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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 47 Jul/Set 2011 >> 2,50 Euros

PrémiosGazeta2010> Mérito Adelino Gomes > Imprensa Sofia Lorena > Rádio CarlosJúlio > Televisão Ana Sofia Fonseca > Fotografia Rodrigo Cabrita> Revelação Clara Silva > Imprensa Regional ‘O Região de Leiria’

SERVIÇOPÚBLICO ENRIQUECEDEMOCRACIA

TEMAConferência em defesados Serviços Públicosde Comunicação Social,promovida peloSindicato de Jornalistas

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Director

Direcção Editorial

Conselho Editorial

Grafismo

Secretária de Redacção

Propriedade

Tratamento deimagem

Impressão

Tiragem deste número

Redacção,Distribuição,

Venda eAssinaturas

Mário Zambujal

Eugénio AlvesFernando Correia

Fernando CascaisFrancisco MangasJosé Carlos de VasconcelosManuel PintoMário MesquitaOscar Mascarenhas

José Souto

Palmira Oliveira

CLUBE DE JORNALISTASA produção desta revista sóse tornou possível devido aosseguintes apoios:l Caixa Geral de Depósitosl Lisgráfical Fundação Inatell Vodafone

Pré & PressCampo Raso, 2710-139 Sintra

Lisgráfica, Impressão e ArtesGráficas, SACasal Sta. Leopoldina,2745 QUELUZ DE BAIXO

Dep. Legal: 146320/00ISSN: 0874 7741Preço: 2,49 Euros

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Clube de JornalistasR. das Trinas, 1271200 LisboaTelef. - 213965774 Fax- 213965752e-mail:[email protected]

N.º 47 JULHO/SETEMBRO 2011

SUMÁRIO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS

DO CLUBE DE JORNALISTAS

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

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TEMASERVIÇO PÚBLICO ENRIQUECE DEMOCRACIAAdelino Gomes sustentou que, pelos exemplos que co -nhece, nomeadamente no estrangeiro, se deixar dehaver serviço público de comunicação social “daqui acinco anos estaremos a dizer que a cidadania e ademocracia perderam”. Adelino Gomes falava noSindicato dos Jornalistas (SJ) na Conferência em defesados Serviços Públicos de Comunicação Social, promovi-da no dia 6 de Julho pelo Sindicato. Por Fernando Valdez

ENTREVISTASManuel António PinaPor Joana Fillol e Joana Loureiro

José RebeloPor Carla Baptista

ANÁLISE3.º CONGRESSO FEMINISTA PORTUGUÊSPor Carla Martins, Luísa Azevedo, Marta Peça

TESTEMUNHODIÁRIO DO FESTROIAPor Helena de Sousa Freitas

OPINIÃO A ESCRITA NOS JORNAISPor Francisco Belard

JORNAL

[36] Prémios Gazeta

[42] Reunião magna dos Clubes europeusPor Sofia Rato

[44] Debate no D.Maria II sobre jornalismo de teatro Por Carla Baptista

[46] Jornalismo narrativo em debate na Lusófona Por Sara Cabral e Soraia Neto

[48] Livros Por Adelino Gomes

[50] Sites Por Mário Rui Cardoso

MEMÓRIAAlmanaques e Revistas na I RepúblicaPor Álvaro Costa de Matos

CRÓNICAPor Sara Belo Luís

JJ|Jul/Set 2011|3

Colaboram neste número

Adelino Gomes (FREELANCER, CIES / ISCTE)

Álvaro de Matos (HEMEROTECA M. DE L., ISLA, CIMJ)

Carla Baptista (FREELANCER, UNL, CIMJ)

Carla Martins (FREELANCER, ERC, U. LUSÓF., CIMJ)

Fernando Valdez (LUSA)

Francisco Belard (EXPRESSO)

Helena de Freitas (LUSA)

Joana Fillol (VISÃO)

Joana Loureiro (VISÃO)

José Alves (INFOGRAFIA/PÚBLICO)

José Frade (FOTOJORNALISTA FREELANCER)

Lucília Monteiro (FOTOJORNALISTA / VISÃO)

Luís Humberto Teixeira (FOTOJORNALISTA FREELANCER)

Mário Rui Cardoso (RTP – ANTENA 1)

Sara Belo Luís (VISÃO)

Sofia Rato (FREELANCER, CJ)

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Assinatura anual > 4 números: 2.000$00 > 10 Euros

( I N C L U I P O R T E S D E C O R R E I O )

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JJ – Jornalismo e JornalistasA única revista portuguesaeditada por jornalistasexclusivamente dedicada aojornalismo

Indispensável para estudantes,professores, investigadores etodos os que se interessam pelojornalismo em Portugal e nomundo

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 40 Outubro/Dezembro 2009 >> 2,50 Euros

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TEMA A REPORTAGEM NA RÁDIOEntre o investimentoe a ameaça

ENTREVISTA MINO CARTA ANÁLISE MÉDIA E PUBLICIDADE MEMÓRIA ADOLFO SIMÕES MÜLLER

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 39 Julho/Setembro 2009 >> 2,50 Euros

TEMA Os media no ensino superior

Laboratóriosde Jornalismo

ANÁLISE > O futuro da imprensa: O momento crucial> A Informação Televisiva > Olhando as estrelas nas

páginas dos jornais ENTREVISTAS > Daniel Hallin > CristinaPonte e Lídia Marôpo

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Serviço público enriquece democraciaAdelino Gomes sustentou que, pelos exemplos que conhece,nomeadamente no estrangeiro, se deixar de haver serviço público decomunicação social “daqui a cinco anos estaremos a dizer que acidadania e a democracia perderam”. Adelino Gomes falava noSindicato dos Jornalistas (SJ) na Conferência em defesa dos ServiçosPúblicos de Comunicação Social, promovida no dia 6 de Julho peloSindicato.

Texto Fernando Valdez Fotos José Frade

Num debate moderado pelo presidente doSJ, Alfredo Maia, os oradores defenderama necessidade de preservar o serviçopúblico de televisão, rádio e agência,essencial num Estado democrático, mas

também de o melhorar e ter maior exigência em relação aoseu cumprimento e à sua qualidade.

Adelino Gomes, ex-director de Informação da RDP eex-Provedor do Ouvinte na mesma estação, sublinhouque não quer um serviço público que se submeta aosinteresses do poder e não tenha qualidade e observou queo serviço público tem de ser sinónimo de excelênciaporque decorre de um contrato do Estado com umaempresa para defender a cidadania.

Para Adelino Gomes, não é aceitável que os noticiáriosdo serviço público tratem os acontecimentos culturais damesma forma e com o mesmodestaque que os privados outransmitam treinos de equipasou a chegada de jogadores queninguém sabe quem são com osmesmos alinhamentos na tele-visão.

Considerou que a RTP cedeuà questão dos níveis de audiên-cias mas, apesar de tudo, aspessoas dizem que quando querem saber alguma coisavêem a RTP.

Concluiu que os contratos de serviço público devemser mais exigentes e são “contratos com a cidadania” quedevem ser cumpridos “de forma excelente” e ser vigiadose avaliados.

Estrela Serrano, docente universitária e vogal doConselho Regulador da ERC – Entidade Reguladora paraa Comunicação Social, considerou que a questão da tele-visão pública está muito inquinada por problemas ide-ológicos e o pensamento liberal diz que não se justificaporque os privados chegam para os cidadãos teremcapacidade de escolha.

No entanto, Estrela Serrano defende que há bens cul-turais, “que o mercado despreza” e devem ser protegidose apoiados pelo Estado.

Adiantou que no conceito liberal desaparece a divisãoentre arte e cultura e a vertente comercial.

Para Estrela Serrano, o serviço público deve significarqualidade da informação e programação, assim como pro-tecção da cultura e da identidade e da língua nacionais,que são “cruciais”.

Aquela docente universitária disse que aLei da Televisão não distingue suficiente-mente as maiores exigências da televisãopública relativamente às privadas e consider-ou que as televisões privadas estão orientadaspara o mercado e conquista de audiências, oque não é criticável, mas também têm obri-gações por dispor de um bem público.

Defendeu que o serviço público tem devisar a excelência profissional mas os seus

profissionais têm de perceber que não justifica maioresgastos porque os dinheiros públicos têm de ser muitíssimobem geridos.

Segundo Estrela Serrano, a televisão pública vive um dile-ma que é o de quando tem sucesso ser acusada de concorrên-cia desleal e se não tem ser acusada de não agradar ao público.

TEMA

A concessão de serviço público de comunicação social aos privados não tem funcionado em nenhum país porque o serviço público tem de ser consistente.

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A vogal da ERC observou que não se conhecem nosprivados queixas contra os directores e críticas à hierar-quia e é nos órgãos de comunicação social públicos que háum espaço de liberdade para contestar decisões daschefias e “não é visível idêntica liberdade nos privados”.

Estrela Serrano discordou da eventualidade de redis-tribuir obrigações de serviço público por vários privados,observando que “não está provado que isso significassemenos despesa para o erário público” e que seria de difí-cil controlo.

“O serviço público é uma realidade em toda a Europa ea televisão pública é a mais credível, segundo um inquéri-to realizado pelo ISCTE”, indicou, acrescentando que éuma opinião que também se verifica na Europa.

Estrela Serrano sustentou que “a comunicação socialé o sangue da democracia, os jornalistas são o caminhoda democracia”, mas alertou para que os interesses hojena comunicação social não são os interesses do jornalis-mo.

Fernando Cascais, docente universitário, antigo chefede Redacção e directoradjunto das agências ANOP/Lusa eex-director do Cenjor – Centro de Formação deJornalistas, assegurou que “nada mais do que ideologiajustificará as 21 palavras do programa do Governo sobre aagência” noticiosa Lusa.

Cascais destacou que as agências noticiosas são estru-turas que veiculam informação a nível nacional e interna-cional e, apesar de pouco visíveis para o grande público,continuam a interessar ao Estado e as grandes agênciaseuropeias e internacionais estão desde sempre ligadas aosrespectivos Estados.

Adiantou que há agências como a norte-americana

Adelino Gomes: Se deixar de haver serviço público de

comunicação social “daqui a cinco anos estaremos a

dizer que a cidadania e a democracia perderam”

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Associated Press (AP) e a alemã DPA que, por razõeshistóricas, são cooperativas de órgãos de comunicaçãosocial (OCS).

As agências são o maior e mais credível veículo deinformação para todos os OCS, acrescentou.

O ex-Director do Cenjor recordou que em 1982 o go -verno Balsemão lançou o processo de extinção da ANOPe criação da cooperativa NP, que tinha como pressupostoque o seu funcionamento fosse garantido por verbas doEstado, e até 1987 houve a “situação bizarra” de o eráriopúblico estar a financiar duas agências noti-ciosas portuguesas.

Cascais recordou que do capital da Lusa,que tem 50,14% detidos pelo Estrado, fazemparte dois grandes grupos privados de comu-nicação social (Impresa e Controlinveste), comcerca de 46% de participação.

Para Fernando Cascais, com a privatizaçãoda Lusa, ou se reduzia drasticamente a pro-dução noticiosa deixando o país à mercê dainformação estrangeira, ou se criava de novouma agência privada paga com os dinheirospúblicos.

Cascais questionou se Portugal pode prescindir doserviço de uma agência noticiosa de capital público edeixar “este serviço ficar á mercê de interesses privados”,se os operadores privados podem garantir uma agênciaindependente e se a informação sobre o espaço de línguaportuguesa pode ser entregue a interesses privados.

“Parece-me que as palavras do programa do Governosobre a Lusa corresponderão a uma imposição ideológi-ca”, observou.

E concluiu: “A agência está condenada a ser uma vacasagrada e quem matar essa vaca sagrada está condenadoa um qualquer inferno”.

António Louçã, jornalista da RTP e historiador, desta-cou que a questão do serviço público de televisão temestado ausente da discussão sobre a privatização da RTP,ficando “entre parênteses questão maior, se a privatização

da RTP iria agredir o serviçopúblico de televisão”.

Para Louçã, “a luta por umserviço público de televisão deveser o eixo estruturante da defesade uma televisão pública”.Sublinhou que o serviço públiconão deve ir atrás de modas nemser uma versão audiovisual daimprensa cor-de-rosa, devendoter uma proposta própria queinterage com o público e um

papel formativo desse público.“Não é possível existir um serviço público de televisão

sem haver uma televisão pública”, garantiu.Acrescentou que a distribuição do serviço público por

televisões privadas não sairia da lógica do lucro, precisou.António Louçã reconheceu que o controlo político

democrático sobre a televisão pública não é, muitas vezes,

TEMA ser v iço públ ico

Estrela Serrano: A televisão pública vive um dilema que é o de quando tem sucesso ser acusada de concor-

rência desleal e se não tem ser acusada de não agradar ao público. António Louçã: o serviço público não

deve ir atrás de modas nem ser uma versão audiovisual da imprensa cor-de-rosa, devendo ter uma proposta

própria que interage com o público e um papel formativo desse público.

Há um debate inquinadoquando se começa por perguntar quanto custa o serviço público e quem o paga, o que é como colocar a questão do deve e haver para a democracia.

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exercido da forma mais adequada e observou que o factode a televisão ser pública não a imuniza contra a influên-cia do marketing, nem contra a corrupção e o nepotismo,nem contra a promiscuidade com interesses de produ-tores privados.

Acrescentou que existe o perigo de governamentaliza-ção da informação, muitas vezes em sentido mais amplodos partidos do chamado arco do poder.

Para António Louçã, seria diferente se não houvessecontrolo do Governo e o controlo fosse parlamentar, o quepermitiria que forças contraditórias se controlassem reci -procamente.

Foram convidados para assistir à Conferência e fa -zerem um comentário sobre a opinião dos oradores todosos grupos parlamentares, convite aceite por PS, PCP e BEe também pelo CDS, que acabou por não poder estar pre-sente por dificuldades de agenda.

Catarina Martins, deputada do Bloco de Esquerda, con-siderou que se fala pouco da agência Lusa, “o que é gravís-simo”, e defendeu que “a promiscuidade entre público eprivado na Lusa tem levado a muitas confusões”.

Para a representante bloquista, o drama da Lusa e daRTP é que se deveria estar a discutir a essência do serviçopúblico que aquelas empresas representam e discute-se aprivatização.

Catarina Martins disse que o BE é muito crítico decoisas que se passam na Lusa e na RTP e defendeu que secomece a debater o que queremos dos serviços públicos ecomo se devem organizar.

A deputada do BE considerou que o peso dos doisgrandes accionistas privados no capital da Lusa não se devemanter e salientou que a concessão de serviço público decomunicação social aos privados não tem funcionado emnenhum país porque o serviço público tem de ser consistente.

Manuel Laranjeira, representante do grupo parlamen-tar do PS, questionou porque é que se está a discutir emPortugal uma coisa que na Europa não tem grande dis-cussão e garantiu que “o PS não é favorável a um serviçopúblico residual”.

Sustentou que o serviço público de televisão deve ter oseu espaço num canal generalista, como hoje tem.

Manuel Laranjeira considerou que a defesa da soberania eda independência nacional é uma questão que se aplica àagência Lusa mas também à RTP, afirmando que não háracionalidade económica na privatização da RTP, que forneceoutros canais como a RTP Internacional e a RTP África.

“Impressiona-me a situação de países da Europa deLeste onde os canais de televisão são todos controladospor interesses estrangeiros”, adiantou o deputado do PS.

Bruno Dias, deputado do PCP, considerou que há umdebate inquinado quando se começa por perguntar quan-to custa o serviço público e quem o paga, o que é comocolocar a questão do deve e haver para a democracia.

Para Bruno Dias, “a degradação da qualidade dademocracia está muito ligada à degradação da qualidadedo serviço público” de comunicação social, ainda que asexigências em relação ao serviço público não desrespons-abilize os restantes operadores.

Fernando Cascais: com a privatização da Lusa, ou se

reduzia drasticamente a produção noticiosa deixando o país

à mercê da informação estrangeira, ou se criava de novo

uma agência privada paga com os dinheiros públicos.

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Manuel António Pina à JJ“Havia com os leitores uma relação que morreu”

Ter vencido recentemente o Prémio Camões foi apenas maisum pretexto para uma conversa com o jornalista – e escritor(apesar do próprio nunca se apresentar como tal) - ManuelAntónio Pina. Licenciado em Direito, com uma carreirajornalística de mais de trinta anos feita nas páginas do Jornalde Notícias, divide-se agora entre as crónicas no seu diário desempre e a literatura. Acaba de editar pela Assírio & AlvimPoesia, Saudade da Prosa, uma antologia pessoal. À JJ falousobre os tempos de redacção (onde entrou quando aindaestava na tropa), o amor às palavras, o convívio entre ojornalismo e a literatura.

Texto Joana Fillol e Joana Loureiro Fotos Lucília Monteiro/Visão

ENTREVISTA

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Uma conversa com Manuel António Pinaassemelha-se mais a uma partida de minigolfe do que a um jogo de pingue-pongue.A «bola» circula por um labirinto de histó-rias, lembranças e citações, mas raramente

perde o sentido. Numa mesa do restaurante Convívio, noPorto, de que é frequentador habitual, a conversa fluiudurante mais de três horas, num tom descontraído, pau-sado, que se distancia do «corredor de velocidade» quediz ser quando escreve as crónicas diárias de 1400 caracte-res. Sempre com o humor, ironia e sabedoria que o carac-terizam. É um bom dia?!

Levantei-me há bocadinho, às duas da tarde [são quatro emeia]. Esses horários vêm dos tempos em que trabalhava no Jornal

de Notícias (JN)?

Vêm de sempre. Tenho um temperamento nocturno,venusiano. Começo a acordar quando Vénus aparece nohorizonte, às seis, sete da tarde e dá-me vontade de dor-mir quando aparece a estrela da manhã, às seis da manhã.Os seus horários naturais adequavam-se bem aos do jorna-

lismo portanto....

A profissão começava a horários diurnos, eu é que tivehorários nocturnos, de facto. Quando entrei para o jornalquem estava de piquete ficava até às três da manhã.Até me custa dizer isto, mas na tropa (tantos amigosmorreram lá e outros ficaram com traumas de guerra...), oque me custava mais era levantar de manhã e no entantoentrava às dez. Na tropa, a minha especialidade era acçãopsicológica, guerra psicológica, propaganda e contra pro-paganda. Quando começou no JN ainda estava na tropa. Era conheci-

do pelo “senhor costas”...

[risos] Sim, pelos fotógrafos. Tive de pedir licença aoEstado Maior do Exército... foi indeferida. Aconselharam-me a assinar com pseudónimo e eu escolhi os meus doisnomes do meio, António Mota. Os fotógrafos do jornaltinham indicação para só me fotografarem de costas!

Entrei no primeiro concurso que o JN abriu. E depoisdo 25 de Abril foi sempre assim. O Conselho de Redacção[CR] tinha muita força, não entrava ninguém pela portado cavalo. Na altura, também, o CR tinha voto deliberati-vo sobre o director. Só dávamos voto favorável aos direc-tores depois de eles se comprometerem por escrito a sóadmitirem pessoas com o nosso aval. Na altura, o conflitopartidário era muito duro, nós dissemos que não a muitagente se não aquilo desequilibrava. O CR participava naorientação ideológica do jornal. Tinha incomparavel-mente muito mais poder do que tem hoje.Esse concurso abriu lugar a outro tipo de jornalistas?

Quando entrei para o jornal havia duas categorias, osrepórteres e os redactores. O que os distinguia era que oredactor escrevia em definitivo e os outros tinham de sercorrigidos. Muita gente tinha a escolaridade primária ou

nem isso. A minha geração (e do José Saraiva, do AlbertoCarvalho, do Pereira Pinto...) foi até recebida com muitasuspeita, a mesma com que depois do 25 de Abril foramrecebidos os primeiros licenciados em comunicação social.Ali no JN a coisa não foi tão dura como foi noutros sítios,embora no dia-a-dia houvesse bastante hostilidade. Ostarimbeiros achavam que entravam indivíduos que nuncatinham entrado num jornal e que julgavam saber tantoquanto eles. Diz-se que o Pina teve ali algum rasgo, que conseguiu esca-

par ao ‘disse, fez, aconteceu’?

Em vez de começar a contar as coisas cronologicamente,por exemplo, comecei a inverter, a começar pelo presentee depois voltar ao passado, fazer uma espécie de monta-gem cinematográfica. Há um livro que me marcou muitoquando tinha para aí 20 anos, do Roland Barthes, O Prazerdo Texto. Veio ao encontro daquilo que sentia. Os livros sãouma revelação porque acabam por mostrar aquilo quesabíamos ou pressentíamos. A lição fundamental do livroé que o texto que não é feito com prazer, com gozo, nuncavai suscitar prazer aos outros. Procurou sempre esse prazer na escrita?!

Procurei também por uma questão egoística, se não eraum pincel estar ali aquelas horas todas contrariado. Quemescreve - e na literatura ainda mais - acaba sempre por seescrever a si mesmo, escreve com a sua cultura, com a suaexperiência, às vezes até com a sua disposição. Numa dasprimeiras notícias que escrevi o Manuel Ramos [antigodirector do JN] chamou-me: «Você fez-me redescobrir oprazer dos pontos e vírgulas». Ainda se lembra por que quis seguir jornalismo?

A matéria-prima do jornalismo é a mesma da literatura,são as palavras. Tinha que ter uma profissão qualquer (sóacabei o curso de Direito quando saí da tropa). Ainda acu-mulei a advocacia e o jornalismo durante alguns anos,mas acabei por desistir da primeira. E a literatura, porque é que não se assume como escritor?

Não me sinto muito à vontade... não é uma profissão paramim, é uma devoção. O jornalismo serve para ganhar avida e a literatura para tentar salvá-la, seja o que for queisso signifique. Sei uma coisa que não significa... como dizum verso do Fernando Lemos, salvar a vida não é apren-der a nadar, é uma coisa mais profunda. O que é que o jornalismo ensinou à literatura e vice-versa?

O jornalismo ensinou uma coisa fundamental, a humil-dade. Como diziam os velhos tipógrafos, no dia seguin-te o jornal é para embrulhar peixe. Os escritores têm ten-dência a sacralizar muito aquilo que fazem, vejo aí mui-tos em pose para a eternidade. «Daqui a cinco mil anosainda se hão-se ler os meus livros», diz o Lobo Antunes.Ele sabe lá, nem daqui a 50! Morreu o Eugénio deAndrade e desapareceu completamente... o Carlos deOliveira, escritores fantásticos, ninguém se lembradeles...

Para as crónicas diárias do JN tenho de fazer 1400 car-

ENTREVISTA Manuel António Pina

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acteres certos, o morto à medida do caixão. O que escrevopassa por várias pessoas, é corrigido e alterado, sempreum trabalho colectivo, o ego não tem tempo para crescerpor aí acima. E o jornalista, também aprendeu com o escritor?

Sobretudo o respeito pelas palavras. Elas não são malasque transportam um sentido. Elas dizem um mundo, mastambém criam mundos novos e o que se diz é fundamen-talmente a maneira como se diz. Quando começo a fazeras crónicas levo só uma ideia geral, um assunto e ai dotexto que não segue o seu próprio caminho. Mas tambémnão se escrevem a si mesmas, senão entram em autoges-tão e ainda me fazem dizer coisas que não quero dizer.Como dizia o Alberto Caeiro, é como o pastor. Vai-se aconduzir um rebanho, dando uma pancadinha de umlado, depois do outro, mas o rebanho segue o seu própriocaminho, não vai com baias. Costuma dizer que as crónicas estão a meio caminho entre

o jornalismo e a literatura...

As crónicas são jornalismo com saudades da literatura, naforma como eu as pratico, no Lobo Antunes são só litera-tura. Procuro que estejam ancoradas na actualidade. Éessa a componente jornalística mais forte delas, o que dámuito mais trabalho do que estar a usar das memórias.Obriga a ler imensos jornais, a pesquisar nos blogues...Simultaneamente, são também literatura com remorsosde ser jornalismo. Como é que escolhe o tema das crónicas?

Ele é que me escolhe a mim. Ando por aí sempre à procu-ra, desesperadamente. Pela internet, às vezes compro ojornal - é raro, só uma vez por mês - e preferia não saberaquilo que vi. Coisas sórdidas e não sou moralista ne -nhum...Mas na escrita do Pina transparece sempre uma preocupa-

ção de cidadania...

