Herbert Rolim | Org. |
SALÃO DE ABRILDe casa para o mundo. Do mundo para casa.
1980 - 2009
Realização:
Patrocínio:Produção: Apoio:
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ApresentaçãoLuizianne LinsFátima Mesquita
PrefácioMaíra Ortins
HomenageadosEstrigasJoão Jorge
UM DEDO DE PROSA História e Antecedentes
Herbert Rolim
ANOS OITENTAEntre o sonho e a razão
Herbert Rolim
ANOS NOVENTAEu, eu e o(s) outro(s)
Herbert Rolim
ANOS DEZDeslocamentos e transitoriedades
Herbert Rolim
Fortaleza, em tempos de guerra, sempre
Ricardo Resende
Carta de uma curadora não tão jovem a uma jovem artista do Nordeste do Brasil
Cristiana Tejo
Entre tempos e histórias – dos processos iniciais
Bitu Cassundé
Tempo, performance e lugar da arte
Ana Valeska Maia
O Vídeo no Salão de Abril
Nílbio Thé
Referências Bibliográficas
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Arte e cidade
O Salão de Abril, tradicional e principal mostra de artes visuais de Fortaleza, é uma obra em pro-cesso, aberta e multifacetada, que legitima a dimensão estética, como uma das formas possíveis de apreender e pensar criticamente a cidade. No atual cenário de megalópoles saturadas de imagens, os trabalhos artísticos que problematizam ou extrapolam o espaço convencional da galeria são sinais de um tempo onde uma nova cultura política abre passagem para as tensões e diálogos que permeiam o cruzamento de ideias, ligadas as políticas públicas, artes e processos urbanos contem-porâneos.
Promovido pela Prefeitura de Fortaleza, através da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor), o Salão de Abril conquistou prestígio e respeitabilidade junto a artistas, curadores e críticos de todo o Brasil por insistir em se manter vivo, crítico, auto-crítico e inquieto, interrogan-do o público e o privado sobre a capacidade coletiva que buscamos desenvolver para irmos além dos limites da chamada “sociedade do espetáculo”. Através das artes, Fortaleza quer ser mais do que a cidade do cartão-postal. Quer abrir brechas nos territórios da macro e da micropolítica para experimentar novos olhares sobre o cotidiano e novas formas de convivência, menos superficiais e mais intensas.
O Salão de Abril e a cultura de forma geral são essas linhas de fuga necessárias no contexto da globalização para ativarmos os processos subjetivos que também governam e desenham um sonho feliz de cidade pretensamente mais justa e fraterna.
Luizianne LinsPre fe i ta de For ta leza
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Um desenho para as artes visuais
A história das artes visuais se confunde com a história da própria humanidade e diz muito sobre a necessidade orgânica do ser humano em atribuir valor simbólico para seus pensamentos e as múl-tiplas formas de estar no mundo. Do escuro das cavernas até a luz iridescente da contemporanei-dade, os traços, cores, gestos e interfaces do campo de visualidades e visibilidades se renovam e se reinventam na mesma intensidade em que percebemos e celebramos a diversidade cultural do planeta e o entrecruzamento de culturas diversas.
A sexagésima primeira edição do Salão de Abril é uma peça singela mas original nesse quebra-cabeça atemporal e sem fronteiras, abrindo janelas para a produção de diversas gerações de artistas e contribuindo nacionalmente para a projeção da multiplicidade dos horizontes de linguagens e conceitos estéticos.
A partir de 2007, quando pela primeira vez ampliou seu raio de alcance, abrindo inscrições por todo o território nacional, o Salão também se tornou um espaço permanente de compartilha-mento de idéias e experiências, uma rede de amigos da arte e da vida. De caráter não-competitivo, veio ainda valorizar bem mais os processos do que os resultados em si, centrando foco, em paralelo, no potencial formador de uma mostra de artes, através de ações educativas junto a professores e alunos da rede pública municipal de ensino.
Em 2010, na sua sexagésima primeira edição, o Salão de Abril reitera a interrogação: qual o lugar da arte? E assim nos desloca e nos descola de nossos territórios reais e imaginários. No fundo, essa é a pergunta que também permeia o desafio maior de consolidação de uma política pública para as artes visuais. Através de um Sistema Municipal de Cultura em formação, que visa dar legiti-midade a uma política de Estado e não de governos, algumas respostas começam a ser esboçadas de forma participativa e colaborativa, junto à sociedade civil organizada. Desde já, percebemos que o conceito de cidadania cultural é o pano de fundo dessa tela. E que são muitas as camadas de tinta até a cristalização de um ambiente sólido para dar sustentabilidade às artes nas suas vertentes simbólicas e econômicas. Mas o desenho será feito. Com esmero e a muitas mãos.
Fátima MesquitaSecre tá r ia de Cu l tu ra de For ta leza
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Um fio de prumo
“O espelho aprisiona em si um segundo mundo que lhe escapa, no qual ele se vê sem poder se tocar
e que está separado dele por uma falsa distância, que pode diminuir mas não transpor.”
A água e os sonhos, Gaston Barchelard.
Sem método que se conheça, o artista devaneia com um fio de prumo a calcular a verticalidade do tempo. Este tempo, por sua vez, é um espaço povoado de sonhos, um pequeno trecho, talvez, ou um lugar de passagem, que pode ser representado por uma “porta” aberta, pela qual, entramos e saímos sem perceber. Da outra extremidade, que só alcançamos se atravessarmos essa “porta”, a nossa imagem espelhada nos indaga sobre o sentido desta outra imagem que agora nos vê. Dá-se, dessa maneira, o encontro entre a obra, o artista e o espectador. Lugar imensurável e de infinitas possibilidades interpretativas, onde as imagens se multiplicam em sentidos, a medida em que, cada agente, a seu modo, observa o “objeto” sob um ponto de vista diferente. Diria então, citando Fou-cault, que se trata da ordem do discurso.
“A imaginação, mais que a razão, é a força de unidade da alma humana” (BACHELARD, p. 153). E é a busca por esta unidade que nos inquieta, que nos faz indagar o sentido das coisas, à procura de uma matéria sólida em que possamos nos fiar. Entretanto, se na arte tentamos buscar um caminho seguro, logo desanimamos ao perceber que nesta arena de discursos, todo caminho é um caminho possível, fragmentado e ao mesmo tempo contraditório. É a liberdade inerente à arte que faz dela este campo aberto de significações e que, por isso mesmo, a torna fascinante. Parta-mos, assim, dessa liberdade para refletir sobre o papel da arte no contexto atual. A forma como esta se comporta diante do homem contemporâneo, imerso no duro cotidiano dos grandes centros urbanos; sobre como a produção contemporânea dialoga com o mundo e como ela opera, filtra, interpreta e transforma os comportamentos sociais, políticos e econômicos.
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Por que Salão de Abril?
“Quando assumi a curadoria do Salão de Abril em 1986, a convite do presidente da Funcet Dr. Claudio Pereira, ele atravessava uma de suas mais difíceis fases”.
