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“Libertad, Democracia, Justicia”: reflexões sobre os territórios
autônomos zapatistas em Chiapas, México.
FÁBIO MÁRCIO ALKMIN1
RESUMO: Em 1994, no contexto crítico das reformas estruturais neoliberais no México, a organização político-militar Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) declara guerra ao Estado, reivindicando do governo priista de Salinas de Gortari soluções concretas à “questão indígena” chiapaneca e mexicana. Com o desenrolar das negociações pela paz, os zapatistas passam a exigir, dentre outras demandas, o reconhecimento de regimes autonômicos indígenas. Após o fracasso dessas negociações (Acordos de San Andrés), entre os anos de 1996 e 1998, o movimento zapatista resolve aprofundar o modelo autonômico que vinha desenvolvendo em suas comunidades desde o final de 1994. Decidem, assim, definitivamente desconhecer a legitimidade das instituições estatais ao interior de seus territórios, passando, por meio do que poderíamos chamar de uma democracia radical, a autogestionar instituições zapatistas. Este processo singular – por nós chamado de “autonomia em resistência” – desenvolve-se enquanto processo político até o presente momento. No plano espacial, o sistema de autonomia zapatista mostrou-se eficaz contra os processos de desterritorialização indígena no estado de Chiapas, visto que não só conseguiu recuperar áreas indígenas historicamente tomadas pela aristocracia agrária local (não indígena), como, inclusive, embargar grandes projetos de infraestrutura que trariam impactos diretos a seus territórios, como aqueles ligados ao Plan Puebla-Panamá. Nesse sentido, como o movimento zapatista tem demonstrado, o empoderamento das populações indígenas passa, inevitavelmente, pelo aumento do poder exercido sobre os territórios por elas ocupados. Isso significa não só um maior controle sobre a cultura ou mesmo os recursos naturais, mas, especialmente, sobre às relações sociais ali desenvolvidas, tanto as de produção quanto aquelas relacionadas à educação, à justiça, à saúde, etc. Com mais de vinte e cinco anos de existência os territórios autônomos zapatistas consolidam-se como uma das experiências políticas mais complexas do contexto latino-americano contemporâneo, sintetizando de maneira híbrida formas de organização ocidentais com práticas, tradições e estruturas produtivas tipicamente indígenas. Embora esta experiência não seja uma fórmula e não possa portanto ser tomada como um modelo universal, seus avanços vêm inspirando outros movimentos indígenas a discutir a autonomia como estratégia política alternativa na relação entre as sociedades indígenas e o Estado-Nação. O presente artigo, nascido de uma dissertação de mestrado em Geografia Humana na Universidade de São Paulo, busca traçar elementos básicos dessa territorialidade autônoma zapatista, servindo de convite à leitura da pesquisa completa.
Palavras-chave: Território; Autonomia; Movimentos indígenas; América Latina; Ecologia Política.
1- Introdução
Observamos, desde o final dos anos 1970, a emergência política de diversas
organizações indígenas na América Latina. Um divisor de águas desse fenômeno foi
1 Doutorando do programa de pós-graduação em Geografia Humana da Universidade de São Paulo.
E-mail de contato: [email protected]
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o levante armado do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), em 1994, no
estado de Chiapas (México). Entre demandas já tradicionais dos povos indígenas,
como a questão da permanência à terra, o movimento zapatista incluiu em sua pauta
política a reivindicação por autonomia, entendida, nesse contexto, como um distinto
regime jurídico-territorial que permitisse o exercício concreto da autodeterminação.
Após o fracasso na aprovação de um acordo com o governo, os zapatistas
decidem consolidar unilateralmente a autonomia que já vinham desenvolvendo em
suas comunidades. A partir dessa “autonomia em resistência”, suprimiram qualquer
tipo de relação com as instituições do Estado, conformando comunidades,
municípios e zonas autônomas, governados pelos próprios indígenas e operantes
até a presente data. O objetivo da pesquisa que embasa esse artigo foi o de analisar
a organização espacial destes territórios autônomos, tentando esquadrinhar, na
medida do possível, os limites e potencialidades que a estratégia autonômica
oferece a outros grupos indígenas.
