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l A LIBERDADE E A IGUALDADE NAS TEORIAS DA DEMOCRACIA NOS

SEacuteCULOS XVIII E XIX

- Profa bull do Departamento de Ciecircncias Sociais da Universidade Estadual de Londrinalmiddot

o objetivo deste artigo eacute apresentar algumas reflexotildees acerca da democracia nos seacuteculos

E o XVIII e XIX Acredita-se que a reflexatildeo sobre as inuacutemeras teorizaccedilotildees eacute de grande

~p~rtacircncia na medida em que somente ela pode revelar os percalccedilos e os caminhos nus~t~dos que a democracia percorreu e continua a percorrer A construccedilatildeo de inuacutemeros

bullbull = slgruficados para a democracia dialoga de alguma forma com as diversas indagaccedilotildees

que s~ desenvolvera~ no transcorrer dos tempos A constante reelaboraccedilatildeo destes sIgnifIcados natildeo se da num vazio uma vez que ela recorre permanentemente a uma

1iacute enorme heranccedila teoacuterica que tem se formado no transcorrer dos seacuteculos

Pa~avras cha~e~ de~ocacia liberdade poliacutetica igualdade propriedade sufraacutegio unIversal malOna rrunona representaccedilatildeo

DEMOCRACIA ASPECTOS

GERAIS DE UMA DISCUSSAtildeO

QUE FLORESCEU NO SEacuteCULO XVIII

Tm sido comum considerar o seacuteculo xvml como o marco fundamental da discussatildeo em tomo da democracia no

mundo moderno2 Faz-se necessaacuterio no entanto destacar que a democracia eacute uma questatildeo que esteve3 presente atraveacutes dos tempos no constante desafio ao pensamento e agrave accedilatildeo dos homens no que tange agraves suas inuacutemeras relaccedilotildees

Dentre os diversos aspectos das teorizaccedilotildees sobre a democracia que floresceram no seacuteculo xvm seratildeo enfatizadas duas questotildees que tecircm perpassado a histoacuteria da democracia no mundo moderno a liberdade e a igualdade

Em termos gerais a tiacutetulo de contextualizaccedilatildeo da discussatildeo sobre a democracia no seacuteculo xvm faz-se necessaacuterio destacar que a questatildeo fundamental naquele momento na Europa principalmente era o debate sobre a democracia como forma de governo natildeo-despoacutetica Nessas condiccedilotildees ganhou relevo o problema da relaccedilatildeo democracia e repuacuteblica

Montesquieu com a obraO Espiacuterito das Leis escrita em 1748 pode ser tomado como o exemplo mais significativo da preocupaccedilatildeo dominante naquela eacutepoca em definir formas de governo as quais poderiam ser republicana monaacuterquica ou despoacutetica Em Montesquieu a repuacuteblica compreende ( ) tanto a aristocracia quanto a democracia conforme o poder seja exercido por todo o povo ou soacute uma parte (BOBBIO 1980 p120)

A igualdade e a liberdade possuiacuteam um lugar fundamental na teoria de Montesquieu ambas tematizadas como forma de destacar a necessidade de prevalecircncia da lei pois para ele a democracia se arruinaria se o povo natildeo reconhecesse a lei como o seu fundamento Montesquieu argumentava que a virtude nas repuacuteblicas natildeo eacute senatildeo o amor da paacutetria isto eacute da igualdade -natildeo uma virtude moral ou cristatilde mas sim poliacutetica a mola que impulsiona o governo republicano como a honra eacute a mola que impulsiona a monarquia Chamei portanto de virtude poliacutetica o amor da paacutetria e da igualdade(MONTESQUIEU 1973 p69-85)

A repuacuteblica democraacutetica era pensada por Montesquieu segundo Bobbio a partir do conceito de igualdade Ou seja era o que a distinguia de outras formas de governo fundamentadas na desigualdade irredutiacutevel entre governantes e governados e na irredutiacutevel desigualdade entre os proacuteprios governados (BOBBIO 1980p123) A

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVIII e XIX

liberdade e a lei eram indissociaacuteveis para Montesquieu ou seja a primeira era definida e limitada pela segunda A liberdade estava respaldada nas leis e era concebida como circunscrita ao que estas pennitissem A separaccedilatildeo dos poderes no entanto eacute que fornecia os elementos para a sua discussatildeo em tomo da liberdade poliacutetica O abuso do poder era para ele sinocircnimo de desrespeito agraves leis e tambeacutem de natildeo-separaccedilatildeo dos poderes os quais inibiam qualquer possibilidade de liberdade poliacutetica

A tematizaccedilatildeo em tomo da liberdade e da igualdade no seacuteculo XVIII encontrou em Rousseau um dos seus mais importantes teoacutericos O teoacuterico da formaccedilatildeo da vontade geral inalienaacutevel trouxe para o centro do debate essas duas questotildees que tecircm atravessado os seacuteculos como o grande problema da democracia

No final do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX havia na Europa duas concepccedilotildees a liberal e a democraacutetica Luciano Gruppi (GRUPPI 1985) afirma que a primeira defendia a correlaccedilatildeo entre propriedade e liberdade (isto eacute a liberdade exige a desigualdade) e a segunda pautava-se na ideacuteia de que a liberdade baseia-se na igualdade4 essencialmente na igualdade juriacutedica5 (embora Rousseau (ROUSSEAU 1978) colocasse o problema da propriedade)

Para Rousseau apenas o direito limitado (de propriedade) era consistente com a soberania da vontade geral Uma sociedade verdadeiramente democraacutetica uma sociedade governada pela vontade gerar exige essa igualdade de propriedade (MACPHERSON 1978 p23) No li vro II de O contrato social Rousseau esclarece o significado da vontade geral que tende sempre para a utilidade puacuteblica para o interesse comum eacute neste aspecto principalmente que ela se diferencia da vontade de todos que visa sempre o interesse privado

Um dos meacuteritos de Rousseau e o que exige o constante reportar agrave sua discussatildeo como um dos marcos da teoria da democracia na era moderna natildeo eacute por certo porque ele advogava qualquer facilidade no processo de constituiccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica Pelo contraacuterio tanto em O contrato social quanto em Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Rousseau explicitava as enormes dificuldades de estabelecimento da verdadeira democracia

Ressalte-se que esta uacuteltima era por ele definida a partir de um conjunto de condiccedilotildees que envolviam elementos de todas as ordens tais como juriacutedica social natural poliacutetica e econocircmica Os aspectos juriacutedicos ganharam nas suas discussotildees um estatuto fundante da ordem democraacutetica o que tem de ser visto a partir das condiccedilotildees prevalecentes na Europa no seacuteculo XVIII Conforme afirmava Marshall (MARSHALL 1967 p63-9) a defesa dos direitos civis era naquele momento um passo indiscutivelmente importante para a formaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos no seacuteculo seguinte

Na discussatildeo sobre as formas de governo Rousseau argumentava que a democracia poderia abarcar todo o povo ou entatildeo restringir-se ateacute a metade (ROUSSEAU 1978a p72) o que apontava para a complexidade de estabelecer as condiccedilotildees poliacuteticas miacutenimas para a verdadeira democracia Estas por sua vez tinham implicaccedilotildees de ordem juriacutedica e social

O sistema poliacutetico descrito em O contrato social natildeo eacute uma democracia segundo o uso que Rousseau faz do termo Para ele democracia seria um sistema onde os cidadatildeos satildeo executores de leis que eles mesmos fizeram (sistema direto e natildeo representativo) e por esse motivo seria um sistema proacuteprio para os deuses (PATEMAN 1992 p35) Rousseau afirmava que rigorosamente falando nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existiraacute () Se houvesse um povo de deuses ele se governaria democraticamente Tatildeo perfeito governo natildeo conveacutem aos homens(ROUSSEAU 1978a

p73shy5)

Ressalte-se que essa afirmaccedilatildeo de Rousseau natildeo significava descrenccedila nas possibilidades da democracia tanto que toda a sua obra destacou a necessidade de criaccedilatildeo das bases para que o Estado se tomasse o mais democraacutetico possiacutevel A maacutexima participaccedilatilde08 do indiviacuteduo no processo poliacutetico era a condiccedilatildeo fundamental para se alcanccedilar este objetivo

Em termos gerais pode-se afirmar que praticamente toda a preocupaccedilatildeo de Rousseau especialmente em O contrato social estaacute ligada agrave necessidade de desenvolvimento de uma sociedade em que as diferenccedilas sociais (que natildeo deviam ser muito grandes) natildeo levassem agraves desigualdades poliacuteticas Isto seria um dos princiacutepios baacutesicos da democracia

Ainda no seacuteculo XVIII a relaccedilatildeo entre liberdade e igualdade foi tambeacutem uma questatildeo

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central nos escritos de Thomas Jefferson (JEFFERSON 1979 pOl-40) para quem a democracia exigia uma sociedade em que todos fossem economicamente independentes isto porque sua confianccedila no povo era confianccedila no proprietaacuterio trabalhador independente (que ele via) como a espinha dorsal e esperava que permanecesse a espinha dorsal da sociedade americana (JEFFERSON 1979 p24-5)

Anthony Arblaster emA democracia assinala que o objetivo de Jefferson natildeo era a democracia mas o governo limitado ou seja a repuacuteblica representativa Na mesma linha estaria Hamilton9

(federalista americano) para quem a democracia representativa (HAMILTON 1979) evitava os perigos obviamente inerentes agrave democracia simples Estes pensadores elaboravam segundo Arblaster uma versatildeo de democracia como alternativa agrave concepccedilatildeo de governo popular (ARBLASTER 1988 p66)

Norberto Bobbio numa outra linha de anaacutelise argumenta que os federalistas estavam preocupados com a questatildeo da democracia mas viam que a uacutenica democracia adequada era a representativa (BOBBIO 1988 p33) Uma forma de governo [ em que o povo natildeo toma ele mesmo as decisotildees que lhe dizem respeito mas elege seus proacuteprios representantes que devem por ele decidir Mas natildeo pensavam realmente que instituindo uma democracia representativa acabariam por enfraquecer o princiacutepio do governo popular (BOBBIO 1988 p33-4)

Rousseau e Jefferson exerceram influecircncias baacutesicas nas construccedilotildees de modelos e formas de se pensar a democracia na atualidade Saliente-se

I poreacutem que J ames Madison 10 foi tatildeo influente quanto Jefferson se natildeo mais ainda no pensamento

[ americano Robert Dahl por exemplo elabora seu modelo de democracia no seacuteculo XX amplamente (apoiado) sobre Madison (MACPHERSON 1978 p22) Um dos elementos baacutesicos da teoria de f Madison (MADISON 1979 p87-181) sobre a democracia eacute o problema da acomodaccedilatildeo entre o poder das maiorias e o das minorias As questotildees da igualdade poliacutetica e da soberania aparecem entatildeo como centrais

Robert Dahl afirma que a proposiccedilatildeo fundamental da teoria madisoniana eacute a seguinte na ausecircncia de controles externos qualquer indiviacuteduo ou grupo de indiviacuteduos tiranizaraacute os demais Isto pressupotildee a necessidade desses controles externos que consistem na aplicaccedilatildeo de recompensas e

penalidades ou pelo menos a existecircncia da expectativa de que seratildeo aplicadas por alguma outra fonte que natildeo ele mesmo

A compreensatildeo da posiccedilatildeo de Madison sobre a democracia requer obviamente que a atenccedilatildeo seja voltada para a problemaacutetica que atormentava diversos constitucionalistas americanos no seacuteculo XVIII o risco da tirania da maioria eou das minorias Nessas condiccedilotildees Madison discutia as formas de evitar as facccedilotildees prevenir-lhe as causas ou corrigir-lhe os efeitosY

A preocupaccedilatildeo de Madison era a necessidade de diferenciar o que ele denominava democracia pura e governo representativo A primeira seria composta de um pequeno nuacutemero de cidadatildeos que se reuniriam e governar-se-iam por si mesmos Nas democracias puras teriam prevalecido as dissensotildees e a desordem uma vez que esta forma de governo seria incompatiacutevel observa Madison (MADISON 1979 p97) com a conservaccedilatildeo do direito de propriedade especialmente

Madison argumentava que o governo representativo (ou repuacuteblica) diferenciava-se da democracia pura principalmente pela maior abrangecircncia do nuacutemero de cidadatildeos Mas o seu traccedilo essencial estaria na forma de poderes delegados a um pequeno nuacutemero de indiviacuteduos que o povo escolhe (MADISON 1979p98)Ospressupostos da teoria madisoniana da democracia foram apenas indicados aqui com a intenccedilatildeo de destacar que sobre esses pilares floresceram inuacutemeras discussotildees No seacuteculo XX por exemplo natildeo eacute possiacutevel apreender os aspectos baacutesicos da teoria da democracia no que tange principalmente agraves abordagens pluralistas e elitistas sem passar pelos escritos de Madison

A questatildeo maioriaminoria uma das principais preocupaccedilotildees de Madison sempre esteve no centro do debate poliacutetico sobre a democracia12 no seacuteculo XX As discussotildees de Dahl Eckstein Berelson etc resguardando as suas diferenccedilas deixam evidentes as influecircncias de Madison

ASPECTOS GERAIS DA TEORIZACcedilAO DA DEMOCRACIA NO SEacuteCULO

XIX

Inuacutemeras reflexotildees acerca da democracia ganham focirclego durante o seacuteculo XIX Diversos

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVllr e XIX

teoacutericos da primeira metade deste seacuteculo expressavam claramente os desafios que se colocavam naquele momento e o grau de complexidade cada vez maior que a problemaacutetica da democracia ia assumindo

Com Bentham e James Mill assiste-se ao florescimento de uma posiccedilatildeo que Macpherson chamou de eacutetica humanista Dentre as questotildees enfatizadas estavam a proteccedilatildeo aos governados (Bentham e James Mill) e a possibilidade de desenvolver a capacidade humana que teve sua maacutexima nos escritos de John Stuart MillJ3 A anaacutelise de Bentham sobre a democracia estaacute ancorada no homem como um ser moral e social O aperfeiccediloamento do regime democraacutetico era tido por ele como algo essencial para o desenvolvimento do homem nos dois aspectos acima considerados

Os pressupostos da democracia em Bentham tecircm que ser destilados de sua discussatildeo em tomo do princiacutepio da autoridade14 A obra Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo (BENTHAM 1979) de 1789 ao buscar explicar a constituiccedilatildeo da conduta individual e social apresenta as melhores pistas para se captar uma concepccedilatildeo de democracia que estava florescendo no seacuteculo XIX a democracia15 liberal

Com as posiccedilotildees de Bentham e J ames Mill comeccedilou a delinear -se uma nova forma de conceber a relaccedilatildeo entre o sufraacutegio universal e a propriedade Ou seja neste momento o primeiro vai deixando de ser visto como a grande ameaccedila agrave segunda Evidentemente que havia ainda enormes restriccedilotildees ao sufraacutegio universal Os dois pensadores aqui mencionados encontraram grande dificuldade para lidar com esta questatildeo Bentham somente no final de sua vida defendia o sufraacutegio universal James Mill se propocircs a defendecirc-lo mas impunha muitas restriccedilotildees de forma que inuacutemeros indiviacuteduos ficavam fora deste direito poliacutetico

Bentham desenvolveu uma discussatildeo sobre a seguranccedila a igualdade e a propriedade que pode ser considerada um dos pilares da democracia liberal que ganhou focirclego na segunda metade do seacuteculo XIX A forma de lidar com o princiacutepio da propriedade dava agrave sua teoria um sentido singular para a relaccedilatildeo propriedade e igualdade Para Macpherson (MACPHERSON 1978 p38) a primeira teria nos escritos de Bentham supremacia absoluta sobre a segunda

A contribuiccedilatildeo maior de Bentham para a teoria da democracia desenvolvida no seacuteculo XIX foi a sua discussatildeo sobre o tipo de Estado e de sistema

poliacutetico capaz de proteger os governados Tratavashyse de um duplo problema o sistema poliacutetico devia produzir governos que tanto estabelecessem e fomentassem uma sociedade de mercado livre quanto protegessem os cidadatildeos contra governos rapaces ( ) (MACPHERSON 1978 p39) Ressalte-se que para Bentham a proteccedilatildeo aos cidadatildeos era o objetivo baacutesico do sistema democraacutetico que deveria se pautar num governo representativo e assentado sobre franquias 16

James Mill assim como Bentham deu uma enorme contribuiccedilatildeo para a discussatildeo em tomo da democracia no seacuteculo XIX Eacute preciso ressaltar no entanto que mesmo ele se reportando a uma franquia universal natildeo desapareciam as exclusotildees de parte significativa dos indiviacuteduos da possibilidade de atuaccedilatildeo no sistema poliacutetico Carole Pateman em Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica ameniza os traccedilos de exclusatildeo das teorias de Bentham e James Mill Para ela a noccedilatildeo de povo como classe numerosa implicava numa abrangecircncia significativa Macpherson no entanto emA democracia liberal ressalta o alto niacutevel de restriccedilatildeo que o sistema por franquias impunha

As teorias da democracia ganharam focirclego no seacuteculo XIX com a contribuiccedilatildeo de John Stuart Mill que se debateu entre a funccedilatildeo de um governo democraacutetico de proteccedilatildeo aos governados e a de atuar sobre a mente humana para desenvolver a sua capacidade Ele encara o governo e as instituiccedilotildees poliacuteticas emprimeiro lugar e acima de tudo como educativos no sentido mais amplo do termo ( ) (e) Apenas vecirc a possibilidade de desenvolvimento de um tipo de caraacuteter ativo de espiacuterito puacuteblico no contexto de instituiccedilotildees populares participativas (PATEMAN 1992 P43-4)

JSMill formulou sua discussatildeo em tomo da democracia levando em consideraccedilatildeo a ampla movimentaccedilatildeo da classe trabalhadora em meados do seacuteculo XIX Naquelas condiccedilotildees ele advogava a necessidade de desenvolver a mente de todos os membros da sociedade para se alcanccedilar o aperfeiccediloamento de um sistema poliacutetico democraacutetico

Para John Stuart Mill um sistema poliacutetico democraacutetico eacute avaliado como meio para aquele apeifeiccediloamento - meio necessaacuterio conquanto natildeo suficiente e uma sociedade democraacutetica eacute vista como resultado daquele apeifeiccediloamento e ao mesmo tempo como meio de mais apeifeiccediloamento (PATEMAN 1992 p52) A teoria democraacutetica de J S Mill destaca

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especialmente as possibilidades de desenvolvimento da capacidade humana Uma sociedade democraacutetica era aquela que permitisse que isto ocorresse de fato

