Transcript

aralelamente ao constante avan-ço tecnológico nas comunicações,um paradoxo: quanto mais facili-dades de se obter inform a ç õ e s ,mais necessidade de se estar aten-

to a elas. Cresce o número dos chamados plan-tonistas, que trocam o dia pela noite, em busca doj o rnalismo intensivo. No entanto, o que veiopara agilizar o trabalho do jornalista tambémaumentou a carga horária deste profissional. E,não ignorando a concorrência e o fenômeno daglobalização, quem cedo madruga – ou nemmesmo dorme – vence a briga pela busca de notí-c i a s .

O trabalho noturno pode serconsiderado conseqüência desteprocesso, como também fruto deum novo ritmo de trabalho queatende aos interesses econômicosvigentes. No jornalismo, lazer eprofissão misturam-se a cada dia.Com isso, fins de semana, feriadose noites de sono tornam-se cada vez menos “sagra-dos”.

“Se você entra em televisão, rádio ou jornal, podeter certeza que sua vida muda. Quem pensa quevai trabalhar com jornalismo para emendar feri-adão ou pular carnaval, deve esquecer”, afirmaAlves de Melo, apresentador do programa “CBNMadrugada”, da Rádio CBN.

Há cinco anos invertendo os turnos do dia, Alvesexplica que, nos programas de rádio, a informaçãoganha mais espaço na madrugada, já que não háinterferências de comentários durante entrevistas enotícias.

“Os programas, apesar de menos dinâmicos, pos-suem mais volume de informação. Você pode focarmelhor os principais assuntos do dia anterior eabordar a primeira página dos jornais do diaseguinte”, diz Alves.

Se ouvir rádio de madrugada é uma opção parao público, comprar jornal à meia-noite não é umhábito comum. Mas lá estão os plantonistas, naredação ou nas ruas, até às sete horas da manhã,cobrindo crimes, seqüestros e qualquer outro acon-tecimento inesperado que seja considerado notícia.Para eles, a versatilidade é um item essencial a esteprofissional.

“Não fazemos apenas um tipo dematéria, cobrimos tudo. Normal-mente, ligamos para batalhões edelegacias em busca de notícias. Etemos as fontes, que também nosligam. Acompanhamos o que estáacontecendo na cidade por tele-fone e a equipe completa, comfotógrafo, motorista e repórter, vai

para a rua”, explica Jorge Martins, que trabalhahá 16 anos como repórter plantonista do jornal OGlobo.

As apurações noturnas, expostas muitas vezes aoperigo, acabam unindo os profissionais destehorário. Equipes de diferentes veículos criam,segundo Jorge, uma cumplicidade peculiar:“Háuma união muito grande com os colegas de outrase m p resas. Você acaba fazendo boas amizades.Como as apurações são mais difíceis na escuridãototal, um colega ajuda o outro”.

E acompanhando este processo, a TV, que antesexibia a tela de “colorbar” mais cedo, hoje encer-

BERNARDO SCOTTI, LÍVIA ARBEX, LÍVIA FARIA E MANOELA CAMPOS

Jornalistas damadrugada

Boas Noites 43

Na guerra da informação... vence quem dorme menos

“Tá com sono, tomacafé, dá um jeito”

Régis Rösing

ra a sua programação cada vezmais tarde, ou nem chega a sairdo ar. Alguns canais da TV acabo são exemplos da buscaincessante pela informação. Senão há como esperar os aconteci-mentos, o jornalismo está a pos-tos para se pronunciar 24 horaspor dia.

Fábio Barreto, re p ó rter noturn oda Rede Bandeirantes, explica osmeios de como se obter informações quando o silên-cio se confunde com a ausência de acontecimentos:“Acho que já distribuí mais de 400 cartões meusdurante a madrugada. E alguém sempre liga. O seg-redo é se colocar abaixo da pessoa, é a maneiracomo você a trata. O delegado pede matéria, eu dou.É assim que se conquista”.

Fábio, ex-jornalista esportivo, está neste horáriohá dois anos e meio, e confessa que nada entendiade polícia. Aceitar o desafio de cobrir matérias poli-ciais não somente exigiu que ele conquistasse as

chamadas fontes, como também,exigiu coragem para enfrentar assituações de risco. Alguns cuidados,como não mostrar os rostos de poli-ciais e avisar quando vai gravarsão necessários para diminuir avulnerabilidade da profissão. Aolado do técnico Ricardo Lisboa e dore p ó rter cinematográfico João Sou-to, ele acumula algumas históriasp e c u l i a res deste tipo de trabalho.

“Uma vez, na Linha Vermelha, estava acontecen-do um tiroteio e o Fabinho teve que ficar quaseuma hora deitado num formigueiro sem se mexer.Eu fiquei deitado numa vala. Eles não queremsaber se tem imprensa no meio. Saem atirando”,conta João.