Não, não há. Vejo aquilo fundamentalmente como traba-lho - palavra de honra. Até lhe digo mais: se tivesse a sen-sação que influenciava alguém, ficava inibido, nunca maisescreveria. Não tenho nada para ensinar. São reflexõespessoais e pelos vistos têm alguma leitura. Tenho um sen-timento das coisas muito comum. É pregar para converti-dos. A minha profissão é verbalizar coisas que alguns lei-tores já sentem e pensam. Os jornais não têm influêncianenhuma. Ninguém muda de opinião porque leu um arti-go no jornal.Nem quando é repetido?

Isso já é propaganda...Mas como já a fez na tropa... há temas que repete.

Por acaso hoje ia fazer outra crónica sobre a Taxa SocialÚnica, acabei por recuar porque parecia muito didáctico.Portanto não tem a perspectiva romântica do jornalista que

ajuda a mudar o mundo...

Não muda. A minha única preocupação é que o mundonão me mude a mim. Se conseguir isso já é uma grandeconquista da classe operária.

“O jornalismo ensinou uma coisa fundamental, a humildade. (…) Os escritores têm tendência a sacralizar muito aquilo que fazem, vejo aí muitos em pose para a eternidade.”

“Quando começo a fazer as crónicas levo só uma ideia geral, um assunto e ai do texto que não segue o seu próprio caminho. Mastambém não se escrevem a si mesmas, senão entram em autogestão e ainda me fazem dizer coisas que não quero dizer.”

As crónicas são jornalismo com saudades da literatura, na forma como eu as pratico (…) Simultaneamente, são também literatura com remorsos de ser jornalismo.

“Se tivesse a sensação que influenciava alguém, ficava inibido, nunca mais escreveria. Não tenho nada para ensinar. São reflexões pessoais e pelos vistos têm alguma leitura. Tenho um sentimento das coisas muito comum.”

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E ainda continua a trabalhar para ser processado, tal como

escreveu numa crónica?

Nunca fui, é uma nódoa no meu currículo. Mas tenho aparanóia dessas coisas. Todas as crónicas que escrevoguardo numa pasta à parte as minhas fontes, de há mui-tos anos para cá. O Pina sentiu o peso do lápis azul, da censura, mas havia

maneiras de a contornar. Hoje a censura está mais encapu-

çada?

Nunca se contornava completamente. Escrevia nas entre-linhas e havia uma cumplicidade dos leitores, toda agente sabia que havia censura. Escravo que sabe que éescravo já é meio liberto, dizia o Lenine. Às vezes lia-se atéaquilo que não estava lá. Havia uma notícia típica: «Caiuda janela à rua, do andar tal, …». Toda a gente sabia quetinha sido suicídio, mas as notícias de suicídio não sepodiam publicar em Portugal. Aqui era um paraíso, essascoisas só aconteciam no estrangeiro, sobretudo nos paísesque estavam contra Portugal no Conselho de Segurançada ONU. Mas convenhamos que as entrelinhas também eram álibipara muita falta de profissionalismo. Muitas pessoas aceita-vam a censura. O José Gomes Ferreira tem um poema queé «viver sempre também cansa». E lutar sempre tambémcansa. O Manuel Ramos, além das instruções gerais da cen-sura, também tinha os coronéis que telefonavam todos osdias para os jornais. «Sabe aquele acidente em tal sítio? Nãoaconteceu». Antecipava-se a censura. O Ramos tomavanota em linguados de todas essas notícias, a pensar quemais tarde alguém ia ler aquilo, devem estar no centro dedocumentação. O Manuel Ramos era um dos inconforma-dos com a censura e nunca me deixou conformar. A autocensura é a pior censura?

É das piores porque é um jornalismo conformado. Nãotem um sentimento de revolta quanto à ignomínia que éa censura. Compreendo que haja limites, coisas que nãose podem dizer ou escrever, mas para isso existem as leis.É inadmissível e inaceitável a censura, sobretudo paraimpor determinado tipo de interesses. Hoje a censura émenos leal, mais sub-reptícia, porque é económica e polí-tica, com outros álibis.

Em tempos um crítico de cinema do Diário de Lisboadeu um porradão num filme de uma das maiores distri-buidoras de cinema e esta cortou a publicidade. Como ojornal não podia deixar de informar os leitores sobre os fil-mes que havia, punha uma caixinha que dizia: «filmesque vão na sala da distribuidora tal que não anuncia nestejornal porque não quer sujeitar-se ao livre exercício da crí-tica». Isto antes do 25 de Abril. A distribuidora acabou porceder. Hoje mais facilmente o crítico pedia muitas descul-pas e nunca mais escrevia sobre os filmes daquela distri-buidora. Há uma maior promiscuidade com o comércio ecom os anunciantes.Mas não houve sempre pressões no jornalismo a nível eco-

nómico?

ENTREVISTA Manuel António Pina

“Compreendo que haja limites, coisas que não se podem dizer ou escrever, mas para isso existem as leis. É inadmissível e inaceitável a censura, sobretudo para impor determinado tipo de interesses. Hoje a censura é menos leal, mais sub-reptícia, porque é económica e política, com outros álibis.”

“Uso muito a internet, mas não tenho conta no Facebook (FB). A ideia que tenho é que exige uma grande disponibilidade e eu não tenho tempo para isso. Fico-me pelos blogues e já não é nada mau. O FB e o Twitter parecem-me mais voláteis.”

“No caso concreto dos jornais a concorrência pelos recursos publicitários tornou-se cada vez mais forte. Começaram a valorizar-se coisas tenebrosas para a minha geração como a competitividade, que não tem nada a ver com a competição saudável.”

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Antes do 25 de Abril, os jornais não dependiam tanto dosrecursos publicitários. O JN tinha um grande número deleitores e isso dava muita independência. Hoje cada vezhá menos leitores e a concorrência dos meios audiovisuaisé muito grande. As televisões e a rádio dão as notícias pri-meiro. Uma hipótese seria os jornais terem um nicho,onde a televisão e a rádio não chegam. Os grandes jornaishoje são os jornais locais. Nos Estados Unidos, as grandestelevisões nacionais estão em queda. Florescem as locais,que exploram as pequenas questões, o jornalismo de pro-ximidade.Nisso o JN era pródigo...

Havia uma relação com os leitores que morreu. Algumasvezes cheguei a acidentes primeiro do que a Policia e osBombeiros. As pessoas telefonavam para o Notícias e sódepois para as autoridades. Quando havia um acidente,passavam, tiravam fotografias e iam oferecer ao jornal.Era uma espécie de tradição oferecer-se um rolo parapagar.

Todos os leitores eram repórteres do Jornal. E os leito-res eram respeitados (quando saí do jornal já não eraassim...). Por exemplo, telefonavam para lá com as per-guntas mais estúpidas e ai de quem não desse uma res-posta ou dissesse ‘agora não tenho tempo’. Era assim dogénero: ‘É por uma teima, então qual foi o resultado doSporting Vs Setúbal em 1958, quanto ficou e quem meteuos golos?’. Havia sempre alguém que tinha memoria esabia a resposta ou o centro de documentação que na altu-ra tinha um nome menos pomposo. Mas dava um traba-lho do caraças!Estaremos a perder esse jornalismo de proximidade?

É caminhar para o abismo. Um jornal não pode concorrercom as rádios e as televisões. O perfil do JN assentava emvendas no Norte e, sobretudo, no Grande Porto. Era umjornal local. Como é que vê a intromissão das novas tecnologias no jor-

nalismo?

Uso muito a internet, mas não tenho conta no Facebook(FB). A ideia que tenho é que exige uma grande disponi-bilidade e eu não tenho tempo para isso. Fico-me pelosblogues e já não é nada mau. O FB e o Twitter parecem-me mais voláteis.Como leitor satisfaz-se com a internet? Não precisa do

papel?

Não. Mesmo ensaios leio muito bem na Net. Há o proble-ma da credibilidade. Na blogosfera tenho mais ou menosestruturada a credibilidade dos blogues que frequento ese vou a um novo fico sempre de pé atrás. É então muitas vezes aqui que as crónicas vêm ao seu

encontro?

Pois é, encontro os assuntos, muitas vezes coisas que nãome tinham passado pela cabeça, ali já está uma selecçãofeita, há um filtro. O Pina costuma dizer uma frase: «Não leio jornais porque sei

como se fazem».

Isso é uma boutade. Ainda vou lendo alguns. É mais oumenos o que acontece com pessoas que admiramos e quequando as conhecemos pessoalmente perdem todo oencanto. Às vezes temos um rosto muito bonito e quandonos aproximamos muito está cheio de mazelas morais oufísicas. Se, numa sondagem, me perguntassem qual a pro-fissão mais fiável, nunca diria a de jornalista, porque aconheço profundamente. A proximidade avoluma osdefeitos e as imperfeições.A camaradagem entre jornalistas já não é o que era?

Hoje há uma coisa muito frouxa... Na altura havia umacerta hostilidade social dentro da comunidade redactorialpara quem rompesse esses laços de camaradagem, queexistiam não só na redacção mas também com o pessoaloperário, os tipógrafos... Antigamente o jornal tinha todasas valências.Como é que se chegou a este ponto?

A sociedade tornou-se mais agressiva. No caso concretodos jornais a concorrência pelos recursos publicitários tor-nou-se cada vez mais forte. Começaram a valorizar-se coi-sas tenebrosas para a minha geração como a competitivi-dade, que não tem nada a ver com a competição saudável. As condições de trabalho também se modificaram subs-tancialmente, sobretudo com a precariedade laboral. Háuma ânsia de protagonismo, necessidade de mostrar quese é melhor, mais diligente, que se trabalha mais, mesmoque se ganhe menos. Nas redacções, há muita gente dis-posta a tudo, autênticos ‘desperados’. Costumo dizer quesempre valeu de tudo no jornalismo, menos arrancarolhos, mas agora até isso vale. Tudo isto é um cadinho pro-pício à delinquência deontológica. Aquelas coisas elemen-tares como ouvir a outra parte ficam um bocado entreguesà própria consciência profissional e pessoal de cada um. Não há qualquer tipo de controlo?

Vocês sabem melhor do que eu que não há controlo nen-hum. O pior é que a consciência de muitas pessoas estálimpa – estão sempre a dizê-lo na televisão – pela simplesrazão que não lhe dão uso, está novinha em folha... Edepois as leis são muito permissivas em relação à delin-quência deontológica.Zelar pelo cumprimento das normas deontológicas não é

fácil...

O incumprimento de certas normas pode implicar, teori-camente pelo menos, a suspensão ou a retirada da cartei-ra profissional, impedindo inclusivamente o exercício daprofissão. Quando a auto-regulação não funciona abre-seum vazio que é ocupado pelo Estado. Seria um caminho perigoso...

Perigosíssimo, porque os jornalistas começam a perder asua autonomia e a sua liberdade. O Shakespeare no Otelodiz a certa altura ‘quem nos rouba a honra não fica maisrico e deixa-nos irremediavelmente pobres’. Para se dar acarteira profissional é preciso ter os mesmos cuidados quepara dar a licença de porte de arma. A palavra mata muitomais frequentemente do que uma pistola. Uma pistola dá

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um tiro numa perna, pode ferir, mas a desonra deixa-nosrealmente pobres. Devia haver cuidados mas de facto nãohá cuidados nenhuns. A Ordem ajudaria a atribuir essa licença de porte de arma?!

Talvez a Ordem pudesse ser uma solução. Eu tenho umacerta desconfiança em relação à Ordem porque me pare-ceu durante muito tempo uma forma de desvalorizar oSindicato. Neste contexto de pressões exercidas sobre os jornalistas,

é um privilégio escrever só crónicas?

Eu nunca tive censura nenhuma, eu próprio quis-me cen-surar e não me deixaram, a propósito de uma crónicasobre a Margarida Rebelo Pinto, que dizia que tinha onome como marca registada, e que também era colabora-dora do JN. Receei que estivesse a desvalorizar uma coisaque era nossa, podia ser uma falta de solidariedade com opróprio jornal.Consegue manter-se à parte das pressões?

Já tive bastantes pressões. Sempre existiram, é algo com oqual os jornalistas têm de aprender a lidar e a desvalori-zar. Tive políticos a contactar-me e a convidar-me paraalmoçar. E isso, às vezes, acaba por funcionar. Não é indi-ferente criticar alguém que não se conhece de parte nen-huma ou alguém com quem se convive regularmente.Não se trata de pressão directa, é mais uma proximidadeque acabava por funcionar como tal. Mas acaba por ser uma pressão…

Sim, de natureza geral. A pressão funciona como a lei daacção/reacção, também pode provocar o sinal contrário.Não se esqueça que a minha formação também é propa-ganda/contra-propaganda. Há quem faça isso muito bem.Isso só demonstra o poder das crónicas…

Não. Estou mais de acordo com o Mário Mesquita, que dizque o jornalismo não é um quarto poder, é um quartoequívoco. Mudou alguma coisa a atribuição do Prémio Camões?

Espero que não. Agora só quero que o mundo e a vida nãome mudem a mim. E com esta idade já não muda. Já tiveoportunidades de mudar de vida e não quis. Nas eleiçõesde 2009, o Governo convidou-me para ser administrador,em representação do Estado, da Casa da Música. Nãoaceitei. Eu nem administrar a minha casa sei, quanto maisa Casa da Música! E disse-lhes: «O meu mundo não édesse reino!». Isto é a mesma coisa, o prémio é um acon-tecimento mundano e já não tenho idade para o mundome transformar.Houve, com certeza, mais alguma azáfama…

Isso é verdade. Tenho um íman complacente, custa-memuito dizer que não. Só o trabalho que tive em agradecera todas as felicitações… No entanto, não agradeci nem aoPresidente da República, nem aos quatro bispos, nem aoBalsemão. Mas quando são pessoas minhas amigas, oumais modestas, vou a todas. Ainda agora fui a Freamundee fiquei como sócio honorário número um da associaçãoPedaços de Nós [mostra o cartão].

ENTREVISTA Manuel António Pina

“O pior é que a consciência de muitas pessoas está limpa – estão sempre a dizê-lo na televisão – pela simples razão que não lhe dão uso, está novinha em folha... E depois as leis são muito permissivas em relação à delinquência deontológica.”

“Para se dar a carteira profissional é preciso ter os mesmos cuidados que para dar a licença de porte de arma. A palavra mata muito mais frequentemente do que uma pistola. Uma pistola dá um tiro numa perna, pode ferir, mas a desonra deixa-nos realmente pobres.”

JJ

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José Rebelo à JJ “Este estudo é um instrumentopara desencadear uma reflexão críticasobre as rotinas da profissão dentroda própria profissão”

Uma equipa de 12 investigadores, sob a coordenação de JoséRebelo, sociólogo, professor no ISCTE e antigo jornalista no LeMonde, tirou a radiografia à comunidade dos jornalistasportugueses, através da leitura e desagregação dos dadosfornecidos pela Comissão da Carteira Profissional deJornalistas e a realização de 47 entrevistas que ilustram osperfis mais representativos de entrada, progressão e saída daprofissão. São histórias de vida narradas na primeira pessoa,que nos oferecem uma leitura fascinante sobre jornalistasfeitos de “carne e osso”, mas também de “espírito”, isto é,pessoas que sofrem, sonham, se alegram e decepcionam coma realidade variada de uma profissão em mudança acelerada,tanto ao nível dos perfis profissionais como dos contextossociais e profissionais em que é exercida.

Texto Carla Baptista Fotos José Frade

JJ – O estudo Ser jornalista em Portugal tem quase 800

páginas. Não é propriamente uma leitura de Verão...

José Rebelo (JR) - O livro divide-se em duas partes, a pri-meira de natureza sócio-gráfica, para a qual foram utiliza-dos os dados fornecidos pela Comissão da CarteiraProfissional de Jornalistas, como o género e a idade dos jor-nalistas, o órgão de comunicação social em que trabalhame há quanto tempo...A segunda parte é de natureza quali-tativa, incide sobre as suas percepções e expectativas, aforma como organizam as carreiras, as imagens que cons-troem da profissão. Para esta segunda parte, começámospor definir um conjunto de perfis tipo, desde o jornalistajovem que rapidamente atinge os lugares de topo naempresa, até aquele que está desempregado há tantosanos que já não consegue reintegrar a profissão, passandopelo jovem que faz estágios sucessivos na expectativa devir a conseguir obter um lugar fixo. A partir da definiçãodos perfis tipo, pensámos em nomes de jornalistas que

correspondessem a esses perfis e distribuímos os entrevis-táveis pelos entrevistadores.

As entrevistas deviam corresponder a um duplo objec-tivo: por um lado, tinha que haver alguma coisa emcomum, de maneira a poder compará-las e a tirar conclu-sões dessas comparações; por outro, não impedir a pró-pria expressividade do entrevistado. A questão complica-da era a de saber como é que se aliava a espontaneidadedo entrevistado com a necessária preparação da entrevis-ta. Houve um guião que foi discutido por toda a gente,mas não era exposto, existia apenas na cabeça do entrevis-tador. Deixava-se o entrevistado falar, procurando levá-lopara os caminhos previstos no guião.

Um aspecto interessante tem a ver com a heterogenei-dade dos membros da equipa e a forma como reagiramaos entrevistados. Os entrevistadores mais jovens, emregra, deixaram-se fascinar e vê-se no texto a influênciaque sobre eles foi exercida pelos entrevistados. Noutros

ENTREVISTA

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casos, as posições por vezes confundem-se e até se inver-tem. Na edição, procurámos manter as marcas das rela -ções de forças estabelecidas entre entrevistado e entrevis-tado – as cumplicidades, os distanciamentos – e respeitara expressividade do entrevistado. JJ - Dos perfis iniciais que foram estabelecidos teoricamen-

te, quais foram os que se revelaram mais adequados à rea-

lidade portuguesa ?

JR - São 47 entrevistas, algumas mais bem conseguidas doque outras: há duas ou três entrevistas de jornalistas quesobem rapidamente na carreira que são perfeitamenteparadigmáticas. Há também uma ou duas entrevistasexemplares do percurso de antigos jornalistas que deses-peram com as dificuldades da profissão, deixam de serjornalistas e se reciclam noutras áreas. Também as há dejornalistas que multiplicam os estágios e estão absoluta-mente desesperançados. Assim como há depoimentos dejornalistas e de estagiários que ainda acreditam profunda-

mente no futuro que virão a ter na profissão. Não existeuma regra e isso é uma questão interessante quando seprocura definir o perfil sociológico do jornalista. Não háum perfil sociológico, há posicionamentos, há expectati-vas e há perspectivas completamente distintas. JJ - Se não há um perfil tipo, também já não existe uma

“tribo” jornalística?

JR - Os discursos sobre a própria classe são muito hetero-géneos. Alguns jornalistas muito jovens, por vezes comformação no estrangeiro, recusam por completo a ideia datribo jornalista, dizem: “quando acabo o meu trabalho, saio daredacção e passo a ter uma vida que é a minha! Os meus amigosnão têm nada a ver com o jornalismo”. Entre os jornalistasmais velhos, encontramos aquele discurso mítico do jor-nalista 24 horas por dia que, quando sai das redacções, vaiconfraternizar com outros jornalistas nos locais habituais.Os mais velhos, em geral, reconhecem que os mais novostêm melhores instrumentos de trabalho, usam mais a tec-

“A forma como cada um assume a profissão e as

representações que constrói variam em função

dos próprios quadros existenciais”

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nologia e isso é facilitador do desempenho profissional,que adquiriram também uma melhor formação cultural,mas que lhes falta a dimensão de responsabilidade socialda profissão.

Nos mais novos, é comum a ideia de que o jornalismoé uma profissão que deve ser cada vez mais aperfeiçoadade um ponto de vista técnico, mas que não tem a dimen-são social e politica que os mais velhos lhe dão. A crençano jornalismo como missão é muito mais frequente nafaixa etária anterior. JJ - O que mudou mais em Portugal: os jornalistas ou os con-

textos organizacionais e empresariais do jornalismo?

JR - Quando mudam os contextos, mudam os jornalistas.Quem é que dizia que “um homem é ele próprio e a sua cir-cunstância”? O jornalista também se define em função docontexto e não há dúvida que os contextos profissionais eas formas de organização da profissão mudaram muito. JJ - Essa mudança sente-se nos depoimentos?

JR – Sim. Até nos jornalistas mais novos, no relato dasituação que entendem ser aquela que vivem, nas repre-sentações que constroem da sua situação profissional enos discursos imaginários que produzem sobre aquilo quedeveria ter sido a profissão antes de eles serem jornalistas. JJ – Existe nostalgia na representação do passado da profis-

são?

JR - Os mais novos não podem ter nostalgia de um tempoque desconhecem. Têm nostalgia de um tempo que ima-ginam. Até por considerarem que as condições de traba -lho hoje acabam por suscitar situações muito mais fortesde concorrência entre jornalistas, que afectam as relaçõesde amizade e de solidariedade. Quando um jornalistanunca mais deixa de fazer estágios, começa a olhar para oscolegas de profissão não como se partilhassem os mesmosproblemas, mas também como adversários.JJ - A profissionalização fazia-se num espaço com uma con-

figuração particular, que era a redacção, onde as pessoas se

reconheciam todas como iguais. Este processo desapareceu

nas novas gerações?

JR - Há uma tendência para a individualização da concep-ção do trabalho.JJ - A maioria dos entrevistados continua a reconhecer a

redacção como o seu espaço de trabalho, ou os depoimen-

tos já acusam a progressiva deslocalização do trabalho jor-

nalístico?

JR - Não foi visível nas entrevistas essa ideia de ser jorna-lista fora da redacção. Mas creio que, através da leitura dasentrevistas, é mais fácil construir uma representação glo-bal das gerações mais antigas do que da geração maisnova. Talvez sejam mais frequentes as questões sem res-posta no que respeita aos jovens jornalistas do que relati-vamente aos jornalistas veteranos. Essa foi a razão pelaqual o mesmo grupo de investigação apresentou um novoprojecto que foi aprovado pela FCT, focado nas jovensgerações de jornalistas, que entraram na profissão depoisde 2000.

JJ - A nova geração de jornalistas é filha da crise?

JR - Há três períodos muito distintos. Um período que vaiaté aos primeiros anos da década de 80 e é aí que encon-tramos jornalistas politicamente mais empenhados, queentraram no jornalismo antes do 25 de Abril ou imediata-mente após o 25 de Abril. Há um segundo grupo de jorna-listas que entraram na profissão a partir de meados dadécada de 80, que corresponde à adesão de Portugal àcomunidade europeia e às alterações profundas a nível domercado, com a privatização dos principais sectores deeconomia, a multiplicação de revistas especializadas, aabertura da televisão a operadores privados. É uma fasede grande expansão de admissão de jornalistas, ondeencontramos também pessoas que rapidamente chegarama lugares de chefia.

A terceira fase começa no ano de 2000, corresponde àmudança de milénio e a uma crise que se vai acentuando.É nessa fase que assistimos ao aumento do número deestagiários e a uma relativa diminuição do número de jor-nalistas profissionais, com contrato por tempo indetermi-nado. Assiste-se a esse fenómeno cada vez mais presente,que é os estagiários exercerem as funções de jornalistasem serem pagos como tal. JJ – A crise traduz-se em dificuldades sentidas a nível pesso-

al, no sentido em que os jornalistas não ganham dinheiro

suficiente, sentem-se explorados, ou também responsabili-

zam a crise como algo que diminui a investigação nas redac-

ções, não permite tantas saídas em reportagem e não lhes

dá tempo para trabalharem melhor?

JR - Há jornalistas que referem a esse aspecto das medidasde restrição, e à própria concepção de conteúdos por partede empresas situadas num mercado altamente concorren-cial menosprezar os aspectos do jornalismo eventualmen-te mais caros de realizar sem que esse aumento de custostenha uma repercussão imediata nas receitas dos orgãosde comunicação social. Há alguns que consideram até quea ausência ou a diminuição da importância do jornalismode reflexão e do jornalismo de investigação, da reporta-gem, contribuiu para o desencanto que eles vão alimen-tando relativamente à profissão. JJ – O desencanto também existe nos novos?