João Jorge Arquiteto, artista e curador
O processo de decadência e a crise do formato “salão” também contribuíram, certamente, para a fase difícil a que se refere a citação acima. Os artistas, em plena geração oitenta, no Brasil, buscavam outras formas de incentivo às artes, visto que, em parte, aquele formato possuía um ranço herda-do dos salões franceses do século XIX, e, portanto, não era suficiente para suprir as demandas de uma nova consciência artística. Havia um desejo crescente em enterrar velhos formatos, extinguir fórmulas ultrapassadas de classificação, tais como o conceito de categoria como veículo de enten-dimento do fazer artístico. Para permanecer e continuar fazendo sentido o Salão de Abril precisou reformular seu formato e conceitos. Por isso, resistência ainda é a palavra que melhor o define, posto que, desde sua criação, passou por vários percalços e crises no âmbito institucional.
Assim, o salão iniciou seu processo de transformação, que ao longo dos anos teve períodos de ápice e decadência, numa instabilidade natural de qualquer evento organizado e financiado por uma instituição pública. Tal evento passou a compreender os mecanismos acionados pelo circuito da arte, bem como a engrenagem da produção artística das gerações subsequentes, embora, dentro ainda da esfera municipal desta produção, visto que o salão só passaria a ser nacional em 2007.
Contudo, é preciso continuar (...) “é preciso pronunciar palavras enquanto as há, é preciso dizê-las até que elas me encontrem, até que me diga – estranho castigo, estranha falta, é preciso continuar” (...). (FOUCAULT, p. 6.). É certo que não há precisão no descrever da razão pela qual o Salão de Abri, apesar de todas as adversidades históricas e territoriais de seu tempo/espaço, permanece cravado na história da cidade de Fortaleza e agora caminha, cada vez mais acelerado, no sentido de, juntamente com outros mecanismos de ação cultural, contribuir para o mapeamento de jovens artistas, ao absorver uma produção que ainda está em processo de amadurecimento e que não é conhecida pela crítica nacional. Desta forma, funciona como veículo de aproximação entre a crítica e a produção de jovens artistas em todo o Brasil.
Um vão
“Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma”
O trem, linha nervosa e histérica, fio condutor no tempo presente, do homem do presente, das coisas atuais, já faz parte do cotidiano de muitos viandantes. A ele, e a todos nós, pertence este vão. Lugar simbólico, porque desencadeia outros sentidos além do imediato, é, primeiramente, um espaço que não pode ser habitado. Para além, é um espaço proibido. Entre este ir e vir diário, grande parte das pessoas, “habitam” um tempo/espaço outro, que poderia se assemelhar a este “vão” entre o trem a e plataforma. Trata-se, portanto, de um lugar da não-permanência, do não-repouso, por-que é a motivação pelo desejo de chegar a um lugar fixo, que permita a estabilidade do corpo, que nos instiga a este constante movimento.
À arte cabe captar este momento, filtrando desta realidade o particular para melhor evidenciá-lo. As artes visuais, por meio de sua pluralidade de linguagens, nos permitem abordar de forma crítica o nosso comportamento automatizado, desencadeado pela necessidade diária de sobrevi-vência. Dá-se uma nova compreensão do público, no tocante à recepção da arte contemporânea. Um mundo virtualizado se abre, multiplicam-se formas e meios de comunicação,propiciando um campo novo de experimentação para os artistas.
Do outro lado deste processo, as instituições, em sua maioria, tentam buscar fórmulas e sistemas que sejam capazes de absorver o rápido e contínuo transformar da arte. Criam-se editais, eventos abertos, debates, cursos, bienais e salões que recebem e compartilham com o público o que, dentro da esfera do oportuno, é passível de apreciação. Mas a qualidade inerente à arte é a transgressão, a negação ao sistema e a não-linearidade. É a partir das tensões que a obra se reinventa.
Inserido num contexto de tensões políticas, à sua época, posto que, estamos fazendo referên-cia ao ano de 1943, um grupo de artistas criava o Salão de Abril. Naquela época, o mundo vivia um momento particularmente difícil, a Segunda Guerra Mundial, que acelerou o processo de transformação do homem e dos parâmetros sociais vigentes da época, favorecendo, desta forma, cada vez mais a individualização em contraposição ao senso de coletividade. Dava-se a fragmen-tação do eu. Como um prisma, o homem se apresenta agora formado por muitas superfícies frag-mentadas em si. Não há mais espaço para certezas e totalidades, passamos, mais uma vez, a duvidar de tudo. Cabe aqui, uma citação de Montaigne: “o campo de batalha final entre a certeza e a incerteza é o próprio eu”.
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às transformações sociais do Brasil. As mudanças são evidentes e, é claro que ao observar o desen-rolar da história sob o prisma da arte, é, por consequência, ter acesso a um ponto de vista filtrado, particular e que, em sua maioria, irá evidenciar o lugar pouco comum. Assim, a meu ver (modo particular e simples expressão de um pensamento livre), observo, com maior frequência, na nova produção, um silêncio longo, um gesto intimista.
E no espaço da obra que duas vezes cega, sigo tateando no escuro, as paredes, os objetos, formas e linhas de um silêncio absurdo, como em Drummond (1985, p. 196. ):
E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta, sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar(...)
(...)A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mãos pensas.
O Salão atual busca constantemente um fazer sucessivo, num processo de apreender leituras e conceitos, que a cena artística nacional aponta, a cada segundo, pois esse processo de transformar-se é contínuo e segue um pulsar eterno, cíclico e, por isso, de retorno. Dessa maneira, o resgate histórico do salão se apresenta fundamental para a estruturação de um passo firme para o futuro, principalmente, porque, inclusive, este resgate histórico, com fundamentação teórica e pesquisa de campo é um dado recente.
Uma opção política
“Porque se a Estética fundamenta a Arte, é a Política que fundamenta a Cultura.”
Cildo Meireles
Entre o limiar da corrente inquietação do papel da arte na sociedade e, no tocante a estética, de como esta se relaciona diretamente com o espaço é que fomos instigados a levar o Salão de Abril também para o espaço de rua. Um espaço para um salão, a rua como um lugar do possível. No que se refere à questão do acesso, de como um salão de arte pode propor um formato que se disponha a pensar a descentralização do circuito fechado da arte, levando esta produção para um público que, normalmente não tem acesso a determinados bens culturais foi que, primeiro ocupamos os terminais de ônibus mais movimentados da cidade, para depois abraçarmos o centro, o coração de Fortaleza. Um mapeamento sentimental surge da mão do artista, que ao pisar no território, repensa a obra, calcula o passo e prepara o alcance de sua ação.
Todo artista, como toda pessoa, faz opções políticas diante da vida e do mundo. E mesmo quando tais opções não são aparentes ou declaradas, elas estão ali presentes nas entrelinhas do discurso. Notadamente, a arte em seu movimento circular, como um pêndulo, oscila entre uma postura declaradamente panfletária diante de um fato ou acontecimento histórico ou deixa-se le-var por questões intrinsecamente estéticas e conceituais da forma. Mas, sem dúvida, sempre está a costurar um discurso político, que confronte ou não o cenário político e social.
Se passarmos a observar o movimento do salão a partir desta perspectiva política, notaremos que ao longo de suas sessenta e duas edições, com maior ou menor intensidade, o salão possui uma marca de contestação, inquietação e questionamento sobre si mesmo. Esta pode ser uma “linha”, um “fio” condutor de sua história, bem como, do comportamento dos artistas locais em relação
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Eis a Máquina do mundo, a que Drummond se referia e a que tento sobre ela refletir. Este si-lêncio amordaçado, sem forma precisa, não leva transparência do pensar. Então, me parece que a angústia, sentimento contíguo que nos abraça devagar, é quem dá o tom das nossas narrativas contemporâneas. Quase um desabafo, vejo na obra de alguns artistas, um silêncio oco, um vácuo de emoções. Quiçá a existência do “vão” entre o trem e a plataforma seja o mesmo espaço que, encurralados, habitamos diariamente, sem perceber, como a possível “porta” aberta, que nos dá passagem? Esse anti-espaço é, então, medido com um fio de prumo, que calcula, planeja, detalha e informa que poderia ser diferente, que poderia ser esta, uma outra realidade a que nos cerca, uma outra verticalidade, a que vivemos.