Em Governo Representativo (MU 1964) J S Mill esclarecia algumas de suas preocupaccedilotildees quanto agrave forma de se chegar a essa sociedade democraacutetica A sua exposiccedilatildeo concentrava-se no estabelecimento de um sistema poliacutetico17 onde natildeo prevalecesse o egoiacutesmo tanto da minoria quanto da maioria Ou seja o sistema de voto plural (um voto para todos mas vaacuterios votos para alguns) visava segundo ele evitar a imposiccedilatildeo de uma maioria18

para uma minoria O elemento baacutesico a ser destacado na anaacutelise

de JSMill eacute que seu modelo de democracia enfatizava a necessidade de participaccedilatildeo dos membros da sociedade como fator de aperfeiccediloamento da democracia Natildeo haacute possibilidade neste artigo de se discutir as ambiguumlidades da noccedilatildeo de participaccedilatildeo em J SMill Carole Pateman (PATEMAN 1992 p42) analisa substancialmente os elementos da teoria da democracia participativa neste pensador bem como aponta para as suas dificuldades

Em termos gerais J S Mill considerava que a participaccedilatildeo no governo local eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a participaccedilatildeo a niacutevel nacional devido a seu efeito educativo ou aperfeiccediloador assim tambeacutem Mil sugere que a participaccedilatildeo no governo do local de trabalho teria o mesmo impacto (PATEMAN 1992 p51) Estas questotildees

bull esclarecem a preocupaccedilatildeo de JSMill com as ~

condiccedilotildees vivenciadas naquele momento em que a classe trabalhadora se colocava na arena poliacutetica com inuacutemeras exigecircncias e reivindicaccedilotildees ou seja num movimento significativo por melhores condiccedilotildees de existecircncia

A obra de JSMill representou em meados do seacuteculo XIX o encontro entre a teoria democraacutetica e a teoria liberal Suas discussotildees expressavam as transformaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteticas pelas quais passava a sociedade da eacutepoca Maurice Duverger afIrma que as transformaccedilotildees industriais do iniacutecio do seacuteculo XIX acabaram por destruir o sistema aristomonaacuterquico e a partir de meados do seacuteculo em questatildeo tomou corpo a democracia liberal (DUVERGER 1975 p56)

Afirmaccedilotildees desta natureza desfazem a concepccedilatildeo equivocada de que a democracia liberal nasceu com o liberalismo Para Sartori o ideal liberal e o democraacutetico mesclaram-se e essa mescla fez-se confusa (SARTORI 1965 p367)

A democracia liberal se constituiu num momento histoacuterico em que a questatildeo da democracia como participaccedilatildeo do homem comum nas questotildees do Estado era algo fundamental (HOBSBAWN 1982 p 117) Segundo Hobsbawn a fusatildeo do liberalismo com a democracia era uma necessidade uma vez que se tinha por um lado a democracia como uma forccedila histoacuterica reconhecida e por outro o liberalismo na sua forma de organizaccedilatildeo poliacutetica que representava agregados de indiviacuteduos de status legalmente iguais(HOBSBAWN 1982 p117)

O credo das massas afIrma Hobsbawn tinha que ser levado em conta na poliacutetica Eles eram por definiccedilatildeo numerosos ignorantes e perigosos muito perigosos precisamente devido agrave sua ignorante tendecircncia para acreditar em seus proacuteprios olhos que lhes diziam que aqueles que os governavam davam muito pouca atenccedilatildeo a suas miseacuterias e a loacutegica simplista que lhes sugeria que jaacute que eles formavam a grande maioria do povo o governo deveria basicamente servir-lhes em seus interesses (HOBSBAWN 1982 p117)

A partir de meados do seacuteculo XIX fIcava claro que as massas poderiam irromper no ciacuterculo fechado dos dirigentes da sociedade (HOBSBAWN 1982 p118) portanto fIcava cada dia mais claro nos paiacuteses desenvolvidos e industrializados () que mais cedo ou mais tarde os sistemas poliacuteticos teriam que abrir espaccedilo para estas forccedilas (HOBSBAWN 1982 p118) A democracia liberal preocupa-se entatildeo em defInir sua organizaccedilatildeo poliacutetica baseada na soberania popular cidadania eleiccedilotildees independecircncia de juizes liberdades poliacuteticas pluralismo de partidos etc

O contexto soacutecio-econocircmico e poliacutetico na Europa na segunda metade do seacuteculo XIX foi marcado pelas diversas formas de organizaccedilatildeo dos trabalhadores o que se constituiacutea sem nenhuma duacutevida num elemento baacutesico no redimensionamento das pressuposiccedilotildees em tomo da democracia

Nas cinco uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX no entanto o liberalismo viu-se desafIado o seu compromisso extremo com o mercado (DUVERGER 1975) deixava-o numa situaccedilatildeo absolutamente difiacutecil ante as exigecircncias de reformas sociais e poliacuteticas que a classe trabalhadora fazia de forma cada vez mais contundente

Assiste-se ao culminar do processo que se iniciou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX a adaptaccedilatildeo dos princiacutepios fundamentais do liberalismo agraves exigecircncias e demandas das classes dominadas A democracia liberal signifIcava a busca

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de caminhos para uma sociedade que contava com uma crescente reivindicaccedilatildeo das massas

Segundo Sartori e Gruppi em meados do seacuteculo XIX a democracia fundiu-se com o liberalismo Tocqueville assinalam eles (TOCQUEVILLE 1977) foi a expressatildeo mais importante deste processo de fusatildeo A feliz conjuntura histoacuterica que os obrigava a reunir-se apagou as suas respectivas fronteiras e portanto acarretou uma variaccedilatildeo de atribuiccedilotildees dependendo de se um escritor estaacute mais interessado em conservar a democracia na oacuterbita do liberalismo ou em remontar agrave passagem do liberalismo a democracia (SARTORI 1965 P367)

A contribuiccedilatildeo de Alexis de Tocqueville para a discussatildeo sobre a democracia eacute inegaacutevel Ele estava firmemente convencido de que a liberdade principalmente a liberdade religiosa e moral (mais que a econocircmica) era o fundamento e o fermento de todo poder civil Mas havia compreendido que o seacuteculo nascido da revoluccedilatildeo caminhava impetuosamente e inexoravelmente em direccedilatildeo agrave democracia Era um processo incontrolaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

Tocqueville considerava a democracia forte o suficiente para resistir a qualquer ameaccedila Talvez cause admiraccedilatildeo o fato de ( ) (adotarmos) firmemente a opiniatildeo de que a revoluccedilatildeo democraacutetica de que somos testemunhas eacute um fato irresistiacutevel contra o qual natildeo seria nem desejaacutevel nem prudente lutar () (TOCQUEVILLE 1977 P319)

A democracia para Tocqueville precisava ser educada seus costumes deviam ser purificados seus movimentos necessitavam ser regulados seus instintos cegos tinham que ser controlados A sua anaacutelise sobreA democracia na Ameacuterica objetiva enfatizar a direccedilatildeo que a democracia () entregue agraves suas inclinaccedilotildees e abandonada quase sem restriccedilotildees aos seus instintos dava naturalmente agraves leis a marcha que imprimia ao governo e em geral a influecircncia que exercia sobre os negoacutecios do Estado (TOCQUEVILLE 1977 p19)

Tocqueville estava preocupado em detectar em que sentido os americanos estavam educando purificando controlando os movimentos da democracia ou seja quais eram as precauccedilotildees tomadas ( ) para dirigi-la () (e quais) as causas que lhe permit(iam) governar a sociedade (TOCQUEVIUE 1977 p19)

o livro 11 de A democracia na Ameacuterica tinha como objetivo mostrar a influecircncia que a igualdade e o governo da democracia exercem sobre a sociedade civil sobre os haacutebitos as ideacuteias e os costumes (TOCQUEVILLE 1977 p19) Desta forma ele indagava sobre as possibilidades de a liberdade sobreviver ou natildeo em uma sociedade cujo sistema exaltava o valor da igualdade natildeo apenas poliacutetica mas tambeacutem social

A preocupaccedilatildeo baacutesica de Tocqueville no livro 11 era com a possibilidade de que a igualdade desejada pela humanidade destruiacutesse a liberdade(GRUPPI 1985p45) Ele assinalava que caso isto ocorresse ao inveacutes da realizaccedilatildeo da democracia teriacuteamos a tirania

Eacute claro que se cada cidadatildeo na medida em que se tomasse individualmente mais fraco e por conseguinte mais incapaz de preservar isoladamente sua liberdade natildeo aprendesse a unirshyse a seus semelhantes para defendecirc-la a tirania cresceria necessariamente com a igualdade (TOCQUEVIUE 1977 p287) Ressalte-se que para Tocqueville da mesma forma que natildeo era admissiacutevel que todo o poder estivesse centrado nas matildeos de uma soacute pessoa natildeo podia ser desejaacutevel tambeacutem que todo o poder fosse atribuiacutedo a vaacuterios indiviacuteduos Tanto no primeiro caso quanto no segundo haveria a perda da liberdade

Os danos para a liberdade seriam tatildeo funestos numa sociedade onde prevalecesse a tirania de um quanto a tirania da maioria Acredito pois que eacute sempre necessaacuterio situar em alguma parte um poder social superior a todos os demais mas tambeacutem creio que a liberdade estaacute em perigo quando esse poder natildeo tem agrave sua frente nenhum obstaacuteculo que possa deter a sua marcha e dar-lhe o tempo de se moderar (TOCQUEVIUE 1977 p194)

O poder extremo era perigoso em toda e qualquer circunstacircncia Tocqueville afirmava Quando pois vejo concedido o direito e a faculdade de tudo fazer a um poder qualquer seja ele o povo ou o rei a democracia ou a aristocracia exercido numa monarquia ou numa repuacuteblica eu afirmo estaacute ali o germe da tirania ( )(TOCQUEVIUE 1977 p194)

A sua criacutetica agrave democracia americana era no sentido de que a vontade da maioria havia se transformado numa forccedila irresistiacutevel e desta forma tinha-se pouca garantia contra a tirania E mesmo que natildeo se fizesse uso frequumlente da tirania nos Estados Unidos natildeo havia uma internalizaccedilatildeo

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contraacuteria aos excessos que o despotismo da maioria poderia causar

a risco da tirania da maioria no entanto poderia ser amenizado em toda sociedade inclusive na Ameacuterica se um corpo legislativo fosse composto de forma que representasse a maioria mas que nunca fosse escravo de suas paixotildees um poder executivo que tenha uma forccedila que lhe seja proacutepria e um poder judiciaacuterio independente dos dois outros poderes ( )(TOCQUEVIILE 1977 p195) A igualdade poliacutetica eou social afrnnava Alexis de Tocqueville era sempre demonstrada corno um dos bens mais promissores dos homens no entanto poucos compreendiam o quanto esta poderia se tomar ameaccediladora

A igualdade segundo ele pode estabelecershyse na sociedade civil e natildeo reinar no mundo poliacutetico Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres de entrar para as mesmas profissotildees de encontrar-se nos mesmos lugares numa palavra de viver da mesma maneira e de procurar a riqueza pelos mesmos meios sem tomar todos a mesma parte do governo Pode estabelecer-se mesmo uma espeacutecie de igualdade no mundo poliacutetico embora natildeo haja a liberdade poliacutetica Somos iguais a todos os nossos semelhantes menos um que eacute sem distinccedilatildeo o senhor de todos e que toma igualmente entre todos os agentes do seu poder (TOCQUEVlILE 1977 p384)

Os povos democratas apreciam a liberdade sem nenhuma duacutevida mas tecircm verdadeira paixatildeo pela igualdade argumenta Tocqueville O sentimento de igualdade seria no seacuteculo XIX pleno de singularidade ou seja algo que os homens encaram corno a maior de suas conquistas o maior bem que se poderia almejar Eu acredito que os povos democraacuteticos tecircm um gosto natural pela liberdade entregues a si mesmos procuram-na e se entristecem quando lhes eacute tirada Mas tecircm pela igualdade uma paixatildeo ardente insaciaacutevel eterna invenciacutevel desejam a igualdade dentro da liberdade e se natildeo a podem obter ainda a desejam na escravidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p385shy6)

A liberdade e a igualdade natildeo se confundem ou seja natildeo eacute possiacutevel afrnnar que a existecircncia de uma fatalmente implicaraacute na da outra A liberdade afirma Tocqueville manifestou-se aos homens em diferentes ocasiotildees e sob diferentes formas nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontraacute-la tambeacutem fora das democracias (TOCQUEVIILE 1977 p384)

Alexis de Tocqueville no entanto na quarta parte do segundo livro de A democracia na Ameacuterica ao discutir a influecircncia das ideacuteias e dos sentimentos democraacuteticos na sociedade poliacutetica destaca os aspectos positivos da igualdade uma vez que esta desenvolve nos homens o gosto pelas instituiccedilotildees livres

Ressalte-se que dentre os efeitos poliacuteticos produzidos pela igualdade estaacute o apreccedilo agraves instituiccedilotildees livres o que pode conduzir agrave anarquia mas afirma Tocqueville estou convencido poreacutem que a anarquia natildeo eacute o principal mal que os seacuteculos democraacuteticos devem temer mas o menor A igualdade produz com efeito duas tendecircncias uma conduz os homens diretamente agrave independecircncia e os pode impelir de repente para a anarquia a outra os conduz por um caminho mais longo mais secreto mais seguro para a servidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p512)

Fica portanto evidenciado que Tocqueville mesmo destacando os efeitos positivos da igualdade natildeo deixa de consideraacute-la sob o seu aspecto negativo que eacute a possibilidade de que ela conduza agrave servidatildeo ou seja agrave tirania da maioria

Norberto Bobbio afirma que na linguagem de Tocqueville democracia significa por um lado () forma de governo19 em que todos participam da coisa puacuteblica o contraacuterio de aristocracia por outro lado significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que ao se entender acabaraacute porsubmergir as sociedades tradicionais fundarias sobre uma ordem hieraacuterquica imutaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

A democracia corno forma de governo seria uma constante ameaccedila para Tocqueville afirma Bobbio O perigo que a democracia corre como progressiva realizaccedilatildeo do ideal igualitaacuterio eacute o nivelamento cujo efeito final eacute o despotismo Satildeo duas formas diversas de tirania e portanto ambas embora de maneira diversa satildeo a negaccedilatildeo da liberdade(BOBBIO 1988 p57)

Os pressupostos acerca da democracia desenvolvidos nos seacuteculos XVIII e XIX constituiacuteram-se em alicerces sobre os quais se desenvolveu uma ampla reflexatildeo no seacuteculo seguinte Os rumos que tornaram as inuacutemeras indagaccedilotildees durante o seacuteculo XX merecem certamente um outro artigo

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

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Maria Joseacute de Rezende

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVIII e XIX

liberdade e a lei eram indissociaacuteveis para Montesquieu ou seja a primeira era definida e limitada pela segunda A liberdade estava respaldada nas leis e era concebida como circunscrita ao que estas pennitissem A separaccedilatildeo dos poderes no entanto eacute que fornecia os elementos para a sua discussatildeo em tomo da liberdade poliacutetica O abuso do poder era para ele sinocircnimo de desrespeito agraves leis e tambeacutem de natildeo-separaccedilatildeo dos poderes os quais inibiam qualquer possibilidade de liberdade poliacutetica

A tematizaccedilatildeo em tomo da liberdade e da igualdade no seacuteculo XVIII encontrou em Rousseau um dos seus mais importantes teoacutericos O teoacuterico da formaccedilatildeo da vontade geral inalienaacutevel trouxe para o centro do debate essas duas questotildees que tecircm atravessado os seacuteculos como o grande problema da democracia

No final do seacuteculo XVIII e iniacutecio do seacuteculo XIX havia na Europa duas concepccedilotildees a liberal e a democraacutetica Luciano Gruppi (GRUPPI 1985) afirma que a primeira defendia a correlaccedilatildeo entre propriedade e liberdade (isto eacute a liberdade exige a desigualdade) e a segunda pautava-se na ideacuteia de que a liberdade baseia-se na igualdade4 essencialmente na igualdade juriacutedica5 (embora Rousseau (ROUSSEAU 1978) colocasse o problema da propriedade)

Para Rousseau apenas o direito limitado (de propriedade) era consistente com a soberania da vontade geral Uma sociedade verdadeiramente democraacutetica uma sociedade governada pela vontade gerar exige essa igualdade de propriedade (MACPHERSON 1978 p23) No li vro II de O contrato social Rousseau esclarece o significado da vontade geral que tende sempre para a utilidade puacuteblica para o interesse comum eacute neste aspecto principalmente que ela se diferencia da vontade de todos que visa sempre o interesse privado

Um dos meacuteritos de Rousseau e o que exige o constante reportar agrave sua discussatildeo como um dos marcos da teoria da democracia na era moderna natildeo eacute por certo porque ele advogava qualquer facilidade no processo de constituiccedilatildeo de uma sociedade democraacutetica Pelo contraacuterio tanto em O contrato social quanto em Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Rousseau explicitava as enormes dificuldades de estabelecimento da verdadeira democracia

Ressalte-se que esta uacuteltima era por ele definida a partir de um conjunto de condiccedilotildees que envolviam elementos de todas as ordens tais como juriacutedica social natural poliacutetica e econocircmica Os aspectos juriacutedicos ganharam nas suas discussotildees um estatuto fundante da ordem democraacutetica o que tem de ser visto a partir das condiccedilotildees prevalecentes na Europa no seacuteculo XVIII Conforme afirmava Marshall (MARSHALL 1967 p63-9) a defesa dos direitos civis era naquele momento um passo indiscutivelmente importante para a formaccedilatildeo dos direitos poliacuteticos no seacuteculo seguinte

Na discussatildeo sobre as formas de governo Rousseau argumentava que a democracia poderia abarcar todo o povo ou entatildeo restringir-se ateacute a metade (ROUSSEAU 1978a p72) o que apontava para a complexidade de estabelecer as condiccedilotildees poliacuteticas miacutenimas para a verdadeira democracia Estas por sua vez tinham implicaccedilotildees de ordem juriacutedica e social

O sistema poliacutetico descrito em O contrato social natildeo eacute uma democracia segundo o uso que Rousseau faz do termo Para ele democracia seria um sistema onde os cidadatildeos satildeo executores de leis que eles mesmos fizeram (sistema direto e natildeo representativo) e por esse motivo seria um sistema proacuteprio para os deuses (PATEMAN 1992 p35) Rousseau afirmava que rigorosamente falando nunca existiu verdadeira democracia nem jamais existiraacute () Se houvesse um povo de deuses ele se governaria democraticamente Tatildeo perfeito governo natildeo conveacutem aos homens(ROUSSEAU 1978a

p73shy5)

Ressalte-se que essa afirmaccedilatildeo de Rousseau natildeo significava descrenccedila nas possibilidades da democracia tanto que toda a sua obra destacou a necessidade de criaccedilatildeo das bases para que o Estado se tomasse o mais democraacutetico possiacutevel A maacutexima participaccedilatilde08 do indiviacuteduo no processo poliacutetico era a condiccedilatildeo fundamental para se alcanccedilar este objetivo

Em termos gerais pode-se afirmar que praticamente toda a preocupaccedilatildeo de Rousseau especialmente em O contrato social estaacute ligada agrave necessidade de desenvolvimento de uma sociedade em que as diferenccedilas sociais (que natildeo deviam ser muito grandes) natildeo levassem agraves desigualdades poliacuteticas Isto seria um dos princiacutepios baacutesicos da democracia

