemplo é o de L. que, para perceber os meus movimentosde cabeça, tem de acompanhå-los com o olhar e com a sua pró-pria cabeça, e que, quando eu paro, prossegue com os seus movi-mentos por uma espécie de prolongamento imitativo.

É nesse sentido que Delacroix tem razĂŁo quando vĂȘ na imita-ção a continuação dos movimentos descritivos prĂłprios da per-cepção. E, ao mesmo tempo, esse exemplo mostra-nos por queum movimento nĂŁo estĂĄ “associado” a uma percepção, mas Ă© ine-rente ao prĂłprio esquema perceptivo: a teoria da forma demons-trou, com efeito, como os fatores de simetria do campo visualacarretam a produção de um movimento, quando um objeto fi-xado pelo olhar se desloca do centro para a periferia (...), dessemodo, uma assimetria. Mas, a partir da fase III, esses esquemaselementares jĂĄ nĂŁo bastam para explicar a acomodação imitativa enovos elementos devem ser-lhes incorporados.

Assim Ă© que, com a coordenação da visĂŁo e da preensĂŁo, no-vos esquemas se formam, os quais nĂŁo resultam da “associação”dos esquemas perceptivos anteriores com os movimentos atĂ© en-tĂŁo independentes deles, mas da assimilação mĂștua das duas espĂ©-cies de esquemas, constituindo destarte uma nova totalidade: Ă© aacomodação dessa totalidade aos modelos que lhe sĂŁo assimilĂĄveis,que dĂĄ origem Ă  imitação motora dessa fase IV.

Quanto Ă  imitação das fases IV a VI, vimos em que Ă© que elaacompanha os progressos da inteligĂȘncia para que seja necessĂĄrioreverter ao assunto. Em todos os nĂ­veis ela constitui, pois, o pro-longamento da acomodação dos esquemas da inteligĂȘncia sensĂł-rio-motora, da percepção e do hĂĄbito Ă s coordenaçÔesinteriorizadas (p. 110).

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O simbolismo secundĂĄrio, o sonho e o simbolismo inconsciente

Se o jogo de ficção Ă© a manifestação mais importante na crian-ça do “pensamento simbĂłlico”, no sentido estrito do termo, elenĂŁo o exaure de modo algum e, para completar nossa pesquisasobre a gĂȘnese do sĂ­mbolo e da imagem mental, convĂ©m natural-mente examinar ainda as questĂ”es do sĂ­mbolo dito “inconsciente”,isto Ă©, do sonho infantil, assim como de uma certa forma de sim-bolismo lĂșdico, menos consciente do que o das ficçÔes comuns,ao qual chamaremos de “simbolismo secundĂĄrio”.

Sendo considerĂĄveis esses problemas, pois levantam toda adiscussĂŁo da “psicanĂĄlise”, seria preciso um volume separado paratratĂĄ-los de modo bastante amplo. Contentar-nos-emos, portan-to, com algumas indicaçÔes, apenas suficientes para atingir o obje-tivo teĂłrico que Ă© o nosso nesta obra, e começaremos pela ques-tĂŁo dos sĂ­mbolos secundĂĄrios do jogo, a tĂ­tulo de transição entre oque precede e o problema dos sĂ­mbolos “inconscientes”.

O jogo simbĂłlico, com efeito, levanta a questĂŁo do “pensamentosimbĂłlico” em geral, por oposição ao pensamento racional, do qual oinstrumento Ă© o signo. Um signo, tal como o concebem os linguistasda escola saussuriana, Ă© um significante “arbitrĂĄrio”, ligado a seu sig-nificado por uma convenção social e nĂŁo por um elo de semelhança.Assim sĂŁo a palavra, ou signo verbal, e o sĂ­mbolo matemĂĄtico (que,portanto, nada tem de sĂ­mbolo na terminologia que fazemos nossaaqui). Social e, consequentemente, suscetĂ­vel tanto de generalizaçãoquanto de abstração em relação Ă  experiĂȘncia individual, o sistemados signos permite a formação do pensamento racional.