JR – São sobretudo os novos que falam disso. Mas a inter-pretação desse relato não é unívoca, isto é, os jornalistaspodem referir-se a esses aspectos para justificar a sua pró-pria desilusão, que pode ser provocada por outras razões,por não conseguirem inserir-se profissionalmente, pornão conseguirem ter um ordenado decente, por não con-seguirem ter uma vida familiar normal, etc. O entrevista-do, em vez de evocar esses factores para justificar o seudesalento, pode ir procurar razões mais nobres. JJ - Entre a verdade dos testemunhos, as estratégias discur-

sivas e de apresentação de si que todos os discursos

encer ram, e aquilo que são os objectivos científicos da

investigação, onde está a verdade sociológica sobre esta

comunidade?

ENTREVISTA José Rebelo

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JR - Não há uma verdade sociológica imposta do exterior.A verdade sociológica emerge na relação que existe entrea esfera da produção e a esfera da recepção. Existem inter-venções que são condicionadoras dos resultados: há umaintervenção ao nível da definição dos perfis; há umaintervenção ao nível das escolha dos entrevistáveis, nosentido de corresponderem aos perfis pré-fixados; e háuma intervenção ao nível da construção do guião. Outrogrupo de investigação provavelmente definiria outrosperfis, escolheria outros entrevistáveis, construiria outroguião e chegaria a um conjunto de entrevistas diferente.A ideia que se constrói do que é o jornalismo em Portugalresulta, por um lado, de pressupostos da própria equipade investigação e, por outro lado, da forma como o traba -lho realizado é lido e interpretado por quem o lê. E quemo lê vai fazê-lo em função dos seus próprios quadros derecepção. É neste contexto que se elabora a verdade socio-lógica.JJ – Talvez tenha usado a expressão “verdade” de forma

incorrecta. O que queria perguntar era se, no final deste tra-

balho imenso, que se prolongou por 5 anos, podemos res-

ponder à pergunta que lhe deu origem, saber quem são

“eles”, quem são estes jornalistas portugueses?

JR - As entrevistas são muito diversificadas, pela idade,pelo estatuto e pelos posicionamentos políticos dos entre-vistados. Isto dá pelo menos a ideia de uma realidadeextremamente multifacetada, e a realidade é sempre mul-tifacetada. JJ – A realidade é particularmente multifacetada no campo

do jornalismo?

JR - Em qualquer outra profissão eu encontraria tambémesse aspecto de profissão multifacetada. A forma comocada um assume a profissão e as representações que cons-trói variam em função dos próprios quadros existenciais. JJ - Conhecendo as dificuldades que há na definição do jor-

nalismo como uma profissão e tendo em conta essa varie-

dade que o estudo confirma e até define como tendência -

cada vez há mais variedade e heterogeneidade - o que vai

acontecer ao jornalismo como profissão?

JR- Esta investigação não está orientada para o futuro. Otítulo é Ser Jornalista em Portugal, não é o que virá a seramanhã. Isso será mais abordado na investigação emcurso, focalizada sobre os jovens jornalistas. Mas a ques-tão do jornalista do futuro surge através das novas tecno-logias, que são aceites por todos, não há aquela nostalgiada caneta. As novas tecnologias são consideradas portodos como uma conquista. Se há uma diferença entre osjornalistas mais velhos e os mais jovens no que respeita àrelação com as novas tecnologias, assenta no facto dosmais velhos expressarem uma relação de deslumbramen-to: “incrível o que se consegue fazer com as novas tecnologias!”.Nos jornalistas mais novos não há deslumbramento, háuma banalização, eles já nasceram no reino das novas tec-nologias. JJ – Há quem expresse angústias em relação aos ritmos de

“Não há um perfil sociológico, há posicionamentos, há expectativas e há perspectivas completamente distintas.”

“O jornalista também se define em função do contexto e não há dúvida que os contextos profissionais e as formas de organização da profissão mudaram muito.”

“Quando um jornalista nunca mais deixa de fazer estágios, começa a olhar para os colegas de profissão não como se partilhassem os mesmos problemas, mas também como adversários.”

“A questão do jornalista do futuro surge através das novas tecnologias, que são aceites por todos, não há aquela nostalgia da caneta. As novas tecnologias são consideradas por todos como uma conquista.”

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trabalho impostos pelo jornalismo online?

JR – Não especificamente pelo online, mas pela profissão.Estou a lembrar-me de uma jovem que diz que a profissãolhe trouxe grandes problemas na sua vida quotidiana,pelas obrigações que impõe e pelo facto de ser cheia deimprevistos. Se esses imprevistos constituem um aspectopositivo, agradável da profissão, por outro lado podemassumir-se como um aspecto constrangedor porque limi-tam a organização da vida quotidiana. Esse aspecto da ale-atoriedade das rotinas da profissão provoca no entrevista-do uma sensação de inquietação. JJ – Ainda sobre as tecnologias, o jornalismo exercido em

contexto digital ou multimédia não faz surgir uma represen-

tação diferente da profissão?

JR - Não senti isso. Nós estamos a trabalhar num univer-so de 47 entrevistados. Mas não me pareceu que isso cons-tituísse problema.JJ - Podemos dizer que a exigência de escrever para várias

plataformas é pacífica entre os jornalistas?

JR – Essa questão não surge de forma sistemática. Talvezporque os entrevistados pertencentes às gerações maisantigas já estão um bocado retirados das multiplataformase os mais novos acham que assim é que é. JJ – Não existe uma diferença de valorização entre o online e

o papel?

JR - Não. É verdade que os jornalistas mais antigos evo-cam o cheiro das gráficas, mas isso são os tais aspectossentimentais ligados a um discurso que é construído sobesta espécie de representação mítica do jornalismo. JJ - O novo discurso do jornalismo é mais pragmático?

JR – Sem dúvida, é mais pragmático do que sentimental.JJ – Como é que os jornalistas se relacionam com os pode-

res políticos ou económicos?

JR - São frequentes as declarações dos entrevistados, nosentido de recearem uma dominação do poder económi-co sobre as empresas de comunicação social, nomeada-mente com a criação de grupos multimédia e a ligaçãoentre esses grupos multimédia e outros sectores de activi-dade económica e financeira. Existe a preocupação de queo jornalismo passe a corresponder a outros objectivos quenão aqueles de informar as pessoas. No que respeita àpolítica, são raros os casos em que o entrevistado diz queo jornalista não pode ter nada a ver com política. É regraconsiderar-se que o jornalismo implica uma prática decidadania e que essa prática tem uma vertente política.Agora, aquilo que distinguem muito profundamente, é oexercício da política como um direito de cidadania e oexercício de uma actividade partidária. Quando se per-gunta no fim da entrevista: “Em quem é que votou nas legis-lativas e em quem é que votou nas presidenciais?”, em muitoscasos o entrevistado tenta contornar a questão, sobretudono que respeita ao voto nas legislativas. Nas presidenciaisestão muito mais à vontade para dizer em que candidatovotaram. Um pouco como se a eleição presidencial fossedespartidarizada e, portanto, eles respondem mais facil-

mente a esta pergunta, porque o voto nas legislativas jápode exprimir a ligação com um partido político.JJ – Os jornalistas receiam ser instrumentalizados ou condi-

cionados pelo poder?

JR – Quando perguntamos aos jornalistas se há perigo dojornalismo ser instrumentalizado pelo poder político, aresposta é sim. Mas quando perguntamos se já foramobjecto de pressão por parte do poder político, quase sem-pre a resposta é não. É como se admitissem a questão noponto de vista teórico mas não no seu caso pessoal.JJ – Como interpreta essa resposta?

JR – É um discurso de auto-defesa. Quem assumir que foimuito pressionado, no fundo também assume que é pres-sionável, isto é, que a pressão pode resultar. Quando sediz: “a mim nunca me pressionou”, há como pressuposto aideia de que é inútil pressionar-me.JJ – No caso dos jornalistas que ascenderam rapidamente a

lugares de chefia, deu para perceber quais são as receitas

desses trilhos de sucesso?

JR - Não há propriamente uma receita, eles por um ladojustificam isso com o seu próprio mérito, como é eviden-te, mas depois também acham que há condições para seprosseguir na profissão. Insistem muito na qualificaçãoprofissional, elogiam o facto dos jornalistas de hoje teremuma formação universitária que lhes dá outros instru-mentos de trabalho. JJ - Nessa qualificação, a licenciatura que se tem ou a uni-

versidade onde se estudou são factores importantes ?

JR - Há alguns casos de jornalistas que elogiam a univer-sidade em que estudaram, há outros casos que dizem queo que estudaram pouco lhes serviu para a profissão,embora admitam que lhes deu outra visão do mundo.Mas, de uma forma geral, o que se distingue é entre aque-les que fizeram estudos universitários e os que não fize-ram, independentemente do local em que estudaram. JJ - Ser licenciado em ciências da comunicação ou em jorna-

lismo é a escolha óbvia das gerações mais novas?

JR – Dentro dos licenciados, são raros aqueles que selicenciaram noutras áreas.JJ - No seu texto de apresentação do livro, valoriza o facto

da sua equipa de investigação incluir antigos jornalistas que

entretanto concluíram mestrados e doutoramentos. A pre-

sença dessas pessoas foi importante para este projecto?

JR – Foi fundamental. A grande vantagem é que se tratade pessoas que conhecem o terreno do ponto de vistaempírico e simultaneamente têm uma formação teórica emetodológica no âmbito sociológico; se cruzar estes doisaspectos, são investigadores que oferecem condiçõesmuito especiais. A definição dos perfis, a escolha dosentrevistáveis, a construção do guião, tudo isto foi profun-damente discutido dentro do grupo, houve reuniões de15 em 15 dias durante não sei quanto tempo! Essas discus-sões foram atravessadas pelas diferenças entre a formaçãoteórica que uns e outros foram adquirindo, o conhecimen-to do terreno que uma parte deles tem e a relação de total

ENTREVISTA José Rebelo

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distanciamento que a outra parte também tem. A compo-sição variada do grupo de investigação é um aspectomuito positivo.JJ - Dentro dessas discussões, sentiu alguma dificuldade

em conciliar o olhar mais sociológico e o olhar mais jorna-

lístico?

JR – Para ser franco, não senti. Houve uma atitude demodéstia extraordinária por parte dos jornalistas de refe-rência que são membros deste grupo. Essa modéstia tra-duziu-se logo no facto de aceitarem frequentar um cursode pós-graduação e depois um curso doutoral em que sesentavam ao lado de jovens com 21, 22 anos. Essa atitudeé uma razão que pode justificar a ausência de confronta-ção entre uma dimensão empírica e uma dimensão teóri-ca. Os jornalistas que participaram nesta equipa assumi-ram o seu lugar de sociólogos aprendizes e queriam sê-lo,portanto, não havia nenhuma rejeição da dimensão socio-lógica. Depois, também não havia no grupo ninguém quedefendesse uma sociologia alheia à dimensão empírica.Até porque o coordenador fui eu, e fui jornalista durante18 anos da minha vida, 2 anos no jornal República e 16anos no Le Monde. Não havia dentro do grupo nenhumsociólogo “puro” que procurasse desligar-se da realidadeempírica. JJ - A desigualdade de género está ultrapassada em

Portugal no campo jornalístico?

JR - A tendência é que ela exista mas com supremacia parao género feminino. Em termos globais, a percentagem dehomens ainda é superior à de mulheres. Mas, quando sedesagrega o total dos 7 mil e tal jornalistas por faixas etá-rias, verifica-se que nas faixas etárias mais jovens a per-centagem de mulheres é muito superior à de homens. Seprojectar no tempo, vai concluir que dentro de 5 ou 10anos a predominância masculina que existe, sobretudonas faixas etárias com mais de 55 anos, irá desaparecer. JJ – Essa mudança repercute ao nível dos cargos de chefia?

JR - A forte população de mulheres, sobretudo nas faixasetárias mais jovens, não se manifesta ao nível dos cargosdirigentes. Isso vê-se em Portugal, como se vê em França,na Bélgica e no Canadá, que foram alguns dos casos quenós estudámos para estabelecer a comparação. Uma razãoterá a ver com um recrutamento baseado no género, mashá uma outra razão que deve ser considerada: tendencial-mente, escolhem-se para lugares de liderança jornalistasque se situam nas escalas etárias mais velhas, com mais de40-45 anos, onde a predominância masculina é forte.Provavelmente, esta situação vai mudar a médio prazo,porque as mulheres dentro de muito pouco tempo vão“invadir” - no bom sentido - as faixas etárias até aos 55-60anos. JJ – O que espera deste estudo, em termos de impactos?

JR – O objectivo é funcionar como instrumento que des-encadeie uma reflexão crítica sobre as rotinas da profissãodentro da própria profissão.

“São frequentes as declarações dos entrevistados, no sentido de recearem uma dominação do poder económico sobre as empresas de comunicação social, nomeadamente com a criação de grupos multimédia e a ligação entre esses grupos multimédia e outros sectores de actividade económica e financeira.”

“Quando perguntamos aos jornalistas se háperigo do jornalismo ser instrumentalizado pelo poder político, a resposta é sim. Mas quando perguntamos se já foram objecto de pressão por parte do poder político, quase sempre a resposta é não.”

“Há alguns casos de jornalistas que elogiama universidade em que estudaram, há outroscasos que dizem que o que estudaram pouco lhes serviu para a profissão, embora admitam que lhes deu outra visão do mundo.”

“A forte população de mulheres, sobretudo nas faixas etárias mais jovens, não se manifesta ao nível dos cargos dirigentes. Isso vê-se em Portugal, como se vê em França, na Bélgica e no Canadá, que foram alguns dos casos que nós estudámos para estabelecer a comparação.” JJ

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3.º Congresso Feminista PortuguêsUma estratégia de comunicação para tiraro feminismo do gueto

Na selecção e tratamento noticiosos da realidade, osjornalistas são influenciados, em maior ou menormedida, pelos promotores dos acontecimentos. Estesdefinem e põem em prática, com diferentes graus desucesso, estratégias de visibilidade, não apenas com oobjectivo de captar a atenção dos media, mas tambémde influir nos enquadramentos do discurso jornalístico ena forma como determinados eventos, ideias,protagonistas serão percepcionados pela opiniãopública. "As notícias também nos dizem como pensar",

escreveram, em 1993, os ideólogos da teoria do agendamento, Maxwell McCombs e DonaldShaw. O 3.º Congresso Feminista Português, que teve lugar em Junho de 2008, em Lisboa, éum acontecimento excepcional para se compreender como a integração de estratégias decomunicação orientadas para a projecção mediática se revela decisiva na concretização dosobjectivos dos organizadores de dar visibilidade ao movimento feminista, relançar adiscussão sobre a sua relevância na sociedade portuguesa, arrancá-lo de um estado de"guetização" e de marginalização. Os jornalistas autores das peças sobre este eventotenderam a reproduzir, e até a reforçar, este enquadramento ideológico.

Texto Carla Martins, Luísa Azevedo, Marta Peça

Omovimento feminista tem uma históriarelativamente breve e invisível em Por -tugal. O regime político que governou opaís durante a maior parte do século XXassegurou um estrito controlo ideológico

das mulheres. Nos anos de democracia, após o 25 de Abrilde 1974, as feministas portuguesas foram acolhidas essen-cialmente com indiferença na esfera pública mediática ealvo de preconceitos, como a memória de um epifenó-meno que na realidade nunca teve lugar (a "queima dossutiãs").

Se algumas perspectivas advogam que não se podesequer falar da existência histórica de um movimento fe -

minista, a União de Mulheres Alternativa e Resposta(UMAR) promoveu, em Junho de 2008, o 3.º CongressoFeminista, assumindo, 80 anos depois, a herança dos 1.º e2.º congressos feministas, que tiveram lugar em 1924 e 1928.

Analisar a cobertura jornalística deste evento naimprensa, compreender as estratégias de comunicaçãoque prepararam o seu acolhimento nos media e comoforam ideologicamente enquadrados os conceitos de fe -minismo e feministas no discurso noticioso constituíramos objectivos centrais de um estudo de caso realizado noâmbito do projecto "As mulheres e o espaço público: opapel dos media em áreas prioritárias da Plataforma deAcção de Pequim", coordenado por Maria João Silveirinha

ANÁLISE

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e desenvolvido pelo Centro de Investigação Media eJornalismo (CIMJ), com o apoio da Fundação para aCiência e Tecnologia.

A opção metodológica consistiu numa análise discursivaempreendida a três níveis sobre um corpus que incluiu todosos artigos sobre o tema publicados nos jornais nacionais, numtotal de 77, entre Agosto de 2007 e Julho de 2008.

O Público foi o jornal que maior número de peças publi-cou, sendo também significativa a cobertura feita pelo Diáriode Notícias, pelo Jornal de Notícias e pelos jornais locais.

A maioria dos artigos foi publicada em Junho e Marçode 2008, este último mês tradicionalmente relacionadocom a promoção da igualdade de oportunidades entremulheres e homens e com o relato da situação da mulherem Portugal e internacionalmente.

A cobertura centrou-se em alguns painéis da conferên-cia em particular, como o dedicado ao "feminismo e poderpolítico", onde intervieram várias deputadas, bem comona sessão de encerramento, onde participou o entãosecretário de Estado Jorge Lacão. Os eventos paralelosforam igualmente mencionados em 10% dos artigos.

Um dos principais focos salientados pela imprensalocal foi a "Rota dos Feminismos", uma iniciativa itine -rante que decorreu entre 7 e 9 de Maio de 2008 e que visa-va discutir o movimento feminista e promover o congres-so. Esta caravana nacional viajou por Portugal, e con-seguiu captar a atenção mediática.

O congresso proporcionou uma oportunidade paradiscutir feminismos e direitos das mulheres, os temasprincipais. Possibilitou também que no espaço públicofosse relembrada a história do movimento feminista emPortugal e algumas das suas personalidades mais impor-tantes. Vários artigos salientaram reivindicações passadase presentes pela total e real igualdade entre mulheres ehomens nas diversas áreas.

As mulheres foram os actores dominantes, querenquanto autoras, quer enquanto vozes nos artigos ana -lisados. Deve salientar-se que 36 das peças em que o autoré identificado são assinadas por mulheres, ao passo queapenas 8 autores são homens.

As activistas desfrutaram do papel principal nesta dis-cussão pública. O único homem activista com voz activafoi Javier Robles Andrades, da espanhola AHIGE -Asociación de Hombres por la Igualdad de Género. Osmembros do parlamento também tiveram voz activa. Ofoco foi variado, e prevaleceu um leque diversificado deopiniões e gerações políticas, particularmente quandoabordadas as "quotas". Quanto aos actores políticos mas-culinos, Jorge Lacão foi o único homem com voz activa. Aacademia também desempenhou um papel evidente querno congresso quer nos media.

"FEMINISMO SAI DO ARMÁRIO AO FIM DE 80 ANOS"O feminismo foi retratado em todos os artigos através deduas perspectivas: de uma forma geral, focando-se

Cartaz do Congresso

Feminista de 2008 e

notícia do Congresso

Feminista (Lisboa

1928)

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questões da igualdade e as suas repercussões nos difer-entes sectores da vida pública e privada; circunscrevendo-se tematicamente a questão, abordando-se aspectos maisespecíficos, como religião ou trabalho, ou questionando--se modelos de masculinidade.

É a identidade do feminismo que se visitou "80 anosdepois" do 2.º Congresso Feminista, procurando-se dotaros conceitos de feminismo e feministas de profundidadehistórica e desconstruir ou corrigir as distorções nas per-cepções públicas, baseadas em estereótipos grosseiros.

Forja-se, por um lado, uma continuidade narrativa domovimento feminista entre os primeiros anos do séculoXX e os primeiros do XXI, cuja consolidação requer legiti-mação histórica. Esta formação simbólica é complementa-da por dispositivos de personalização, por via da evocaçãode algumas das suas figuras matriciais em diferentesmomentos históricos (Elina Guimarães na década de 20,Maria Lamas na década de 40, Madalena Barbosa após o25 de Abril de 1974, entre muitas outras).

Por outro lado, surgem micro-narrativas do feminismo,mais isoladas e sem que se cheguem a constituir-se comorepresentações-chave do feminismo, ainda que enunciemas suas problemáticas.

Promover o Congresso é "quase um dever histórico",escreve Luísa Meireles no Expresso (31 de Maio de 2008),citando a organização. "Feminismo sai do armário ao fim

de 80 anos", é o título do dossier sobre o evento que oDiário de Notícias publica na sua edição de 26 de Junho de2008. É a perspectiva histórica que se sublinha no pará-grafo de abertura deste conjunto de artigos: "Oito décadasdepois do último Congresso, o movimento quer mostrarque está de boa saúde"; as activistas recusam-se "a deitarpara o lixo a luta histórica das suas predecessoras". ODiário de Notícias evoca fotograficamente os 1.º e 2.ºCongressos Feministas, as legendas fixam a sua ocorrênciana "Idade de ouro do feminismo".

Não obstante a incomparabilidade de contextos, traça-se um devir contínuo entre congressos, como se estes pro-cedessem do mesmo impulso. As origens do movimentofeminista em Portugal remontam ao período republicanoe esta diacronia histórica é legitimada pelas vozes auto -rizadas e especializadas dos/as historiadores/as. Os/asorganizadores/as resgatam e reclamam esta herança,mesmo que na raiz a consciência feminista se tenha mobi-lizado por outras questões, que identificam essencial-mente a primeira vaga de feminismo.

Afinal, "onde andaram as feministas durante 80 anos?",questiona a Visão, na edição de 3 de Julho de 2008, ementrevista à presidente da UMAR, Elisabete Brasil. Emresposta: "Andaram por aí. Nunca houve foi uma organi-zação que fizesse avançar o congresso. E ocorreu umaperda de memória histórica, em grande parte devido à

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Congresso Feminista (Lisboa 1928)

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ditadura (…). Só após o 25 de Abril surgiram as primeirasassociações de mulheres".

O FEMINISMO É URGENTE E NECESSÁRIOA evocação dos Congressos Feministas - ou o seu "ressus-

citar", segundo o Jornal de Notícias de 26 de Junho - faz sen-tido, não como mera reconstrução da memória histórica,mas na afirmação do papel social do pensamento e acçãofeministas e para re-situar temporalmente o feminismoquanto ao presente e o futuro. No Expresso (31 de Maio de2008), Luísa Meireles assevera: "Não! Desta vez, as mul-heres não vão queimar sutiãs. Nem são todas feias e muitomenos lésbicas".

Oito décadas depois, porque é que o discurso feministaainda faz sentido? E por que caminhos deve seguir?Segundo o Público (26 de Junho de 2008), "hoje as causas etemas do feminismo são múltiplas". O Expresso (31 deMaio de 2008) sintetiza a "agenda" actual do feminismoevocando a violência doméstica, igualdade salarial e nascarreiras, pobreza, prostituição, liderança e orientaçãosexual.

As opiniões apontam numa única direcção: o feminis-mo é urgente e necessário, o passado ainda está porrealizar. A sedimentação da identidade do feminismopassa por uma ruptura com a visão do feminismo comoum mero discurso politicamente correcto, que de certaforma o esvazia de eficácia.

Porém, para além de momentos localizados, os medianão focaram e reflectiram publicamente sobre as actuaismicro-narrativas da terceira geração do feminismo. Aesfera pública mediática em torno do 3.º CongressoFeminista não confirmou a vitalidade de alguns dos prin-cipais dilemas teóricos do feminismo contemporâneo.

O Público enfatiza que o Congresso Feminista convoca"um conjunto abrangente de pessoas", "pessoas de váriasorigens e ideologias", que aceitaram debater o tema "longede estereótipos e preconceitos sobre o que é o feminismo"(26 de Junho de 2008).

O consenso perpassa os depoimentos sobre estasquestões recolhidos pelo Diário de Notícias, Jornal deNotícias e Público (26 de Junho de 2008) junto de "activis-tas", de "mulheres" e de outros protagonistas (de ambos ossexos, mas sobretudo femininas). O Jornal de Notícias é oúnico jornal que, nesta panóplia de declarações, insereuma "voz dissonante", a de uma ex-ministra, queenquadra enquanto tal. Ao mesmo tempo que introduzeste ponto de vista alternativo manifesta um certo espan-to por este desvio no ritual de celebração do consenso.

