UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS
LARISSA HOBI
INTERFACE CENA E
TECNOLOGIA: COMPOSIÇÕES
CÊNICAS MEDIADAS
NATAL/RN
2013
1
Larissa Hobi
INTERFACE CENA E TECNOLOGIA: composições cênicas mediadas
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Artes Cênicas, na Linha Pedagogias
da Cena: Corpo e Processos de Criação, da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte como
requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre
em Artes Cênicas.
Orientador: Dr. José Sávio Oliveira de Araújo
Co-orientador: Dr. José Amâncio Tonezzi Rodrigues Pereira
Natal/RN
2013
2
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA).
Hobi, Larissa.
Interface cena e tecnologia : composições cênicas mediadas / Larissa
Hobi. – 2013.
130 f.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação
em Artes Cênicas, 2013.
Orientador: Prof. Dr. José Sávio Oliveira de Araújo.
1. Cena. 2. Tecnologia. 3. Teatro. 4. GAG Phila7 I. Araújo, José Sávio
Oliveira de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BSE-CCHLA CDU 792
3
4
Para minha filha Ariela, passarinha.
Para minha mãe Éli, que fez de mim passarinha.
5
AGRADECIMENTOS
À minha filha Ariela, por todo o amor, companheirismo, carinho e toda sua compreensão em
relação a minha ausência com ela devido à escrita.
À família Hobi Martins – meu pai Valdomir e irmãos Rafael, Guilherme, Alex e Leonardo,
por fazerem parte de minha formação, por todo o fortalecimento de caráter advindo de nossas
vivências, convivência, viagens e mudanças e, principalmente, pelo incentivo e liberdade
sempre dado aos caminhos escolhidos para serem trilhados.
À família Tozzi – Zulima, Bruno, Marcela, Maria Clara e Pedro, por todo o carinho, apoio e
incentivo nesses últimos anos.
À Maíra Lewtchuk, Amanda Galvíncio e seus rebentos – Ila, Igor e Marina – pela amizade,
amor, cafés, cervejêenhas na orla universitária e lugares afins, pelos longos sep`s e/ou
requentes, pelas sugestões, trocas e indicações. Enfim, por fazerem a espera pela redenção
mais feliz.
Ao professor José Tonezzi, pelos caminhos apontados, amizade, dedicação, pelas incontáveis
contribuições e pela parceria nesses últimos cinco anos.
Ao professor Jean Carlo pelas contribuições, sugestões, indicações de textos, amizade e
disponibilidade.
Ao professor José Sávio Oliveira de Araújo.
À Maíra Spanghero, por toda disponibilidade e ajuda prestada em momentos difíceis,
permeados por incertezas.
Ao Phila7 e seus maravilhosos integrantes, Beto Matos, Marcos Azevedo, Marisa Riccitelli
Sant‘ana, Mirella Brandi e Rubens Velloso, por serem sempre tão carinhosos, acolhedores e
disponíveis.
Ao TPA, nas pessoas de Nelson Kao e Renata Jesion, pela disponibilidade e acolhimento.
Aos integrantes do projeto Profanações_Núcleo Cena e Contágio – Angélica, Diógenes,
Flávio, Kassandra, Nilton, Nyka, Sávio, Tiago, Tonezzi e Tony, por todos os momentos de
convivência, descontração, felicidade e superação das dificuldades, ao carinho e confiança
mútuo que tivemos diante das adversidades.
Aos integrantes do LAVID, Bruno, Erick, Glauco, Hugo, Guido, Tatiana e Yuri, que
embarcaram nessa viagem com a gente com muita dedicação e empenho, sem os quais não
teria sido possível o desenvolvimento do projeto.
Ao Grupo de pesquisa Cena e Contágio e seus integrantes, passados e presentes, por todos os
bons momentos de trocas, aprendizagens e descontração.
6
Ao professores Guilherme Schulze e Naira Ciotti integrantes de minha banca de qualificação
pela leitura atenta e contribuições.
Aos Professores das disciplinas cursadas no PPGArC – UFRN, Alex Beigui, Maria Helena
Braga e Vaz da Costa, Maria de Lourdes Barros da Paixão e Vera Lourdes Pestana da Rocha
pelas indicações e saberes partilhados.
Ao professor do PPGC – UFPB, Ed Porto e alunos da turma a qual paguei a disciplina
Estudos avançados em cultura midiática audiovisual, pelo acolhimento, contribuições e
sugestões de leituras.
Aos professores da disciplina Encenação I, a qual fiz meu estagio de docência Makarios Maia
e José Sávio Araújo pelo aceite e contribuições.
À Biu Ramos – tchú, tchú, tchú – pelas conversas, amizade, carinho e colaborações em
tempos de incertezas.
À Túlio Flávio e Paula Samartin pela acolhida no Rio de Janeiro durante a temporada do
Profanações, amizade e boa companhia sempre.
À Fabio Inocêncio, pelo carinho com o qual sempre me recebeu em Sampa, pela amizade e
momentos de descontração em minhas diversas idas para contato com os grupos.
À Jubinha e Bolinha amigos amados e companheiros importantes de ócio criativo.
Ao amigo Alex Sal, tradutor juramentado, pelo meu abstract.
Aos colegas de turma do mestrado, pelos diálogos e construções nesses dois anos.
Ao secretário do PPGArC, Amauri, sempre muito solícito e a disposição para tirar as dúvidas
mais esdrúxulas.
À CAPES, pelo financiamento da pesquisa.
7
A respeito das certezas do mundo: ―Até um relógio
quebrado está certo duas vezes por dia.‖
Navegamos num mar de incertezas. Dito assim, você
inventa uma primeira certeza. Então, munido de um
pequeno espírito aventureiro enfuna as velas e lentamente
avança pela zona de rebentação, das marolinhas em
direção a aquele horizonte preenchido por um azul vazio
profundo. Já em águas mais profundas você flutua e sente
uma pressão no seu corpo exercida pelo céu e pelo mar.
Você está no meio do nada. Você é o nada. Para garantir
a continuidade da navegação você começa a construir
uma imagem, uma ilusão do que você é e aí você pensa:
no mínimo vai servir como bússola. Mas o nada é brutal,
imenso, avassalador e aí, vêm o primeiro paradoxo, se ele
tem toda essa potência, por que eu o sinto como nada?
Então você resolve tentar outras denominações: o
desconhecido, o vazio, o que eu não sei, zonas sem luz,
falha e conexão, o inexplicável, e por aí vai. Esse é o
exato momento em que você resolve abandonar a
embarcação e, como se obedecesse ao chamado de uma
sereia, mergulhasse em águas profundas indo
definitivamente em direção ao que você antes chamava
do nada. Depois do primeiro mergulho, quando você
volta procurando o ar, você inventa a segunda certeza – o
vazio que se estende pelo horizonte é vivo, têm textura,
sabor, cores, movimentos, enfim, e este é o paradoxo!
Existe. Três longos mergulhos intercalados por uma
respiração rápida. Depois retoma as braçadas de forma
compassada, sem desespero. Você já percebeu que apesar
do mar revolto, você flutua. E aproveitando essa
percepção você constrói uma terceira certeza: o nada tem
duas narrativas. Uma fora de mim, que eu herdei que é e
que não é minha. Uma narrativa do mundo, das
linguagens do mundo, dos seus desejos, suas vontades,
suas catástrofes, da sua beleza e da sua escuridão. A outra
é a minha, desta ilusão que ouviu o canto da sereia.
Pronto, você deixou de ser um relógio quebrado.
(Rubens Velloso)
8
RESUMO
Partindo do pressuposto de que as artes no ocidente sempre dispuseram de recursos, suportes
e dispositivos pertencentes ao seu contexto de época, pretende-se uma reflexão acerca de
composições cênicas mediadas por tecnologias digitais. Tecnologias essas, que estão inseridas
no cotidiano, passando também a compor experimentos artísticos, assumindo dessa forma um
papel dialógico por meio da intersecção arte/tecnologia. Propõe-se assim investigar quais as
relações que se estabelecem na cena teatral contemporânea a partir do contágio pelas
tecnologias digitais, procurando traçar esse paralelo através do diálogo com autores que
tratam do assunto, como também, valendo-se de práticas de grupos que tem no uso de
recursos tecnológicos fator determinante em suas encenações. Além disso, se realiza uma
reflexão sobre a cena que incorpora ou se perfaz em eventos intermidiáticos, analisando de
que forma as tecnologias digitais (re)configuram os processos composicionais das encenações
do GAG Phila7, da cidade de São Paulo/SP. Para tanto, a dissertação encontra-se organizada
em três capítulos que contemplam quatro momentos, a saber: breve panorama do campo,
contextualização, análise e síntese poética. Utiliza-se como proposta metodológica os
métodos qualitativos: entrevista semi-estruturada, tomada de notas e documentos (programa,
site, caderno de encenação, material de divulgação para texto publicitário, fotografias e vídeo
de registro). Dentro do universo da pesquisa qualitativa, trabalha-se com a perspectiva
epistemológica da hermenêutica filosófica gadameriana. As possibilidades abertas pelo duplo
virtual (internet/web) gerou um tipo de teatro com outra base material e novas formas de
organização e estruturação, sendo possível perceber que tais avanços tecnológicos e as artes
se contaminam mutuamente, gerando um deslocamento na lógica da composição teatral,
movimento iniciado com as vanguardas artísticas, que vem se intensificando gradativamente,
abrindo possibilidades de construções e hibridizações das mais diversas possíveis. É nessa
perspectiva que se encontra inserido o experimento Profanações_superfície de eventos de
construção coletiva, idealizado pelo Phila7. Alvo das discussões da referida pesquisa, o
experimento trabalha com poéticas possíveis surgidas da intersecção com as tecnologias
digitais, buscando apontar e problematizar os desafios advindos da evolução e expansão
tecnológica em um contexto cênico.
Palavras-chave: Cena contemporânea. GAG Phila7. Tecnologias digitais.
9
ABSTRACT
Based on the presupposition that the arts in the West always counted on resources, supports,
and devices pertaining to its time context, an reflection is intended regarding the scenic
compositions mediated by digital technologies do. Such technologies are inserted in the daily
routine, also composing artistic experiments, thus playing a dialogical role with the
art/technology intersection. Therefore, the proposal is to investigate what relationships are
established in the contemporary theatrical scene from the contagion by digital technologies,
aiming at establishing this parallel through a dialogue with the authors discussing the subject,
and also based on the group practices having technological resources as a determinant factor
in their plays. Furthermore, a reflection should be made on the scene that incorporates or is
carried out in intermediatic events, analyzing how digital technologies (re)configure
compositional processes of the plays by GAG Phila7, in the city of São Paulo/SP. For such,
the dissertation is organized in three sections comprising four moments, to wit: brief overview
of the field, contextualization, poetic analysis and synthesis. Qualitative methods are used as
the methodological proposal: semi-structure interview, note and document taking (program,
website, playing book, disclosure material for advertising text, photographs, and videos).
Within the universe of qualitative research, it works with the epistemological perspective of
the Gadamer philosophical hermeneutics. The possibilities allowed by the double virtual
(Internet/web) generated a type of theater with another material basis and new forms of
organization and structure, being possible to perceive that such technological advances and
the arts are mutually contaminated, generating a dislocation in the logics of theatrical
composition, movement beginning with the artistic vanguards, gradually intensified, thus
offering new possibilities of constructions and hybridization of the of the most different
possible types. Experiment ―Profanações_superfície de eventos de construção coletiva‖,
idealized by Phila7 is inserted in this perspective. Object of the discussion of such research,
the experiment works with possible poetics arising from the intersection with the digital
technologies, aiming at identifying and problematizing the challenges from the technological
evolution and expansion in a scenic context.
Keywords: Contemporary scene. GAG Phila7. Digital technologies.
10
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1 – Play on Earth………………………………………………...………………….27
Imagem 2 – What´s Wrong with the World?...........................................................................27
Imagem 3 – WeTudo DesEsperando Godot.............................................................................27
Imagem 4 – Alice Através do Espelho.....................................................................................27
Imagem 5 – Corte Seco............................................................................................................31
Imagem 6 – Hamlet..................................................................................................................31
Imagem 7 – Por Conta da Casa................................................................................................32
Imagem 8 – Nunca Feche o Cruzamento.................................................................................32
Imagem 9 – Desce! (amor de cão)...........................................................................................33
Imagem 10 – Prometheus – a tragédia do fogo........................................................................39
Imagem 11 – Leonce e Lena....................................................................................................40
Imagem 12 – Dona Flor e seus dois maridos...........................................................................40
Imagem 13 – Viúva, porém honesta .......................................................................................40
Imagem 14 – As relações entre o Potencial, o Real, o Virtual e o Atual.................................47
Imagem 15 – Programa Profanações........................................................................................75
Imagem 16 – Profanações GAG Phila7..................................................................................84
Imagem 17 – Profanações GAG Phila7..................................................................................84
Imagem 18 – Grafite Flower Chucker………………………………………………………86
Imagem 19 – Profanações GAG Phila7..................................................................................86
Imagem 20 – Profanações GAG Phila7 .................................................................................87
Imagem 21 – Profanações GAG Phila7..................................................................................87
Imagem 22 – Profanações GAG Phila7..................................................................................88
Imagem 23 – Profanações GAG Phila7..................................................................................88
Imagem 24 – Profanações GAG Phila7..................................................................................89
Imagem 25 – Profanações GAG Phila7..................................................................................89
Imagem 26 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................90
Imagem 27 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................90
Imagem 28 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................91
Imagem 29 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................91
Imagem 30 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................93
Imagem 31 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................93
11
Imagem 32 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................94
Imagem 33 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................94
Imagem 34 – Profanações GAG Phila7..................................................................................96
Imagem 35 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................96
Imagem 36 – Profanações Cena e Contágio...........................................................................98
Imagem 37 – Profanações GAG Phila7..................................................................................98
Imagem 38 – Interface gráfica...............................................................................................101
Imagem 39 – Interface gráfica...............................................................................................101
12
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1 – CARTOGRAFIA DA PESQUISA ............................................................ 18
1.1 REFLEXÕES TEÓRICAS METODOLÓGICAS ...................................................... 18
1.1.1 Justificativa, Metodologia e Objetivos .............................................................. 18
1.1.2 Objeto da Pesquisa: GAG Phila7 ...................................................................... 23
1.2 BREVE PANORAMA DO CAMPO: CENA CONTEMPORÂNEA E
TECNOLOGIA ................................................................................................................. 28
CAPÍTULO 2 – CENA CONTEMPORÂNEA E TECNOLOGIAS DIGITAIS: NOTAS
PRELIMINARES ................................................................................................................... 45
2.1 O CONTÁGIO DA CENA CONTEMPORÂNEA PELAS TECNOLOGIAS
DIGITAIS .......................................................................................................................... 45
2.2 O FIO DE ARIADNE ................................................................................................. 50
2.3 INTERSECÇÃO TEATRO / TECNOLOGIAS DIGITAIS: (RE)CONFIGURAÇÃO
DE ELEMENTOS NARRATIVOS .................................................................................. 55
2.3.1 Ator (corpo/presenças) ...................................................................................... 57
2.3.2 Espaço cênico (desterritorializado/fragmentado) ............................................. 67
2.3.3 Espectador (virtual/presencial) ......................................................................... 72
CAPÍTULO 3 – PROFANAÇÕES_ SUPERFÍCIE DE EVENTOS DE CONSTRUÇÃO
COLETIVA .............................................................................................................................73
3.1 EXPERIMENTO PROFANAÇÕES ........................................................................... 73
3.2 SUPERFÍCIES: NOTAS SOBRE O PROCESSO ...................................................... 80
3.2.1 GAG Phila7 ....................................................................................................... 84
3.2.2 Cena e Contágio ................................................................................................ 90
3.2.4 Lavid ................................................................................................................ 100
3.2.4 MidiaLab ......................................................................................................... 101
3.2.5 Dramaturgia e cena: gêneros e linguagens .................................................... 102
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 103
13
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 110
LIVROS E PRODUÇÕES CIENTÍFICAS ..................................................................... 110
PÁGINAS E SITES ELETRÔNICOS ............................................................................ 116
FILMES ........................................................................................................................... 116
REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS ............................................................................. 117
APÊNDICES ......................................................................................................................... 119
APÊNDICE A – ENTREVISTA COM RUBENS VELLOSO ....................................... 119
APÊNDICE B – GLOSSÁRIO DE NOÇÕES ................................................................ 129
14
INTRODUÇÃO
Com o advento das tecnologias digitais tornaram-se corriqueiras as discussões sobre o
futuro do humano e de que forma se estabelecerão as relações referentes à interface
humano/máquina. É possível observar a incidência e recorrência da referida temática em
diversos âmbitos, como o acadêmico, o social e o cotidiano – a exemplo de livros, palestras,
mesas redondas, artigos científicos, filmes, matérias em jornais, blogs, novelas, seriados,
desenhos infantis, chats, dentre outros. Questões essas, antes abordadas apenas pela ficção
científica que especulava de que forma o humano configurar-se-ia no futuro. Esse gênero
literário, considerado por muitos como inferior, tem adquirido na contemporaneidade a
expressão de uma realidade potencial, que transita como ―ficção da ciência‖ e ―ciência da
ficção‖.
Estudiosos acreditam que essa projeção no futuro está presente dentro e fora dos seres
humanos, tornando-se parte da nossa realidade e auxiliando na reconfiguração da percepção
que temos dela. Podemos perceber que os desdobramentos dessas discussões têm repercutido
nas diversas áreas do conhecimento humano, encontrando na arte um dos campos férteis para
esses questionamentos.
A aceleração tecnológica tem promovido na contemporaneidade uma ruptura gradativa
em relação ao entendimento tradicional de conceitos como: tempo, presença, espaço e corpo;
ruptura essa, como nos aponta Giddens (1991, p. 26), iniciada na modernidade – no final do
século XVIII – com a criação do relógio mecânico, artefato de ―significação-chave na
separação entre tempo e espaço‖. Tal aceleração altera modelos e dinâmicas sociais, culturais,
morais e éticas. Retomaremos a referida discussão, de forma a aprofundá-la, no capítulo 2.
Com a inserção das tecnologias digitais na cena teatral, pode-se optar pelo
deslocamento de elementos antes previstos para estarem presentes no mesmo espaço. Dessa
forma, o ator, indispensável ao fenômeno teatral, pode estar presente tanto de forma física
como de forma virtual, não se tratando apenas de simulação, mas de presença virtual no real.
É possível também relativizar a presença do espectador, que se encontraria deslocado
fisicamente do lugar de apresentação do artista. Outra perspectiva é a fragmentação do espaço
cênico. Essas modalidades eram impensadas antes das possibilidades abertas com o
surgimento das redes telemáticas.
O teatro é per si uma arte híbrida, em que encontramos a relação dialógica entre
mídias distintas. Na atualidade, ocorre uma explosão por meio de inúmeras experiências
15
estéticas, em que a assimilação ou recusa de tais elementos dá-se a partir de propostas
diversificadas de encenação. Dessa forma, observa-se que com as tecnologias ocorre a mesma
dinâmica: determinados diretores, companhias e grupos se apropriam de tais elementos os
tornando parte constituinte de suas encenações, agregando e/ou ―profanando‖ as
possibilidades oferecidas pelas tecnologias digitais.
Esta dissertação surgiu como desdobramento de pesquisas desenvolvidas junto ao
grupo de pesquisa Teatro: Tradição e Contemporaneidade1, na linha intitulada Cena e
Contágio. A proposta inicial foi aprovada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação
Cientifica (PIBIC), com incentivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq)/ Universidade Federal da Paraíba (UFPB), sob orientação/coordenação
do Prof. José Tonezzi. Desenvolvemos o plano de trabalho Teatro em conexão (2009-2010),
que tinha como foco principal justamente verificar em que medida as novas tecnologias
incidem na expressão cênica de forma a (re)dimensionar e questionar noções referentes ao
corpo, presença, tempo, espaço e textualidade.
O Núcleo Cena e Contágio visa o estudo das artes cênicas, visuais e performáticas em
sua interação com o universo do grotesco, da hibridização e das disfunções do corpo, da
mente e do comportamento, investigando ainda a virtualização e a multimodalidade do corpo
cênico. Suas Áreas de interesse encontram-se assim distribuídas:
Dramaturgia, através de obras que abordem o assunto, de autores/diretores
influenciados pelo tema, de obras adaptadas e de procedimentos criativos do
teatro contemporâneo;
Encenação, pela análise de trupes e diretores que fazem do assunto um mote
criativo, que eventualmente abordem o tema ou que tragam à cena textos e
adaptações;
Interpretação, pela interface cênica do homem com a máquina e com os recursos
por ela gerados (o ator da era tecnológica); abordagem do corpo, da caracterização
e de procedimentos que, de alguma maneira, remetam à transformação, à hibridez
e ao grotesco.
Nossas atividades resultaram na realização do Conexão XXI - Festival Cênico2 e teve
como desdobramento a realização de diversas atividades, a saber: o trabalho cênico
1 http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0083803M3FOW5H
2 Após aprovação pelo Fundo Municipal de Cultura (FMC) e com apoio da UFPB (através da Pró-
Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa – PRPG, do Departamento de Artes Cênicas – DECEN e do
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA), do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
16
Experimento Zero3; a publicação de um dossiê intitulado Cena e tecnologia na revista
Moringa – Artes do Espetáculo4 – DECEN/UFPB; a ministração de uma oficina intitulada
Teatro e Tecnologia no XIII Festival Nacional de Arte (FENART). A referida pesquisa
recebeu o prêmio jovem pesquisador UFPB/CNPq (2010).
A pesquisa teve continuidade em um segundo plano de trabalho (2010 – 2011) em que
o foco recaía em questões efetivamente ligadas ao trabalho de representação e de encenação
no âmbito da intersecção cena/tecnologia, no qual o propósito passou a ser a experimentação e
a percepção dessa relação. A referida pesquisa, pelo segundo ano consecutivo, foi agraciada
com o prêmio Jovem Pesquisador UFPB/CNPq (2011).
Esta dissertação, como continuidade das atividades referenciadas, se propõe a
contextualizar as relações que se estabelecem em imbricações entre a cena teatral
contemporânea e as tecnologias digitais. Tendo como fulcro a discussão sobre a cena que
incorpora ou se perfaz em eventos intermidiáticos, sua ênfase recai no deslocamento de um
dos elementos constituintes do ―fenômeno‖ teatro a partir das possibilidades abertas pela
convergência das mídias, verificando de que forma tais tecnologias (re)configuram seus
processos composicionais. Construção feita a partir do diálogo com teóricos da sociologia, da
filosofia e da comunicação associados aos das artes cênicas, para tentar compreender, discutir
e problematizar tal temática que tem se tornado uma constante em diversas encenações.
No contexto de uma expansão tecnológica que não para de avançar, encontramos no
teatro um terreno propício para investigar quais as relações que se estabelecem na cena
contemporânea a partir do contágio ocasionado pelas tecnologias digitais. Propomos tal
investigação a partir do Grupo de Arte Global – GAG Phila7, da cidade de São Paulo, que tem
Pequenas Empresas (SEBRAE) e do Colégio Marista Pio X, realizou-se dois eventos simultâneos e de
âmbito nacional: o Conexão XXI – Festival Cênico e o Simpósio Cena e Tecnologia. Os eventos
ocorreram de 18 a 21 de agosto de 2010 nas dependências da UFPB e do Teatro Ariano Suassuna,
tendo como intuito a reunião de profissionais e obras envolvendo variadas manifestações artísticas,
numa interface com o virtual e as tecnologias digitais. A programação contou com debates e
exposições teóricas, além de oficinas e apresentação de espetáculos. Ver:
http://www.festivalcenico.com.br/. 3 A partir de oficinas práticas, o grupo realizou uma intervenção – Experimento Zero, apresentada na
abertura do Festival Conexão XXI. Utilizou-se equipamentos tecnológicos disponíveis cotidianamente,
como notebooks, celulares, aparelhos de MP3 ou MP4, máquinas fotográficas digitais, datashows, etc.
para propor a percepção do tempo a partir do uso e interferência de tais implementos tecnológicos.
Desta forma, foi criado um vídeo, com imagens pré-gravadas, onde a atriz percorria a cidade de João
Pessoa correndo, como se fugisse de algo, tais imagens foram associadas a imagens da mesma atriz,
com o mesmo figurino, captadas em tempo real no dia da execução da performance, o que tornava
difícil a distinção entre realidade e ficção, imagens pré-gravadas e ao vivo, provocando diversas
reações no publico. 4 http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/issue/view/850.
17
no uso de recursos tecnológicos fator determinante em sua linguagem cênica. Para tanto, a
dissertação encontra-se organizada em três capítulos que contemplam quatro momentos, a
saber: breve panorama do campo, contextualização, análise e síntese poética.
O capítulo 1, intitulado Cartografia da pesquisa, apresenta um breve panorama das
discussões relativas ao estado da arte, tomando como ponto de partida as seguintes obras:
Teatro pós-dramático, de Hans-Thies Lehmann (2007); A encenação contemporânea:
origens, tendências e perspectivas, de Patrice Pavis (2010); Work in progress na cena
contemporânea, de Renato Cohen (2006), dentre outros textos descritos no corpo do capítulo
1, seguido de algumas reflexões teórico-metodológicas, tendo como proposta a pesquisa
qualitativa em uma perspectiva epistemológica da hermenêutica.
O capítulo 2, intitulado Encenação contemporânea e tecnologias digitais: notas
preliminares, é dedicado à conceituação de temas pertinentes ao recorte da pesquisa. Nesse
capítulo discutiremos a encenação contemporânea e as tecnologias digitais, analisando de que
forma ocorre a apropriação e ressignificação das tecnologias digitais pelo teatro e quais as
relações que se estabelecem, como também, os traços estilísticos identificáveis a partir da
intersecção teatro/tecnologias digitais.
O capítulo 3, intitulado Profanações: superfície de eventos de construção coletiva, se
propõe a identificar e pontuar o processo criativo da encenação Profanações, realizado pelo
GAG Phila7 em parceria com o Núcleo Cena e Contágio – Grupo de pesquisa Teatro:
Tradição e Contemporaneidade e Laboratório de Aplicações do Vídeo Digital (LAVID)/
UFPB; Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional (MidiaLab)/ Universidade de
Brasília (UNB) e Grupo de pesquisa Dramaturgia e Cena, Gêneros e Linguagens/
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Abordando as diversas
superfícies de eventos produzidas durante o projeto.
18
CAPÍTULO 1
CARTOGRAFIA DA PESQUISA
Faço questão de lhes fazer, [...] uma advertência gratuita:
estamos nisso – e, cada vez mais, vamos estar nisso.
(Albert Camus)
1.1 REFLEXÕES TEÓRICAS METODOLÓGICAS
1.1.1 Justificativa, Metodologia e Objetivos
Esta dissertação surgiu como desdobramento de pesquisas desenvolvidas com
incentivo do CNPq/UFPB junto ao Grupo de Pesquisa Teatro: Tradição e
Contemporaneidade, no PIBIC vinculado à linha de pesquisa intitulada Cena e Contágio.
Ainda como aluna de graduação, participamos e desenvolvemos uma pesquisa relativa ao
plano de trabalho Teatro em Conexão, que tinha como foco principal verificar em que medida
as novas tecnologias incidem na expressão cênica de forma a (re)dimensionar e questionar
noções referentes ao corpo, presença, tempo, espaço e textualidade.
Nossas atividades resultaram na realização do Conexão XXI – Festival Cênico, tendo
como intuito a reunião de profissionais e obras envolvendo variadas manifestações artísticas,
numa interface com o virtual e as tecnologias digitais. Organizado e promovido por nosso
grupo de pesquisa, sua programação contou com um simpósio – debates e exposições teóricas
–, além da realização de oficinas e apresentação de espetáculos. Teve como desdobramento a
publicação de um dossiê na revista Moringa – Artes do Espetáculo.
A referida pesquisa foi agraciada com o prêmio Jovem Pesquisador UFPB/CNPq
(2010) e teve continuidade em um segundo plano de trabalho em que o foco recaia em
questões efetivamente ligadas ao trabalho de representação e de encenação no âmbito da
intersecção cena/tecnologia, no qual o propósito passou a ser a experimentação e a percepção
dessa relação. A referida pesquisa também foi agraciada com o prêmio Jovem Pesquisador
UFPB/CNPq (2011).
Devido as pesquisas desenvolvidas junto ao grupo de pesquisa mencionado, foi
possível criarmos uma base para posteriormente partirmos para o aprofundamento de questões
19
contidas na temática pesquisada, assim como a realização do Conexão XXI Festival Cênico e
do Simpósio Cena e Tecnologia. Esses contaram com a participação de diversos pensadores
de referência na cena brasileira no que tange à temática arte e tecnologia, como também a
abertura para novas possibilidades. Tal iniciativa, abraçada pelos integrantes do Núcleo Cena
e Contágio resultou em um dossiê, uma oficina ministrada no FENART (2010), uma
participação em eventos, um experimento cênico – o grupo idealizou coletivamente uma
intervenção para ser apresentada no dia da abertura do Conexão XXI, intitulada Experimento
Zero. A intervenção se utilizou de equipamentos tecnológicos disponíveis cotidianamente,
como notebooks, celulares, aparelhos de MP3 ou MP4, máquinas fotográficas digitais, data
shows, etc., para propor a percepção do tempo a partir do uso e interferência de implementos
tecnológicos cotidianos. Tais atividades demonstram a importância da Iniciação Científica
como instrumento de solidificação e de incentivo no percurso da carreira acadêmica.
A partir dessas experiências surgiu o nosso interesse e a possibilidade de ampliar essa
temática no âmbito de uma Pós-Graduação e tentar responder questões suscitadas a partir das
mesmas. Como se porta o ator em cena com o uso de uma mídia que se interpõe? Ocorre de
fato uma (re)configuração dos elementos narrativos em composições cênicas mediadas?
Como se dá o processo de criação? As intervenções da plateia se efetivam? Existe um cuidado
em relação à concorrência da presença física com a imagética? Como trabalhar com o espaço
cênico desterritorializado? É pensado o imprevisto e a potência performática da tecnologia
nessas proposições cênicas?
No âmbito cultural, as discussões referentes à temática proposta tem tomado grandes
proporções, em especial no campo das artes visuais. Porém, ainda são poucas as publicações
que aprofundem o tema diretamente ligado às artes do espetáculo. Desta forma, através da
presente proposta põe-se uma questão atual que prevê a produção artística sintonizada com os
avanços tecnológicos e com a prática teatral de fazer uso de recursos, dispositivos e suportes
de seu contexto de época. Para Diana Domingues (2003, p. 17):
Hoje, tudo passa pelas tecnologias: a religião, a indústria, a ciência, a
educação entre outros campos da atividade humana estão utilizando
intensamente as redes de comunicação, a informação computadorizada, e a
humanidade está marcada pelos desafios políticos, econômicos e sociais
decorrentes das tecnologias. A arte tecnológica também assume essa relação
direta com a vida, gerando produções que levam o homem a repensar a sua
própria condição humana.