O sĂ­mbolo, segundo a mesma escola linguĂ­stica, Ă©, pelo con-trĂĄrio, um significante “motivado”, ou seja, que testemunha umasemelhança qualquer com o seu significado. Uma metĂĄfora, porexemplo, Ă© um sĂ­mbolo, porque entre a imagem empregada e oobjeto ao qual ela se refere existe uma conexĂŁo, nĂŁo imposta porconvenção social, mas sentida diretamente pelo pensamento indi-

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vidual. TambĂ©m o sĂ­mbolo servirĂĄ menos Ă  expressĂŁo dos pensa-mentos impessoais, da “linguagem intelectual”, que Ă  dos senti-mentos e experiĂȘncias vividas e concretas, que Ă  “linguagem afetiva”.

Ora, por um reencontro interessante, o sentido da palavra “sĂ­m-bolo”, do qual a linguĂ­stica saussuriana definiu o alcance, acontececoincidir com aquele do qual se serviram as diferentes escolas ditas“psicanalĂ­ticas”: uma imagem que comporta uma significação aomesmo tempo distinta de seu conteĂșdo imediato e tal que existeuma semelhança mais ou menos direta entre o significante e osignificado. Mas ao sĂ­mbolo consciente, isto Ă©, do qual a significa-ção Ă© transparente para o prĂłprio sujeito (por exemplo, o desenhosimbĂłlico do qual se servirĂĄ um jornal para enganar a censuragovernamental), Freud acrescentou o sĂ­mbolo inconsciente, isto Ă©,de significação oculta para o prĂłprio sujeito. Como disseram ospsicanalistas ingleses, existem entĂŁo duas espĂ©cies de sĂ­mbolos: as“metĂĄforas” e as “criptĂłforas”. Sob o nome de “pensamento sim-bĂłlico”, Freud, Jung e muitos outros descreveram entĂŁo uma for-ma de pensamento independente dos signos verbais e opostamesmo, por sua estrutura e funcionamento, ao pensamento racio-nal que utiliza os signos. Ademais, Ă© um pensamento do qual sesublinhou a natureza individual e mesmo Ă­ntima, por oposição aopensamento socializado, porque ele se manifesta sobretudo nosonho e no devaneio, em que hĂĄ a noção de “autismo”. Suas raĂ­zes,por fim, seriam essencialmente “inconscientes”.

Mas a prĂłpria existĂȘncia do jogo de imaginação ou de ficção,que tem um papel capital no pensamento da criança, mostra que opensamento simbĂłlico ultrapassa o “in consciente” e Ă© por issoque chamamos de “jogo simbĂłlico” essa forma de atividade lĂșdica.Sem dĂșvida existem no domĂ­nio do jogo infantil manifestaçÔes deum simbolismo mais oculto, revelando no sujeito preocupaçÔesque, Ă s vezes, ele prĂłprio ignora. Toda uma tĂ©cnica de psicanĂĄlisedo jogo foi mesmo elaborada pelos especialistas da psicanĂĄlise

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(Klein, Anna Freud, Löwenfeld etc.), a qual se funda no estudodesses sĂ­mbolos lĂșdicos “inconscientes”. Mas o problema Ă© saberse existe uma linha de demarcação nĂ­tida entre o simbolismo cons-ciente da criança e esse simbolismo oculto (pp. 218 e 219).

Mas, admitido isso, o problema do pensamento simbĂłlico “in-consciente” sĂł se torna mais interessante para o nosso propĂłsito. HĂĄlongo tempo jĂĄ apresentamos, ao Congresso Internacional de Psica-nĂĄlise de Berlim (1922), um pequeno estudo, no qual Freud mos-trou-se interessado, sobre “O pensamento simbĂłlico e o pensamen-to da criança”,’ no qual procuramos demonstrar que o pensamentointeiro da criança, enquanto sincrĂ©tico e prĂ©-lĂłgico, apresenta analo-gias com o pensamento simbĂłlico “inconsciente” e surge mesmocomo intermediĂĄrio entre este Ășltimo e o pensamento nacional. Uni-camente, de tal parentesco, pode-se tirar dois tipos de filiação.

Ao começo, poderia ser o sonho ou o grande “caos do incons-ciente”, donde emergiria o pensamento da criança e, depois, porintermediação deste, o pensamento lĂłgico. Ou entĂŁo, ao contrĂĄrio,o pensamento consciente da criança seria o fato primeiro, de inĂ­ciosob as espĂ©cies da atividade e da inteligĂȘncia sensĂłrio-motoras, de-pois, de uma forma de pensamento semissocializada mas ainda prĂ©-conceptual e por imagens, da qual as atividades intuitivas superioresengendrariam por fim, com a ajuda da vida social, as operaçÔes darazĂŁo; Ă  margem deste desenvolvimento (e na medida em que aacomodação leva vantagem sobre a assimilação ou o inverso) esbo-çar-se-iam entĂŁo a imitação, a imagem simples etc., ou entĂŁo, emsentido inverso, o jogo e o sonho, do qual o pĂłlo extremo seria osimbolismo “inconsciente” (pp. 220 e 221).