As vozes dos protagonistas externos aos jornais conti -nuam a materializar um certo elitismo (são escritoras, jor-nalistas, investigadoras, deputadas) e um certo fechamen-to a uma diversidade ideológica e de género (quase totalausência de vozes masculinas).

O Público é o único jornal que, no dossier de anteci-pação da cobertura, compõe uma peça jornalística com

base exclusivamente em depoimentos de protagonistasmasculinos. Sendo a luta feminista tipicamente identifica-da como assunto de mulheres, o envolvimento de ho mensnesta causa parece resultar simbolicamente na sua val-orização como questão transversal aos dois géneros. Já em1924 o antigo presidente Bernardino Machado, apresen-tando-se como "professor, político e ministro (…), diz serum velho soldado do Feminismo" (Diário de Notícias, 5 deMaio de 1924).

O "tom" do tratamento jornalístico é claramentefavorável à causa feminista, e a uma fixação no modocomo deve ser interpretada ideologicamente, revelandoenvolvimento e compromisso dos autores (das autoras)dos artigos. As marcas discursivas revelam a subjectivi-dade do/a narrador/a e a ausência de distanciamento e decrítica. As opiniões das/os protagonistas ouvidos nas peçassão facilmente convertidas em enquadramentos informa-tivos.

A análise revela uma sobreposição do "interesse jor-nalístico" do congresso com a estratégia de comunicaçãodas/os suas/eus organizadoras/es. Esta proximidade é, defacto, igualmente encontrada no primeiro congresso fem-inista: a imprensa foi mencionada pelo jornalista comoum actor relevante, sendo inclusive merecedora de "umavibrante salva de palmas" no início da sessão de encerra-mento. (Diário de Notícias, 10 de Maio de 1924).

"PORTUGAL É AINDA UM PAÍS DE CALÇAS?"A análise discursiva incluiu também o estudo de tendên-cias linguísticas das peças seleccionadas, que vêm confir-mar alguns dos aspectos verificados nos anteriores níveisanalíticos. Os títulos dos artigos, antes de mais, nãoobstante as suas diferenças significativas, apontam paraparticularismos ideológicos.

Um primeiro grupo de títulos recupera depoimentostextuais: "Já chega de discursos paternalistas" (assinadopor Ana Drago, Sol, 7 de Julho de 2008) ou "O feminismoé dos movimentos potencialmente mais revolucionários"(Público, 28 de Junho de 2008).

O eco das vozes de terceiros/as possibilita um distanci-amento do/a autor/a: o/a jornalista distancia-se do que édito (foi outra pessoa que o disse), escolhendo, no entan-to, sublinhá-lo através desta forma de projecção de umargumento em particular.

Um segundo grupo de títulos encontra-se no limite doespectável em relação ao tema das peças. Da ligação docongresso com um passado histórico emerge uma com-preensão do feminismo enquanto um processo no tempo,em linha com as macro-narrativas identificadas.

As metáforas servem bem este propósito. O feminismoé retratado como um processo através de metáforas deorientação, viagem e batalha: "Mulheres dão passos naconquista dos direitos", "Feminismo é lutar por todas asigualdades" (Diário Cidade, 3 de Julho de 2008 e JN, 26Junho de 2008). A elipse do verbo também serve esta

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estratégia, ligando-o ao mencionado distanciamento: "Asfeministas, 80 anos depois" (Visão, 3 Julho de 2008). Em1924, Bernardino Machado também usou imagens decombate para encorajar para a acção em algumas dasreivindicações que permanecem presentes na sociedadeportuguesa: "A mulher não fará mau uso do direito devoto e deve lutar em todos os campos pelas suas regalias"(Diário de Notícias, 10 de Maio de 1924).

O preconceito e a dimensão mítica do passado sãorecordados pelo casamento entre a auto-imagem do fem-inismo com preconceito e derrogação dos seus oponentesnão especificados: "Feministas não vão queimar soutiens"(Expresso, 31 de Maio de 2008) ou "Quem tem medo dasfeministas?" (Expresso, 28 Junho de 2008).

Um terceiro conjunto de títulos permite constatar aarticulação do feminismo com a identidade sexual e políti-ca: "Feminismo sai do armário ao fim de 80 anos ","Portugal é ainda um país de calças?" (Diário de Notícias, 26Junho 2008), "Coisas de gajas" (Público, 28 de Junho de2008).

Alguns textos vivem da voz comprometida do/a jorna -lista que opina e emite juízos de valor acerca das matérias.É o caso de São José Almeida que, em "A desigualdade nãoé um fatalismo" e em "Coisas de gajas", usa expressõesadjectivais e / ou adverbiais com forte carga semântica,como "O estatuto de menoridade da mulher em Portugal

é gritante…" ou "as elites são sexistas e discriminatóriasdas mulheres".

Apesar de serem poucas/os as/os jornalistas que assi-nam artigos de opinião na imprensa portuguesa, a autoradestas duas peças é inquestionavelmente a jornalista quemais escreveu sobre o congresso. Este é sem dúvida umcaso excepcional de compromisso de uma mulher jorna -lista detentora de poder no seio do jornal para dar a co -nhecer e emitir opiniões acerca do assunto sobre o qualfaz a cobertura. A sua é uma voz de autoridade.

Mais do que assertivo é o tom didáctico claramenteassumido por Inês Pedrosa que, em "Cursobreve" (Diáriode Notícias, 6 de Julho de 2008), pretende dar 7 lições às/aosignorantes não especificadas/os, "os que nunca pensaramnisso (…) sobretudo no que se refere aquilo que seentende serem assuntos mulheres". Uma pergunta("Percebido?") fecha o texto, sublinhando o seu pendorpedagógico, através do qual a autora assume um tomautoritário e uma posição algo impaciente em torno deum conhecimento frequentemente repetido e nuncaapreendido.

"PRÓS E CONTRAS" ENTRE MIGUÉIS Continua nos textos a estratégia comunicativa identificadanos títulos. Neles encontramos também a recuperação erecontextualização de velhos estereótipos e preconceitos

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que se traduzem em chavões. Algumas das peças analisadassão edifícios argumentativos sustentados por estratégiasretóricas mais ou menos "clássicas", como é o caso de "Coisasde gajas": abre com um facto (a atribuição do nome de Mariade Lourdes Pintasilgo a uma rua de Lisboa), que conduz ànotícia do Congresso Feminista ("onde seguramente a anti-ga primeira ministra teria um lugar de destaque"); partepara a apresentação de algumas questões centrais do femi-nismo, sustentadas pela força dos números e dos exemplose conclui com a constatação de que se vive em Portugal"uma situação gravemente discriminatória das mulheres,perpetuada por uma mentalidade que considera que asmulheres existem para ter e criar filhos", atentatória dosdireitos humanos - "pois os direitos da mulher são direitoshumanos"-, o que mostra a urgência de inverter o statusquo, sob pena de ganhar razão o desafio provocatório dajornalista Ana Vicente: "Então vamos ser consequentes edizer que as mulheres são inferiores aos homens".

Quanto à intertextualidade e diálogo, o conceito de umdiálogo fundamental no discurso, encontra-se claramentepresente nos textos analisados. A sua importância podeser explorada em duas peças assinadas por dois homens,coincidentemente ambos Miguel: Sousa Tavares e Portas:"Minhas senhoras" e "Mulheres", respectivamente(Expresso e Sol, 28 de Junho de 2008).

O primeiro texto, o único artigo de opinião no corpus

analisado que deliberadamente se posiciona contra o fe -minismo e o congresso, dirige-se às senhoras, numa bono-mia paternalista; o segundo destina-se em especial aoshomens, para lhes apresentar a situação das mulheres,num tom exortativo: "Que os homens se coloquem, porum minuto, na pele das mulheres".

Apesar da coincidência de datas, Portas acaba porresponder (sem o saber) às questões colocadas pelo textode Sousa Tavares: "o que justifica o Congresso, o que sepropõe ele discutir?". E todas as estratégias linguísticasque sustentam "Minhas senhoras" se esvaziam perante"Mulheres": a manobra verbal de entrincheiramento comque Tavares profetizava para si "os dissabores habituais…ofensas, insinuações caluniosas e os habituais boatosanónimos"; o irónico cavalheirismo com que se ofereceucomo "carne para canhão ao 3º Congresso FeministaPortuguês… onde, como se sabe, fazem sempre faltaalguns bichos homem disponíveis para dar o peito àsbalas"; até a infeliz comparação das mulheres com "osdeficientes e doentes crónicos, os de outra raça, osestrangeiros emigrados ou os de mais de 45 anos"; oualgumas referências de gosto duvidoso (como, por exem-plo, a Zezé Camarinha) - tudo parece ineficaz e, de certaforma, até "inofensivo", quando cotejado com a meridianaclareza, a eficácia linguística e a elegância inteligente dotexto de Miguel Portas. JJ

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Diário do FestroiaGénese e evolução de um jornal de curta-metragem

Em mais de 500 anos de imprensa, habituámo-nos a dividir os seussuportes em jornais e revistas; generalistas e especializados; deperiodicidade diária, semanal, quinzenal, etc. Uma catalogação destegénero implica forçosamente a exclusão de alguns formatos. Masserão eles, por isso, filhos de uma imprensa menor? A experiênciacom o Diário do Festroia diz-nos que não.

Texto e imagens: Helena de Sousa Freitas e Luís Humberto Teixeira

Apesar da juventude do projecto e da suacurta duração em cada ano - já que acom-panha apenas os dez dias daquele festivalinternacional de cinema -, este jornalpauta-se pelas normas de rigor e isenção

exigíveis à restante imprensa. Beneficia também de umaindependência que lhe permite publicar as opiniões dosentrevistados sem censura por parte da direcção do festi-val, mesmo em caso de crítica.

Contudo, antes de avançarmos com a descrição dagénese e evolução do diário, dediquemos umas brevíssi-mas linhas à iniciativa a que o mesmo está vinculado.

Nascido em 1985 em Tróia para divulgar obras de país-es com uma produção fílmica reduzida, o Festroia atraves-sou o rio Sado uma década mais tarde, para se instalar nacidade de Setúbal, onde diversificou o público e estreitoulaços com os espectadores. Desde o início, um dos elosentre o festival e a sua audiência foi a publicação diária deinformação sobre os filmes e o quotidiano do evento e, aolongo do mais de um quarto de século que este já leva,vários têm sido os formatos adoptados para o fazer.

PRIMEIROS PASSOS:FOLHETO INFORMATIVO OU JORNAL?Em 1985, ano de estreia do Festroia, a organização pro-duziu um folheto informativo de quatro páginas em

inglês, que resumia o essencial dos ciclos do festival. Noentanto, tendo este sido fundado por um jornalista eescritor, Mário Ventura Henriques, não tardou que tivesselugar a experiência piloto de publicação de um diário ofi-cial impresso em tipografia. Estava-se em 1987.

Dirigido por um jornalista profissional, José AntónioSantos, o periódico teve oito páginas na primeira edição equatro nas restantes. Totalmente em português, foi pro-duzido e impresso a priori, contendo "entrevistas,sinopses desenvolvidas e outras notícias de interessegeral, além das opiniões de diversas personalidades" quetinham estado no festival nas edições anteriores. Incluíatambém informação sobre as mostras do festival e as prin-cipais atracções do distrito de Setúbal.

A primeira edição do jornal indicava a quem se dirigiaa publicação: "Destina-se ao público em geral, mas é de-dicado especialmente aos críticos e jornalistas que aqui sedeslocam em serviços dos seus meios de ComunicaçãoSocial".

Todavia, a experiência não viria a ser repetida nestesmoldes e, nos anos seguintes, o festival optou por ediçõespolicopiadas com entre quatro e oito páginas preenchidaspor informação em português e, esporadicamente, textosoficiais em inglês ou francês. Estas versões policopiadastinham, porém, uma marca distintiva face às edições dosprimeiros anos: os conteúdos eram produzidos durante o

TESTEMUNHO

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festival, aí se incluindo a reprodução das notícias sobre oFestroia difundidas pela imprensa nacional.

As grandes figuras da sétima arte que o festival home-nageava, os filmes que dava a conhecer em contraciclocom o cinema comercial, os prémios que atribuía e as fi -guras convidadas - de tudo isto o jornal oficial foi dandoconta ao longo dos anos, passando a sua elaboração tam-bém por diversas mãos.

O IRRESISTÍVEL DESAFIO DE UM VETERANOCorria o ano de 2005 e aproximava-se rapidamente a 21ªedição do Festroia quando Mário Ventura Henriques nosdesafiou a assumir a responsabilidade deste projecto nosmoldes usuais: a edição policopiada, produzida em folhasA3 que eram dobradas para se obter o formato A4. Mesmocom o original a cor, as cópias eram a preto e branco, pelaóbvia razão da contenção de custos.

Contudo, para os jornalistas profissionais que nessaaltura todos éramos, o resultado sabia a pouco. E foi MárioVentura quem, numa conversa casual, nos disse: "Ter umdiário em papel e formato de jornal é que era! Só que issofica muito caro... ". Mas, como escreveu António Aleixo, "apalavra é como a bala / quando se deixa partir / não háquem possa agarrá-la". O mesmo é dizer que o mal estavafeito. A ideia fervia em nós, espicaçava-nos: "um jornal asério é que era".

Pedimos orçamentos, fizemos contas e propusemos umdiário de oito páginas, ao que o fundador do Festroia, bati-do nas lides jornalísticas, reagiu prontamente: "Apenascom dois jornalistas e um paginador? Vocês estão doidos?Não passam da primeira edição! Façam um número inicialcom oito páginas e os restantes com quatro. Isto seaguentarem o ritmo".

A esta distância, talvez seja de admitir que quisemosfazer prova de valentia, porque, com o apoio de umdesigner, fechámos quinze edições - dez em português ecinco em inglês - de oito páginas cada durante o festival.Era um projecto acalentado por Mário Ventura Henriques,que folheou várias edições naquele que seria o seu últimoFestroia, em 2006.

FRUTO DE UM ESFORÇO CONJUNTONos anos seguintes, o projecto manteve-se. Em parte de -vido à confiança da direcção do festival - que continuou adar-nos carta branca para fazermos o nosso trabalho -,mas também graças ao apoio de pessoas geralmentemenos visíveis neste processo colectivo de conceber edivulgar um jornal.

Assim, além de nós, editores das versões portuguesae inglesa do diário, são fundamentais: os fotógrafos,disponíveis para nos fazer chegar imagens a horas maise menos próprias; o designer/paginador, que nos acom-

(Da esq. para a dir.) O folheto informativo (1985); A experiência piloto (1987); Uma versão policopiada (1995)

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panha até ao fecho; a equipa da tipografia, que faz seusos nossos loucos horários para que o jornal saia atem-padamente; e os distribuidores, que colocam os exem-plares em diversos pontos da cidade (da bibliotecamunicipal aos hotéis que acolhem convidados, doscafés e restaurantes às salas de cinema), passandoalguns aos transferistas, que os deixam no aeroporto daPortela.

Imagine-se um órgão de comunicação nascido doesforço de uma cooperativa de jornalistas e pessoas dosmedia... Poderemos considerar este projecto uma peque-na amostra do que seria algo nesses moldes? Apesar dascircunstâncias financeiras distintas (com a verba que tornaesta aventura possível a ser assegurada pela organização),acreditamos que sim.

Afinal, o cuidado posto na execução deste jornal de dis-tribuição gratuita é similar ao tido pelos editores de qual-quer outra publicação - procuramos boas fotos (captadaspor nós ou por colaboradores pontuais nesta área) emanchetes apelativas, escolhemos as frases mais fortespara titular as peças e revemos atentamente os textos,para preservar as línguas portuguesa e inglesa apesar daurgência do fecho.

De 2006 a 2009, o modelo do diário manteve-se.Apostou-se sobretudo na difusão de informação sobre osfilmes e em entrevistas a actores, realizadores, argumen-tistas e produtores convidados, sendo mais notórias asalterações na linha gráfica por os designers irem mudan-do consoante a disponibilidade própria, cada um imprim-indo ao projecto o seu cunho pessoal.

Em 2010, com o diário oficial a celebrar o primeiro lus-tro no formato de jornal, sopraram os ventos demudança. Dado muitos convidados lamentarem que aedição internacional saísse dia sim, dia não, assumiu-seum novo risco: publicar um jornal bilingue todos os diasdurante o festival. E assim foi - de 4 a 13 de Junho saíramdez edições com doze páginas cada, em vez das anteri-ores oito, tendo o jornal duas primeiras páginas, uma em

português e outra em inglês, em lugar das usuaisprimeira e última.

OS RIGORES DA INDEPENDÊNCIASupomos que algumas das questões que mais pronta-mente podem colocar-se em relação a um jornal destaíndole respeitam à sua independência e ao escrúpulodeontológico com que se faz cada página. Sendo impos-sível reproduzir aqui todos os pequenos dilemas com quenos temos deparado na feitura de cada edição, referimosapenas algumas cautelas elementares.

O Festroia inclui diversas secções competitivas - SecçãoOficial, O Homem e a Natureza, Primeiras Obras. Comotal, nas referências aos filmes que integram estas secções,evita-se ao máximo reproduzir juízos de terceiros(nomeadamente da crítica especializada), dada a noção deque isso pode influenciar, positiva ou negativamente, osjúris. Assim, tanto nas sinopses das obras como nas per-guntas das entrevistas, procura-se que o factual tenhaclara primazia sobre o opinativo.

Outra preocupação legítima será quanto à inde-pendência. Dado tratar-se do diário oficial do festival, oque fazer quando algum entrevistado avança uma críticaao evento? Publica-se. A título de exemplo, aqui ficamduas respostas, por sinal incluídas na mesma edição.

Em 2009, na nona edição portuguesa, distribuída a 12de Setembro, e um dia depois na versão inglesa, o rea -lizador eslovaco Juraj Jakubisko, que presidia ao júri ofi-cial, afirma: "Vou sugerir à directora do festival que alargueo leque de seleccionadores das películas, porque isso me -lhoraria o perfil do Festroia. Também seria interessante seo festival passasse a ter uma maior intencionalidade, umfio condutor entre os filmes, pois parece-me demasiado ge -neralista". E, em resposta à pergunta seguinte, retoma aideia, explicando que "o facto de a diversidade ser tãogrande torna quase impossível estabelecer uma compara-ção válida" entre as várias obras candidatas.

Uma página mais tarde, é a vez do actor britânico

TESTEMUNHO Diário do Festroia

O diário bilingue (2006)

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Nickolas Grace: "No próximo ano, o Festroia deverá termaior coordenação, para que todos saibam o que se está apassar. Quando vim pela primeira vez, pareceu-me muitoorganizado, pelo que espero vê-lo regressar a esses tempos".

UM JORNAL COLECCIONÁVELVoltando, no fim, ao ponto inicial, qual a razão de ser deum projecto desta natureza? Numa iniciativa caracteriza-da por um ambiente amigável, quase familiar, o jornal(hoje mais dirigido ao público do que aos jornalistas queacompanham o festival, ao contrário da intenção expressaem 1987) reforça a ligação entre o Festroia e os especta-dores e - o que é para nós deveras significativo - sobreviveao próprio evento.

Boa parte da audiência do Festroia, não se sentindo àvontade para entabular conversa com os convidados, gosta,contudo, de saber como surgem as ideias para os filmes,como foi interpretar determinada personagem, quais asdificuldades de financiamento na indústria cinematográficanoutros pontos da Europa, etc. Ao jornal cabe ir em buscadessas respostas e levá-las aos espectadores-leitores.

Talvez pela mais-valia em que essa informação se con-stitui, o jornal tornou-se coleccionável logo em 2006. Etodos os anos, já após o término do festival, continuam achegar pedidos de pessoas que não conseguiram umadeterminada edição, sendo também vários os convidadosestrangeiros que, não podendo acompanhar o Festroia atéao fim, deixam a morada para receber os jornais em casa.

Com um número médio de 30 entrevistas originais porfestival e fotografias dos entrevistados que diferem con-soante a edição seja em português ou em inglês, o jornalrevela-se não só interessante para o público como para osconvidados, que vêem nele um meio de melhor conheceros colegas da sétima arte.

Sublinhar estes factos é falta de modéstia? Não. Ésomente dar a conhecer o que torna este diário umaexperiência tão breve e intensa quanto algumas das cur-tas-metragens que o Festroia apresenta ao público.

Um novo design (2008)

A aposta num formato diferente (2010)

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A escrita nos jornaisTenho uma impressão negativa quanto à qualidade do uso do português nos meios decomunicação, amostra limitada ao que leio e ouço no dia-a-dia de um utente comum que étambém jornalista. Não sei se a qualidade desceu, mas a que observamos é deficiente e issodevia preocupar-nos mais. A preocupação pouco ou nada resolve, mas sem a consciência dasprincipais falhas não surgirão propostas para reduzi-las.

Texto: Francisco Belard

Sei bem que a um jornal não se pode exigir onível de «edição» que se espera de um livro(tal como sei de livros cuja qualidade deescrita e de tradução é desastrosa, mas esse éoutro assunto, embora reconduza ao mesmo

problema – desde a formação de base aos mecanismosde revisão do que se publica). Mas a crise da imprensa eo temido declínio do seu consumo, potenciados pelaquebra na publicidade, pelo decréscimo de hábitos deleitura, pela competição com outras formas deinformação e deentretenimento, devemconduzir a uma reflexão séria –por parte do sistema de ensinopúblico e privado, dos meiosde comunicação social e dasescolas de comunicação ejornalismo. Fazer com que ospadrões de qualidade naexpressão escrita subam, e nãodesçam ainda mais, terá custos,não necessariamente emfinanciamento e em quantidade de recursos humanos,antes na qualidade destes; trata-se de maior exigência eatenção no que se pede aos profissionais e demecanismos de controlo do que vai ser vendido amilhares de leitores. Creio que o declínio dos jornais seagravará (em papel e online, pois são suportesinterligados na produção e no consumo) se não for feitonenhum investimento na melhoria de qualidade, queobviamente não se limita à escrita, mas em que esta édecisiva; a maior parte dos jornais são para ler e não sópara ver, e destinam-se a leitores cujo limiar de tolerânciade erros não é infinito. Se a imprensa não fortendencialmente uma referência nos media, a sua agonianão tardará.

Dito isto, convido os leitores a observar dois ou trêscasos «no terreno» que consubstanciam as minhasdúvidas e eventualmente algumas certezas. O corpus éexcessivo, o que, parecendo facilitar a tarefa, também adificulta. Começo por uma ponta qualquer. Num

semanário (1-7-2011): «Sam e Maddy tentam reunir oapoio de um alto oficial do governo». Num diário (12-7-2011): «(...) suspeitas sobre eventuais ligações entre ogrupo que detém o hotel Sofitel Manhattan e altosoficiais do Governo francês (...)». «Altos oficiais» não énada. Se forem militares, serão oficiais superiores ou(oficiais) generais. Se forem civis, não serão oficiais (salvopossivelmente de polícia) e podem não ser «altos». Istosem indagar, no exemplo inicial, o que seja «reunir oapoio de um (...)». O que se detecta em frases destas é, apar de algum desleixo na sintaxe e de desconhecimentoda terminologia portuguesa, a provável ignorância dadiferença em inglês entre officer e official. Assim, falhas de

«cultura geral» e erros de tradução originam,em casos que estão longe de ser inéditos(limitei-me a exemplos recentes), a convicçãode que os Governos têm «altos oficiais» e nãoaltos funcionários.

Outro exemplo, em parte tambémimputável a má tradução, revela ainda, alémda falta da tal «cultura geral», falhas de sensocomum e de racionalidade: «(...) a Caaba, umedifício coberto por um tecido bordado aouro negro, para o qual os muçulmanos sevoltam (...)» (num semanário, 17-6-2011).

Meio minuto de reflexão ou menor confiança natradução fariam perceber que era um tecido negrobordado a ouro, mesmo sem ter visto fotografias deMeca. «Ouro negro» usa-se para designar o petróleo, efoi o nome de um conjunto musical (o trio e depois duoOuro Negro) angolano-português.

Não procurei aqui casos especialmente graves ouridículos. Tentei apenas enunciar um problema nosso. O assunto é interminável. Talvez possamos voltar a estetema, com diferentes fenómenos mas semelhanteinquietação – como é que se melhora o jornalismoescrito?