20
A relevância do tema pesquisado reside no seu recorte, que se propõe a refletir o
processo criativo do grupo Grupo de Arte Global (GAG) Phila7 na construção coletiva da
chamada ―superfície de eventos‖, conforme apregoa o diretor Rubens Velloso, intitulada
Profanações. Há também a contribuição da bibliografia para uma área que, como nos aponta
Cauquelin (2008 p. 131), sofre ―um vazio teórico‖.
A quem encara esse espaço se propõe, já desde o início, algo como um vazio
de referencias, de história, de definições coerentes. O espaço das ações
cibernéticas não tem muito mais que vinte anos, o que não é o bastante para
a acumulação de estratos históricos como temos para a cultura artística [...].
Nesse contexto, fica evidente a necessidade de um maior aprofundamento na temática,
buscando uma melhor compreensão das relações que se estabelecem entre cena e tecnologia e
suas consequências na cena contemporânea, bem como as contribuições bibliográficas
oriundas de tal empreitada. A escolha do grupo Phila7 se deu devido a pautar-se, fazer uso de
forma sistemática e ter no uso das tecnologias fator determinante em suas composições
cênicas.
A seguir, descrevemos a metodologia proposta para a investigação e o
desenvolvimento da pesquisa, essa visa o cumprimento dos objetivos deste projeto. Para
tanto, faz-se necessário uma pesquisa qualitativa, em que pesquisadores da área se valem de
uma gama de práticas interpretativas, visando entender melhor o assunto ao qual se propõe a
investigar. Segundo Denzin et al (2006, p. 17):
[...] A pesquisa qualitativa é uma atividade situada que localiza o observador
no mundo. Consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas
que dão visibilidade ao mundo. Essas práticas transformam o mundo em
uma série de representações, incluindo as notas de campo, as entrevistas, as
conversas, as fotografias, as gravações e os lembretes.
E se difere da pesquisa quantitativa, pois:
[...] Implica uma ênfase sobre as qualidades das entidades e sobre os
processos e os significados que não são examinados ou medidos
experimentalmente em termos de quantidade, volume, intensidade ou
freqüência. Os pesquisadores qualitativos ressaltam a natureza socialmente
construída da realidade, a íntima relação entre o pesquisador e o que é
estudado, e as limitações situacionais que influenciam a investigação [...].
(DENZIN et al, 2006, p. 23).
21
Os meios e procedimentos utilizados na pesquisa têm como base a metodologia
descrita em Pavis (2005; 2007); Carreira et al (2006) e Denzin et al (2006). Como principais
instrumentos de análise estão a entrevista semi-estruturada, a tomada de notas e os seguintes
documentos: programa, site, caderno de encenação, material de divulgação, paratexto
publicitário, fotografias e vídeo de registro.
Dessa forma foi levantada a bibliografia pertinente ao tema proposto, traçando-se em
seguida um histórico da evolução do uso de recursos técnicos/tecnológicos nas artes cênicas,
além do levantamento e análise de companhias, grupos e diretores que se utilizam em cena e
processo de recursos tecnológicos. Foram feitos ainda contato com o GAG Phila 7 e Teatro
Para Alguém (TPA), ambos da cidade de São Paulo (SP), e também realizada uma visita às
respectivas sedes. A partir de então, mantivemos contato com os grupos. Ambos participaram
do Conexão XXI, evento organizado em 2010 pelo Núcleo Cena e Contágio, o qual já foi
referenciado.
Dentro do universo da pesquisa qualitativa, utilizamos a perspectiva teórica
metodológica da hermenêutica filosófica gadameriana que, como nos propõe Denzin et al
(2006, p. 198-199):
[...] Sustenta que a compreensão não é, em primeiro lugar, uma tarefa
controlada por procedimentos ou por regras, mas, sim, justamente, uma
condição do ser humano [...] nesse sentido, a hermenêutica filosófica opõe-
se a um realismo ingênuo ou objetivismo no que diz respeito ao significado,
e pode-se dizer que defende a conclusão de que nunca existe uma
interpretação definitivamente correta.
A hermenêutica é definida, grosso modo, como a teoria de interpretação de sentidos,
em que o intérprete se apresenta como um indivíduo engajado em uma análise crítica e/ou
explicativa de um texto ou ação humana, empregando o método do círculo hermenêutico. A
hermenêutica gadameriana parte do pressuposto de que nunca se começa uma interpretação
do zero, o pesquisador vem com um conhecimento prévio acerca de seu objeto de pesquisa,
definido como pré-conceito; e de que jamais chegará efetivamente ao fim de todas as
possibilidades interpretativas. O que ocorre é uma fusão de horizontes a partir do diálogo com
seus pares.
A intenção do pesquisador encontra-se contaminada pela sua posição no
mundo, e a raiz do seu trabalho está justamente localizada onde se situa o
pesquisador e junto a quem ele trabalha. Na relação com o mundo, o
pesquisador estabelece um encontro com o outro, com falas e discursos
singulares, por meio da tradução da experiência do outro, num encontro de
22
subjetividades. Nas várias formas de compreensão do mundo, de nós
próprios e do outro, passa-se por um conjunto de significados embutidos na
cultura, na língua, no não-dito e na pluralidade de elementos que necessitam
de interpretações. Essa questão de interpretação se coloca como um
problema. (CAVALCANTI, 2002, p. 01).
A investigação, ao ser executada passa por um processo de transformação, que
envolve a própria teoria e os objetivos que a orientam. Como nos propõe Denzin et al (2006,
p. 195):
[...] a partir do momento que o individuo envolve-se em atividades
―práticas‖ de geração e de interpretação de dados para solucionar dúvidas
quanto ao significado daquilo que outros estão fazendo e dizendo, para,
então, transformar esse entendimento para o conhecimento público, ele
inevitavelmente estará assumindo inquietações ―teóricas‖ sobre o que
constitui o conhecimento e como este justifica-se, sobre a natureza e o
objetivo da teorização social, e assim por diante. Em suma, a ação e o
pensamento, a prática e a teoria, estão ligadas em um processo contínuo de
reflexão crítica e de transformação.
Segundo Casanova no texto de apresentação, para Gadamer (2010) a arte é um
fenômeno hermenêutico por excelência, pois ―toda e qualquer relação com a obra sempre
envolve necessariamente um processo interpretativo no interior do qual o que está a cada vez
em jogo é determinar o que a obra tem efetivamente a nos dizer‖ (GADAMER, 2010, p. IX)5.
A seguir, listamos os instrumentos de coletas de dados que foram utilizados nessa
pesquisa:
a) levantamento bibliográfico e videográfico relacionados à temática e grupo
pesquisado;
b) leitura, organização e sistematização teórica e metodológica do problema estudado;
c) seleção e sistematização dos temas centrais (emissão/recepção, ator, espaço) nas
encenações do GAG Phila7;
d) análise da encenação selecionada, com base na descrição verbal, documentos
recolhidos, tomada de notas e entrevistas semi-estruturada;
e) transcrição e publicação da entrevista.
Temos como objetivo principal, de acordo com a argumentação anterior, investigar
quais as relações que se estabelecem na cena teatral contemporânea a partir do contágio pelas
5 Na apresentação à edição brasileira do livro Hermenêutica da obra de arte de Hans-Georg Gadamer
(2010).
23
tecnologias digitais, procuramos estabelecer esse paralelo a partir de autores que tratam do
assunto como também a partir de práticas de grupos que tem no uso de recursos tecnológicos
fator determinante em suas encenações. Além disso, propomos uma reflexão sobre a cena que
incorpora ou se perfaz em eventos intermidiáticos, analisando de que forma as tecnologias
digitais (re)configuram os processos composicionais das encenações do GAG Phila7.
1.1.2 Objeto da Pesquisa: GAG Phila7
O Phila7 surgiu no início de 2005, na cidade de São Paulo, com o objetivo de
pesquisar novas linguagens e diferentes mídias. É formado por um núcleo de artistas de
diferentes áreas: Rubens Velloso, Marcos Azevedo, Mirella Brandi, Beto Matos e Marisa
Riccitelli Sant´ana. O Phila7 trabalha com a imagem e a tecnologia na busca de novos
parâmetros para uma poética contemporânea. Tendo como elementos centrais em suas
encenações: a relação entre o corpo presencial e a virtualidade, como também a
desterritorialização do espaço cênico.
Desde sua formação, o Phila7 vem experimentando diversas possibilidades relativas a
interface cena/tecnologia, avançando em suas pesquisas e na apropriação de tais recursos em
suas composições cênicas, tal processo se iniciou com projeções videográficas que criavam
diferentes camadas de encenação no espetáculo Galileo Galilei, e posteriormente foram se
aprofundando, como é o caso da série Play on Earth – com seu primeiro espetáculo em 2006
– a qual, com o uso da internet criou-se um grande palco no mundo. Com o espetáculo Play
on Earth, o grupo apresentou uma proposta inovadora no uso da Internet para a criação e
apresentação de uma peça teatral que uniu três elencos em três continentes simultaneamente:
Phila7 em São Paulo, Station House Opera em Newcastle, na Inglaterra e Cia Theatreworks
em Cingapura. Três audiências, cada uma em sua cidade, assistiram as atuações no palco e
nas telas que constituíam um quarto espaço imaginário.
Em 2007, é inaugurada a sede do grupo, visando promover e agregar produções
artísticas contemporâneas. Em 2008, o grupo encena What´s Wrong with the World? Segundo
espetáculo da série Play on Earth, que ocorre ao vivo entre Brasil (Rio de Janeiro) e Inglaterra
(Londres), espetáculo em tempo real, em que, atores brasileiros e ingleses contracenaram. Em
Junho de 2009 estréia WeTudo – DesEsperando Godot, espetáculo em que o público é
convidado a participar efetivamente na encenação, podendo sugerir de trilha sonora a
fragmentos de texto. Sua participação pode se dar em duas modalidades: presencialmente,
fazendo uso de celulares e computadores, ou virtualmente, pela internet, no qual a peça pode
24
ser assistida num plano sequência, previamente marcado, não se caracterizando como uma
documentação do que acontece em cena por possuir uma linguagem própria; uma poética
pensada para a captação e transmissão do espetáculo, levando em consideração princípios da
mídia cinema/vídeo, ―transposto‖ para um discurso para a câmera.
Em Alice Através do Espelho (2010), o grupo faz uma releitura contemporânea do
texto original do clássico de Lewis Carroll, valendo-se de diferentes recursos como vídeo,
corpo, texto e câmeras ao vivo, além do uso de tecnologias digitais on-line. O grupo também
recorreu em sua criação cênica ao uso de tecnologias digitais off-line, com a criação de um
blog onde os atores utilizavam nicknames dos personagens da encenação e interagiam com os
demais integrantes do blog, fazendo uso deste recurso para o processo de criação
dramatúrgica.
Nesses oito anos, o Phila7 experimentou relações de contaminação de diversas
linguagens artísticas até chegar à construção de espetáculos em que a internet transformou-se
efetivamente em um palco virtual.
Em entrevista à Larissa Hobi, Velloso (2011) traçou um panorama do uso de recursos
tecnológicos nos processos do Phila7 a partir do primeiro espetáculo do grupo, Galileo
Galilei, em que o entrevistado afirma que o grupo já compreendia, mas ainda não realizava o
uso das tecnologias digitais de forma a redimensionar a linguagem cênica:
[...] uma parte do que aconteceu em termos de imagem tinha uma relação
com o distanciamento brechtiano, que a gente transferiu, digamos assim,
para uma cinematografia com os atores ao vivo na coxia, que comentavam
os personagens antes de entrar em cena. Uma outra parte dessas imagens era
cenografia, ou seja, dialogavam e complementavam a ambientação da cena.
Uma terceira linha de utilização das imagens se constituía numa ampliação
metafórica para a poética das situações específicas que explodiam no palco.
Tinha objetivo de estabelecer uma linguagem paralela. (VELLOSO, 2011,
p.82).
E prossegue descrevendo outros trabalhos como A verdade relativa da coisa em si, que
apresentava uma discussão sobre como o individuo se posiciona frente a mídia quando ele é
observado. Trabalho em que ocorre um aprofundamento das relações da dramaturgia com o
universo midiático através do texto.
Porém, foi quando fizeram, em 2006 a convite do diretor inglês da companhia Station
House Opera, o espetáculo Play on Earth, considerado pelo diretor Rubens Velloso (2011)
como o divisor de águas para o grupo dentro dessa área de pesquisa que vem desenvolvendo,
que houve o impulsionamento de experimentos com uso da Internet para a criação e
25
apresentação de uma peça teatral que uniu três elencos em três continentes simultaneamente.
Tratava-se de um espetáculo linkado pela internet que acontecia simultaneamente nos três
lugares.
[...] A câmera era coreografada e, a cada segundo, o cameraman tinha um
ponto em que ele deveria estar. No segundo, Waht’s Wrong With the World?,
já experimentamos um outro formato: várias câmeras foram utilizadas, com
corte ao vivo para a transmissão da imagem. Com essas outras formas de
presenças, o ator podia estar simultaneamente aqui e em outra parte do
mundo. Poeticamente, nós construímos um palco no mundo. E, então, essa
relação nos fez começar a pensar numa reestruturação de como encarar essas
novas, digamos, realidades. Porque a gente não trabalha mais só na realidade
do senso comum, essa em que vivemos em tempo linear, que nos dá um chão
– na verdade, uma ilusão de chão. (VELLOSO, 2011, p.86).
Por tratar-se de um tipo de proposta relativamente nova no campo das artes cênicas, o
diretor tratou das dificuldades e necessidades de se desenvolver códigos e dramaturgia que se
adequassem a proposta; como também o trabalho de ator desenvolvido para tal execução; da
necessidade de se compreender a proposta que os obrigou a entender a questão da imagem e
da cena presencial de uma outra forma, para poder desenvolvê-la:
Começamos a desenvolver uma dramaturgia – não tem dramaturgia pra isto,
tivemos que desenvolver, precisávamos de novos códigos. O processo se
dava assim: cada grupo ensaiava isoladamente e, depois, fazíamos ensaios
online todo dia quatro horas,como se todos estivéssemos no mesmo lugar.
Imagine a percepção disto – a presença corporal ou imagética começvam a
ter o mesmo poder de representação, apareciam apenas com tensões
diferentes – com os atores o tempo todo tendo que sentir-se presentes em
igual potência, tanto na cena como na imagem. (VELLOSO, 201, p.82-83).
Para Velloso (2011), a experiência vivida com o espetáculo arremessou o grupo pra
um outro tipo de pensamento dentro da questão das artes e da tecnologia, os forçando a
desenvolver a questão de olhar o mundo contemporâneo hoje e tentar compreendê-lo através
das novas gerações que percebem essas questões relacionadas a presença de uma forma
diferente das gerações passadas, pois eles já nascem inseridos nessa dinâmica contemporânea
onde ―a presença pela imagem é uma presença, é sentido como uma presença, é percebido
como isso‖; e é a partir dessa percepção que o grupo acredita ser possível ampliar os
horizontes do teatro, como declarou Velloso (2011) ―não quebrar a quarta parede, quebrar
todas apesar de estar dentro delas‖. Porém, para ele não adianta ter apenas a percepção
intelectual, é preciso vivenciar essa contemporaneidade e estabelecer parâmetros éticos e
estéticos de uma forma absolutamente nova, dinâmica que o grupo passou a exercer por meio
26
de experimentos estéticos e pesquisa, se apropriando de questões que são fundamentais em
pensadores como Derrida, Foucault, Deleuze, Agamben e Bauman.
Com What´s Wrong with the World? (2008) da série Play on Earth, espetáculo ao vivo
entre Brasil (Rio de Janeiro) e Inglaterra (Londres) linkado pela Internet em tempo real,
Velloso (2011) descreve que adotaram outra dinâmica, em que presença física e imagética
estavam no mesmo plano, e a dramaturgia se construía a partir desses dois eventos, os quais
se relacionavam e se construíam nessas duas realidades. Diferentemente do espetáculo
anterior da série Play on Earth, que era palco e tela por cima, criando uma circularidade entre
a presença física e a imagética, em What´s Wrong with the World?, a tela estava no palco.
A percepção e o amadurecimento da utilização de novas tecnologias em cena, levou,
segundo o diretor, o grupo a ―brincar‖ com a questão da presença do ator, considerando como
um problema químico, no qual o ator atua em estados diferentes, sendo um continuum de
carbono (presença física) e silício (presença imagética), o que significa flutuar em estados,
pois o ator é uma presença concreta, só que em estados diferentes.
Questões relacionadas à percepção de mundo hoje, que é fragmentada, caótica, sendo
possível se ter vários ―eus‖, gerando indagações a respeito de qual ética se está em jogo.
Foram esses questionamentos que permearam a encenação WeTudo DesEsperando Godot
(2009), espetáculo em que o grupo se apropria do texto Esperando Godot de Samuel Beckett,
como da teoria desenvolvida por Giorgio Aganbem (2007). Para Velloso (2011) WeTudo se
inicia exatamente no momento em que eles desistem da espera. Partir significa escolher,
determinar, procurar um caminho, tomar a vida nas mãos, abandonar ―a raiz‖ e buscar ―o
rizoma‖, as ligações infinitas, à procura de respostas que esperavam eternamente serem
respondidas por Godot. Entram nos fluxos, perdidos, desencontrados, mas na potência de
atuar. Tudo a fazer.
Na peça a plateia é convidada a trazer notebooks, celulares e interferir na peça através
de sugestão de texto, imagens e sons; pode também assistir via internet. Segundo Velloso
(2011, p.85):
Godot é o elemento paralisante, é a norma que segura, então eles saem. Só
que, quando eles saem, saem pro mundo contemporâneo. Então, eles
abandonam a árvore, que é a cultura arbórea e entram na cultura rizomática;
saem dali para descobrirem identidades novas e entrarem por todos os
sistemas que podem entrar, com a presença pela internet, por mensagens que
vem e vão. O público, no WeTudo DesEsperando Godot, pode trazer laptop,
pode trazer celular... Se tiver uma rede wifi, a gente projeta o que o público
propõe e interfere nas personagens. A peça é assistida pela internet num
27
plano sequência, com uma linguagem própria, não um simples documento da
cena.
Já em Alice Através do Espelho – que tem no elenco atores do Núcleo Experimental de
Artes Cênicas do Serviço Social da Indústria (SESI), sob direção de Rubens Velloso com
criação e produção do GAG Phila7 – há uma apropriação do clássico Alice de Lewis Carroll.
Para Velloso (2011, p.85):
O tema de entrar através do espelho em um mundo imaginário, tornou-se
frequente na atualidade, principalmente nas novas mídias: vídeo-clipes,
filmes de ficção, universos virtuais da web, etc. Tais mídias são mais que
espelho e ferramentas do utilizador – são interfaces que permitem a
passagem para existências virtuais (como o outro lado do espelho de Alice).
Esse ponto de passagem é o que nos interessa, num contexto onde o limiar
entre o ―real‖ e ―virtual‖, animado e inanimado, o ―eu‖ unitário e o ―eu‖
múltiplo são difíceis de definir.
E foi durante esse bate-papo agradável que tratamos de processo de criação, teóricos
que fundamentam o trabalho do grupo, questões relacionadas ao presencial na cena teatral
contemporânea, como também, o encontro do ator com o espectador tendo a mídia que se
interpõe.
Em seu último experimento cênico – Profanações, ora analisado, definido por seu
idealizador Rubens Velloso, como uma superfície de eventos de construção coletiva, o Phila7
e parceiros discutem o conceito de profanação proposto por Giorgio Agamben. O referido
experimento será abordado detalhadamente no capítulo 3.
O grupo toma como base em suas composições cênicas as redes formadas pelas
Tecnologias da Informação e Comunicação, que estando arraigadas às novas dinâmicas
sociais contemporâneas, criam novas possibilidades estéticas, tencionando formas já
estabelecidas, impulsionando uma nova estética, essa não se associa ao belo, ao sublime como
a priori, mas leva em consideração questões que efetivam a experiência, novos modos de
sentir e ―induzem novas formas da subjetividade política‖ denominado por Ranciere (2009)
como ―partilha do sensível‖.
As encenações ocorrem em um espaço expandido, gerando ―novas arenas de
representação‖, que vão de telas de projeção a redes sociais, espaço esse trafegado por atores
e espectadores em tempo real por meio de streaming de vídeo. As encenações são apoiadas
em textos já consagrados ou escritos pela própria Companhia, levando em consideração a
interface com as demais mídias.
28
No GAG Phila7, a proposta se efetiva pelo modo desestabilizador do trânsito entre
presença física e presença imagética do ator, em que espaços temporais heterogêneos são
conectados por meio da mediação tecnológica. Como também a interação da plateia, que se dá
de forma a intervir na encenação em tempo real. Em suas encenações o teatro imita, reflete e
profana as tecnologias digitais.
1.2 BREVE PANORAMA DO CAMPO: CENA CONTEMPORÂNEA E TECNOLOGIA
Propomos uma discussão acerca da intersecção cena contemporânea e tecnologias
digitais, inserindo-a em seu contexto de época, levando em conta a convergência das mídias –
desenvolvimento da multimídia que produziu a convergência de vários campos midiáticos
tradicionais em um único formato, o digital, realizável em diferentes tempos e espaços.
Fenômeno que abriu novas possibilidades, antes impensadas, e que vem pondo em xeque o
paradigma teatral – atuante, texto, público. A partir de tais possibilidades emergiram
Imagem 1 – Play on Earth Imagem 2 – What´s Wrong with the World?
Foto Marcelo Sousa Foto Ricardo Ferreira
Imagem 3 – WeTudo DesEsperando Godot Imagem 4 – Alice Através do Espelho
Foto Ricardo Ferreira Foto Divulgação
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discussões referentes ao teatro que incorpora ou se perfaz em eventos mediados
tecnologicamente.
Norteando este trabalho está a hipótese da arte como ponto de convergência para se
pensar as mutações em âmbito social e cultural. Partimos do pressuposto de que a arte no
ocidente sempre se utilizou de recursos, suportes e dispositivos referentes ao seu contexto de
época, sendo possível perceber a mesma dinâmica com as tecnologias digitais, que entraram
de forma imperativa em todas as relações da vida cotidiana, sendo desta forma, um dos fatores
impulsionadores do desejo por uma estética híbrida que prevê a interface cena/tecnologia,
gerando um deslocamento na lógica da composição teatral, movimento iniciado com as
vanguardas artísticas, que vem se intensificando gradativamente, abrindo possibilidades de
construções e hibridizações das mais diversas possíveis. Porém, se faz pertinente expor alguns
pressupostos conceituais postulados anteriormente.
Em seu livro Teatro pós-dramático, Hans-Thies Lehmann (2007) parte do pressuposto
de uma intensificação da ruptura com o modo de fazer e pensar teatro a partir da década de
1970, ruptura essa já anunciada pelas vanguardas modernistas do início do século XX e que, a
partir de então, ganha um maior destaque da autonomia da cena e a recusa do texto como
elemento central – o ―textocentrismo‖. A tendência pós-dramática questiona as razões formais
impostas secularmente ao teatro como também nega a estética dos padrões de percepção
dominantes da sociedade midiática.
Para o autor, o teatro pós-dramático seria o denominador comum de variadas formas
dramáticas que têm como similaridade a história do teatro dramático. Para chegar a tal
conceito, o autor parte da concepção de drama apresentada por Peter Szondi (2001),
retomando alguns conceitos explicitados por ele e indo além, ao analisar formas surgidas após
o recorte temporal analisado por Szondi (2001); partindo da premissa que após Brecht
surgiram outras formas teatrais que não podem ser compreendidas com o vocabulário ―épico‖.
Lehmann (2007) admite que no teatro pós-dramático, entre os elementos constituintes
também estão os conflitos, os caracteres, as ideias e seus confrontos. Porém, esses elementos
ocorrem de uma forma diferente das articuladas pelo drama. Neste sentido, é necessário
esclarecer que o drama está intrinsecamente relacionado com a noção de dialética, ou seja, é
apresentado um conflito que tem uma progressão e que vai mais à frente encaminha-se para
uma síntese. Já o teatro pós-dramático não se baseia na cosmovisão ficcional nem em
conflitos psicológicos de personagens identificáveis.
O conceito pós-dramático como resposta e reação a problemas de representação é
lançado em oposição a uma categoria epocal pós-moderna – prática teatral denominada pós-
30
moderna que não atesta de modo algum um afastamento significativo da modernidade, mas
apenas da tradição da forma dramática.
O teatro naturalista, reivindicado por Émile Zola em crônicas (posteriormente reunidas
em Le Naturalisme au Théâtre, 18816), frente à ausência de novos autores e à forma de
representação então estabelecida, o coloca como um dos primeiros reformadores do teatro,
que buscava pô-lo em consonância com a literatura e que ―atendesse a todos os requisitos do
palco sem se apegar às leis obsoletas da tragédia clássica‖ (BERTHOLD, 2006, p.452),
superando assim a crise pela qual o teatro passava.
A era da máquina havia começado. A ciência empreendeu a tarefa de
interpretar o homem como produto de sua origem social. Fatores biológicos
foram reconhecidos como forças formativas da sociedade e da história.
Numa época que a sociologia começou a investigar a relação do individuo e
da comunidade e a derivar novas teorias estruturais das mudanças
observadas na vida coletiva, os historiadores da cultura claramente
precisavam também de novas categorias de classificação.
No entanto, Lehmann (2007) propõe que a função do teatro atualmente não é a de
rejeitar a modernidade e sim a de tentar subverter as heranças formais dominantes, sobretudo
a dramática, que foi incorporada de forma rebaixada pelos meios de comunicação de massa.
Ao ser assimilado pelos meios de comunicação de massa, o mundo em sua realidade
brutal representado anteriormente pelo teatro naturalista/realista é produzido de forma mais
eficaz.
A época do naturalismo foi também a das primeiras aventuras com o
―cinematógrafo‖. Os filmes de Charles Chaplin e Buster Keaton sobre a luta
do homem comum contra a traição das coisas infletiram a ênfase naturalista
ao mundo da coisa material para o grotesco e para o cômico. (BERTHOLD,
2006, p. 455).
Na contra corrente, porém paralelo ao Naturalismo, surgiu também na França o
movimento de reação intitulado simbolismo, que sentenciava o abandono do mimetismo
figurativo e preconizava que o signo teatral deveria sugerir, suscitar a participação imaginária
do espectador, estabelecendo um relacionamento entre espectador e espetáculo. Tendo como
pano de fundo o debate entre naturalismo e simbolismo e as interrogações advindas desses
debates, que buscavam responder questões pertinentes ao teatro moderno, nasce a figura do
6 Tradução brasileira: Romance Experimental e o Naturalismo no Teatro. São Paulo: Perspectiva,
1982.
31
encenador. O surgimento de tal figura, associada à revolução tecnológica, que vinha sendo
incorporada de forma ainda tímida pelo teatro, abre frente para novas estéticas.
Porém, é a partir da década de 1970, como nos propõe Lehmann (2007), que surgiu
um modo profundamente novo de usar os signos teatrais, os tornando conteúdo e tema da
representação. O novo texto teatral, que reflete sua condição de estrutura linguística, se
configura não mais como dramático. Na medida em que alude ao gênero literário do drama, o
título teatro pós-dramático sinaliza a permanente inter-relação de teatro e texto, ainda que o
discurso do teatro esteja no centro dessa investigação, de modo que o texto será considerado
apenas como elemento, camada e ―material‖ da configuração cênica, e não como o regente
dessa configuração. Ocorrendo assim, uma autonomia da linguagem na medida em que há
figuras definíveis, mas com uma teatralidade autônoma. Ocorreriam superfícies linguísticas
ao invés de diálogos – de ilusão mimética.
Em um capítulo dedicado às mídias, Lehmann (2007) irá elencar traços estilísticos
existentes em sua proposta, como também apontará usos, levantará questionamentos acerca da
intersecção do teatro com as mídias e problematizará questões que perpassam a temática em
questão. O autor discorrerá sobre estéticas que fazem usos distintos da tecnologia, expondo a
partir de exemplos concretos traços estilísticos e usos da tecnologia em cena.
Ao tematizar questões como: assimilação das tecnologias da informação pelo teatro
associadas à utilização de novas e velhas mídias audiovisuais, tendo como suporte uma
tecnologia computacional avançada que impulsiona em direção a um teatro high-tech e uso de
suportes que ampliam as fronteiras da encenação, nos remete a encenações vistas
recentemente em âmbito nacional, internacional e local a exemplo de: Corte Seco, da Cia
Vértice de Teatro (Rio de Janeiro) dirigido por Christiane Jatahy. A narrativa é baseada em
relatos pessoais, processos jurídicos e matérias jornalísticas. A diretora, que se encontra em
cena, junto aos demais técnicos ―edita‖ a encenação no decorrer de suas ações ao fazer
intervenções alterando a ordem dos fragmentos. Monitores em estruturas móveis
presentificam espaços cênicos fora do alcance de visão da plateia, o fluxo de imagens chega
com o auxilio de câmeras de seguranças que captam as imagens em tempo real. As câmeras
são fixas, pré-instaladas, não sendo necessário a presença de cameraman.
Com o corte determinado pela diretora algumas cenas têm continuidade por meio do
fluxo de imagens que chega a plateia através do circuito interno, espectadores exercem a
função de voyeurs, na medida em que tem acesso a continuidade ou desfecho de ações
iniciadas anteriormente no espaço cênico visível, fazendo com que a plateia penetre na
intimidade, na crise de identidade e/ou nos problemas sentimentais da personagem.
32
Podemos evocar também o grupo nova-iorquino The Wooster Group, fundado na
década de 1970 e que nos últimos anos vem trabalhando com novas mídias e tecnologia. Em
temporada recente na cidade de São Paulo, o grupo encenou o clássico de Shakespeare,
Hamlet. Na encenação o grupo reproduz com um número infindo de aparatos tecnológicos,
uma encenação feita em 1964 estrelada pelo britânico Richard Burt. Para atingir uma
aproximação quase fiel recorrem a um registro audiovisual feito à época com o auxilio de 17
câmeras. O vídeo é projetado em telões, criando um diálogo com os atores que o reproduzem.
No espetáculo Profanações, idealizado pelo GAG Phila7 em parceria com diversos
colaboradores, o grupo, que vem pesquisando desde 2005 o uso de recursos tecnológicos em
cena, discute presenças possíveis na contemporaneidade e também possibilidades de diálogos
entre atores em presença física e atores que chegam em fluxos de imagens e/ou sons por meio
do streaming de áudio e vídeo, além, da fragmentação do espaço cênico. Essa experiência será
abordada no capítulo 3 de forma mais detalhada.