Ainda no seacuteculo XVIII a relaccedilatildeo entre liberdade e igualdade foi tambeacutem uma questatildeo

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Maria Joseacute de Rezende

central nos escritos de Thomas Jefferson (JEFFERSON 1979 pOl-40) para quem a democracia exigia uma sociedade em que todos fossem economicamente independentes isto porque sua confianccedila no povo era confianccedila no proprietaacuterio trabalhador independente (que ele via) como a espinha dorsal e esperava que permanecesse a espinha dorsal da sociedade americana (JEFFERSON 1979 p24-5)

Anthony Arblaster emA democracia assinala que o objetivo de Jefferson natildeo era a democracia mas o governo limitado ou seja a repuacuteblica representativa Na mesma linha estaria Hamilton9

(federalista americano) para quem a democracia representativa (HAMILTON 1979) evitava os perigos obviamente inerentes agrave democracia simples Estes pensadores elaboravam segundo Arblaster uma versatildeo de democracia como alternativa agrave concepccedilatildeo de governo popular (ARBLASTER 1988 p66)

Norberto Bobbio numa outra linha de anaacutelise argumenta que os federalistas estavam preocupados com a questatildeo da democracia mas viam que a uacutenica democracia adequada era a representativa (BOBBIO 1988 p33) Uma forma de governo [ em que o povo natildeo toma ele mesmo as decisotildees que lhe dizem respeito mas elege seus proacuteprios representantes que devem por ele decidir Mas natildeo pensavam realmente que instituindo uma democracia representativa acabariam por enfraquecer o princiacutepio do governo popular (BOBBIO 1988 p33-4)

Rousseau e Jefferson exerceram influecircncias baacutesicas nas construccedilotildees de modelos e formas de se pensar a democracia na atualidade Saliente-se

I poreacutem que J ames Madison 10 foi tatildeo influente quanto Jefferson se natildeo mais ainda no pensamento

[ americano Robert Dahl por exemplo elabora seu modelo de democracia no seacuteculo XX amplamente (apoiado) sobre Madison (MACPHERSON 1978 p22) Um dos elementos baacutesicos da teoria de f Madison (MADISON 1979 p87-181) sobre a democracia eacute o problema da acomodaccedilatildeo entre o poder das maiorias e o das minorias As questotildees da igualdade poliacutetica e da soberania aparecem entatildeo como centrais

Robert Dahl afirma que a proposiccedilatildeo fundamental da teoria madisoniana eacute a seguinte na ausecircncia de controles externos qualquer indiviacuteduo ou grupo de indiviacuteduos tiranizaraacute os demais Isto pressupotildee a necessidade desses controles externos que consistem na aplicaccedilatildeo de recompensas e

penalidades ou pelo menos a existecircncia da expectativa de que seratildeo aplicadas por alguma outra fonte que natildeo ele mesmo

A compreensatildeo da posiccedilatildeo de Madison sobre a democracia requer obviamente que a atenccedilatildeo seja voltada para a problemaacutetica que atormentava diversos constitucionalistas americanos no seacuteculo XVIII o risco da tirania da maioria eou das minorias Nessas condiccedilotildees Madison discutia as formas de evitar as facccedilotildees prevenir-lhe as causas ou corrigir-lhe os efeitosY

A preocupaccedilatildeo de Madison era a necessidade de diferenciar o que ele denominava democracia pura e governo representativo A primeira seria composta de um pequeno nuacutemero de cidadatildeos que se reuniriam e governar-se-iam por si mesmos Nas democracias puras teriam prevalecido as dissensotildees e a desordem uma vez que esta forma de governo seria incompatiacutevel observa Madison (MADISON 1979 p97) com a conservaccedilatildeo do direito de propriedade especialmente

Madison argumentava que o governo representativo (ou repuacuteblica) diferenciava-se da democracia pura principalmente pela maior abrangecircncia do nuacutemero de cidadatildeos Mas o seu traccedilo essencial estaria na forma de poderes delegados a um pequeno nuacutemero de indiviacuteduos que o povo escolhe (MADISON 1979p98)Ospressupostos da teoria madisoniana da democracia foram apenas indicados aqui com a intenccedilatildeo de destacar que sobre esses pilares floresceram inuacutemeras discussotildees No seacuteculo XX por exemplo natildeo eacute possiacutevel apreender os aspectos baacutesicos da teoria da democracia no que tange principalmente agraves abordagens pluralistas e elitistas sem passar pelos escritos de Madison

A questatildeo maioriaminoria uma das principais preocupaccedilotildees de Madison sempre esteve no centro do debate poliacutetico sobre a democracia12 no seacuteculo XX As discussotildees de Dahl Eckstein Berelson etc resguardando as suas diferenccedilas deixam evidentes as influecircncias de Madison

ASPECTOS GERAIS DA TEORIZACcedilAO DA DEMOCRACIA NO SEacuteCULO

XIX

Inuacutemeras reflexotildees acerca da democracia ganham focirclego durante o seacuteculo XIX Diversos

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVllr e XIX

teoacutericos da primeira metade deste seacuteculo expressavam claramente os desafios que se colocavam naquele momento e o grau de complexidade cada vez maior que a problemaacutetica da democracia ia assumindo

Com Bentham e James Mill assiste-se ao florescimento de uma posiccedilatildeo que Macpherson chamou de eacutetica humanista Dentre as questotildees enfatizadas estavam a proteccedilatildeo aos governados (Bentham e James Mill) e a possibilidade de desenvolver a capacidade humana que teve sua maacutexima nos escritos de John Stuart MillJ3 A anaacutelise de Bentham sobre a democracia estaacute ancorada no homem como um ser moral e social O aperfeiccediloamento do regime democraacutetico era tido por ele como algo essencial para o desenvolvimento do homem nos dois aspectos acima considerados

Os pressupostos da democracia em Bentham tecircm que ser destilados de sua discussatildeo em tomo do princiacutepio da autoridade14 A obra Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo (BENTHAM 1979) de 1789 ao buscar explicar a constituiccedilatildeo da conduta individual e social apresenta as melhores pistas para se captar uma concepccedilatildeo de democracia que estava florescendo no seacuteculo XIX a democracia15 liberal

Com as posiccedilotildees de Bentham e J ames Mill comeccedilou a delinear -se uma nova forma de conceber a relaccedilatildeo entre o sufraacutegio universal e a propriedade Ou seja neste momento o primeiro vai deixando de ser visto como a grande ameaccedila agrave segunda Evidentemente que havia ainda enormes restriccedilotildees ao sufraacutegio universal Os dois pensadores aqui mencionados encontraram grande dificuldade para lidar com esta questatildeo Bentham somente no final de sua vida defendia o sufraacutegio universal James Mill se propocircs a defendecirc-lo mas impunha muitas restriccedilotildees de forma que inuacutemeros indiviacuteduos ficavam fora deste direito poliacutetico

Bentham desenvolveu uma discussatildeo sobre a seguranccedila a igualdade e a propriedade que pode ser considerada um dos pilares da democracia liberal que ganhou focirclego na segunda metade do seacuteculo XIX A forma de lidar com o princiacutepio da propriedade dava agrave sua teoria um sentido singular para a relaccedilatildeo propriedade e igualdade Para Macpherson (MACPHERSON 1978 p38) a primeira teria nos escritos de Bentham supremacia absoluta sobre a segunda

A contribuiccedilatildeo maior de Bentham para a teoria da democracia desenvolvida no seacuteculo XIX foi a sua discussatildeo sobre o tipo de Estado e de sistema

poliacutetico capaz de proteger os governados Tratavashyse de um duplo problema o sistema poliacutetico devia produzir governos que tanto estabelecessem e fomentassem uma sociedade de mercado livre quanto protegessem os cidadatildeos contra governos rapaces ( ) (MACPHERSON 1978 p39) Ressalte-se que para Bentham a proteccedilatildeo aos cidadatildeos era o objetivo baacutesico do sistema democraacutetico que deveria se pautar num governo representativo e assentado sobre franquias 16

James Mill assim como Bentham deu uma enorme contribuiccedilatildeo para a discussatildeo em tomo da democracia no seacuteculo XIX Eacute preciso ressaltar no entanto que mesmo ele se reportando a uma franquia universal natildeo desapareciam as exclusotildees de parte significativa dos indiviacuteduos da possibilidade de atuaccedilatildeo no sistema poliacutetico Carole Pateman em Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica ameniza os traccedilos de exclusatildeo das teorias de Bentham e James Mill Para ela a noccedilatildeo de povo como classe numerosa implicava numa abrangecircncia significativa Macpherson no entanto emA democracia liberal ressalta o alto niacutevel de restriccedilatildeo que o sistema por franquias impunha

As teorias da democracia ganharam focirclego no seacuteculo XIX com a contribuiccedilatildeo de John Stuart Mill que se debateu entre a funccedilatildeo de um governo democraacutetico de proteccedilatildeo aos governados e a de atuar sobre a mente humana para desenvolver a sua capacidade Ele encara o governo e as instituiccedilotildees poliacuteticas emprimeiro lugar e acima de tudo como educativos no sentido mais amplo do termo ( ) (e) Apenas vecirc a possibilidade de desenvolvimento de um tipo de caraacuteter ativo de espiacuterito puacuteblico no contexto de instituiccedilotildees populares participativas (PATEMAN 1992 P43-4)

JSMill formulou sua discussatildeo em tomo da democracia levando em consideraccedilatildeo a ampla movimentaccedilatildeo da classe trabalhadora em meados do seacuteculo XIX Naquelas condiccedilotildees ele advogava a necessidade de desenvolver a mente de todos os membros da sociedade para se alcanccedilar o aperfeiccediloamento de um sistema poliacutetico democraacutetico

Para John Stuart Mill um sistema poliacutetico democraacutetico eacute avaliado como meio para aquele apeifeiccediloamento - meio necessaacuterio conquanto natildeo suficiente e uma sociedade democraacutetica eacute vista como resultado daquele apeifeiccediloamento e ao mesmo tempo como meio de mais apeifeiccediloamento (PATEMAN 1992 p52) A teoria democraacutetica de J S Mill destaca

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I ~ shyl l I I l

Maria Joseacute de Rezende

especialmente as possibilidades de desenvolvimento da capacidade humana Uma sociedade democraacutetica era aquela que permitisse que isto ocorresse de fato

Em Governo Representativo (MU 1964) J S Mill esclarecia algumas de suas preocupaccedilotildees quanto agrave forma de se chegar a essa sociedade democraacutetica A sua exposiccedilatildeo concentrava-se no estabelecimento de um sistema poliacutetico17 onde natildeo prevalecesse o egoiacutesmo tanto da minoria quanto da maioria Ou seja o sistema de voto plural (um voto para todos mas vaacuterios votos para alguns) visava segundo ele evitar a imposiccedilatildeo de uma maioria18

para uma minoria O elemento baacutesico a ser destacado na anaacutelise

de JSMill eacute que seu modelo de democracia enfatizava a necessidade de participaccedilatildeo dos membros da sociedade como fator de aperfeiccediloamento da democracia Natildeo haacute possibilidade neste artigo de se discutir as ambiguumlidades da noccedilatildeo de participaccedilatildeo em J SMill Carole Pateman (PATEMAN 1992 p42) analisa substancialmente os elementos da teoria da democracia participativa neste pensador bem como aponta para as suas dificuldades

Em termos gerais J S Mill considerava que a participaccedilatildeo no governo local eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a participaccedilatildeo a niacutevel nacional devido a seu efeito educativo ou aperfeiccediloador assim tambeacutem Mil sugere que a participaccedilatildeo no governo do local de trabalho teria o mesmo impacto (PATEMAN 1992 p51) Estas questotildees

bull esclarecem a preocupaccedilatildeo de JSMill com as ~

condiccedilotildees vivenciadas naquele momento em que a classe trabalhadora se colocava na arena poliacutetica com inuacutemeras exigecircncias e reivindicaccedilotildees ou seja num movimento significativo por melhores condiccedilotildees de existecircncia

A obra de JSMill representou em meados do seacuteculo XIX o encontro entre a teoria democraacutetica e a teoria liberal Suas discussotildees expressavam as transformaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteticas pelas quais passava a sociedade da eacutepoca Maurice Duverger afIrma que as transformaccedilotildees industriais do iniacutecio do seacuteculo XIX acabaram por destruir o sistema aristomonaacuterquico e a partir de meados do seacuteculo em questatildeo tomou corpo a democracia liberal (DUVERGER 1975 p56)

Afirmaccedilotildees desta natureza desfazem a concepccedilatildeo equivocada de que a democracia liberal nasceu com o liberalismo Para Sartori o ideal liberal e o democraacutetico mesclaram-se e essa mescla fez-se confusa (SARTORI 1965 p367)

A democracia liberal se constituiu num momento histoacuterico em que a questatildeo da democracia como participaccedilatildeo do homem comum nas questotildees do Estado era algo fundamental (HOBSBAWN 1982 p 117) Segundo Hobsbawn a fusatildeo do liberalismo com a democracia era uma necessidade uma vez que se tinha por um lado a democracia como uma forccedila histoacuterica reconhecida e por outro o liberalismo na sua forma de organizaccedilatildeo poliacutetica que representava agregados de indiviacuteduos de status legalmente iguais(HOBSBAWN 1982 p117)

O credo das massas afIrma Hobsbawn tinha que ser levado em conta na poliacutetica Eles eram por definiccedilatildeo numerosos ignorantes e perigosos muito perigosos precisamente devido agrave sua ignorante tendecircncia para acreditar em seus proacuteprios olhos que lhes diziam que aqueles que os governavam davam muito pouca atenccedilatildeo a suas miseacuterias e a loacutegica simplista que lhes sugeria que jaacute que eles formavam a grande maioria do povo o governo deveria basicamente servir-lhes em seus interesses (HOBSBAWN 1982 p117)

A partir de meados do seacuteculo XIX fIcava claro que as massas poderiam irromper no ciacuterculo fechado dos dirigentes da sociedade (HOBSBAWN 1982 p118) portanto fIcava cada dia mais claro nos paiacuteses desenvolvidos e industrializados () que mais cedo ou mais tarde os sistemas poliacuteticos teriam que abrir espaccedilo para estas forccedilas (HOBSBAWN 1982 p118) A democracia liberal preocupa-se entatildeo em defInir sua organizaccedilatildeo poliacutetica baseada na soberania popular cidadania eleiccedilotildees independecircncia de juizes liberdades poliacuteticas pluralismo de partidos etc

O contexto soacutecio-econocircmico e poliacutetico na Europa na segunda metade do seacuteculo XIX foi marcado pelas diversas formas de organizaccedilatildeo dos trabalhadores o que se constituiacutea sem nenhuma duacutevida num elemento baacutesico no redimensionamento das pressuposiccedilotildees em tomo da democracia

Nas cinco uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX no entanto o liberalismo viu-se desafIado o seu compromisso extremo com o mercado (DUVERGER 1975) deixava-o numa situaccedilatildeo absolutamente difiacutecil ante as exigecircncias de reformas sociais e poliacuteticas que a classe trabalhadora fazia de forma cada vez mais contundente

Assiste-se ao culminar do processo que se iniciou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX a adaptaccedilatildeo dos princiacutepios fundamentais do liberalismo agraves exigecircncias e demandas das classes dominadas A democracia liberal signifIcava a busca

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--A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVIII e XIX

de caminhos para uma sociedade que contava com uma crescente reivindicaccedilatildeo das massas

Segundo Sartori e Gruppi em meados do seacuteculo XIX a democracia fundiu-se com o liberalismo Tocqueville assinalam eles (TOCQUEVILLE 1977) foi a expressatildeo mais importante deste processo de fusatildeo A feliz conjuntura histoacuterica que os obrigava a reunir-se apagou as suas respectivas fronteiras e portanto acarretou uma variaccedilatildeo de atribuiccedilotildees dependendo de se um escritor estaacute mais interessado em conservar a democracia na oacuterbita do liberalismo ou em remontar agrave passagem do liberalismo a democracia (SARTORI 1965 P367)

A contribuiccedilatildeo de Alexis de Tocqueville para a discussatildeo sobre a democracia eacute inegaacutevel Ele estava firmemente convencido de que a liberdade principalmente a liberdade religiosa e moral (mais que a econocircmica) era o fundamento e o fermento de todo poder civil Mas havia compreendido que o seacuteculo nascido da revoluccedilatildeo caminhava impetuosamente e inexoravelmente em direccedilatildeo agrave democracia Era um processo incontrolaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

Tocqueville considerava a democracia forte o suficiente para resistir a qualquer ameaccedila Talvez cause admiraccedilatildeo o fato de ( ) (adotarmos) firmemente a opiniatildeo de que a revoluccedilatildeo democraacutetica de que somos testemunhas eacute um fato irresistiacutevel contra o qual natildeo seria nem desejaacutevel nem prudente lutar () (TOCQUEVILLE 1977 P319)

A democracia para Tocqueville precisava ser educada seus costumes deviam ser purificados seus movimentos necessitavam ser regulados seus instintos cegos tinham que ser controlados A sua anaacutelise sobreA democracia na Ameacuterica objetiva enfatizar a direccedilatildeo que a democracia () entregue agraves suas inclinaccedilotildees e abandonada quase sem restriccedilotildees aos seus instintos dava naturalmente agraves leis a marcha que imprimia ao governo e em geral a influecircncia que exercia sobre os negoacutecios do Estado (TOCQUEVILLE 1977 p19)

Tocqueville estava preocupado em detectar em que sentido os americanos estavam educando purificando controlando os movimentos da democracia ou seja quais eram as precauccedilotildees tomadas ( ) para dirigi-la () (e quais) as causas que lhe permit(iam) governar a sociedade (TOCQUEVIUE 1977 p19)

o livro 11 de A democracia na Ameacuterica tinha como objetivo mostrar a influecircncia que a igualdade e o governo da democracia exercem sobre a sociedade civil sobre os haacutebitos as ideacuteias e os costumes (TOCQUEVILLE 1977 p19) Desta forma ele indagava sobre as possibilidades de a liberdade sobreviver ou natildeo em uma sociedade cujo sistema exaltava o valor da igualdade natildeo apenas poliacutetica mas tambeacutem social

A preocupaccedilatildeo baacutesica de Tocqueville no livro 11 era com a possibilidade de que a igualdade desejada pela humanidade destruiacutesse a liberdade(GRUPPI 1985p45) Ele assinalava que caso isto ocorresse ao inveacutes da realizaccedilatildeo da democracia teriacuteamos a tirania

Eacute claro que se cada cidadatildeo na medida em que se tomasse individualmente mais fraco e por conseguinte mais incapaz de preservar isoladamente sua liberdade natildeo aprendesse a unirshyse a seus semelhantes para defendecirc-la a tirania cresceria necessariamente com a igualdade (TOCQUEVIUE 1977 p287) Ressalte-se que para Tocqueville da mesma forma que natildeo era admissiacutevel que todo o poder estivesse centrado nas matildeos de uma soacute pessoa natildeo podia ser desejaacutevel tambeacutem que todo o poder fosse atribuiacutedo a vaacuterios indiviacuteduos Tanto no primeiro caso quanto no segundo haveria a perda da liberdade