A epistemologia genética

Aproveitei, com prazer, a oportunidade de escrever sobreepistemologia genética, de modo a poder insistir na noção bempouco admitida correntemente, mas que parece confirmada por

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nossos trabalhos coletivos neste domínio: o conhecimento não po-deria ser concebido como algo predeterminado nas estruturas inter-nas do indivíduo, pois que estas resultam de uma construção efetivae contínua, nem nos caracteres preexistentes do objeto, pois queestes só são conhecidos graças à mediação necessåria dessas estrutu-ras; e estas estruturas os enriquecem e enquadram (pelo menos situ-ando-os no conjunto dos possíveis).

Em outras palavras, todo conhecimento comporta um aspec-to de elaboração nova, e o grande problema da epistemologia Ă© ode conciliar esta criação de novidades com o duplo fato de que,no terreno formal, elas se acompanham de necessidade tĂŁo logoelaboradas e de que, no plano do real, elas permitem (e sĂŁo mes-mo as Ășnicas a permitir) a conquista da objetividade.

Este problema da construção de estruturas nĂŁo prĂ©-formadas Ă©,de fato, jĂĄ antigo, embora a maioria dos epistemologistas permane-çam amarrados a hipĂłte-ses, sejam aprioristas (atĂ© mesmo com certosrecuos ao inatismo), sejam empiristas, que subordinam o conheci-mento a formas situadas de antemĂŁo no indivĂ­duo ou no objeto.Todas as correntes dialĂ©ticas insistem na ideia de novidades e procu-ram o segredo delas em “ultrapassagens” que transcenderiam inces-santemente o jogo das teses e das antĂ­teses. No domĂ­nio da histĂłria dopensamento cientĂ­fico, o problema das mudanças de perspectiva emesmo das “revoluçÔes” nos “paradigmas” (Kuhn) se impĂ”e neces-sariamente, e L. Brunschvicg extraiu dele uma epistemologia do vir-a-ser radical da razĂŁo. Adstrito Ă s fronteiras mais especificamentepsicolĂłgicas, J. M. Baldwim forneceu, sob o nome de “lĂłgica genĂ©-tica”, pareceres penetrantes sobre a elaboração das estruturascognitivas. Poderiam ser citadas ainda diversas outras tentativas.

Mas se a epistemologia genĂ©tica voltou de novo Ă  questĂŁo, Ă©com o duplo intuito de constituir um mĂ©todo capaz de ofereceros controles e, sobretudo, de retornar Ă s fontes, portanto, Ă  gĂȘnesemesma dos conhecimentos de que a epistemologia tradicional ape-

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nas conhece os estados superiores, isto é, certas resultantes. O quese propÔe a epistemologia genética é pois pÎr a descoberto asraízes das diversas variedades de conhecimento, desde as suas for-mas mais elementares, e seguir sua evolução até os níveis seguintes,até, inclusive, o pensamento científico.

(...) Em poucas palavras se encontrarĂĄ nestas pĂĄginas a exposi-ção de uma epistemologia que Ă© naturalista sem ser positivista, quepĂ”e em evidĂȘncia a atividade do sujeito sem ser idealista, que seapoia tambĂ©m no objeto sem deixar de considerĂĄ-lo como umlimite (existente, portanto, independentemente de nĂłs, mas jamaiscompletamente atingido) e que, sobretudo, vĂȘ no conhecimentouma elaboração contĂ­nua: Ă© este Ășltimo aspecto da epistemologiagenĂ©tica que suscita mais problemas e sĂŁo estes que se pretendeequacionar bem assim como discutir exaustivamente.