Ao questionar se no teatro high-tech ocorre uma ―diluição do limite entre realidade e
virtualidade ou se é criada a disposição de encarar toda percepção como dúvida permanente‖
(LEHMANN, 2007, p. 368), Lehmann (2007) nos faz aludir a dúvida permanente que é criada
cotidianamente em outras atividades a exemplo de jogos de futebol ou matérias televisionadas
ao ―vivo‖. Em situações como estas se faz necessário que o espectador admita tal evento
como ocorrendo em tempo real, em outras palavras, que haja um pacto entre o espectador e o
evento, para que o primeiro o conceba como ocorrendo em tempo real.
O autor aborda ainda o uso do vídeo pré-gravado em que atores estabelecem com o
universo da imagem níveis de realidade diversos. Podemos citar como exemplo as primeiras
experiências com mídias audiovisuais no teatro, feitas por Meierhold em 1923 e Piscator que,
Imagem 5 – Corte Seco Imagem 6 – Hamlet
Foto Divulgação Foto Marcelo Lipiani
33
em 1924, fez uso de projeções e, em 1925 de filmes. Recursos que permanecem ainda em
voga, complementando, ilustrando ou contrastando com a representação cênica.
Lehmann (2007) apresenta possíveis influências e assimilações da televisão e do vídeo
nas encenações contemporâneas como: sobreposição, interrupção abrupta de cenas e ações,
mínimo de continuidade e unidade, mudança no foco de atenção. A apropriação de uma
estética televisiva e/ou cinematográfica pelo teatro, a exemplo do TPA, surgido no final de
2008 tendo como proposta democratizar o acesso à cultura e levar espetáculos gratuitamente
para todos via internet, é um projeto da Cia Auto Mecânica – existente há mais de 10 anos –
idealizado por Renata Jesion e Nelson Kao, se apresentando como um exemplo significativo
das influências abordadas pelo autor.
O TPA exibe peças teatrais escritas e produzidas para a internet, contando com
parcerias, a exemplo do Núcleo de Dramaturgia do SESI-British Council, da cidade de São
Paulo, firmada desde 2009, e que visa a inserção e aproximação de novos dramaturgos no
mercado de trabalho. Outro exemplo é a parceria firmada com o Portal Cronópios, em que
poesias e textos literários foram adaptados para encenações com duração de um minuto e
meio, característica que nomeou o projeto: Teatro 1 ½. Podemos citar também, a parceria
junto ao escritor e quadrinista, Lourenço Mutarelli, que rendou junto ao TPA a série Corpo
estranho.
Tendo com elemento central em suas encenações a relativização do espectador, que se
encontra deslocado do espaço de apresentação, o grupo vem produzindo uma quantidade
substancial de encenações, já contabilizando um total de mais de 80 peças, muitas inéditas,
disponibilizadas no site http://www.teatroparaalguem.com.br/ após a apresentação online, em
Imagem 7 – Por Conta da Casa Imagem 8 – Nunca Feche o Cruzamento
Foto Divulgação Foto Nelson Kao
34
plano sequência, sem cortes e sem edição. As peças produzidas pelo TPA têm uma duração
média entre dez e trinta minutos. O site do grupo recebe cerca de 30 mil acessos por mês que
partem do Brasil e de outros países. Foi construído sob a plataforma livre Wordpress, tem
licença Creative Commons (CC) e está traduzido nos idiomas inglês, espanhol e francês por
meio da ferramenta Google Translate. Algumas peças têm legenda em inglês, inseridas após a
estréia e disponibilizadas no site.
Na estética proposta pelo TPA é possível observar que existe uma direção de
fotografia, na qual, por meio do direcionamento dado pelo cinegrafista, verifica-se a poética
de uma câmera, ocorrendo a indução do olhar do espectador para determinada ação; recurso
comum no cinema/vídeo, que se utiliza de cortes e de close up, dentre outros recursos, para
evidenciar algo. Ao recorrer à estética do filme ou do vídeo, que irá manter-se em diálogo
constante com a estética teatral, ocorrerá uma assimilação e contaminação mútua dos
conceitos estéticos das diferentes mídias envolvidas, porém, em um novo contexto, gerando
um outro tipo de produto estético. É uma proposta mais ―simples‖, que não requer tantos
equipamentos, mas é de grande contribuição para a difusão e o acesso à cultura, já que suas
peças são transmitidas gratuitamente e depois disponibilizadas no site do grupo. Busca-se
também uma estética que dialogue com a proposta, na qual textos são criados especialmente
para a internet, levando em conta fatores como tempo de duração e limitação do espaço físico.
Apesar de ambos – TPA e Phila7 – fazerem uso de tecnologias digitais, é perceptível a
diferenciação das propostas. O TPA tende ao caráter cinematográfico, que é enfatizado por
encenações em um espaço mínimo – a sala da sede do grupo, a qual serve de espaço cênico
Imagem 9 – Desce! (amor de cão)
Print screen
35
para suas produções, se valendo de cortes cinematográficos transposto para o teatro, como
também de Close Up, dentre outros recursos que, promovem uma desmontagem da vivência
do espaço e a ruptura da suposição de realidade do contínuo espacial, fazendo com que as
fronteiras que separam o teatro do cinema tornem-se fluidas por meio do tratamento
diferenciado dos signos teatrais. Outra característica que diferencia o trabalho desses dois
grupos é a interação: embora não permita um intervir na encenação durante suas
apresentações, o TPA propõe aos espectadores que participem ao final, de um diálogo com os
atores e diretores em um chat online.
Ao levantar questões relacionadas à interação, Lehmann (2007) propõe que o
problema entre teatro e mídia não se instala nas ilimitadas possibilidades de simulação da
realidade – estaria de fato unicamente o teatro tentando simular a realidade ao fazer uso das
tecnologias digitais em cena? O autor alega que o teatro não se constitui enquanto uma arte da
reprodução, aliás, discussão essa que acreditamos já tenha sido superada. O próprio Lehmann
(2007) nos evidencia ao dizer que após a apropriação pelos meios de comunicação de massa,
o teatro não precisa mais se ocupar em tentar reproduzir a realidade, pois a câmera faz isso
com mais êxito. Esse processo, pelo qual a pintura também passou, precisando reinventar-se
com o surgimento da fotografia apresenta-se nas últimas décadas ao teatro em uma nova
roupagem, em que a transição para uma interação mediada tecnologicamente suscita
questionamentos relativos à disputa que pode emergir do aperfeiçoamento dessa interação.
Propondo que o que deve inquietar o teatro é ―[...] a tendência de transição para uma
interação de parceiros afastados entre si mediante recursos tecnológicos. Será que essa
interação cada vez mais aperfeiçoada disputará o lugar com o domínio das artes ao vivo, cujo
princípio é a participação?‖ (LEHMANN, 2007, p. 370).
O autor faz uma diferenciação entre teatro e mídia afirmando que tal diferença se
estabelece pelo fato de o teatro não ter como elemento central o fluxo de informações,
estruturando-se a partir de um tipo de significação que compreende a morte. Já Pavis (2010),
concebe o teatro enquanto mídia, por considerar que ele cumpre as funções de comunicação,
conservação e reatualização. A essa discussão voltaremos oportunamente, mais a frente.
Para Lehmann (2007), o teatro consiste em um espaço-tempo comum de mortalidade,
em que atores e espectadores envelhecem juntos e, na tecnologia da comunicação midiática os
sujeitos estariam separados uns dos outros pelo hiato da computadorização. Descreve o uso de
suportes, recursos e dispositivos relacionados com seu contexto de época, afirmando:
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Desde a mechané antiga até o teatro high-tech contemporâneo, o prazer no
teatro sempre significou também prazer com uma mecânica, satisfação com
o que dá certo, com a precisão maquinal. Desde sempre houve um aparato
que simula a realidade com auxilio da técnica não só do ator, mas também
do maquinário teatral. (LEHMANN, 2007, p. 374).
Ao generalizar tal afirmação, Lehmann (2007) aponta uma dinâmica cada vez menos
usual e uma visão pessimista da apropriação feita pelo teatro das técnicas e tecnologias, a qual
destitui diretores e grupos que por vezes fizeram e fazem uso das tecnologias as questionando,
discutindo, problematizando e as inserindo em um contexto ético e estético, não apenas as
usando como simulação do real. No subtítulo Mídias no teatro pós-dramático, o autor inicia
apontando os possíveis usos das mídias no teatro pós-dramático:
Ou as mídias encontram um uso ocasional, que não define de modo
fundamental a concepção de teatro (mero aproveitamento da mídia); ou
servem como fonte da inspiração para o teatro, sua estética ou forma, sem
que a técnica midiática necessariamente desempenhe um grande papel nas
próprias montagens; ou constitutivas de certas formas de teatro.
(LEHMANN, 2007, p. 377).
E segue elucidando a utilização de mídias na cena, a exemplo da apropriação do uso
de uma estética cinematográfica, o close-up, em que por meio da captura de imagens em
determinados ângulos ocorre o direcionamento do olhar do espectador, criando-se a poética de
uma câmera. Outra possibilidade é a inspiração na estética das mídias, tendo como prioridade
não o uso de mídias em cena, mas a apropriação de elementos usuais das mídias de massa. Ou
ainda, as mídias como fator constitutivo, trazendo à tona suas possibilidades técnicas, sendo
muitas vezes exposto abertamente. Aponta também como característica, a utilização do vídeo
para integrar atores ausentes, apresentando sempre como uma forma de sanar um problema
pré-existente, e não como uma opção estética. Tal posicionamento é visível nos exemplos
dados:
―Michael Kirby não pôde estar aqui esta noite, mas nós o mostramos como
imagem de vídeo‖; ―Uma atriz é velha demais para participar da turnê, mas
nós a mostramos em vídeo‖ etc. Assim, são destacados de passagem os
ilusionismos do teatro, a usual e no entanto desconcertante equivalência de
presença em vídeo e presença ao vivo. (LEHMANN, 2007, p. 383-384).
Lehmann (2007) expõe como possibilidade a teatralização das mídias, na qual as
imagens dos atores são registradas com auxilio de câmeras e monitores e reproduzidas em
monitores, sendo, em muitas das vezes combinadas com material pré-filmado. ―Por um lado,
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o teatro ‗vivo‘ é posto em suspensão e passa a ser uma ilusão, um efeito de uma máquina de
efeitos. Por outro lado, experimenta-se na atmosfera intensa e vital do trabalho uma tendência
inversa: a tecnologia das mídias é teatralizada‖ (LEHMANN, 2007, p. 384).
A apropriação do teatro por tal recurso pode gerar no espectador a incerteza sobre as
imagens: quais são ―reais‖, captadas durante a apresentação? Quais são pré-filmadas?
Considerando tal evento como ―uma intensificação e uma desconstrução do teatro em vários
níveis‖ (LEHMANN, 2007, p. 384), o autor pontua ainda o uso de microfones, que se são
visíveis, evidenciam a não ilusão. Aponta também, dentro de sua proposta conceitual pós-
dramática, trabalhos em que:
A mídia não serve apenas à geração de efeitos espetaculares, mas se conecta
de tal maneira com a ação viva no palco que surgem novas modalidades da
dramaturgia visual. Trabalha-se com câmeras e monitores de vídeo móveis,
com telas que continuamente abrem novas janelas para outros espaços, com
procedimentos refinados pelos quais os atores parecem entrar e sair de
espaços em vídeo, como se a materialidade do corpo não importasse. O
espaço não é mais subordinado ao ordenamento da perspectiva e da
separação de interior exterior; ele se torna um espaço ―virtual‖ ou espiritual,
no qual as coordenadas temporais se tornam oscilantes junto com as
espaciais. (LEHMANN, 2007, p. 385).
O livro Teatro pós-dramático tematiza a presença virtual, não por via da associação
com as tecnologias digitais, mas por meio da supressão do corpo vivo do atuante, usando
como exemplo uma performance, que apesar de se ter como tema central a visão do corpo, o
mesmo não é exposto visivelmente aos espectadores.
Em sua tese, Lehmann (2007) irá inicialmente tratar do uso de recursos
técnicos/tecnológicos no teatro para posteriormente fazer uma correlação com sua proposição
pós-dramática a partir de vários exemplos. O modelo proposto pelo autor se apresenta
estanque em algumas categorias propositivas acerca da intersecção cena/tecnologias. Aponta
inúmeras possibilidades, porém não propõe uma base sólida para análise e discussão. No
entanto, Teatro pós-dramático serve como ponto de partida para gerar questionamentos e
inquietações advindas das hipóteses e exemplificações elencadas em seus escritos, já que
aponta uma infinidade de proposições.
No que tange à atual discussão referente à intersecção cena contemporânea/tecnologias
temos como referência a obra A encenação contemporânea: origens, tendências e
perspectivas, de Patrice Pavis (2010), que se propõe a discutir questões relativas à encenação,
abrangendo diversos pontos dessa temática: o itinerário da mise en scène, as tendências da
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cenografia na contemporaneidade, possibilidades e usos do texto na cena contemporânea,
problemáticas do ritual e da encenação no palco e suas imbricações, abordando também o uso
de mídias no processo de criação. Iremos nos deter nos escritos dedicados as mídias, o qual o
autor inicia sua exposição definindo o conceito de mídia do qual comunga e sob quais formas
aparecem na cena.
Pavis (2010) trabalha com uma abordagem metodológica da intermidialidade, que
prevê a integração dos conceitos estéticos das diferentes mídias em um novo contexto. A
intermidialidade se efetiva por meio da inter-relação e interação entre mídias. No nosso caso,
precisamos definir, mesmo que de forma genérica, o conceito de mídia mais adequado para
nossa discussão. Tomemos o conceito proposto por Barbiert e Lavenir (apud PAVIS, 2010, p.
173), para os quais mídia se trata de um sistema de comunicação capaz de permitir a uma
sociedade a realização, se não toda, ao menos em uma parte das ―três funções essenciais da
conservação, comunicação à distância de mensagens e conhecimentos e da reatualização de
práticas culturais e políticas‖.
Para Pavis (2010, p. 173) tanto a encenação quanto a escritura dramática contempla tais
pressupostos das mídias:
[...] a escritura permite a comunicação e conservação; o palco organiza a
reatualização de textos e práticas espetaculares. Nesta acepção geral do
termo mídia, o teatro faz muito, portanto, parte das mídias. Ele constitui uma
mídia por excelência e seus componentes os mais freqüentes são, eles
mesmos, constituídos por diversas mídias.
O verdadeiro desafio lançado ao teatro pós 1970 veio das mídias audiovisuais a partir
de 1980, em que:
[...] a presença no centro do espetáculo ao vivo tem conseqüências sobre
nossa percepção. Desse modo, a mudança de escala da imagem,
procedimento corrente da fotografia e do cinema, conduz, na imagem
apresentada no palco, a uma desorientação espacial e corporal do espectador.
Na concorrência entre a imagem fílmica e o corpo ―real‖ do ator, o
espectador não escolhe necessariamente o vivo contra o inanimado, muito ao
contrário! O seu olho é atraído por aquilo que é visível em maior escala,
visto que não cessa de evoluir e retém a atenção pela mudança constante de
planos e escalas. (PAVIS, 2010, p.175).
Na atual conjuntura, situada na década de 1980, encontrávamos na cultura das mídias,
era cultural definida por Santaella (2003) como a do ―disponível e transitório‖ em que novas
tecnologias e equipamentos encontravam-se no mercado, a exemplo de: fotocopiadoras,
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videocassetes, walkman, walktalk e câmeras portáteis. Paralelo ao lançamento desses
equipamentos criou-se um crescente mercado de videoclips e videogames visando produzir
novas linguagens para circularem junto aos equipamentos. Havia também uma crescente
indústria de produção e distribuição de filmes, chegando aos consumidores por meio das
videolocadoras, hoje praticamente extintas. Essa diversidade de novas tecnologias,
equipamentos e linguagens culminou com o surgimento da TV a cabo. Tiveram lugar novas
formas de percepção e fruição, assim como mudanças em relação ao consumo, que agora se
dava de forma mais individualizada, se diferenciando do consumo massivo.
Diante do exposto, Pavis (2010) afirma que ao teatro cabe a tarefa de renovar-se, com
o que comungamos. Em outras épocas e ocasiões, ao ver-se em crise, coube ao teatro a tarefa
de repensar-se. A inserção de imagens, sejam elas ―ao vivo‖ ou pré-gravadas, ocasiona uma
alteração na forma de percepção do espectador. Porém, o que garante que a imagem fílmica,
apenas por ser em maior escala, irá ganhar a concorrência? Não seria o caso de criar
mecanismos para que, ao fazer uso de tais recursos, ele consiga dialogar de forma igualitária
com a presença física do ator,?
Posto isso, Pavis (2010) adentra em questões relacionadas à presença do ator,
levantando questionamentos acerca da efetivação dessa presença estar relacionada apenas a
sua visibilidade física pela plateia, exemplificando tal fenômeno pela ideia de corpo visível,
ao qual a presença não está mais ligada; e espaço visível, a partir da presença do ator:
[...] seria, de antemão, recolocar em questão as oposições tradicionais e
decididas entre vivo e o maquinal (ou midiático), o presente e o ausente, o
humano e o inumano. A presença do ator significa que esse ator seja visível?
E se ele está invisível, situado nos bastidores, ou atuando sistematicamente
atrás de um painel servindo de tela – percebido ao vivo apenas pelo vídeo e
projetado numa parte do cenário –; e se ele está ao telefone ou é filmado pela
webcam num outro extremo do planeta? Nesse caso, ele faz, então, um ato
de presença, uma presença que podemos imaginar à falta de percebê-la
diretamente. (PAVIS, 2010, p. 175 - 176).
No espetáculo Prometheus – a tragédia do fogo, da Cia Teatro Balagan, da cidade de
São Paulo, com direção de Maria Thaís, em sinopse divulgada afirma que a encenação faz
uma arqueologia de um mito fundador da cultura ocidental e dos diversos eventos que
compõem o mito prometeico – a criação do homem, a separação dos deuses e dos homens, do
homem e da natureza, dos irmãos Prometeu/Epimeteu, o roubo do fogo, a condenação do titã
ao Cáucaso, entre outros, oferecendo fragmentos da narrativa, pistas do mito, que cabem ao
espectador organizar. Em um de seus fragmentos, valem-se de cantos em grego arcaico, feito
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por atores que não se encontravam visíveis à plateia, mas que se presentificavam por suas
vozes. Atestando que a presença não se associa apenas ao visível.
Nesse sentido, o autor aposta na contaminação da performance live e do espetáculo ao
vivo pelas mídias, porém, não de forma a reproduzi-las, mas pensando como esses elementos
são utilizados, combinados e confrontados tal quais os elementos constituintes da encenação,
afirmando que o teatro sempre fez apelo às tecnologias, às máquinas: a technê. Questiona
também, se a diferença entre as mídias e a technê é de grau ou de natureza.
Para adentrar no teatro multimídia, que Pavis (2010, p. 178) define como sendo ―o
encontro de tecnologias sem o espaçotempo (sic.) da representação‖, e no teatro cibernético –
cybertheatre, que se mescla com mídias digitais e tecnologias da informática e tem como
característica a utilização da Internet para produzir espaços virtuais – o autor evidencia que,
mais importante que descrever o conjunto de mídias utilizadas na cena contemporânea, é
pensar os efeitos delas no palco.
E inclui na discussão as tecnologias utilizadas na preparação e/ou representação, como
o som gravado, a luz, as legendas e o uso de microfones, percebendo como elas
redimensionam a percepção.
E para ilustrar as diversas tecnologias das quais os espetáculos tem feito uso,
evocamos mais três encenações vistas nos últimos dois anos para atestar a variedade e o
crescente uso das tecnologias em cena, podendo observar que seus usos não se filiam a uma
estética específica, se encontrando nas mais variadas propostas.
A encenação de Viúva, porém honesta do grupo recifense Magiluth, com direção
Pedro Vilela, vale-se do uso de microfones por vezes distorcendo as vozes dos atores, dando-
lhes uma outra tonalidade emocional.
Imagem 10 – Prometheus – a tragédia do fogo
Foto Mônica Cortez
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Imagem 13 – Viúva, porém honesta
Dona Flor e seus dois maridos, com direção de Irad Rubinstain, encenada em
hebraico, pela companhia israelense Yoram Loewenstein Acting School de Tel-Aviv, em sua
apresentação durante o 25º Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau –
FITUB, recorreu a projeção de legendas em português, essas se apresentavam, acreditamos
por julgarem ser um texto bastante conhecido nacionalmente, como rubricas.
Já o espetáculo Leonce e Lena, da companhia cearense Teatro Máquina, com direção
de Fran Teixeira, faz uso de aplicativos disponibilizados para sistemas operacionais ios e/ou
Android os usando para controlar e executar em tempo real a sonoplastia do espetáculo com
auxilio de um iPad.
Posteriormente Pavis (2010) traça alguns marcos históricos e aponta possibilidades de
uso do vídeo no palco, propondo possíveis efeitos das mídias na percepção. Por fim, levanta
questões para analise das mídias na encenação: são as mídias identificáveis ou dissimuladas?
São as mídias produtos ao vivo ou vídeos pré-gravados? Qual a relação das mídias entre si?
Em que momento histórico da evolução das mídias situa-se a obra?
Outra referência é a pesquisadora francesa Beatrice Picon-Vallin (2006) que, em A
arte do teatro: entre tradição e vanguarda: Meyerhold e a cena contemporânea, desenvolve
Imagem 11 – Leonce e Lena Imagem 12 – Dona Flor e seus dois maridos
Foto Daniel Zimmermann
Foto Divulgação Foto Davi Lazaro
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um profícuo trabalho sobre o conceito de encenação. A partir das proposições de Vsevolod
Meyerhold, mapeia as ideias constitutivas da encenação teatral contemporânea. No livro
supracitado, a autora aborda questões relacionadas ao uso da imagem no teatro, a apropriação
de elementos estéticos do cinema pelo teatro e as relações entre texto, imagem e tecnologia.
Podemos referenciar também o italiano Enrico Pitozzi (2011), que pesquisa diversos
níveis de intervenção das tecnologias sobre a cena contemporânea. Defendendo a tese de uma
mudança na lógica da composição cênica mediada tecnologicamente, levando em conta a
intervenção sobre a percepção e o corpo do atuante, como também as intervenções do
dispositivo na dimensão sensorial e perceptiva do espectador. Para ele, o que ocorre é:
[...] uma redefinição do conceito de ação em favor da noção de situação,
sugerindo a passagem de um paradigma de representação para um de
transformação. Neste sentido, a composição é um modo para tornar
perceptível uma tensão entre o visível e o invisível, o material e o imaterial,
o audível e o inaudível, o corpóreo e o incorpóreo que organiza a cena
contemporânea tecnologicamente mediada como um verdadeiro e próprio
campo magnético. (PITOZZI, 2011, p. 91).
E para atingir tal proposição, a cena contemporânea se vale dos mais variados
recursos, incluindo dentre outros as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC‘s), que
possibilitam diversos níveis de intervenção, resultando dessas relações composições
intermidiáticas, onde mídias digitais dialogam com a mídia teatro.
No Brasil, temos como expoente na pesquisa sobre mediações e o uso de novos
suportes na cena, o encenador, performer e pesquisador Renato Cohen (2002; 2003; 2004;
2006) que, em sua produção, tem como tema recorrente os eventos intermídia, as narrativas
hipertextuais, performances na rede, web arte, novas arenas de representação, telepresença e
as possibilidades abertas pelo duplo virtual (Web/internet).
Na cena brasileira temos ainda a produção da pesquisadora Marta Isaacsson (2008;
2009; 2010), professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, que vem investigando as novas configurações da cena teatral a partir dos
avanços tecnológicos. Seus artigos levantam questões relacionadas aos reflexos da interação
dos novos dispositivos técnicos no fazer dos atores, uso de filmagens realizas ao vivo como
elemento da encenação, desafios postos aos atores nesse contexto, novas possibilidades da
escrita cênica e presença para além dos limites da corporalidade do ator.
Pode ser citado também Leonardo Foletto (2011), que inicialmente traça um breve
panorama da intersecção teatro/tecnologia e trata das mídias e a cultura digital no teatro,
43
fundamentando seu argumento prioritariamente na proposição pós-dramática de Lehmann
(2007) e no manifesto binário escrito pelo grupo catalão La Fura dels Baus. Em seguida,
diversos pesquisadores, diretores e coletivos brasileiros são entrevistados, relatando
experimentos em que trabalham diretamente com as tecnologias em cena ou tangenciam a
temática.
Em busca realizada em bancos de dados de teses e dissertações nos programas de Pós-
Graduação em Artes Cênicas do país, foram elencados alguns autores que trabalharam
especificamente com esse eixo temático ou de forma que os tangenciam, como os citados
abaixo: VELOSO, Verônica Gonçalves. Jogos do Olhar - procedimentos cinematográficos
para a composição da cena teatral. 2008. 224 f. Dissertação (mestrado) - Escola de
Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008, que trabalha com a
apropriação da linguagem cinematográfica transposta para a cena contemporânea; MISI,
Mirella. “Navegar é preciso”... interdisciplinaridade e interatividade na arte da cena
contemporânea. 2010. 156 f. Tese (doutorado) - Escola de Teatro, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2010, que trata de questões estéticas e políticas na contemporaneidade,
partindo de uma revisão bibliográfica, para afirmar que os mecanismos tradicionais não são
mais pertinentes para uma crítica a arte; BARONE, Luciana Paula Castilho. O uso da imagem
tecnológica na narrativa cênica contemporânea. 2002. 213 f. Dissertação (mestrado) -
Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2002, em que a ênfase
recai no uso de imagens de forma a ilustrar, complementar e auxiliar na narrativa cênica;
RAYMUNDO, Jaqueline Rodrigues de Souza. Teatro e software: entre processos de criação.
Dissertação de mestrado defendida no âmbito do PPGAC UNIRIO, dezembro de 2010, a qual,
até o presente momento não tive acesso. ARAÚJO, Rodolfo Gonçalves. Panorama da
teatralidade remidiada: uma reflexão a partir de Play on Earth. 2010. 199 f. Dissertação
(mestrado) - Mestrado em Comunicação e Semiótica, Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2010, o autor traça um panorama das produções cênicas contemporâneas
que fazem uso das tecnologias da informação e da comunicação, tomando como base a série
Play on Earth e pautando-se no conceito de remidiação de Jay Bolter e Richard Grusin;
BARBOSA, Larissa Ferreira Regis. AMC: afecção mediada por computador em coletivos
performáticos desterritorializados. 2010. 161 f., Dissertação (Mestrado) - Pós-Graduação em
Artes, Universidade de Brasília, Brasília, 2010. Trabalho que aborda a constituição dos
coletivos performáticos em performação em telepresença em espaços desterritorializados;
SENRA, Fernando. Limites da imagem digital: estudo de obras. 2011. 129 f., Dissertação
(Mestrado) - Escola de Belas Artes da UFMG, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
44
Horizonte, 2011. Discutindo novas práticas artísticas que expandem conceitos e linguagem,
geradas pela tecnologia computacional e digital, a partir da análise de obras que constroem
sistemas interativos, de natureza fluida, em que passam a coexistir criador, obra e observador
em atuações complementares e sem determinação fixa; ROAT, Leonardo Amorim. As artes
cênicas em um mundo de carbono e silício: perspectivas de (re)significação dos elementos
cênicos constituintes na cena contemporânea a partir da incorporação da linguagem
audiovisual e da hipermídia. 2011. 101 f., Dissertação (mestrado) - Pós-Graduação em
Ciências da Linguagem, Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2011. Estudo que
apresenta algumas considerações acerca de produtos estéticos nas artes cênicas
contemporânea, originados a partir da incorporação da linguagem audiovisual e da
hipermídia, buscando compreender as perspectivas de (re)significação de seus elementos
constituintes.
Contamos ainda com o Dossiê Cena e Tecnologia, publicado na revista Moringa -
Artes do Espetáculo, Vol. 2, No. 1, jan-jun/2011, do Departamento de Artes Cênicas da
UFPB, disponível no link: <http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/index>, que
conta com a publicação de pesquisadores e artistas convidados para o Conexão XXI Festival
Cênico e Simpósio Cena e Tecnologia, coletânea de artigos referentes a cena teatral e suas
diversas possibilidades de associações com as tecnologias. Recorremos também a autores que
propõe discussões que se relacionam com a proposta em questão.
Explorado alguns pressupostos e questões pertinentes à temática proposta, adentramos
no próximo capítulo em questões diretamente ligadas a composições cênicas mediadas
tecnologicamente.
45
CAPÍTULO 2
CENA CONTEMPORÂNEA E TECNOLOGIAS DIGITAIS: NOTAS
PRELIMINARES
Antes, o futuro era apenas a continuação do presente e
avistavam-se transformações no horizonte. Mas agora o
futuro e o presente se fundiram.
(Andrei Tarkovsky)
2.1 O CONTÁGIO DA CENA CONTEMPORÂNEA PELAS TECNOLOGIAS DIGITAIS
O teatro, como as demais artes no Ocidente, se caracteriza pelo uso de recursos,
suportes e dispositivos pertencentes ao contexto da época à qual se encontra inserido.
Podemos observar esse fato pelo uso de recursos técnicos desde o teatro grego do séc. IV aC.,
quando os espetáculos faziam uso do expediente dramático conhecido como ―deus ex-
machina”, maquinismo teatral utilizado para introduzir personagens míticas ou divinas
subitamente nas encenações, dando-lhes um desfecho divino sobre as limitações humanas.
Na Idade Média, com os autos e milagres, observava-se, também, a recorrência à
ilusão cênica baseada em dispositivos como efeitos pirotécnicos e monstros cenográficos que
simulavam o inferno e o purgatório, estratégias criadas pela Igreja para evidenciar suas
características ideológicas nas peças pedagógicas cristãs. Já no Renascimento, com o
surgimento do palco à italiana, cuja arquitetura se pauta pela ocultação da maquinaria e
dispositivos cênicos, o projeto estético teatral de manutenção do ilusionismo cênico acentua o
ambiente de imersão, recorrendo à tecnologia da época para a manutenção dessa proposição
artística.
No século XIX surgiu a iluminação elétrica, inicialmente utilizada para acentuar o
ilusionismo das montagens naturalistas, possibilitando mais tarde experimentações que
revolucionariam o uso mimético da luz, como fez a dançarina americana Loïe Fuller, que
introduziu o uso de cores nas artes cênicas, redimensionando com seu uso o espaço cênico e
dando papel de protagonista à iluminação. A partir de 1890, as proposições cenográficas
simbolistas investiram na ruptura com o modelo de representação naturalista. Encontrando no
recurso técnico da iluminação possibilidades para novas experimentações, eles desligaram-se
46
da preocupação com a ilusão e imitação naturalistas, buscando representações simbólicas do
inconsciente humano.