2- Autonomias territoriais indígenas: o caso zapatista
No plano conceitual, a autonomia é a capacidade das organizações ou dos
sujeitos assumirem seus interesses e ações mediante normativas e poderes
próprios, opostos portanto à dependência, tutela ou subordinação heterônoma, seja
do Estado, seja da Sociedade Civil (LÓPEZ Y RIVAS, 2010). Para o antropólogo
mexicano Gilberto López y Rivas, a autonomia
implica que los pueblos indígenas puedan ser reconocidos como sujetos de derecho políticos colectivos e individuales, capaces de definir sus propios procesos económicos, decidir sus formas comunitarias y regionales de gobierno, su participación en los órganos de jurisdicción estatal y representación popular, el aprovechamiento de sus recursos naturales y la definición de sus políticas culturales y educativas, respetando los usos y costumbres que los dotan de identidad y les permiten resistir la hegemonía de un Estado y un régimen político que los ha mantenido olvidados y marginados durante siglos (LÓPEZ Y RIVAS, 2004, p.55).
A autonomia diz respeito, portanto, ao exercício concreto da autodeterminação,
isto é, a capacidade de um grupo estatuir e deliberar sobre sua vida social (o que
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inclui suas formas de governo, seus dispositivos de reprodução material e simbólica,
seus regimes de intercâmbio e, claro, o uso e ocupação de seu território), opondo-se
assim às políticas de cunho integracionistas e/ou tutelares heterônomas (ALKMIN,
2017).
Compreendida como uma relação social, a autonomia pode se operacionalizar
concretamente em diversas “esferas” e “graus” da vida cotidiana. Um grupo
indígena, por exemplo, pode declarar a autonomia do sistema educativo presente
em seu território, o que significa que, dali para frente, decidirão quem, o quê e como
ensinarão, assim como o idioma em que o farão. Seguindo o mesmo raciocínio, esta
autonomia pode apresentar diferentes graus de profundidade: pode por exemplo ser
parcial (a coletividade indígena buscando uma relação intercultural com o sistema a
princípio empreendido pelo Estado) ou ainda integral (a coletividade indígena
assumindo toda a concepção e responsabilidade do sistema educativo). Como
podem fazê-lo na educação, também o podem na área da saúde, da justiça, da
comunicação, da produção, etc.
É importante enfatizar que tais autonomias sempre são operacionalizadas
mediante processos de territorialização. No plano teórico, o geógrafo Marcelo
Lopes de Souza nos enfatiza a necessidade de compreensão do território como “um
espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”, sendo o espaço
concreto um “substrato material” para o exercício destas, visto que, trata-se no
fundo, de “relações sociais projetadas no espaço” (1995, p.78). Infere-se daí que,
embora o exercício desse poder se efetue sobre um determinado espaço (seja por
meio do controle ou da apropriação), ele só se efetiva porque se dá em relação a
outros atores sociais. Isso nos permite compreender o território como “um campo de
forças, uma teia ou rede de relações sociais, que a par de sua complexidade interna,
define, ao mesmo tempo, um limite, uma alteridade” entre estes atores (SOUZA,
1995, p.86, grifos do autor).
Este parece ser o contexto dos territórios autônomos zapatistas, que não
possuem contiguidade espacial e nem sempre são balizados por limites materiais
fixos e estáveis, devido a fatores como a maior ou menor militarização, planos
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governamentais e sua pressão na desarticulação organizacional, coesão política
zapatista, etc. Isso significa que, não obstante a existência de uma zona de
influência política zapatista, a territorialidade zapatista é descontínua, possuindo
extensão (a “tessitura”, nos termos de Raffestin) apenas na escala local ou
comunitária2. É correta, assim, a hipótese de Brancaleone, quando afirma que este
território pode ser entendido “como uma federação de comunidades rebeldes em
armas, afiliadas e articuladas como núcleos auto organizados” (2012, p.283).
As diversas comunidades autônomas se agrupam hoje em torno de 27
munícipios autônomos zapatistas (MAREZ). Estes, por sua vez, articulam-se em
cinco diferentes zonas. Cada zona possui um “caracol” 3 , uma espécie de
centralidade administrativa, espaço de encontro político e cultural entre os membros
dos MAREZ e entre esses e a sociedade civil. Eles possuem estrutura para
hospedagem de zapatistas e visitantes, além de cozinhas coletivas, mercearias,
galpões, escritórios com internet, oficina para consertos, quadras de esporte,
cooperativas e, em alguns casos, rádios comunitárias, escolas e clínicas de saúde,
entre outros.