A formação dos conhecimentos (psicogĂȘnese)

A vantagem que um estudo da evolução dos conhecimentosdesde suas raĂ­zes apresenta (embora, no momento, sem referĂȘnciasaos antecedentes biolĂłgicos) Ă© oferecer uma resposta Ă  questĂŁo malsolucionada do sentido das tentativas cognitivas iniciais. A se restrin-gir Ă s posiçÔes clĂĄssicas do problema, nĂŁo se pode, com efeito, se-nĂŁo indagar se toda informação cognitiva emana dos objetos e vemde fora informar o sujeito, como o supunha o empirismo tradicio-nal, ou se, pelo contrĂĄrio, o sujeito estĂĄ desde o inĂ­cio munido deestruturas endĂłgenas que ele imporia aos objetos, conforme as di-versas variedades de apriorismo ou de inatismo.

NĂŁo obstante, mesmo a multiplicar os matizes entre as posi-çÔes extremas (e a histĂłria das ideias mostrou o nĂșmero dessascombinaçÔes possĂ­veis), o postulado comum das epistemologiasconhecidas Ă© supor que existem em todos os nĂ­veis um sujeitoconhecedor de seus poderes em graus diversos (mesmo que elesse reduzam Ă  mera percepção dos objetos), objetos existentes

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como tais aos olhos do sujeito (mesmo que eles se reduzam a“fenĂŽmenos”, e, sobretudo, instrumentos de modificação ou deconquista (percepçÔes ou conceitos), determinantes do trajeto queconduz do sujeito aos objetos, ou o inverso.

Ora, as primeiras liçÔes da anĂĄlise psicogenĂ©tica parecem con-tradizer essas pressuposiçÔes. De uma parte, o conhecimento nĂŁoprocede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de si mes-mo nem de objetos jĂĄ constituĂ­dos (do ponto de vista do sujeito)que a ele se imporiam. O conhecimento resultaria de interaçÔes quese produzem a meio caminho entre os dois, dependendo, portanto,dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrĂȘncia de uma indiferenciaçãocompleta e nĂŁo de intercĂąmbio entre formas distintas. De outro lado,e, por conseguinte, se nĂŁo hĂĄ, no inĂ­cio, nem sujeito, no sentidoepistemolĂłgico do termo, nem objetos concebidos como tais, nem,sobretudo, instrumentos invariantes de troca, o problema inicial doconhecimento serĂĄ pois o de elaborar tais mediadores.

A partir da zona de contato entre o corpo próprio e as coisas, elesse empenharão então sempre mais adiante nas duas direçÔes comple-mentares do exterior e do interior, e é desta dupla construção pro-gressiva que depende a elaboração solidåria do sujeito e dos objetos.

Com efeito, o instrumento de troca inicial nĂŁo Ă© a percepção,como os racionalistas demasiado facilmente admitiram do empirismo,mas, antes, a prĂłpria ação em sua plasticidade muito maior. Sem dĂș-vida, as percepçÔes desempenham um papel essencial, mas elas de-pendem em parte da ação em seu conjunto, e certos mecanismosperceptivos que se poderiam acreditar inatos ou muito primitivos(como o “efeito tĂșnel” de Michotte) sĂł se constituem a certo nĂ­vel daconstrução dos objetos. De modo geral, toda percepção chega a con-ferir significaçÔes relativas Ă  ação aos elementos percebidos (J. Brunerfala, nesse sentido, de “identificaçÔes”, cf. Estudos, vol. VI, cap. I), e Ă©pois da ação que convĂ©m partir.

(...)

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Os nĂ­veis sensĂłrio-motores

No que diz respeito Ă s açÔes sensĂłrio-motrizes, J. M. Baldwinmostrou, hĂĄ muito, que o lactente nĂŁo manifesta qualquer Ă­ndice deuma consciĂȘncia de seu “eu”, nem de uma fronteira estĂĄvel entredados do mundo interior e do universo externo, “adualismo” esteque dura atĂ© o momento em que a construção desse “eu” se tornapossĂ­vel em correspondĂȘncia e em oposição com o dos outros. Denossa parte, fizemos notar que o universo primitivo nĂŁo comporta-ria objetos permanentes atĂ© uma Ă©poca coincidente com o interessepela pessoa dos outros, sendo os primeiros objetos dotados depermanĂȘncia constituĂ­dos precisamente dessas personagens (resulta-dos verificados com minĂșcia por Th. Gouin-DĂ©carie, em um estu-do sobre a permanĂȘncia dos objetos materiais e sobre seusincronismo com as “relaçÔes objetais”, neste sentido freudiano dointeresse por outrem).