Sob forte influência de artistas como o suíço Adolphe Appia e o inglês Gordon Craig,
o simbolismo teatral na virada do século XIX para o século XX, buscou conceitos inovadores
e modificações estéticas a partir da iluminação. O teatro, a essa altura, já havia passado por
alguns fatores históricos que contribuíram para o advento do teatro de encenadores – que
considera a cena uma somatória dos elementos que a compõem – abrindo caminho para uma
visão menos hierarquizada dos elementos constituintes da cena, que ganhavam autonomia em
oposição ao legado de submissão ao texto que, por séculos, ocupou lugar de destaque no
teatro. Com a expansão ocidental dos meios de produção introduzidos pela revolução
industrial, iniciada pelos ingleses e reformatada pela criação das linhas de produção em série
de Henry Ford, nos EUA, surgiram novas estruturas sociais, que alteraram a dinâmica de
trabalho, interpessoal e consequentemente artística. Tais mecanismos impulsionaram a ruptura
e a emergência de paradigmas nas artes.
Para se produzir arte, sempre houve a utilização da técnica, pois essa se define como
um saber fazer, a destreza, a habilidade para se executar ou fazer algo, procedimentos que
podem ser aprendidos, desenvolvidos e criados. Até a revolução industrial, as técnicas
artísticas dominantes eram artesanais e só a partir de tal evento, com a criação da máquina
fotográfica, é que se tem o nascimento das artes tecnológicas, acabando-se dessa forma o
exclusivismo das técnicas artesanais. Segundo Santaella (2008, p. 152 - 153):
Enquanto a técnica é um saber fazer, cuja natureza intelectual se caracteriza
por habilidades que são introjetadas por um indivíduo, a tecnologia inclui a
técnica, mas avança além dela. Há tecnologia onde quer que um dispositivo,
aparelho ou máquina for capaz de encarnar, fora do corpo humano, um saber
técnico, um conhecimento científico acerca de habilidades técnicas
especificas. Nessa medida, a arte tecnológica se dá quando o artista produz
sua obra através da mediação de dispositivos maquínicos, dispositivos estes
que materializam um conhecimento cientifico, isto é, que já tem uma certa
inteligência corporificada neles mesmos.
Alguns conceitos são primordiais para o prosseguimento e compreensão da discussão
em questão e, partindo desse pressuposto, se faz necessário compreender o que se define por
virtual. Tomemos como base o conceito de virtual proposto por Pierre Lévy (1998), em que
aborda a virtualização sob três aspectos – filosófico, antropológico e sócio-político –,
afirmando que o virtual não se opõe ao real, mas ao atual. Considera que virtualidade e
47
atualidade são apenas duas maneiras diferentes de ser. Sob a perspectiva do autor, o virtual
deve ser considerado como algo que existe em potência e não em ato:
Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o
complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha
uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que
chama um processo de resolução: a atualização (LÉVY, 1998, p. 16).
A atualização surgirá como a solução que não estava contida previamente no
enunciado do problema, e gera ―uma produção de qualidades novas, uma transformação de
ideias, um verdadeiro devir que alimenta de volta o virtual‖ (LÉVY, 1998, p. 17). Essa
transformação é a invenção de uma solução exigida por um ―complexo problemático‖. O atual
objetiva o virtual, situando-se no pólo do manifesto. O virtual, enquanto algo que existe em
potência, anuncia o devir e insere-se no domínio do latente.
É através do que denomina quatro modos de ser – possível/real e virtual/atual – que o
autor se propõe a desmistificar a oposição entre real e virtual, esses quatro conceitos existem
nos domínios do latente e do manifesto, o que remete para as noções de subjetividade e de
objetividade. O latente anuncia o devir, o manifesto situa-se na esfera da objetivação, da
concretização. Segundo Lévy (1998), o possível se caracteriza por ser um conjunto de
possibilidades pré-determinadas, a que falta existência. O processo de realização remete ao
conceito de possível, que se situa no âmbito do latente, já o real se apresenta como algo
concreto (a concretização) no polo do manifesto.
A virtualização não é uma desrealização (a transformação de uma realidade
num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um
deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em
vez de se definir principalmente por sua atualidade (uma ―solução‖), a
entidade passa a encontrar sua consistência essencial num campo
problemático. Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma
questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a
essa interrogação e em redefinir a atualidade de partida como resposta a uma
questão particular. (LÉVY, 1998, p. 17-18).
Para o autor a virtualização não é um fenômeno contemporâneo, pois considera que
antes do surgimento das novas tecnologias e dos dispositivos tecnológicos, já existiam vetores
de virtualização como a memória, a imaginação, a religião e o conhecimento.
As relações entre o Potencial, o Real, o Virtual e o Atual são explicitadas segundo o
quadro abaixo:
48
Posto isso, é possível observar que o virtual não está associado apenas às tecnologias
digitais, sendo possível elencar exemplos relativos à virtualização no teatro mesmo antes do
surgimentos das mesmas, como: placas indicativas de lugares e/ou épocas remotas ou futuras;
a utilização de um coro ou narrador que nos transporte para um acontecimento ou local
deslocado do qual nos encontramos; a utilização de um rádio, telefone ou gravador, que irá
presentificar um individuo que se encontra deslocado do espaço cênico visível por meio do
fluxo sonoro que chega.
O teatro é per si uma arte híbrida, plurimidiática. Na atualidade, ocorre uma explosão
por meio de inúmeras experiências estéticas, em que a assimilação ou recusa de outras mídias
dá-se a partir de propostas diversificadas de encenação e, dessa forma, observa-se que com as
mídias digitais ocorre a mesma dinâmica, no qual alguns diretores, companhias e grupos se
apropriam de tais elementos tornando-os parte constituinte de suas encenações, agregando
e/ou ―profanando‖ (AGAMBEN, 2007) as possibilidades oferecidas pelas tecnologias
digitais.
Para tratar do contágio das artes pelas tecnologias digitais, utilizamos da divisão das
eras culturais proposta pela autora Lucia Santaella (2008) em seu livro Culturas e artes do
pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura, em seis tipos de formação não lineares,
nas quais na contemporaneidade todas coexistem e dialogam entre si, a saber: Cultura Oral,
Cultura Escrita, Cultura Impressa, Cultura de Massa, Cultura das Mídias, Cultura Digital ou
Cibercultura. Detivemo-nos nas duas últimas formações culturais.
Imagem 14 – As relações entre o Potencial, o Real, o Virtual e o Atual
LÉVY, 1998, p. 145
49
Na era da cultura das mídias que se deu na década de 1980 com o surgimento de novas
máquinas, equipamentos e produtos midiáticos como fotocopiadoras, Walkman e
videocassete, que apresentam uma lógica distinta dos meios de massa característicos da era
industrial, pois geram um uso individualizado, no qual o sujeito opta pela programação
(música, filme, canal, etc.), desenvolveram-se novos processos comunicacionais.
Procedimento que a autora considera como ―cultura do disponível e do transitório‖.
Já a cultura digital ou cibercultura dá-se com a possibilidade aberta pelo computador
de converter as mais variadas informações – texto, som, imagem, vídeo – em uma linguagem
universal. Tal linguagem foi possível a partir da convergência das mídias, desenvolvimento da
multimídia que possibilitou converter vários campos midiáticos tradicionais, antes
incompatíveis por utilizarem suportes distintos, em um único formato, o digital, ―realizável
em qualquer tempo e espaço‖. Desde então, todos podem ser produtor, criador, compositor,
apresentador e difusor de seus trabalhos, tornando a cibercultura a cultura do acesso.
Através da digitalização e da compreensão de dados que ela permite, todas
as mídias podem ser traduzidas, manipuladas, armazenadas, reproduzidas e
distribuídas digitalmente produzindo o fenômeno que vem sendo chamado
convergência das mídias. Fenômeno ainda mais impressionante surge da
explosão no processo de distribuição e difusão da informação impulsionada
pela ligação da informática com as telecomunicações que redundou nas
redes de transmissão, acesso e troca de informações que hoje conectam todo
o globo na constituição de novas formas de socialização e de cultura que
vem sendo chamada de cultura digital ou cibercultura. (SANTAELLA, 2008,
p. 60).
Tais possibilidades impulsionaram o desenvolvimento das hiper-redes multimídias de
comunicação interpessoal as quais, por sua vez, por meio das misturas de meios tecnológicos,
como a informática e a teleinformática, junto à convergência das mídias, favoreceram a
hibridização das mais diversas ordens no campo artístico, no que se convencionou chamar
ciberarte.
Posto isso, propomos refletir como as tecnologias contribuem e alteram o modo de se
fazer arte e também a nossa percepção, vivência e relações com os outros e conosco, já que
com o advento das tecnologias surgem também novas possibilidades que irão pôr em xeque
conceitos relativos à presença, tempo, espaço, corpo. Isso, para alguns autores, gera a
realidade expandida que por consequência gera o que Cohen (2002) denominou nas artes
cênicas ―novas arenas de representação‖. Segundo o autor:
50
A criação de novas arenas de representação com a entrada, onipresente, do
duplo virtual das redes telemáticas (WEB-Internet), amplifica o espectro da
performação e da investigação cênica com novas circuitações, navegação de
presenças e consciências na rede e criação de interiscrituras e textos
colaborativos. Com uma imersão em novos paradigmas de simulação e
conectividade, em detrimento da representação, a nova cena das redes, dos
lofts, dos espaços conectados, desconstrói os axiomas da linguagem teatro:
atuante, texto, público - ao vivo, num único espaço, instaurando o campo do
Pós-Teatro. A relação axiomática da cena: corpo-texto-audiência, enquanto
rito, totalização, implicando interações ao vivo é deslocada para eventos
intermediáticos onde a telepresença (on line) espacializa a recepção.
(COHEN, 2002, p. 01).
O teatro sempre se valeu de tais recursos, o que ocorre na contemporaneidade, dentro
desse atual contexto em que um turbilhão de informações e tecnologias digitais se atualiza em
uma velocidade vertiginosa, é uma ampliação dessas possibilidades, possibilidades essas que
irão questionar fatores determinantes na constituição normativa do ―elemento‖ teatro, a saber:
texto, atuante, espectador.
2.2 O FIO DE ARIADNE
A encenação, no sentido ao qual atribuímos o termo contemporaneamente, existe há
mais de cem anos e mudou de forma radical a nossa concepção do teatro, apresentando-se
como componente da história e evolução da peça, de seu sentido e apresentando-se como uma
via de compreensão.
[...] a encenação, pelo menos aquela consciente de si mesma, surgiu quando
parecia ser necessário mostrar no palco de que maneira o encenador poderia
indicar a forma de ler uma obra dramática, que se tornou muito complexa
para ser decifrada de maneira única, por um público homogêneo. A
encenação dizia respeito, nessa circunstancia, a uma obra literária, e não
importa a qual espetáculo visual. Ela surgiu num momento de crise da
linguagem e da representação, uma crise como tantas outras que o teatro
conheceu. (PAVIS, 2010, p. 45).
Na esteira das reivindicações feitas por Zola e paralelamente aos pressupostos
simbolistas situados no polo oposto ao naturalismo no teatro, como discutimos brevemente
antes, por se tratar de um assunto com vasta bibliografia, ocorreram dois fenômenos,
derivados da revolução tecnológica, como nos aponta Roubine (1998), que foram de suma
importância para o surgimento do encenador, a saber: o apagamento da noção de fronteiras e
distâncias; e a descoberta dos recursos da iluminação elétrica.
51
Apesar dos precedentes históricos ligados ao próprio exercício da cena, seria
o caso de reservar o termo encenação, e mais ainda o encenador, para as
experiências cênicas a partir dos anos de 1880, visto que a era dos
encenadores não começou antes da crítica radical ao teatro feita por Zola ou
Antoine, da mesma maneira que não começou ―nem antes‖ da contra-
proposta do simbolismo [...]. (PAVIS, 2010, p. 02).
A junção do desejo de mudança, apontado pelos intelectuais do teatro, à revolução
tecnológica, que disponibilizava ferramentas técnicas para alavancar tal desejo, tornaram
viável a evolução do espetáculo teatral.
[...] pode-se constatar que a condenação das práticas dominantes da época
por alguns intelectuais do teatro não teria sido por si só suficiente, por mais
veemente que fosse, para fazer surgirem as transformações que viriam a
caracterizar o teatro moderno. Seria mais exato, sem dúvida, dizer que essas
transformações se concretizaram [...] graças a coexistência de um desejo de
ruptura e de uma possibilidade de mudança. Em outras palavras, as
condições para uma transformação da arte cênica achavam-se reunidas,
porque estavam reunidos, por um lado o instrumento intelectual (a recusa
das teorias e formulas superadas, bem como propostas concretas que
levavam a realização de outra coisa) e a ferramenta técnica que tornava
viável uma revolução desse alcance: a descoberta dos recursos da iluminação
elétrica. (ROUBINE, 1998, p. 21-22).
Se traçarmos tendências as quais o teatro se vinculou depois do surgimento da
encenação, observamos que tal evolução, percebida não como uma supressão de formas
antigas por novas, mas sim como um constante diálogo de influências recíprocas associadas
às possibilidades trazidas pela evolução tecnológica e a expansão de suportes, recursos e
dispositivos, constatamos que foram gestadas propostas estéticas que enfatizam elementos
diversos, a exemplo da iluminação, do espaço cênico, da emancipação da prática cênica em
relação ao texto e seu autor, a formação sistemática do ator, a autonomia da cena, o teatro
enquanto arma histórica e política, o teatro antropológico, o minimalismo, etc., proposições
que coexistem na contemporaneidade, dialogam e se aplicam de acordo com as propostas
estéticas e/ou políticas almejadas, e muitas vezes integram de forma híbrida um mesmo
espetáculo.
A encenação é, assim, uma representação feita sob a perspectiva de um
sistema de sentido, controlado por um encenador ou por um coletivo. É uma
noção abstrata e teórica, não concreta e empírica. É a regulagem do teatro
para as necessidades do teatro e do público. A encenação coloca o teatro em
prática, porém de acordo com um sistema implícito de organização de
sentido. (PAVIS, 2010, p. 03).
52
Na contemporaneidade, as linhas que demarcam e rotulam as artes tornam-se cada vez
mais tênues, sendo difícil distinguir e enquadrar alguns fenômenos artísticos em rótulos pré-
existentes e bem definidos, as linguagens cada vez mais hibridas dialogam com áreas outras, a
exemplo das neurociências, ciências humanas, da robótica, da informática, dentre outras.
Muitas vezes ao sairmos de um espetáculo somos surpreendidos pela dúvida. O que acabamos
de assistir se tratava de um espetáculo de dança? De teatro? De uma performance? Por um
determinado momento nos sentimos participantes de uma instalação, seria isso? Enfim,
acreditamos não caber mais aos espectadores e aos críticos indagar-se sobre determinados
aspectos tentando enquadrá-los em ―caixinhas‖, precisamos conceber e fruir em uma
perspectiva que extrapola as noções de limite do teatro, dando lugar a uma ideia de polifonia.
O que é teatro? Como conceituá-lo? Existe uma única resposta ou, como o
concebemos e o percebemos, associa-se às nossas referências, aos nossos pré-conceitos? O
conhecimento teatral espirala dentro e fora do universo do fenômeno teatral, reconstituindo
tanto este universo como a si mesmo como uma parte integral deste processo. O discurso
teatral e os conceitos, teorias e descobertas das outras áreas de conhecimento continuamente
circulam dentro e fora daquilo de que tratam. Assim fazendo, eles reestruturam
reflexivamente7 seu objeto.
Pavis (2010, p. 54) ventila uma convergência epistemológica de encenação e
performance: ―A partir do último decênio do século XX, a tendência à aproximação de
encenação e performance aproximou-se‖.
O termo performance assume na contemporaneidade uma gama diversificada de
significações utilizadas para designar fenômenos variados na literatura, nas artes e nas
ciências sociais. Com a crescente utilização do termo em áreas distintas, surge também uma
riqueza conceitual, que gera nuances semânticas por meio de uma dialética/dialógica acerca
da conceituação do termo performance. Carlson (2009) aponta que, na contemporaneidade as
manifestações performáticas se apresentam, tanto na teoria quanto na prática, de formas
variadas e em grande quantidade, sendo praticamente impossível um completo mapeamento
delas. Distinguindo dois conceitos possíveis de performance:
[...] um envolvendo a exibição de habilidades, e outro também abrangendo
exibição, mas menos de habilidades do que de modelo de comportamento
7 ―[...] consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de
informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter‖.
(GIDDENS, 1991, p. 45).
53
reconhecido e codificado culturalmente8. Um terceiro conjunto de usos do
termo nos leva a uma direção diferente [...] a ênfase não está na exibição de
habilidades (embora isso possa estar presente) ou na execução de um
determinado modelo de comportamento, mas no sucesso da atividade, tendo
em vista algum padrão de realização que não precisa estar articulado com
precisão. Talvez seja mais significativo que a tarefa de julgar o sucesso do
performer (ou mesmo de julgar se é uma performance), nesses caos, não é de
responsabilidade do performer, mas do observador. (CARLSON, 2009, p.
15).
Como nos apresentam, respectivamente, Glusberg (1987) e Carlson (2009) vários
eventos ligados a acontecimentos vanguardistas influenciaram e foram importantes para a
consolidação da arte de performance, como: Dadaísmo, Surrealismo, Futurismo, happening,
body art, Fluxus.
É inquestionavelmente correto traçar uma relação entre a arte de
performance muito mais moderna e a tradição de vanguarda da arte e do
teatro do século 20, já que muito da arte de performance tem sido criada e
continua a operar dentro daquele contexto. Mas, concentrar-se ampla e
exclusivamente no aspecto vanguardista da arte de performance moderna,
como muitos escritores o fizeram, pode limitar a compreensão tanto do
funcionamento social dessa arte hoje como do modo como ela se relaciona a
outra atividade performativa do passado. (CARLSON, 2009, p. 94).
Apesar disso, Carlson (2009) nos alerta para a necessidade de relacionarmos a
performance moderna com atividades de performance mais antigas, fenômenos esses que não
estão dissociadas de ações performativas, mas que levam em conta não ―as limitações de
formas artísticas existentes‖ (CARLSON, 2009, p. 95) ou ainda como muitas propostas da
performance ―a presença física‖, mas sim uma ―[...] presença para o artista na sociedade, uma
presença que pode ser esotérica, xamanística, instrutiva, provocativa ou de entretenimento‖.
Apontando assim, outra forma de apreender a evolução da arte performática, levando em
conta atividades de entretenimento ou arte, produzidas conscientemente para uma audiência
em contextos históricos distintos, a exemplo de músicos, mímicos, acrobatas no período
clássico; ou, trovadores, poetas, menestréis, charlatões e os jograis da Idade Média; como
8 Esse tipo de performance constitui o que Richard Schechner define como ―comportamento
restaurado‖. Segundo Carlson (2009, p. 14), ―[...] título sob o qual ele agrupa ações conscientemente
separadas da pessoa que as executa – teatro ou outros ‗papeis lúdicos‘, transes, xamanismo, rituais. O
conceito utilitário de ‗comportamento restaurado‘ de Schechner aponta para uma qualidade da
performance não envolvida com a exibição de habilidade, mas sim com uma certa distância entre o
self e o comportamento, análogo àquele que existe entre um ator e o papel que ele encena no palco.
Mesmo se uma ação é idêntica à outra na vida real, no palco, ela é considerada ‗performada‘ e, fora do
palco, apenas ‗realizada‘‖.
54
também os músicos ambulantes das feiras medievais e renascentistas; e ainda, o circo, o
vaudeville, os shows de variedades, os music halls e os cabarés ao longo do século XIX,
dentre outros.
É importante evidenciar, como nos aponta Glusberg (1987, p. 42-43), que a
performance surge como um gênero mais amplo que agrupa diversas propostas que tinham
como denominador comum ―[...] desfetichizar o corpo humano – eliminando toda exaltação à
beleza a que ele foi elevado durante séculos pela literatura, pintura e escultura – para trazê-lo
à sua verdadeira função: a de instrumento do homem, do qual, por sua vez, depende o
homem.‖ Porém, vai além, pois apresenta-se como uma prática que:
[...] Apesar de utilizar o corpo como matéria-prima, não se reduz somente à
exploração de suas capacidades, incorporando também outros aspectos, tanto
individuais quanto sociais, vinculados com o princípio básico de transformar
o artista na sua própria obra, ou, melhor ainda, em sujeito e obra de sua arte.
(GLUSBERG, 1987, p. 43).
A encenação contemporânea trabalha com elementos que tangenciam o panorama
epistemológico da performance – sua trajetória evolutiva, seus paradigmas estruturais, suas
variações semânticas e suas relações com a sociedade – promovendo um diálogo e uma
contaminação mútua entre objetos estéticos instáveis, fluídos, que retratam e refletem o
momento social ao qual nos encontramos inseridos. Tal fenômeno é descrito por Bauman
(2001) através da metáfora da fluidez9, que é a qualidade dos líquidos e gases, que sofrem
mudanças constantes ao serem submetidos a tensões.
[...] a performance theory e a renovação da prática teatral revelam-nos as
noções outrora incompatíveis de performance e encenação. Esta
aproximação é tão marcada que seria preciso quase que criar palavras
híbridas, como, mise-en-perf ou performise. O diagnóstico desta
contaminação é simples: não saberíamos, no momento, criar uma encenação
sem a reflexão da performance theory, nem uma performance sem a
9 ―O que todas essas características dos fluidos mostram, em linguagem simples, é que os líquidos,
diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. Os fluidos, por assim dizer, não
fixam o espaço nem prendem o tempo. Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais claras, mas
neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo (resistem efetivamente a seu
fluxo ou o tornam irrelevante), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão constantemente
prontos (e propensos) a mudá-las; assim, para eles, o que conta é o tempo, mais do que o espaço que
lhes toca ocupar; espaço que, afinal, preenchem apenas ―por um momento‖. Em certo sentido, os
sólidos suprimem o tempo; para o líquidos, ao contrário, o tempo é o que importa. Ao descrever os
sólidos, podemos ignorar inteiramente o tempo; ao descrever os fluidos, deixar o tempo de fora seria
um grave erro. Descrições de líquidos são fotos instantâneas, que precisam ser datadas‖. (BAUMAN,
2001, p. 08).
55
possibilidade de se fazer uma análise semiológica e fenomenológica.
(PAVIS, 2010, p. 60).
A Encenação, outrora fechada em seus mecanismos de regulagem voltados para
transposição e ilustração do texto, flerta atualmente com traços estilísticos atribuídos
inicialmente à performance, buscando dessa forma não uma substituição do termo, mas uma
complementação. Na contemporaneidade, devido ao hibridismo e confluência das diversas
artes, a noção de encenação se expande enriquecendo-a e diversificando-a, o que nos obriga,
como propõe Pavis (2010, p. 390) ―a repensar o mecanismo de regulagem que preside a
criação estética desse objeto chamado encenação‖.
Retomando a hipótese da arte como ponto de convergência para se pensar as mutações
em âmbito social e cultural, sugerimos que essas possibilidades preconizadas pela encenação,
sua evolução contínua, seu diálogo com as demais áreas artísticas e do conhecimento,
possibilitaram as experiências relativamente recentes do teatro com as tecnologias digitais.
2.3 INTERSECÇÃO TEATRO TECNOLOGIAS DIGITAIS: (RE)CONFIGURAÇÃO DE
ELEMENTOS NARRATIVOS
Ao partirmos do pressuposto de que os elementos que compõem a cena, a saber: o
ator, a voz, a música, o ritmo, o espaço, o tempo, a ação, o figurino, a maquiagem, o objeto, a
iluminação, o olfato, o tato, o paladar e o texto; são regulados e organizados na perspectiva da
construção de uma narrativa que pode se apresentar de forma multissequencial e multiforme10
ou não-sequencial. Pretende-se uma discussão que leva em conta a convergência das mídias
associada ao surgimento da internet e da Word Wide Web, e suas possibilidades na
construção de narrativas mediadas tecnologicamente. Segundo Murray (2003, p. 09):
[...] A narrativa é um de nossos mecanismos cognitivos primários para a
compreensão do mundo. É também um dos modos fundamentais pelos quais
construímos comunidades, desde a tribo agrupada em volta da fogueira até a
10
Termo utilizado por Murray (2003, p.10) em substituição ao termo não-linear como forma de
compreensão dos novos formatos narrativos. Segundo a autora, ―[...] histórias multissequenciais
proporcionam ao interator a habilidade de navegar por um arranjo fixo de eventos de diferentes
maneiras, todas elas bem definidas e significativas. O sentido mais profundo da obra emerge da
compreensão desses caminhos entrecruzados, como na narrativa de um caso amoroso contado a partir
de dois pontos de vista que se encontram. Uma história multiforme é aquela na qual múltiplas versões
podem ser geradas a partir da mesma representação fundamental, como num jogo que pode ser
repetido de modos diversos, [...]. Histórias multiformes podem ajudar-nos a perceber causas
complexas de acontecimentos complexos, assim como a imaginar diferentes desfechos para uma
mesma situação‖.
56
comunidade global reunida diante do aparelho de televisão. Nós contamos
uns aos outros histórias de heroísmo, traição, amor, ódio, perda, triunfo. Nós
nos compreendemos mutuamente através dessas histórias, e muitas vezes
vivemos ou morremos pela força que elas possuem.
Diante desse caleidoscópio de possibilidades, das quais a arte em suas variadas
linguagens vem se apropriando, surgem trabalhos produzidos em um meio fluido que
atravessa um turbilhão de mudanças técnicas/tecnológicas rapidamente. Tendo suas raízes no
século XX, o questionamento as tradições artísticas, como também a natureza experimental,
ganha um novo impulso com os novos meios tecnológicos, que irão expressar novas
possibilidades de significação e percepção de tempo e espaço, explorando-o ou subvertendo-
o, movimento iniciado por invenções não artísticas, a exemplo da fotografia e posteriormente
do filme, que serviram de subsídio para experimentações artísticas, sendo o embrião da arte e
tecnologia.
Na atualidade, a diversificação e multiplicação de meios tecnológicos de produção e
difusão – outrora representados por meios com mídias incompatíveis entre si, a exemplo da
fotografia, do cinema, do telefone, do rádio, da TV, do vídeo e do som – alia-se, devido a
convergência das mídias, as possibilidades abertas pelas ―[...] atuais interfaces
computacionais com seus fluxos ininterruptos de linguagem hipermídia, junto com a realidade
virtual, aumentada, mista e a transmídia‖. (SANTAELLA, 2012, p. 61).
O computador ligado em rede atua como um telefone, ao oferecer a
comunicação pessoa-a-pessoa em tempo real; como uma televisão, ao
transmitir filmes; um auditório, ao reunir grupos para palestras e discussões;
uma biblioteca, ao oferecer grande número de textos de referência; um
museu, em sua ordenada apresentação de informações visuais; como um
quadro de avisos, um aparelho de rádio, um tabuleiro de jogos e, até mesmo,
como um manuscrito, ao reinventar os rolos de textos dos pergaminhos.
Todas as principais formas de representação dos primeiros 5 mil anos da
história humana já foram traduzidos para o formato digital. Não há nada
criado pelo homem que não possa ser representado nesse ambiente
multiforme: das pinturas no interior das cavernas de Lascaux às fotografias
de Júpiter feitas em tempo real; dos pergaminhos do Mar Morto ao primeiro
exemplar de Shakespeare; das maquetes de templos gregos pelas quais se
pode passear aos primeiros filmes de Edison. E o reino digital assimila, o
tempo todo, mais capacidades de representação, à medida que pesquisadores
tentam construir dentro dele uma realidade virtual tão densa e tão rica quanto
a própria realidade. (MURRAY, 2003, p. 41).
Após essa breve contextualização, exploramos nos subitens abaixo possibilidades de
conceituação e percepção na contemporaneidade acerca do ator, do espaço cênico e do
espectador.
57
2.3.1 Ator (corpo/presenças)
Nesta sessão discutimos as relações do corpo na era pós-biológica e possíveis
presenças. É possível observar como desdobramentos de pesquisas desenvolvidas em outras
áreas do conhecimento acabam influenciando e instigando novos processos artísticos,
podendo citar como exemplo o teatro que faz uso das mídias, as artes performáticas, a arte
cibernética, dentre outras, que se utilizam dos avanços tecnológicos nas áreas da
biotecnologia, da robótica, engenharia molecular, nanotecnologia e tecnologias
computacionais, pautando e se valendo da ciência em seus experimentos e criações artísticas
que, se relacionam e tangenciam discussões contemporâneas referentes ao pós-humano;
propondo reflexões e questionando que corpo é esse? Como se porta esse corpo alterado,
reconfigurado, esquadrinhado, remodelado, plugado?
Na contemporaneidade quais as perspectivas em relação ao corpo? Como se porta o
corpo do ator tendo a mídia que se interpõe? De que forma se apresenta esse corpo na cena
contemporânea? Essas e outras questões têm se tornado uma constante em vários trabalhos
artísticos, já que o corpo sempre foi requisitado nas artes, em determinados momentos com
maior ou menor intensidade.
Com o advento das ―novas tecnologias‖ tem-se tornado corriqueiro discussões acerca
do futuro do humano, discussões essas antes abordadas apenas pela ficção científica, que
especulava de que forma o humano se configuraria no futuro. Esse gênero literário
considerado por muitos como inferior, tem adquirido na contemporaneidade a expressão de
uma realidade potencial que transita como ficção da ciência e ciência da ficção. Estudiosos
acreditam que essa projeção no futuro está presente dentro e fora dos seres humanos,
tornando-se parte da nossa realidade e auxiliando a reconfigurá-la em relação à sua percepção.
Laymert Garcia dos Santos (2008, p. 45) ao citar Bracolly, nos propõe que ―a projeção
no futuro, outrora o território do escritor de ficção científica, se transformou na modalidade
dominante de pensamento. Esta é a influência da ficção científica no pensamento moderno‖.
Para buscar compreender melhor de que forma os avanços tecnológicos proporcionam
a maquinação do homem e a humanização da máquina, provocando transformações no fazer
artístico, traçamos um breve panorama acerca da mutação em relação ao futuro do humano
para, em um segundo momento, adentrarmos na questão teatral em si.
Para que pudéssemos tratar do pós-humano, utilizamos dois filmes do gênero
supracitado, das décadas de 1980 e 1990, nos quais o futuro do humano é abordado por vias
distintas. O primeiro é Blade Runner, o caçador de andróides, de 1982, dirigido por Ridley
58
Scott. O filme apresenta uma visão do pós-humano por via da singularidade tecnológica –
teoria que defende que um evento histórico previsto para o futuro forçará a humanidade a
atravessar um vertiginoso avanço tecnológico em um curtíssimo espaço de tempo. Seus
defensores argumentam que a aceleração das descobertas científicas ocorridas em diversas
áreas do pensamento, como a informática, astronomia, nanotecnologia e biotecnologia, irá nos
forçar a vivenciar esse momento num possível futuro imediato. Essa via é mais radical, pois
entende o pós-humano como uma superação do humano pela máquina, tornando o humano
como o concebemos atualmente obsoleto.