Maíra Ortins
Coordenadora de Ar tes V i sua i s da SECULTFOR
Art i s ta v i sua l
23
Salão de Abril em Pesquisa
O nosso tradicional e mais antigo Salão de Abril foi concebido e iniciado em 1943, pela União Es-tadual dos Estudantes (UEE) com prosseguimento em 1946, pela SCAP e conduzido posterior-mente pela Prefeitura Municipal de Fortaleza. Após tantos anos sendo o termômetro dos vários momentos de nossa manifestação artística, mostra-se agora em livro, no seu aspecto revelador de transições artísticas acontecidas ao longo de sua existência. E quem analisa essas transformações é o professor Herbert Rolim, avançando mais um passo no estudo desse Salão, que já apresentou em suas edições, o que nós tivemos de mais significativo em termos de arte e artistas, de figuras locais e nacionais que dele participaram.
Um salão com tanto tempo de existência, com tantos altos e baixos, que representa grande parte da história de nossa arte é, sem dúvida, uma fonte imprescindível para a apreciação sobre transições durante seu percurso em confronto com o meio.
Estabelecer transições é caracterizar épocas e momentos que reúnem e separam gerações, é resgatar fim e começo, pausas e recomeços, elos construtivos que se reajustam no tempo em busca de nova identidade.
O Salão de Abril é rico em seu veio de propostas, interrogações e respostas. É um Salão descri-tivo, interpretativo, e exposto para a resposta crítica. Herbert recolhe seu material e o mostra em livro. O Salão está aberto.
Estrigas
Estrigas | Fortaleza, CE, Brasil, 1919 |
Sem título, 1985 Óleo sobre tela - 40 x 50 cmColeção Sr. Rogério Torres
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Quando assumi a curadoria do Salão de Abril em 1986, a convite do presidente da Funcet Dr. Claudio Pereira, ele atravessava uma de suas mais difíceis fases.
Os próprios artistas plásticos reuniram-se na galeria Antônio Bandeira, na época no subsolo da Praça do Ferreira, em deprimente e inesquecível tarde, propondo a extinção dessa importante mostra de artes plásticas.
Atônito, conseguimos junto à administração municipal, o apoio necessário para não deixar esse movimento desaparecer. Assim, naquele ano, tivemos um grande Salão de Abril.
Enfrentamos resistências internas externas para realizar o salão, na definição clara de seus pro-pósitos a fim de atender às necessidades transformadoras da sociedade moderna. Assim, mantive-mos o salão numa nova dimensão, garantindo sua continuidade histórica e avançamos para alcan-çar sua contemporaneidade.
Estive na coordenação até o ano de 2003. Ao longo desses anos, ele vem se fazendo, deixando sempre um saldo positivo, acrescentando mais alguma coisa no nosso panorama artístico. Mos-trando como ele é, como se apresenta, como evoluiu, e, até mesmo, como decaiu - o que não deixa de ser positivo, porque é um sinal para reformulação para reencetar a marcha ascendente ou rever a qualidade dos trabalhos que se apresentam e, ainda, as condições que são oferecidas para sua apresentação.
Na sua atual edição, o Salão significa a permanência de uma das mais longas tradições cearen-ses no campo das artes visuais. A persistência e a resistência revelam um significado muito maior: apresenta artistas de varias gerações e reúne linguagens e tendências diversas. Sua organização é um processo aberto à participação de artistas de todo o Brasil.
O salão, por tradição, permanece, mas quem o quer além dos artistas e instituições? Uma am-pla discussão precisa ser promovida em torno da fórmula “salão”. De fato, ele tem sido um ponto de contato do artista com a instituição pública, mas não foi e nunca será o melhor e mais adequado processo para engendrar esse relacionamento. Precisamos confrontar os argumentos e, sobretudo, analisar sua natureza e medir sua adequação ao tempo em que vivemos.
Fazer arte é mexer com emoções, é refazer conceitos, é traduzir sentimentos. O salão será sempre aquele atribuído pela sociedade e, em particular, pelos artistas, pois a ele cabe determinar os rumos da cultura e da arte no Ceará.
João Jorge
João Jorge | Tauá, CE, Brasil, 1947 |
Canoa Quebrada à Noite, 1977 Óleo sobre tela - 50 x 60 cmColeção particular
33herbert rolim |
1 Edição prefaciada por Gilmar de
Carvalho: Estrigas (revista e ampliada
por Flávia Jordana e Janaína Muniz).
Salão de Abril: 1943 a 20009. 2. ed.
Fortaleza: Lumiar Comunicação: La
Barca Editora, 2009. 360 p.
2 Também lembramos que nossa
investigação acompanha uma expo-
sição no Museu de Arte Contemporâ-
nea do Centro Dragão do Mar de Arte
Cultura, em Fortaleza, com curadoria
de Herbert Rolim, que se articula
a outra mostra referente às trinta
primeiras edições do Salão de Abril,
curada pela pesquisadora Kadma
Marques, em 2009, numa parceria da
Secretaria de Cultura do Município
com o Centro Cultural do Banco do
Nordeste do Brasil.
A proposta desta publicação sobre o Salão de Abril limita-se a perscrutar-lhe o
recorte de tempo dos anos 1980 até a primeira década deste século, no entan-
to, sem a pretensão de extenuar o assunto em sua complexidade. Talvez, antes
de avançarmos, seja prudente expor a maneira pela qual sistematizamos nossa
abordagem, pautamos os objetivos e estruturamos o método de trabalho. Isto
para que, numa espécie de pacto com o leitor, fique claro que não temos a in-
tenção de tratar o assunto pelo viés descritivo, sobretudo, circunscrito ao relato
dos fatos, mesmo porque a 2ª edição do livro de Estrigas1 O Salão de Abril: 1943
a 2009 inteira esse hiato na bibliografia cearense.
É necessário ainda salientar que o Salão de Abril não se resume aos artistas
e obras aqui discutidos 2, uma vez que não existe a preocupação de alcançar o
assunto em sua totalidade, como já frisamos, motivo pelo qual poderá acontecer
de um ou outro nome não configurar nesta breve investigação, sem que por
isso lhe seja imputado a falta de reconhecimento artístico. Nele, há casos de
artistas premiados que, nem por isso, fazem parte do nosso foco de atenção,
uma vez que priorizamos aqueles cuja produção de alguma maneira se estendeu
para além do território local, em consonância com o circuito artístico brasileiro,
acompanhando questões levantadas por salões, mapeamentos e bolsas de re-
sidências nacionais e/ou bienais internacionais. Também procuramos destacar
aqueles que, não obstante suas trajetórias passadas, salvo exceções, continuam
pesquisando.