OPINIÃO

Convido os leitores a observar dois ou três casos «no terreno»que consubstanciamas minhas dúvidase eventualmentealgumas certezas

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Reunido no Clube deJornalistas no passado dia 29,o Júri dos Prémios Gazeta

congratula-se com o renovadointeresse manifestado, este ano,pelos mais prestigiados galardõesatribuídos aos jornalistas emPortugal, traduzido na recepção deuma centena de trabalhos noconjunto das diversas modalidades aconcurso, sendo que na maior partedos casos se trata de trabalhos deboa ou muito boa qualidade. Adiversificação dos Prémios – que têmo patrocínio exclusivo da CaixaGeral de Depósitos - pelos diversosgéneros jornalísticos veio abrir novase mais amplas possibilidades departicipação, assim permitindo ummelhor acompanhamento evalorização da própria diversidadedas diversas formas do exercício dojornalismo e da identidadejornalística.

O Prémio Gazeta de Mérito foiatribuído a Adelino Gomes, que aolongo da sua carreira de quatrodécadas e meia exerceu a profissão, adiversos níveis de responsabilidade,na rádio (RCP, Renascença, RDP,Antena 1), na televisão (RTP) e naimprensa (Público) sempre com umalto nível de seriedade, isenção erigor. Enveredou, com êxito, pelavida académica, depois de váriasexperiências como professor eformador. Enquanto jornalista, desdecedo se afirmou pela suacompetência e sentido daresponsabilidade social da profissão.Desde sempre cedo também,Adelino Gomes revelou-se,essencialmente, como repórter, tendoo seu nome indelevelmente ligado,por exemplo, à cobertura deacontecimentos como o 25 de Abrilde 1974, o 11 de Março de 1975 e aguerra civil em Timor (na televisão),mas também a programas como oPBX ou o Página 1 (na rádio). Umrepórter no que esta expressãocontém de mais digno – respeitopela verdade e interesse pelos factos,pelas pessoas e pela vida, ou seja,por aquilo que é a matéria-primaessencial da informação jornalística,encarada como um serviço prestadoàqueles que constituem osdestinatários e os potenciaisbeneficiários do nosso trabalho: os

leitores, os ouvintes, ostelespectadores.

O Prémio Gazeta de Imprensa foiatribuído a Sofia Lorena, do Público,pelo notável conjunto dereportagens sobre o Iraque em que,num estilo vivo e fluente, ressaltauma informação humanamentemuito rica e diversificada, construídarecorrendo à valorização da cor local,à atenção ao significado dopormenor, à prioridade dada aocontacto directo e enriquecedor comas pessoas e superiormente ilustradacom as imagens do repórterfotográfico Nuno Ferreira Santos.

O Prémio Gazeta de Rádio foiatribuído a Carlos Júlio, da TSF, pelasua reportagem “A terra a quem atrabalha”, um útil, actual esignificativo exercício de recuperaçãoda memória, com base emdepoimentos de protagonistas de –sublinha o autor - “um tempo aindahoje muito polémico na sociedadeportuguesa” - a Reforma Agrária.

Jornal

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Prémios Gazeta 2010Jornalistas da SIC, Global Imagens, Público, TSF e jornal i conquistamPrémios Gazeta. Adelino Gomes distinguido com Gazeta de Mérito

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O Prémio Gazeta de Televisão foiatribuído a Ana Sofia Fonseca pelareportagem emitida na SIC “O meunome é Portugal”, que conta ahistória de uma criançamoçambicana trazida para Portugalcomo “mascote” por soldadosportugueses regressados da guerracolonial, da sua posterior vida deabandono e privações, da suasaudade de uma mãe e de umapátria de que já mal se lembrava e,finalmente, do regresso e doreencontro ambicionados. Nesta enoutras reportagens enviadas aconcurso, Ana Sofia Fonseca não fazentrevistas – cria personagens. Econcretiza-o numa linguagem emque palavras, música e imagemconvergem e mutuamente sepotenciam numa narrativa plena desensibilidade e criatividade. Asimagens são da autoria do repórterPaulo Cepa. Edição de imagem: LuísGonçalves.

O Prémio Gazeta de Fotografia foiatribuído a Rodrigo Cabrita, daGlobal Imagens, pela foto publicadano Diário de Notícias “Amor esofrimento na hora do Adeus”,captada na vigília que precedeu ofuneral de José Saramago, em que afigura jacente do escritor e o rosto dedor e ternura de Pilar compõem umaimagem bela, comovedora e,simultaneamente, de grande sentidojornalístico.

O Prémio Gazeta Revelação foiatribuído a Clara Silva, do jornal i,pela maturidade da escrita, peloprecoce domínio das técnicasjornalísticas e pela versatilidadedemonstrada no tratamento detemáticas tão diferentes como osperfis humanos presentes em “Amore uma autocaravana” ou a viagemsurpreendente ao mundo de ondeemerge “Ketamina, a nova droga”.

A Direcção do Clube de Jornalistasatribuiu o Prémio Gazeta deImprensa Regional ao SemanárioRegião de Leiria.A qualidade do projecto jornalístico,evidente nos textos, na paginação,na fotografia, na diversidade dostemas abordados é um sinal dequalidade do Região de Leiria nopanorama da Imprensa Regional.A já longa história do jornal,

fundado em 1935, e a difusão emtoda a região, reflectem a solidez doprojecto.

O Prémio Gazeta Multimédia nãofoi atribuído por ausência detrabalhos a concurso.

Composição do Júri: Eugénio Alves(CJ), Daniel Ricardo (CJ), ElizabeteCaramelo (docente universitária),Eva Henningsen (Associação deImprensa Estrangeira em Portugal),Fernando Cascais (docenteuniversitário), Fernanda Bizarro(free-lancer), Fernando Correia(jornalista e docente universitário),Jorge Leitão Ramos (crítico decinema e televisão), José Rebelo(docente universitário) e JoséManuel Paquete de Oliveira(sociólogo e docente universitário).

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MÉRITO

Adelino GomesAdelino Gomes, jornalista(reformado, continua a exercer aprofissão em regime livre),doutorou-se, em Julho passado, emSociologia. É investigador no Centrode Investigação e Estudos deSociologia (CIES), do ISCTE-IUL, noâmbito do qual integrou a equipa,coordenada por José Rebelo,responsável pelo trabalho queculminou no livro Ser jornalista emPortugal. Perfis sociológicos, editadorecentemente pela Gradiva. Amesma equipa prepara novainvestigação sobre o perfil da novageração de jornalistas.

Iniciou a carreira de profissionalde rádio em 1966, no Rádio ClubePortuguês (Serviço de Noticiários eprograma PBX, entre outros). Passoupela Rádio Renascença ondeintegrou a equipa do Página 1.

Afastado do programa por ordemda Secretaria de Estado daInformação e Turismo, por motivosrelacionados com a emissão de umcomentário sobre o assalto de umcomando palestiniano à aldeiaolímpica de Munique, ingressou naDeutsche Welle em Janeiro de 1973.

De regresso a Portugal, emSetembro desse ano, exerceu funçõesde secretário de redacção na revistaSeara Nova.

A seguir ao 25 de Abril, voltou aoServiço de Noticiários do RCP, deque foi o primeiro chefe de redacção

eleito. Após breve passagem pelaRTP, regressou à rádio, entretantonacionalizada. Em 1979, ostrabalhadores elegeram-no seurepresentante (nunca tomou possedo cargo) na Administração da RDP,empresa pública na qual foi Directorde Informação entre Novembro de1995 e Julho de 1997.

Foi, em 1989, um dos fundadoresdo Público (sucessivamente redactor-principal, director-adjunto e, denovo, redactor-principal). Despediu-se desta empresa em Maio de 2008,após o que cumpriu um mandato dedois anos como provedor do ouvinteda RTP (RDP).

Leccionou na Escola Superior dosMeios de Comunicação Social(1975/81), na Escola Superior deJornalismo do Porto (1986) e naUniversidade Autónoma de Lisboa(1992-2002).

Formador no CENJOR e nocentro de formação da RDP, deucursos em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, Moçambique e Macau, ecoordenou o I Curso de Formação deJornalistas da TSF (cooperativa deque havia sido um dos fundadores).

Membro da Direcção do Sindicatodos Jornalistas entre 1979 e 1981, foicoordenador do II Congresso dosJornalistas Portugueses (1986) emembro da Comissão de Redacçãodo III (1998).

Fez parte de conselhos deredacção na RTP, RDP e Público.

É autor de As flores nascem naprisão – Timor-Leste, ano 1 (2004) e co-

autor, entre outros, de Os dias loucosdo PREC (2006, com José PedroCastanheira, edição conjuntaExpresso-Público) e Carlos Gil - umfotógrafo na revolução (2004, tambémeditado em DVD numa realização deIvan Dias, Duvídeo-ZON).

Fez, com Paulo Coelho e PedroLaranjeira, para o programa Limite,da Rádio Renascença, a reportagemdas operações militares em Lisboa nodia 25 de Abril de 1974, a qual deuorigem ao duplo álbum “O dia 25 deAbril”.

Recebeu, ao longo da carreira,cerca de duas dezenas de prémios.

IMPRENSA

Sofia Lorena«A 1 de Outubro completam-se dezanos desde que comecei a estagiarno Público, na secção deInternacional. Cheguei logo depoisdo 11 de Setembro e uma semanaantes de os Estados Unidoscomeçarem a bombardear oAfeganistão dos taliban. Já tinhacarteira profissional. Antes dauniversidade (Ciências daComunicação, na Nova), só tinhapublicado textos em jornais erevistas escolares, mas durante ocurso passei pela Vida Rural e peloCorreio Agrícola, onde aprendi sobrepêra rocha e tractores, mas tambémpercebi que não conseguia fazerjornalismo em part-time.

«Em 2001 comecei no jornalismo a

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tempo inteiro. Guerra noAfeganistão. Em 2002 adivinhava-sea do Iraque e isso mesmo ficouescrito nos meus contratos a prazo.Estive no Iraque pela primeira vezem 2003, meses depois da invasãoanglo-americana, a tempo doanúncio de que Saddam Husseintinha sido capturado, a tempo de vero país começar a desmoronar-se. Nosanos seguintes, fiz todas as viagensque pude fazer. Viajar para longe,entrevistar pessoas em sítiosdiferentes, conversar com elas. Econtar, por escrito, as suas histórias.Passar a vida a aprender coisasnovas. Foram os primeiros motivosque me levaram a querer serjornalista.

«Com as viagens, confirmei queviajar e entrevistar pessoas e contaras suas histórias, dar a conhecerpessoas umas às outras, distantesmas nem tanto, tendo sempre emcomum o suficiente para nosconseguirmos pôr no lugar delas, eraalgo que valia a pena fazer da vida.Não pude voltar ao Iraque queentretanto era um inferno. O anopassado, 20 anos depois donascimento do Público e de Saddamter invadido o Kuwait, sete anosdepois de lá ter passado cincosemanas, pude por fim voltar.»

RÁDIO

Carlos Júlio«Nasci em Grândola em 1956.Frequentei a escola primária emPinheiro da Cruz, onde o meu paiera funcionário público e a minhamãe professora. Mais tarde aindaestudei em Colos, a terra do meupai, no concelho de Odemira, masacabei o antigo curso dos liceus emBeja, em 1973. Já em Lisboa,frequentei diversos cursos, desde aFaculdade de Direito ao InstitutoSuperior de Psicologia Aplicada, maso 25 de Abril fez que andasse num“rebuliço” entre 1974 e 1978, alturaem que me inscrevi na EscolaSuperior de Meios de ComunicaçãoSocial de Lisboa.

«Em 1980 entrei para aRDP/Antena 1 (Lisboa) comoestagiário. Ali estive até 1990, tendointegrado, sobretudo, equipas dereportagem, quer da redacção, querde programas específicos como o“Praça Pública” e o “Ver, Ouvir eContar”, coordenados por EmídioRangel.

«Foi com uma reportagem emitidano âmbito do “Ver, Ouvir e Contar” –“24 Horas na vida de umdesempregado” - que ganhei em 1984,em conjunto com Emídio Rangel eCarlos Carvalho, o Prémio Gazeta deJornalismo, na categoria Rádio.

«Em 1986 fiz parte da equipa quefundou a Rádio Ribatejo, emSantarém, a primeira rádio criadapela TSF – cooperativa de

profissionais de rádio – que teve umpapel relevante no movimento dasrádios livres em Portugal e queconduziu à liberalização do espectroradiofónico.

«Em 1990 ingressei no quadro daTSF, onde permaneço, embora tenhasaído de Lisboa em 1992 e fixadoresidência no Alentejo (Castro Verdee Évora). Entre 1996 e 2000 fuitambém director da Revista e doJornal Imenso Sul (semanário), comsede em Évora.

«Durante todo este período tenhorealizado as mais diversasreportagens em cenários de conflitocomo Guiné-Bissau (guerra civil); ex-Jugoslávia; Kosovo; Timor-Leste eem quase todos os países de LínguaOficial Portuguesa, bem como emdiversas regiões do país.

«Já este ano, em Março, foi-meatribuído o Prémio “Jornalistas pelaIgualdade, Saúde, Cidadania eDesenvolvimento”, instituído pordiversas entidades, como aAssociação para o Planeamento daFamília (APF), a Associação dasNações Unidas – Portugal (ANUP), oConselho Nacional da Juventude(CNJ), o Instituto Superior deCiências Sociais e Políticas (ISCSP),com o apoio do Fundo das NaçõesUnidas para a População (UNFPA) eInstituto Português de Apoio aoDesenvolvimento (IPAD), por umareportagem sobre a “Sida na GuinéBissau”, realizada no ano passado,no âmbito do Ano Internacionalcontra a Sida.»

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TELEVISÃO

Ana Sofia FonsecaAna Sofia Fonseca é jornalistafreelancer. Actualmente, fazreportagens para a SIC e coordena oprograma “Histórias Com GenteDentro”.

Tem colaborado com o Expresso,onde assinou as rubricas“Lomofonia” e “Princesa Diana”,com a Sábado, a Egoísta e o DiárioEconómico. Começou a trabalhar em1999, no jornal A Capital, e integrou aequipa de órgãos de comunicaçãosocial como a revista GrandeReportagem e o semanário SOL.

Algumas das suas reportagensforam distinguidas pelo Prémio AMI- Jornalismo Contra a Indiferença.Recebeu também o prémioJornalismo, Direitos Humanos eIntegração, da Comissão Nacional daUNESCO e do Gabinete de Meios deComunicação Social.

É autora dos livros Barca Velha –Histórias de Um Vinho e Angola, TerraPrometida.

FOTOGRAFIA

Rodrigo CabritaRodrigo Antunes Cabrita nasceu em18/11/1977. Estudou fotografia noAR.CO de 1999 a 2001, ano em queestagiou 3 meses no Diário deNotícias. Seguiu-se um estágio nojornal O Jogo por mais 3 meses.Permanece como colaborador até

inicio de 2002. Nesse mesmo anoregressa ao DN e por lá permaneceaté inicio de 2010, tendo sidotransferido do Gab. Fotográfico doDN para a agência Global Imagens,que congrega todas as secções defotografia do grupo Controlinveste,onde permanece até hoje. Em 2008entra para o colectivo fotográfico4SEE photographers.

Principais prémios: 3º prémio noconcurso europeu de fotografiasobre saúde e segurança no trabalhocom imagem de pescadores, em2009; 1º prémio concurso de Cascaiscom retrato de Nadir Afonso, em2009; 2º prémio na Bienal de Sintra2009, com imagens de Nova Iorque;1º prémio na categoria Reportagemno concurso de fotojornalismo daVisão 2008 com trabalho sobre aComunidade Vida e Paz; MençãoHonrosa na categoria Desporto noconcurso de fotojornalismo da Visão2007 com imagem do Sporting-Porto;Menção Honrosa na categoriaReportagem no concurso defotojornalismo da Visão 2007 comtrabalho da campanha de CavacoSilva; Menção Honrosa na categoriaDesporto no concurso defotojornalismo Fujifilm 2005 comimagem do Europeu 2004.

Exposições: Entre o Público e oPrivado - Retrato de Presidentes –2010; Dimensões - 2011.

Publicações em: Diário de Notícias,Jornal de Notícias, Notícias Magazine,Notícias Sábado, Notícias TV, 24 horas, OJogo, Volta ao Mundo, Evasões, A Bola,

Visão, AP, AFP, Le Monde, ABC, LesTemps, ESPN Magazine e uma foto nasmelhores da semana no site da TIME.

REVELAÇÃO

Clara SilvaClara Silva tem 24 anos e trabalha nojornal i desde Março de 2009. Nasceuem Lisboa a 3 de Março de 1987 e,apesar das tentativas dos pais -ambos jornalistas - para queescolhesse outra profissão, decidiuseguir esta carreira.

Em 2008 terminou o curso deCiências da Comunicação naUniversidade Nova de Lisboa e fezum estágio curricular na revista TimeOut Lisboa. Trabalhou também naredacção da agência de comunicaçãoe design 2034.

Decidiu candidatar-se a umestágio no jornal i em 2009 atravésde provas virtuais e presenciais.Integrou a equipa fundadora dojornal e, desde então, trabalha nasecção de cultura e tendências, oMais. Desde reportagens sobre asdrogas da moda nas festas a roteirosde petiscos, os temas dos seus artigossão variados.

Entre Maio e Julho deste anoviveu em Barcelona, onde trabalhoucomo gestora cultural na plataformade artistas Gracia Arts Projects, aoabrigo do programa Leonardo DaVinci. Durante esse tempo continuoua colaborar com o suplemento delivros e viagens do i, o LiV.

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IMPRENSA REGIONAL

‘O Região deLeiria’«O REGIÃO DE LEIRIA foi fundadoem 1935 por José Baptista dosSantos. Nasceu como jornal deanúncios, gratuito, através do qual sepretendia contribuir para “avolumarconsideravelmente as transacções docomércio e indústria da região deLeiria”, conforme se podia ler naprimeira página da primeira edição.A vertente informativa erasecundária e assegurada através detextos de outros jornais.

«Quatro anos depois da suafundação, o REGIÃO DE LEIRIAdeixou de ser gratuito e passou acustar 1 escudo. Na década de 70aumentou o preço para quatroescudos e na década de 80 para 25.Os cortes graduais no porte pagotêm obrigado a aumentos sucessivosdo preço e, actualmente, o jornalcusta 1,10 euros em banca e 38 eurosna assinatura para territórionacional.

«As décadas de 40 e 50caracterizaram-se pela passagem dojornal ao formato broadsheet e poralterações diversas, ainda que poucoprofundas, do cabeçalho. Durante oEstado Novo, o REGIÃO DE LEIRIAmanteve-se fiel aos seus propósitos ecumpriu os seus objectivos depromover as actividades da região,sobretudo o comércio.

«Em 1966, o jornal mudou, pelaprimeira, vez de director, ficando soba orientação de José Ângelo Baptista,

filho do fundador. O figurinoherdado mantém-se, todaviapermanece sem jornalistas epreenche as suas páginas, sobretudo,com textos de opinião. No entanto, é,sob esta direcção que em meados dadécada de 70 se introduz aimpressão em offset.

«A primeira grande mudança doponto de vista editorial só viria aacontecer no início da década de 90.Com a chegada de uma novadirectora, Lucínia Azambuja, neta dofundador, percebeu-se que eranecessário clarificar as fronteirasentre informação e opiniãoe que a qualidade de um jornal semedia pela qualidade dos seusjornalistas.

«A nova directora lançou-se àdescoberta de novos talentos,apostou na qualificação dosjornalistas e constituiu uma redacçãoprofissional. A ela se deve, então, oabandono do espírito amador quecaracterizava as redacções da época,e também a adesão às novastecnologias e a passagem paraimpressão em rotativa.

«Em 1996, o jornal passou dafamília Baptista para o seio de umgrupo também ele familiar, mas comforte vocação económica: o GrupoLena. Fruto desta integração, oREGIÃO DE LEIRIA foi alvo, logo noano seguinte, de profundasalterações. Desde o cabeçalho aoformato (tablóide), passando pelografismo, tudo foi alvo de mudança.O projecto gráfico foi da autoria de

Eduardo Aires.«Todas estas alterações se

consolidaram com a mudança dedirecção no ano seguinte, em 1998.Francisco Rebelo dos Santos assumiuo comando do jornal e mantém-noaté aos dias de hoje.

«A mudança de paradigma nacomunicação tem afectado oREGIÃO DE LEIRIA, da mesmaforma que tem atingido todos osoutros órgãos de informação. Ojornal decidiu, no entanto, nãobaixar os braços e continua aevidenciar, no distrito de Leiria,valores de circulação (divulgadospela APCT) superiores a todos osoutros regionais de Leiria e atémesmo a todos os nacionais.

«Com a convicção de quepreenche um espaço público único,fundamental para a vida emdemocracia, o REGIÃO DE LEIRIAcontinua empenhado na sua missãode informar os leitores e depromover a discussão dos aspectosmais importantes da vida emcomunidade. Ao mesmo tempo, noseu espaço publicitário, procuraformas inovadoras e eficazes degerar tráfego de contactos e negóciospara os anunciantes.

«Em Outubro de 2010, quandocomemorou 75 anos, decidiurenovar-se do ponto de vista gráficoe editorial, acreditando com issoreunir melhores condições paracontinuar a ser a primeira escolhaem informação e publicidade, naregião onde se encontra.»

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Texto Sofia Rato

Este ano calhou-me a mim aorgulhosa tarefa derepresentar o Clube de

Jornalistas português na reuniãomagna da Federação Europeia deClubes de Jornalistas. Aconteceu àsportas do Verão em Lyon, França.

O anfitrião Club de Presse deLyon escolheu como abertura deprograma um colóquio no qualestudantes franceses e profissionaisinternacionais debateram emconjunto a fiabilidade das fontes nainternet e a rapidez com que, na Erada tecnologia, a informação éveiculada, muitas vezes sem que ojornalista tenha tempo para verificara autenticidade damesma.

(Um do exemplostransmitidos foi amontagem de umaimagem de Bin Laden quecorreu o mundo mas que,na realidade, se tratavaapenas disso: de umamontagem e não de umaimagem real. Astelevisões, a blogosfera e todos os portaismultimédia não recearam reproduzir adita imagem, em milésimas de segundo.Não havia tempo a perder para verificara autenticidade da mesma. Se a estação Xa divulgou, a Y também a quis e, a partirde então, entrou-se num esquemaparecido com um dominó).

Além do país anfitrião e dePortugal, também Espanha,Alemanha, Polónia, Inglaterra,Áustria, Bélgica e Suíça marcarampresença neste encontro que serviupara uma troca intensa de opiniões epartilha de ideias sobre a profissão esobre as novas formas de comunicar.

Por outro lado, em Lyonfecharam-se portas a alguns países eabriram-se janelas de oportunidade aoutros. De acordo com o que foitransmitido no encontro, o Clube deJornalistas de Milão, em Itália,“desapareceu” em 2003 ou seja,desde essa data que não voltou acomunicar com a Federação ou aresponder às diversas e sistemáticastentativas de contacto. Por

unanimidade, estaassociação foi excluídada Federação, que abriuportas a dois novosclubes: o da Bélgica,sediado em Bruxelas e oda Polónia.

Lamentavelmente eapós 23 anos deexistência, o Clube deJornalistas de Barcelona

foi obrigado a encerrar portas.Financiado pela autarquia e compatrocínios diversos, e numa épocaem que Espanha se vê forçada areduzir despesas, o governoautónomo da Catalunha cortouapoios.

Neste encontro e de formainformal, os diversos países trocaramimpressões entre si sobre as suasassociações e modos defuncionamento, e é de registar que

muitos clubes de jornalistas naEuropa são patrocinados pelas maisdiversas entidades, comtransparência e sem qualquerintenção subjacente. Na Bélgica, porexemplo, as empresas associadas àorganização pagam uma quota epodem usufruir das instalações doclube entre três a quatro vezes porano para organizarem eventos denatureza empresarial.

As associações de jornalistaseuropeias encontraram formasdiferentes de sobreviver à crise quealastra pela Europa. Alguns clubesaceitam empresários, diplomatas eadvogados como associados, emboraestes tenham um estatuto diferentedos associados jornalistas, ouacolhem correspondentesestrangeiros e integram-se com aimprensa estrangeira. Outros abremportas às empresas e a instituiçõesque os queiram apoiar.