Os danos para a liberdade seriam tatildeo funestos numa sociedade onde prevalecesse a tirania de um quanto a tirania da maioria Acredito pois que eacute sempre necessaacuterio situar em alguma parte um poder social superior a todos os demais mas tambeacutem creio que a liberdade estaacute em perigo quando esse poder natildeo tem agrave sua frente nenhum obstaacuteculo que possa deter a sua marcha e dar-lhe o tempo de se moderar (TOCQUEVIUE 1977 p194)

O poder extremo era perigoso em toda e qualquer circunstacircncia Tocqueville afirmava Quando pois vejo concedido o direito e a faculdade de tudo fazer a um poder qualquer seja ele o povo ou o rei a democracia ou a aristocracia exercido numa monarquia ou numa repuacuteblica eu afirmo estaacute ali o germe da tirania ( )(TOCQUEVIUE 1977 p194)

A sua criacutetica agrave democracia americana era no sentido de que a vontade da maioria havia se transformado numa forccedila irresistiacutevel e desta forma tinha-se pouca garantia contra a tirania E mesmo que natildeo se fizesse uso frequumlente da tirania nos Estados Unidos natildeo havia uma internalizaccedilatildeo

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contraacuteria aos excessos que o despotismo da maioria poderia causar

a risco da tirania da maioria no entanto poderia ser amenizado em toda sociedade inclusive na Ameacuterica se um corpo legislativo fosse composto de forma que representasse a maioria mas que nunca fosse escravo de suas paixotildees um poder executivo que tenha uma forccedila que lhe seja proacutepria e um poder judiciaacuterio independente dos dois outros poderes ( )(TOCQUEVIILE 1977 p195) A igualdade poliacutetica eou social afrnnava Alexis de Tocqueville era sempre demonstrada corno um dos bens mais promissores dos homens no entanto poucos compreendiam o quanto esta poderia se tomar ameaccediladora

A igualdade segundo ele pode estabelecershyse na sociedade civil e natildeo reinar no mundo poliacutetico Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres de entrar para as mesmas profissotildees de encontrar-se nos mesmos lugares numa palavra de viver da mesma maneira e de procurar a riqueza pelos mesmos meios sem tomar todos a mesma parte do governo Pode estabelecer-se mesmo uma espeacutecie de igualdade no mundo poliacutetico embora natildeo haja a liberdade poliacutetica Somos iguais a todos os nossos semelhantes menos um que eacute sem distinccedilatildeo o senhor de todos e que toma igualmente entre todos os agentes do seu poder (TOCQUEVlILE 1977 p384)

Os povos democratas apreciam a liberdade sem nenhuma duacutevida mas tecircm verdadeira paixatildeo pela igualdade argumenta Tocqueville O sentimento de igualdade seria no seacuteculo XIX pleno de singularidade ou seja algo que os homens encaram corno a maior de suas conquistas o maior bem que se poderia almejar Eu acredito que os povos democraacuteticos tecircm um gosto natural pela liberdade entregues a si mesmos procuram-na e se entristecem quando lhes eacute tirada Mas tecircm pela igualdade uma paixatildeo ardente insaciaacutevel eterna invenciacutevel desejam a igualdade dentro da liberdade e se natildeo a podem obter ainda a desejam na escravidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p385shy6)

A liberdade e a igualdade natildeo se confundem ou seja natildeo eacute possiacutevel afrnnar que a existecircncia de uma fatalmente implicaraacute na da outra A liberdade afirma Tocqueville manifestou-se aos homens em diferentes ocasiotildees e sob diferentes formas nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontraacute-la tambeacutem fora das democracias (TOCQUEVIILE 1977 p384)

Alexis de Tocqueville no entanto na quarta parte do segundo livro de A democracia na Ameacuterica ao discutir a influecircncia das ideacuteias e dos sentimentos democraacuteticos na sociedade poliacutetica destaca os aspectos positivos da igualdade uma vez que esta desenvolve nos homens o gosto pelas instituiccedilotildees livres

Ressalte-se que dentre os efeitos poliacuteticos produzidos pela igualdade estaacute o apreccedilo agraves instituiccedilotildees livres o que pode conduzir agrave anarquia mas afirma Tocqueville estou convencido poreacutem que a anarquia natildeo eacute o principal mal que os seacuteculos democraacuteticos devem temer mas o menor A igualdade produz com efeito duas tendecircncias uma conduz os homens diretamente agrave independecircncia e os pode impelir de repente para a anarquia a outra os conduz por um caminho mais longo mais secreto mais seguro para a servidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p512)

Fica portanto evidenciado que Tocqueville mesmo destacando os efeitos positivos da igualdade natildeo deixa de consideraacute-la sob o seu aspecto negativo que eacute a possibilidade de que ela conduza agrave servidatildeo ou seja agrave tirania da maioria

Norberto Bobbio afirma que na linguagem de Tocqueville democracia significa por um lado () forma de governo19 em que todos participam da coisa puacuteblica o contraacuterio de aristocracia por outro lado significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que ao se entender acabaraacute porsubmergir as sociedades tradicionais fundarias sobre uma ordem hieraacuterquica imutaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

A democracia corno forma de governo seria uma constante ameaccedila para Tocqueville afirma Bobbio O perigo que a democracia corre como progressiva realizaccedilatildeo do ideal igualitaacuterio eacute o nivelamento cujo efeito final eacute o despotismo Satildeo duas formas diversas de tirania e portanto ambas embora de maneira diversa satildeo a negaccedilatildeo da liberdade(BOBBIO 1988 p57)

Os pressupostos acerca da democracia desenvolvidos nos seacuteculos XVIII e XIX constituiacuteram-se em alicerces sobre os quais se desenvolveu uma ampla reflexatildeo no seacuteculo seguinte Os rumos que tornaram as inuacutemeras indagaccedilotildees durante o seacuteculo XX merecem certamente um outro artigo

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

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Maria Joseacute de Rezende

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Maria Joseacute de Rezende

central nos escritos de Thomas Jefferson (JEFFERSON 1979 pOl-40) para quem a democracia exigia uma sociedade em que todos fossem economicamente independentes isto porque sua confianccedila no povo era confianccedila no proprietaacuterio trabalhador independente (que ele via) como a espinha dorsal e esperava que permanecesse a espinha dorsal da sociedade americana (JEFFERSON 1979 p24-5)

Anthony Arblaster emA democracia assinala que o objetivo de Jefferson natildeo era a democracia mas o governo limitado ou seja a repuacuteblica representativa Na mesma linha estaria Hamilton9

(federalista americano) para quem a democracia representativa (HAMILTON 1979) evitava os perigos obviamente inerentes agrave democracia simples Estes pensadores elaboravam segundo Arblaster uma versatildeo de democracia como alternativa agrave concepccedilatildeo de governo popular (ARBLASTER 1988 p66)

Norberto Bobbio numa outra linha de anaacutelise argumenta que os federalistas estavam preocupados com a questatildeo da democracia mas viam que a uacutenica democracia adequada era a representativa (BOBBIO 1988 p33) Uma forma de governo [ em que o povo natildeo toma ele mesmo as decisotildees que lhe dizem respeito mas elege seus proacuteprios representantes que devem por ele decidir Mas natildeo pensavam realmente que instituindo uma democracia representativa acabariam por enfraquecer o princiacutepio do governo popular (BOBBIO 1988 p33-4)

Rousseau e Jefferson exerceram influecircncias baacutesicas nas construccedilotildees de modelos e formas de se pensar a democracia na atualidade Saliente-se

I poreacutem que J ames Madison 10 foi tatildeo influente quanto Jefferson se natildeo mais ainda no pensamento

[ americano Robert Dahl por exemplo elabora seu modelo de democracia no seacuteculo XX amplamente (apoiado) sobre Madison (MACPHERSON 1978 p22) Um dos elementos baacutesicos da teoria de f Madison (MADISON 1979 p87-181) sobre a democracia eacute o problema da acomodaccedilatildeo entre o poder das maiorias e o das minorias As questotildees da igualdade poliacutetica e da soberania aparecem entatildeo como centrais

Robert Dahl afirma que a proposiccedilatildeo fundamental da teoria madisoniana eacute a seguinte na ausecircncia de controles externos qualquer indiviacuteduo ou grupo de indiviacuteduos tiranizaraacute os demais Isto pressupotildee a necessidade desses controles externos que consistem na aplicaccedilatildeo de recompensas e

penalidades ou pelo menos a existecircncia da expectativa de que seratildeo aplicadas por alguma outra fonte que natildeo ele mesmo

A compreensatildeo da posiccedilatildeo de Madison sobre a democracia requer obviamente que a atenccedilatildeo seja voltada para a problemaacutetica que atormentava diversos constitucionalistas americanos no seacuteculo XVIII o risco da tirania da maioria eou das minorias Nessas condiccedilotildees Madison discutia as formas de evitar as facccedilotildees prevenir-lhe as causas ou corrigir-lhe os efeitosY

A preocupaccedilatildeo de Madison era a necessidade de diferenciar o que ele denominava democracia pura e governo representativo A primeira seria composta de um pequeno nuacutemero de cidadatildeos que se reuniriam e governar-se-iam por si mesmos Nas democracias puras teriam prevalecido as dissensotildees e a desordem uma vez que esta forma de governo seria incompatiacutevel observa Madison (MADISON 1979 p97) com a conservaccedilatildeo do direito de propriedade especialmente

Madison argumentava que o governo representativo (ou repuacuteblica) diferenciava-se da democracia pura principalmente pela maior abrangecircncia do nuacutemero de cidadatildeos Mas o seu traccedilo essencial estaria na forma de poderes delegados a um pequeno nuacutemero de indiviacuteduos que o povo escolhe (MADISON 1979p98)Ospressupostos da teoria madisoniana da democracia foram apenas indicados aqui com a intenccedilatildeo de destacar que sobre esses pilares floresceram inuacutemeras discussotildees No seacuteculo XX por exemplo natildeo eacute possiacutevel apreender os aspectos baacutesicos da teoria da democracia no que tange principalmente agraves abordagens pluralistas e elitistas sem passar pelos escritos de Madison

A questatildeo maioriaminoria uma das principais preocupaccedilotildees de Madison sempre esteve no centro do debate poliacutetico sobre a democracia12 no seacuteculo XX As discussotildees de Dahl Eckstein Berelson etc resguardando as suas diferenccedilas deixam evidentes as influecircncias de Madison

ASPECTOS GERAIS DA TEORIZACcedilAO DA DEMOCRACIA NO SEacuteCULO

XIX

Inuacutemeras reflexotildees acerca da democracia ganham focirclego durante o seacuteculo XIX Diversos

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVllr e XIX

teoacutericos da primeira metade deste seacuteculo expressavam claramente os desafios que se colocavam naquele momento e o grau de complexidade cada vez maior que a problemaacutetica da democracia ia assumindo

Com Bentham e James Mill assiste-se ao florescimento de uma posiccedilatildeo que Macpherson chamou de eacutetica humanista Dentre as questotildees enfatizadas estavam a proteccedilatildeo aos governados (Bentham e James Mill) e a possibilidade de desenvolver a capacidade humana que teve sua maacutexima nos escritos de John Stuart MillJ3 A anaacutelise de Bentham sobre a democracia estaacute ancorada no homem como um ser moral e social O aperfeiccediloamento do regime democraacutetico era tido por ele como algo essencial para o desenvolvimento do homem nos dois aspectos acima considerados

Os pressupostos da democracia em Bentham tecircm que ser destilados de sua discussatildeo em tomo do princiacutepio da autoridade14 A obra Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo (BENTHAM 1979) de 1789 ao buscar explicar a constituiccedilatildeo da conduta individual e social apresenta as melhores pistas para se captar uma concepccedilatildeo de democracia que estava florescendo no seacuteculo XIX a democracia15 liberal

Com as posiccedilotildees de Bentham e J ames Mill comeccedilou a delinear -se uma nova forma de conceber a relaccedilatildeo entre o sufraacutegio universal e a propriedade Ou seja neste momento o primeiro vai deixando de ser visto como a grande ameaccedila agrave segunda Evidentemente que havia ainda enormes restriccedilotildees ao sufraacutegio universal Os dois pensadores aqui mencionados encontraram grande dificuldade para lidar com esta questatildeo Bentham somente no final de sua vida defendia o sufraacutegio universal James Mill se propocircs a defendecirc-lo mas impunha muitas restriccedilotildees de forma que inuacutemeros indiviacuteduos ficavam fora deste direito poliacutetico

Bentham desenvolveu uma discussatildeo sobre a seguranccedila a igualdade e a propriedade que pode ser considerada um dos pilares da democracia liberal que ganhou focirclego na segunda metade do seacuteculo XIX A forma de lidar com o princiacutepio da propriedade dava agrave sua teoria um sentido singular para a relaccedilatildeo propriedade e igualdade Para Macpherson (MACPHERSON 1978 p38) a primeira teria nos escritos de Bentham supremacia absoluta sobre a segunda

A contribuiccedilatildeo maior de Bentham para a teoria da democracia desenvolvida no seacuteculo XIX foi a sua discussatildeo sobre o tipo de Estado e de sistema

poliacutetico capaz de proteger os governados Tratavashyse de um duplo problema o sistema poliacutetico devia produzir governos que tanto estabelecessem e fomentassem uma sociedade de mercado livre quanto protegessem os cidadatildeos contra governos rapaces ( ) (MACPHERSON 1978 p39) Ressalte-se que para Bentham a proteccedilatildeo aos cidadatildeos era o objetivo baacutesico do sistema democraacutetico que deveria se pautar num governo representativo e assentado sobre franquias 16

James Mill assim como Bentham deu uma enorme contribuiccedilatildeo para a discussatildeo em tomo da democracia no seacuteculo XIX Eacute preciso ressaltar no entanto que mesmo ele se reportando a uma franquia universal natildeo desapareciam as exclusotildees de parte significativa dos indiviacuteduos da possibilidade de atuaccedilatildeo no sistema poliacutetico Carole Pateman em Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica ameniza os traccedilos de exclusatildeo das teorias de Bentham e James Mill Para ela a noccedilatildeo de povo como classe numerosa implicava numa abrangecircncia significativa Macpherson no entanto emA democracia liberal ressalta o alto niacutevel de restriccedilatildeo que o sistema por franquias impunha

As teorias da democracia ganharam focirclego no seacuteculo XIX com a contribuiccedilatildeo de John Stuart Mill que se debateu entre a funccedilatildeo de um governo democraacutetico de proteccedilatildeo aos governados e a de atuar sobre a mente humana para desenvolver a sua capacidade Ele encara o governo e as instituiccedilotildees poliacuteticas emprimeiro lugar e acima de tudo como educativos no sentido mais amplo do termo ( ) (e) Apenas vecirc a possibilidade de desenvolvimento de um tipo de caraacuteter ativo de espiacuterito puacuteblico no contexto de instituiccedilotildees populares participativas (PATEMAN 1992 P43-4)

JSMill formulou sua discussatildeo em tomo da democracia levando em consideraccedilatildeo a ampla movimentaccedilatildeo da classe trabalhadora em meados do seacuteculo XIX Naquelas condiccedilotildees ele advogava a necessidade de desenvolver a mente de todos os membros da sociedade para se alcanccedilar o aperfeiccediloamento de um sistema poliacutetico democraacutetico

Para John Stuart Mill um sistema poliacutetico democraacutetico eacute avaliado como meio para aquele apeifeiccediloamento - meio necessaacuterio conquanto natildeo suficiente e uma sociedade democraacutetica eacute vista como resultado daquele apeifeiccediloamento e ao mesmo tempo como meio de mais apeifeiccediloamento (PATEMAN 1992 p52) A teoria democraacutetica de J S Mill destaca

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I ~ shyl l I I l

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especialmente as possibilidades de desenvolvimento da capacidade humana Uma sociedade democraacutetica era aquela que permitisse que isto ocorresse de fato

Em Governo Representativo (MU 1964) J S Mill esclarecia algumas de suas preocupaccedilotildees quanto agrave forma de se chegar a essa sociedade democraacutetica A sua exposiccedilatildeo concentrava-se no estabelecimento de um sistema poliacutetico17 onde natildeo prevalecesse o egoiacutesmo tanto da minoria quanto da maioria Ou seja o sistema de voto plural (um voto para todos mas vaacuterios votos para alguns) visava segundo ele evitar a imposiccedilatildeo de uma maioria18

para uma minoria O elemento baacutesico a ser destacado na anaacutelise

de JSMill eacute que seu modelo de democracia enfatizava a necessidade de participaccedilatildeo dos membros da sociedade como fator de aperfeiccediloamento da democracia Natildeo haacute possibilidade neste artigo de se discutir as ambiguumlidades da noccedilatildeo de participaccedilatildeo em J SMill Carole Pateman (PATEMAN 1992 p42) analisa substancialmente os elementos da teoria da democracia participativa neste pensador bem como aponta para as suas dificuldades

Em termos gerais J S Mill considerava que a participaccedilatildeo no governo local eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a participaccedilatildeo a niacutevel nacional devido a seu efeito educativo ou aperfeiccediloador assim tambeacutem Mil sugere que a participaccedilatildeo no governo do local de trabalho teria o mesmo impacto (PATEMAN 1992 p51) Estas questotildees

bull esclarecem a preocupaccedilatildeo de JSMill com as ~

condiccedilotildees vivenciadas naquele momento em que a classe trabalhadora se colocava na arena poliacutetica com inuacutemeras exigecircncias e reivindicaccedilotildees ou seja num movimento significativo por melhores condiccedilotildees de existecircncia

A obra de JSMill representou em meados do seacuteculo XIX o encontro entre a teoria democraacutetica e a teoria liberal Suas discussotildees expressavam as transformaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteticas pelas quais passava a sociedade da eacutepoca Maurice Duverger afIrma que as transformaccedilotildees industriais do iniacutecio do seacuteculo XIX acabaram por destruir o sistema aristomonaacuterquico e a partir de meados do seacuteculo em questatildeo tomou corpo a democracia liberal (DUVERGER 1975 p56)

Afirmaccedilotildees desta natureza desfazem a concepccedilatildeo equivocada de que a democracia liberal nasceu com o liberalismo Para Sartori o ideal liberal e o democraacutetico mesclaram-se e essa mescla fez-se confusa (SARTORI 1965 p367)

A democracia liberal se constituiu num momento histoacuterico em que a questatildeo da democracia como participaccedilatildeo do homem comum nas questotildees do Estado era algo fundamental (HOBSBAWN 1982 p 117) Segundo Hobsbawn a fusatildeo do liberalismo com a democracia era uma necessidade uma vez que se tinha por um lado a democracia como uma forccedila histoacuterica reconhecida e por outro o liberalismo na sua forma de organizaccedilatildeo poliacutetica que representava agregados de indiviacuteduos de status legalmente iguais(HOBSBAWN 1982 p117)