Dessa forma, nos restringimos aos últimos trinta anos, concentrando nossos
interesses nos acontecimentos e naqueles que surgiram e firmaram suas poéti-
cas neste período, ajudando-nos a refletir o Salão de Abril dentro do processo de
contemporaneidade da Arte Brasileira. Diga-se que o termo arte contemporânea
aqui empregado condiz com o pensamento de David Thistlewood (2001, p 115)
Herbert Rolim: graduado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará, mestre em Litera-
tura pela Universidade Federal do Ceará, doutorando em Arte-Educação pela Universidade de
Lisboa (Portugal); professor do Curso de Licenciatura em Artes Visuais do Instituto Federal de
Educação Ciência e Tecnologia do Ceará, autor do livro Arte Anfíbia: o Caso Otacílio de Azevedo.
Como artista plástico foi premiado no Salão de Abril (2002, 2001, 2000, 1995 e 1994); parti-
cipou, entre outras exposições, do Salão Nacional MAM Bahia (1997 e 1994), do Panorama da
Arte Brasileira no Museu de Arte Moderna de São Paulo (1997), do Rumos Visuais - Itaú Cultural
- São Paulo-SP (2000) e da Bolsa Residência Faxinal das Artes - Curitiba-PR (2002).
UM DEDO DE PROSAHistória e Antecedentes
herbert rolim
34 | UM DEDO DE PROSA | História e Antecedentes 35herbert rolim |
encontrar novos meios de expressar, no campo simbólico, seus posicionamentos
críticos face às desigualdades sociais e insatisfações políticas e culturais que
colocavam a modernização do Ceará, naquela época, à margem dos eixos hege-
mônicos do país, ou seja, Rio de Janeiro e São Paulo.
Estamos falando de uma geração que, embora afastada dos horrores da guer-
ra, deixava-se inquietar pelos acontecimentos que abalavam o mundo, quase
sempre discutidos nas mesas de café da Fortaleza descalça, no dizer de Otacílio
de Azevedo, como podemos observar nas palavras de Fran Martins (Revista CLÃ,
no 27, p. 14-15) acerca do que conversavam:
Os assuntos diziam respeito a todos: a política, a administração, os problemas
econômicos, as grandes dificuldades que o mundo sofria então e que nós, bon-
dosamente, desejávamos resolver. Havia de tudo nessas reuniões: comunistas e
católicos praticantes, poetas e antipoetas, silenciosos, como o Aluízio Medeiros,
e exuberantes, como o Eduardo Campos. E havia os estrangeiros de além-mar
como o Howard Hill e o Charles Pomerat, ou de além-fronteira, como o Da Costa
e Silva Filho, o Osvaldo Peralva, o José Sarney. No meio ou no fim das conversas
desordenadas vinham as ideias: fazer uma revista, montar uma livraria, editar um
jornal, criar uma associação para defender os interesses dos escritores, inclusive
obrigando aos jornais ao pagamento de direitos pela publicação de nossos arti-
gos, ou contos ou poesias.
Além do interesse do grupo pelo que acontecia na cidade e no mundo, cha-
mamos atenção para dois pontos acima mencionados. O primeiro deles, a pre-
sença, nas rodas de conversas, de membros de diferentes origens e culturas;
depois, a multiplicidade de ideias engendradas por suas necessidades, o que
denotava uma predisposição do grupo em acompanhar as transformações polí-
ticas, econômicas e culturais de seu tempo.
Já antes da criação do salão, um grupo de amigos, em 1942, resolveu rece-
ber o poeta Girão Barroso, recém chegado do Rio de Janeiro, com um animado
almoço no sítio do jornalista H. Firmeza, em Mondubim. Vale ressaltar que, para
presentear cada amigo, o poeta trouxera em sua bagagem livros que então
circulavam na capital do país. Esse festivo reencontro contribuiu para a forma-
ção do Clube de Literatura e Arte (CLÃ), segundo podemos conferir na fala de
para quem este vocábulo “é usualmente aplicado para a arte que ainda não ori-
ginou opiniões assentadas. Esta não é vista claramente como a “moderna” pois
ainda não foi suficientemente trabalhada por críticos e teóricos”.
Em outras palavras, objetivamos nos debruçar sobre a inserção do Salão de
Abril no panorama da arte cearense em concordância com a trajetória do con-
temporâneo, rastreando indícios, ao longo de suas trinta edições, que se pauta-
ram em algumas demandas e questões emergentes de âmbito nacional.
Considerando esse pressuposto, a título de problematizar, podemos fazer as
seguintes indagações: Quais acontecimentos ligados ao Salão de Abril contribuí-
ram para sua transformação de acordo com os paradigmas atuais da arte? Quais
artistas e obras, nestas três últimas décadas, concorreram para uma compreen-
são da arte contemporânea cearense? Quais os pontos de intersecção entre a
produção cearense e o contexto histórico, social, político e econômico do país?
Optamos, assim, por uma linha de observação mais interessada na revisão
da produção das artes visuais expostas no Salão de Abril, levando em conta sua
realização (limitações e potencialidades) e seus desdobramentos no período,
do que colocar em análise a validade de seu modelo, opinar sobre se o mesmo
tem ou não correspondido às expectativas dos artistas locais ou mesmo buscar
referências elogiosas e biográficas de seus participantes e patrocinadores, o que
não nos levaria para um desfecho conclusivo.
A título de introdução, ainda que não faça parte deste estudo um olhar re-
trospectivo histórico que anteceda a década de 1980, consideramos relevante
observar que esta vocação do Salão de Abril de gerar diálogos com outros cen-
tros de potencial econômico e cultural mais desenvolvido (e com isso não só
incorporar novas idéias em sua estrutura, mas também se fazer presente nos
rumos da arte brasileira), parece premente desde sua origem, talvez até como
forma compensatória pelo atraso a que as artes plásticas cearenses estiveram
subjugadas.
Diante das injunções da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) com reflexos
no governo ditatorial de Getúlio Vargas (1930-1945), forjaram-se entre os jo-
vens artistas e intelectuais cearenses certo inconformismo e uma necessidade de
36 | UM DEDO DE PROSA | História e Antecedentes 37herbert rolim |
retomou suas atividades em 1946, depois de dois anos de sua primeira edição,
assumindo-o anualmente até 1958, quando a Prefeitura Municipal de Fortaleza
passou a gerenciá-lo.
Antes, porém, de avançarmos em direção ao nosso foco propriamente dito,
reforcemos essa inclinação do Salão de Abril, desde seu início, de se inserir nos
meandros da arte brasileira, sublinhando a presença de alguns artistas, partici-
pantes de sua primeira edição, que se enquadram no contexto nacional e, até
mesmo, internacional.
É o caso, por exemplo, de Raimundo Cela, formado no Rio de Janeiro (RJ)
pela Escola Nacional de Belas Artes, laureado com Pequena Medalha de Prata,
em 1916, e com Prêmio de Viagem ao Exterior, em 1917, no Salão Nacional de
Belas Artes. Consideremos, ainda, que ele recebeu a Medalha de Ouro no Salão
Paulista de Belas Artes, em 1943, portanto, no mesmo ano que expôs no I Salão
de Abril. Ademais, dentro dessa linha de pensamento, chama atenção sua pre-
sença na exposição “A Europa na Arte Brasileira”, em 1954, no Museu Nacional
de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Há também o exemplo do carioca Mário Barata, figura emblemática que ado-
tou o Ceará e tornou-se um dos principais agitadores da cena artística e cultural
de Fortaleza (CE), liderando a formação do Centro Cultural de Belas Artes –
CCBA, em 1941, e da SCAP, em 1944, como já frisamos. A propósito, há pouco
tempo de sua participação no I Salão de Abril, recebeu Medalha de Bronze no
Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo (SP).