Em uma estrutura de realidade que nĂŁo comporte nem sujei-tos nem objetos, evidentemente o Ășnico liame possĂ­vel entre o quese tornarĂĄ mais tarde um sujeito e objetos Ă© constituĂ­do por açÔes,mas açÔes de um tipo peculiar, cuja significação epistemolĂłgicaparece esclarecedora.

(...) Desde antes da formação da linguagem, da qual certasescolas, como o positivismo lĂłgico, exageraram a importĂąncia quan-to Ă  estruturação dos conhecimentos, vĂȘ-se que estes se constituemno plano da prĂłpria ação com suas bipolaridades lĂłgico-matemĂĄ-tica e fĂ­sica, logo que, graças Ă s coordenaçÔes nascentes entre asaçÔes, o sujeito e os objetos começam a se diferenciar ao afinarseus instrumentos de intercĂąmbio. Mas estes permanecem aindade natureza material, porque constituĂ­dos de açÔes, e uma longaevolução serĂĄ necessĂĄria atĂ© sua subjetivação em operaçÔes.

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O primeiro nível do pensamento pré-operatório

Desde as açÔes elementares iniciais, nĂŁo coordenadas entre si enĂŁo suficientes para assegurar uma diferenciação estĂĄvel entre su-jeito e objetos, Ă s coordenaçÔes com diferenciaçÔes, realizou-seum grande progresso que basta para garantir a existĂȘncia dos pri-meiros instrumentos de interação cognitiva. Mas estes estĂŁo situa-dos ainda num Ășnico e mesmo plano: o da ação efetiva e atual, istoĂ©, nĂŁo refletida num sistema conceptualizado.

Os esquemas de inteligĂȘncia sensĂłrio-motora nĂŁo sĂŁo, comefeito, ainda conceitos, pelo fato de que nĂŁo podem ser manipula-dos por um pensamento, e que sĂł entram em jogo no momentode sua utilização prĂĄtica e material, sem qualquer conhecimento desua existĂȘncia enquanto esquemas, Ă  falta de aparelhos semiĂłticospara os designar e permitir sua tomada de consciĂȘncia.

Com a linguagem, o jogo simbĂłlico, a imagem mental etc., asituação muda, por outro lado, de modo notĂĄvel: Ă s açÔes simplesque garantem as interdependĂȘncias diretas entre o sujeito e os ob-jetos se superpĂ”e em certos casos um novo tipo de açÔes, que Ă©interiorizado e mais precisamente conceitualizado: por exemplo,com mais capacidade de se deslocar de A para B, o sujeito adquireo poder de representar a si mesmo esse movimento AB e de evo-car pelo pensamento outros deslocamentos.

a) O primeiro nĂ­vel do estĂĄgio das operaçÔes “concretas”A idade de sete a oito anos em mĂ©dia assinala um fato decisivo na

elaboração dos instrumentos de conhecimento: as açÔes interiorizadasou conceitualizadas com as quais o sujeito tinha atĂ© aqui de se conten-tar, adquirem o lugar de operaçÔes enquanto transformaçÔes reversĂ­-veis, que modificam certas variĂĄveis e conservam as outras a tĂ­tulo deinvariantes. Esta novidade fundamental Ă© devida uma vez mais aoprogresso das coordenaçÔes, vindo as operaçÔes se constituir em sis-temas de conjunto ou “estruturas”, suscetĂ­veis de se fecharem e por

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este fato assegurando a necessidade das composiçÔes que elas com-portam, graças ao jogo das transformaçÔes diretas e inversas.

O problema que se apresenta Ă© entĂŁo o de explicar esta novi-dade que, ao mesmo tempo que apresenta uma alteração qualitati-va essencial, portanto uma diferença de natureza em relação aoque precede, nĂŁo pode constituir um começo absoluto, e deveresultar, aliĂĄs, de transformaçÔes mais ou menos contĂ­nuas. NĂŁo seobservam, com efeito, nunca, começos absolutos no curso dodesenvolvimento, e o que Ă© novo procede ou de diferenciaçÔesprogressivas, ou de coordenaçÔes graduais, ou ambas ao mesmotempo, como nos foi dado observar atĂ© aqui. Quanto Ă s diferen-ças de natureza que separam as condutas de um estĂĄgio das queprecedem, nĂŁo se as pode entĂŁo conceber senĂŁo como uma pas-sagem limĂ­trofe, cujos caracteres se torna necessĂĄrio interpretar emcada caso. Viu-se um exemplo disso na passagem do sucessivo aosimultĂąneo, que torna possĂ­vel a representação ao ensejo dos co-meços da função semiĂłtica. No caso do conhecimento das opera-çÔes encontramo-nos diante de um processo temporal anĂĄlogo,mas que envolve a fusĂŁo em um Ășnico ato das antecipaçÔes eretroaçÔes, o que constitui a reversibilidade operatĂłria.