O segundo filme é Gattaca, A Experiência Genética, de 1997, dirigido por Andrew
Niccol. O filme apresenta uma visão do pós-humano por via da transformação biotecnológica
ou biogenética – que prevê o aperfeiçoamento da espécie humana via seleção genética e
controle da reprodução, criando-se a possibilidade da abertura de uma segunda linha de
evolução do humano por meio de sua transformação genética. Os teóricos consideram essa
segunda via menos radical que a primeira, pois não ocorreria a obsolescência do humano, e
sim o aperfeiçoamento da espécie.
Para tal proposição precisamos definir, mesmo que grosso modo, o conceito de
humano mais adequado para nossa discussão. Tomamos o conceito proposto por Nietzsche, o
humano não mais atrelado ao ir além na relação com o transcendente sobrenatural, ou seja,
com Deus. Segundo Tugendhat (2002, p. 48):
O conceito do transcender humano, do ir além, adquire um sentido mais
amplo. O conceito básico é agora o de estar dirigido a um sentido da vida e o
fato de que este sentido consista em algo supra-sensível é só um conteúdo
entre outros. Nietzsche estava convencido de que o homem necessita para
viver de um sentido da vida e, por isso, viu a sua tarefa numa reavaliação dos
valores, segundo a qual os homens deveriam ver o sentido da vida na própria
vida. Ao invés de obedecer aos valores dados (valores supra-sensíveis), o
homem cria seus valores. Isso significa que a transcendência para o sentido
da vida voltar-se-ia para o interior do próprio homem. Poder-se-ia, então,
falar de uma transcendência imanente, quer dizer, de um ir além que
precisamente não seria um ir a algo além do natural, mas um ir além do ser
do homem.
A palavra singularidade é utilizada na astrofísica para designar o espaço interno dos
buracos negros, local esse onde todas as leis que regem a matéria entram em colapso. Já o
termo singularidade tecnológica foi cunhado pelo escritor de ficção científica Venor Vinge,
que se inspirou no sentido dado por John Von Neumann, na década de 1950, para designar o
ponto de mutação criado pela aceleração tecnológica e as transformações radicais decorrentes
59
desse processo, fazendo-se necessário que nossos velhos modelos fossem descartados. Essa
corrente ganhou visibilidade em 1993, quando Venor Vinge publicou um artigo acadêmico
intitulado The Technological Singularity, no qual argumentava: ―estamos no limiar de uma
mudança comparável ao surgimento da vida humana na terra. A causa precisa dessa mudança
é a iminente criação pela tecnologia de entidades com inteligência superior à humana‖
(VINGE apud SANTOS, 2008, p. 50).
Pertence a via da singularidade tecnológica, a aposta que é feita na inteligência
artificial e no desenvolvimento tecnológico que acarretaria a abertura de um outro tipo de
evolução, que viria com os robôs. Para Santos (2008, p. 51), ao apropriar-se da expressão,
Vinge a vincula à inteligência sobre-humana, que para ele, é a essência da singularidade:
E foi ainda Vinge quem estabeleceu uma analogia entre esse acontecimento
e o surgimento do homem na perspectiva da evolução das espécies, ao
afirmar que estávamos entrando num regime tão radicalmente diferente de
nosso passado humano quanto foi o dos homens com relação aos animais
inferiores. Assim, tal analogia, ao mesmo tempo em que anunciava a
―superação‖ da espécie, consagrava o advento da era pós-humana.
Venor Vinge (apud SANTOS, 2008, p. 51) considera que a singularidade tecnológica
será inevitável, porém, argumenta que ela poderá se efetivar de uma forma não tão radical
como aquela que prevê ―a superação da espécie superior por uma outra ainda mais superior,
porque mais inteligente, que aconteceria por meio da Inteligência Artificial‖; o caminho por
ele apontado prevê a ampliação da inteligência por meio da intensificação da relação homem-
computador, ―de tal modo que a ênfase não recaísse nas máquinas, mas no acoplamento‖
(SANTOS, 2008, p. 51-52).
Por terem tornado-se recorrentes, os estudos e especulações acerca do futuro do
humano levaram diversos autores a retomarem ideias e argumentos já existentes no campo das
―novas tecnologias‖, como é o caso do inventor Ray Kurzweil, autor do livro A era das
máquinas espirituais, para ele:
O termo singularidade adquire uma nova inflexão no sentido de naturalizar
uma estratégia de aceleração que é sociotecnopolítica, isto é, de transformá-
la numa lei da natureza. Com efeito, assim como Vinge modificara o sentido
de Singularidade de Von Neumann, estabelecendo uma analogia entre o que
estava por vir e o surgimento da espécie humana, agora Kurzweil se apropria
da expressão de Vinge para explicar, retrospectivamente, toda a cosmologia
e toda a teoria da evolução. Assim, toda a evolução do universo é lida sob a
ótica de uma aceleração que vai desembocar na criação, por seres
inteligentes, de seres mais inteligentes do que eles. (SANTOS, 2008, p. 52).
60
Kurzweil (apud SANTOS, 2008, p. 52) especula que a emergência de uma inteligência
que possa competir e/ou vir a superar a inteligência que a criou será ―[...] um
desenvolvimento de maior importância do que a criação da inteligência que a criou, e terá
profundas implicações em todos os aspectos do esforço humano, incluindo a natureza do
trabalho, o aprendizado humano, os governos, a guerra, as artes e nosso conceito de nós
mesmos‖. O autor aposta na aceleração tecnológica como fator de superação do humano,
pautando sua hipótese na convergência de três revoluções tecnológicas, a saber: a
biotecnologia, nanotecnologia e robótica, todas essas ―[...] baseadas na cibernetização da
ciência e nas tecnologias da informação digital e/ou genética.‖ (SANTOS, 2008, p. 53).
Vinge identificou a singularidade tecnológica como sendo o ponto fulcral das
mudanças culturais decorrentes do avanço exponencial da tecnologia. Já Kurzweil amplia o
conceito de singularidade tecnológica quando o identifica como o ponto de fusão total entre
matéria e inteligência híbrida. Segundo Lemos (2008, p. 03):
Originalmente, o conceito de Singularidade tecnológica evoca o efeito de
percepção que brota no homem a partir da tecnologia, não se referindo a uma
mudança na realidade em si mesma, mas apenas na percepção humana da
realidade. Kurzweil foi o responsável pela expansão do conceito de
Singularidade tecnológica para abarcar mudanças que se efetuam não apenas
na relação entre percepção humana e realidade, mas, fundamentalmente, na
própria estrutura da realidade física e social.
[...] assim como um buraco negro no espaço sideral altera dramaticamente os
padrões de matéria e energia que se aceleram em direção ao seu horizonte de
eventos, a Singularidade tecnológica que se aproxima futuramente está
progressivamente transformando cada instituição e aspecto da vida humana.
Retomando a ideia de ilustrar essa perspectiva do pós-humano e da singularidade
tecnológica, gostariamos de apontar que esse é o tema central do filme Blade Runner, que já
na tela de abertura traz uma apresentação da problemática que norteia a trama: ―No início do
século XXI a Tyrel Corporation criou os robôs da série Nexus, virtualmente idênticos aos
seres humanos. Eram chamados de replicantes. Os replicantes Nexus 6 eram mais ágeis e
fortes e no mínimo tão inteligentes quanto os engenheiros genéticos que os criaram. Eles eram
usados fora da terra como escravos em tarefas perigosas da colonização planetária. Após
motim sangrento de um grupo de Nexus 6, os replicantes foram declarados ilegais, sob pena
de morte. Policiais especiais, os blade runners, tinham ordens de atirar para matar qualquer
replicante. Isto não era chamado execução, mas sim ‗aposentadoria‘.‖ Em seguida é indicado
o ano (2019) e local (Los Angeles – EUA), onde se passa a trama.
61
É nítido no filme que, com os avanços tecnológicos, tornou-se possível a criação de
máquinas humanizadas (na ficção, fabricadas pela Tyrell Corporation sob a alcunha de serem
"mais humanos que os humanos"). Os modelos Nexus-6, apesar de serem mais ágeis, fortes e
inteligentes que qualquer ser humano, possuem apenas quatro anos de vida, o que os leva a
buscar o seu criador para prolongar este tempo de vida e memória.
Em Blade Runner, os replicantes, embora não sejam do gênero humano, mas sim
objetos técnicos complexos, produtos do trabalho humano, da evolução tecnológica, da
engenharia genética e de seus avanços fantásticos, reivindicam um atributo elementar da
hominidade: tempo de vida. É claro que a oposição entre potencialidades de desenvolvimento
e tempo de vida é dilacerante. A busca por mais tempo fomenta uma estranha obsessão. Tyrel
(dono da corporação que fabrica os andróides Nexus-6) reconhece tal dilema dos replicantes
quando diz a Deckard (um caçador de andróides): ―[...] eles são emocionalmente
inexperientes, têm poucos anos para coletar experiências que nós achamos corriqueiras.
Fornecendo a eles um passado criamos um amortecedor para sua emoção e os controlamos
melhor.‖
Para o sociólogo português e professor do St. Antony‘s College, de Oxford, Hermínio
Martins (apud SANTOS, 2008, p. 55), o conhecimento científico pretende realizar o desejo
secreto de romper definitivamente com o passado animal do humano e promover a superação
de seus limites, tidos como limitações, por meio da tecnociência, que permitirá ―a um ser
desanimalizado e desumanizado assumir inteiramente a condução da seleção natural e
substituí-la por uma não-natural‖. Segundo Giovanni Alves11
: ―Blade Runner é uma pequena
odisséia de homens e mulheres, humanos e pós-humanos, em busca da sua identidade
perdida‖.
No filme se efetiva a superação do humano pela máquina, que ocorre na perspectiva
da singularidade tecnológica, que ―postula que a criação de uma inteligência que supere a
humana é possível e desejável; mais ainda, defende que esse tipo de super-inteligência
poderia possuir qualidades morais, sendo mais constante na sua atitude moral do que o ser
humano. Tudo dependeria da programação‖ (ALVES, 2008, p. 59).
Em entrevista concedida ao grupo de pesquisa Conhecimento, Tecnologia e Mercado
(CteMe) em 2005, Laymert Garcia dos Santos afirma que:
11
Coordenador-geral do projeto de extensão Tela Crítica - Trabalho, Técnica e Estranhamento - da
UNESP Universidade Estadual Paulista - Campus de Marília. Disponível em:
<http://www.telacritica.org/BladeRunner.htm>. Último acesso em: 09 fev. 2010.
62
Essa é uma via radical e otimista, pois acha que, se seu corpo é um hardware
falho e ultrapassado, você pode fazer um download de sua mente num corpo
que seja melhor. Mas a obsolescência do corpo estaria se dando aos poucos,
e não de uma só vez. Ela ocorre, por um lado, através de uma necessidade
aparentemente crescente de modificar o organismo mediante a incorporação
de próteses para lidar com a velocidade da transformação; e, por outro,
através da formulação de uma ―exigência‖ cada vez maior de que o homem
precisa poder viver em ambientes que não são o seu habitat natural — como
as viagens espaciais. Alguns cosmólogos, por exemplo, chegam a pensar que
a vida inteligente precisa continuar no espaço, caso uma catástrofe elimine
todas as condições de sobrevivência da espécie humana na terra, tentando
antecipar este fim. (SANTOS, 2005, p. 164).
Já no filme Gattaca, A Experiência Genética, de 1997, dirigido por Andrew Niccol, é
apresentada uma visão do pós-humano por via da transformação biotecnológica ou
biogenética, que inaugura aquilo que alguns estão chamando de um novo tipo de eugenia.
Esse aperfeiçoamento da espécie via seleção genética pode se dar de forma negativa e
positiva. Na eugenia negativa ocorreria a eliminação dos considerados ―humanos com
deficiências‖ para purificação da raça, como entre os espartanos. Já na eugenia positiva o
patrimônio genético é melhorado através de transformações nas células germinativas que, no
decorrer de muitas gerações, dariam origem a uma segunda linha de evolução do humano. Tal
alternativa é considerada, por muitos críticos, como um problema tanto ético quanto político,
que necessita de discussão e limites, pois preconiza a desconstrução da natureza humana.
Gattaca conta a história de dois irmãos, um concebido da maneira natural (taxado
oficialmente de inválido) e o outro manipulado geneticamente. O inválido possui várias
doenças genéticas e, ao ter seu DNA examinado quando nasce já tem uma data prevista para
sua morte. Contudo, o garoto sonha em viajar ao espaço – função impensável para alguém
com seus problemas – e vai buscar todas as maneiras possíveis para superar suas limitações,
ao mesmo tempo em que tem que esconder de todos a sua condição. Vincent Freeman, o
protagonista da trama, nasceu do amor de seus pais sem preparos genéticos. Tem, desde
pequeno, o desejo de ser um astronauta, mas tem em seu código genético predisposições a
doenças que não lhe permitem nada melhor em vida que o emprego de faxineiro no
laboratório espacial. Consegue, porém, um lugar de destaque em uma corporação (Gattaca),
escondendo sua identidade genética verdadeira. Tudo segue perfeitamente, com muito
esforço, até que um assassinato em seu emprego põe sua verdadeira identidade em risco,
podendo expor seu passado.
No futuro seria gritante a dicotomia entre os que evoluem de acordo com a
transformação genética e a seleção natural. Essa grande diferença é o fio condutor da trama de
63
Gattaca, que se passa em um futuro não muito distante, em que a manipulação genética
fomenta uma nova espécie de (pré)conceito e hierarquia racial, estando a sociedade dividida
em duas ―classes sociais‖: os válidos, ―filhos da Ciência‖, produtos da engenharia genética e
da eugenia social, e os inválidos, ―filhos de Deus, filhos do amor‖, submetidos ao acaso da
natureza e às impurezas genéticas. Para Hermínio Martins (apud SANTOS, 2008, p. 55) é
possível perceber:
[...] com clareza a existência no interior da tecnociência de dois programas
distintos, que vêm se desenvolvendo paralelamente: o projeto de aceleração-
para-a-Singularidade e o projeto da reprogenética, ancorado na engenharia
genética e na genômica – o primeiro como a expressão de uma vontade de
superar o humano, o segundo, de uma vontade de ampliar ilimitadamente os
poderes naturais do homem.
Há ainda uma terceira vertente para a configuração do futuro do humano. Essa linha
de pensamento ―considera que essas duas linhas constroem, ao lado da aceleração
tecnocientífica e econômica, uma espécie de grande narrativa da obsolescência do humano e
do futuro pós-humano. O capitalismo e a tecnociência estão apresentando a obsolescência e a
passagem para o pós-humano dessa maneira‖ (SANTOS, 2005, p.165).
Santos (2005) nos propõe pensar em outros termos; levando em consideração não a
técnica, mas sim as máquinas, ou seja, as maquinações. Diante dessa proposta em que ocorre
uma interação do humano com as máquinas, e não apenas sua superação, levanta questões
como:
Em que medida os humanos são maquinados também, em que medida eles
pertencem ao mesmo terreno do pré-individual, quais relações existem entre
o humano e o não-humano, no sentido do animal, no sentido da máquina?
Que tipo de transformações ainda poderiam ser atualizadas no humano?
Partimos, portanto, do pressuposto de que não há obsolescência do humano.
Existe muita virtualidade, nem se sabe quanta, e nem é o caso de quantificar.
Supor que o humano está obsoleto é fechar uma possibilidade aberta para
construir a via que a tecnociência e o capital querem colocar para nós. Então
esse é um problema político. Essa linha — representada por Ansell Pearson,
Brian Massumi, gente inspirada em Deleuze e Guattari, o pessoal que pensa
a biopolítica em termos foucaultianos — até usa uma outra palavra para se
referir à questão do pós-humano. Eles falam em ―transumano‖, porque
pensam essa questão tomando como referência o ―para além do humano‖ de
Nietzsche, que não significa a morte do ―homem‖, mas a morte do
―Homem‖ consagrado pelo humanismo e pelo Iluminismo. (SANTOS, 2005,
p. 165).
64
Com a virada cibernética e a aceleração tecnocientífica em curso, o humano se
reconfigura, não só em relação ao eu, mas também em relação ao coletivo, o social,
provocando reajustamentos e refuncionalizações como forma de tentativas em relação ao vir a
ser tecnológico do mundo, que culmina com o pressuposto de que o ser humano já está
inserido em uma era pós-biológica, pós-humana. Essas inquietações, geradas a partir da
aceleração tecnocientífica desencadeiam questionamentos e perspectivas relativas ao ser
humano na contemporaneidade, onde ocorre a fusão entre matéria (biológica) e inteligência
híbrida (artificial). Temos que pensar em que medida a maquinação faz parte do humano,
pois:
Apesar das diferenças, existem pontos de contato ou níveis de
correspondência grandes entre nossa maneira de individuar e o processo de
individuação das máquinas. Por exemplo: a máquina é, digamos,
pensamento congelado, matéria concretizada. Ela já tem o humano
embutido. E nós, por outro lado, também temos muito de maquínico, pelo
tipo de agenciamento que fazemos em nossa relação com o lado de fora. Por
esse motivo, pensar a questão em termos de oposição é muito ruim: ou se
antropomorfiza a máquina, ou se mecaniza o humano. [...] Em outros
termos: de que maneira, ao nos individuarmos, atualizamos uma potência
virtual com as máquinas, que então também atualizam virtualidades que
pertenciam ao terreno do pré-individual. [...] A maquinação faz parte do
humano. Maquinação é agenciamento, ou agenciamentos moleculares a
partir desse terreno pré-individual onde nos encontramos com as máquinas,
assim como com os animais e o inanimado. (SANTOS, 2005, p. 166).
Definido, então, a que conceito de pós-humano nos referimos – o humano relacionado
com o ir além do próprio homem –, como também a vertente do pós-humano adotada, a saber,
a terceira via – que prevê um híbrido entre a singularidade tecnológica e a transformação
biotecnológica ou biogenética, como nos propõe Santos (2008), por meio das maquinações,
onde ocorre uma interação do humano com as máquinas, e não apenas sua superação,
adentraremos nas questões relativas a intersecção corpo do ator/tecnologia e as mutações
possíveis nesse corpo.
A aceleração tecnológica tem promovido na contemporaneidade uma ruptura gradativa
em relação a conceitos como: tempo, presença, espaço e corpo. Tal aceleração altera modelos
e dinâmicas sociais, culturais, morais e éticas. Para Diana Domingues (2003, p. 59):
A dinâmica da cultura midiática se revela assim como uma dinâmica de
aceleração do tráfego, das trocas e das misturas entre as múltiplas formas,
estratos, tempos e espaços da cultura. Por isso mesmo, a cultura midiática é
muitas vezes tomada como figura exemplar da cultura pós-moderna.
65
A inserção das tecnologias mais moderas já estava presente em várias correntes das
artes ao longo da década de 1960, em suas diversas manifestações. Correntes que
―enfatizavam presença física, efeitos e ações, constantemente testaram os limites da arte e da
vida, e rejeitaram a unidade e a coerência da arte tradicional tanto quanto da narrativa, do
psicologismo e da referencialidade do teatro tradicional‖ (CARLSON, 2009, p. 114) e que
serviram de trampolim para a performance e a arte de performance que emergiram durante as
décadas de 1970 e 1980. Como aponta Rush (2006, p. 30), ―[...] a fertilização mútua entre
teatro, dança, filme, vídeo e arte visual foi essencial para o nascimento da arte performática.
[...]‖.
Com os avanços tecnológicos ocorre uma ampliação das possibilidades processuais em
decorrência destas novas descobertas, como nos propõe Cohen (2004, p. 158):
A presença de novos suportes telemáticos, no contemporâneo, viabiliza
demandas que se anunciam desde os anos 60: no âmbito da contracultura –
as expressões da body art, da videoarte, da videoperformance buscavam
transições e experimentações no corpo (como mídia primária) e em seus
amplificadores e extensores nos mídia eletrônicos. Trabalhos inaugurais do
grupo Fluxus, entre outros, permeiam as passagens entre o corpo orgânico e
o vídeo, na via da arte conceitual. A partir dos anos 80, os novos mídia
tecnológicos (net-art, web-art, arte-satélite) com dispositivos de
mediatização, virtualização e telecinagem da presença passam a impor outras
direções às experiências radicais da performance.
Traçado esse panorama, propomos uma reflexão acerca das múltiplas realidades do
corpo na contemporaneidade, proposto por Santaella (2003), que explicita, não ter ambições
epistemológicas nem taxonômicas, mas sim, de estabelecer um panorama possível na arte
atualmente, levando em conta a volatilidade de um campo em constante devir em decorrência
da aceleração tecnológica.
Santaella (2003; 2004) nos propõe uma classificação em sete tipos e cinco subtipos
desse corpo inserido nesse vir a ser tecnológico do mundo. Uma classificação de
possibilidades da imbricação das culturas e artes do pós-humano. São eles:
1. O corpo remodelado – manipulado esteticamente, por meio de técnicas de
aprimoramento físico;
2. O corpo protético – ciborgue, híbrido, corrigido e expandido com o auxílio de
próteses, construções artificiais, que substituem ou amplificam as funções
orgânicas;
3. O corpo esquadrinhado – colocado sob a vigilância das máquinas para
diagnóstico médico;
66
4. O corpo plugado – interfacetados no ciberespaço. São os usuários que se
movem no ciberespaço enquanto seus corpos ficam plugados no computador
para entrada e saída de fluxos de informação;
a. Imersão por conexão – dá-se, através do acionamento dos sentidos,
visão e tato especialmente. A mente navega através de conexões
hipertextuais e hipermidiáticas, tanto nos interiores dos CD-Roms
quanto nas redes;
b. Imersão através de avatares – seleção e incorporação pelo cibernauta de
um avatar em ambiente virtual, para mover-se em ambientes bi ou
tridimensionais, encontrar-se com outros avatares, comunicar-se com
eles;
c. Imersão híbrida – possibilitada pela mistura de paisagens geográficas
ou corpos carnais com paisagens e corpos ciber, através de sistemas
interativos, designs de interface, visualizações em 3D;
d. Telepresença – exploração da ubiquidade e simultaneidade de
experiências de presença e ação à distância por meio de programas
computacionais e robóticos;
e. Ambientes virtuais – sinônimo para realidade virtual. Tecnologia que
simula um espaço virtual e transmite informações aos órgãos sensórias
por meio de processo controlado por um conjunto de dispositivos
físicos, a exemplo de computadores e softwares;
5. O corpo simulado – feito de algoritmos, de números, um corpo completamente
desencarnado;
6. O corpo digitalizado – representações tridimensionais completas,
anatomicamente detalhadas de corpos humanos;
7. O corpo molecular – manipulado geneticamente através de técnicas da
bioengenharia e engenharia genética.
O corpo passa por uma nova lógica, capaz de reconhecer que o corpo e seus ambientes
internos e externos estão mais que mediados pelas máquinas, que incorpora a esse corpo
orgânico novas possibilidades de ser no ambiente crescentemente tecnologizado em que
vivemos, adquirindo uma nova dimensão multiplicada. O corpo, assim como a presença,
encontra-se sob interrogação.
67
2.3.2 Espaço cênico (desterritorializado/fragmentado)
Pavis (2007, p. 133) em seu Dicionário de teatro define o espaço cênico como sendo:
O espaço concretamente perceptível pelo público na ou nas cenas, ou ainda
os fragmentos de cenas de todas as cenografias imagináveis [...]. O espaço
cênico nos é dado aqui e agora pelo espetáculo, graças aos atores cujas
evoluções circunscrevem este espaço cênico.
Desta forma, o espaço cênico, impreterivelmente delimitado pela atuação é o local
onde evoluem os atores e cria-se a espacialidade para o desenvolvimento das interações entre
as personagens, estabelecendo uma relação com o público.
O espaço cênico se organiza de acordo com a proposta estética, mantendo conexão
com o espaço teatral – definido como o local, o edifício, a sala, a praça, a escola, o mercado, a
fábrica, etc. Pode-se constatar por sua evolução, que o espaço cênico vincula-se ao universo
sociocultural, se constituindo enquanto objeto de percepção para o público a parir da relação
com os atores e sua abordagem.
Ao inserirmos tal discussão, que admite a presença mediada como uma forma possível
de presença, como também uma possibilidade de conectar espaços distantes geograficamente
e promover diálogos e encontros, propomos pensar o espaço cênico não apenas como uma
representação mimética de um lugar concreto, mas sim, como espaço que reflete e dialoga
com as características dos espaços sociais percebidos e vivenciados por uma parcela
significativa da sociedade.
Para tanto, nos valeremos das discussões de Giddens (1991), que evidencia que todas
as sociedades pré-modernas calculavam o tempo, porém, esse cálculo, que constituía a base
da vida cotidiana majoritária da população, vinculava-se sempre a tempo e lugar,
caracterizando-se como impreciso e variável.
Ninguém podia dizer a hora do dia sem referência a outros marcadores
sócioespaciais (sic.): ―quando‖ era quase, universalmente, ou conectado a
―onde‖ ou identificado por ocorrências naturais regulares. A invenção do
relógio mecânico e sua difusão entre virtualmente todos os membros da
população (um fenômeno que data em seus primórdios do final do século
XVIII) foram de significação-chave na separação entre o tempo e o espaço.
O relógio expressava uma dimensão uniforme de tempo ―vazio‖ quantificado
de uma maneira que permitisse a designação precisa de ―zonas‖ do dia (a
―jornada de trabalho‖, por exemplo). (GIDDENS, 1991, p. 25-26).
68
Na esteira da uniformidade de mensuração do tempo pelo relógio mecânico, advêm à
uniformidade na organização social do tempo. Fenômeno que acarreta a configuração por
meio da padronização em escala mundial dos calendários, apesar de diferentes calendários
continuarem a coexistir, incluem-se em uma datação, que como observa Giddens (1991)
tornou-se universal, a exemplo da chegada do ano 2.000. Outro aspecto é a padronização do
tempo através das regiões. Anteriormente, quando o tempo estava sempre associado ao
espaço, áreas distintas de uma mesma região possuía ―tempos‖ diferentes, devido às
necessidades de associação ao onde e as ocorrências naturais regulares.
Com as possibilidades abertas pelo relógio mecânico, que irá dissociar o tempo do
espaço, Giddens (1991, p. 26) nos proporá que:
O ―esvaziamento do tempo‖ é em grande parte a pré-condição para o
―esvaziamento do espaço‖ e tem assim prioridade causal sobre ele. Pois, [...]
a coordenação através do tempo é a base do controle do espaço. O
desenvolvimento de ―espaço vazio‖ pode ser compreendido em termos de
separação entre espaço e lugar.
O autor nos alerta para a distinção entre espaço e lugar, muitas vezes utilizados como
sinônimos. Lugar está associado à ideia de localidade, a um cenário físico situado
geograficamente.
O advento da modernidade arranca crescentemente o espaço do tempo
fomentando relações entre outros ―ausentes‖, localmente distantes de
qualquer situação dada ou interação face a face. Em condições de
modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico: isto é, os
locais são completamente penetrados e moldados em termos de influências
sociais bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o
que esta presente na cena; a ―forma visível‖ do local oculta as relações
distanciadas que determinam sua natureza. (GIDDENS, 1991, p. 27).
O desenvolvimento de meios capazes de subdividir o espaço de forma fidedigna
sempre foi mais disponível do que meios de produzir formas de mensuração de tempo
uniformes. Posto isso, é importante ressaltar que o deslocamento do espaço do lugar não está
associado à emergência de meios de mensurar uniformemente o tempo, mas, como nos
evidencia Giddens (1991, p. 27) o desenvolvimento do espaço vazio estaria ligado a dois
fatores:
Aqueles que concedem a representação do espaço sem referencia a um local
privilegiado que forma um ponto favorável específico; e aqueles que tornam
69
possível a substituição de diferentes unidades espaciais. A ―descoberta‖ de
regiões ―remotas‖ do mundo por viajantes e exploradores ocidentais foi a
base necessária para ambos. O mapeamento progressivo do globo que levou
à criação de mapas universais, [...], estabeleceu o espaço como
―independente‖ de qualquer lugar ou região.
Precisamos perceber a separação entre tempo e espaço como uma via de mão dupla
que possui traços dialéticos e é suscetível a reversão. Todavia, tal rompimento fornece uma
base recombinável em diversas atividades sociais. Tomemos como exemplo a criação de uma
tabela com os horários de apresentações de diversos grupos participantes de um festival de
teatro. À primeira vista, a criação de uma tabela que determine os horários e as datas das
apresentações dos grupos que integram o festival estaria associada a um mapa temporal,
porém, é na verdade um dispositivo de ordenação tempo-espaço, visto que irá indicar quando
e onde será as apresentações, permitindo a complexa coordenação de atores, cenários,
produtores e espectadores por meio de extensões de tempo-espaço.
Todas estas considerações visam objetivar a importância da separação tempo / espaço
para nossas discussões vindouras, se valendo do que Giddens (1991) denomina processo de
desencaixe e seus mecanismos, a saber: fichas simbólicas e sistemas peritos; e confiança.
Para o autor, a separação entre tempo e espaço é a condição principal do processo de
desencaixe, pois, ―sua formulação em dimensões padronizadas, ‗vazias‘, penetram as
conexões entre a atividade social e seus ‗encaixes‘ nas particularidades dos contextos de
presença.‖ (GIDDENS, 1991, p. 28). As instituições desencaixadas expandem as
possibilidades de distanciamento tempo/espaço, criando mecanismos de conectar o global e o
local de formas impensadas anteriormente, dinâmica essa que afeta rotineiramente a vida de
milhões de pessoas. O autor define o desencaixe como sendo o ―deslocamento das relações
sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de extensões indefinidas
de tempo-espaço‖ (GIDDENS, 1991, p. 29).
Os mecanismos de desencaixe retiram as atividades sociais de contextos localizados e
as reorganiza por meio de grandes distâncias tempo-espaciais. Por um longo período, a
formação da comunidade pautou-se no sentimento de pertencimento atrelado a um convívio
próximo. A partir da possibilidade de desencaixar-se da localização geográfica e temporal,
ampliam-se as possibilidades de experiências comunitárias, pois, o referido fenômeno não
estaria mais associado ao pré-requisito anterior, derivando daí outras possibilidades de
relações, que irão coexistir e se efetivarão por meio das relações interpessoais.
Segundo Giddens (1991), os mecanismos de desencaixe se subdividem em:
70
Fichas simbólicas – ―meios de intercâmbio que podem ser ―circulados‖ sem ter em
vista as características específicas dos indivíduos ou grupos que lidam com eles em qualquer
conjuntura particular‖ (GIDDENS, 1991, p. 30). Existem vários tipos de fichas simbólicas, a
exemplo do dinheiro. O dinheiro propicia a realização de transações entre indivíduos que se
encontram separados no tempo e no espaço, funcionando ―como um meio de vincular tempo-
espaço associando instantaneidade e adiamento, presença e ausência‖. (GIDDENS, 1991, p.
33).
Sistemas peritos – ―sistemas de excelência técnica ou competência profissional que
organizam grandes áreas dos ambientes material e social em que vivemos hoje.‖ (GIDDENS,
1991, p. 35).