Outro nome que merece ser mencionado é o de Antônio Bandeira, salien-
tando sua Menção Honrosa no 9º Salão Paulista de Belas Artes, em São Paulo
(SP), no mesmo período do I Salão de Abril. Depois, ganhou bolsa de estudos em
Paris, foi vencedor do Prêmio Fiat de Viagem à Itália na Bienal Internacional de
São Paulo, em 1953, participou de algumas Bienais Internacionais de Veneza,
na Itália, projetando-se mundialmente como um dos contemporâneos do abs-
tracionismo lírico informal.
Temos ainda a figura de Aldemir Martins, várias vezes premiado na Bienal
Internacional de São Paulo, destacando-se entre estes o Prêmio de Viagem ao
Eduardo Campos 3, em que menciona o discurso de Mário Sobreira de Andrade:
“Vamos fazer uma editora, um clube, um atelier, um teatro - tudo com o sinete
da mocidade imoávida e ardorosa de vocês...”.
Queremos dizer com isso que havia uma atmosfera convidativa para que o
Salão de Abril se instaurasse, tanto que, um ano mais tarde, coube a um desses
jovens escritores, o “silencioso” Aluízio Medeiros, como disse Fran Martins, a
ideia de instituir um salão de arte. Com efeito, graças ao ambiente agitado do
movimento estudantil, organizado e mobilizado pela União Estadual de Estu-
dantes (UEE), da qual era diretor, aquele encontrou terreno fértil para lançar as
sementes do salão, com o aval e entusiasmo do presidente desta agremiação,
Raimundo Ivan Barros de Oliveira, e do diretor, Antonio Girão Barroso, este últi-
mo responsável pela sugestão do nome Salão de Abril, com que ficou conhecido
desde sua primeira edição, em 1943, até os dias de hoje.
Curiosamente, a procedência do Salão de Abril deve-se muito à iniciativa dos
escritores, semelhante ao que aconteceu com a Semana de Arte Moderna de
São Paulo, em 1922, a partir da presença crítica e literária de Mário de Andrade,
Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, entre outros, e onde se deu a base do
movimento modernista, inspirador do nosso Salão.
Aliás, neste ponto, é bom lembrar que as primeiras leituras críticas a respeito
do Salão de Abril foram generosamente exercidas por escritores e poetas cea-
renses, consortes da revista CLÃ, de tal forma que não seria exagero relacioná-
las, guardadas as singularidades, com a crítica de arte francesa do século XIX e
o Salon Annuel de Peinture de Paris, protagonizadas por escritores como Baude-
laire, Marcel Proust, Zola e outros.
No Ceará, essa prática se tornou mais visível com a fundação da Sociedade
Cearense de Artes Plásticas (SCAP), em 1944. Atente-se que a comissão de ela-
boração dos estatutos e diretoria desta entidade contou com a participação do
romancista Fran Martins, primeiro vice-presidente desta instituição, acompanha-
do por personalidades da literatura cearense, como Artur Eduardo Benevides,
Cláudio Martins e Antônio Girão Barroso, que chegaram a ocupar sua presidên-
cia (ROLIM, 2009). E foi exatamente pelo esforço da SCAP que o Salão de Abril
3 Depoimento de Eduardo Campo
in 50 anos de Ceará Rádio Clube,
transcrito do Catálogo Fortaleza
Tempos de Guerra, 1989.
38 | UM DEDO DE PROSA | História e Antecedentes 39herbert rolim |
critos e publicações, no qual se manteve ligado desde sua primeira participação,
em1952, data da VII edição, acompanhando-o de perto até o início deste século,
algumas vezes participando como artista e mais frequentemente presidindo-lhe
o júri de seleção e premiação.
O outro artista se trata de João Jorge Marques Melo que, a partir de 1986,
assume a coordenação do Salão, num momento em que o então Departamento
Municipal de Cultura passa a Fundação Cultural de Fortaleza, permanecendo no
cargo até 2004, período de “conflitos submersos”, para usar de uma expressão
do artista e historiador Roberto Galvão (2001) ao se referir às diferenças entre
acadêmicos e modernos nas artes plásticas em Fortaleza (1924-1958). Neste
caso, por empréstimo, pode ser igualmente empregada, uma vez que havia um
clima de desconforto entre estes últimos e as novas gerações em presença do
que se convencionou chamar de pós-modernidade, a partir dos deslocamentos
da sociedade industrial para a tecnológica.
Feitas estas colocações, nomeamos os capítulos seguintes por décadas, com
uma breve revisão do contexto internacional, brasileiro e local, a que o Salão de
Abril esteve atrelado, sob a perspectiva política, econômica e social. A intenção
é a de interligá-lo com a produção artística referente, seja citando artistas e
obras, quer levantando questões e tendências, atribuindo-lhe assim uma dimen-
são histórica e relacional frente às articulações de idéias caracterizadoras desse
período.
Para dar maior visibilidade e expansão crítica, finalizamos esta publicação
convidando Ricardo Rezende e Cristiana Tejo, curadores e críticos representa-
tivos do circuito da arte nacional, a uma incursão pela idéia de Salão e sua
representatividade nos dias de hoje. Ao lado destes, convocamos Bitu Cassundé,
Ana Valeska e Nílbio Thé, nomes da cena local, para se debruçarem sobre alguns
aspectos de mudança na trajetória do Salão de Abril, como sua alteração de ca-
ráter local para nacional e penetração das categorias vídeo e performance . Com
isso, esperamos ampliar o espaço de debate sobre as questões processadas pela
arte contemporânea e contribuir para uma compreensão da presente produção
visual cearense, intermediada pelo Salão de Abril.
País, em 1957 e o Prêmio de Viagem ao Exterior, em 1959. Distinguiu-se prin-
cipalmente na técnica do desenho, com o qual foi premiado na XXVIII Bienal
Internacional de Veneza.
Por último, sublinhamos a presença do suíço Jean-Pierre Chabloz, cuja forma-
ção passou pela Escola de Belas Artes em Genebra, Suíça, e pela Academia Brera
em Milão, Itália. Sua vinda para Fortaleza (CE) deu-se no mesmo ano do I Salão
de Abril, quando se engajou ativamente na cena artística e cultural da cidade.
Além de várias exposições no exterior, no Rio e em São Paulo, encontramos seu
nome como verbete no “Dicionário das Artes Plásticas no Brasil”, de Roberto
Pontual, e no “Dicionário Crítico da Pintura no Brasil”, de José Roberto Teixeira
Leite.
Todas estas observações se configuram como ponto de partida para nossa
discussão. Atente-se que, dos artistas citados, três deles (Cela, Barata e Bandei-
ra) participaram do Salão Paulista no mesmo ano de fundação do Salão de Abril,
1943, caracterizando, desse modo, o trânsito de informações de que falamos no
circuito das artes local em relação com o do país.