Em Portugal, se calhar era alturadas organizações apoiarem comorgulho o Clube de Jornalistas, ondecuriosamente todo o trabalho édesenvolvido em regime devoluntariado, o que surpreendeu osnossos congéneres europeus namedida em que todos eles são, dealguma forma, remunerados.

Jornal

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Reunião magna dos Clubes europeus

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As associaçõesde jornalistaseuropeiasencontraramformas diferentesde sobreviver àcrise que alastrapela Europa.

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DEBATE NO D.MARIA II SOBRE JORNALISMO DE TEATRO

Palcos portugueses cada vez menosna ribalta dos mediaO encontro, organizado pelo Teatro Nacional D. Maria II, em Maio, foi sobre "jornalismo deteatro", uma designação estranha, embora se compreenda que aponta para um nicho dentrode um feudo já de si bastante particular, o jornalismo cultural.

Texto Carla Baptista

Os cinco jornalistas presentes,Miguel Andrade (SIC), AnaDias Ferreira (Time Out), Inês

Nadais (Público), Cristina Margato(Expresso) e Rui Lagartinho (RTP)dedicam toda a sua actividadeprofissional ao acompanhamento deeventos teatrais, indicando umaenorme especialização neste ramo dojornalismo.

A proposta era debater quem sãoos jornalistas de teatro, quais as suasmotivações e formação, e quais aspolíticas editoriais dos diversosmeios de comunicação social quandodivulgam o trabalho de palco. Aprimeira pergunta é fácil deresponder: são poucos e podemoscontá-los pelos dedos. Não estarãobem em extinção, como atesta ajuventude dos convidados, mas éum facto que o espaço dedicado àcultura diminuiu em todos osjornais, afectando a coberturajornalística dispensada às artes emgeral. É convicção dos organizadoresdo debate, moderado por MiguelAbreu, que o teatro e a dança são asáreas mais sacrificadas, tendo cadavez menos visibilidade nas páginasda imprensa e quase desaparecendodos telejornais.

Esta subalternização, motivadanuns casos pelo desaparecimento ouemagrecimento da secção de cultura,noutros pelo destaque que nossuplementos culturais é dado aoentretenimento, incluindo atelevisão, deixa muitas companhiasde teatro fora do espaço dos media.E estes, concordaram todos, ainda

são importantes na determinaçãodas escolhas das pessoas em relaçãoaos espectáculos a que irão assistir.

Foi mais difícil responder àsegunda pergunta lançada pelomoderador: "o que é preciso existirnum objecto teatral para que sejaescolhido pelos meios decomunicação e se torne notícia?".

Ninguém tinha resposta muitoreflectidas: "sensibilidade e bomsenso", disse Cristina Margato,adiantando que no Expresso, apesarda junção das áreas Teatro e Dançaque agora partilham uma secção(aliás, diminuta no conjunto doCartaz), os jornalistas da secção(apenas duas) ainda gozam de

Jornal | Debates

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"liberdade para fazer entrevistasmais longas e trabalhos de fundo, seacharem interessante e adequado".

Inês Nadais, editora do Y,lembrou que o número de páginasdo suplemento é determinada pelonúmero de páginas ocupadas pelapublicidade, e depois se negoceia deforma mais ou menos "intuitiva"sobre quais são os temas e as artesque as vão ocupar. Foi a únicaoradora preocupada em sublinharque o tratamento da área teatral "nãopode ser reduzida ao noticiário sobreas estreias, existe uma realidadepolítica e artística que tambémdeveria ser objecto de atençãojornalística".

Ana Dias Ferreira não se queixouda falta de espaço - a Time Out,graças a um empenhamento pessoal

seu na altura do lançamento darevista, garante 5 páginas para asditas estreias - mas referiu a levezada maioria dos textos: "até comoleitora, sinto falta de poder lertrabalhos maiores e mais profundos.Dizem-nos que as pessoas preferemos textos curtos, mas na verdade nãotenho a certeza. Acho que ninguémtem".

Os dois jornalistas de televisãotrouxeram porventura a realidademais crua: raramente as estaçõespassam peças com mais de 2minutos, onde é difícil encaixar umanarrativa complexa que, quasesempre, envolve contar um pouco dahistória do texto dramático, falar daespecificidade do projecto e aindaapresentar alguns protagonistas,como o encenador e/ou actores. RuiLagartinho sublinhou o poder datelevisão: "mesmo uma peça com 2minutos na jornal da RTP2 chega a250 mil pessoas, e dou-me porsatisfeito se fixarem que vai estrearaquela peça, naquele teatro, comaquela equipa".

Miguel Andrade elogiou o factodas companhias teatrais teremcompreendido que a linguagemtelevisiva envolve exigênciasrelacionadas com a imagem eprogramarem ensaios específicospara quem leva câmaras. "Jáevoluímos muito em relação aostempos em que as companhias nosdiziam, na véspera, que iamestrear".

Quanto aos critérios de selecção,além de se aplicarem os mesmosvalores-notícia que nas restantesáreas do jornalismo, "tentamos rodar,alternar a grande produção com umespectáculo mais alternativo". Masreconheceu que os métodos detrabalho dos jornalistas de teatro,essa "espécie esquisita que naredacção ainda é olhada como umaave rara quando pretende maisespaço para escrever", nas palavrasde Cristina Margato, são diferentes:"Há muito tempo que não melembro de um directo relacionadocom um tema de cultura".

O espaço dedicadoà cultura diminuiuem todos os jornais,afectando acobertura jornalísticadispensada às artesem geral

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ISABEL ROSA

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JORNALISMO NARRATIVO EM DEBATE NA LUSÓFONA

É preciso “viver o jornalismo” e procurar as “grandes histórias”

Perante uma plateia de estudantes de jornalismo, muitos dos quais finalistas, trêsrepresentantes do jornalismo narrativo em Portugal pintaram um quadro negro das hipótesesde acesso à profissão. Ainda assim, os jornalistas José Vegar, Ana Sofia Fonseca –recentemente galardoada com o Prémio Gazeta de Televisão - e Ricardo J. Rodriguesreforçaram a ideia de que o importante é não desistir e deixaram pistas sobre comosobreviver contando “estórias”.

Texto Sara Cabral e Soraia Neto*

“90% dos alunos queestão aqui nunca

vão trabalhar no jornalismo”,desafiou José Vegar no início da suaintervenção, justificando que “asredacções não precisam de vocês”.Para o freelancer, um dos maioreserros que os licenciados emjornalismo cometem é o de seconsiderarem, à partida, jornalistas.“Vocês detêm, sim, um conjunto decompetências adquiridas naUniversidade”, declarou.

Ideias partilhadas na conferência“O Jornalismo Narrativo nos Media”,que teve lugar a 24 de Março,organizada pelalicenciatura emComunicação eJornalismo daUniversidadeLusófona, em Lisboa.Os convidadosconvergiram na visãodo jornalismo narrativocomo uma possível alternativa paracontornar a crise actual dos media.

“O jornalismo narrativo é um dosmercados mais conceituados domundo”, contextualizou José Vegar,acrescentando que as grandesreportagens que integram estegénero “são histórias reais quetraduzem a realidade complexa donosso mundo”, pelo que “nãodeviam ser tão desprezadas pelojornalismo português”.

O ex-jornalista do Expressodefendeu ainda que o caminho dareportagem será um dos poucos quepoderá ajudar no futuro os jovensjornalistas, pelo que, sublinhou,“contar ao detalhe uma realidadeque até pode estar do outro lado darua” pode ser a solução para aquelesque têm realmente vocação. JoséVegar aconselhou: “Tragam para asredacções aquilo que as redacçõesprecisam”.

JORNALISTAS TÊMQUE SE INQUIETARMenos alarmistas do que o seucamarada de profissão, Ricardo J.Rodrigues e Ana Sofia Fonseca

deixaram maisconselhos para osfuturos licenciados.Ambos os jornalistasfrisaram que acuriosidade é, paratodos os profissionais decomunicação, uma dascaracterísticas mais

importantes. “Os jornalistas têm quese inquietar e a nossa curiosidadetem que ser permanente”, afirmouAna Sofia Fonseca. A tambémjornalista freelancer, autora dasreportagens da SIC “Histórias comgente dentro”, explicou que ojornalismo narrativo exige que seconheça o “mundo e as pessoas” poissó assim é possível “transportar osleitores para uma realidade que elesnão conhecem mas que nós

dominamos”. “É isso que faz de vocês

jornalistas”, concordou Ricardo J.Rodrigues. Para o jornalista eprofessor universitário, hoje em dia éindispensável “fazer a diferença emrelação aos jornalistas que trabalhamnas redacções das 9h às 17h”.Ricardo J. Rodrigues aconselhou aplateia a “viver o jornalismo” e aprocurar as “grandes histórias”.“Precisamos que as pessoas serevelem”, notou, e para isso “temosque viver como elas vivem e pensarcomo elas pensam”. Desta forma,descreveu, o jornalismo “torna-seum prolongamento de nóspróprios”.

Separando o jornalismo narrativoda ficção, os jornalistas aindativeram tempo para mostrar que éimperativo suscitar a curiosidade doleitor, para que este não se perca ameio de uma reportagem. Ana SofiaFonseca recomendou aos estudantesque não se limitem a referir factosmas que captem, e passem para opapel, todos os aspectos quevivenciaram no processo de recolhade informação. “Os sons, as cores eos cheiros” são importantes para queo leitor receba todos os condimentosda reportagem. “Uma mais-valia éter uma história vivida e saber contá-la”, rematou.

Licenciatura em Comunicação eJornalismo da ULHT*

Jornal | Debates

É imperativosuscitar acuriosidade doleitor, para queeste não seperca a meio deuma reportagem.

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Texto Adelino Gomes

Este livro fala de nós. Não é que seja incomum,livros sobre jornalistas.

Raro, é livros em que jornalistasfalam de si mesmos.

E mais raro ainda é livros em quejornalistas falam de si mesmoslevantando a cortina íntima da vidaque viveram (nalguns casos maisfelizes: da vida que ainda vivem)numa casa…de jornalistas.

Talvez não devesse ser tão raro.Mas é desta maneira que a maiorparte de nós gosta: evitar ao máximoexpormo-nos assim em público, nanossa intimidade – para maisfamiliar.

Penso que isto faz parte dos genesda profissão. Seja aqui, seja emFrança, seja nos Estados Unidos,seja, presumo, em qualquer outraparte do mundo onde haja aprofissão organizada.

Acrescento às razões de bomgosto e de ética, uma mais, quepessoalmente sempre pesou bastantesobre o meu próprio olhar sobre estaquestão, que considero essencial: nósjá pomos tanto de nós – mesmo semquerermos – em cada ocorrência quetransportamos do anonimato para oespaço público, em cada linha quedela escrevemos, que a partir decerta altura (e não é precisotrabalharmos na televisão, nem narádio, o mesmo acontece com osjornais) que a certa altura, dizia,leitores, ouvintes, telespectadoresconhecem de nós coisas que não secompreende como chegaram a terdelas conhecimento.

Isto para não referir aqueles quejulgam conhecer de nós coisas quenada têm a ver connosco. Ou ainda(e esse é um dos lados embaraçososdesta situação) que sabem coisas quenós julgamos não terem nada a ver

connosco e afinal constituem aimagem que de nós projectam para oexterior o nosso discurso, os nossoscomportamentos, a nossa postura.

Nestas circunstâncias de grande econtínua exposição pública, estarmosa andar por aí a falar da nossa vidaprivada soa-me, permitam-me otermo, algo obsceno.

Estamos, pois, diante da excepçãoque confirma a regra.

Jornalistas falam de jornalistas. Dando-se o caso, porém, de os

jornalistas que falam, serem filhos,netos dos jornalistas de quem falam.

Esta é a particularidade que tornaa ideia original, brilhante… ecriadora de frustração e invejasvárias (vão já perceber a que é queestou a referir-me).

Para isso, autorizo-me também eua contar uma história. Que mete paie filhos. E a intimidade de um lar.

Hora de almoço…Estrada deBenfica, 300 e tal, 2º esquerdo…

O pai, lá das distâncias onde aprofissão o retém no dia a dia, reparaque os filhos se aproximam da idadeda escolha da via académica,

momento que normalmente marca,ou pelo menos aponta, um futuroprofissional….

Os dois filhos, um após o outro,dizem o que pensam seguir. Nãomuito convictos, mas lá dizem.

Encorajado pelas hesitações e poruma certa abrangência das opções, opai ainda esboça um tímido…

- E jornalismo, não achas quepodia ser interessante?

- Jornalismo, baaah…, responde omais velho.

Lembro-me bem desse dia, comojá perceberam. Do dia em que,humilhado, perdi, para todo osempre, esta oportunidade que aquicelebramos. E em que fiqueivulnerável ao pecado da inveja – ainveja dos pais que aqui sãoinvocados.

Sim, desculpem-me os autores: dequem tenho inveja é mesmo dos paise avós que lhes inspiraram estestestemunhos.

Inveja de não ter ninguém queescreva frases tão tocantes comoestas que vou respigando….

“Herdei. Herdei os sonhos. Herdei acorrecção. Herdei o rigor.” (Bárbara,sobre o pai, João Alves da Costa, e oavô, Aurélio Márcio);

“Pai de sangue. Ídolo. Herói.Professor. Mestre. Conselheiro.” (JoséManuel Freitas, sobre o pai, AmadeuJosé de Freitas).

Ou esta definição, que é todo umpoema feito por duas meninas quepodiam ter ido para bailarinas,cantoras, actrizes, antropólogas masacabaram uma e a outra por seguirjornalismo, apesar da fasquia tão altaque se lhes erguia lá em casa (“podiamorrer nos teus olhos, amadarádio”).

Escrevem elas, a Miriam e aOriana:

“Ele fez tudo na rádio: fotografia,cinema, poesia, filosofia. Romance.”

Jornal | Livros

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Jornalistas. Pais e Filhos

Este livro fala de nós

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(evocando o pai, Fernando Alves)Podia prosseguir, tantos são os

exemplos citáveis neste livro.Fico-me apenas por mais três (até

para vos fazer crescer água naboca…).

O primeiro é o de um meninoque vai de mão dada com o pai. Estede chapéu, ele de risca à esquerda.Por vezes entram ao mesmo tempo.O menino, na escola. O pai, nojornal.

Escola primária númerotantos, dizia a porta daescola.

Diário de Lisboa, diziaa fachada do jornal.

- É uma escola?,perguntou uma vez omenino ao pai, da portada dele.

- Se quiseres, respondeuo pai.

Uma antologia jornalística emcinco palavras: três do menino,Artur; duas do pai, Artur. Portela.

O exemplo seguinte resgato-o deum caso raro: um filho que acabatambém por ser subordinado, aquem ouviremos dizer, no final destarevisitação do passado comum emcasa e numa redacção:

“Parabéns, chefe, obrigado, Pai, porteres sido o homem que tantos continuama lembrar, neste tempo em que escasseiamos exemplos, e os valores, as mais dasvezes, não passam de memória dos maisvelhos” (Silva Pires, filho de FernandoPires – e já agora, acrescento eu,sobrinho do Armando Pires)

Ehá, ainda, o imenso afecto queperpassa nestas duas frasescom que um grande

jornalista, homem que nãoconhecemos por andar por aí aexteriorizar intimidades, se dirige àmãe, falecida quando escrevia umlivro que por isso não chegará aofim:

“O que deverias ter escrito, era overdadeiro romance da tua vida. Porqueagora, mãe, quem sou eu para oescrever?” (João Paulo sobre MariaCarlota Álvares da Guerra).

Não resisto, por fim, a ler-vosesta cena do filho que faz, com o pai,uma Volta a Portugal, ambos comoenviados especiais de A Bola.

Conta ele: “Tenho ainda hoje, nomeu gabinete, uma fotografiaextraordinária que o Simão Freitas,nosso grande amigo e grandeprofissional, nos tirou, escrevendo,cada qual no seu canto de mesa, noPalace Hotel da Curia, a prosa para aedição do dia seguinte”.

Pai e filho, numa mesmareportagem, o género rei

do jornalismo. Irmãos,camaradas,companheiros nomesmo ofício decontar a históriadaquele dia na Volta.

Victor, sobre HomeroSerpa.Felizes os jornalistas

que além de serem pais/mães/avós,geraram jornalistas que quiseramvir ao espaço público dar aconhecer momentos, facetas,histórias da mais tenra idade. Asquais se constituíram em momentosfundadores da carreira de jornalistaque os filhos/netos haveriam deabraçar.

Parabéns avós, pais, filhos.Parabéns à Casa da Imprensa,

pela iniciativa, que é umahomenagem a estas duas dezenas etal de profissionais mais antigos – e amais todos os outros que neste livronão figuram, certamente porlimitações de espaço ou outrosobstáculos espero que do género,uma vez que sabemos que bastantesmais foram convidados.

Parabéns ainda, deixem-meacrescentar, a esta mesma Casa daImprensa porque, mais de um séculodepois, apesar das muitas, agoraenormes dificuldades, continuaempenhada em distinguir a qualidade(no prémio Norberto Lopes deReportagem, que regressa hoje), e, aomesmo tempo, em cuidar da nossasaúde (como acabamos de ouvir, nasboas notícias que agora foram dadas),e do nosso bem-estar.

Desculpem-meos autores: de quemtenho inveja é mesmo

dos pais e avósque lhes inspiraram

estestestemunhos

Jornalistas. Pais e FilhosCASA DA IMPRENSA /FRONTEIRA DO CAOSEDITORES

No âmbito das comemoraçõesdo seu 106º aniversário, decidiua Casa da Imprensa lançar oseguinte – e feliz – desafio:colocar jornalistas a escreveremsobre os seus pais, que tambémsão ou foram jornalistas. Daínasceu este livro, publicado emcolaboração com a Fronteira doCaos Editores. A apresentaçãode Jornalistas. Pais e filhos,realizada na Casa da Imprensa,em Junho passado, foi feita porAdelino Gomes, cujas palavrasjunto transcrevemos.

O livro reúne textos de:Artur Portela, filho de Artur

Portela; Bárbara Alves da Costa,filha de João Alves Costa e netade Aurélio Márcio; CarlosFlórido, filho de ManuelFlórido; Isabel Silva Costa, filhade Silva Costa; João Gobern,filho de Appio Sottomayor;João Paulo Guerra, filho deCarlota Álvares Guerra; JoséCarlos Fialho, filho de Fialhode Oliveira; José ManuelFreitas, filho de Amadeu Joséde Freitas; Magda Viana, filhade Rui Cunha Viana; MiguelCorreia, filho de SeverianoCorreia; Miriam Alves eOriana Alves, filhas deFernando Alves; Nuno MouraBrás, filho de Nuno Brás;Pedro Luíz de Castro, MárioRui de Castro e Paulo Luíz deCastro, filhos de JoaquimCastro; Rui Tovar, filho de RuiTovar; Sérgio Veiga, filho deCarlos Miranda; Silva Pires,filho de Fernando Pires; SofiaRato, filha de Afonso Rato;Victor Serpa, filho de HomeroSerpa.

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Jornal | SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

http://newsosaur.blogspot.com/2011/06/newspaper-sales-crisis-enters-sixth.html

O colapso da imprensa americanaou talvez não

Os dados da NewspaperAssociation of America(www.naa.org), referentes

ao primeiro trimestre de 2011,revelaram que a imprensa norte-americana entrou no seu sexto anoconsecutivo de perdas, em receitasde circulação. As vendas cairam9,5%, nos primeiros três meses doano, para 4,7 mil milhões dedólares, o valor mais baixo desde1983. Em apenas cinco anos,metade das receitas geradas pelavenda de meios impressosevaporaram-se. Os proveitos com publicidade têmtambém vindo a reduzir-se. Em 2000, a imprensa norte-americana facturou 59 mil milhões de dólares, entrecirculação e publicidade. Dez anos depois, o valor defacturação desceu para 38 mil milhões de dólares,menos 36%. Antes de 2008, parecia que estava a haveruma tendência sustentada de crescimento das receitas,mas a crise veio inverter essa progressão. No que serefere à publicidade, os jornais e revistas têm-seressentido, essencialmente, de uma redução das receitasprovenientes dos encartes e das companhias detelecomunicações.

Outros dados parecem apontar para o declínioinexorável dos meios impressos, nos EUA.Multiplicaram-se os despedimentos, com especialdestaque para a dispensa, em Junho, de 700 funcionáriosdo grupo Gannett, o maior grupo de imprensa dos EUA,com 81 publicações periódicas (www.poynter.org/latest-news/business-news/the-biz-blog/136091/gannett-layoffs-are-a-leading-indicator-of-a-permanently-shrinking-newspaper-business). O valor bolsista destes conglomeradosjornalísticos depreciou-se, ao longo de todo o primeirosemestre (www.poynter.org/latest-news/business-news/the-biz-blog/137809/3-ways-things-went-wrong-for-newspaper-companies-in-the-first-half-of-2011). Além disso, os leitorescontinuam a transferir-se para a Internet. Um estudo daHavas Media (www.havasmedia.com), feito em França mascom resultados facilmente extrapoláveis para o conjunto

dos países industrializados do Ocidente,concluiu que os consumidores de notíciaspassam, em média, 37 minutos na Interneta consultar informação, mais 15 minutos doque o tempo que dedicam aos meiosimpressos(www.mondaynote.com/2011/07/03/the-new-faces-of-digital-readers).

Algo, no entanto, faz pensar que édemasiado cedo para decretar a morte dosjornais. Alan D. Mutter, editor do blogueReflections of a Newsosaur(http://newsosaur.blogspot.com/2011/07/why-newspapers-cant-stop-presses.html), lembra

que «quinze anos após o início da exploração comercialda Internet, os grupos editoriais ainda dependem dasreceitas de circulação e publicidade», uma vez que elasainda representam 90% do total dos proveitos. Em 2010,o digital gerou ganhos de apenas 4 mil milhões dedólares, nos EUA. Ou seja, “parem as rotativas e asempresas de jornais acabam, tão simples quanto isso”,avisa Alan D. Mutter.

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http://listverse.com/2011/07/03/top-10-reasons-the-newspaper-is-dying

Os dez pecados mortais dos jornais

Ryan Thomas enuncia, no “site” Listverse, as dezrazões porque, na sua opinião, os jornais estão amorrer. “Eles deixaram de ser uma forma prática

de receber informação”, considera. E é uma “indústriade velhos cães que se recusam a aprender novostruques”, acrescenta. Eis o decálogo fatalista de RyanThomas:

10) Os jornais são feitos por e dirigidos a “genteidosa”. Adaptam-se mal à Internet e não parecem ter amais pequena noção de como atrair os jovens;

9) Não há paixão no Jornalismo. A escrita é seca,repleta de lugares-comuns. Não há criatividade. OJornalismo é “a transposição preguiçosa do conteúdo dogravador”;

8) Não há Jornalismo. As notícias não são relevantes.“Quanto daquilo que lemos realmente importa?”;

7) Os jornais não são práticos, ao contrário daInternet;

6) Custam dinheiro. “Porquê pagar por uma coisa quese pode obter gratuitamente na Web?” É o mesmofenómeno que está a devastar a indústria discográfica;

5) Requerem literacia. “A maior das pessoas não gostade ler (…) e já ninguém consegue sentar-se a absorveruma só coisa sem ser estimulado por 18 outras coisasdiferentes”;

4) A produção dos jornais é cara, implica “muita tintae muito papel”;

3) Os jornais continuam a ter a “pretensão de seremgrandes negócios, pagando principescamente aos seusexecutivos”;

2) Com a televisão por cabo, “a leitura tornou-seobsoleta”. No cabo, as notícias conseguem-se “semesforço e mais depressa”;

1) O imediatismo da Internet vai “matar os jornais”.Aliás, vai “matar a humanidade, porque as pessoasgradualmente deixam de estar umas com as outras”,conclui Thomas.