Para Marcelo Lopes de Souza, um território-descontínuo pode se dar a partir
da interconexão de diversos territórios contínuos:
Como cada nó de um território descontínuo é, concretamente e à luz de outra escala de análise, uma figura bidimensional, um espaço, ele mesmo um território [...] temos que cada território descontínuo é, na realidade, uma rede a articular dois ou mais territórios contínuos [...]. A complexidade dos territórios-rede, articulando, interiormente a um território descontínuo, vários territórios contínuos, recorda a necessidade de se superar uma outra limitação embutida na concepção clássica de território: a exclusividade de um poder em relação a um dado território (SOUZA, 1995, p.94, grifos do autor).
2 E mesmo essa escala não está isenta de divisões políticas, como por exemplo, comunidades onde residem zapatistas e não-zapatistas (o que não é o mesmo que antizapatistas). Nesse caso, a autonomia territorializa-se nas parcela(s) do espaço comunitário ocupado pelos zapatistas. 3 Os caracóis são uma herança direta dos “Aguascalientes”, espaços criados em 1994 pelos zapatistas para a interlocução entre as zonas rebeldes e a sociedade civil. A fundação dos caracóis significou um avanço no processo autonômico, já que se tornaram centralidades administrativas para o exercício da autonomia ao nível regional. Para mais informações recomendamos o artigo de Raúl Ornelas (2005) presente na bibliografia, inclusive já traduzido ao português.
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Partindo de uma adaptação do modelo teórico desse autor, buscamos
representar o “território-descontínuo” zapatista no “modelo 1”, abaixo:
MODELO 1: O TERRITÓRIO-DESCONTÍNUO ZAPATISTA
Modelo 1: O modelo acima representa o território-descontínuo zapatista. Em vermelho observamos os territórios pertencentes às comunidades autônomas, destinados tanto à habitação como ao cultivo agropecuário. Estas podem se interconectar pela infraestrutura presente no substrato material, como estradas que transportam bens ou pessoas (linhas em vermelho), como também por ondas de rádio, celular ou internet, no caso dos fluxos de informação. Observe-se que, quanto maior a escala, mais o território se torna contínuo, isto é, uma superfície. Em oposição, quanto menor a escala, mais ele se
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torna um “território-descontínuo”, aparecendo como “nós” conectados por uma rede. FONTE: ALKMIN, 2017, baseado na proposta de Souza (1995, p.95).
Como podemos perceber, a territorialidade zapatista se assemelha a uma rede,
unindo os territórios das comunidades afiliadas à organização, de forma a compor
uma complexa malha sócio-territorial. Se observada em uma escala local, o território
das comunidades autônomas desvela-se como superfície; contudo, se observada
em uma escala regional, pulveriza-se, tornando-se múltiplos “nós” ou pontos
adimensionais, todos interligados em rede (tanto a partir da infraestrutura presente
no substrato material, como a partir de ondas de rádio, celular ou internet), por onde
transitam bens, pessoas ou informações, com relativa centralidade nos cinco
“caracóis” (Imagem 1 e Foto 1):
Imagem 1: Acima, imagem de satélite do caracol 4 (Morélia), na região Norte de Chiapas. Foto 1: Ao lado, entrada do caracol 4 (Morélia), enfatizando o carater autônomo dos territórios zapatistas. FONTE: Imagem de satélite de www.flashearth.com; Foto de Fábio Alkmin, Chiapas, jan.2013.
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3- Metodologias
Realizamos trabalho de campo nos territórios zapatistas entre os anos de
2012 e 2013, período da pesquisa que embasa esse artigo, buscando a partir dessa
experiência empírica elementos que contribuam a uma análise histórica do processo
de autonomia territorial zapatista. O embasamento teórico partiu da revisão
bibliográfica já produzida sobre o tema, sobretudo nas áreas de História, Sociologia
e Antropologia, visto que estudos a partir de uma perspectiva estritamente
geográfica são raros, tanto no Brasil, quanto no México. Coube, portanto, buscar um
diálogo transdisciplinar, tentando destacar, como dito, o aspecto territorial deste
processo autonômico. Vale destacar que a maior parte da bibliografia consultada é
mexicana, residindo aí não só estudos acadêmicos, mas também relatos dos
próprios zapatistas, disponibilizados nas publicações da chamada “Escuelita
Zapatista”4.