O credo das massas afIrma Hobsbawn tinha que ser levado em conta na poliacutetica Eles eram por definiccedilatildeo numerosos ignorantes e perigosos muito perigosos precisamente devido agrave sua ignorante tendecircncia para acreditar em seus proacuteprios olhos que lhes diziam que aqueles que os governavam davam muito pouca atenccedilatildeo a suas miseacuterias e a loacutegica simplista que lhes sugeria que jaacute que eles formavam a grande maioria do povo o governo deveria basicamente servir-lhes em seus interesses (HOBSBAWN 1982 p117)

A partir de meados do seacuteculo XIX fIcava claro que as massas poderiam irromper no ciacuterculo fechado dos dirigentes da sociedade (HOBSBAWN 1982 p118) portanto fIcava cada dia mais claro nos paiacuteses desenvolvidos e industrializados () que mais cedo ou mais tarde os sistemas poliacuteticos teriam que abrir espaccedilo para estas forccedilas (HOBSBAWN 1982 p118) A democracia liberal preocupa-se entatildeo em defInir sua organizaccedilatildeo poliacutetica baseada na soberania popular cidadania eleiccedilotildees independecircncia de juizes liberdades poliacuteticas pluralismo de partidos etc

O contexto soacutecio-econocircmico e poliacutetico na Europa na segunda metade do seacuteculo XIX foi marcado pelas diversas formas de organizaccedilatildeo dos trabalhadores o que se constituiacutea sem nenhuma duacutevida num elemento baacutesico no redimensionamento das pressuposiccedilotildees em tomo da democracia

Nas cinco uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX no entanto o liberalismo viu-se desafIado o seu compromisso extremo com o mercado (DUVERGER 1975) deixava-o numa situaccedilatildeo absolutamente difiacutecil ante as exigecircncias de reformas sociais e poliacuteticas que a classe trabalhadora fazia de forma cada vez mais contundente

Assiste-se ao culminar do processo que se iniciou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX a adaptaccedilatildeo dos princiacutepios fundamentais do liberalismo agraves exigecircncias e demandas das classes dominadas A democracia liberal signifIcava a busca

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--A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVIII e XIX

de caminhos para uma sociedade que contava com uma crescente reivindicaccedilatildeo das massas

Segundo Sartori e Gruppi em meados do seacuteculo XIX a democracia fundiu-se com o liberalismo Tocqueville assinalam eles (TOCQUEVILLE 1977) foi a expressatildeo mais importante deste processo de fusatildeo A feliz conjuntura histoacuterica que os obrigava a reunir-se apagou as suas respectivas fronteiras e portanto acarretou uma variaccedilatildeo de atribuiccedilotildees dependendo de se um escritor estaacute mais interessado em conservar a democracia na oacuterbita do liberalismo ou em remontar agrave passagem do liberalismo a democracia (SARTORI 1965 P367)

A contribuiccedilatildeo de Alexis de Tocqueville para a discussatildeo sobre a democracia eacute inegaacutevel Ele estava firmemente convencido de que a liberdade principalmente a liberdade religiosa e moral (mais que a econocircmica) era o fundamento e o fermento de todo poder civil Mas havia compreendido que o seacuteculo nascido da revoluccedilatildeo caminhava impetuosamente e inexoravelmente em direccedilatildeo agrave democracia Era um processo incontrolaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

Tocqueville considerava a democracia forte o suficiente para resistir a qualquer ameaccedila Talvez cause admiraccedilatildeo o fato de ( ) (adotarmos) firmemente a opiniatildeo de que a revoluccedilatildeo democraacutetica de que somos testemunhas eacute um fato irresistiacutevel contra o qual natildeo seria nem desejaacutevel nem prudente lutar () (TOCQUEVILLE 1977 P319)

A democracia para Tocqueville precisava ser educada seus costumes deviam ser purificados seus movimentos necessitavam ser regulados seus instintos cegos tinham que ser controlados A sua anaacutelise sobreA democracia na Ameacuterica objetiva enfatizar a direccedilatildeo que a democracia () entregue agraves suas inclinaccedilotildees e abandonada quase sem restriccedilotildees aos seus instintos dava naturalmente agraves leis a marcha que imprimia ao governo e em geral a influecircncia que exercia sobre os negoacutecios do Estado (TOCQUEVILLE 1977 p19)

Tocqueville estava preocupado em detectar em que sentido os americanos estavam educando purificando controlando os movimentos da democracia ou seja quais eram as precauccedilotildees tomadas ( ) para dirigi-la () (e quais) as causas que lhe permit(iam) governar a sociedade (TOCQUEVIUE 1977 p19)

o livro 11 de A democracia na Ameacuterica tinha como objetivo mostrar a influecircncia que a igualdade e o governo da democracia exercem sobre a sociedade civil sobre os haacutebitos as ideacuteias e os costumes (TOCQUEVILLE 1977 p19) Desta forma ele indagava sobre as possibilidades de a liberdade sobreviver ou natildeo em uma sociedade cujo sistema exaltava o valor da igualdade natildeo apenas poliacutetica mas tambeacutem social

A preocupaccedilatildeo baacutesica de Tocqueville no livro 11 era com a possibilidade de que a igualdade desejada pela humanidade destruiacutesse a liberdade(GRUPPI 1985p45) Ele assinalava que caso isto ocorresse ao inveacutes da realizaccedilatildeo da democracia teriacuteamos a tirania

Eacute claro que se cada cidadatildeo na medida em que se tomasse individualmente mais fraco e por conseguinte mais incapaz de preservar isoladamente sua liberdade natildeo aprendesse a unirshyse a seus semelhantes para defendecirc-la a tirania cresceria necessariamente com a igualdade (TOCQUEVIUE 1977 p287) Ressalte-se que para Tocqueville da mesma forma que natildeo era admissiacutevel que todo o poder estivesse centrado nas matildeos de uma soacute pessoa natildeo podia ser desejaacutevel tambeacutem que todo o poder fosse atribuiacutedo a vaacuterios indiviacuteduos Tanto no primeiro caso quanto no segundo haveria a perda da liberdade

Os danos para a liberdade seriam tatildeo funestos numa sociedade onde prevalecesse a tirania de um quanto a tirania da maioria Acredito pois que eacute sempre necessaacuterio situar em alguma parte um poder social superior a todos os demais mas tambeacutem creio que a liberdade estaacute em perigo quando esse poder natildeo tem agrave sua frente nenhum obstaacuteculo que possa deter a sua marcha e dar-lhe o tempo de se moderar (TOCQUEVIUE 1977 p194)

O poder extremo era perigoso em toda e qualquer circunstacircncia Tocqueville afirmava Quando pois vejo concedido o direito e a faculdade de tudo fazer a um poder qualquer seja ele o povo ou o rei a democracia ou a aristocracia exercido numa monarquia ou numa repuacuteblica eu afirmo estaacute ali o germe da tirania ( )(TOCQUEVIUE 1977 p194)

A sua criacutetica agrave democracia americana era no sentido de que a vontade da maioria havia se transformado numa forccedila irresistiacutevel e desta forma tinha-se pouca garantia contra a tirania E mesmo que natildeo se fizesse uso frequumlente da tirania nos Estados Unidos natildeo havia uma internalizaccedilatildeo

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contraacuteria aos excessos que o despotismo da maioria poderia causar

a risco da tirania da maioria no entanto poderia ser amenizado em toda sociedade inclusive na Ameacuterica se um corpo legislativo fosse composto de forma que representasse a maioria mas que nunca fosse escravo de suas paixotildees um poder executivo que tenha uma forccedila que lhe seja proacutepria e um poder judiciaacuterio independente dos dois outros poderes ( )(TOCQUEVIILE 1977 p195) A igualdade poliacutetica eou social afrnnava Alexis de Tocqueville era sempre demonstrada corno um dos bens mais promissores dos homens no entanto poucos compreendiam o quanto esta poderia se tomar ameaccediladora

A igualdade segundo ele pode estabelecershyse na sociedade civil e natildeo reinar no mundo poliacutetico Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres de entrar para as mesmas profissotildees de encontrar-se nos mesmos lugares numa palavra de viver da mesma maneira e de procurar a riqueza pelos mesmos meios sem tomar todos a mesma parte do governo Pode estabelecer-se mesmo uma espeacutecie de igualdade no mundo poliacutetico embora natildeo haja a liberdade poliacutetica Somos iguais a todos os nossos semelhantes menos um que eacute sem distinccedilatildeo o senhor de todos e que toma igualmente entre todos os agentes do seu poder (TOCQUEVlILE 1977 p384)

Os povos democratas apreciam a liberdade sem nenhuma duacutevida mas tecircm verdadeira paixatildeo pela igualdade argumenta Tocqueville O sentimento de igualdade seria no seacuteculo XIX pleno de singularidade ou seja algo que os homens encaram corno a maior de suas conquistas o maior bem que se poderia almejar Eu acredito que os povos democraacuteticos tecircm um gosto natural pela liberdade entregues a si mesmos procuram-na e se entristecem quando lhes eacute tirada Mas tecircm pela igualdade uma paixatildeo ardente insaciaacutevel eterna invenciacutevel desejam a igualdade dentro da liberdade e se natildeo a podem obter ainda a desejam na escravidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p385shy6)

A liberdade e a igualdade natildeo se confundem ou seja natildeo eacute possiacutevel afrnnar que a existecircncia de uma fatalmente implicaraacute na da outra A liberdade afirma Tocqueville manifestou-se aos homens em diferentes ocasiotildees e sob diferentes formas nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontraacute-la tambeacutem fora das democracias (TOCQUEVIILE 1977 p384)

Alexis de Tocqueville no entanto na quarta parte do segundo livro de A democracia na Ameacuterica ao discutir a influecircncia das ideacuteias e dos sentimentos democraacuteticos na sociedade poliacutetica destaca os aspectos positivos da igualdade uma vez que esta desenvolve nos homens o gosto pelas instituiccedilotildees livres

Ressalte-se que dentre os efeitos poliacuteticos produzidos pela igualdade estaacute o apreccedilo agraves instituiccedilotildees livres o que pode conduzir agrave anarquia mas afirma Tocqueville estou convencido poreacutem que a anarquia natildeo eacute o principal mal que os seacuteculos democraacuteticos devem temer mas o menor A igualdade produz com efeito duas tendecircncias uma conduz os homens diretamente agrave independecircncia e os pode impelir de repente para a anarquia a outra os conduz por um caminho mais longo mais secreto mais seguro para a servidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p512)

Fica portanto evidenciado que Tocqueville mesmo destacando os efeitos positivos da igualdade natildeo deixa de consideraacute-la sob o seu aspecto negativo que eacute a possibilidade de que ela conduza agrave servidatildeo ou seja agrave tirania da maioria

Norberto Bobbio afirma que na linguagem de Tocqueville democracia significa por um lado () forma de governo19 em que todos participam da coisa puacuteblica o contraacuterio de aristocracia por outro lado significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que ao se entender acabaraacute porsubmergir as sociedades tradicionais fundarias sobre uma ordem hieraacuterquica imutaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

A democracia corno forma de governo seria uma constante ameaccedila para Tocqueville afirma Bobbio O perigo que a democracia corre como progressiva realizaccedilatildeo do ideal igualitaacuterio eacute o nivelamento cujo efeito final eacute o despotismo Satildeo duas formas diversas de tirania e portanto ambas embora de maneira diversa satildeo a negaccedilatildeo da liberdade(BOBBIO 1988 p57)

Os pressupostos acerca da democracia desenvolvidos nos seacuteculos XVIII e XIX constituiacuteram-se em alicerces sobre os quais se desenvolveu uma ampla reflexatildeo no seacuteculo seguinte Os rumos que tornaram as inuacutemeras indagaccedilotildees durante o seacuteculo XX merecem certamente um outro artigo

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

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Maria Joseacute de Rezende

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVllr e XIX

teoacutericos da primeira metade deste seacuteculo expressavam claramente os desafios que se colocavam naquele momento e o grau de complexidade cada vez maior que a problemaacutetica da democracia ia assumindo

Com Bentham e James Mill assiste-se ao florescimento de uma posiccedilatildeo que Macpherson chamou de eacutetica humanista Dentre as questotildees enfatizadas estavam a proteccedilatildeo aos governados (Bentham e James Mill) e a possibilidade de desenvolver a capacidade humana que teve sua maacutexima nos escritos de John Stuart MillJ3 A anaacutelise de Bentham sobre a democracia estaacute ancorada no homem como um ser moral e social O aperfeiccediloamento do regime democraacutetico era tido por ele como algo essencial para o desenvolvimento do homem nos dois aspectos acima considerados

Os pressupostos da democracia em Bentham tecircm que ser destilados de sua discussatildeo em tomo do princiacutepio da autoridade14 A obra Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo (BENTHAM 1979) de 1789 ao buscar explicar a constituiccedilatildeo da conduta individual e social apresenta as melhores pistas para se captar uma concepccedilatildeo de democracia que estava florescendo no seacuteculo XIX a democracia15 liberal

Com as posiccedilotildees de Bentham e J ames Mill comeccedilou a delinear -se uma nova forma de conceber a relaccedilatildeo entre o sufraacutegio universal e a propriedade Ou seja neste momento o primeiro vai deixando de ser visto como a grande ameaccedila agrave segunda Evidentemente que havia ainda enormes restriccedilotildees ao sufraacutegio universal Os dois pensadores aqui mencionados encontraram grande dificuldade para lidar com esta questatildeo Bentham somente no final de sua vida defendia o sufraacutegio universal James Mill se propocircs a defendecirc-lo mas impunha muitas restriccedilotildees de forma que inuacutemeros indiviacuteduos ficavam fora deste direito poliacutetico

Bentham desenvolveu uma discussatildeo sobre a seguranccedila a igualdade e a propriedade que pode ser considerada um dos pilares da democracia liberal que ganhou focirclego na segunda metade do seacuteculo XIX A forma de lidar com o princiacutepio da propriedade dava agrave sua teoria um sentido singular para a relaccedilatildeo propriedade e igualdade Para Macpherson (MACPHERSON 1978 p38) a primeira teria nos escritos de Bentham supremacia absoluta sobre a segunda

A contribuiccedilatildeo maior de Bentham para a teoria da democracia desenvolvida no seacuteculo XIX foi a sua discussatildeo sobre o tipo de Estado e de sistema

poliacutetico capaz de proteger os governados Tratavashyse de um duplo problema o sistema poliacutetico devia produzir governos que tanto estabelecessem e fomentassem uma sociedade de mercado livre quanto protegessem os cidadatildeos contra governos rapaces ( ) (MACPHERSON 1978 p39) Ressalte-se que para Bentham a proteccedilatildeo aos cidadatildeos era o objetivo baacutesico do sistema democraacutetico que deveria se pautar num governo representativo e assentado sobre franquias 16

James Mill assim como Bentham deu uma enorme contribuiccedilatildeo para a discussatildeo em tomo da democracia no seacuteculo XIX Eacute preciso ressaltar no entanto que mesmo ele se reportando a uma franquia universal natildeo desapareciam as exclusotildees de parte significativa dos indiviacuteduos da possibilidade de atuaccedilatildeo no sistema poliacutetico Carole Pateman em Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica ameniza os traccedilos de exclusatildeo das teorias de Bentham e James Mill Para ela a noccedilatildeo de povo como classe numerosa implicava numa abrangecircncia significativa Macpherson no entanto emA democracia liberal ressalta o alto niacutevel de restriccedilatildeo que o sistema por franquias impunha

As teorias da democracia ganharam focirclego no seacuteculo XIX com a contribuiccedilatildeo de John Stuart Mill que se debateu entre a funccedilatildeo de um governo democraacutetico de proteccedilatildeo aos governados e a de atuar sobre a mente humana para desenvolver a sua capacidade Ele encara o governo e as instituiccedilotildees poliacuteticas emprimeiro lugar e acima de tudo como educativos no sentido mais amplo do termo ( ) (e) Apenas vecirc a possibilidade de desenvolvimento de um tipo de caraacuteter ativo de espiacuterito puacuteblico no contexto de instituiccedilotildees populares participativas (PATEMAN 1992 P43-4)

JSMill formulou sua discussatildeo em tomo da democracia levando em consideraccedilatildeo a ampla movimentaccedilatildeo da classe trabalhadora em meados do seacuteculo XIX Naquelas condiccedilotildees ele advogava a necessidade de desenvolver a mente de todos os membros da sociedade para se alcanccedilar o aperfeiccediloamento de um sistema poliacutetico democraacutetico

Para John Stuart Mill um sistema poliacutetico democraacutetico eacute avaliado como meio para aquele apeifeiccediloamento - meio necessaacuterio conquanto natildeo suficiente e uma sociedade democraacutetica eacute vista como resultado daquele apeifeiccediloamento e ao mesmo tempo como meio de mais apeifeiccediloamento (PATEMAN 1992 p52) A teoria democraacutetica de J S Mill destaca

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especialmente as possibilidades de desenvolvimento da capacidade humana Uma sociedade democraacutetica era aquela que permitisse que isto ocorresse de fato

Em Governo Representativo (MU 1964) J S Mill esclarecia algumas de suas preocupaccedilotildees quanto agrave forma de se chegar a essa sociedade democraacutetica A sua exposiccedilatildeo concentrava-se no estabelecimento de um sistema poliacutetico17 onde natildeo prevalecesse o egoiacutesmo tanto da minoria quanto da maioria Ou seja o sistema de voto plural (um voto para todos mas vaacuterios votos para alguns) visava segundo ele evitar a imposiccedilatildeo de uma maioria18

para uma minoria O elemento baacutesico a ser destacado na anaacutelise

de JSMill eacute que seu modelo de democracia enfatizava a necessidade de participaccedilatildeo dos membros da sociedade como fator de aperfeiccediloamento da democracia Natildeo haacute possibilidade neste artigo de se discutir as ambiguumlidades da noccedilatildeo de participaccedilatildeo em J SMill Carole Pateman (PATEMAN 1992 p42) analisa substancialmente os elementos da teoria da democracia participativa neste pensador bem como aponta para as suas dificuldades

Em termos gerais J S Mill considerava que a participaccedilatildeo no governo local eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a participaccedilatildeo a niacutevel nacional devido a seu efeito educativo ou aperfeiccediloador assim tambeacutem Mil sugere que a participaccedilatildeo no governo do local de trabalho teria o mesmo impacto (PATEMAN 1992 p51) Estas questotildees

bull esclarecem a preocupaccedilatildeo de JSMill com as ~

condiccedilotildees vivenciadas naquele momento em que a classe trabalhadora se colocava na arena poliacutetica com inuacutemeras exigecircncias e reivindicaccedilotildees ou seja num movimento significativo por melhores condiccedilotildees de existecircncia

A obra de JSMill representou em meados do seacuteculo XIX o encontro entre a teoria democraacutetica e a teoria liberal Suas discussotildees expressavam as transformaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteticas pelas quais passava a sociedade da eacutepoca Maurice Duverger afIrma que as transformaccedilotildees industriais do iniacutecio do seacuteculo XIX acabaram por destruir o sistema aristomonaacuterquico e a partir de meados do seacuteculo em questatildeo tomou corpo a democracia liberal (DUVERGER 1975 p56)