Pois bem, dessas considerações históricas iniciais, num arremesso de tempo,
saltamos para os artistas que tiveram uma atuação significativa nos anos 70 e,
de certa maneira, criaram condições para as transformações que iriam marcar
a arte das próximas décadas: Aderson Medeiros, Batista Sena, Bené Fonteles,
Carlinhos Moraes, Descartes Gadelha, Gilberto Cardoso, Hélio Rola, Heloisa Ju-
açaba, Kleber Ventura, Luís Hermano, Marcus Francisco, Roberto Galvão, Tarcísio
Félix, Sérgio Lima, Sérgio Pinheiro, Sérvulo Esmeraldo e Zé Tarcísio. Todos eles
com participação no Salão de Abril e inseridos, de uma forma ou de outra, no cir-
cuito nacional de arte, portanto, dentro do que nos propomos abordar a seguir.
Quanto à ordem de apresentação dos assuntos aqui focalizados, anteceden-
do esta introdução, prestamos homenagens a dois artistas responsáveis pela
condução do Salão de Abril, apesar das tantas crises de percurso, mantendo-o
obstinadamente vivo, em meio a críticas ou elogios, ao longo de sua história,
como um dos mais antigos do país. O primeiro deles é Nilo de Brito Firmeza
(Estrigas) a quem devemos a memória deste Salão, tema preferido de seus es-
Raimundo Cela | Sobral, CE, Brasil, 1890 – Niterói, RJ, Brasil, 1954 |
Jangadeiro Tecendo o Samburá, 1942 Óleo sobre madeira - 85 x 95 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Jean-Pierre Chabloz | Lousanne, Suiça, 1910 – Fortaleza, CE, Brasil, 1985 |
Menina Sentada, 1943 Lápis sobre papel mongolfier - 66 x 49 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Antônio Bandeira | Fortaleza, CE, Brasil, 1922 – Paris, França, 1967 |
Figura Sentada, 1945 Carvão sobre papel - 63 x 43 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Aldemir Martins | Ingazeiras, CE, Brasil, 1922 – São Paulo, Brasil, 2006 |
Sem título, 1947 Óleo sobre tela - 100 x 81 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Mário Barata | Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1914 – Fortaleza, CE,Brasil, 1983 |
Sem título, 1948 Óleo sobre madeira - 60 x 55 cmColeção Oboé
Heloisa Juaçaba | Guaramiranga, CE, Brasil, 1926 |
Telhado de Guaramiranga, 1969 Óleo sobre tela - 73 x 59 cmColeção Dr. Maurício Oliveira Assunção
Hélio Rola | Fortaleza, CE, Brasil, 1943 |
Da Série Casinhas, 1972 Guache sobre papel - 60 x 50 cmColeção do artista
Bené Fonteles | Bragança, PA, Brasil , 1953 |
Sem título, 1980 Colagem com Xerox papel - 71,2 x 50,2 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Sérgio Lima | Fortaleza, CE, Brasil, 1946 |
Da série paisagem InterFERIDA, 1976 Acrílica sobre tela - 38 x 46 cm (cada)Coleção do Artista
Kleber Ventura | Itapipoca, CE, Brasil, 1950 |
Sem título, s.d. Gravura - 45 x 55 cmAcervo Sr. Fernando Marques
Carlinhos Moraes | Fortaleza, CE, Brasil, 1951 |
Sem título, s.d. Tecido em Cetim Sisal - 182 x 133 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Zenon Barreto | Sobral, CE, Brasil, 1918 – Fortaleza, CE, Brasil, 2002 |
Sem título, 1964 Aguada de nanquim sobre papel mongolfier - 68 x 54 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Sérvulo Esmeraldo | Crato, CE, Brasil, 1929 |
Sem título, 1970 Gravura em metal sobre papel- 38 x 28,5 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Sérgio Pinheiro | Jaguaribe, CE, Brasil, 1949 |
Segmento periférico verde, 1984 Acrílica, esmalte sobre caixas - 109 x 38 cmSegmento periférico vermelho, 1984 Acrílica, esmalte sobre caixas - 109 x 38 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Roberto Galvão | Fortaleza, CE, Brasil, 1950 |
Sem título,1974Acrílica sobre tela - 38 x 59 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Zé Tarcísio | Fortaleza, CE, Brasil, 1941 |
Poluição, 1974Litografia sobre papel - 50 x 67,5 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Gilberto Cardoso | Fortaleza, CE, Brasil, 1951 – Fortaleza, CE, Brasil, 1996 |
Sem título, 1977 Grafite sobre papel - 49,5 x 70,2 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Marcus Francisco | Fortaleza, CE, Brasil, 1950 – Fortaleza, CE, Brasil, 1980 |
Prateleira de Anjos, 1970 Bico de Pena sobre papel - 29 x 38 cmColeção Dra. Márcia Alcântara
Batista Sena | Camocim, CE, Brasil 1952 |
Sem título, s.d. Bico de pena com nanquim sobre papel mongolfier -29 x 20 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Descartes Gadelha | Fortaleza, CE, Brasil, 1943 |
Redeiros, 1975 Óleo sobre tela - 45 x 65 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Aderson Medeiros | Fortaleza, CE, Brasil, 1948 |
Escultura Mãe e Filha, 1976 Tecido e ex-voto - 111 x 44 x 26 cmColeção Centro Cultural BNB
Tarcísio Felix | Granja, CE, Brasil, 1953 |
Sem título, 1973 Óleo sobre tela - 50 x 60 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Luís Hermano | Preaoca, CE, Brasil, 1954 |
Sem título, 1979 Aquarela sobre papel - 38 x 107 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Siegbert Franklin | Fortaleza, CE, Brasil, 1957 |
Série Luzes do Equador, 1978Colagem mista s/papel - 25 x 20 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
95herbert rolim |
Devemos começar este texto pelas razões que motivaram a escolha dos anos 80
como referência de um olhar diligenciador acerca do Salão de Abril, em Forta-
leza, Ceará, nestes trinta últimos anos. A primeira delas, sem dúvida, tem a ver
com as significativas transformações com que essa década marcou o mundo e
por efeito político, econômico e social acabou afetando também nossa cultura.
Sobretudo, graças ao ritmo acelerado e vertiginoso das redes de telecomunica-
ções, um dos principais avanços desse período, que nos remete à idéia de que
somos realmente parte da Aldeia Global.
Baseado em tal ponto de vista, numa perspectiva internacional, podemos
citar como dado relevante para nossa marcação de tempo o enfraquecimento
do poder soviético, ao longo dessa década, culminado com a queda do Muro de
Berlim, símbolo da “guerra fria”, em 1989, e a reunificação das duas Alemanhas,
socialista e capitalista, no ano seguinte. Para a pesquisadora em Ciências Sociais
Maria Cristina C. Costa (1991, p. 9) outro marco nesse contexto globalizante
seria a conquista da Democracia Social e do Liberalismo, “modelo político, eco-
nômico e ideológico aplicável em qualquer parte do mundo”, inclusive o nosso.
Nada disso teria um desencadeamento maior, para além do seu lugar de ori-
gem, se não considerássemos que a expansão das informações pelos meios de
comunicação de massa nessa década, de modo concomitante e universal, tivesse
contribuído consideravelmente para introjeção de ideias e valores entre os mais
longínquos territórios, contaminando, por assim dizer, a natureza geopolítica e
cultural dos diferentes sítios mundo afora, até chegar próxima de nós outros.
Curiosamente, na contramão desse fenômeno de ordem global, presencia-
mos outra tendência, esta de feição nacionalista, de valor identitário, numa ati-
tude de confirmação da tradição e formação histórica, caracterizadora de cada
região, contudo, sem se manter indiferente às demandas de caráter universal.
