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Page 1: Jornal "O Ardina"

7OUTUBRONOVEMBRODEZEMBRO2012GERAL

“Dou-vos um Mandamento Novo…”Jesus Cristo

TESTEMUNHO II

A emergência do Amor…“Ninguém espera por mim?”

Pelas crianças e jovens vamosconversar.

Na Última Ceia, ao celebrar aFesta da Páscoa, Jesus Cristo disseaos apóstolos: “dou-vos um man-damento novo – que vos ameis unsaos outros, como eu vos amei”.

Passaram, entretanto, cerca dedois mil anos…

Estará aquele “mandamento novo”,já velho e ultrapassado, sendo depouca importância pensar e refle-tir o seu conteúdo?

Qual é e tem sido o impacto paraa Humanidade, e para cada um denós, para as nossas vidas, daquelemandamento?

Na realidade, jamais o podere-mos saber com rigor.

Proponho que, sem preconceito,reparemos para a nossa vida, olhe-mos à nossa volta, observemosatentamente os acontecimentosdo mundo, procuremos discernir evislumbrar,para onde e como esta-mos a caminhar.

Coloco a seguinte questão, parapensarmos e refletirmos: serão aforça e energia de Amor, a vivênciapositiva de afetos, a real solidarie-dade humana, a fraternidade, aatenção dada à energia espiritual,os causadores de tanta maldade ede tantas injustiças no mundo, detanto sofrimento que afeta a vidados seres humanos?

Não serão antes, além do mais,os egoísmos, a ganância desmedidae mesmo criminosa, a autossufi-ciência narcísica (o ser humanonão é uma ilha), a sede de poder ede mando, a qualquer custo, oquerer ser mais do que os outros,as vaidades e excentricidades, odesprezo para com os semelhantese seu sofrimento, a insensibilidadesocial e humana,os abusos chocan-tes de poder, as arrogâncias, os au-toritarismos, as revoltantes injusti-ças e ódios, a profunda crise de va-lores que há muitos anos e diver-samente se vêm acumulando e ar-rastando, tendo em grande partecontribuído para a crise financeiraem que vivemos atolados? Nãotem sido exatamente o desamor?

Nós vivemos num mundo queparece estar aparentemente à de-riva e sem controlo,a necessitar deuma nova ordem social e nova or-ganização nacional e Internacional,onde as pessoas realmente conteme sejam a centralidade de tudo.

Na Obra do Ardina (crianças,jovens,adultos responsáveis e cola-boradores),que real e cuidada aten-ção e valor se dão à vivência dosafetos, à solidariedade, à força doAmor como energia inigualável paraa transformação?

Ao nível da organização dos pro-gramas de ação, no modo de diag-nosticar problemas, na construçãoe gestão de soluções para os mes-mos, nos valores e referências quesão transmitidos, nos exemplos devida que são dados, na qualidadedas relações afetivas investidas no atosocioeducativo, nas opções meto-dológicas que são implementadas,nas práticas pedagógicas dinamiza-das,no método de gestão dos con-flitos, na afirmação da identidadeespecífica da Obra do Ardina (ir aoencontro, usar de compaixão, nãoabandonar) …?

Pensemos e reflitamos.

Devemos reconhecer, com ajus-

tada convicção, que a ação por to-dos desenvolvida, nas várias valên-cias e aos vários níveis de respons-abilidade, para e com as crianças ejovens, apoiados pela Obra do Ar-dina, é de relevante importância,dignidade e honra. É exaltante egratificante apoiar seres humanos aerguerem-se.

Trata-se,no caso da Obra do Ar-dina, de resgatar crianças e jovensao sofrimento de suas vidas; vidasbloqueadas, adiadas, sequestradas –tanta vez sem pão, sem educação,sem afetos (às crianças não se podedizer “amanhã, porque estandoelas num processo natural de de-senvolvimento, tem suas fases e rit-mos próprios,o tempo delas não éigual ao ritmo do tempo dos adul-tos) Amanhã pode ser tarde paraelas…

Assim sendo, a responsabilidadede todos é diversamente maior,porque da ação atempada, empe-nhada e responsável depende, emgrande medida, que aquelas crian-ças e jovens, possam crescer como necessário e orientado apoio, vi-rem a ser pessoas de bem, comvidas mais libertas,mais autónomase independentes. Poderem viveruma cidadania responsável.

Temos de encarar o facto de sera Obra do Ardina, para muitas dascrianças e dos jovens que apoia, a“família” mais presente e cuidado-ra que eles realmente têm, o quedetermina, necessariamente, umapostura de mais atenção, compre-ensão e cuidada ação, uma relaçãoajustada e adequada à situação, aoquadro de vida que as crianças apre-sentam. Não pode haver soluçõesde resposta que se alheiem daquelarealidade, como não se pode negarreforço de afetos.

Sem afetividade não há inteligência.

Não se privilegie nunca, na açãosocioeducativa, quaisquer elemen-tos de gestão administrativo-buro-

crática em detrimento da riqueza deatenção/compreensão no ato edu-cativo, não se secundarize a pessoada criança e jovem. Como se sabe,é fundamental para o melhor êxitode qualquer projeto de apoio e açãosocioeducativa a atenção que é dadaà pessoa, a qualidade da relação.

Coloquemos sempre em primei-ro lugar o superior interesse dascrianças,promovendo e lutando pelaefetivação dos seus direitos (as crian-ças e os jovens não são cidadãosmenores).

É inecessário conhecer a Conven-ção sobre os Direitos da Criança,estuda-la e refleti-la, procurandoaplicá-la às diversas situações.