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Jornal | Sites

http://ajr.org/Article.asp?id=5022

Jornais e revistas sonhamlucrar com os tablet

Ainda é cedo para perceber que efeito terão osiPad e outros tablets na indústria das publicaçõesperiódicas, mas o comportamento actual dos

utilizadores destes aparelhos permite alimentar algumoptimismo dos grupos editoriais. Desde logo, os Ipadreintroduziram a ideia de que é natural pagar-se parater acesso a um conteúdo digital, noção que estánormalmente ausente do quadro mental de umutilizador da Internet. Num inquérito da Pew Internet &American Life Project (http://pewinternet.org), 21% deutilizadores de Internet afirmaram que adquiriramaplicações para os seus smartphones e tablets e 18%pagaram para ter acesso a jornais ou revistas nos tablets.Outro estudo, do Donald W. Reynolds JournalismInstitute, da Universidade do Missouri(http://www.rjionline.org), apurou que a leitura denotícias é a utilização mais popular do iPad. Quase 80%dos participantes nesse inquérito declararam quepassam, em média, 30 minutos por dia a ver notícias notablet. Quando questionados sobre a razão porqueadquiriram versões para iPad de jornais e revistas, amaioria respondeu que o fez por serem “mais baratasque as subscrições em papel”. Este apetite por lernotícias nestas novas plataformas parece estar aaumentar. Num inquérito da Forrester Research, 32% deutilizadores de tablets disseram que passaram a lermenos meios impressos(www.techzone360.com/topics/techzone/articles/191462-tablets-changing-user-behavior.htm). Noutra sondagem,efectuada pela Online Publishers Association, 58%afirmaram que preferem a experiência de ler num iPad

(http://onlinepubs.ehclients.com/images/pdf/MMF-OPA_—_Portait_of_Todays_Tablet_User_—_Jun11_%28Final-Public%292.pdf). O comportamento dos utilizadoresdestes aparelhos está a ser escrutinado comcuriosidade, mas com muita cautela também. É que, porenquanto, é maioritariamente a população que ocupa otopo da pirâmide social que detém os tablets, não sendopossível uma extrapolação de comportamentos para umpúblico massificado. Além disso, existe o efeitonovidade, que não pode deixar de ser tido emconsideração. Quando foi lançada na versão para tablet,em Junho de 2010, a revista Wired (www.wired.com)vendeu logo cem mil downloads, a 4,99 dólares cada um.Mas seis meses depois, as vendas cairam a pique. Omesmo sucedeu com outras publicações.

De modo que os tablets estão a ser encarados comalguma prudência. Aliás, a comercialização dos Ipad eafins tem crescido menos que a dos eReaders(www.pewinternet.org/Reports/2011/E-readers-and-tablets/Report.aspx). Mas a crença nestes aparelhos, comooportunidade para a sustentabilidade financeira dosjornais e revistas, é inabalável. Neste momento, o acessopor tablets representa 1% do tráfico mundial na Web, umvalor que tem vindo a crescer de forma sustentada(http://mashable.com/2011/07/05/ipad-web-traffic). Quanto àfutura penetração destes aparelhos, a Online PublishersAssociation confia que, já no início de 2012, 23% de norte-americanos com acesso à Internet disporão de um iPadou de outro gadget equivalente(www.lostremote.com/2011/06/23/nearly-one-quarter-of-u-s-to-own-tablet-by-2012).

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Depois de anteriores experiências fracassadas, como Wave e o Buzz, a Google volta a apostar nacriação de uma rede social capaz de rivalizar

com o Facebook e o Twitter. A nova plataforma, ainda emfase experimental, chama-se Google+(http://techcrunch.com/2011/06/28/google-plus) e contémuma funcionalidade, os sparks, que pode vir a obrigar osmeios de comunicação a repensarem as suas estratégiaspara as redes sociais.

Além do fluxo de notícias normal, partilhado portodos – o news feed do Facebook, que se chamará stream, noGoogle+ –, a nova rede social permitirá uma modalidadede organização de notícias por tópicos de especialinteresse para o utilizador, os sparks. Estes terão ummotor de pesquisa associado a que os responsáveis da

Google preferem chamar “motor de partilha”. Isto porqueos critérios para a busca de informação, nos sparks,estarão estreitamente ligados a factores de popularidadee de partilha dos conteúdos na Internet, em especial nasredes sociais.

O número de vezes que é accionado o botão +1(equivalente ao botão like, no Facebook) numdeterminado conteúdo pesquisado no Google será umdos factores mais valorizados pelos motores de buscados sparks.

Outra novidade prometida pelo Google+ é umcontrolo acrescido sobre os “amigos” que podem vercada conteúdo partilhado. Isso será conseguido atravésdos “círculos”, uma forma inovadora de organizargrupos de “amigos” dentro das redes sociais.

https://plus.google.com

Google+ pode obrigara repensar estratégias

Arede LinkedIn pode ser mais do que apenas umsítio para tentar obter emprego ou oporunidadesde negócio. Duas ligações no “site” do Poynter

Institute fornecem pistas para que um Jornalista possatirar o melhor partido profissional de uma rede já comcem milhões de utilizadores e a alargar-se ao ritmo deum novo membro por segundo. Jeff Sonderman dá dezindicações de utilização das pesquisas avançadas doLinkedIn para obter informações de empresas e negóciosou localizar peritos de diferentes especialidades, entreoutras possibilidades (em http://www.poynter.org/how-

tos/newsgathering-storytelling/137926/10-ways-reporters-can-use-linkedin-to-find-sources-track-changes-at-companies).Krista Canfield, especializada em modos de utilizaçãodo LinkedIn por Jornalistas, tem disponível um live chatsobre o assunto em www.poynter.org/how-tos/career-development/ask-the-recruiter/127338/live-chat-today-how-can-i-use-linkedin-as-an-effective-reporting-job-hunting-tool.Outras duas ligações de interesse potencial são o bloguedo LinkedIn, em http://blog.linkedin.com, e o LinkedIn forJournalists, em www.linkedin.com/groups/LinkedIn-Journalists-3753151.

www.linkedin.com

Potencialidades do Linkedinpara jornalistas

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Almanaques e Revistas na I RepúblicaSubsídios paraa sua história…

Texto Álvaro Costa de Matos*

1.Dos Almanaques…

De origem incerta, o termo almanaque pode serencontrado em diversas línguas e a menção destavariedade linguística ser-nos-á útil para, assim,

lhe traçarmos o sentido. Encontramo-lo no árabe almanakh, significando “lugar

onde a gente manda ajoelhar os camelos (…), e no latimmanachus (circulus) empregue por Vitrúvio no sentido deum meridiano que servia para indicar os meses do ano.No baixo latim aparece almanachus e no baixo grego alama-nakon, nome dado por Eusébio aos calendários egípcios.Engelman, por exemplo, salienta que o calendário emárabe é taqwin. José Pedro Machado também refere «lugaronde o camelo ajoelha», acrescentando-lhe «estação»,«região» e «clima». Geneviève Bollême, uma autoridadena matéria, é de opinião que a palavra significou primiti-vamente «a conta», o «cômputo»” (CORREIA e GUERREI-RO, 1986, 44).

Assim, podemos dizer que a necessidade de dividir oano cronologicamente, referenciando os fenómenos –humanos (festividades) e meteorológicos (o curso dasestações e suas ocorrências meteorológicas) – que vãomarcar a passagem do tempo, parece ser o denominadorcomum aos vários povos e culturas que utilizaram o

termo «almanaque»: desde um calendário cronológicogravado no túmulo de Ramsés IV, do século XIII antes deCristo, passando pelas tabuinhas polidas utilizadas pelosromanos para inscrever os factos relativos às quatro esta-ções (indicando as festas e o curso das constelações), até asua utilização pelos escandinavos, também em tabuinhas eigualmente para fixar o curso das estações do ano e festi-vidades associadas.

Nos nossos dias, um almanaque pode ser descritocomo uma publicação de periodicidade anual (quasesempre), um guia de manuseamento prático e de consul-ta fácil que procura organizar o quotidiano cronologica-mente como um calendário, arrumando as festividadesreligiosas ou pagãs de uma dada sociedade, as feiras earraiais, as fases lunares e solstícios, não deixando de reu-nir outras informações específicas a vários campos do co -nhecimento. No fundo, “tenderá a reflectir a ideia de com-pilação de saberes, em particular destinados a públicoscom pouco acesso a outras leituras” (LISBOA, 2002, 12).

Em Portugal, os almanaques surgiram no século XV,prosperando por todo o século XIX, “ampliando os seuspropósitos e tornando-se objecto de consumo correntepor todas as classes sociais. O seu apogeu situou-se noscomeços do século XX, sendo em grande profusão e degrande diversificação os almanaques publicados em todoo país” (OLIVEIRA MARQUES, 1981, 70). Com a diversifi-cação e ampliação dos públicos e a profusão surgirãomodelos novos, “centrando-se (…) em actividades parti-culares de uma corporação ou de uma profissão (como ados cozinheiros, com receitas várias), de um programa(tauromáquico, teatral, turístico, por exemplo, ou dos

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Capa ilustrada do Almanach

Bertrand para 1900. Col. HML

Informação típica dos almanaques, neste

caso com dados etimológicos sobre

Setembro. In Almanach Bertrand para

1900, Lisboa, Antiga Casa Bertrand, s.d.,

p. 189. Col. HML

Primeira página do Almanaque Ilustrado

do Jornal O Século para 1913. No centro,

o Zé Povinho, num desenho de Alonzo

(Santos Silva). Col. HML

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caminhos-de-ferro com os seus horários), ora marcandopráticas litúrgicas (para além do que já aparece normal-mente em qualquer destas brochuras), ora recolhendoinformações institucionais, ora dedicando-se à publicaçãode excertos literários ou de cantigas, ora apresentando-secomo agenda social e política (difundindo, por exemplo,propaganda republicana ou socialista), ora baseando-seem curiosidades ou divertimentos, com jogos e anedotas”(LISBOA, 2002, 13). A esta profusão de títulos não seráalheia a evolução do universo da alfabetização desde osúltimos anos da Monarquia Constitucional e acentuadacom o advento da I República.

Após o 5 de Outubro, os almanaques tornaram-se umgénero literário muito difundido, sobretudo como passa-tempo da burguesia. Dos almanaques mais importantes,de carácter geral, o maior destaque vai para o AlmanaqueBertrand para…, fundado e coordenado por JoséFernandes da Costa desde o seu primeiro ano (1900) atéao ano da sua morte (1920). A coordenação ficou, então, acargo da sua filha Maria Fernandes Costa. Editado anual-mente pela Livraria Bertrand, publicou-se até 1971 e deulugar à mais variada colaboração: “O seu intuito era dis-trair o público, com temas recreativos, mas inclui tambémnotícias históricas contemporâneas que o tornam merece-dor de consulta. Vale, de resto, pelo panorama que ofere-ce sobre os meios de divertimento das classes média esuperior usados em Portugal a partir de 1900” (OLIVEIRAMARQUES, 1981, 70). Para se ter uma ideia do impactodeste almanaque junto do público, refira-se que a tirageminicial de 5000 exemplares (1900) do Almanaque Bertrandatingiu os 17300 exemplares em 1919, desconhecendo-seos números a partir de 1920.

Ainda entre os almanaques de carácter geral, merecemreferência o Novo Almanaque de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de…, (O. Xavier Cordeiro, AlexandreCastilho, Lisboa, 1872-1932, com o direito de propriedadeliterária e artística em Portugal e no Brasil), contendodados de interesse biográfico e assinalável conteúdo lite-rário, assim como todo um manancial de informaçõesúteis, como as tabelas de preços dos automóveis de praçae dos trens de praça de Lisboa, o valor dos portes postaisno continente, ilhas, colónias e Espanha, a morada dasestações de telégrafo de Lisboa (e arredores), e as habi-tuais tabelas das marés, dias feriados, etc. Este almanaqueteve uma extensa colaboração ao longo do seu tempo devida, merecendo destaque a de Alexandre Herculano,António Feliciano de Castilho, Bulhão Pato, CamiloCastelo Branco, António Nobre, Olavo Bilac, RamalhoOrtigão, Augusto de Lima, o poeta Augusto Gil, HomemCristo Filho, entre outros.

Referência, ainda, para o Almanaque Ilustrado daParceria António Pereira para…, (Lisboa, com direcção deMaria O’Neil, 1900-1918), e o Almanaque Palhares (Lisboa,dir. Santonillo, A. Morgado, 1898-1919), contendo listas decomerciantes de Lisboa, registo da imprensa, notícias his-

tóricas, endereços de Lisboa e outros dados de utilidade. Também os jornais publicaram os seus almanaques,

“reflectindo no texto a ideologia informadora das respec-tivas folhas” (OLIVEIRA MARQUES, 1981, 71). Entre osalmanaques de inspiração republicana destacamos ospublicados pelos jornais O Mundo (Almanaque de OMundo, ed. e propr. França Borges, 1907-1914), A Luta(Almanaque de A Luta, Lisboa, propr. Empresa dePropaganda Democrática, 1910-1911) e A Capital(Almanaque Ilustrado de A Capital, Lisboa, propr. e ed.dos redactores de A Capital, 1912). Entre a imprensa gene-ralista, destaque para O Diário de Notícias (Almanaque doDiário de Notícias para…, Albino Pimentel [et. al.], Lisboa,1886-1962), O Século (Almanaque Ilustrado do Jornal OSéculo, Lisboa, 1896-1952) e O Primeiro de Janeiro(Almanaque de O Primeiro de Janeiro: ornado de numerosasgravuras, Porto, 1917-1918). Quanto aos jornais satíricos,mencionamos O Almanaque Ilustrado do Jornal «O Zé»:humorístico, literário, artístico e anunciador, Lisboa, 1914-15, que mantém a vertente caricatural e humorística dojornal.

As organizações religiosas também tiveram os seusalmanaques, como a Juventude Católica (Almanaque daJuventude Católica, Porto, 1914) e a Comunidade Israelita(Almanaque Israelita, Lisboa, Samuel H. Mucznik,1915/1916-1916/1917), assim como as casas comerciais, deque são exemplo o Almanaque Jerónimo Martins & Filho,com indicação dos preços praticados por aquele estabele-cimento, e o Almanaque Souza Soares (1912-1927, Porto),publicado pela Sociedade Medicinal «Souza Soares».

Neste período, como já referimos, os almanaques fize-ram-se um género literário muito em voga (por vezesolhado como uma «leitura» menor), cobrindo as temáti-cas as mais variadas: no Porto publicou-se o AlmanaqueVegetariano (1913-1922), de propaganda naturista e vegeta-riana; ainda no Porto, e sobre educação, o AlmanaqueIlustrado do Jornal Pedagógico Educação Nacional para…(1905-1918) e o Almanaque Escolar para Professores Primários,Inspectores e Juntas Escolares, Escolas Normais e CâmarasMunicipais (1923-1930); sobre teatro, o Almanaque dos Palcose Salas para… (1889-1927); sobre a mulher, e de utilidadepara estudar o movimento feminista em Portugal, publi-cou-se, de 1871 a 1927, o Almanaque das Senhoras para...dirigido por Guiomar Torrezão; para a história do namo-ro, contendo formulários de cartas de amor a serem troca-das entre namorados, publicou-se em Lisboa (1916) o NovoAlmanaque dos Amantes.

Uma última referência para os almanaques regionais.Publicados de Norte a Sul, num país, à época, marcada-mente rural, estes são instrumentos fundamentais de aná-lise sobre a vida na província e respectivas práticas agríco-las. De entre os muitos títulos publicados destacamos oAlmanaque das Aldeias (1898-1931). Publicado no Porto porJúlio Gama, tratava da agricultura em geral, sendo degrande utilidade para o mundo rural.

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A caricatura humorística era fre-

quente também nos almanaques,

aqui num traço modernista. In

Almanaque Ilustrado do Jornal O

Século para 1913, s.l., s.e., s.d. p.

[103]. Col. HML

As restantes publicações da

empresa jornalística "O Século"

eram habilmente publicitadas

junto dos leitores do almanaque

do grupo. In Contracapa do

Almanaque Ilustrado do Jornal O

Século para 1913. Col. HML

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Listemos agora os principais títulos de almanaquespublicados entre 1910 e 1926 (mantendo a grafia daépoca): ALMANACH BERTAND PARA O ANNO DE…,coord. Fernandes Costa, Lisboa, 1900-1971; NOVO ALMA-NACH DE LEMBRANÇAS LUSO-BRASILEIRO PARA OANNO DE…, O. Xavier Cordeiro, Alexandre Castilho,Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 1872-1932; ALMA-NACH ILLUSTRADO DA PARCERIA ANTÓNIO MARIAPEREIRA PARA…, dir. Maria O’Neill Lisboa, 1900-1918;ALMANACH PALHARES: burocrático e commercial, dir.Santonillo, A. Morgado, Lisboa, 1898-1934; ALMANACHILLUSTRADO DO JORNAL O SÉCULO, Lisboa, 1896-1951;ALMANAK D’O MUNDO, ed. e propr. França Borges,Lisboa, 1907-1913; ALMANACH DE A LUCTA, propr.Empresa de Propaganda Democrática, Lisboa, 1909-1910;ALMANACH ILLUSTRADO DE A CAPITAL, propr. e ed.dos redactores de «A Capital», Lisboa, 1912; ALMANACHDE O PRIMEIRO DE JANEIRO: ornado de numerosas gravu-ras, coord. Por Gualdino de Campos e Lopes Vieira, Porto,1916-1917; ALMANACHE DO DIÁRIO DE NOTÍCIASPARA…, Albino Pimentel [et. al.], Lisboa, 1886-1962;ALMANACH ILLUSTRADO DO JORNAL «O ZÉ»: humorís-tico, litterario, artístico e anunciador, Lisboa, 1913-1914;ALMANACH DA JUVENTUDE CATHOLICA, Porto, 1914;ALMANACH ISRAELITA PARA O ANNO…, Samuel H.Mucznik, Lisboa, 1915/1916-1916/1917; ALMANACHJERONIMO MARTINS & FILHO (vários anos); ALMA-NACH SOUZA SOARES, 1912-1927, Porto), publicado pelaSociedade Medicinal «Souza Soares»; ALMANAQUEVEGETARIANO, Porto, 1913-1922; ALMANAQUE ILUS-TRADO DO JORNAL PEDAGÓGICO EDUCAÇÃONACIONAL PARA…, Porto, 1905-1918; ALMANAQUEESCOLAR PARA PROFESSORES PRIMÁRIOS, INSPEC-TORES E JUNTAS ESCOLARES, ESCOLAS NORMAIS ECÂMARAS MUNICIPAIS, Porto, 1923-1930; ALMANACHDOS PALCOS E SALAS PARA…, Lisboa, 1889-1927;ALMANACH DAS SENHORAS PARA…, dirigido porGuiomar Torrezão, Lisboa, 1871-1927; NOVO ALMANACHDOS AMANTES, Lisboa, 1916; ALMANACH DASALDEIAS, Júlio Gama, Porto, 1898-1931.

2.Das Revistas…

Espécie de parente pobre do livro, devido ao seucarácter efémero e estatuto (ou falta dele), as revis-tas, tal como os jornais e outras publicações perió-

dicas, são, contudo, uma fonte inesgotável de informaçãofactual para todos aqueles que se debruçam sobre o estu-do do passado, mas também do presente, nas suas múlti-

plas dinâmicas: políticas, sociais, culturais, económicas etecnológicas. Desde logo, “veiculam-nos a mundividênciados colaboradores, a linha programática dos editores, arecepção e a psicologia dos leitores, as técnicas de impres-são utilizadas, os valores estéticos dos ilustradores, o ima-ginário poético e ficcional prevalecentes” (PIRES, 1996, 9).As revistas facultam-nos dados e informações que, com-pletados com outras fontes, são da maior importânciapara a reconstituição histórica de uma determinadaépoca.

Com o passar dos anos ganham uma outra dimensão,que não pode ser descurada, a de repositório da culturaportuguesa, reunindo documentos preciosos que consti-tuem um verdadeiro acervo da nossa memória colectiva.A colaboração literária e plástica que têm, muita dela devulto, é demasiado importante para cair no esquecimento,pelo que o seu tratamento, a criação de índices e a suadifusão são tarefas imprescindíveis.

As revistas são, muitas vezes, “um palco privilegiadode polémica, de aferição de ideias”, de controvérsias mar-cantes que marcaram indelevelmente a cultura portugue-sa. Noutras situações, constituíram “autênticos laborató-rios”, onde se “experimentaram novas ideias, se esboça-ram formas inéditas, se ensaiaram teorias, se afirmaramideais, se cunharam novas terminologias” (PIRES, 1999,307). Daí que as revistas tenham sido porta-vozes demovimentos literários, estéticos, cívicos, de ideias.Melhor: muitos destes movimentos nasceram, desenvol-veram-se, atingiram a sua maturidade e declínio em revis-tas. E, desta forma, anteciparam-se a outros suportes,como o livro, na teorização destes movimentos literários,estéticos, cívicos ou mesmo políticos.

Órgão de movimentos, mas também de gerações, quese agruparam à volta de revistas, fazendo delas o seuespaço de revelação e intervenção. Criando, assim, umacorrelação entre as gerações e as revistas que lhes deramidentidade ou pelo menos as acolheram e enquadraram.Nestes casos, requerem uma leitura intertextual, devendoser encaradas como “palimpsesto de gerações sucessivas,com as suas divergências e tensões, a sua vontade de afir-mação pela diferença, os seus avanços e recuos, as suasousadias e os seus conformismos, os seus momentos deentropia e de redundância” (ROCHA, 1985, 21). Foi a par-tir das revistas que movimentos e gerações deram a co -nhecer à opinião pública os seus programas, propostas eprotagonistas, tentando influenciá-la.

Formando, com os jornais, o quarto poder do Estado,as revistas não deixaram de exercer também uma grandeinfluência no seio da opinião pública. E assumiram, nãoraras vezes, um duplo papel na sua relação com o poderpolítico: por um lado, desempenhando o papel de contra-poder, plasmado na crítica mordaz, na denúncia da iniqui-dade, na recusa do status quo, e, por isso, foram objecto deperseguição política, censura e mesmo extinção; poroutro, funcionando como porta-vozes dos regimes políti-

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Capa do Novo Almanach de Lembranças

Luso-Brasileiro para o ano de 1919. Col.

HML

Capa ilustrada do Almanach das

Senhoras para 1910. Col. HML

Os anúncios eram uma importante fonte

de receita dos almanaques, ajudando,

com as assinaturas, a pagar a edição.

Os remédios do Dr. Ayer eram uma pre-

sença constante neste tipo de publi-

cações. In Almanach das Senhoras para

1910, Lisboa, Parceria António Maria

Pereira, 1909. Col. HML

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cos em vigor, divulgando as suas doutrinas, promovendoas suas políticas e políticos, propagandeando a sua obra efeitos materiais, e, por isso, foram acarinhadas, subsidia-das, o que explica muitas vezes a sua longevidade ousucesso.

O que até aqui dissemos é valido para a I República.Com efeito, durante este período, as revistas, embora emnúmero muito inferior ao dos jornais, tiveram um rele-vante papel político e cultural. Através delas, descortina-mos “correntes de opinião e de sensibilidade intelectualque, fora ou ao lado dos partidos políticos organizados,traduziram as ideias e os valores inconformistas de secto-res cuja vitalidade cívica e cultural, ou simplesmente esté-tico-literária, impregnava o tecido social português, tantasvezes de modo mais adequado e influente do que as ide-ologias então prevalecentes, a que eram transversais”(SEABRA, 1996, 16).

Antes de aprofundarmos o seu papel, alguns dadosestatísticos: comparando-as com os jornais, de 1910 a1926, as percentagens das revistas situavam-se entre os 10e os 20%, variáveis de ano para ano. Tinham também tira-gens mais pequenas, inferiores a 500 exemplares, feitas àmedida da população e do analfabetismo reinante.Publicaram-se sobretudo revistas literárias, com umamédia de circulação de 24 títulos por mês. Mas estas revis-tas “literárias” não tratavam apenas de assuntos exclusiva-mente literários, pois nas suas páginas estão também pre-sentes as matérias políticas, sociais, culturais, desportivas,humorísticas, entre outras, trabalhadas do ponto de vistajornalístico com a mesma importância. E publicaram-sesobretudo em Lisboa (37,4%), seguida do Porto (20,6%),Coimbra (9%), Guimarães (3,8%) e Barcelos (2,7%), nasrestantes cidades do país com percentagens mínimas.