O exemplo da seriação Ă© particularmente claro nesse sentido.Quando se trata de ordenar uma dezena de varetas pouco dife-rentes entre si (de maneira a necessitar comparaçÔes de duas aduas), os sujeitos do primeiro nĂ­vel prĂ©-opera tĂłrio procedem porpares (uma pequena e uma grande etc.) ou por trios (uma peque-na, uma mĂ©dia e uma grande etc.), mas sem poder em seguidacoordenĂĄ-las numa sĂ©rie Ășnica. Os sujeitos do segundo nĂ­vel che-gam a uma sĂ©rie correta, mas atravĂ©s de apalpadelas e correção deerros. No presente nĂ­vel, pelo contrĂĄrio, utilizam nĂŁo raro ummĂ©todo exaustivo que consiste em procurar em primeiro lugar oelemento menor, em seguida o menor dos que restam etc.

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b) O segundo nĂ­vel das operaçÔes “concretas”Neste subestĂĄgio (cerca de nove a dez anos) atinge-se o equilĂ­-

brio geral das operaçÔes “concretas” alĂ©m das formas parciais jĂĄequilibradas desde o primeiro nĂ­vel. De resto, Ă© o degrau que aslacunas prĂłprias Ă  natureza das operaçÔes concretas começam afazer sentir em certos setores, sobretudo no setor da causalidade, eonde estes novos desequilĂ­brios preparam de algum modo oreequilĂ­brio do conjunto que caracterizarĂĄ o estĂĄgio seguinte e doqual se apercebem Ă s vezes alguns esboços intuitivos.

A novidade deste subestĂĄgio se assinala em particular no do-mĂ­nio das operaçÔes intralĂłgicas ou espaciais. É assim que a partirdos sete a oito anos se vĂȘem constituir certas operaçÔes relativas Ă sperspectivas e Ă s mudanças de ponto de vista no que respeita a ummesmo objeto do qual se modifica a posição em relação ao sujei-to. Em contrapartida, serĂĄ apenas prĂłximo aos nove entre dezanos que se poderĂĄ falar de uma coordenação dos pontos de vistaem relação a um conjunto de objetos, por exemplo, trĂȘs monta-nhas ou edifĂ­cios que serĂŁo observados em diferentes situaçÔes.Analogamente, neste nĂ­vel as medidas espaciais de uma, duas outrĂȘs dimensĂ”es engendram a construção de coordenadas naturaisque as englobam num sistema total: Ă© igualmente apenas acercados nove e dez anos que serĂŁo previstas a horizontalidade do nĂ­velda ĂĄgua num recipiente que se inclina, ou a verticalidade de um fĂŻode prumo, prĂłximo a uma parede oblĂ­qua. De modo geral trata-se em todos esses casos da construção de ligaçÔes interfĂŻgurais,alĂ©m das conexĂ”es intrafigurais que intervinham sĂłs no primeirosub-estĂĄgio, ou, se se preferir, da elaboração de um espaço poroposição Ă s simples figuras.

Do ponto de vista das operaçÔes lógicas, pode-se notar oseguinte: a partir dos sete a oito anos o sujeito é capaz de elaborarestruturas multiplicativas tão bem quanto aditivas, a saber, tabelascom registros duplos (matrizes), comportando classificaçÔes se-

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gundo dois critĂ©rios ao mesmo tempo, correspondĂȘncias seriaisou seriaçÔes duplas (por exemplo, folhas de ĂĄrvore seriadas navertical conforme seu tamanho e na horizontal conforme seusmatizes mais ou menos escuros). Contudo, trata-se, no caso, maisde sucesso em relação Ă  questĂŁo proposta (“dispor as figuras omelhor possĂ­vel”, sem sugestĂŁo sobre a disposição a encontrar)do que de uma utilização espontĂąnea da estrutura. Ao nĂ­vel dosnove a dez anos, por outro lado, quando se tratar de separar asdependĂȘncias funcionais num problema de indução (por exemploentre os Ăąngulos de reflexĂŁo e de incidĂȘncia), observa-se uma ca-pacidade geral de destacar covariaçÔes quantitativas, sem aindadissociar os fatores como serĂĄ o caso no estĂĄgio seguinte, maspondo em correspondĂȘncia relaçÔes seriadas ou classes.