Metodologicamente buscamos compreender os processos de despossessão
territorial indígena em Chiapas – uma das contradições sociais que fomentaram o
surgimento do EZLN – mediante pressupostos da Geografia Histórica,
especialmente a noção de formação territorial estatal (MORAES, 2000). Acerca da
compreensão do fenômeno zapatista, buscamos criticar o conceito de território como
concebido na Geografia clássica, que de maneira geral tende a se limitar ao território
do Estado-Nação. Valorizamos assim concepções teóricas que entendem que as
relações de poder se estendem às diversas relações sociais, não se restringindo
apenas àquelas oriundas das instituições estatais (RAFFESTIN, 1993). Tendo em
vista que os territórios autônomos estão espacialmente “pulverizados” e que portanto
não necessariamente possuem contiguidade espacial, travamos um diálogo com o
geógrafo Marcelo Lopes de Souza, que trabalha a noção de “territórios-descontínuos”
4 A “escuelita zapatista” visou propiciar pequenas “vivências” de mexicanos e estrangeiros nas comunidades indígenas, com o fim que de que conhecessem na prática o processo autonômico zapatista. Quatro livros foram publicados nesse contexto e formam parte do curso “La libertad según l@s Zapatistas”. São os seguintes: Gobierno Autónomo I, Gobierno Autónomo II, Participación de las mujeres en el Gobierno Autónomo e Resistencia Autónoma. Todos eles foram escritos a partir de relatos dos próprios zapatistas e podem ser facilmente encontrados na internet.
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(SOUZA, 1995).
4- Resultados
Partindo-se de uma perspectiva a posteriori, poderíamos citar ao menos
quatro avanços políticos logrados pelo EZLN desde sua insurgência em 1994. Em
primeiro lugar, os zapatistas lograram o questionamento do arquétipo mestiço como
referente identitário do projeto nacional mexicano, reafirmando, portanto, a
existência contemporânea de diversas identidades e grupos étnicos (com todas suas
particularidades históricas, sociais, econômicas, políticas e culturais) no país. O
número de mexicanos que atualmente se auto identificam como “indígenas” é
ascendente, superando hoje a cifra dos 15% do total da população. Tal processo
ocorre de maneira generalizada em toda a América Latina, onde, de acordo com
dados da CEPAL (2014a, p.44), o número de indígenas passou de 30 a 45 milhões
no curto período que vai de 2000 a 2010. Estas mudanças não refletem apenas
mudanças nas dinâmicas demográficas, mas, sobretudo, o crescimento do número
de pessoas que, não obstante os preconceitos existentes em suas sociedades,
conscientizaram-se e resolveram reafirmar suas identidades indígenas, e não
mestiças, como o Estado lhes tentava convencer. Este processo é muito nítido no
México, e sem sombra de dúvidas foi fundamental para isso a discussão nacional
levantada pelo EZLN sobre a importância do posicionamento político das sociedades
indígenas no projeto de nação mexicana.
À esteira disso, observamos um segundo avanço, que foi o de demonstrar,
definitivamente, o fracasso do paradigma integracionista no contexto da formação
nacional mexicana. Isso significou nada menos que a deslegitimação das políticas
que foram correntes em boa parte do século XX no país, as quais, de formas
variadas, sempre buscavam “desindianizar” as populações indígenas para
transformá-las em camponeses mestiços (ou em pequenos produtores rurais
mestiços). A reboque disso, mostraram-se inválidas inúmeras teorias culturais –
tanto de teóricos e analistas politicamente à “esquerda”, como daqueles à “direita” –
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que postulavam o inevitável fim das sociedades indígenas frente aos processos de
modernização capitalista. Embora os zapatistas sejam mais um reflexo de que
propriamente a força motriz deste processo, tiveram o mérito de sintetizar em forma
discursiva que as sociedades indígenas mexicanas estavam vivas e ativas, e o mais
importante, que se empenhavam por continuar sendo indígenas.
Constata-se, em terceiro lugar, que o EZLN pôs em xeque a ideologia que
qualificava as populações indígenas como politicamente incapazes, portanto
carentes de tutelagem. Esta percepção permitia a constante atuação de
“representantes”, sejam indigenistas estatais, vanguardas revolucionárias, Igrejas,
acadêmicos ou organizações não-governamentais. Não poucas vezes tais agentes
agiam em “prol” das sociedades indígenas sem nem ao menos auscultar suas
necessidades ou desejos, tornando-as assim objeto de interesses de terceiros. Este
fato nos parece fundamental, pois, no caso zapatista, as comunidades indígenas
voltaram coerentemente a ser os atores sociais centrais da “luta indígena”. Mediante
o ideal de “autonomia” (etimologicamente “reger-se por leis próprias”), passaram a
se organizar politicamente, a discutir problemas, elaborar estratégias, propor
soluções, exercer a autocritica, etc. Isso possibilitou um alto nível de organização
política, organicamente endógena, onde os interesses das comunidades indígenas
ganham destaque e independência frente a outras forças políticas e sociais.