A internet, mecanismo de desencaixe por excelência, por possibilitar a manipulação,
realização de dados, como também, a interação entre pessoas amplamente separadas no tempo
e no espaço, teve seu desenvolvimento a partir de tentativas não satisfatórias desde o final da
década de 1960, que visavam o surgimento de serviços públicos de informação. Porém, seu
aprimoramento nas décadas seguintes serviu para demonstrar o interesse público e privado
por serviços interativos de informação on-line. Todavia, é na década de 1980 que ocorre a
viabilidade em escala mundial, que irá possibilitar a conexão com computadores pessoais pelo
modelo da internet, tendo como idioma o protocolo TCP/IP12
; tal modelo tem seu uso
ampliado a partir de 1993.
Tendo em vista que os mecanismos de desencaixe se subdividem em fichas
simbólicas e sistemas peritos, devido as suas características a internet configura-se enquanto
um sistema perito.
Os sistemas peritos são mecanismos de desencaixe porque, em comum com
as fichas simbólicas, eles removem as relações sociais das imediações do
contexto. Ambos os tipos de mecanismos de desencaixe pressupõem, embora
também promovam, a separação entre tempo e espaço como condição do
distanciamento tempo-espaço que eles realizam. Um sistema perito
desencaixa da mesma forma que uma ficha simbólica, fornecendo
―garantias‖ de expectativas através de tempo-espaço distanciados. Este
―alongamento‖ de sistemas sociais é conseguido por meio da natureza
impessoal de testes aplicados para avaliar o conhecimento técnico e pela
12
Transmission Control Protocol/Internet Protocol é o idioma dos computadores na rede internet. Ele
permite a divisão, endereçamento e re-direcionamento dos pacotes. É a linguagem de comunicação de
base da rede. Graças a essa linguagem, todos os computadores – pequenos ou grandes – falam entre si
e se compreendem, seja qual for o ponto do planeta. Com isso, além de comunicar, os computadores
puderam também codificar e decodificar pacotes de dados que viajam em alta velocidade pela rede.
(SANTAELLA, 2003, p. 87).
71
crítica pública (sobre a qual se baseia a produção do conhecimento técnico),
usado para controlar sua forma. (GIDDENS, 1991, p. 36).
Ambos necessitam da confiança, que se apresenta como uma ―forma de fé na qual a
segurança adquirida em resultados prováveis expressa mais um compromisso com algo do
que apenas uma compreensão cognitiva‖ (GIDDENS, 1991, p. 35). Confiança requer atitude
de crédito ou crença e pressupõe consciência das circunstâncias de risco. A noção de risco é
recente, tendo o termo surgido na modernidade, atrelado a compreensão da imprevisibilidade
de determinados eventos e ações associados à atividade humana serem socialmente criadas, e
não mais advindas da natureza ou de ações da deidade.
Dessa forma, segundo Giddens (1991, p. 41), ―a confiança está basicamente vinculada,
não ao risco, mas à contingência. A confiança sempre leva à conotação de credibilidade em
face de resultados contingentes, digam estes respeito a ações de indivíduos ou à operação de
sistemas‖.
Retomando a discussão inicial, referenciamos Ubersfeld (2007, p. 107) ao cogitar que
o espaço cênico ―pode ser a transposição de uma poética textual‖. Propomos pensar que na
contemporaneidade, com a gradativa desierarquização dos elementos constituintes da cena e
com a desvinculação entre tempo e espaço, o inverso também pode ser afirmado. A partir de
uma discussão de espaços cênicos possíveis, pode-se criar uma poética textual para
operacionalização de tal proposta estética, a exemplo das proposições do GAG Phila7, que
temos como objeto de estudo. Em entrevista,13
Rubens Velloso (2011), um de seus co-
fundadores, admite ser necessário criar poéticas textuais para operacionalizar e conectar os
espaços cênicos desterritorializados e os atores separados geograficamente; ambos chegam até
a plateia por mediação tecnológica, fazendo-se necessário criar estratégias para efetivação
desta proposta de construção da narrativa. Dessa forma, comungamos com a proposição de
que: ―[...] no teatro, o que sempre se reproduz são as estruturas espaciais, que definem não
tanto um mundo concreto, mas a imagem que os homens têm das relações espaciais na
sociedade em que vivem, e dos conflitos que sustentam essas relações‖. (UBERSFELD, 2005,
p. 94).
Não seria o espaço cênico criador, portador e reconfigurador da narrativa? A
possibilidade de se pensar em espaços remotos e vazios, não amplia também as possibilidades
de criação de outros espaços cênicos admissíveis? Não estaria o teatro se apropriando, como
13
Ver anexos. Entrevista concedida a Larissa Hobi e publicada na revista Moringa – Artes do
Espetáculo, João Pessoa, Vol. 2, n. 1, 81-89, Jan./Jun. de 2011.
72
sempre o fez, das características do espaço social como é vivido e percebido na
contemporaneidade?
2.3.3 Espectador (virtual/presencial)
Estendendo as discussões apresentadas anteriormente no capítulo, propomos que o
espectador – elemento indispensável para a efetivação do fenômeno teatral, que por muito
tempo foi relegado a segundo plano, encontra-se atualmente no centro das discussões, tendo
como pano de fundo a crítica e a teoria que se deslocam com frequência para a recepção –
também encontra-se sob interrogação. Se relativizarmos a presença do espectador, ainda
podemos considerar o referido fenômeno enquanto teatral? Uma presença mediada
tecnologicamente pode ser percebida como audiência para um espetáculo? Poderíamos aludir
a quarta parede para designar esse espectador que se encontra deslocado do espaço cênico
imediato e interfacetado? Esses questionamentos e diversos outros emergem do avanço
tecnológico e das incertezas e possibilidades advindas dele, nos fazendo rever conceitos e
teorias a muito engessados.
73
CAPÍTULO 3
PROFANAÇÕES_ SUPERFÍCIE DE EVENTOS DE CONSTRUÇÃO COLETIVA
Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor.
(Samuel Beckett)
3.1 EXPERIMENTO PROFANAÇÕES
A encenação Profanações _ superfície de eventos de construção coletiva, visou discutir
e operacionalizar o conceito de profanação desenvolvido por Giorgio Agamben (2007),
filósofo italiano contemporâneo que, ao se apropriar do termo, versa-o fazendo uma leitura do
pensamento político contemporâneo e suas implicações, tendo como pano de fundo o
entrecruzamento de discursos advindos de diversos campos de saberes.
Agamben (2007) busca, através da etimologia, resgatar o significado da palavra
profanar para, em um segundo momento, operacionalizá-la em uma esfera política, mantendo-
o em um diálogo permanente com o direito, a teologia, a linguística, a gramática histórica, a
antropologia, a sociologia, a ciência política, a iconografia, a psicanálise e as artes. Para tal
empreitada, vale-se de autores antigos, medievais, modernos e contemporâneos.
Em seu livro Profanações, o autor evidencia que os juristas romanos tinham
conhecimento do significado da palavra profanar e de sua existência para designar coisas
pertencentes aos deuses, definidas como sagradas ou religiosas. Coisas essas que, por
pertencerem de algum modo apenas aos deuses, ―eram subtraídas ao livre uso e ao comércio
dos homens, não podiam ser vendidas nem dadas como confiança, nem cedidas em usufruto
ou gravadas de servidão‖ (AGAMBEN, 2007, p. 65).
Dessa forma, todo ato que violasse ou transgredisse algo pertencente à esfera do
sagrado era tido como sacrílego. Em linhas gerais, ―[...] consagrar (sacrare) era o termo que
designava a saída das coisas da esfera do direito humano, profanar, por sua vez, significava
restituí-las ao livre uso dos homens‖ (AGAMBEN, 2007, p. 65). O autor argumenta que a
religião é a promotora dessa subtração e transferência para outra esfera, tendo o sacrifício
como dispositivo que regula e realiza a separação.
74
O termo religio, segundo uma etimologia ao mesmo tempo insípida e
inexata, não deriva de religare (o que liga e une o humano e o divino), mas
de relegere, que indica a atitude de escrúpulo e de atenção que deve
caracterizar as relações com os deuses, a inquieta hesitação (o ―reler‖)
perante as formas – e as fórmulas – que se devem observar a fim de respeitar
a separação entre o sagrado e o profano. Religio não é o que une homens e
deuses, mas aquilo que cuida para que se mantenham distintos. Por isso, à
religião não se opõem a incredulidade e a indiferença com relação ao divino,
mas a ―negligência‖, uma atitude livre e ―distraída‖ – ou seja, desvinculada
da religio das normas – diante das coisas e do seu uso, diante das formas da
separação e do seu significado. Profanar significa abrir a possibilidade de
uma forma especial de negligência, que ignora a separação, ou melhor, faz
dela um uso particular. (AGAMBEN, 2007, p. 66).
Já o processo inverso, dá-se pelo jogo, é ele que promove a passagem do sagrado ao
profano por meio de um reuso do que foi consagrado. Agamben (2007, p. 66) alega que as
esferas do sagrado e do jogo possuem vínculos estreitos, tendo os jogos, em sua maioria,
derivado de ―antigas cerimônias sacras, de rituais e de práticas divinatórias que outrora
pertenciam à esfera religiosa em sentido amplo‖. O jogo quebra a unidade entre o mito e o
rito, desarticulando a potência do ato sagrado, que se efetiva a partir da junção do mito que
narra a história com o rito que a reproduz e a representa.
[...] o jogo libera e desvia a humanidade da esfera do sagrado, mas sem a
abolir simplesmente. O uso a que o sagrado é devolvido é um uso especial,
que não coincide com o consumo utilitarista. Assim, a ‗profanação‘ do jogo
não tem a ver apenas com a esfera religiosa. As crianças, que brincam com
qualquer bugiganga que lhes cai nas mãos, transformam em brinquedo
também o que pertence à esfera da economia, da guerra, do direito e das
outras atividades que estamos acostumados a considerar sérias.
(AGAMBEN, 2007, p. 67).
Segundo Agamben (2007, p. 69) o duplo e contraditório significado que o verbo
profanare admite em latim: tornar profano e, em alguns casos, sacrificar, atesta que:
[...] sagrado e profano representam, pois, na máquina do sacrifício, um
sistema de dois pólos, no qual um significante flutuante transita de um
âmbito para outro sem deixar de se referir ao mesmo objeto. Mas é
precisamente desse modo que a máquina pode assegurar a partilha do uso
entre os humanos e os divinos e pode devolver eventualmente aos homens o
que havia sido consagrado aos deuses.
Gadamer (2010) também se vale do jogo para argumentar sua hermenêutica da obra de
arte. Sua noção de jogo possui papel central nas discussões e se encontra atrelada a fusão de
horizontes, que se dá a partir do diálogo que, por sua vez, requisita de seus participantes uma
75
abertura para as possibilidades de transformação advindas do diálogo. O jogo possui um
potencial libertador, como também, encontra-se associado ao prazer. Outra característica
levada em consideração é o fato de o jogo não se estabelecer sem as regras, que todavia se
apresentam justamente em função de seu desenvolvimento pleno. É dentro dessa concepção
de jogo que Gadamer (2010) irá pensar a obra de arte.
Casanova (GADAMER, 2010, p. XVI), em sua apresentação à edição brasileira do
livro Hermenêutica da obra de arte, descreve de forma magistral a acepção gadameriana de
jogo em relação à obra de arte:
[...] Ao nos colocarmos diante da obra de arte de um modo compatível com o
caráter de jogo da arte, nós nos deixamos guiar inicialmente por uma
estrutura hermenêutica. Deixamo-nos guiar aqui incessantemente pela
expectativa de sentido e pelo esboço de totalidade, de tal modo que
acolhemos o aceno da arte para que perguntemos por seu significado. No
momento em que seguimos tal aceno, adentramos o campo de jogo do
acontecimento da hermenêutica da obra de arte. Nesse campo, há regras que
precisam ser incessantemente seguidas. É preciso seguir as orientações
fornecidas pelo próprio horizonte de mostração da obra e escapar
incessantemente da tendência de se lançar para além desse horizonte.
Quando fazemos isso, o jogo da arte se revela como diálogo com a obra.
Descobrimos uma série de coisas, na medida em que deixamos a obra falar e
em que lhe emprestamos nossa voz. Nesse mesmo movimento, o jogo vai
abrindo o espaço de suas finalidades e potencializando o
aprofundamento/enriquecimento da compreensão. Dar voz à arte não
significa outra coisa senão abrir novas possibilidades compreensivas que não
põem um fim ao jogo, mas o mobilizam cada vez mais.
O GAG Phila7 que desde 2005 tem trabalhado com poéticas possíveis a partir do
imbricamento da cena com as tecnologias digitais, desenvolveu o projeto intitulado
Profanações de maneira interinstitucional. Participaram três universidades de regiões distintas
do Brasil, a saber: UFPB (Núcleo Cena e Contágio e Laboratório de Aplicações do Vídeo
Digital – LAVID); UnB (Laboratório de Pesquisa em Arte e Realidade Virtual – MídiaLab) e
UNIRIO (Grupo de Pesquisa Dramaturgia e Cena, Gêneros e Linguagens); além do Coletivo
Bijari e apoio da Rede Nacional de Apoio a Pesquisa – RNP. O experimento cênico
Profanações foi definido por seu idealizador Rubens Velloso como sendo uma superfície de
eventos de construção coletiva.
76
Concebido em 2012 e com temporada simultânea no Rio de Janeiro e João Pessoa, no
período de 14 de Agosto a 02 de Setembro, o experimento contou com uma grande equipe e
parcerias para desenvolvimento e operacionalização da proposta que conta com a utilização
de sistemas peritos, como também, com equipes de trabalho localizadas geograficamente
distantes. Definidas no programa como enlaces, as equipes foram assim formadas:
Concepção e direção artística _ Rubens Velloso
EQUIPE RIO DE JANEIRO
Atores _ Beto Matos e Marcos Azevedo
Livres singularidades desejantes _ Angela B Morelli, Bruno Kury, Carolina Carelli, Carolla
Ramos, Filipe Espindola, Jardel Augusto Lemos, Jéssica Fellipe, Raíssa Vitral, Raquel Gaio,
Sara Panamby e Vanessa Soares
Direção de produção _ Marisa Riccitelli Sant‘ana
Produção executiva _ Isabel Ferreira
Assistência de direção artística _ Paloma Oliveira
Concepção e execução videográfica e cenográfica _ BijaRi
Coordenação de execução de projeto videográfico _ Moana Mayall
Imagem 15 – Programa Profanações
Foto Divulgação
77
Execução e operação projeto videográfico _ Daniel Ribeiro, Maicon Brasil e Rafael Galo
Designer de luz _ Mirella Brandi
Operador de luz _ Luiz Sartomen
Técnico de luz _ Juca Baracho
Concepção sonora _ Bruno Queiroz, Cainã Bomilear, Joaquim Pedro e Juliana Frontin
Assistente de produção & Operador de som _ Lucas Hungria
Técnico de som _ Ricardo Santos
Projeto de figurino _ Carolina Semiathz e Beatriz Rivatto (Casa de Costumes)
Programação visual _ Icaro dos Santos
Intervenções redes sociais _ Icaro dos Santos e LaMosca comunicação
Cameraman _ Maria Burgos
Fotógrafo _ Pedro Muniz
Coordenação administrativa _ Eduardo Bonito (Bonito e Compri)
Assistente produção São Paulo _ Paula Malfatti
Secretária _ Kelly Cristina Cordeiro
Montagem _ Novamídia
Cenotécnico _ Celso de Paiva
TRAMATURGIA
Texto original _ Phila7
Fragmentos _ Derrida, Lacan, Agamben, Deleuze, Foucault, Borges, Guimarães Rosa,
Gregory Corso, Mallarmé, Beckett, Carlito Maia, Antônio Damásio e Nietzsche.
COORDENAÇÃO SEMINÁRIO
Prof. Dr
a Ana Maria de Bulhões-Carvalho (UNIRIO)
Grupo de Pesquisa Dramaturgia e Cena, Gêneros e Linguagens
Departamento de Teoria do Teatro
EQUIPE JOÃO PESSOA
Laboratório de Aplicações de Vídeo Digital _ LAVID
Coordenadores _ Guido Lemos de Souza Filho e Tatiana Aires Tavares
Coordenação Geral do Projeto Tecnológico _ Erick Augusto Gomes de Melo
Apoio projeto tecnológico _ Bruno Santos, Glauco Sousa, Hugo Neves e Yuri Gil
78
Núcleo Cena e Contágio _ Grupo de Pesquisa Teatro: Tradição e Contemporaneidade
Departamento de Artes Cênicas _ DECEN
Centro de Comunicação, Turismo e Artes _ CCTA
Direção Geral _ Prof. Dr. José Tonezzi
Coordenação e Assistência de Direção _ Larissa Hobi
Consultoria _ Maíra Spanghero
Atores _ Flávio Lira, Kassandra Brandão, Nilton Santos, Nyka Barros e Sávio Farias
Performer _ Angélica Lemos
Cameraman _ Diógenes Ferraz e Tony Ferreiro Neto14
Iluminador _ Tiago Dion
Figurinista _ Angélica Lemos
Sonoplastia _ O grupo
Tramaturgia Colaborativa _ GAG Phila7, José Tonezzi, Larissa Hobi, Nilton Santos, Nyka
Barros e Sávio Farias
Fragmentos _ Agamben, Andrei Tarkovsky Antônio Damásio, Augusto dos Anjos, Beckett,
Borges, Camus, Carlito Maia, Deleuze, Derrida, Fausto Wolf, Foucault, Gregory Corso,
Guimarães Rosa, Heiner Müller, Lacan, Mallarmé, Nietzsche, Rimbaud, Schopenhauer e
Sófocles.
EQUIPE BRASÍLIA
MidiaLab Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional
Departamento de Artes Visuais
Instituto de Artes
Universidade de Brasília
Coordenação _ Prof. Dra Suzete Venturelli
Amanda Moreira, Ana Lemos, Breno Rocha, Bruno Braga, Cláudia Loch, Camille Venturelli,
Clarisse Guimarães, Francisco Barreto, Hudson Bonfim, Johnny Souza, Juliana Hilário,
Leandro Trindade, Leonardo Freitas, Marcelo Rios, Sidney Medeiros, Ricardo Nunes, Roni
Ribeiro, Thiago Vieira, Tiago Barros, Victor Valentim
Para operacionalizar e dar sustentação ao projeto, seu idealizador desenvolveu o que
denomina como Nominações Profanatórias,15 a exemplo de:
14
Seu nome não consta no programa, pois entrou posteriormente para a equipe.
79
Superfície de eventos: plano das ideias formado por diferentes fluxos conceituais e artísticos
(a palavra, o corpo, a imagem, as redes, as artes digitais, artes computacionais, etc., etc., etc.)
que vão constituindo de forma rizomática essa superfície estética/ética/reflexiva. Substitui a
palavra espetáculo, montagem e etc.
MC de fluxos da superfície: receptor/interprete/antecipador/emissor dos fluxos que emergem
na superfície de eventos. Estão sempre transmutando de estado e se apropriando de todas as
formas corporais, mentais de que possam se utilizar para o enredamento do plano das ideias.
Substitui a palavra ator.
Tramaturgia: o código desenvolvido, que é específico, para cada trabalho para que os MCs
possam enredar reflexivamente nos eventos da superfície. A tramaturgia não é só constituída
pela palavra.
Extensões corpoespaço ou digineurais: se constitui de todo aparato tecnológico usado para
ligar espaços e corpos e também para articular as relações que emergem na superfície de
eventos.
Espaços heterotópicos: lugares constituídos de singularidades, um espaço com muitos
espaços. E aqui compreendemos espaço, não só no seu sentido arquitetônico, mas em um
sentido mais amplo, por exemplo: uma tela de computador ou uma tela de projeção também
podem ser espaços heterotópicos. A ligação entre esses espaços, de forma rizomática, é onde
se torna visível a superfície de eventos.
Estrutura química das personas: o MC deve considerar para o seu tráfego pelos espaços
heterotópicos uma transmutação entre dois estados da matéria – o carbônico (corpo) e o
silícico (imagem). Ele deve entender esses dois estados sempre como uma forma de presença,
para poder estabelecer neste tráfego o continuun das personas.
Estar: substitui as palavras atuar e representar. O MC ―está‖. Pode então mudar de registro
para interferir da melhor maneira nos vários espaços. Eis o que realmente nos interessa: a
potência do encontro teatral intermediado pelas novas interfaces que compreendemos como
expansões de percepção, transfigurando em grande velocidade o que chamamos de Eu-
subjetivo e Eu-social. Mergulhados nesse mar de novas possibilidades percebemos que nas
artes (e para nós, especificamente, no teatro) nada deve ser descartado para que uma nova
linguagem possa se estabelecer. Porque talvez nada tenha mudado nas necessidades do
humano, mas sim na forma como ele as percebe.
15
Disponíveis em: http://profana.art.br
80
Em reunião, durante o processo, o questionamos se o fato de apenas mudar a
nomenclatura, mantendo-se a forma e o conteúdo já codificados e pré-estabelecidos tal ato se
efetivaria como uma desarticulação da norma. Respondeu-nos prontamente que eram formas
de ativar e articular o pensamento para desarticular a norma. A partir da resposta, tornou-se
evidente para nós que estas nomenclaturas buscam criar novas designações linguísticas para
tratar de conteúdos relativamente novos com os quais o teatro vem se deparando e
assimilando.
O experimento trabalha com outros espaços/tempos possíveis a partir do surgimento
da web/internet. A proposta não visa forjar uma presença, mas sim apontar e problematizar
essas novas presenças que surgem na contemporaneidade e que, se efetivam por sua potência
e dinâmica adotada por grupos que a concebem como tal. Não se trata mais de relativizar, mas
de percebê-la como uma presença possível.
Entre os jovens, tratados na literatura como nativos digitais, que são os indivíduos que
já nasceram em contato com todos os tipos de aparatos tecnológicos possíveis e imagináveis,
essa presença é tão real como outras possíveis presenças. É comum, como presenciamos outro
dia com a filha de 15 anos de uma amiga. A adolescente alegava precisar voltar para casa,
pois, havia marcado um encontro com as amigas as 20:30 h. Estava aflita na negociação,
argumentava que não poderia se atrasar. Com o desenrolar das negociações entre mãe e filha
percebemos que o encontro se daria na internet, por um instante pasmamos, mas
posteriormente percebemos o quanto fazia sentido, pois, a partir do momento que a
percebemos, a introjetamos e a vivenciamos como uma presença possível, essa potência se
efetiva como tal.
Não seria o jogo entre atores em presença física que contracenam com atores em
presença imagética, buscando uma nova dimensão do uso da tecnologia em cena, um ato
profanatório, que propõe a desarticulação da norma? Não seria a encenação em si um ato
profanatório, pois, ao encenarmos um texto, não estaríamos profanando a ideia do autor, que
por si só já é uma proposta profana, estruturada a partir de um jogo conscientemente entre o
dizível e o indizível?
3.2 SUPERFÍCIES: NOTAS SOBRE O PROCESSO
Em um primeiro momento foram discutidos os conceitos teóricos e estéticos que
seriam trabalhados no experimento. A parceria firmada junto ao Núcleo Cena e Contágio se
deu como consequência de contatos iniciados ainda no Conexão XXI – Festival Cênico, em
81
2010, quando do convite de Rubens Velloso ao Professor José Tonezzi, coordenador do
núcleo, para desenvolverem um projeto juntos.
As reuniões relativas ao projeto Profanações tiveram início no dia 07 de maio de 2012,
como também encontros mediados e, em um dado momento, os integrantes do Núcleo Cena e
Contágio receberam a visita de Rubens Velloso. O encontro se deu em 16 de maio de 2012,
seu idealizador explicou detalhadamente a proposta, promovendo um diálogo. Na mesma
semana foi agendada uma reunião com a equipe do Lavid e representantes da RNP, parceiros
do projeto, que dariam suporte para efetivação e um bom desenvolvimento do mesmo.
Criamos um cronograma de ensaios, que contemplava inicialmente três dias da
semana, três horas por dia. O processo se deu simultaneamente em João Pessoa e São Paulo.
Nesse primeiro momento, com os grupos em suas respectivas sedes, a saber: Phila7 no espaço
de arte transdiciplinar GAG, na cidade de São Paulo, e Cena e contágio na UFPB, mais
precisamente nas imediações do Lavid, devido às necessidades técnicas. Os encontros eram
mediados tecnologicamente, ficando a cargo dos integrantes do Lavid sob coordenação do
perito Erick Melo, instalar, configurar e monitorar o uso da ferramenta Arthron.
Com a proximidade da estréia passamos a nos encontrar diariamente, e o Phila7 rumou
em direção ao Rio de Janeiro, encontrando-se agora no Oi Futuro Flamengo, onde ocorreria a
temporada em solo carioca. Apesar de se tratar da mesma encenação, o projeto contou com
processos de criação distintos. Ambos trabalharam em conjunto e dentro de uma mesma
temática, o conceito de profanação proposto por Agamben (2007) e discutindo possíveis
presenças, como também a desterritorialização do espaço cênico e as possibilidades advindas
das tecnologias digitais no corpo cênico; produzindo, porém, produtos estéticos diferentes.
O espetáculo envolveu duas capitais brasileiras, a saber, Rio de Janeiro e João Pessoa
que, com o auxilio da ferramenta Arthron, desenvolvida para performances artístico-
midiáticas distribuídas, possibilitava a conexão desses espaços distantes geograficamente,
fazendo com que atores presenciais dialogassem com atores deslocados do espaço cênico
visível à plateia. A presentificação dos atores deslocados geograficamente se dava através da
projeção de seu duplo imagético, que estava sendo captado em tempo real e distribuído com o
auxilio da ferramenta referenciada.
A ferramenta é composta por quatro componentes principais: Articulador
(Manager), agente codificador (Encoder), agente decodificador (Decoder) e
Refletor (distribuidor de fluxo), Servidor de Vídeo (VideoServer), Mapa
(MapManager), Cenário (ScenarioMaker). Esses fluxos podem ser gerados
em localizações geograficamente distribuídas e são manipulados pela
ferramenta Arthron que é responsável por capturar, controlar, transcodificar,
82
transmitir e decodificar as mídias capturadas em tempo real ou de arquivo.
Essas mídias podem ser enviadas em alta, média e baixa definição,
simultaneamente, tanto para decodificadores específicos na rede quanto para
a Internet. (TAVARES et. al., 2009, p. 03).
Neste mesmo manual (TAVARES et. al., 2009, p. 11), os componentes e suas
respectivas funções são apresentadas de forma mais detalhada, como segue abaixo:
• Codificador (Encoder): Esse componente é responsável por codificar e enviar um
fluxo de vídeo, gerado a partir da leitura de um arquivo ou da captura de vídeo
externo como uma câmera ou placa de captura.
• Decodificador (Decoder): Esse componente é responsável por receber vídeos ou
animações e exibi-las ao público do evento.
• Refletor (ArthronProxy): Esse componente é responsável por otimizar a distribuição
dos fluxos de mídias.
• Articulador (Manager): Esse componente é responsável pelo controle dos fluxos de
mídias e o que será exibido em cada Decodificador, além de monitorar o sistema.
• Servidor de Vídeo (VideoServer): Esse componente recebe um determinado fluxo
de vídeo, faz a transcodificação especificada e depois faz a transmissão via http para
a internet.
• Mapa (MapManager): Componente desenvolvido para que se permitisse visualizar
em um mapa-múndi a localização (Latitude e Longitude) de cada componente que
faz parte da Arthron. Basicamente, o MapManager é um servidor que guarda a
informação que cada componente o passa, como nome, latitude, longitude, tipo etc.
No momento que um determinado componente se conecta a ele, ele retorna para o
respectivo componente uma lista contendo todos os componentes que estão
conectados ao servidor. Assim, é possível inserir os marcadores que irão representar
cada componente no mapa.
• Cenário (ScenarioMaker): Permite ao usuário especificar de forma prévia para qual
Decodificar vai o fluxo de um determinado Codificador e em que momento.
• Monitoramento: Faz o monitoramento de bytes enviados e recebidos, pacotes In e
Out descartados, RAM usada e uso da CPU depois salva as informações em um
arquivo para cada host com o IP, a data e a hora que iniciou o monitoramento.
Pela descrição da Arthron em seu manual, que explicita tratar-se de uma ferramenta
que tem como ―principal funcionalidade oferecer ao usuário uma interface simples para
83
manipulação de diferentes fontes/fluxos de mídia simultâneos‖ (TAVARES et. al., 2009, p.
03), fica evidente que a mesma necessita de um conhecimento perito. Por ser um sistema de
excelência técnica que exige um domínio de conhecimentos básicos de seu funcionamento e
execução, contamos com a equipe de peritos do LAVID.
Em ambas as cidades o experimento contou com plateia presencial, tendo na cidade de
João Pessoa duração de 1 hora. Já na cidade do Rio de Janeiro, o experimento teve duração de
1hora e 10 minutos. Em um dado momento, os atores que se encontravam em cidades
distintas, por meio da ferramenta Arthron, contracenavam complementando a dramaturgia –
ou tramaturgia, como definido por seu idealizador –, por se tratar da construção da narrativa
valendo-se dos diversos elementos constituintes da encenação como exposto anteriormente.
Tendo acompanhado todo o processo de criação junto ao Núcleo Cena e Contágio
presencialmente, e mantendo contato diariamente com o Phila7 via ferramenta Arthron,
Skype, email ou telefonia móvel, foi possível mantermos um diálogo constante para
estabelecimento da estética proposta como também para partilharmos dúvidas e
questionamentos que surgiam quase que diariamente, buscando soluções cênicas e/ou
soluções técnicas para os mesmos.
A partir do experimento vivenciado tornou-se possível apontarmos alguns desafios,
dúvidas e dificuldades inerentes ao nosso processo. Percebidos no decorrer da
operacionalização da proposta estética em discussão, são pontos para serem refletidos por
quem pretende trilhar por esse caminho permeado por incertezas:
Pensar as relações que se estabelecem entre cena e tecnologia;
Pensar na encenação como uma terceira via que engloba a realidade + a realidade
virtual;
Pensar no jogo e na simulação / dissimulação com a mediação;
Pensar no espectador que é convidado a integrar o experimento. Como conduzi-
lo? Como torná-lo parte desse processo?;
Ao trabalhar com presença mediada ter definido se o que se pretende é forjar essa
presença, ou discutir possibilidades de presenças possíveis;
Levar em conta o imprevisto e performático da tecnologia, ou tentar minimizá-lo e
adequar-se?
84
Durante a temporada acompanhamos a encenação em João Pessoa, no período de 14 a
26 de Agosto. Na última semana da temporada, de 27 de Agosto a 02 de Setembro, foi-nos
possível permanecer no Rio de Janeiro, onde acompanhamos diariamente as apresentações,
para verificar como se dava a encenação assistida por um outro viés. Acompanhamos
também, por uma vez, a encenação transmitida em tempo real pelo site <profana.art.br>.