Afirmaccedilotildees desta natureza desfazem a concepccedilatildeo equivocada de que a democracia liberal nasceu com o liberalismo Para Sartori o ideal liberal e o democraacutetico mesclaram-se e essa mescla fez-se confusa (SARTORI 1965 p367)

A democracia liberal se constituiu num momento histoacuterico em que a questatildeo da democracia como participaccedilatildeo do homem comum nas questotildees do Estado era algo fundamental (HOBSBAWN 1982 p 117) Segundo Hobsbawn a fusatildeo do liberalismo com a democracia era uma necessidade uma vez que se tinha por um lado a democracia como uma forccedila histoacuterica reconhecida e por outro o liberalismo na sua forma de organizaccedilatildeo poliacutetica que representava agregados de indiviacuteduos de status legalmente iguais(HOBSBAWN 1982 p117)

O credo das massas afIrma Hobsbawn tinha que ser levado em conta na poliacutetica Eles eram por definiccedilatildeo numerosos ignorantes e perigosos muito perigosos precisamente devido agrave sua ignorante tendecircncia para acreditar em seus proacuteprios olhos que lhes diziam que aqueles que os governavam davam muito pouca atenccedilatildeo a suas miseacuterias e a loacutegica simplista que lhes sugeria que jaacute que eles formavam a grande maioria do povo o governo deveria basicamente servir-lhes em seus interesses (HOBSBAWN 1982 p117)

A partir de meados do seacuteculo XIX fIcava claro que as massas poderiam irromper no ciacuterculo fechado dos dirigentes da sociedade (HOBSBAWN 1982 p118) portanto fIcava cada dia mais claro nos paiacuteses desenvolvidos e industrializados () que mais cedo ou mais tarde os sistemas poliacuteticos teriam que abrir espaccedilo para estas forccedilas (HOBSBAWN 1982 p118) A democracia liberal preocupa-se entatildeo em defInir sua organizaccedilatildeo poliacutetica baseada na soberania popular cidadania eleiccedilotildees independecircncia de juizes liberdades poliacuteticas pluralismo de partidos etc

O contexto soacutecio-econocircmico e poliacutetico na Europa na segunda metade do seacuteculo XIX foi marcado pelas diversas formas de organizaccedilatildeo dos trabalhadores o que se constituiacutea sem nenhuma duacutevida num elemento baacutesico no redimensionamento das pressuposiccedilotildees em tomo da democracia

Nas cinco uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX no entanto o liberalismo viu-se desafIado o seu compromisso extremo com o mercado (DUVERGER 1975) deixava-o numa situaccedilatildeo absolutamente difiacutecil ante as exigecircncias de reformas sociais e poliacuteticas que a classe trabalhadora fazia de forma cada vez mais contundente

Assiste-se ao culminar do processo que se iniciou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX a adaptaccedilatildeo dos princiacutepios fundamentais do liberalismo agraves exigecircncias e demandas das classes dominadas A democracia liberal signifIcava a busca

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjun 1997 29

--A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVIII e XIX

de caminhos para uma sociedade que contava com uma crescente reivindicaccedilatildeo das massas

Segundo Sartori e Gruppi em meados do seacuteculo XIX a democracia fundiu-se com o liberalismo Tocqueville assinalam eles (TOCQUEVILLE 1977) foi a expressatildeo mais importante deste processo de fusatildeo A feliz conjuntura histoacuterica que os obrigava a reunir-se apagou as suas respectivas fronteiras e portanto acarretou uma variaccedilatildeo de atribuiccedilotildees dependendo de se um escritor estaacute mais interessado em conservar a democracia na oacuterbita do liberalismo ou em remontar agrave passagem do liberalismo a democracia (SARTORI 1965 P367)

A contribuiccedilatildeo de Alexis de Tocqueville para a discussatildeo sobre a democracia eacute inegaacutevel Ele estava firmemente convencido de que a liberdade principalmente a liberdade religiosa e moral (mais que a econocircmica) era o fundamento e o fermento de todo poder civil Mas havia compreendido que o seacuteculo nascido da revoluccedilatildeo caminhava impetuosamente e inexoravelmente em direccedilatildeo agrave democracia Era um processo incontrolaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

Tocqueville considerava a democracia forte o suficiente para resistir a qualquer ameaccedila Talvez cause admiraccedilatildeo o fato de ( ) (adotarmos) firmemente a opiniatildeo de que a revoluccedilatildeo democraacutetica de que somos testemunhas eacute um fato irresistiacutevel contra o qual natildeo seria nem desejaacutevel nem prudente lutar () (TOCQUEVILLE 1977 P319)

A democracia para Tocqueville precisava ser educada seus costumes deviam ser purificados seus movimentos necessitavam ser regulados seus instintos cegos tinham que ser controlados A sua anaacutelise sobreA democracia na Ameacuterica objetiva enfatizar a direccedilatildeo que a democracia () entregue agraves suas inclinaccedilotildees e abandonada quase sem restriccedilotildees aos seus instintos dava naturalmente agraves leis a marcha que imprimia ao governo e em geral a influecircncia que exercia sobre os negoacutecios do Estado (TOCQUEVILLE 1977 p19)

Tocqueville estava preocupado em detectar em que sentido os americanos estavam educando purificando controlando os movimentos da democracia ou seja quais eram as precauccedilotildees tomadas ( ) para dirigi-la () (e quais) as causas que lhe permit(iam) governar a sociedade (TOCQUEVIUE 1977 p19)

o livro 11 de A democracia na Ameacuterica tinha como objetivo mostrar a influecircncia que a igualdade e o governo da democracia exercem sobre a sociedade civil sobre os haacutebitos as ideacuteias e os costumes (TOCQUEVILLE 1977 p19) Desta forma ele indagava sobre as possibilidades de a liberdade sobreviver ou natildeo em uma sociedade cujo sistema exaltava o valor da igualdade natildeo apenas poliacutetica mas tambeacutem social

A preocupaccedilatildeo baacutesica de Tocqueville no livro 11 era com a possibilidade de que a igualdade desejada pela humanidade destruiacutesse a liberdade(GRUPPI 1985p45) Ele assinalava que caso isto ocorresse ao inveacutes da realizaccedilatildeo da democracia teriacuteamos a tirania

Eacute claro que se cada cidadatildeo na medida em que se tomasse individualmente mais fraco e por conseguinte mais incapaz de preservar isoladamente sua liberdade natildeo aprendesse a unirshyse a seus semelhantes para defendecirc-la a tirania cresceria necessariamente com a igualdade (TOCQUEVIUE 1977 p287) Ressalte-se que para Tocqueville da mesma forma que natildeo era admissiacutevel que todo o poder estivesse centrado nas matildeos de uma soacute pessoa natildeo podia ser desejaacutevel tambeacutem que todo o poder fosse atribuiacutedo a vaacuterios indiviacuteduos Tanto no primeiro caso quanto no segundo haveria a perda da liberdade

Os danos para a liberdade seriam tatildeo funestos numa sociedade onde prevalecesse a tirania de um quanto a tirania da maioria Acredito pois que eacute sempre necessaacuterio situar em alguma parte um poder social superior a todos os demais mas tambeacutem creio que a liberdade estaacute em perigo quando esse poder natildeo tem agrave sua frente nenhum obstaacuteculo que possa deter a sua marcha e dar-lhe o tempo de se moderar (TOCQUEVIUE 1977 p194)

O poder extremo era perigoso em toda e qualquer circunstacircncia Tocqueville afirmava Quando pois vejo concedido o direito e a faculdade de tudo fazer a um poder qualquer seja ele o povo ou o rei a democracia ou a aristocracia exercido numa monarquia ou numa repuacuteblica eu afirmo estaacute ali o germe da tirania ( )(TOCQUEVIUE 1977 p194)

A sua criacutetica agrave democracia americana era no sentido de que a vontade da maioria havia se transformado numa forccedila irresistiacutevel e desta forma tinha-se pouca garantia contra a tirania E mesmo que natildeo se fizesse uso frequumlente da tirania nos Estados Unidos natildeo havia uma internalizaccedilatildeo

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Maria Joseacute de Rezende

contraacuteria aos excessos que o despotismo da maioria poderia causar

a risco da tirania da maioria no entanto poderia ser amenizado em toda sociedade inclusive na Ameacuterica se um corpo legislativo fosse composto de forma que representasse a maioria mas que nunca fosse escravo de suas paixotildees um poder executivo que tenha uma forccedila que lhe seja proacutepria e um poder judiciaacuterio independente dos dois outros poderes ( )(TOCQUEVIILE 1977 p195) A igualdade poliacutetica eou social afrnnava Alexis de Tocqueville era sempre demonstrada corno um dos bens mais promissores dos homens no entanto poucos compreendiam o quanto esta poderia se tomar ameaccediladora

A igualdade segundo ele pode estabelecershyse na sociedade civil e natildeo reinar no mundo poliacutetico Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres de entrar para as mesmas profissotildees de encontrar-se nos mesmos lugares numa palavra de viver da mesma maneira e de procurar a riqueza pelos mesmos meios sem tomar todos a mesma parte do governo Pode estabelecer-se mesmo uma espeacutecie de igualdade no mundo poliacutetico embora natildeo haja a liberdade poliacutetica Somos iguais a todos os nossos semelhantes menos um que eacute sem distinccedilatildeo o senhor de todos e que toma igualmente entre todos os agentes do seu poder (TOCQUEVlILE 1977 p384)

Os povos democratas apreciam a liberdade sem nenhuma duacutevida mas tecircm verdadeira paixatildeo pela igualdade argumenta Tocqueville O sentimento de igualdade seria no seacuteculo XIX pleno de singularidade ou seja algo que os homens encaram corno a maior de suas conquistas o maior bem que se poderia almejar Eu acredito que os povos democraacuteticos tecircm um gosto natural pela liberdade entregues a si mesmos procuram-na e se entristecem quando lhes eacute tirada Mas tecircm pela igualdade uma paixatildeo ardente insaciaacutevel eterna invenciacutevel desejam a igualdade dentro da liberdade e se natildeo a podem obter ainda a desejam na escravidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p385shy6)

A liberdade e a igualdade natildeo se confundem ou seja natildeo eacute possiacutevel afrnnar que a existecircncia de uma fatalmente implicaraacute na da outra A liberdade afirma Tocqueville manifestou-se aos homens em diferentes ocasiotildees e sob diferentes formas nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontraacute-la tambeacutem fora das democracias (TOCQUEVIILE 1977 p384)

Alexis de Tocqueville no entanto na quarta parte do segundo livro de A democracia na Ameacuterica ao discutir a influecircncia das ideacuteias e dos sentimentos democraacuteticos na sociedade poliacutetica destaca os aspectos positivos da igualdade uma vez que esta desenvolve nos homens o gosto pelas instituiccedilotildees livres

Ressalte-se que dentre os efeitos poliacuteticos produzidos pela igualdade estaacute o apreccedilo agraves instituiccedilotildees livres o que pode conduzir agrave anarquia mas afirma Tocqueville estou convencido poreacutem que a anarquia natildeo eacute o principal mal que os seacuteculos democraacuteticos devem temer mas o menor A igualdade produz com efeito duas tendecircncias uma conduz os homens diretamente agrave independecircncia e os pode impelir de repente para a anarquia a outra os conduz por um caminho mais longo mais secreto mais seguro para a servidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p512)

Fica portanto evidenciado que Tocqueville mesmo destacando os efeitos positivos da igualdade natildeo deixa de consideraacute-la sob o seu aspecto negativo que eacute a possibilidade de que ela conduza agrave servidatildeo ou seja agrave tirania da maioria

Norberto Bobbio afirma que na linguagem de Tocqueville democracia significa por um lado () forma de governo19 em que todos participam da coisa puacuteblica o contraacuterio de aristocracia por outro lado significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que ao se entender acabaraacute porsubmergir as sociedades tradicionais fundarias sobre uma ordem hieraacuterquica imutaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

A democracia corno forma de governo seria uma constante ameaccedila para Tocqueville afirma Bobbio O perigo que a democracia corre como progressiva realizaccedilatildeo do ideal igualitaacuterio eacute o nivelamento cujo efeito final eacute o despotismo Satildeo duas formas diversas de tirania e portanto ambas embora de maneira diversa satildeo a negaccedilatildeo da liberdade(BOBBIO 1988 p57)

Os pressupostos acerca da democracia desenvolvidos nos seacuteculos XVIII e XIX constituiacuteram-se em alicerces sobre os quais se desenvolveu uma ampla reflexatildeo no seacuteculo seguinte Os rumos que tornaram as inuacutemeras indagaccedilotildees durante o seacuteculo XX merecem certamente um outro artigo

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

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Maria Joseacute de Rezende

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988

BENTHAM J Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

BOBBIO N A teoria das formas de governo Brasiacutelia UNB 1980 p120

Id Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988

DUVERGER M As modernas tecnoshydemocracias Rio de Janeiro Paz e Terra 1975

GRUPPI L Thdo comeccedilou com Maquiavel Porto Alegre LPampM 1985

JEFFERSON T Escritos poliacuteticos Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HAMILTON A Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HOBSBAWN E As forccedilas da democracia A era do capital Rio de Janeiro Paz e Terra 1982

MACPHERSON C B A democracia liberal

Rio de Janeiro Zahar 1978

MADISON J Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967

MILL J S Governo representativo Satildeo Paulo Ibrasa 1964

MONTESQUIEU C O espiacuterito das leis Satildeo Paulo Abril 1973 P69-85 Coleccedilatildeo Os pensadores

PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p35

SARTORI G Teoria democraacutetica Lisboa Fundo de Cultura 1965

ROUSSEAU J J Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Satildeo Paulo Cultrix 1978

Id O Contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978abull

TOCQUEVILLE A de A democracia na Ameacuterica Belo Horizonte Itatiaia 1977

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Maria Joseacute de Rezende

especialmente as possibilidades de desenvolvimento da capacidade humana Uma sociedade democraacutetica era aquela que permitisse que isto ocorresse de fato

Em Governo Representativo (MU 1964) J S Mill esclarecia algumas de suas preocupaccedilotildees quanto agrave forma de se chegar a essa sociedade democraacutetica A sua exposiccedilatildeo concentrava-se no estabelecimento de um sistema poliacutetico17 onde natildeo prevalecesse o egoiacutesmo tanto da minoria quanto da maioria Ou seja o sistema de voto plural (um voto para todos mas vaacuterios votos para alguns) visava segundo ele evitar a imposiccedilatildeo de uma maioria18

para uma minoria O elemento baacutesico a ser destacado na anaacutelise

de JSMill eacute que seu modelo de democracia enfatizava a necessidade de participaccedilatildeo dos membros da sociedade como fator de aperfeiccediloamento da democracia Natildeo haacute possibilidade neste artigo de se discutir as ambiguumlidades da noccedilatildeo de participaccedilatildeo em J SMill Carole Pateman (PATEMAN 1992 p42) analisa substancialmente os elementos da teoria da democracia participativa neste pensador bem como aponta para as suas dificuldades

Em termos gerais J S Mill considerava que a participaccedilatildeo no governo local eacute uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a participaccedilatildeo a niacutevel nacional devido a seu efeito educativo ou aperfeiccediloador assim tambeacutem Mil sugere que a participaccedilatildeo no governo do local de trabalho teria o mesmo impacto (PATEMAN 1992 p51) Estas questotildees

bull esclarecem a preocupaccedilatildeo de JSMill com as ~

condiccedilotildees vivenciadas naquele momento em que a classe trabalhadora se colocava na arena poliacutetica com inuacutemeras exigecircncias e reivindicaccedilotildees ou seja num movimento significativo por melhores condiccedilotildees de existecircncia

A obra de JSMill representou em meados do seacuteculo XIX o encontro entre a teoria democraacutetica e a teoria liberal Suas discussotildees expressavam as transformaccedilotildees sociais econocircmicas e poliacuteticas pelas quais passava a sociedade da eacutepoca Maurice Duverger afIrma que as transformaccedilotildees industriais do iniacutecio do seacuteculo XIX acabaram por destruir o sistema aristomonaacuterquico e a partir de meados do seacuteculo em questatildeo tomou corpo a democracia liberal (DUVERGER 1975 p56)

Afirmaccedilotildees desta natureza desfazem a concepccedilatildeo equivocada de que a democracia liberal nasceu com o liberalismo Para Sartori o ideal liberal e o democraacutetico mesclaram-se e essa mescla fez-se confusa (SARTORI 1965 p367)

A democracia liberal se constituiu num momento histoacuterico em que a questatildeo da democracia como participaccedilatildeo do homem comum nas questotildees do Estado era algo fundamental (HOBSBAWN 1982 p 117) Segundo Hobsbawn a fusatildeo do liberalismo com a democracia era uma necessidade uma vez que se tinha por um lado a democracia como uma forccedila histoacuterica reconhecida e por outro o liberalismo na sua forma de organizaccedilatildeo poliacutetica que representava agregados de indiviacuteduos de status legalmente iguais(HOBSBAWN 1982 p117)

O credo das massas afIrma Hobsbawn tinha que ser levado em conta na poliacutetica Eles eram por definiccedilatildeo numerosos ignorantes e perigosos muito perigosos precisamente devido agrave sua ignorante tendecircncia para acreditar em seus proacuteprios olhos que lhes diziam que aqueles que os governavam davam muito pouca atenccedilatildeo a suas miseacuterias e a loacutegica simplista que lhes sugeria que jaacute que eles formavam a grande maioria do povo o governo deveria basicamente servir-lhes em seus interesses (HOBSBAWN 1982 p117)

A partir de meados do seacuteculo XIX fIcava claro que as massas poderiam irromper no ciacuterculo fechado dos dirigentes da sociedade (HOBSBAWN 1982 p118) portanto fIcava cada dia mais claro nos paiacuteses desenvolvidos e industrializados () que mais cedo ou mais tarde os sistemas poliacuteticos teriam que abrir espaccedilo para estas forccedilas (HOBSBAWN 1982 p118) A democracia liberal preocupa-se entatildeo em defInir sua organizaccedilatildeo poliacutetica baseada na soberania popular cidadania eleiccedilotildees independecircncia de juizes liberdades poliacuteticas pluralismo de partidos etc

O contexto soacutecio-econocircmico e poliacutetico na Europa na segunda metade do seacuteculo XIX foi marcado pelas diversas formas de organizaccedilatildeo dos trabalhadores o que se constituiacutea sem nenhuma duacutevida num elemento baacutesico no redimensionamento das pressuposiccedilotildees em tomo da democracia

Nas cinco uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XIX no entanto o liberalismo viu-se desafIado o seu compromisso extremo com o mercado (DUVERGER 1975) deixava-o numa situaccedilatildeo absolutamente difiacutecil ante as exigecircncias de reformas sociais e poliacuteticas que a classe trabalhadora fazia de forma cada vez mais contundente

Assiste-se ao culminar do processo que se iniciou nas primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX a adaptaccedilatildeo dos princiacutepios fundamentais do liberalismo agraves exigecircncias e demandas das classes dominadas A democracia liberal signifIcava a busca