O método då conta de uma estruturação operatória eficaz,por mais global que possa ficar o procedimento enquanto as vari-åveis permaneçam insuficientemente distintas. Analogamente, as-siste-se a um progresso líquido na compreensão das interseçÔes:ao passo que o produto cartesiano representado por matrizes deregistro duplo é facilmente apreendível desde o nível de sete a oitoanos, na medida em que a estrutura multiplicativa se completa (eisto quase ao mesmo tempo que o manejo de classes disjuntas emum grupamento aditivo), a interseção de duas ou muitas classesnão disjuntas só é dominada no presente nível, assim como emmuitos casos ainda a quantificação da inclusão AB maior que B.

No domínio causal, por outro lado, este nível de 9 a 10 anosapresenta uma mistura bastante curiosa de progressos notåveis ede lacunas não menos significa-tivas que se apresentam não raroaté como espécies de regressÔes aparentes.

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As operaçÔes formais

Com as estruturas operatĂłrias “formais” que começam a se cons-tituir por volta dos 11 a 12 anos, chegamos Ă  terceira grande fase doprocesso que leva as operaçÔes a se libertarem da duração, isto Ă©, docontexto psicolĂłgico das açÔes do sujeito com aquelas que compor-tam dimensĂ”es causais alĂ©m de suas propriedades implicadoras oulĂłgicas, para atingir finalmente esse aspecto extemporĂąneo que Ă© pe-culiar das ligaçÔes lĂłgico-matemĂĄticas depuradas.

A primeira fase era a da função semiótica (cerca de um a doisanos) que, com a subjetivização da imitação em imagens e a aqui-sição da linguagem, permite a condensação das açÔes sucessivasem representaçÔes simultùneas. A segunda grande fase é a do iní-cio das operaçÔes concretas que, ao coordenar as antecipaçÔes eas retroaçÔes, chegam a um a reversibilidade suscetível de traçarretrospectivamente o curso do tempo e garantir a conservaçãodos pontos de partida.

Mas se se pode, neste particular, falar jĂĄ de uma mobilidadeconquistada sobre a duração, ela permanece ligada a açÔes e mani-pulaçÔes que em si sĂŁo sucessivas, pois que se trata de fato de ope-raçÔes que continuam “concretas”, isto Ă©, que recaem sobre os ob-jetos e as transformaçÔes reais. As operaçÔes “formais” assinalam,por outro lado, uma terceira etapa em que o conhecimento ultrapas-sa o prĂłprio real para inserir-se no possĂ­vel e para relacionar direta-mente o possĂ­vel ao necessĂĄrio, sem a mediação indispensĂĄvel doconcreto: ora, o possĂ­vel cognitivo, tal como, por exemplo, a sequĂȘnciainfinita de nĂșmeros inteiros, a potĂȘncia do contĂ­nuo ou simplesmen-te as dezesseis operaçÔes resultantes das combinaçÔes de duas pro-posiçÔes p e q e de suas negaçÔes, Ă© essencialmente extemporĂąneo.

(...) Com efeito, a primeira característica das operaçÔes for-mais é a de poder recair sobre hipóteses e não mais apenas sobreos objetos: é esta novidade fundamental da qual todos os estudio-sos do assunto notaram o aparecimento perto dos 11 anos.

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Ela, porĂ©m, implica uma segunda, nĂŁo menos essencial: comoas hipĂłteses nĂŁo sĂŁo objetos, sĂŁo proposiçÔes, e seu conteĂșdoconsiste em operaçÔes intraproposicionais de classes, relaçÔes etc.,do que se poderia oferecer a verificação direta; o mesmo se podedizer das consequĂȘncias tiradas delas pela via inferencial; por outrolado, a operação dedutiva que leva das hipĂłteses Ă s suas conclu-sĂ”es nĂŁo Ă© mais do mesmo tipo, mas Ă© interproposicional e consis-te em uma operação efetuada sobre operaçÔes, isto Ă©, uma opera-ção elevada Ă  segunda potĂȘncia.