A plataforma de transmissão ainda estava passando por adequações. Era perceptível as
adversidades advindas da tecnologia, precisando contar-se com a ―sorte‖, pois, as quedas na
internet eram constantes, dificultando a fruição, assim como o áudio, que não chegava a
contento, nos fazendo retomar a temática do risco, discutida por Giddens (1991), como
também a ideia de se trabalhar o imprevisto da tecnologia.
A oportunidade de assistirmos a encenação tanto no Rio de Janeiro como em João
Pessoa foi de extrema importância para traçarmos um paralelo tanto estrutural como estético,
já que as condições e espaços das encenações eram distintos, assim como os recursos e as
equipes, precisando cada grupo solucionar suas demandas e contratempos em tempo hábil e
da melhor maneira possível, pois, apesar de priorizarmos o processo experimental e construir
nosso produto estético dentro de uma mesma temática, admitindo e prevendo o erro como
impulsionador do processo, precisávamos na data definida estrearmos com o produto final.
Mesmo se tratando da mesma proposta cênica e trabalhando com o mesmo tema, os
processos criativos foram tomando seus rumos. Descrevemos e abordamos mais
detalhadamente as superfícies linguísticas, performáticas, profanatórias e de interconexão no
desenvolvimento do experimento que se constituíram no Rio de Janeiro e em João Pessoa nos
subitens abaixo.
3.2.1 GAG Phila7
Inicia-se com dois atores sentados em cadeiras de praia, isolados por uma fita zebrada
em uma praça movimentada na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se do Largo do Machado,
local que possui um grande fluxo de transeuntes, que ora passam indiferentes, ora se mostram
intrigados com a intervenção; e outros tantos que param para verificar o que está acontecendo,
juntando-se aos espectadores que já se encontram posicionados. No entorno, não muito
próximo encontram-se ―pessoas‖ e faixas esticadas no chão. Os atores estão descontraídos,
conversam e bebem, até que se inicia um diálogo. As pessoas normalmente se aproximam
para escutar e tentar entender o que é dito.
85
Em um dado momento ocorre uma interação com a plateia, um espectador é convidado
a auxiliar na cena e acaba virando um cone, dando sustentação a faixa zebrada que os isola,
pois, um dos cones foi retirado para ser usado como megafone, amplificando o discurso de
uma das personagens que, apesar de aparentemente acalorado, mantém a personagem na
inação e na impotência frente às perplexidades do mundo hoje, retratando características
recorrentes na dramaturgia de seu autor, Samuel Beckett, do qual o texto inicial é composto
por fragmentos.
Após discursarem, inicia-se uma ―manifestação‖. Performers seguram faixas e cartazes
diversos com frases, a exemplo de:
―Tenho muito o que fazer. Preparo o meu próximo erro‖. (Bertolt Brecht)
―Evite acidentes, faça tudo de propósito‖. (Carlito Maia)
"Tente outra vez. Erre outra vez. Erre melhor". (Beckett)
―O ‗Eu‘ é um produto globalizado que luta de maneira insana para atingir o maior
valor de mercado‖. (Tema da palestra proferida pelo Prof. Dr. Plus Vallya em
Wall Street)
"Eu aguardo. Mas não espero nada". (Lacan)
―Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo‖.
(Foucault)
Ocorre um grande burburinho com falatório, gritos, palavras de ordem, megafones,
apitos...
Imagem 16 – Profanações GAG Phila7 Imagem 17 – Profanações GAG Phila7
Foto Pedro Muniz Foto Larissa Hobi
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O cortejo segue em direção ao prédio da Oi Futuro Flamengo, onde se desenrola as
demais cenas, ou superfícies do evento, como proposto. É previsto uma ocupação do prédio
da Oi Futuro e de seus diversos pavimentos, propondo um diálogo com as exposições que
estão em cartaz durante o mês de agosto nas salas do prédio.
Ao chegarem próximo à entrada, ainda na área externa, ocorre a ocupação do térreo do
prédio. Trata-se de uma projeção da cena do discurso de Domenico no filme Nostalghia
(1983) de Andrei Tarkovsky, em que a personagem fala eloquentemente sobre angustias,
medos, incertezas e possíveis soluções para o contexto de época ao qual vivem, vendo de
forma pessimista os avanços da ciência e da tecnologia.
A cena projetada está no idioma original, a saber: italiano. O ator 1 – representado por
Marcos Azevedo – faz a tradução simultânea com o auxílio do discurso impresso em papel
que encontra-se em suas mãos. Disputando a atenção dos espectadores encontram-se os
performers que se vestem e fazem movimentos lentos e por vezes repetitivos, posteriormente
mantendo-se estáticos, assim como os transeuntes que presenciam o discurso de Domenico no
filme.
O ator 1 segue com sua tradução simultânea, enquanto o segundo ator encontra-se
sentado, com um som a pilhas nas mãos. Na cena em que o personagem Domenico solicita
música, o ator 1 solicita música também, sendo atendido prontamente pelo ator 2 –
representado por Beto Matos. Cria-se um ambiente fantasmagórico, ressuscitando
personagens de outrora, porém, a proposta não tenta recriar um tempo que já se foi, mas sim,
promover um diálogo em torno de questões que ciclicamente emergem, sendo possível
identificá-las em épocas distintas.
Como o personagem no filme, o ator 1 joga papéis ao vento, mas em vez de atear fogo
ao corpo como seu duplo o faz no filme, sobe em um tablado, toma um ramalhete nas mãos,
põe uma mascara preta em seu rosto e posiciona-se reproduzindo a imagem tão conhecida de
Banksy, grafiteiro que trabalha com intervenções urbanas, partindo por vezes de clássicos
para fazer releituras impregnadas de criticidade acerca de questões sociais. Permanece parado
por alguns instantes, desfaz a imagem e segue por entre a plateia. Adentra no prédio.
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Passam pela recepção, a essa altura alguns performers já se direcionaram para dentro
do prédio, o ator 2 segue convidando a plateia a acompanhá-lo. No espaço definido no
processo como a superfície_ rumo a uma inteligência coletiva, o ator 2 senta-se em uma
grande mesa, destinada originalmente a leituras e aborda questões da neurociência e da física.
A sua frente está projetada a janela do Google.
A plateia se dispõe pelo espaço de forma aleatória, o que pode vir a fazer com que a
cena se desenrole com os atores e/ou performers posicionados em outros locais, havendo uma
flexibilidade na cena. O que chegamos a presenciar durante a semana que acompanhamos,
assistindo todos os dias. Porém, foi possível verificar que a marcação do ator 2 na mesa era
fixa.
A ocupação foi feita de tal forma que por vezes nos questionamos se determinados
elementos estavam ali por terem sido concebidos pelo Phila7 ou se faziam parte das
exposições, o que buscamos certificar, comprovando por vezes se tratar de um diálogo com as
exposições em cartaz. Avaliamos positivamente as ocupações, percebendo que utilizaram os
espaços de forma concisa, agregando e se valendo dos materiais ali presentes, os tornando
parte do processo.
Imagem 19 – Profanações GAG Phila7
Foto Larissa Hobi
Imagem 18 – Grafite Flower Chucker
Banksy
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Atores e performers seguem ocupando todos os sete andares, diversos espaços e salas
do prédio. Nessa ocupação pudemos observar que ao longo da semana, os integrantes da
plateia comportam-se de formas variadas, normalmente tendendo a ficar ou buscar um
posicionamento frontal, até irem percebendo que a proposta não se limita a isso, expandindo
as possibilidades de recepção e posicionamento. Pudemos observar, que em determinadas
plateias, existiram casos de pessoas que participaram efetivamente das superfícies propostas,
dialogando, interagindo, buscando possibilidades de ver por diferentes ângulos os atores e
performers.
No momento, veio-nos à mente ocasiões que presenciamos e achamos oportuno citar,
a exemplo de um espectador que deitou-se nas escadas e permitiu-se fruir por um outro
ângulo; como também, espectadores que participaram ativamente da manifestação inicial,
segurando faixas, apitando e criando gritos de ordem. Aceitando o convite proposto pelo
experimento e se tornando parte constituinte de sua construção.
Ainda na superfície nomeada rumo a uma inteligência coletiva, é feita uma ocupação
em uma sala ―vazia‖, escura e com projeções de mãos que colam ininterruptamente adesivos
formando X. Repetem continuamente uma pequena variação de frases curtas, tendo também
ao chão vários X adesivados. A plateia se dispõe pelo espaço, os atores conversam sobre
questões existenciais, ocorre também um trânsito de performers. A cena inicia-se,
independentemente da plateia se dispor no espaço.
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
Imagem 20 – Profanações GAG Phila7
Imagem 21 – Profanações GAG Phila7
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Foi possível perceber durante a semana em que acompanhamos as apresentações que,
por tratar-se de uma proposta itinerante, imprime um ritmo próprio e individual a cada
espectador. O tempo de chegada e deslocamento dos espectadores foi bem diversificado, com
as plateias prontamente seguindo ou não os atores. Já outras, distraiam-se com a super
abundância de focos possíveis de atenção empregando sua audiência aos performers e/ou às
exposições ali instaladas.
O trânsito de performers, técnicos, plateia e pessoas envolvidas direta ou
indiretamente na encenação é frenético. A atenção dos espectadores é disputada
constantemente pela superabundância de signos, de ruídos, de imagens, luzes, enfim, um
caleidoscópio de sensações. Podemos associá-la à dinâmica contemporânea da efemeridade e
superficialidade de eventos. Apesar dessa superabundância, o experimento tem como suporte
um texto denso de cunho reflexivo e filosófico conduzindo-o.
Segue-se para o próximo pavimento, onde ocorre a superfície_ seres cardio-
digineurais. A ocupação se dá em uma sala que aloja uma exposição de fotografias. Os atores
promovem um jogo do ―onde estou?‖, por momentos saindo da vista da plateia, trabalhando
questões relacionadas à presença. Um jogo da presença a partir do visível/invisível.
Seguem para o próximo pavimento, superfície_ as redes, o cordão umbilical da
humanidade. Apesar das cenas serem itinerantes e sequencialmente nos pavimentos, não se
tornam previsíveis por ocuparem espaços distintos e dialogarem com exposições também
distintas, gerando uma variedade de possibilidades a partir do que já estava posto. Seguem
para o pavimento que antecede a entrada ao teatro. Observa-se ao olhar para cima que, as
imagens projetadas na parte superior a entrada do teatro e que chegam em tempo real são da
Imagem 22 – Profanações GAG Phila7 Imagem 23 – Profanações GAG Phila7
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
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superfície desenvolvida na Paraíba. Os atores dialogam e convidam a plateia a entrar. Ao
entrarem, ocorre a cena de interação entre os atores do Phila7 e Cena e Contágio.
3.2.2 Cena e Contágio
A plateia ao chegar depara-se com uma fita zebrada que delimita um espaço, o qual
possuía uma fogueira acesa, uma instalação em uma árvore com arames e restos de concreto
armado – em que foi trabalhada a metáfora de que tudo que é sólido se desmancha no ar.16 Em
meio a essa estrutura de concreto e arame, já gasta, em decomposição, encontrava-se uma
televisão onde era possível ver fragmentos de filmes, desenhos, propagandas, enfim, uma
bricolagem de imagens ícones de várias gerações.
A plateia aguardava o ―início‖ da encenação, e repentinamente, caminhando a passos
lentos surgia uma persona toda de preto, com o rosto coberto. Possuía um espelho fixado na
altura de seu estômago. A ideia do estômago nos remete a metáforas diversas. Sendo o
estômago responsável pela digestão e absorção, não estaria nas entrelinhas nos sugerindo que
o uso e assimilação das tecnologias digitais no teatro se encontram em processo digestivo? Ou
ainda, o apetite por inovações no teatro? Seria um convite a degustar e posteriormente digerir
o experimento ali proposto? Uma alegoria? Enfim, as leituras são as mais diversificadas,
ficando a cargo do espectador valer-se de suas referencias e a partir daí iniciar um jogo de
diálogo com a obra.
Efetuou um lento transitar por entre a plateia, ora se posicionando frente a frente com
alguns espectadores e permanecendo imóvel por algum tempo. As reações eram as mais
16
Ver Berman (2007) e Bauman (1998; 2001).
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
Imagem 24 – Profanações GAG Phila7 Imagem 25 – Profanações GAG Phila7
91
variadas. Após esse transitar, retirou-se assim como chegou, sem fazer alarde. Seguiu sua
lenta caminhada a céu aberto, rumo ao infinito sombrio, delimitado por árvores, concreto e
arames.
Surgiu então uma espécie de narrador, que após proferir seu texto, convidou a todos
para adentrar no local delimitado pela fita zebrada dizendo: ―estamos todos nisso, e cada vez
mais vamos estar nisso17
‖. A plateia nessa ocasião portava-se diversificadamente, uns
atendiam ao chamado prontamente, outros hesitavam; todos porém, acabavam cedendo e se
acomodando no espaço, quase sempre de forma frontal, o que nos faz levantar
questionamentos acerca dessa conduta. Trataria-se de um condicionamento, ou a encenação
não criou mecanismos que explicitassem ou sugerissem outras ocupações e posicionamentos
perante a cena?
Surgem então atores trabalhando seus enunciados de formas variadas, utilizando por
vezes recursos mais comuns a uma estética do filme ou do vídeo, a exemplo: repetição, tanto
do texto como de uma sequência de movimentos; simultaneidade; fragmentação do gesto;
aceleração e desaceleração; elipse narrativa. A cena se dá em torno de uma fogueira, a qual
ilumina o espaço com suas chamas. A concepção da iluminação nessa cena resume-se a essa
17
Fragmento do texto Estado de Sítio de Albert Camus.
Imagem 26 – Profanações Cena e Contágio
Imagem 27 – Profanações Cena e Contágio
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
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recurso. Os textos são densos e tratam de angústias, incertezas e questionamentos acerca do
humano e do futuro do humano.
Diante da eloquência dos atores surge uma personagem com um cajado na mão,
tornando-se o foco de atenção e conduzindo a plateia para um espaço adiante. Atua como
porta voz do grupo e retoma a temática das angústias, medos, incertezas e possíveis soluções
para o contexto de época ao qual vivem. Vê de forma pessimista os avanços da ciência e da
tecnologia como apontado anteriormente.
Fala de forma acalorada e os demais permanecem estáticos, deslocando-se, vez por
outra vagarosamente para visualizá-lo melhor. Tal personagem foi descrito no processo como
―Domedipoenico‖ por trazer em seu discurso fragmentos de Édipo Rei, de Sófocles,
mesclados ao discurso da personagem Domenico do filme Nostalghia (1983) de Andrei
Tarkovsky, texto que também integrou a superfície apresentada no Rio de Janeiro, porém de
outra forma, como descrito anteriormente.
Não seria algo antagônico, mas algo que num crescente mescla teatro ritualístico a
teatro contemporâneo, se utilizando de tecnologias digitais, não as hierarquizando, mas
demonstrando que são recursos que estão postos, podendo ser usados associadamente ou
simultaneamente a outros recursos cênicos, efetivando dessa forma um diálogo e auxiliando
no processo criador. Ao mesclar recursos de épocas distintas propõe-se uma discussão acerca
do uso e dos avanços da tecnologia, não as vendo apenas de forma otimista e tampouco
pessimista, mas tentando perceber e problematizar questões éticas, estéticas e políticas que
estão em torno de seus usos.
Ao fim de seu discurso, reaparece o narrador, e por um sinal já codificado pela plateia
– o tilintar de um sino –, a conduz para um espaço que ladeia uma sala e que dá acesso a uma
Imagem 29 – Profanações Cena e Contágio Imagem 28 – Profanações Cena e Contágio
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
93
cerca de arame farpado que circunda uma reserva de mata atlântica. A plateia se mescla aos
atores, esses, trabalham a enunciação ora intercaladamente, ora em coro.
Os fragmentos de textos são do escritor e dramaturgo alemão Heiner Müller (1993), que
se caracteriza pela produção de textos para o teatro, não se restringindo ao universo da
dramaturgia. Fernando Peixoto (MÜLLER, 1993, p. 09) na apresentação do livro
Medeamaterial e outros textos define sua obra como possuidora de ―[...] extraordinária
riqueza temática estruturada mediante uma postura revolucionária em todos os seus aspectos.
São narrativas que, muitas vezes, se apoiam, inesperadamente e deliberadamente, na noção de
desestrutura [...]‖.
Com narrativas que por sua linguagem fragmentada, descontinuada, interrompidas,
incompletas, muitas vezes associadas às temáticas do pós-guerra, evidenciam questões muito
próximas ao contexto de época ao qual estamos vivendo, como o medo, a incerteza, a solidão,
a paciência ou sua falta e as angústias do homem contemporâneo.
A partir dos fragmentos que compõem a dramaturgia podemos fazer analogia à
metáfora da fina casca de gelo da qual Bauman (1998; 2001) se apropriou18 para ilustrar na
pós-modernidade a ―correria‖ à qual nos submetemos sem saber bem por que. Segundo o
autor, sabemos apenas que é necessário corrermos pois, caso paremos, a casca de gelo se
rompe e nós morreremos afogados. Para o autor, esse período retrata o despertar da
consciência pós-moderna a partir da tomada de consciência do fracasso em relação à
modernidade. Argumenta que a modernidade fracassou nas utopias que nos prometeu – da
construção de um mundo simétrico, organizado e racional –, evidenciando que esse foi um
longo processo. Definindo a pós-modernidade como um despertar maldito de um sonho
colorido, o autor a apresenta, porém, como um momento de esperança que irá suplantar os
problemas da modernidade.
Num rompante surge uma personagem que corre entre a mata como um fugitivo de
guerra. A locação de fato nos remete a um campo de concentração, com arames farpados que
o delimita; ouve-se um estrondo, um estampido e, o homem cai ao chão. Levanta-se
lentamente e profere um texto. Os demais personagens, exceto o narrador, juntam-se a ele e
correm em sentido contrário mata adentro. A plateia permanece e é conduzida pelo narrador
até uma sala. Trata-se de uma sala de aula localizada no campus I da UFPB, situada no Centro
de Informática – CCEN ao lado do LAVID.
18
Desenvolvida originalmente pelo filósofo Ralph Waldo Emerson.
94
Durante a temporada a universidade encontrava-se em greve, e a exigência, devido a
questões técnicas de apresentarmos nosso experimento nessa localização acabou prejudicando
nossa audiência, já que as atividades cotidianas da instituição encontravam-se suspensas,
reduzindo assim a movimentação de possíveis espectadores. Pode-se apontar também como
complicador, o difícil acesso ao local do experimento.
Ao se entrar na sala, estão visivelmente dispostas algumas cadeiras em forma de U,
assim como cartazes com frases como as referenciadas anteriormente. Frases que refletem a
proposta cênica, o processo, as inquietações dos integrantes, bem como, questões postas para
reflexão dos espectadores. Ainda nessa sala, vê-se uma mesa caoticamente coberta por objetos
e todo um aparato tecnológico que não faz a mínima questão de se esconder; ao contrário,
muitas vezes evidenciados com faixa zebrada alertando ao público a sua existência, evitando
assim acidentes. A plateia acomoda-se enquanto os atores chegam.
Diante da plateia os atores, que agora se encontram vestidos apenas com bases pretas,
vestem seus figurinos que estão dispostos em uma arara no canto da sala. Tratam-se de roupas
cotidianas como jeans, camiseta, casaco, etc. A partir da entrada na sala é possível observar
uma mudança brusca em relação aos figurinos e a concepção estética. Na fase que antecede
tal entrada, os figurinos são elaborados com lixo, resto, sobra de aparatos tecnológicos que já
se tornaram obsoletos, construindo uma narrativa da aceleração tecnológica, tendo a
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
Imagem 30 – Profanações Cena e Contágio Imagem 31 – Profanações Cena e Contágio
95
encenação um ar ritualístico; já as cenas que se desenrolam na sala, são mediadas
tecnologicamente.
O diálogo permanente entre o analógico e tecnológico na mesma encenação reafirma
que o teatro pode se valer de recursos, dispositivos e suportes variados em suas proposições
estéticas, abrindo novas frentes e possibilidades, enriquecendo o fazer teatral e suscitando
reflexões e experimentações.
Blackout. Chega até a sala uma voz amplificada, a qual podemos identificar como
sendo a de uma atriz que se encontra deslocada do espaço cênico visível. Sua imagem é
captada em tempo real e projetada nas paredes da sala, assim como sua voz, também captada
em tempo real com auxílio de microfone e direcionada para a sala com uso de caixa
amplificadora portátil. Pavis (2010, p. 179) aponta que o uso de microfones confere ao ator
outra tonalidade emocional na medida em que ―não apenas aumentam o volume de sua voz,
mas que também lhe retrabalham, reverberando ou distorcendo, a voz, mixando-a no conjunto
da paisagem sonora‖.
A referida personagem, definida no processo como ―oráculo‖ faz previsões, profere
textos instrutivos, interage com os demais atores e, após sua reaparição repentina some da
mesma forma, assim como no início da encenação, porém, dessa vez com o rosto à mostra.
Acendem-se as luzes e inicia-se a cena que antecede a interação (via web) com o Phila7, na
qual a personagem ―Domedipoenico‖ morre de forma simbólica e poética.
Imagem 32 – Profanações Cena e Contágio Imagem 33 – Profanações Cena e Contágio
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
96
Nesse momento já havia um feedback via bate-papo, que é um sistema que possibilita
a comunicação entre os controladores do Articulador, Codificador e Decodificador previsto na
Arthron e/ou telefonia móvel do ponto em que se encontravam os atores do Rio de Janeiro,
sendo por vezes necessário aos atores de João Pessoa improvisarem cenas de interação com a
plateia até o momento exato em que atores do Rio de Janeiro e João Pessoa contracenassem.
Abre-se a conexão. Os atores dirigem-se à mesa citada anteriormente. Projetado na
parede ao fundo uma mesa que se encontra deslocada espacialmente e é complementada com
a imagem captada da mesa que compõe a cenografia. As projeções unem-se e formam a partir
de um jogo de câmera, uma única mesa.
3.2.3 Jogo de presenças: interação Phila7 (Rio de Janeiro/RJ) / Cena e Contágio
(João Pessoa/PB)
Dispostos na mesa, encontram-se os atores das superfícies do Rio de Janeiro e de João
Pessoa. O diálogo é estabelecido. Cria-se uma terceira via que mescla realidade com realidade
virtual, estabelecendo o compartilhamento do espaço cênico ao espectador. Tal recurso vale-
se da ferramenta Arthron e de uma rede de alta velocidade exclusiva para sua execução.
Utilizada para transmissão dos pacotes por meio de streaming de áudio e vídeo, minimiza
dessa forma falhas na transmissão do audiovisual e constitui um diálogo em tempo real entre
os espaços cênicos distantes geograficamente.
Na proposta ora apresentada, a mídia abandona uma função ilustrativa, propondo
novos olhares. O vídeo live não se apresentava indispensável, porém, o seu uso se apresenta
como forma de discutir desdobramentos e possíveis usos das tecnologias digitais na cena
contemporânea, tematizando um dos elementos centrais de discussão na encenação – a
presença do ator.
Durante o processo foram experimentadas possibilidades cênicas com mediação, em
se trabalhando estados de presenças do ator e ―brincando‖ com os equipamentos disponíveis.
Assim, foi se descobrindo possibilidades de dialogar com o performático e o imprevisto das
tecnologias. A busca se deu na perspectiva de solucionar cenicamente esses jogos de
presenças possíveis entre atores deslocados geograficamente, possibilitados a partir da
interface cena/tecnologia, visando uma potência no ver e no dizer em relação a esses atores.
Como representar essa interação dando-lhe a potência necessária para que seja
percebida como em tempo real? Quais recursos buscar para que o pacto entre encenação/vídeo
live e espectadores se estabeleça? Perguntas que não possuem uma única resposta e que se
97
apresentam como impulsionadoras de outros processos. Questões que podem aparecer de
formas variadas de acordo com as proposições estéticas e políticas abordadas por quem as
discute, inseridas em um terreno permeado por incertezas e possibilidades infindas.
Durante nosso processo, a partir das interações entre os grupos envolvidos, surgiu a
ideia de solucionar cenicamente a cena mediada tecnologicamente promovendo um banquete.
Ora, os banquetes eram por excelência lugares de encontro. Na Grécia antiga eram destinados
a discussões filosóficas e se apresentavam como instrumento de formação dos indivíduos e
das relações afetivas, se caracterizando também como lugar de divertimento, solidariedade e
fortalecimento de relações de amizade; regado a vinho, música e dança, transitando do
sagrado ao profano.
Outra temática possível de se abordar junto ao banquete é a do processo civilizador,
como ele nos condiciona e nos regra. Como nos portamos ao ingerir algo, mesmo que de
forma simbólica? Em nosso banquete optamos por ―servir‖ aos olhos e a imaginação
taxonomias e enumerações (im)possíveis de objetos que representam o mundo valendo-se de
uma liberdade poética em referência as obras do artista brasileiro Arthur bispo do Rosário e a
ópera 100 Objetos para Representar o Mundo do britânico Peter Greenaway.
A ―degustação‖ inicia-se com um diálogo entre os atores do Cena e Contágio
localizados em João Pessoa/PB e os atores do Phila7 localizados no Rio de Janeiro/RJ, ou
seja, dos atores que se encontram em presença física com os atores que chegam em fluxos de
imagens, processo que possibilita o tráfego dos atores de um lugar ao outro criando um não
território.
Imagem 35 – Profanações Cena e Contágio
Foto Larissa Hobi Foto Maíra Spanghero
Imagem 34 – Profanações GAG Phila7
98
Por meio de uma ―Catalogação dos objetos do mundo‖, fez-se uma alegoria visando
representar a sintaxe do mundo, que se apresenta de forma fragmentada em alusão ao contexto
de época no qual estamos inseridos. A partir dos objetos selecionados e expostos nas mesas,
busca-se por meio da subjetividade aliada ao jogo de cena, transfigurar em metáforas
renovadas do mundo os objetos. Dessa forma, os atores criavam sucessivamente, a partir de
improvisações, ―legendas‖ para os objetos selecionados, a exemplo de: gaiola – condomínio
privê do homem contemporâneo; sutiã – uma revolução; penico – chapéu dos pseudo-
intelectuais.
Essa dinâmica abria margem para que a presença no tráfego digital fosse percebida e
sentida como presença, porém, observamos que nem sempre ocorria essa efetivação da
potência. É preciso ter em mente, e isso se apresenta como um desafio para o ator, que nesse
tipo de proposta ele precisa trabalhar enquanto elemento de encenação no espaço cênico
visível, como também no fragmento mediado, tendo consciência de que apesar de não estar
exclusivamente a serviço da câmera, trabalha em espaços conectados e precisa se adequar a
algumas especificidades exigidas pela estética adotada.
Após a catalogação, inicia-se um diálogo a respeito de questões filosóficas, éticas,
estéticas e políticas. A cena composta por um grande banquete fica aberta para os
espectadores, que nem sempre percebem essa possibilidade ou se sentem à vontade para
participar. Os objetos são comidos simbolicamente após sua catalogação, sendo
posteriormente degustados/digeridos e utilizados para construir imagens. Construídas no
decorrer da cena, essas imagens por vezes buscam recuperar o que foi dado como lixo, como
obsoleto, por meio de sua reutilização na construção de uma narrativa visual.
As presenças mediadas tecnologicamente, que é um dos pontos centrais na proposta,
não é forjada, ficando evidente a partir de elementos que constituem a cena como a
iluminação e a cenografia, que não são idênticas, buscando admitir essas presenças que
coexistem na atualidade ao invés de tentar falseá-las. Essa possibilidade de presença mediada
tecnologicamente, trabalhada no experimento, ora se efetiva ora não.
Aos atores que ousam trabalhar com essa metamorfose corporal, em que a presença
física transpõe o espaço imediato, chegando em tempo real a outros espaços, cabe criar
técnicas e mecanismos para comandar esse corpo que está presente e em fluxos, gerando uma
ampliação do diálogo e buscando uma outra concepção de corpo. ―A esse estágio do saber e
da tecnologia corresponde um desejo de corpo renovado, fantasiado de modo diverso, fonte de
gestos e de emoções rejuvenescidos, não é impossível que um outro corpo nasça da espuma
dos números‖. (COUCHOT; TRAMUS apud PAVIS, 2003, p. 42)
99
Durante um bom tempo é projetada a imagem da mesa, os atores na maioria do tempo
pareciam atuar sem estar conscientes da câmera, ficando a cargo da mesma captar seu objeto,
criando uma ambiência naturalista ou documentária. Porém, apesar de aparentemente ignorar
a captação, os atores estão conscientes da existência das câmeras e esforçam-se para cumprir
suas exigências técnicas.
Em um dado momento, essa câmera se torna fluida, se desmancha a imagem inicial da
mesa e o cameraman capta algumas imagens sem pretensão a exaustividade, o que podemos
descrever valendo-nos de Pavis (2010) como ocorrendo ―uma intrusão planejada na
intimidade cênica, ali onde normalmente se pode olhar, mas nunca de tão perto‖ (PAVIS,
2010, p. 197). Abre-se espaço para a poética da câmera, que aos olhos da plateia ―brinca‖
captando imagens diversificadas, utilizando conceitos estéticos de mídias diferentes, a
exemplo do vídeo e do cinema em um novo contexto.
Em João Pessoa, após a interação os atores saem da sala. As imagens advindas do
espaço cênico expandido permanecem sendo projetadas, os atores aguardam na parte externa
até a plateia perceber que a encenação chegou ao fim. Na medida em que saem, eles são
aplaudidos. No Rio de Janeiro, o final assemelha-se ao de João Pessoa, porém, os atores não
aguardam a plateia sair da sala e, por vezes, permanecem no ambiente vários dos performers.
Outras superfícies foram desenvolvidas conjuntamente com os processos descritos.
Tão importantes e necessárias para o desenvolvimento, concepção e realização do projeto
proposto. Descreveremos de forma sucinta, por não serem o fulcro das discussões propostas
nesta dissertação.
Imagem 37 – Profanações GAG Phila7 Imagem 36 – Profanações Cena e Contágio
Foto Larissa Hobi Foto Larissa Hobi
100
3.2.4 Lavid
Criado em 2003, o LAVID está vinculado ao Departamento de Informática (DI) da
UFPB. Sua criação se deu visando o desenvolvimento de projetos de pesquisa em hardware e
software voltados às áreas de Vídeo Digital, Redes de Computadores, TV Digital e Interativa
e Middleware.
Tido como referência nacional e internacional em desenvolvimento de tecnologia para
TV Digital, o laboratório conta com a colaboração de mais de 40 jovens pesquisadores, dentre
eles doutores, mestres e graduandos. As pesquisas desenvolvidas são realizadas em parceria
com outras universidades, institutos de pesquisa e empresas da iniciativa privada. O
laboratório conta também com financiamento de instituições parceiras para a área de
desenvolvimento, a exemplo da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP) e CNPq.