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--A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVIII e XIX

de caminhos para uma sociedade que contava com uma crescente reivindicaccedilatildeo das massas

Segundo Sartori e Gruppi em meados do seacuteculo XIX a democracia fundiu-se com o liberalismo Tocqueville assinalam eles (TOCQUEVILLE 1977) foi a expressatildeo mais importante deste processo de fusatildeo A feliz conjuntura histoacuterica que os obrigava a reunir-se apagou as suas respectivas fronteiras e portanto acarretou uma variaccedilatildeo de atribuiccedilotildees dependendo de se um escritor estaacute mais interessado em conservar a democracia na oacuterbita do liberalismo ou em remontar agrave passagem do liberalismo a democracia (SARTORI 1965 P367)

A contribuiccedilatildeo de Alexis de Tocqueville para a discussatildeo sobre a democracia eacute inegaacutevel Ele estava firmemente convencido de que a liberdade principalmente a liberdade religiosa e moral (mais que a econocircmica) era o fundamento e o fermento de todo poder civil Mas havia compreendido que o seacuteculo nascido da revoluccedilatildeo caminhava impetuosamente e inexoravelmente em direccedilatildeo agrave democracia Era um processo incontrolaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

Tocqueville considerava a democracia forte o suficiente para resistir a qualquer ameaccedila Talvez cause admiraccedilatildeo o fato de ( ) (adotarmos) firmemente a opiniatildeo de que a revoluccedilatildeo democraacutetica de que somos testemunhas eacute um fato irresistiacutevel contra o qual natildeo seria nem desejaacutevel nem prudente lutar () (TOCQUEVILLE 1977 P319)

A democracia para Tocqueville precisava ser educada seus costumes deviam ser purificados seus movimentos necessitavam ser regulados seus instintos cegos tinham que ser controlados A sua anaacutelise sobreA democracia na Ameacuterica objetiva enfatizar a direccedilatildeo que a democracia () entregue agraves suas inclinaccedilotildees e abandonada quase sem restriccedilotildees aos seus instintos dava naturalmente agraves leis a marcha que imprimia ao governo e em geral a influecircncia que exercia sobre os negoacutecios do Estado (TOCQUEVILLE 1977 p19)

Tocqueville estava preocupado em detectar em que sentido os americanos estavam educando purificando controlando os movimentos da democracia ou seja quais eram as precauccedilotildees tomadas ( ) para dirigi-la () (e quais) as causas que lhe permit(iam) governar a sociedade (TOCQUEVIUE 1977 p19)

o livro 11 de A democracia na Ameacuterica tinha como objetivo mostrar a influecircncia que a igualdade e o governo da democracia exercem sobre a sociedade civil sobre os haacutebitos as ideacuteias e os costumes (TOCQUEVILLE 1977 p19) Desta forma ele indagava sobre as possibilidades de a liberdade sobreviver ou natildeo em uma sociedade cujo sistema exaltava o valor da igualdade natildeo apenas poliacutetica mas tambeacutem social

A preocupaccedilatildeo baacutesica de Tocqueville no livro 11 era com a possibilidade de que a igualdade desejada pela humanidade destruiacutesse a liberdade(GRUPPI 1985p45) Ele assinalava que caso isto ocorresse ao inveacutes da realizaccedilatildeo da democracia teriacuteamos a tirania

Eacute claro que se cada cidadatildeo na medida em que se tomasse individualmente mais fraco e por conseguinte mais incapaz de preservar isoladamente sua liberdade natildeo aprendesse a unirshyse a seus semelhantes para defendecirc-la a tirania cresceria necessariamente com a igualdade (TOCQUEVIUE 1977 p287) Ressalte-se que para Tocqueville da mesma forma que natildeo era admissiacutevel que todo o poder estivesse centrado nas matildeos de uma soacute pessoa natildeo podia ser desejaacutevel tambeacutem que todo o poder fosse atribuiacutedo a vaacuterios indiviacuteduos Tanto no primeiro caso quanto no segundo haveria a perda da liberdade

Os danos para a liberdade seriam tatildeo funestos numa sociedade onde prevalecesse a tirania de um quanto a tirania da maioria Acredito pois que eacute sempre necessaacuterio situar em alguma parte um poder social superior a todos os demais mas tambeacutem creio que a liberdade estaacute em perigo quando esse poder natildeo tem agrave sua frente nenhum obstaacuteculo que possa deter a sua marcha e dar-lhe o tempo de se moderar (TOCQUEVIUE 1977 p194)

O poder extremo era perigoso em toda e qualquer circunstacircncia Tocqueville afirmava Quando pois vejo concedido o direito e a faculdade de tudo fazer a um poder qualquer seja ele o povo ou o rei a democracia ou a aristocracia exercido numa monarquia ou numa repuacuteblica eu afirmo estaacute ali o germe da tirania ( )(TOCQUEVIUE 1977 p194)

A sua criacutetica agrave democracia americana era no sentido de que a vontade da maioria havia se transformado numa forccedila irresistiacutevel e desta forma tinha-se pouca garantia contra a tirania E mesmo que natildeo se fizesse uso frequumlente da tirania nos Estados Unidos natildeo havia uma internalizaccedilatildeo

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Maria Joseacute de Rezende

contraacuteria aos excessos que o despotismo da maioria poderia causar

a risco da tirania da maioria no entanto poderia ser amenizado em toda sociedade inclusive na Ameacuterica se um corpo legislativo fosse composto de forma que representasse a maioria mas que nunca fosse escravo de suas paixotildees um poder executivo que tenha uma forccedila que lhe seja proacutepria e um poder judiciaacuterio independente dos dois outros poderes ( )(TOCQUEVIILE 1977 p195) A igualdade poliacutetica eou social afrnnava Alexis de Tocqueville era sempre demonstrada corno um dos bens mais promissores dos homens no entanto poucos compreendiam o quanto esta poderia se tomar ameaccediladora

A igualdade segundo ele pode estabelecershyse na sociedade civil e natildeo reinar no mundo poliacutetico Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres de entrar para as mesmas profissotildees de encontrar-se nos mesmos lugares numa palavra de viver da mesma maneira e de procurar a riqueza pelos mesmos meios sem tomar todos a mesma parte do governo Pode estabelecer-se mesmo uma espeacutecie de igualdade no mundo poliacutetico embora natildeo haja a liberdade poliacutetica Somos iguais a todos os nossos semelhantes menos um que eacute sem distinccedilatildeo o senhor de todos e que toma igualmente entre todos os agentes do seu poder (TOCQUEVlILE 1977 p384)

Os povos democratas apreciam a liberdade sem nenhuma duacutevida mas tecircm verdadeira paixatildeo pela igualdade argumenta Tocqueville O sentimento de igualdade seria no seacuteculo XIX pleno de singularidade ou seja algo que os homens encaram corno a maior de suas conquistas o maior bem que se poderia almejar Eu acredito que os povos democraacuteticos tecircm um gosto natural pela liberdade entregues a si mesmos procuram-na e se entristecem quando lhes eacute tirada Mas tecircm pela igualdade uma paixatildeo ardente insaciaacutevel eterna invenciacutevel desejam a igualdade dentro da liberdade e se natildeo a podem obter ainda a desejam na escravidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p385shy6)

A liberdade e a igualdade natildeo se confundem ou seja natildeo eacute possiacutevel afrnnar que a existecircncia de uma fatalmente implicaraacute na da outra A liberdade afirma Tocqueville manifestou-se aos homens em diferentes ocasiotildees e sob diferentes formas nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontraacute-la tambeacutem fora das democracias (TOCQUEVIILE 1977 p384)

Alexis de Tocqueville no entanto na quarta parte do segundo livro de A democracia na Ameacuterica ao discutir a influecircncia das ideacuteias e dos sentimentos democraacuteticos na sociedade poliacutetica destaca os aspectos positivos da igualdade uma vez que esta desenvolve nos homens o gosto pelas instituiccedilotildees livres

Ressalte-se que dentre os efeitos poliacuteticos produzidos pela igualdade estaacute o apreccedilo agraves instituiccedilotildees livres o que pode conduzir agrave anarquia mas afirma Tocqueville estou convencido poreacutem que a anarquia natildeo eacute o principal mal que os seacuteculos democraacuteticos devem temer mas o menor A igualdade produz com efeito duas tendecircncias uma conduz os homens diretamente agrave independecircncia e os pode impelir de repente para a anarquia a outra os conduz por um caminho mais longo mais secreto mais seguro para a servidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p512)

Fica portanto evidenciado que Tocqueville mesmo destacando os efeitos positivos da igualdade natildeo deixa de consideraacute-la sob o seu aspecto negativo que eacute a possibilidade de que ela conduza agrave servidatildeo ou seja agrave tirania da maioria

Norberto Bobbio afirma que na linguagem de Tocqueville democracia significa por um lado () forma de governo19 em que todos participam da coisa puacuteblica o contraacuterio de aristocracia por outro lado significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que ao se entender acabaraacute porsubmergir as sociedades tradicionais fundarias sobre uma ordem hieraacuterquica imutaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

A democracia corno forma de governo seria uma constante ameaccedila para Tocqueville afirma Bobbio O perigo que a democracia corre como progressiva realizaccedilatildeo do ideal igualitaacuterio eacute o nivelamento cujo efeito final eacute o despotismo Satildeo duas formas diversas de tirania e portanto ambas embora de maneira diversa satildeo a negaccedilatildeo da liberdade(BOBBIO 1988 p57)

Os pressupostos acerca da democracia desenvolvidos nos seacuteculos XVIII e XIX constituiacuteram-se em alicerces sobre os quais se desenvolveu uma ampla reflexatildeo no seacuteculo seguinte Os rumos que tornaram as inuacutemeras indagaccedilotildees durante o seacuteculo XX merecem certamente um outro artigo

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjjun 1997 31

A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

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Maria Joseacute de Rezende

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988

BENTHAM J Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

BOBBIO N A teoria das formas de governo Brasiacutelia UNB 1980 p120

Id Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988

DUVERGER M As modernas tecnoshydemocracias Rio de Janeiro Paz e Terra 1975

GRUPPI L Thdo comeccedilou com Maquiavel Porto Alegre LPampM 1985

JEFFERSON T Escritos poliacuteticos Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HAMILTON A Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HOBSBAWN E As forccedilas da democracia A era do capital Rio de Janeiro Paz e Terra 1982

MACPHERSON C B A democracia liberal

Rio de Janeiro Zahar 1978

MADISON J Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967

MILL J S Governo representativo Satildeo Paulo Ibrasa 1964

MONTESQUIEU C O espiacuterito das leis Satildeo Paulo Abril 1973 P69-85 Coleccedilatildeo Os pensadores

PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p35

SARTORI G Teoria democraacutetica Lisboa Fundo de Cultura 1965

ROUSSEAU J J Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Satildeo Paulo Cultrix 1978

Id O Contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978abull

TOCQUEVILLE A de A democracia na Ameacuterica Belo Horizonte Itatiaia 1977

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--A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos XVIII e XIX

de caminhos para uma sociedade que contava com uma crescente reivindicaccedilatildeo das massas

Segundo Sartori e Gruppi em meados do seacuteculo XIX a democracia fundiu-se com o liberalismo Tocqueville assinalam eles (TOCQUEVILLE 1977) foi a expressatildeo mais importante deste processo de fusatildeo A feliz conjuntura histoacuterica que os obrigava a reunir-se apagou as suas respectivas fronteiras e portanto acarretou uma variaccedilatildeo de atribuiccedilotildees dependendo de se um escritor estaacute mais interessado em conservar a democracia na oacuterbita do liberalismo ou em remontar agrave passagem do liberalismo a democracia (SARTORI 1965 P367)

A contribuiccedilatildeo de Alexis de Tocqueville para a discussatildeo sobre a democracia eacute inegaacutevel Ele estava firmemente convencido de que a liberdade principalmente a liberdade religiosa e moral (mais que a econocircmica) era o fundamento e o fermento de todo poder civil Mas havia compreendido que o seacuteculo nascido da revoluccedilatildeo caminhava impetuosamente e inexoravelmente em direccedilatildeo agrave democracia Era um processo incontrolaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

Tocqueville considerava a democracia forte o suficiente para resistir a qualquer ameaccedila Talvez cause admiraccedilatildeo o fato de ( ) (adotarmos) firmemente a opiniatildeo de que a revoluccedilatildeo democraacutetica de que somos testemunhas eacute um fato irresistiacutevel contra o qual natildeo seria nem desejaacutevel nem prudente lutar () (TOCQUEVILLE 1977 P319)

A democracia para Tocqueville precisava ser educada seus costumes deviam ser purificados seus movimentos necessitavam ser regulados seus instintos cegos tinham que ser controlados A sua anaacutelise sobreA democracia na Ameacuterica objetiva enfatizar a direccedilatildeo que a democracia () entregue agraves suas inclinaccedilotildees e abandonada quase sem restriccedilotildees aos seus instintos dava naturalmente agraves leis a marcha que imprimia ao governo e em geral a influecircncia que exercia sobre os negoacutecios do Estado (TOCQUEVILLE 1977 p19)

Tocqueville estava preocupado em detectar em que sentido os americanos estavam educando purificando controlando os movimentos da democracia ou seja quais eram as precauccedilotildees tomadas ( ) para dirigi-la () (e quais) as causas que lhe permit(iam) governar a sociedade (TOCQUEVIUE 1977 p19)

o livro 11 de A democracia na Ameacuterica tinha como objetivo mostrar a influecircncia que a igualdade e o governo da democracia exercem sobre a sociedade civil sobre os haacutebitos as ideacuteias e os costumes (TOCQUEVILLE 1977 p19) Desta forma ele indagava sobre as possibilidades de a liberdade sobreviver ou natildeo em uma sociedade cujo sistema exaltava o valor da igualdade natildeo apenas poliacutetica mas tambeacutem social

A preocupaccedilatildeo baacutesica de Tocqueville no livro 11 era com a possibilidade de que a igualdade desejada pela humanidade destruiacutesse a liberdade(GRUPPI 1985p45) Ele assinalava que caso isto ocorresse ao inveacutes da realizaccedilatildeo da democracia teriacuteamos a tirania

Eacute claro que se cada cidadatildeo na medida em que se tomasse individualmente mais fraco e por conseguinte mais incapaz de preservar isoladamente sua liberdade natildeo aprendesse a unirshyse a seus semelhantes para defendecirc-la a tirania cresceria necessariamente com a igualdade (TOCQUEVIUE 1977 p287) Ressalte-se que para Tocqueville da mesma forma que natildeo era admissiacutevel que todo o poder estivesse centrado nas matildeos de uma soacute pessoa natildeo podia ser desejaacutevel tambeacutem que todo o poder fosse atribuiacutedo a vaacuterios indiviacuteduos Tanto no primeiro caso quanto no segundo haveria a perda da liberdade

Os danos para a liberdade seriam tatildeo funestos numa sociedade onde prevalecesse a tirania de um quanto a tirania da maioria Acredito pois que eacute sempre necessaacuterio situar em alguma parte um poder social superior a todos os demais mas tambeacutem creio que a liberdade estaacute em perigo quando esse poder natildeo tem agrave sua frente nenhum obstaacuteculo que possa deter a sua marcha e dar-lhe o tempo de se moderar (TOCQUEVIUE 1977 p194)

O poder extremo era perigoso em toda e qualquer circunstacircncia Tocqueville afirmava Quando pois vejo concedido o direito e a faculdade de tudo fazer a um poder qualquer seja ele o povo ou o rei a democracia ou a aristocracia exercido numa monarquia ou numa repuacuteblica eu afirmo estaacute ali o germe da tirania ( )(TOCQUEVIUE 1977 p194)

A sua criacutetica agrave democracia americana era no sentido de que a vontade da maioria havia se transformado numa forccedila irresistiacutevel e desta forma tinha-se pouca garantia contra a tirania E mesmo que natildeo se fizesse uso frequumlente da tirania nos Estados Unidos natildeo havia uma internalizaccedilatildeo

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Maria Joseacute de Rezende

contraacuteria aos excessos que o despotismo da maioria poderia causar

a risco da tirania da maioria no entanto poderia ser amenizado em toda sociedade inclusive na Ameacuterica se um corpo legislativo fosse composto de forma que representasse a maioria mas que nunca fosse escravo de suas paixotildees um poder executivo que tenha uma forccedila que lhe seja proacutepria e um poder judiciaacuterio independente dos dois outros poderes ( )(TOCQUEVIILE 1977 p195) A igualdade poliacutetica eou social afrnnava Alexis de Tocqueville era sempre demonstrada corno um dos bens mais promissores dos homens no entanto poucos compreendiam o quanto esta poderia se tomar ameaccediladora

A igualdade segundo ele pode estabelecershyse na sociedade civil e natildeo reinar no mundo poliacutetico Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres de entrar para as mesmas profissotildees de encontrar-se nos mesmos lugares numa palavra de viver da mesma maneira e de procurar a riqueza pelos mesmos meios sem tomar todos a mesma parte do governo Pode estabelecer-se mesmo uma espeacutecie de igualdade no mundo poliacutetico embora natildeo haja a liberdade poliacutetica Somos iguais a todos os nossos semelhantes menos um que eacute sem distinccedilatildeo o senhor de todos e que toma igualmente entre todos os agentes do seu poder (TOCQUEVlILE 1977 p384)

Os povos democratas apreciam a liberdade sem nenhuma duacutevida mas tecircm verdadeira paixatildeo pela igualdade argumenta Tocqueville O sentimento de igualdade seria no seacuteculo XIX pleno de singularidade ou seja algo que os homens encaram corno a maior de suas conquistas o maior bem que se poderia almejar Eu acredito que os povos democraacuteticos tecircm um gosto natural pela liberdade entregues a si mesmos procuram-na e se entristecem quando lhes eacute tirada Mas tecircm pela igualdade uma paixatildeo ardente insaciaacutevel eterna invenciacutevel desejam a igualdade dentro da liberdade e se natildeo a podem obter ainda a desejam na escravidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p385shy6)

A liberdade e a igualdade natildeo se confundem ou seja natildeo eacute possiacutevel afrnnar que a existecircncia de uma fatalmente implicaraacute na da outra A liberdade afirma Tocqueville manifestou-se aos homens em diferentes ocasiotildees e sob diferentes formas nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontraacute-la tambeacutem fora das democracias (TOCQUEVIILE 1977 p384)

Alexis de Tocqueville no entanto na quarta parte do segundo livro de A democracia na Ameacuterica ao discutir a influecircncia das ideacuteias e dos sentimentos democraacuteticos na sociedade poliacutetica destaca os aspectos positivos da igualdade uma vez que esta desenvolve nos homens o gosto pelas instituiccedilotildees livres

Ressalte-se que dentre os efeitos poliacuteticos produzidos pela igualdade estaacute o apreccedilo agraves instituiccedilotildees livres o que pode conduzir agrave anarquia mas afirma Tocqueville estou convencido poreacutem que a anarquia natildeo eacute o principal mal que os seacuteculos democraacuteticos devem temer mas o menor A igualdade produz com efeito duas tendecircncias uma conduz os homens diretamente agrave independecircncia e os pode impelir de repente para a anarquia a outra os conduz por um caminho mais longo mais secreto mais seguro para a servidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p512)