ANOS OITENTAEntre o sonho e a razão
herbert rolim
96 | ANOS OITENTA | Entre o sonho e a razão 97herbert rolim |
de 1985), Imagens de Segunda Geração (1987) e, finalizando, BR 80 Pintura
Brasil Década 80 (1991) foram exemplos significativos de ações artísticas de
uma pintura que se pretendeu livre de temas, suportes e materiais.
Estamos também falando de um circuito de arte que, para além das exposi-
ções, ansiava por um grande público, pela cidade, pelo mercado e que, de modo
particular, prezava por um senso coletivo, como se podia ver no meio estudantil
da Faculdade Armando Álvares Penteado – FAAP (São Paulo) e da Escola de
Artes Visuais do Parque Lage (Rio de Janeiro), na reunião de artistas em ateliês
e na formação de grupos a exemplo da Casa 7, em São Paulo e Ateliê da Lapa,
no Rio de Janeiro, entre tantos outros espalhados pelo país. De forma surpreen-
dente, a grafite ganha as ruas e o status de linguagem pictórica, expandindo-se
pelo tecido urbano.
Muito embora tenhamos chegado ao final dessa década com o abatimento
do Regime Militar e a promulgação da Constituição de 1988, mesmo assim, po-
demos dizer que o entusiasmo dos primeiros anos, movido pela euforia política
das “Diretas já”, deu lugar a um sentimento de vazio com o agravamento da
crise econômica, o aprofundamento das diferenças sociais, a presença de velhas
lideranças políticas, o discurso demagógico, as promessas assistencialistas e o
descaso do poder público para com as atividades artísticas - motivos pelos quais
foi chamada, por alguns, de “década perdida”. A disseminação da AIDS (Síndro-
me da Imunodeficiência Adquirida) que chega ao Brasil em 1983, encerrando a
década com significativas perdas no mundo artístico, também concorreu para
este estado de espírito.
Em relação à arte, a falta de uma sustentação conceitual que desse apoio as
suas ações, bem como o excesso de subjetivação que a levou ao “vale tudo”,
por conseguinte, a sua saturação; as concessões feitas ao mercado de arte, des-
velando para uma crise depois do oba-oba dos galeristas e a mudança de foco
da imprensa em busca de novas tendências, tudo isso contribuiu para que esse
ciclo chegasse ao fim de forma melancólica. Não sem antes deixar como legado,
é bom que se diga, a liberdade estética e as bases para uma arte aberta e plural,
tão diversa como a formação da cultura brasileira.
Aparentemente contraditórios, na verdade, são processos complementares na
medida em que intercambiam visões de mundo particulares e, ao mesmo tempo,
questões de interesse da humanidade.
Esses fatos, naturalmente, repercutiram no Brasil, o que contribuiu para im-
primir à década de 80, no campo institucional, os sentidos de redemocratização
e de luta pelas liberdades individuais, perdidos durante o regime militar (1964-
1985) que por sua vez apoiava-se nas ideias imperialistas da “guerra fria”. Aos
poucos, os movimentos da sociedade civil organizada ganharam as ruas em
busca de seus direitos civis, num clima de esperança e otimismo, acabando por
atingir também as artes de um modo geral.
Todo esse movimento, como não poderia deixar de ser, favoreceu uma ruptu-
ra no sistema da arte, agenciada tanto pelo processo de globalização (internet,
antenas parabólicas, satélites) como pela necessidade, segundo o crítico Marcus
de Lontra Costa (2006, p. 166) “de sonhar com a democracia, com uma terra
morena e democrática, com eleições livres, sonhar com a ‘arte por toda parte’,
pelas ruas e pelas praças, a criar com formas, cores, gestos e figuras esse novo e
colorido país que emerge da escuridão”.
Nesse sentido, a circulação de publicações internacionais, antes limitada
pelo regime militar, nos aproximou dos neo-expressionistas alemães, da trans-
vanguarda italiana, da arte povera e da “bad painting” (má pintura), estilos e
movimentos caracterizados pela diversidade de materiais, retorno da figuração,
obras de grandes dimensões, subjetividade e, principalmente, cores fartas e pra-
zer de pintar. De tal forma que aqui, no Brasil, assumiu “alguns aspectos críticos
e afetivos da arte pop dos anos 60 que a ditadura brasileira transformara em
contundência e denúncia” (COSTA, 2006, p. 166), em oposição ao rigor da arte
construtiva dos anos 50 e/ou ao intelectualismo, de tendência conceitual, da
arte dos anos 70.
No que acabamos de ver, as exposições À Flor da Pele – Pintura & Prazer;
A Pintura como Meio; Pintura Pintura; Pintura Brasil (todas datadas de 1983);
Como Vai Você, Geração 80? (1985), Grande Tela (dentro da Bienal de São Paulo
98 | ANOS OITENTA | Entre o sonho e a razão 99herbert rolim |
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – ECA/USP, Re-
gina Silveira, e do crítico de arte Casimiro Xavier. Um número inexpressivo, se
levarmos em conta que se trata de um somatório de dez anos.
Outra forma de manter contato com o circuito nacional partia dos próprios
artistas. Nomes representativos da década de 80, como Barrinha, Carlos Cos-
ta, Eduardo Eloy, Herbert Rolim, José Guedes, Maurício Coutinho, Sebastião de
Paula, Siegbert Franklin e Vidal Junior, além de submeterem suas obras à crítica
especializada nos dois principais salões da cidade (Salão de Abril e UNIFOR Plás-
tica), também as sujeitavam a exames nos mais importantes do país, colocando
o Ceará na rota da arte contemporânea brasileira.
Mesmo sendo a pintura o carro chefe dessa geração, novas modalidades fo-
ram absorvidas. A categoria performance, enquanto tal, apareceu pela primeira
vez nos registros do Salão de Abril em 1986 com o trabalho de Júlio Maciel,
depois, encontrando em Júlio Silveira um dos seus principais representantes.
Também nesse período, aos poucos, a fotografia foi se enquadrando na modali-
dade de artes visuais pelas lentes de José Albano, Gentil Barreira, Tiago Santana
e outros, para se firmar de vez na década seguinte.
Em concordância com o que vimos no plano nacional, Roberto Galvão (1991,
p. 33) fez a seguinte observação na publicação BR 80 Pintura Brasil Década 80,
referente à exposição homônima: “Hoje o artista do Nordeste tem um olhar mais
voltado para o mundo, tem mais laços com a Europa e mais consciência de sua
condição de cidadão do mundo”, para em seguida comentar os trabalhos de
Eduardo Eloy, Maurício Coutinho e José Guedes.
Neste mesmo livro/catálogo o crítico Frederico Morais (1991) assinala: “Ou-
tro fato marcante na gênese da pintura dos anos 80 foi a reunião dos artistas
em ateliês, encarados como locais de trabalho e discussão”. E cita como exem-
plo - ao lado do Casa 7 (São Paulo), Ateliê da Lapa (Rio de Janeiro) e Carapa-
ranambuco (Recife), entre outros - o grupo Aranha de Fortaleza, formado por
Eduardo Eloy, Hélio Rôla, Sérgio Pinheiro, Kazane, Alano de Freitas e Maurício
Cals, que teve participação especial no XXXIX Salão de Abril, em 1989, no seg-
É dentro desse panorama que nos interessa situar o Salão de Abril. E a pri-
meira mudança a ser ressaltada, na década de 80, em Fortaleza, diz respeito à
criação da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo (FUNCET) em 1985, respon-
sável pelo gerenciamento do Salão, durante a gestão municipal de Barros Pinho
(1985-1986). Pouco antes, portanto, da eleição da primeira mulher prefeita da
cidade (1986 – 1989), Maria Luiza Fontenele, marcando a experiência inaugural
do chamado “governo popular” do Partido dos Trabalhadores, entre as capitais
do país.