A equipe composta por pesquisadores do LAVID teve como coordenador geral do
projeto Tecnológico Erick Augusto Gomes de Melo, ficando a cargo da equipe por ele
coordenada a assistência e execução do projeto tecnológico. Junto ao Núcleo Cena e
Contágio, fez o acompanhamento diário durante os ensaios e temporada, prestando ainda
consultoria junto à equipe do Rio de Janeiro.
Na fase inicial do processo, dois peritos na ferramenta Arthron deslocaram-se para a
cidade do Rio de Janeiro para dar suporte, instalar e apresentar a ferramenta, capacitando
dessa forma o técnico responsável por sua utilização junto ao Phila7. Para quem já possui
conhecimentos prévios exigidos para utilização da ferramenta, a capacitação irá lhe tornar
apto para inicializar a ferramenta, assim como controlar os fluxos distribuídos por meio de
suas funcionalidades, sendo a mesma de fácil manipulação. Após capacitação in loco, a
consultório deu-se por meio de mediações tecnológicas.
Em seu manual, a ferramenta encontra-se assim descrita:
A Arthron é uma ferramenta para facilitar a execução de performances
artísticas que utilizam representações midiáticas e o compartilhamento de
espaços reais e virtuais em tempo-real. Para tanto, apresentam-se
experiências no âmbito de pesquisa e desenvolvimento em Arte e
Tecnologia, bem como a experiência dos autores na realização dos
espetáculos Versus, InToque e e-Pormundos Afeto. A Arthron tem por
principal funcionalidade oferecer ao usuário uma interface simples para
manipulação de diferentes fontes/fluxos de mídia simultâneos. Dessa forma,
o usuário pode, remotamente, adicionar, remover, configurar o formato de
apresentação e programar a exibição no tempo (quando apresentar?) e no
101
espaço (onde apresentar?) dos fluxos de mídia de um espetáculo.
(TAVARES et. al., 2009, p. 03).
Desenvolvida para performances artísticas mediadas, a Arthron teve suas primeiras
experiências junto a espetáculos do grupo coordenado pela professora Dra. Ivani santa, o qual,
em parceria com o LAVID e por meio de apoio da RNP desenvolveram a ferramenta Arthron.
Termos junto ao projeto a equipe do LAVID foi de extrema importância, já que são
peritos, e deram o suporte necessário para que a proposição estética que se valia de
transmissão de audiovisual em tempo real em alta resolução se desse da melhor maneira
possível.
3.2.4 MidiaLab
Criado em 1986, o Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional (MídiaLab), é um
espaço destinado a arte e pesquisa. Em seus 27 anos de existência, já passou por mudanças na
nomenclatura. Intitulado inicialmente de Laboratório de Imagem e Som (1986), passou
posteriormente a se chamar Laboratório de Pesquisa em Arte e realidade Virtual (2000),
sendo atualmente intitulado de Laboratório de Pesquisa em Arte Computacional em função da
abrangência das pesquisas realizadas.
Coordenado pela professora Dr. Suzete Venturelli, o laboratório conta com a
participação de bolsistas de Iniciação Científica, estagiários e estudantes da graduação e pós-
graduação em Arte, vinculados a linha de pesquisa arte e tecnologia. Os trabalhos
desenvolvidos apresentam propostas diversificadas, a saber: criação de animação, vídeos, arte
computacional, dispositivos não convencionais de interação, ciberintervenções urbanas,
realidade aumentada urbana (RUA), entre outros; projetos esses, desenvolvidos em
colaboração com outras áreas de pesquisa, envolvendo questões sócio-políticas e políticas no
contexto da arte, ciência e tecnologia.
Junto ao projeto Profanações, o MidiaLab foi responsável pela concepção,
desenvolvimento e manutenção do site < http://profana.art.br/>. Além do site principal,
desenvolveu também uma página web para upload de imagens chamada Fluxo de Imanência.
Como informado no site do MidiaLab, a web podia ser alimentada por qualquer visitante
interessado, sem qualquer cadastro, concedendo anonimato e livre expressão, por se
apresentar como uma proposta colaborativa junto ao espetáculo, sugere que o conteúdo seja
atualizado durante a apresentação revelando múltiplos olhares. Entretanto, a possibilidade de
102
fazer o upload a qualquer hora, de qualquer imagem, rompe com a linearidade dos
acontecimentos e temáticas, fomentando associações que extrapolam o próprio experimento.
Dessa forma, o público pode interagir de duas formas: na primeira, on line,
colaborando com a construção do espetáculo com o envio de textos, sons e imagens durante
as transmissões ao vivo através de um programa construído especificamente para isto; na
segunda, por meio de TIC‘s off line, podendo interagir em momentos diferentes ao das
apresentações através de redes sociais e de um site criado para que participe enviando
arquivos e links que podem ser usados posteriormente nas apresentações. O Site serve ainda
como registro do processo de criação.
3.2.5 Dramaturgia e cena: gêneros e linguagens
O grupo de Pesquisa Dramaturgia e Cena: gêneros e linguagens surgiu em 1999 tendo
como uma de suas coordenadoras a professora Dra. Ana Maria de Bulhões-Carvalho,
responsável pela Coordenação e mediação do seminário ocorrido no dia 22 de agosto de 2012
nas instalações da Oi Futuro Flamengo. O seminário, que integrou o projeto Profanações,
visou discutir temas pertinentes a temática abordada no experimento, contando com as
participações da performer e professora Dra. Tânia Alice e do professor Dr. Charles Feitosa
no debate.
Imagem 38 – Interface gráfica
Imagem 39 – Interface gráfica
Site profana.art.br Site profana.art.br
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assumir as rupturas não equivale a suportá-las
inconscientemente ou indiferentemente, mas sim a
integrá-las numa concepção estética e numa totalidade
orgânica.
(Jean-Jacques Roubine)
Considerando a arte como ponto de convergência para se pensar as mutações em
âmbito social e cultural é possível perceber que tais avanços tecnológicos e as artes se
contaminam mutuamente, gerando um deslocamento na lógica da composição teatral.
Movimento esse, iniciado com as vanguardas artísticas e que vem se intensificando
gradativamente, abrindo possibilidades de construções e hibridizações das mais diversas
possíveis.
Por meio do entrecruzamento e das contaminações emergem propostas estéticas que
tecem relações entre mídias distintas que, através do diálogo desses entrelaçamentos,
proporcionam um tencionamento paradigmático. É nesse lugar limítrofe em que as mídias
confluem que, ocorre entre as artes/tecnologias uma apreensão mútua de recursos e formas de
estruturação.
As possibilidades abertas pelo duplo virtual (internet/web) gerou um outro tipo de
teatro, com outra base material e novas formas de organização e estruturação, atestando ―a
maneira pela qual as mídias (exteriores à obra cênica) se integram a materiais da
representação utilizando propriedades historicamente atestadas dessas mídias de origem e
tomando então, nesse novo contexto, uma dimensão bem diferente‖ (PAVIS, 2005, p. 43),
caracterizando os desdobramentos das novas formas de intermidialidade trazidas com os
avanços tecnológicos. Porém, tais mudanças levantam questões se tais produções seriam um
gênero teatral ou se configurariam como uma ―submídia‖ da mídia teatro.
Por se tratar de uma discussão relativamente recente e de composições intermidiáticas,
gera dúvidas e questionamentos acerca do que se produz. Uma variedade de termos tem sido
sugerida para designar tal fenômeno, como: ciberteatro, teatro digital, teatro tecnológico,
teatro high-tech, dentre outros. Junto com os rótulos, diversos debates tem emergido, uns
pautados na utilização das tecnologias de forma ilustrativa ou como suporte, outros,
apontando as transformações advindas por estas propostas, como também, possíveis usos de
tais tecnologias.
104
Dessa forma, esse tipo de estética, assim como outras as quais o teatro se vinculou
após a década de 1970 trazem consigo uma dificuldade de nomeação, leitura e análise,
suscitando vários conceitos e nomenclaturas para as designar:
[...] uma série de nomeações que, há pelo menos três décadas, tenta dar conta
da pluralidade fragmentaria da cena contemporânea, especialmente dessas
espécies estranhadas de teatro total que, ao contrário da gesamtkustwerk
wagneriana, rejeitam a totalização, e cujo traço mais evidente talvez seja a
frequência com que se situam em territórios bastardos, miscigenados de artes
plásticas, música, dança, cinema, vídeo, performance e novas mídias, além
da opção por processos criativos descentrados, avessos à ascendência do
drama para a constituição de sua teatralidade e seu sentido. (FERNANDES,
2010, p. 43).
Em relação à criação de termos para mencionar as diversificadas formas de teatro que
se apropria das tecnologias digitas – trazendo para o nosso recorte –, os teóricos e/ou pessoas
do teatro visam evitar com essas novas designações termos que se situam dentro da tradição,
pretendendo com isso expandir o fazer teatral. Situamos nessa perspectiva o diretor de
Profanações, ao criar novas nomenclaturas para designar modos renovados de fazeres já
consagrados. Cauquelin (2008, p.137) nos propõe que: ―entramos nas ideias pelas palavras.
Entramos em um espaço ‗outro‘ pela linguagem‖.
O teatro sempre se valeu de tecnologias cênicas referentes ao seu contexto de época,
porém, é a partir do surgimento da encenação e as possibilidades advindas com ela, admitindo
a regulagem dos diversos elementos pertencentes à cena que, o teatro passa a se estruturar
seguindo outra dinâmica de composição. Essa abertura permite ao teatro solicitar o uso das
mídias não apenas como técnica e forma, mas sim, abrangendo todo o sentido global da
encenação.
O uso das tecnologias no teatro, por muito tempo, limitadas a episódios irrealizáveis
pelos homens, a exemplo de voar, deslocar-se e desaparecer, eram utilizadas em
circunstâncias excepcionais, visando a não desvinculação das ações a explicações
verossímeis. Na atualidade, expande-se e admitem-se possibilidades infindas de seus usos que
irão se filiar a proposições estéticas. Ora, pode-se fazer uso das tecnologias para criar ou
evidenciar a ilusão, como também, optar por subverter a ilusão e escancarar de forma brutal a
teatralidade do teatro.
[...] As imagens de vídeo, de formato maior ou menor, segundo o suporte de
transmissão, ampliam para um contexto totalizante a ação que se desenrola
no palco. Mas, ligadas a uma lógica de fragmentação, de atomização, elas
têm, sobretudo, funções espetaculares, narcísicas, mnemônicas,
105
introspectivas, intimistas, lúdicas, elas dão a ver o ―não mostrável‖ na cena
ou perturbam a visão do espectador. Escavando a imagem cênica pelo modo
pelo qual elas aí se incrustam, como corpos estranhos, elas manipulam,
desconcentram, desestabilizam o público, pondo em abismo o real e o teatro,
introduzindo múltiplas possibilidades de variações sobre a distância e a
aproximação entre a cena e a plateia. (PICON-VALLIN, 2006, p. 100).
Na atualidade, vivemos sob o domínio da velocidade, da superficialidade. Vivemos
hoje on e off line o tempo todo, podendo recorrer ao uso da telefonia móvel 3G que nos
permite estar constantemente entre redes, para ilustrar tal fenômeno. Como se porta o teatro
diante das dificuldades com as quais ciclicamente é confrontado? Ao teatro cabe refletir-se,
criar estratégias que dialoguem com suas plateias habituadas as imagens em movimento, na
qual a percepção se pauta na simultaneidade. Enfatizamos que o surgimento de novas
possibilidades, a exemplo das advindas das tecnologias digitais, não anula formas e estéticas
já consagradas, surgem para somar, dialogar.
Não se trata de postular um ―novo teatro‖, colocado acima ou significando a superação
das formas tradicionais de expressão cênica. Trata-se, isso sim, de um debruçar-se sobre um
meio de manifestação que encontrou no espaço cênico um fértil terreno para sua evolução e
que, de maneira intensa e crescente, está a abrir novas frentes de discussão sobre o papel e o
alcance das formas dramáticas estabelecidas.
Devido à revolução tecnológica, iniciada no século XIX, vivenciamos hoje, de forma
concreta, real o encurtamento de distancias e a ideia de fronteiras atenuadas. Como também,
as discussões de temáticas tradicionais ao fazer teatral, buscando estabelecer novos
parâmetros para solucionar questões oriundas das dicotomias – presente/ausente; ao vivo/
midiático; material/irreal; humano/inumano – as quais o teatro por muito se inseriu.
A revolução potencial, que as tecnologias digitais trazem consigo, enriquecem as
teorias do espetáculo com um novo pólo de reflexão e de experimentação, abrindo novas
frentes e possibilidades estéticas, afinal, movimentos isolados surgem em espaços distintos
simultaneamente. Esse é o legado da convergência das mídias, do disponível e transitório, dos
suportes compatíveis e acessíveis a praticamente todas as pessoas.
A tomada de consciência pode ser lenta, as resistências tenazes. Porém, o teatro
precisará se redefinir, não apenas em uma perspectiva estética, mas em relação a sua própria
identidade e finalidade, ao ser colocado em confronto com as tecnologias digitais; como já lhe
foi solicitado em outras circunstâncias.
106
Podemos estimar que o confronto cotidiano com as mídias – do telefone à
televisão passando pelo cinema, o vídeo, a fotografia, o computador ou... a
escrita – influencia a nossa maneira de perceber e conceitualizar a realidade
e que nós percebemos também a realidade espetacular de modo diverso do
que há vinte, cinquenta ou cem anos. O impacto dessas mutações não é tanto
fisiológico quanto neurocultural: nossos hábitos de percepção mudaram,
ainda mais que nossa maneira de produzir e receber teatro evoluiu. (PAVIS,
2005, p. 41).
As propostas cênicas do GAG Phila7 se apresentam em consonância com encenações
produzidas nos últimos anos, sob uma perspectiva de tensões em relação aos modelos
tradicionais, chamando a atenção para os diversos modos que se apresentam e coexistem as
composições cênicas na atualidade. Isso reafirma que ao teatro cabe, a partir das mudanças da
constituição de seus públicos, renovar-se.
A presente proposta do GAG Phila7, ora analisada, se efetiva pelo modo
desestabilizador do trânsito entre presença física e presença imagética do ator, em que espaços
temporais heterogêneos são conectados por meio da mediação tecnológica. Como também, a
interação da plateia que se dá de forma a intervir na encenação em tempo real. Em suas
encenações o teatro imita, reflete e profana as tecnologias.
Em algumas cenas, a exemplo do banquete, tende ao caráter cinematográfico, se
valendo de recursos usuais nessa arte transpostos para o teatro, como também de truques de
câmera, que promove uma desmontagem da vivência do espaço e a ruptura da suposição de
realidade do contínuo espacial, fazendo com que as fronteiras que separam o teatro do cinema
se tornem fluidas por meio do tratamento diferenciado dos signos teatrais. Outra característica
é a interação. É previsto pelo Phila7 durante as apresentações que haja uma interação da
plateia por meio de aparatos tecnológicos de forma a intervir na encenação, todavia, não
presenciamos a efetivação de tal proposta.
Percebemos que, para tais proposições, é preciso definir a que se propõe a encenação
e como será concebida esteticamente. Como conduzir o processo dos atores para atingir o que
se propõe no campo das ideias. Como trabalhar a interação entre presença física e presença
imagética para que essa presença se efetive? Quais mecanismos criar para que seja sentida e
percebida como presença? Esses são alguns fatores-chave que permeiam tais proposições.
Precisamos criar estratégias que evidenciem o live das imagens que dialogam com os
atores presenciais, para não cair na armadilha de se criar um ambiente fantasmagórico, um
diálogo com ausentes, pensando ou propondo que uma imagem pré-gravada expõe ali
ausentes, diferenciando-se do live, que trabalha com outras presenças possíveis. Já o vídeo
107
pré-gravado, a fotografia, o filme, no ato de sua exposição trabalha com a vinculação de
ausentes.
Ao traçarmos um paralelo com a ideia de confiança proposta por Giddens (1991),
propusemos pensar o espectador enquanto passível de fé no evento, depositando confiança em
relação à interação entre atores em presença física que, dialogam com atores que se
presentificam por meio de mediação tecnológica em um fluxo de imagens e sons chegando
em tempo real, pois, ao crer e creditar fé que as imagens chegam em tempo real, o espectador
faria uma espécie de pacto com o evento que ocorre, creditando confiança ao sistema perito
empregado para que tal evento seja possível e plausível de acontecer.
Ao propomos uma análise por via da hermenêutica, levamos em conta que o uso das
tecnologias nos processos cênicos podem se apresentar de formas distintas, inclusive opostas,
fazendo-se necessário uma analise com base no referencial teórico que explore o sentido
proposto. Dessa forma, o conhecimento teatral espirala dentro e fora do universo do fenômeno
teatral, reconstituindo tanto este universo como a si mesmo como uma parte integral deste
processo. O discurso teatral e os conceitos, teorias e descobertas das outras áreas de
conhecimento continuamente ―circulam dentro e fora‖ daquilo de que tratam. Assim fazendo,
eles reestruturam reflexivamente seu objeto.
O espaço-tempo cotidiano é percebido de outra forma, não estando mais associado ao
lugar para regulá-lo. Nossa descrição pauta-se nesse espaço tempo fragmentado para tratar do
espaço cênico, que difere do espaço/tempo/ação da narrativa teatral, que pode representar e/ou
fazer referência ao espaço-tempo fragmentado que vivenciamos, como também, pautar-se, nas
unidades de tempo e espaço, propostas em estéticas e tratados diferentes.
É indiscutível pela incontestabilidade, a necessidade nesses tipos de propostas de se
trabalhar com equipes multidisciplinares. Por abordar questões de áreas distintas e que
envolvem sistemas peritos, faz-se necessário para o bom andamento e efetivação do que se
propõe no plano das ideias, o suporte de peritos em suas respectivas áreas.
É possível verificar que ocorre uma reconfiguração nos processos composicionais do
Phila7, como evidencia seu diretor em entrevista à Larissa Hobi. Corrobora também, para tal
diagnóstico, o processo ao qual vivenciamos junto ao Profanações.
As dificuldades enfrentadas diante das incertezas de como se operacionalizar o que já
se compreende e se busca tecnicamente e esteticamente apresenta-se como um desafio
constante. A busca por soluções que efetivem a potência desses atores que trafegam entre
redes e espaços; o trabalho do ator que solicita uma atenção redobrada, diante do desafio de
atuar para uma plateia presencial e, simultaneamente, contracenar com um ator deslocado
108
geograficamente. Diante dessas e outras dificuldades surge à necessidade de se criar novos
códigos durante os processos.
Nos fragmentos abaixo, Velloso (2011) relata algumas dificuldades, assim como
angústias e reivindicações, confirmando nossa hipótese de que ao se apropriar dos recursos,
suportes e dispositivos da era digital, ocorre um deslocamento na lógica da composição
teatral, assim como, um deslocamento das certezas de possibilidades da dupla
teatro/tecnologia. Esses novos modelos solicitam novos códigos em relação a antigas
categorias que, encontram-se saturadas, buscando soluções.
[...] Nós começamos a desenvolver uma dramaturgia – não tem dramaturgia
para isto, tivemos que desenvolver, precisávamos de novos códigos.
(VELLOSO, 2011, p. 82).
[...] Eles (os atores) tinham que trabalhar e entender essa presença (mediada
tecnologicamente) e isso foi uma luta, levou muito tempo para ser
compreendido como poderia ser feito. Precisamos desenvolver códigos
narrativos, imagéticos, cênicos e de atuação que dessem conta de estabelecer
uma linguagem comum para as três companhias. (VELLOSO, 2011, p. 83).
[…] tudo isso (o tráfego do ator entre presença física e presença imagética)
muda a posição do ator. Por exemplo, não trabalhávamos mais com o ator
atuando ou representando, mas com estados: o ator está naquele lugar,
naquela forma e com aquela percepção de corpo e de sentidos, que podem se
alterar o tempo todo. Então, é preciso construir novas terminologias pra o
que acontece, porque quando um ator vai fazer esse tráfego – e ele está
fazendo isso o tempo todo, pois está atuando aqui, ao vivo, mas está atuando
também na Inglaterra, com o ator de lá, através da imagem, e é uma presença
concreta, pois ele esta lá –, então, você não pode nem usar de uma
teatralidade excessiva e nem de uma postura de cinematografia excessiva.
(VELLOSO, 2011, p. 84).
[...] este continuum, essas formas de presença, começam a ser entendidos
como resultado de uma contemporaneidade que precisa ser apreendida
cenicamente, imageticamente, através de uma nova estética/ética.
(VELLOSO, 2011, p. 85).
O divisor de águas dentro dessa leitura toda foi o Play on Earth, porque o
que acontecia com ele nos obrigou a entender a questão da imagem e da cena
presencial de uma outra forma, pois era feito ao vivo nos três lugares,
linkados. (VELLOSO, 2011, p. 86).
[...] Houve uma evolução das questões ali colocadas (do espetáculo What’s
Wrong with the World? em relação ao Play on Earth), pois elas se
construíam nessas duas realidades que, pra nós, eram concretas. Este ―pra
nós‖é que é o problema, porque estes conceitos foram desenvolvidos durante
muitos anos de trabalho e, quando eles nascem para o outro, não
necessariamente este olhar está lá. (VELLOSO, 2011, p. 87).
[...] Vou aproveitar [...] pra te falar do problema que é, para os
entendimentos novos, usar terminologias que foram durante centenas de
anos se desenvolvendo para podermos nos comunicar quando falamos nos
formatos já estabelecidos. (VELLOSO, 2011, p. 88).
109
É evidente o processo de adequações mútuas as quais o teatro, assim, como as
tecnologias precisam passar a partir do diálogo estabelecido. Essas mídias distintas irão
resultar em um outro produto, hibrido de suas linguagens, que irão refluir e contaminar-se. As
dificuldades apresentadas a quem pretende aventurar-se por este campo também são muitas,
assim como as possibilidades.
Como também, a consciência dos riscos aos quais nos sujeitamos ao optar por
trabalhar com tecnologias digitais em um processo cênico, pois, mesmo não possuindo
conhecimento dos códigos utilizados pelo perito em informática, temos consciência do risco
eminente de falha, queda de rede, queda de energia ou bug durante as apresentações. Porém,
ao escolher fazer uso das tecnologias em cena, aceitamos este risco, mas confiando na perícia
dos membros envolvidos, no caso do Profanações, dos integrantes do LAVID, para nos
garantir que ele será minimizado ao máximo.
Segundo Giddens (1991), o risco pressupõe o perigo. Ao arriscar-se o individuo se põe
em situação de galanteio junto ao perigo, o perigo se define como uma ameaça aos resultados
almejados. Então, ao se assumir um risco eminente, tem-se a consciência das ameaças que
estão em jogo. Uma das características do risco é que, ele normalmente é conscientemente
calculável. Esse tipo de risco, tido como aceitável, pode ser minimizado.
Essa discussão não visa validar se é ou não teatro, mas sim refletir e problematizar
sobre novas práticas que estão postas. Concluindo não ser possível se propor uma teoria
definitiva do imbricamento do teatro/ tecnologias, porém, é possível diagnosticar que ocorre
uma reformulação recíproca, em que a encenação se vale de tecnologias e se adéqua a
algumas singularidades, da mesma forma que, tecnologias passam por algumas adequações
nesse processo, ocorrendo uma fusão de horizontes.
110
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FILMES
BLADE Runner. Direção: Ridley Scott. Produção: Michael Deeley. Intérpretes: Harrison
Ford; Rutger Hauer; Sean Young; Edward James Olmos e outros. Roteiro: Hampton Fancher
e David Peoples. Música: Vangelis. Los Angeles: Warner Brothers, c1991. 1 DVD (117 min),
widescreen, color. Produzido por Warner Video Home. Baseado na novela ―Do androids
dream of electric sheep?‖ de Philip K. Dick.
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GATTACA. Direção: Andrew Niccol. Roteiro: Andrew Niccol. Música: Michael Nyman.
Estados Unidos: Columbia Pictures Corporation, 1997. 1 DVD,widescreen, color. Produzido
por Columbia Pictures Corporation.
NOSTALGHIA. Direção: Andrei Tarkovsky. Roteiro: Andrei Tarkovsky; Tonino Guerra.
Rússia / França / Italia, 1983. 1 DVD,widescreen, color.
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APÊNDICES
APÊNDICE A – ENTREVISTA COM RUBENS VELLOSO
Em decorrência dos contatos e da visita feita aos grupos pesquisados, na cidade de São
Paulo, como também a participação dos mesmos no Conexão XXI Festival cênico, foi
oportuno a realização de entrevista com integrantes dos grupos. Uma das entrevistas, feita
com Rubens Velloso, co-fundador do GAG Phila7, após transcrição e revisão foi publicada na
revista Moringa – Artes do Espetáculo.
A entrevista trata de processo de criação, de teóricos que fundamentam o trabalho do
grupo Phila7, de questões relacionadas ao presencial na cena teatral contemporânea e também
o encontro do ator com o espectador tendo a interposição da mídia.
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APÊNDICE B – GLOSSÁRIO DE NOÇÕES
Arthron – ferramenta para facilitar a execução de performances artísticas que utilizam
representações midiáticas e o compartilhamento de espaços reais e virtuais em tempo-real.
Broadcast (difusão) – transmissão simultânea de informação de uma fonte, um local, para
vários receptores.
Browser (navegador) – programa que serve de interface para navegação do usuário em um
ambiente de rede ou hipermídia.
Cibernética – é a disciplina oficialmente criada pelo matemático Norbert Wiener nos anos
1940 (a palavra vem do grego kybernetes, que significa ―timoneiro‖) para designar as
possíveis formas de comunicação e controle no mundo dos organismos vivos e das máquinas.
Ciberespaço – termo cunhado por William Gibson, significando o espaço virtual da memória
e da rede de computadores, da mídia digital e das telecomunicações.
Digital – uso de sinais discretos (descontínuos) para representar uma informação; dígitos
binários (0 e 1) são agrupados de modo a formar a representação de numerais ou letras do
alfabeto. A vantagem do sistema digital sobre o analógico é sua maior possibilidade de
impedir interferências na informação.
Delay – palavra inglesa que significa atraso. O termo é utilizado para designar o retardo na
transmissão de fluxos de áudio e/ou vídeo na internet ou em sistemas eletrônicos.
Frame – de forma mais geral, pode ser colocado como um quadro individual de rolo de filme,
ou, também, dois campos entrelaçados, ou ainda, um campo singular de uma imagem de
vídeo. A definição de frame depende da área computacional a que se refere, adquirindo
sentidos como estrutura, configuração, quadro ou célula.
Frame rate – velocidade de projeção na qual as imagens de uma tela inteira são transmitidas
ao monitor de varredura e apresentadas por ele no vídeo; a taxa de transmissão é calculada
como o número de vezes por segundo que o feixe de elétrons varre a tela; ela é medida em
hertz e fica em torno de 60 vezes por segundo. Na televisão, o sistema NTSC, utilizado no
Brasil e nos EUA, apresenta 30 frames por segundo; o sistema europeu Pal utiliza a taxa de 25
frames por segundo; no cinema são utilizados 24 frames por segundo.
Hiperlink – conexão programada da hipermídia que faz a ligação entre itens de informação
em diferentes seções de um programa ou em diferentes localidades da rede.
Hipermídia – termo cunhado por Ted Nelson para descrever um sistema de hipertexto que
inclui varias mídias (texto, imagem, som, animação e vídeo); mídia criada pela convergência
da tecnologia do vídeo com o computador.
Hipertexto – descreve um programa que provê múltiplas passagens através do texto,
permitindo o usuário seguir os hiperlinks existentes, ligar itens do texto ou, ainda, recuperar
ligações de referências cruzadas.
130
Input – termo genérico utilizado para descrever o ato ou processo de entrada de informações
de uma fonte, um local de origem, para um sistema, dispositivo ou procedimento
computacional.
Interação – processo de controle e feedback (resposta) entre o usuário e o computador, ou
entre o sistema de hipermídia e o programa. Em cibernética, ―uma ação entre‖, ou seja, uma
troca de ação entre elementos ativos, ou entre um elemento ativo e o meio exterior, o que é
possível quando há um acoplamento e as entradas e as saídas dos elementos que integram
estão de alguma forma relacionadas.
Interativo – descrição de qualquer sistema fundamentado no computador no qual os inputs do
usuário afetam diretamente o comportamento desse aparato; esse último responde com um
output diretamente ao primeiro. Pelo constante uso deste termo, seu significado acabou
perdendo o sentido original.
Interface – em termos gerais, interfaces sao superfícies que separam dois sistemas. Por meio
delas sistemas diferentes (como pessoas e máquinas) comunicam-se e interagem. Porém, não
apenas separam dois sistemas, mas permitem também que haja entre eles uma forma de
comunicação ou de conversação, favorecendo assim o comércio de informação entre dois ou
mais sistemas diferentes.
Link – elo de conexão que permite associar itens de informação de diferentes partes de um
programa, colocando-os de forma relacionada.
output – saída de informação para qualquer meio fora do computador, para armazenamento
externo ou secundário, ou, ainda, para um aparato, como um monitor ou uma impressora.
Realidade virtual – simulação da realidade, das sensações táteis, visuais e sonoras, através de
modelagem tridimensional e de técnicas de audio e vídeo em tempo real.
Streaming – o termo que significa fluxo contínuo, é usado para designar a distribuição, o
envio de pacotes de dados multimídia através da internet, permitindo ao usuário ver e ouvir o
conteúdo, à medida que o arquivo é transferido. Possibilitando, dentre outras coisas, a
transmissão ao vivo.
Telecomunicações – qualquer transmissão, emissão ou recepção de informação à distância,
ponto-a-ponto, utilizando-se quaisquer dos meios disponíveis, telefone, radiodifusão, satélites
etc.
Teleconferência – discussão, encontro ou debate conduzido através da rede de computador em
que os participantes se encontram em locais diferentes e distintos.
Teleinformática – consiste na utilização de todos os recursos de informática através das redes
de telecomunicação, permitindo o processamento distribuído e a permuta de informações para
qualquer usuário em qualquer localidade.
Telemática – utilização de recursos de telecomunicações para aplicações de automatização em
geral (industriais e de produção, controle de processos, telemetria e sensoriamento remoto);
hoje, o termo tem sido empregado como sinônimo de teleinformática, que se refere mais
131
diretamente ao tratamento de informações em seu sentido social, científico, comercial e
cultural.
Telepresença – termo cunhado por Marvin Minsky em 1979 ; passou a sinificar a experiência
psicológica de imersão de usuário em um sistema de realidade virtual ou, a sensação de ―estar
em dois lugares ao mesmo tempo‖.
Tempo real – sistema que não exibe atraso perceptível entre input e output, entre a ação do
usuário e a resposta do sistema.
Pacote de dados – subconjunto ordenado de sinais de dados transmitidos por uma rede.