Se é evidente esta tendência jornalística de estarligado, dia e noite, no que acontece, há, também,aqueles que optam pelo silêncio da madrugadapara realizar suas tarefas. Na Internet, onde abusca do instantâneo é outro exemplo da produ-

Julho/Dezembro de 200344

“Trabalhar de noite,para mim, é como ler

um livro antes dedormir. É um hobby”

Aloy Jupiara

“Recentemente, nós estáva-mos no Morro dos Macacos, naTi ju c a / Vila Isabel. Ficamos uma,duas horas, e não estava aconte-cendo nada. Um tirinho de vezem quando, mas nada que re n-desse uma matéria. Aí, às duasda manhã, falei para voltarm o spara a redação. Quando oR i c a rdo segurou no volante,falou assim: “Não, ainda faltamduas horas para terminar nossohorário. Vamos ficar”. Ficamos.Todo mundo foi embora, a genteficou. Meia hora depois estouro uum baita de um tiroteio. A gentepegou uma imagem de ummorador que desceu do ônibus

todo de preto e não percebeu oque estava acontecendo nafavela. Como ele estava todo dep reto, os traficantes pensaramque ele era policial e começarama atirar em cima dele. Nós fize-mos essa imagem, que foi muitocomentada.”

(Fábio Barre t o )

“Quando era diretor de Jor-nalismo da Rádio Paradiso (an-tiga Del Rei), fui entre v i s t a ruma estagiária que tinha umtexto excelente. Ela me perg u n-tou o horário e falei que ela po-deria escolher entre manhã out a rde. Ficou acertado que seuhorário seria de meio-dia às17h, de segunda a sexta, masavisei que ela teria que traba-lhar um sábado ou domingo nomês para fazer plantão. Quanto

ouviu isso ela arregalou os olhose me perguntou: ‘E a minhapraia, como fica?’ Não está nom e rc a d o ” .

(Alves de Melo)

“Existe uma coisa que as pes-soas não valorizam que é a cha-mada exaustão. Todo mundoquando está exausto, está cansa-do, quer ir para cama dormir.Que desperdício! Na exaustão, apessoa fica mais sensível. Todomundo acha que fica meio desli-gado. Não, fica mais sensível.Fica um dia sem dormir para vercomo tu vai ficar mais sensível,mais delicado, com mais per-cepção. São sensações que agente tem e não dá valor porquequer dormir toda hora. Quercumprir tabela”.

(Régis Rösing)

Histórias da madrugada

tividade levada ao extremo, um jornalista acostu-mado com o vazio da redação garante que optoupelo horário de seu expediente. Aloy Jupiara, edi-tor-chefe do site Globonews.com,escolheu o turno da noite parafazer seus trabalhos mais deta-lhadamente. “Neste horário, possoler as notícias da semana, tratarde assuntos administrativos,cumprir tarefas que não depen-dem de outras pessoas e data ehora marcada, como acontecenecessariamente com os re p ó r-t e res. Trabalhar à noite, paramim, é como ler um livro antes dedormir, é um hobby”.

Se esta pode ser consideradauma escolha incomum, as atua-lizações necessárias a um site da Internet podemjustificar a presença do editor-chefe quando prati-camente ninguém está presente na redação. Háalguns, entretanto, que não somente preferem aescuridão e o silêncio, como também dobram acarga horária por opção. Passar duas ou três noitessem dormir é algo comum no cotidiano do repórteresportivo e editor de imagens da Rede Globo, Régis

Rösing. Questionado sobre a necessidade de virarmadrugadas para editar as próprias matérias, Régisexplica sua proposta de produção: “Meu caminho é

mostrar que existem infinitas eilimitadas maneiras de se contaruma história na televisão. O im-portante não é o tempo da ma-téria, e sim, quanto tempo ela vaificar na cabeça das pessoas. E, pa-ra isso, tem que ter muito tempopara fazer a história ficar boa”, dizRégis. “Na madrugada, só há ob a rulho da máquina. Não temninguém para te pert u r b a r, tedesconcentrar. Tá com sono, tomacafé, dá um jeito. Acho que o serhumano dorme demais. Todo dia agente dorme. Todo dia você está lá,

oito horas na cama”.Enquanto uns optam pela noite por causa da

tranqüilidade, outros gostam da agitação e dosdesafios do furo jornalístico. Seja o silêncio, o tem-po ideal para observar os detalhes, o aumento daprodutividade, as regras do jornalismo intensivo, anecessidade ou a opção, a madrugada é cada vezmais dia para muitos jornalistas.

Boas Noites 45

“Você pode focarmelhor os principais

assuntos do dia anterior e abordar aprimeira página dos

jornais do diaseguinte”Alves de Melo