Fica portanto evidenciado que Tocqueville mesmo destacando os efeitos positivos da igualdade natildeo deixa de consideraacute-la sob o seu aspecto negativo que eacute a possibilidade de que ela conduza agrave servidatildeo ou seja agrave tirania da maioria

Norberto Bobbio afirma que na linguagem de Tocqueville democracia significa por um lado () forma de governo19 em que todos participam da coisa puacuteblica o contraacuterio de aristocracia por outro lado significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que ao se entender acabaraacute porsubmergir as sociedades tradicionais fundarias sobre uma ordem hieraacuterquica imutaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

A democracia corno forma de governo seria uma constante ameaccedila para Tocqueville afirma Bobbio O perigo que a democracia corre como progressiva realizaccedilatildeo do ideal igualitaacuterio eacute o nivelamento cujo efeito final eacute o despotismo Satildeo duas formas diversas de tirania e portanto ambas embora de maneira diversa satildeo a negaccedilatildeo da liberdade(BOBBIO 1988 p57)

Os pressupostos acerca da democracia desenvolvidos nos seacuteculos XVIII e XIX constituiacuteram-se em alicerces sobre os quais se desenvolveu uma ampla reflexatildeo no seacuteculo seguinte Os rumos que tornaram as inuacutemeras indagaccedilotildees durante o seacuteculo XX merecem certamente um outro artigo

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A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

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Maria Joseacute de Rezende

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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BENTHAM J Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

BOBBIO N A teoria das formas de governo Brasiacutelia UNB 1980 p120

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DUVERGER M As modernas tecnoshydemocracias Rio de Janeiro Paz e Terra 1975

GRUPPI L Thdo comeccedilou com Maquiavel Porto Alegre LPampM 1985

JEFFERSON T Escritos poliacuteticos Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HAMILTON A Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HOBSBAWN E As forccedilas da democracia A era do capital Rio de Janeiro Paz e Terra 1982

MACPHERSON C B A democracia liberal

Rio de Janeiro Zahar 1978

MADISON J Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967

MILL J S Governo representativo Satildeo Paulo Ibrasa 1964

MONTESQUIEU C O espiacuterito das leis Satildeo Paulo Abril 1973 P69-85 Coleccedilatildeo Os pensadores

PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p35

SARTORI G Teoria democraacutetica Lisboa Fundo de Cultura 1965

ROUSSEAU J J Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Satildeo Paulo Cultrix 1978

Id O Contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978abull

TOCQUEVILLE A de A democracia na Ameacuterica Belo Horizonte Itatiaia 1977

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjun 1997 33

Maria Joseacute de Rezende

contraacuteria aos excessos que o despotismo da maioria poderia causar

a risco da tirania da maioria no entanto poderia ser amenizado em toda sociedade inclusive na Ameacuterica se um corpo legislativo fosse composto de forma que representasse a maioria mas que nunca fosse escravo de suas paixotildees um poder executivo que tenha uma forccedila que lhe seja proacutepria e um poder judiciaacuterio independente dos dois outros poderes ( )(TOCQUEVIILE 1977 p195) A igualdade poliacutetica eou social afrnnava Alexis de Tocqueville era sempre demonstrada corno um dos bens mais promissores dos homens no entanto poucos compreendiam o quanto esta poderia se tomar ameaccediladora

A igualdade segundo ele pode estabelecershyse na sociedade civil e natildeo reinar no mundo poliacutetico Pode-se ter o direito de se entregar aos mesmos prazeres de entrar para as mesmas profissotildees de encontrar-se nos mesmos lugares numa palavra de viver da mesma maneira e de procurar a riqueza pelos mesmos meios sem tomar todos a mesma parte do governo Pode estabelecer-se mesmo uma espeacutecie de igualdade no mundo poliacutetico embora natildeo haja a liberdade poliacutetica Somos iguais a todos os nossos semelhantes menos um que eacute sem distinccedilatildeo o senhor de todos e que toma igualmente entre todos os agentes do seu poder (TOCQUEVlILE 1977 p384)

Os povos democratas apreciam a liberdade sem nenhuma duacutevida mas tecircm verdadeira paixatildeo pela igualdade argumenta Tocqueville O sentimento de igualdade seria no seacuteculo XIX pleno de singularidade ou seja algo que os homens encaram corno a maior de suas conquistas o maior bem que se poderia almejar Eu acredito que os povos democraacuteticos tecircm um gosto natural pela liberdade entregues a si mesmos procuram-na e se entristecem quando lhes eacute tirada Mas tecircm pela igualdade uma paixatildeo ardente insaciaacutevel eterna invenciacutevel desejam a igualdade dentro da liberdade e se natildeo a podem obter ainda a desejam na escravidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p385shy6)

A liberdade e a igualdade natildeo se confundem ou seja natildeo eacute possiacutevel afrnnar que a existecircncia de uma fatalmente implicaraacute na da outra A liberdade afirma Tocqueville manifestou-se aos homens em diferentes ocasiotildees e sob diferentes formas nunca se ligou exclusivamente a um estado social e podemos encontraacute-la tambeacutem fora das democracias (TOCQUEVIILE 1977 p384)

Alexis de Tocqueville no entanto na quarta parte do segundo livro de A democracia na Ameacuterica ao discutir a influecircncia das ideacuteias e dos sentimentos democraacuteticos na sociedade poliacutetica destaca os aspectos positivos da igualdade uma vez que esta desenvolve nos homens o gosto pelas instituiccedilotildees livres

Ressalte-se que dentre os efeitos poliacuteticos produzidos pela igualdade estaacute o apreccedilo agraves instituiccedilotildees livres o que pode conduzir agrave anarquia mas afirma Tocqueville estou convencido poreacutem que a anarquia natildeo eacute o principal mal que os seacuteculos democraacuteticos devem temer mas o menor A igualdade produz com efeito duas tendecircncias uma conduz os homens diretamente agrave independecircncia e os pode impelir de repente para a anarquia a outra os conduz por um caminho mais longo mais secreto mais seguro para a servidatildeo (TOCQUEVIILE 1977 p512)

Fica portanto evidenciado que Tocqueville mesmo destacando os efeitos positivos da igualdade natildeo deixa de consideraacute-la sob o seu aspecto negativo que eacute a possibilidade de que ela conduza agrave servidatildeo ou seja agrave tirania da maioria

Norberto Bobbio afirma que na linguagem de Tocqueville democracia significa por um lado () forma de governo19 em que todos participam da coisa puacuteblica o contraacuterio de aristocracia por outro lado significa a sociedade que se inspira no ideal da igualdade e que ao se entender acabaraacute porsubmergir as sociedades tradicionais fundarias sobre uma ordem hieraacuterquica imutaacutevel (BOBBIO 1988 p56)

A democracia corno forma de governo seria uma constante ameaccedila para Tocqueville afirma Bobbio O perigo que a democracia corre como progressiva realizaccedilatildeo do ideal igualitaacuterio eacute o nivelamento cujo efeito final eacute o despotismo Satildeo duas formas diversas de tirania e portanto ambas embora de maneira diversa satildeo a negaccedilatildeo da liberdade(BOBBIO 1988 p57)

Os pressupostos acerca da democracia desenvolvidos nos seacuteculos XVIII e XIX constituiacuteram-se em alicerces sobre os quais se desenvolveu uma ampla reflexatildeo no seacuteculo seguinte Os rumos que tornaram as inuacutemeras indagaccedilotildees durante o seacuteculo XX merecem certamente um outro artigo

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjjun 1997 31

A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjun 1997 32

Maria Joseacute de Rezende

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988

BENTHAM J Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

BOBBIO N A teoria das formas de governo Brasiacutelia UNB 1980 p120

Id Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988

DUVERGER M As modernas tecnoshydemocracias Rio de Janeiro Paz e Terra 1975

GRUPPI L Thdo comeccedilou com Maquiavel Porto Alegre LPampM 1985

JEFFERSON T Escritos poliacuteticos Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HAMILTON A Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HOBSBAWN E As forccedilas da democracia A era do capital Rio de Janeiro Paz e Terra 1982

MACPHERSON C B A democracia liberal

Rio de Janeiro Zahar 1978

MADISON J Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967

MILL J S Governo representativo Satildeo Paulo Ibrasa 1964

MONTESQUIEU C O espiacuterito das leis Satildeo Paulo Abril 1973 P69-85 Coleccedilatildeo Os pensadores

PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p35

SARTORI G Teoria democraacutetica Lisboa Fundo de Cultura 1965

ROUSSEAU J J Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Satildeo Paulo Cultrix 1978

Id O Contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978abull

TOCQUEVILLE A de A democracia na Ameacuterica Belo Horizonte Itatiaia 1977

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjun 1997 33

A Liberdade e a Igualdade nas Teorias da Democracia nos Seacuteculos xvm e XIX

NOTAS

1 Macpherson afIrma que nos seacuteculos XVI e XVII encontramos teorias democraacuteticas expliacutecitas Duas correntes democraacuteticas aparecem entatildeo na Inglaterra Uma delas tem como base uma sociedade sem classes (More e Westanley) e a outra uma sociedade de classe uacutenica (niveladores) MACPHERSON CB A democracia liberal Rio de Janeiro Zahar 1978 p20

2 Pode-se afirmar que as teorizaccedilotildees acerca da tradiccedilatildeo aristoteacutelica das trecircs formas de governo (idade antiga) e a teoria romano-medieval da soberania popular (idade meacutedia) expressavam o constante pulsar do processo de invenccedilatildeo da democracia Esta uacuteltima desempenhou um papel fundamental nas formulaccedilotildees da teoria moderna da democracia A teoria contratualista que foi elaborada entre o iniacutecio do seacuteculo XVII e o final do seacuteculo xvrn tomou como ponto de partida a heranccedila da teoria romano-medieval da soberania popular a qual argumentava que devia pertencer ao povo o poder de fazer as leis em que o poder soberano se apoiava A teoria contratualista natildeo querendo desconsiderar sua enorme complexidade tinha como objetivo o alicerccedilamento do poder no consenso o que esclarece o seu importante papel nas teorias da democracia que se desenvolveram posteriormente

3 Anaacutelises sobre a democracia antiga podem ser encontradas em F1NLEY M I A democracia antiga e moderna Rio de Janeiro Graal 1988 ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988 DAVIES J K Democracy and classical Greece Londres Fontana 1978 FORREST W G The emergence of greek democracy Londres Weidenfeld amp Nicolson 1966 JONESAHM Athenian democracy Oxford Basil Blackwell 1957

4 A igualdade para Rousseau funda-se na soberania da vontade geral

5 Rousseau aflrma As leis satildeo sempre uacuteteis agravequele que possui e danosa agravequeles que nada tecircm do que se segue que o Estado social eacute vantajoso aos homens apenas quando eles tenham alguma coisa e ningueacutem tenha demasiado ROUSSEAU J J O contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978 p 34

6 A discussatildeo de J ames Madison sobre a vontade geral eacute tambeacutem muito importante Ver MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abrilp95-100

7 A problemaacutetica dos direitos civis poliacuteticos e sociais foram discutidos emMARSHALLTH Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967 p 63-89

8 Sobre a teoria da participaccedilatildeo em Rousseau ver PATEMAN op cit p35-47

9 Hamilton dizia Decircem todo o poder aos muitos e eles oprimiratildeo os poucos Decircem todo o poder aos poucos e eles oprimiratildeo os muitos Citado em DAHL R Um prefaacutecio agrave teoria democraacutetica Rio de Janeiro Zahar 1989 p16

10 Haacute grandes diferenccedilas entre Rousseau e os constitucionalistas americanos Pode-se dizer que Rousseau concordava com Madison por exemplo em que as decisotildees da maioria natildeo eram sempre corretas No entanto as soluccedilotildees apontadas entre eles eram diversas Para os constitucionalistas era preciso dividir o controle institucional sobre a vontade da maioria A teoria da vontade geral de Rousseau era absolutamente diferente ou seja a maioria teria que representar a comunidade como um todo e natildeo apenas interesses de grupos ARBLASTER op cit p689

11 MADISON J Utilidade da uniatildeo como preservativo contra as facccedilotildees e insurreiccedilotildees In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979 p 94-100 Dahl afirma que a deflniccedilatildeo de Madison de facccedilatildeo eacute a seguinte ( ) eacute certo nuacutemero de cidadatildeos seja equivalente a uma maioria ou minoria do todo unidos e motivados por algum impulso comum de paixatildeo ou de interesses contraacuterio aos direitos dos demais cidadatildeos ou aos interesses permanentes e coJjuntos da comunidade DAHL op cit p22

12 No seacuteculo XX floresceram inuacutemeras discussotildees em torno das formas de restriccedilotildees agraves maiorias (controles sociais controles constitucionais etc) Anthony Arblaster afirma que o reaparecimento da democracia moderna deve ser relacionado ao medo perante as massas a multidatildeo que vai estar constantemente presente nas diversas indagaccedilotildees sobre a democracia Ao mesmo tempo em que as reivindicaccedilotildees das massas devem ser vistas como impulso para as teorias democraacuteticas elas precisam tambeacutem ser pensadas como as bases para o surgimento de posiccedilotildees que objetivam afastar os riscos da democracia como o governo do povo ARBLASTER op cit p45 et seq

13 JS Mill tenta diz Arblaster conciliar a ideacuteia do princiacutepio geral da democracia com o governo de elite formado pelos melhores membros da sociedade ARBLASTER op cit p78 Sobre a teoria de JS Mill ver tambeacutem MACPHERSON op cit p55 et seq PATEMAN op cit p35 et seq

14 O cidadatildeo segundo Bentham deveria obedecer ao Estado na medida em que a obediecircncia contribui mais para a felicidade geral do que a desobediecircncia A felicidade geral ou o interesse da comunidade como um todo deve ser entendida como o resultado de um caacutelculo hedoniacutestico isto eacute a soma dos prazeres e dores do indiviacuteduo Assim Bentham substitui a teoria do direito natural pela teoria da utilidade afirmando que o principal signiflcado dessa transformaccedilatildeo estaacute na passagem de um mundo de ficccedilotildees para um mundo de fatos PESSANHA JAM JBentham vida e obra In Os pensadores Satildeo Paulo Abril 1979pVill

15 Macpherson classifica as teorias democraacuteticas antes do seacuteculo XIX como utoacutepicas Estas seriam as precursoras da democracia liberal Vide MACPHERSON op cit p18

16 Estas franquias podem ser entendidas como privileacutegios especiais a alguns indiviacuteduos Bentham no decorrer de sua vida defendeu estas franquias de diversas maneiras Num primeiro momento se colocava a favor de franquias limitadas que excluiacuteam os trabalhadores os natildeo-instruiacutedos as mulheres e os dependentes Mais tarde defendeu uma franquia para chefes de famiacutelia com casa proacutepria e que pagassem impostos sobre a propriedade E quando ele falou em uma franquia mais ou menos universal estavam excluiacutedos os analfabetos menores de idade e as mulheres

17 J S Mill em Autobiography afIrmava que natildeo considerava mais a democracia representativa um princiacutepio absoluto Comentando sua posiccedilatildeo da deacutecada de 1840 argumentava Eacuteramos agora muito menos democratas do que eu jaacute fora porque visto que a educaccedilatildeo continua a ser tatildeo abominavelmente imperfeita passamos a recear a ignoracircncia e principalmente o egoiacutesmo e brutalidade das massas MILL J S Autobiography Londres Jack Stillinger Oxford University Press 1971 p 138 Citado por ARBLASTER op cit p77

18 Bobbio afirma que JSMill tambeacutem temia assim como Tocqueville a tirania da maioria A sociedade devia se proteger desse maIBOBBIO N Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988 p68 Sobre a tirania da maioria em J S Mill ver tambeacutem ALBLASTER op cit p78

19 Anthony Arblaster afirma que o livro A democracia na Ameacuterica trata fundamentalmente da sociedade americana natildeo do seu governo ou sistema poliacutetico ARLBASTER op cit p21

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjun 1997 32

Maria Joseacute de Rezende

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988

BENTHAM J Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

BOBBIO N A teoria das formas de governo Brasiacutelia UNB 1980 p120

Id Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988

DUVERGER M As modernas tecnoshydemocracias Rio de Janeiro Paz e Terra 1975

GRUPPI L Thdo comeccedilou com Maquiavel Porto Alegre LPampM 1985

JEFFERSON T Escritos poliacuteticos Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HAMILTON A Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HOBSBAWN E As forccedilas da democracia A era do capital Rio de Janeiro Paz e Terra 1982

MACPHERSON C B A democracia liberal

Rio de Janeiro Zahar 1978

MADISON J Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967

MILL J S Governo representativo Satildeo Paulo Ibrasa 1964

MONTESQUIEU C O espiacuterito das leis Satildeo Paulo Abril 1973 P69-85 Coleccedilatildeo Os pensadores

PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p35

SARTORI G Teoria democraacutetica Lisboa Fundo de Cultura 1965

ROUSSEAU J J Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Satildeo Paulo Cultrix 1978

Id O Contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978abull

TOCQUEVILLE A de A democracia na Ameacuterica Belo Horizonte Itatiaia 1977

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjun 1997 33

Maria Joseacute de Rezende

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARBLASTER A A democracia Lisboa Estampa 1988

BENTHAM J Uma introduccedilatildeo aos princiacutepios da moral e da legislaccedilatildeo Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

BOBBIO N A teoria das formas de governo Brasiacutelia UNB 1980 p120

Id Liberalismo e democracia Satildeo Paulo Brasiliense 1988

DUVERGER M As modernas tecnoshydemocracias Rio de Janeiro Paz e Terra 1975

GRUPPI L Thdo comeccedilou com Maquiavel Porto Alegre LPampM 1985

JEFFERSON T Escritos poliacuteticos Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HAMILTON A Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

HOBSBAWN E As forccedilas da democracia A era do capital Rio de Janeiro Paz e Terra 1982

MACPHERSON C B A democracia liberal

Rio de Janeiro Zahar 1978

MADISON J Os federalistas Satildeo Paulo Abril 1979 Coleccedilatildeo Os pensadores

MARSHALL T H Cidadania classe social e status Rio de Janeiro Zahar 1967

MILL J S Governo representativo Satildeo Paulo Ibrasa 1964

MONTESQUIEU C O espiacuterito das leis Satildeo Paulo Abril 1973 P69-85 Coleccedilatildeo Os pensadores

PATEMAN C Participaccedilatildeo e teoria democraacutetica Rio de Janeiro Paz e Terra 1992 p35

SARTORI G Teoria democraacutetica Lisboa Fundo de Cultura 1965

ROUSSEAU J J Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens Satildeo Paulo Cultrix 1978

Id O Contrato social Satildeo Paulo Cultrix 1978abull

TOCQUEVILLE A de A democracia na Ameacuterica Belo Horizonte Itatiaia 1977

Rev Mediaccedilotildees Londrina v 2 n 1 P 25-33 janjun 1997 33