Cada qual poderá (deverá) con-versar e refletir acerca destas ques-tões, pode fazer alguma diferença,possivelmente poderá ajudar a me-lhorar o quotidiano da vida, a me-lhorar a vida da própria Obra doArdina, o mesmo será dizer a me-lhorar a vida das crianças e dosjovens que apoia.

Reafirmo o que já escrevi anteri-ormente:“A Obra do Ardina é umaobra de afetos profundos,de Amor”,tem uma identidade própria, quenão deve ser descaracterizada,masantes apreendida, compreendida,aprofundada e enriquecida.

Tenho a firme convicção de que,se os fundadores da Obra do Ardi-na e continuadores, não vivessem aexegese de uma dimensão de Amor,entregando-se de forma oblativa atão nobre causa, com persistenteesforço e abnegação, nunca a Obrado Ardina teria existido,ou mesmose acaso tivesse chegado a existir,já teria definhado e morrido.

Quem ficaria a perder se tal tivesse acontecido?

Quem viveu e vive numa dimen-são de Amor, dedicando-se aosseus semelhantes, altruisticamente,merece sempre um sincero reco-nhecimento, respeito e gratidão.

Por isso, a Obra do Ardina, atra-

vés da Liga de Amigos e do jornalO Ardina,está a organizar uma ses-são de homenagem à sua fundado-ra, Maria Luísa Ressano Garcia, no1º centenário do seu nascimento evai comemorar na mesma sessãoos 70 anos da fundação da Obra(em outro local, neste jornal, dare-mos destacada notícia sobre o as-sunto).

Precisamos de dar a conhecermais da vida da Obra do Ardina, doseu programa de ação, conheceratravés do sentir e da voz dos “ar-dinas”, ex “ardinas”, colaboradores,Amigos e voluntários, para que to-dos participem e se sintam a fazerparte de um todo, que é a grandeFamília Ardina.

O que pode ser feito por muitosnão deve ser feito por poucos.

Aproveito para lançar aqui umaproposta de projeto: Logo que forpossível, proceder-se a uma compi-lação de todos os artigos e teste-munhos, de “ardinas” e de ex-ardi-nas, que tenham sido publicados nojornal O Ardina ao longo dos anosde sua existência,para posteriormenteser feita uma publicação autónoma.

Amigos! A Obra do Ardina nasua globalidade, pluralidade deideias,perfis diferenciados dos seusresponsáveis e colaboradores,con-stitui-se como um todo organiza-do, sem donos, está coesa e indis-sociável. Assim, dinamicamente,deverá continuar, para mais e me-lhor poder servir os objetivos paraque foi fundada – apoiar na rein-serção de crianças e jovens.

“Amai-vos uns aos outros”.“Ninguém espera por mim?”Um fraterno abraço, com muita

confiança em todos. Ás crianças ejovens desejo um bom ano letivo,aos jovens mais crescidos votos deque encontrem, além do mais, umtrabalho justo, com dignidade edireitos.

Obrigado

Fernando Carvalho3 de Setembro de 2012

Cidade. Encontro.Feli-cidade?Ao longo dos tempos

têm-se construído cidadespara as pessoas e as cidadesmultiplicaram-se. No caso

de Portugal, o êxodo de uminterior desertificado paraurbes transbordantes nãotem parado de aumentar enas múltiplas pequenas cida-des que irrompem na cidadea maioria dos habitantes cons-trói-se com estudos, forma-ções, trabalhos e talentospara alcançar um lugar entreos demais. Porém, há umacidade incompreendida quese multiplica cada vez mais eaté ao desespero – a do de-semprego.

Não se pode permanecercriança porque o corpocresce; cresce o corpo em

necessidades e o espírito emexigências para construiruma identidade que nos torneaceitáveis e úteis. Se alémdisso se for reconhecido pelotrabalho e pelo serviço quese presta, social, cultural oureligioso,tanto melhor.Então,atinge-se um cume de cida-dania.Então,a cidade e a pes-soa constroem um centro ima-terial (leia-se existencial!) paradar sentido às construçõesmateriais – o cimento,o ferro,o vidro em grande escalavestem as planícies, os mon-tes e as colinas outrora nuspara que os seres humanos

sejam, brilhem.Se se erguem prédios, se

se arquitectam ruas, praças,jardins e espaços de lazer, sese projectam escolas, acade-mias e hospitais, e se a almada cidade é movimento in-cessante de meios de trans-porte,de pessoas e dos seusmais variados sentimentos easpirações,o trabalho é, coma habitação, a sua principalrazão de ser.

Sem trabalho é-se ex-cluído do movimento vitalda cidade, é-se inutilizado e despojado daquilo que nos faz pessoas: de centro

participante passa-se a desvio,a número, a coisa, e os mon-tes habitados empalidecem.

Sem trabalho a cidade nãopassa de figuras de lego des-encantadas e até hostis e todaa construção-para-o-ser-hu-mano leva à dispersão im-produtiva,ao agonizar de mui-tos e às manifestações co-lectivas na esperança de edi-ficar um lugar para todos…

A cidade do desempregoé pois uma aberração!

Como exemplo, há hojejovens entre os 18 e os 25anos na Obra do Ardina quese deparam com o vazio de

não terem onde trabalhar, esem família ou meios pró-prios,a situação é alarmante!

Nesta teia urbana o volun-tariado é também uma peque-na cidade, uma possibilidadede pertença, acção e coope-ração, sendo que o ideal, enão há cidades sem ideais, écruzar o voluntariado com otrabalho.O cume é a realiza-ção plena – material e ima-terial, sobretudo se o traba-lho for um prolongamentodo que nos torna únicos.

Cristina VeoraLisboa, 19 de

Setembro de 2012

“Dou-vos um Mandamento Novo”

A Cidade e o desemprego