Soma-se, finalmente, a resistência aos processos de despossessão
territorial, intensificados pelos ajustes estruturais neoliberais. As reformas políticas
do início da década de 1990 serviram para finalizar o ciclo agrário redistribucionista
iniciado na Revolução Mexicana e liberalizar a propriedade da terra no México,
flexibilizando assim os mecanismos que regulavam seu uso e ocupação (como por
exemplo o artigo 27 da Constituição). Fomentou-se com isso a especulação de
grandes áreas ricas em recursos naturais e de “uso comum” por comunidades
indígenas, fundamentais à reprodução das mesmas. A mobilização e organização
autônoma do EZLN dificultou ou impediu a desterritorialização das comunidades
zapatistas em Chiapas, dentro dessa conjuntura.
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5- Conclusões
No plano territorial a estratégia autonômica zapatista mostrou-se eficaz, visto
que não só conseguiu frear o aumento da concentração fundiária em Chiapas
conservando as terras nas mãos dos indígenas, como também permitiu tensionar o
desenvolvimento de grandes projetos de infraestrutura que trariam impactos a seus
territórios, como aqueles ligados ao Plan Puebla-Panamá.
Como o movimento zapatista tem demonstrado, o empoderamento real das
populações indígenas passa, inevitavelmente, pelo aumento do poder exercido
sobre os territórios por elas ocupados. Nesse sentido, entendemos que só é possível
o exercício concreto da autodeterminação sobre uma base territorial estável, onde a
mesma possa ser desenvolvida conforme os interesses e projetos dos próprios
grupos em questão. Isso significa não só um maior controle sobre os recursos
naturais ali existentes, mas também e sobretudo à autonomia no que diz respeito às
relações sociais ali desenvolvidas, tanto as de produção quanto aquelas
relacionadas à educação, à justiça, à saúde, etc.
Cabe destacar a singularidade da “autonomia em resistência” zapatista, uma
estratégia política tomada na conjuntura específica de Chiapas, fruto, sobretudo, da
resposta militar, econômica e política do governo mexicano (o que inclui o
descumprimento dos Acordos de San Andrés). Por tais razões, esta experiência não
é uma fórmula e não nos parece generalizável, isto é, não pode ser tomada como
um “modelo” por outros movimentos, fato inclusive reiterado pelos próprios
zapatistas.
A nosso ver, isso não impede, entretanto, a apropriação por outros
movimentos da ideia que sustenta esta experiência: a demanda por uma maior
autonomia política, entendida então como um maior controle sobre os territórios e as
relações sociais ali estabelecidas. Como enfatiza o antropólogo Gilberto López y
Rivas (2010), “as autonomias na América Latina se projetam hoje em dia como
aqueles espaços político-territoriais onde os povos oprimidos podem consolidar no
âmbito local, regional ou ainda nacional, suas expressões comunitárias de
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democracia direta”. Como os zapatistas demonstram, esse processo de
democratização não será fruto da ação de uma “vanguarda revolucionária” ou de um
caridoso partido político, mas deverá necessariamente nascer da organização dos
próprios atores indígenas. O EZLN evidencia assim a importância contemporânea da
adoção de políticas pré-figurativas, isto é, o espelhamento da sociedade almejada
nos modos de organização e táticas de atuação realizadas no próprio cotidiano.
Não se trata, fique claro, que a luta nas altas esferas políticas – tal qual a
federal – perdeu a importância. Reforça-se simplesmente a necessidade de
organização política nas escalas locais, com as ferramentas e os quadros políticos
indígenas que se encontram disponíveis no momento histórico. Assim, de maneira
geral, a busca por este “empoderamento territorial” e por uma crescente organização
política parece-nos uma estratégia interessante para confrontar tanto os avanços
neoliberais contemporâneos, como, também, para tensionar os ideais do
multiculturalismo neoliberal (e em certa medida os resquícios do integracionismo
mononacional), tomados em grande medida como pressuposto teóricos das políticas
indigenistas atualmente em vigor, ao longo do continente. Para este exercício, como
a raiz da noção de autonomia orienta, cada grupo, comunidade ou organização
deverá encontrar suas próprias estratégias, conforme o contexto particular em que
se encontram.
Finalmente, situamos as “autonomias territoriais” como uma potencial linha
de pesquisa dentro dos estudos geográficos críticos envolvendo populações
indígenas, colaborando assim aos esforços teóricos de outros campos do
conhecimento implicados atualmente nessa questão, como a Antropologia, a História
e a Ciência Política.
6- Referências Bibliográficas
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