Regra geral, duravam pouco tempo, o que explica aproliferação de revistas com números únicos. Mas tive-mos também projectos editoriais sólidos, duradouros,amadurecidos, nalguns casos agregados a movimentosculturais, como foi o caso da revista A Águia (Porto, 1910-1932), órgão da Renascença Portuguesa. Numa visãoabrangente, podemos referir que as “mais duradourasforam as revistas simultaneamente literárias e de actuali-dades, como O Occidente (Lisboa, 1878 a 1915), a IlustraçãoPortuguesa (Lisboa, 1903 a 1924, em duas séries), o ABC(Lisboa, 1920 a 1931), a Illustração (Lisboa, 1926 a 1939), e aIllustração Catholica (Braga, 1913 a 1919), ou as de carácterpolítico-social além do literário, como a Nação Portuguesa(Lisboa, 1914 a 1938) e a Seara Nova (Lisboa, 1921 a 1979).Assinalem-se ainda Brazil-Portugal (Lisboa, 1899 a 1914),lida nos dois países, Serões (Lisboa, 1901 a 1911), (…) AlmaNova (Faro e, depois, Lisboa, 1914 a 1929, com várias inter -rupções), Biblos (Coimbra, desde 1925) e Presença(Coimbra, 1927 a 1940), sem contar com as revistas de tipomisto, publicadas por academias, como O Instituto” (OLI-VEIRA MARQUES, 1991, 605) – muitas destas revistasencontram-se actualmente digitalizadas e disponíveis em

linha em bibliotecas digitais, como a Biblioteca NacionalDigital ou a Hemeroteca Digital, facilitando sobremaneirao acesso dos investigadores às suas colecções.

As mais importantes, do ponto de vista cultural, forama já citada A Águia, lançada no Porto a 1 de Dezembro de1910, e desaparecida em Maio/Junho de 1932, reunindo nototal 5 séries. Contou, entre os seus directores, com nomesconsagrados da época: Álvaro Pinto, Teixeira de Pascoaes,António Carneiro, José de Magalhães, Leonardo Coimbra,Hernâni Cidade, Teixeira Rego, Sant’Anna Dionísio,Delfim Santos e Aarão de Lacerda. A colaboração literárianão ficou atrás, reunindo a nata da intelectualidade daépoca: António Sérgio, Jaime Cortesão, Raul Proença,Manuel Laranjeira, António Nobre, Augusto Casimiro,Fialho de Almeida, João de Barros, João de Deus, JúlioBrandão, Miguel de Unamuno, Sampaio Bruno, VeigaSimões, Fernando Pessoa, Afonso Duarte, AquilinoRibeiro, Carlos Malheiro Dias, Carolina Michaëllis, GomesLeal, Jaime Magalhães Lima, Mário de Sá-Carneiro, Soaresdos Reis, Agostinho da Silva, João Ameal, Adolfo CasaisMonteiro, Vitorino Nemésio, José Régio, António Correiade Oliveira, Mário Beirão, Afonso Lopes Vieira, entre mui-tos outros. Nas suas páginas predominam os textos decarácter literário, embora apareçam também algunsensaios de pedagogia, música e filosofia. A colaboraçãoplástica primou igualmente pela excelência, com dese -nhos de António Carneiro, Cervantes de Haro, CorreiaDias, Cristiano Cruz, Cristiano de Carvalho, Luís Filipe,Raul Lino, Sanches de Castro, Virgílio Ferreira, JaimeCortesão, João Augusto Ribeiro, João de Deus, JúlioRamos e Miguel de Unamuno. Publicada na sequência davitória do movimento republicano, a 5 de Outubro de1910, A Águia assumiu-se como o porta-voz daRenascença Portuguesa, o mais influente movimentocultural do início da República. Manifestou-se “contra aabulia e o pessimismo nacionais – uma «apatia sonolentade frade bem jantado» (Teixeira de Pascoaes) – e pugnavapelo estudo circunstanciado e rigoroso das nossas raízesculturais, da tradição, da idiossincrasia verdadeiramenteportuguesa” (PIRES, 1996, 40). Por oposição ao «pensa-mento quixotesco”, a Renascença Portuguesa propunha o“pensamento saudosista”, acrescido do «paganismo espi-ritualista» de Leonardo Coimbra. Isto, para Pascoaes, nãoera «nada incompatível com o moderno espírito euro-peu», antes «acompanhando-o, embora sem perder o seuperfil inconfundível”. Por isso, conseguiu congregar à suavolta escritores, intelectuais e artistas de todas as tendên-cias culturais do início da I República, desde os «lusitanis-tas» (António Correia de Oliveira, Mário Beirão e AfonsoLopes Vieira) aos «modernistas (Fernando Pessoa ouMário de Sá-Carneiro), sendo uma espécie de matriz deum pluralismo cultural que contrastava com o monopóliopolítico dos republicanos, antes de dar lugar a outras deri-vações.

Uma dessas derivações, o Modernismo, desenvolveu-

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Primeira página do primeiro número

da revista A Águia, de 1 de

Dezembro de 1910, órgão por

excelência do movimento da

Renascença Portuguesa. Col. HML

Capa da Orpheu, número 1 (1915),

a revista de vanguarda do

Modernismo. Col. HML

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se nas revistas Orpheu (Lisboa, 1915), Centauro (Lisboa,1916), Exílio (Lisboa, 1916), Portugal Futurista (Lisboa,1917), todas elas efémeras; na eclética Contemporânea(Lisboa, 1915, 1922-1926); e, por último, na Athena (Lisboa,1924-1925), embora aqui sob o signo de um Modernismoclassicizante. Destas, destacamos a Orpheu, a revista devanguarda modernista (“a soma e a síntese de todos osmovimentos modernos”, segundo Álvaro de Campos),que publicou apenas 2 números (Março e Junho de 1915),apesar de estar projectado um terceiro número (que sóveria a luz do dia em 1984, por iniciativa das Edições NovaRenascença, numa reprodução fac-similada da versãoconservada na colecção particular de Alberto de Serpa). Oprimeiro número foi dirigido por Luís de Montalvor e porRonald de Carvalho e, o segundo e último número, porFernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Além destes, arevista contou ainda com a colaboração de Alfredo PedroGuisado, José de Almada Negreiros, Côrtes-Rodrigues,Álvaro de Campos, no primeiro número, e Ângelo deLima, Eduardo Guimarães, Raul Leal e Violante deCisneiros, no segundo número. Os extra-textos são assina-dos por José Pacheco, Santa-Rita Pintor e Amadeu deSousa Cardoso, que colaboraria no terceiro número. Arevista vinha para «formar, em grupo ou ideia, um núme-ro escolhido de revelações em pensamento ou arte, quesobre este princípio aristocrático tenham em Orpheu o seuideal esotérico e bem nosso de nos sentirmos e conhecer-mo-nos» (da “Introdução”, assinada por Luís deMontalvor). Teve “como pedra de toque a transgressão.Fundiu categoriais temporais, pôs em causa os cânonestradicionais poéticos, fez incursões pelo onirismo, pelosescaninhos mais recônditos da consciência, elogiou amáquina, a técnica, a evolução e o movimento à boamaneira futurista, mas também encerrava o spleen, o malde vivre, a angústia incomensurável, a neurose, a frustra-ção, o pessimismo, a decadência, o absurdo de viver”(PIRES, 1996, 264). Por outras palavras, assumiu a rupturacom a ordem temporal e política estabelecida, protagoni-zando, no plano estético-literário, um dos movimentosculturais mais fulgurantemente revolucionários queatravessaram a I República. Não surpreende, portanto, arecepção pouco lisonjeira, e mesmo agressiva, que a revis-ta teve, considerada como «Literatura de Manicómio»,enquanto os seus autores (os artistas de Rilhafoles) eramapelidados de «Doidos com Juízo» ou «Alienistas».

A par da Orpheu, ressalta também a Contemporânea,que iria fazer a ligação entre o primeiro e o segundomodernismo literários, sendo publicada entre aquela e arevista Presença. O projecto é esboçado logo em 1915, como aparecimento de um número espécimen, caracterizadopelo seu ecletismo, assinalado por vários assuntos, da lite-ratura à arte, passando ainda pelo desporto, o teatro, amoda e a sociedade. Motivos políticos impediram a conti-nuação da revista, que só seria retomada sete anos depois,em Maio de 1922. O seu último número data de Outubro

de 1926. Foi dirigida por José Pacheco e contou, entre osseus colaboradores, com Afonso Duarte, Afonso LopesVieira, Alberto de Monsaraz, Alfredo Pimenta, AlmadaNegreiros, Álvaro de Campos, Amadeu Sousa Cardoso,André Brun, António Arroio, António Boto, AntónioCorreia de Oliveira, António Ferro, António Sardinha,Aquilino Ribeiro, Camilo Pessanha, Carlos Malheiro Dias,Eduardo Viana, Fernanda de Castro, Fernando Pessoa,Ferreira de Castro, Hipólito Raposo, Homem Cristo, JoãoAmeal, João de Barros, Leonardo Coimbra, Maria AmáliaVaz de Carvalho, Mário de Sá-Carneiro, Teixeira dePascoaes, e muitos outros. O grafismo moderno era asse-gurado pelo lápis de Almada Negreiros, Amadeu deSousa Cardoso, António Carneiro, Bernardo Marques,Columbano Bordalo Pinheiro, Diogo de Macedo, EduardoViana, Ernesto do Canto, Jorge Barradas, StuartCarvalhaes, entre outros. Pretendia ser uma «revista paragente civilizada, uma revista expressamente para civilizargente», o que já encerrava um programa. Neste cabia, porexemplo, a divulgação de ideias iberistas, para irritação demuitos contemporâneos. Mais precisamente, “propunha-se ser um lugar de agitação e de convergência de todos osque se interessavam pela arte em Portugal e que não dis-punham de uma tribuna onde pudessem aferir opiniões,apresentar sugestões, trilhar novas sendas. Tinha os olhospostos nos movimentos vanguardistas da Europa, recu-sando dialecticamente a claustrofobia e a anemia quesecularmente nos tolhiam” (PIRES, 1996, 114-115).

Outra das derivações d’A Águia foi a Seara Nova, revis-ta que iria exercer uma grande influência na vida públi-ca durante a I República, e mesmo depois, em plenoEstado Novo. A influência foi tal que, em Dezembro de1923, Álvaro de Castro decidiu convidar os seareiros paraintegrar o seu governo: António Sérgio assumiria a pastada Instrução, substituindo à última hora Jaime Cortesão,Mário de Azevedo Gomes a da Agricultura, e o majorRibeiro de Carvalho a da Guerra. Fundada em Lisboa, a 15de Outubro de 1921, publicou-se a sua primeira série (delonge, a mais importante) até Janeiro de 1979. Criada nocontexto de uma grave crise económica, política e social,defendia, como solução para as crescentes dificuldades daRepública, a realização de profundas reformas. Uma espé-cie da refundação do regime republicano, com retorno aosvalores matriciais do republicanismo, como se depreendedas seguintes palavras: «Devemos regressar ao 5 deOutubro, mas regressar avançando, caminhando numadirecção inteiramente diversa e numa atitude de espíritointeiramente nova». Pretendia «renovar a mentalidade daelite portuguesa, tornando-a capaz de um verdadeiromovimento de Salvação; criar uma opinião pública nacio-nal que exija e apoie as reformas necessárias; defender osinteresses supremos da nação, opondo-se ao espírito derapina das oligarquias dominantes e ao egoísmo dos gru-pos, classes e partidos; protestar contra todos os movi-mentos revolucionários e todavia defender e definir a

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Verso da capa da Seara Nova, de 15 de

Outubro de 1921. Além da informação

sobre o corpo redactorial, e sumário,

estão igualmente incluídos os objectivos

gerais da revista. Col. HML

Capa da Seara Nova, primeiro número,

datado de 15 de Outubro de 1921, uma

das mais importantes revistas culturais

publicadas em Portugal. Col. HML

Capa da Contemporânea, número 2

(Junho 1922), com desenho de

Almada Negreiros. A revista serviu

de ponte entre o primeiro e o segun-

do modernismo literários. Col. HML

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grande causa da verdadeira revolução; contribuir paraformar acima das Pátrias, a união de todas as Pátrias –uma consciência internacional bastante forte para nãopermitir novas lutas fratricidas», lia-se na sua lapidardeclaração de princípios. A crítica à ”Nova RepúblicaVelha”, à sua prática política, deve ser lida a partir destaideia de refundação da República. Indissociável destepressuposto foi o ataque cerrado aos integralistas, des-montando as suas doutrinas, tarefa assegurada sobretudopor Raul Proença. Até 1926, o corpo directivo foi constitu-ído por Aquilino Ribeiro, Augusto Casimiro, Faria deVasconcelos, Ferreira de Macedo, Francisco AntónioCorreia, Jaime Cortesão, José de Azeredo Perdigão, Luísda Câmara Reis, Raul Brandão e Raul Proença. A colabo-ração literária foi muita extensa, com destaque para RaulProença e Câmara Reis, responsáveis pela “secção” dapolítica, Ezequiel de Campos, economia, Faria deVasconcelos, educação, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão eAugusto Casimiro, literatura e crítica literária, enquantoCâmara Reis tratava da crítica teatral. A colaboração plás-tica mais assídua foi dada por Humberto Pelágio, Leal daCâmara, José Rodrigues Migues e José Tagarro.

D’A Águia e da Renascença Portuguesa, do seu nacio-nalismo literário e lusitanismo, derivaram ainda as revis-tas que ideologicamente vão dar corpo ao IntegralismoLusitano, como é o caso da Ideia Nacional ou da NaçãoPortuguesa. Tratava-se de “publicações de combate políticodeclaradamente nacionalistas, que ajudariam a preparar oambiente que levaria ao fim da República e em que as pul-sões proselíticas predominavam sobre as literárias” (SEA-BRA, 1996, 24).

A Nação Portuguesa foi a mais importante na estrutura-ção e divulgação do Integralismo Lusitano. A primeirasérie da revista publicou-se em Lisboa, entre Abril de 1914e Abril de 1916, reunindo 11 números. Reapareceu emJulho de 1922, numa segunda série, com 12 números, des-aparecendo no ano seguinte. A terceira série publicou-seentre 1924 e 1926, somando 12 números. A quarta viu aluz do dia de 1926 a 1927. A quinta publicou-se de Julhode 1928 a Junho de 1929, perfazendo também uma dúziade números. A sexta série data de 1929 a 1931, alcançandoo mesmo número de edições. Daqui para a frente a termi-nologia muda, e passamos a ter volumes: do volume 7,com início em 1932, ao volume 11, com fim em 1938, numtotal de 36 fascículos. Conheceu, portanto, vários directo-res ao longo da sua existência: Alberto de Monsaraz,António Sardinha e Manuel Múrias, com MarceloCaetano a secretariar a quinta série. Era o órgão por exce-lência do Integralismo Lusitano, de feição católica, reivin-dicando uma «monarquia orgânica tradicionalista anti-parlamentar», a que juntava uma tendência descentraliza-dora. Contou com a colaboração de Aires de Ornelas,Alfredo Pimenta, Cabral de Moncada, Hipólito Raposo,Luís de Almeida Braga, Pequito Rebelo, António Ferro,Carlos Malheiro Dias, Eduardo Brasão, João Ameal,

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Capa da revista Nação Portuguesa, 1931, porta-voz do

Integralismo Lusitano. Col. HML

Capa da Ilustração Portuguesa, num dos números publica-

dos após o 5 de Outubro de 1910. Esta revista semanal

foi/é um dos mais relevantes repositórios iconográficos da I

República Portuguesa. Col. HML

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Henrique Galvão, Marcelo Caetano, Rolão Preto, entreoutros.

Além das revistas citadas, importa ainda listar osseguintes títulos, dada a sua relevância cultural e políticano período em causa: Portugália (Lisboa, 1925-26),Atlântida (Lisboa, 1915-20), A Renascença (Lisboa, 1914), AGalera (Coimbra, 1914-1915), Alma Nova (Faro, 1914-25), ARajada (Coimbra, 1912), Pela Grei (Lisboa, 1918-19), HomensLivres (Lisboa, 1923), Lusitânia (Lisboa, 1924-27), A VidaPortuguesa (Porto, 1912-15), Revista Portuguesa (Lisboa,1923), Dionysios (Coimbra-Porto, 1912-28), Limiana (Vianado Castelo, 1912-17), Ícaro (Lisboa, 1916), Lusa (Viana doCastelo-Porto, 1917-24), Bizâncio (Coimbra, 1923-24),Arquivo Literário (Lisboa, 1923-28), Gil Vicente (Guimarães,desde 1925), Brotéria (Lisboa, desde 1902) e Germinal(Lisboa, 1916-17).

3.Algumas conclusões…

Desde logo, importa salientar a quantidade detítulos de revistas e almanaques que se publica-ram durante a I República, entre 1910 e 1926.

Esta proliferação de títulos talvez se explique quer pelaausência duma censura repressiva quer pela existênciadum clima de grande efervescência cultural e política.Com efeito, exceptuando o período da I Guerra Mundial,em que se aplicou, pela Lei de 28 de Março de 1916, a cen-sura prévia à imprensa (a exemplo do que já acontecia emtodos os países aliados), o que tivemos, no geral, foi umquadro legal favorável à liberdade de imprensa. O climade intensa conflitualidade polémica, que então se viveu, eo ambiente global de abertura à inovação, à criação artísti-ca, de mobilidade e exaltação dos valores do progresso eda modernidade que marcou a I República portuguesa emmuito contribuiu também para a criação de publicaçõesperiódicas. Como vimos, não havia movimento literário,político ou filosófico que não tivesse a sua revista paradivulgar as suas ideias ao maior número possível de pes-soas. A propaganda republicana fazia-se nos comícios,essa novidade política inaugurada pelos republicanos nasprincipais cidades do país, mas os almanaques e, sobretu-do, as revistas e jornais continuavam a funcionar como osprincipais instrumentos de difusão do ideário republicanoe de captação da sua base eleitoral de apoio.

Outra característica importante é a qualidade de mui-tas destas revistas e almanaques, seja pelos textos quereuniram, seja pela colaboração plástica que asseguraram,fazendo de algumas delas autênticas jóias da coroa da his-tória da imprensa periódica portuguesa. Muitos dos textos

que publicaram, escritos pela intelligentsia da época, sãoimprescindíveis para a compreensão da vida cultural epolítica da I República, enquanto os desenhos, as ilustra-ções e as caricaturas que encontramos nas suas páginasforam não raras vezes o modo escolhido pelos artistaspara introduzirem em Portugal as novas correntes estéti-cas, como o Modernismo. A ruptura com os padrões natu-ralistas que ainda predominam nas artes após o 5 deOutubro de 1910 é feita nas páginas das revistas humorís-ticas, literárias ou mesmo políticas, só depois saltandopara os salões da capital ou do Porto.

Destacamos, por último, a maior diversidade editorialda imprensa periódica nesta altura, por comparação coma Monarquia Constitucional, com ênfase no campo políti-co, com as revistas ferozmente republicanas a convive-rem, nem sempre pacificamente, com as revistas pró-rea-listas, integralistas, modernistas, socialistas, anarco-sindi-calistas, fruto dum quadro pintado de permanente instabi-lidade política e confronto partidário, agravado pela crisegeral da economia, que vai fornecendo a melhor matéria-prima para os almanaques e revistas portuguesas e, conse-quentemente, fazendo as delícias dos seus leitores.

Lisboa, Julho de 2011.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA: CORREIA, J. D. P., e GUERREIRO, M. V., “Almanaques ou aSabedoria e as Tarefas do Tempo”, in Revista ICALP, 6(Agosto/Dezembro 1986), pp. 43-52; LISBOA, João Luís, “Almanaques”, in Os Sucessores deZacuto: O Almanaque na Biblioteca Nacional do século XVao XXI (Coord. Rosa Maria Galvão), Lisboa, BibliotecaNacional, 2002; PIRES, Daniel – Dicionário da Imprensa PeriódicaLiterária Portuguesa do Século XX, Lisboa, Grifo, 1996; MARTINS, Rocha – Pequena História da ImprensaPortuguesa, Lisboa, Inquérito, 1941; OLIVEIRA MARQUES, A. H. de – Guia de História da 1.ªRepública Portuguesa, Lisboa, Estampa, 1981; ROCHA, Clara – Revistas Literárias do Século XX emPortugal, Lisboa, INCM, 1985; SEABRA, José Augusto, “Gerações e Revistas Culturais naPrimeira República”, in Boca do Inferno, Cascais, N.º 1(1996), pp. 13-29; SERRÃO, Joel, e OLIVEIRA MARQUES, A. H. de – NovaHistória de Portugal. Vol. 11 – Portugal da Monarquia paraa República, Lisboa, Editorial Presença, 1991.

* Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa.Investigador do Centro de Investigação Media & Jornalismo.Professor no ISLA – Lisboa.

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Quando comecei a trabalhar, nadécada de 90 do século passado, jáhavia Internet. Na redacção ondefui estagiária, a pequena redacçãodo Jornal de Letras, havia um

computador com acesso à Web - um únicocomputador, sem dono certo e que por issomesmo estava disponível para quem quisesse.Servia sobretudo para fazermos pequenaspesquisas, o nome disto ou daquilo, este ouaquele site, este ou aquele dado.

Colegas mais velhos estarão agora a pensarno tempo das máquinas de escrever nasredacções. Pode parecer-vosridículo, mas hoje, ao recordaraquele lento Mac, sinto-me umtanto ou quanto jurássica. Diz-se por todo o lado, mas é umaconstatação completamenteverdadeira: em poucos anos omundo da informação (e dojornalismo) alterou-se de formaradical.

Compreendo que alguns vejam estasmudanças, que não são apenas mudanças denatureza tecnológica, com algum cepticismo. Asnovas formas de comunicação, baseadas naInternet, estão a alterar as categorias a que atéagora estávamos habituados como as noções deagenda e de objectividade. Em tempos aprendi,com os autores da teoria da comunicação, aconhecer os efeitos das notícias que produzimose, sobretudo, os seus limites. A lição é filosófica,mas, no meu dia-a-dia, vejo-a cada vez maiscomo um exemplo de humildade: comojornalistas, não somos donos de nada, muitomenos do modo como os nossos leitores,ouvintes e espectadores nos lêem, nos escutam,nos vêem.

Assistimos no princípio deste ano à revolta naPraça Tahrir ser convocada via Facebook. Vimosum vídeo (vários vídeos) do terramoto emTóquio através do YouTube. O presidente da

União Europeia dá conta dos resultados dascimeiras no Twitter. E todos os dias temosleitores que não se limitam a sê-lo - queconsomem notícias, sim, mas que rapidamentefazem like nos nossos textos, comentam-nos,censuram-nos, corrigem-nos, partilham-nos.

Não gosto de fazer o elogio da sociedade dainformação. Sobretudo porque julgo que essediscurso foi ficando vazio à medida em que opoder, o poder político, se apropriou dele.Também não penso que o fundamental seja oconceito de jornalismo cidadão sobre o qual háuns tempos tanto se escreveu. O que sinto é que,

por mais devastadora que aInternet tenha sido para asvendas de jornais europeus eamericanos, não sou capaz dedeixar de me entusiasmarquando, como digo no título deinspiração loboantuniana destacrónica, tudo muda. Porquehoje o mundo da informaçãome parece incomparavelmente

mais estimulante. Temos mais leitores, novos leitores, outros

leitores. O site do Guardian, por exemplo, já émais lido no estrangeiro do que na Grã-Bretanha. Recentemente, a The Economist fezum dossier sobre as alterações que a Internetestá a produzir na indústria da informação noqual defendia que estamos a regressar aoambiente dos cafés pré-era comunicação demassas. Mais caótico, mas ao mesmo tempomais plural e mais participado. O que fazer,então, quando tudo muda? Não é que seja maisfácil, não será certamente mais fácil.Publicarmos as imagens captadas com umtelemóvel da revolução egípcia? Mostrarmos ovídeo da catástrofe japonesa? Escrevermos umanotícia citando o Twitter de Van Rompuy? Sefor apenas para isto que cá estamos, eupessoalmente - sem drama nem tragédia -prefiro mudar de profissão.

Que farei quando tudo muda? SARABELO LUÍS

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