Ora, esta Ă© uma caracterĂ­stica muito geral das operaçÔes quedevem atingir este Ășltimo nĂ­vel para se constituir, desde que se tratede utilizar as implicaçÔes etc., a lĂłgica das proposiçÔes ou de ela-borar relaçÔes entre relaçÔes (proporçÔes, distributividade etc.),de coordenar dois sistemas de referĂȘncia etc.

É este poder de formar operaçÔes sobre operaçÔes que per-mite ao conhecimento ultrapassar o real e que lhe abre a via inde-finida dos possĂ­veis por meio da combinatĂłria, libertando-se en-tĂŁo das elaboraçÔes por aproximação, Ă s quais permanecem sub-metidas as operaçÔes concretas.

Em geral, este Ășltimo nĂ­vel apresenta um aspecto marcante emcontinuidade, aliĂĄs com o que nos ensina toda a psicogĂȘnese dosconhecimentos a partir das indiferenciaçÔes iniciais: Ă© na medidaem que se interiorizam as operaçÔes lĂłgico-matemĂĄticas do sujei-to, graças Ă s abstraçÔes refletidoras que elaboram operaçÔes sobreoutras operaçÔes, e na medida em que Ă© finalmente atingida estaextemporaneidade que caracteriza os conjuntos de transforma-çÔes possĂ­veis e nĂŁo mais apenas reais, que o mundo fĂ­sico e seudinamismo espaço-temporal, englobando o sujeito como umaparte Ă­nfima entre as demais, começa a tornar-se acessĂ­vel a umaobservação objetiva de certas de suas leis, e sobretudo a explicaçÔescausais que forçam o espĂ­rito a uma constante descentração na suaconquista dos objetos.

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1896 - Nasce em 9 de agosto, em Neuchatel, na Suíça.1907 - Com 10 anos, publica na revista da Sociedade dos Amigos da Natureza de

NeuchĂątel um artigo com estudos sobre um pardal branco.1915 - Forma-se em biologia, pela Universidade de NeuchĂątel.1918 - Torna-se doutor. Sua tese foi sobre moluscos. Muda-se para Zurique para

estudar psicologia (principalmente psicanálise).1919 - Muda-se para a França. Ingressa na Universidade de Paris. É convidado

a trabalhar com testes de inteligĂȘncia infantil.1921 - A convite do psicĂłlogo da educação Edouard ClaparĂšde (Escola Nova),

passa a fazer suas pesquisas no Instituto Jean-Jacques Rousseau, em Ge-nebra, destinado à formação de professores.

1923 - Lança seu primeiro livro: A linguagem e o pensamento da criança.1924 - Casa-se com Valentine Chùtenay, uma de suas assistentes, com quem teve

trĂȘs filhos: Jacqueline (1925), Lucienne (1927) e Laureni (1931).1925 - Começa a lecionar psicologia, histĂłria da ciĂȘncia e sociologia em NeuchĂątel.1929 - Em Genebra, passa a ensinar histĂłria do pensamento cientĂ­fico. Assume

o Gabinete Internacional de Educação (dedicado a estudos pedagógicos).Anos 30 - Escreve vårios trabalhos sobre as primeiras fases do desenvolvimento,

muitos deles inspirados na observação de seus trĂȘs filhos.1941 - Com as pesquisadoras BĂ€rbel Inhelder e Alina Szeminska, publica traba-

lhos sobre a formação dos conceitos matemåticos e físicos.1946 - Participa da elaboração da Constituição da Unesco, órgão das NaçÔes

Unidas para a Educação, CiĂȘncia e Cultura. Torna-se membro do conselhoexecutivo e subdiretor geral, responsĂĄvel pelo Departamento de Educação.

1950 - Publica a primeira síntese de sua teoria do conhecimento: Introdução àEpistemologia Genética.

1952 - É convidado a lecionar na Universidade de Sorbonne, em Paris, suceden-do ao filósofo Merleau-Ponty.

CRONOLOGIA

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1955 - Em Genebra, funda o Centro Internacional de Epistemologia GenĂ©tica,destinado a realizar pesquisas interdisciplinares sobre a formação da inte-ligĂȘncia.

1967 - Escreve a principal obra de sua maturidade: Biologia e conhecimento.1980 - Morre em 16 de setembro, em Genebra.

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Este volume faz parte da Coleção Educadores,do Ministério da Educação do Brasil, e foi composto nas fontes

Garamond e BellGothic, pela Sygma Comunicação,para a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco

e impresso no Brasil em 2010.

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