Diante de um quadro de falência econômica da cidade, a começar pela folha
de pagamento, a nova administração imprimiu práticas políticas diferentes da
tradição “coronelista”. Para tanto teve que enfrentar bloqueios federais e esta-
duais, antes da Constituição de 1988, responsável pelo impulso da democracia
nos diversos segmentos e maior autonomia aos municípios.
Não seria diferente com o setor da cultura. Em 1986, o XXXVI Salão de
Abril, sob a coordenação do presidente da FUNCET, Claudio Pereira, “realizou-
se impregnado desse sentido novo, mas contando com as velhas dificuldades e
se fazendo, também, com as velhas soluções”, como lembra Estrigas (2009, p.
210). Ou seja, não obstante o clima democrático, nesse setor não havia muito
que comemorar.
Assinaladas estas observações no campo político, em conformação com o
sentimento nacional e seus reflexos na arte cearense, chamamos atenção para
os vínculos com os quais o Salão de Abril, timidamente, procurou manter com o
circuito brasileiro de arte, aproximando os críticos mais influentes da produção
local. No que se refere ao recorte em foco, podemos citar como exemplo a pre-
sença do jornalista, crítico e curador Frederico Morais (mineiro radicado no Rio
de Janeiro) no XXX Salão de Abril, já no ano de 1980, ocasião em que lançou seu
livro Artes Plásticas na América Latina: do Transe ao Transitório. E, mais adiante,
na “administração popular” de Maria Luiza, de que falamos há pouco, mesmo
considerando a crise financeira municipal, a comissão julgadora do XXXVI Salão
de Abril, este de 1986, contou com as participações da artista e professora da
100 | ANOS OITENTA | Entre o sonho e a razão 101herbert rolim |
celeiro do que se convencionou chamar “Geração 80”, também contribuiu para
movimentar a cena local e ampliar os espaços de discussões estéticas, sobres-
saindo-se, por iniciativa dele, a criação da Oficina de Gravura e Papel Artesanal
da UFC, em 1988.
A passagem do Grupo Aranha pelo Salão de Abril com pintura mural oficia-
lizava, de certa forma, esta disposição da arte cearense para arte de rua, que
vem desde os murais de Chico da Silva, entre os anos de 1937 e 1943, na Praia
Formosa. A partir do final dos anos 70, com a expansão da cidade de Fortaleza
e sua especulação imobiliária, principalmente em torno da orla marítima, alguns
artistas passaram a ocupar o espaço urbano como meio de expressão. Zé Tarcísio
é um exemplo e, como ele mesmo nos lembra, havia Kléber Ventura e Gilberto
Cardoso, também com incursão nessa prática. Todos estes são nomes significa-
tivos que ajudaram a consolidar o referido Salão.
A grafite tornou-se um fenômeno das grandes cidades, encontrando na re-
tomada da pintura dos anos 80 e nos valores neo-expressionistas (grandes for-
matos, generosidade no uso das cores e pinceladas largas) o ambiente propício
para sua realização. Vale lembrar aqui as pinturas de Leonilson, conhecido artista
cearense, radicado em São Paulo, que nas suas vindas a Fortaleza, segundo de-
poimento do artista plástico Maurício Coutinho, costumava pintar nas calçadas
da Praia de Iracema. Para Leda Catunda (ca. 2004, p. 25), pintora que participou
da exposição emblemática Como Vai Você, Geração 80?, “sua pintura parecia
carregada por uma influência com ícones da cultura de massa, inspiração em
quadrinhos de símbolos e cores fortes”.
Mesmo diante destes fatos, a arte urbana precisou de quase mais trinta anos
para ser reconhecida como categoria e ter seu lugar de destaque no Salão de
Abril, suscitando, inclusive, o tema “Qual o lugar da Arte?”, de que trataremos
mais adiante ao abordarmos a primeira década deste século.
Merece ainda atenção a importância das galerias e do mercado de arte nesse
panorama dos anos 80, muitas vezes assumindo o lugar das instituições estatais
como patronos da nova produção. Em Fortaleza, como noutros centros urbanos,
mento “arte nos muros”. Aliás, na edição do ano anterior, juntaram-se ao Salão
os grupos ITI e Interferência, este último composto por Barrinha, Renato Soares
e Lilian Moema, com o mérito de ser o primeiro a receber o Prêmio de Instalação
- categoria recém criada, dando lugar ao que antes chamavam de “propostas
experimentais”.
Ainda com relação ao surgimento de grupos nessa década, mesmo que não
participando do Salão de Abril como coletivo, mas contando com o nome de
seus integrantes em várias edições, o Grupo Fratura Exposta (1985) não poderia
deixar de ser mencionado. Sobretudo, se considerarmos as palavras do crítico
Cassimiro Xavier de Mendonça (membro do júri do Salão de 1986) a respeito de
três de seus membros (Cardoso Jr., Jorge Luiz e Mário Sanders):
Quase da mesma maneira como surgiu em São Paulo o Grupo Casa 7 ou no Rio
o Atelier da Lapa, em Fortaleza um grupo de artistas começou a trabalhar em
conjunto, dividiu por algum tempo o mesmo espaço e lançou como bandeira o
nome do grupo – “Fratura Exposta”. [...] O caso desses três artistas é um bom
exemplo para quem trabalha no circuito periférico do eixo Rio-São Paulo. Pois
em vez de tentar atualizar uma linguagem em relação às capitais conhecidas,
preferiram trabalhar a partir das influências que tinham à mão. O resultado é
uma curiosa dosagem de imagens que devem ter partido da cultura de massas,
dos quadrinhos, de alguma informação de revistas de arte, mas que ao mesmo
tempo guarda uma ironia e uma referência de arte popular.
As observações de Cassimiro Xavier se encaixam muito bem para o que des-
tacamos em relação ao entrecruzamento do que é próprio da nossa cultura e de
sua atualização no campo da arte, capaz de se colocar lado a lado dos grandes
centros. Reconhecemos esse potencial, por exemplo, quando artistas cearenses,
juntamente com outros de várias partes do mundo, integram as Exposições In-
ternacionais de Esculturas Efêmeras (1986 e 1991), em Fortaleza, idealizadas e
organizadas por Sérvulo Esmeraldo e Dodora Guimarães – um dos marcos da
cena artística desse período.
O retorno de Eduardo Eloy à cidade de Fortaleza, no final dos anos 80, depois
de sua passagem pela Escola de Artes Visuais do Parque Laje (Rio de Janeiro),
102 | ANOS OITENTA | Entre o sonho e a razão 103herbert rolim |
RELAÇÃO DE ARTISTAS
Aderson Medeiros, Airton, Alano de Freitas, Alberon de Sousa Soares, Alberto Alves Vieira,
Alberto de Melo Pinho, Alcides Freira Melo, Alcides M. Coelho, Almir, Aluísio Cassiano, Amílcar S.
Rosas, Ana Maria, André Luiz, Ângela Moraes , Ângelo Cabral de Carvalho, Anselmo de Medeiros,
Antonio Buca, Antonio Eduardo P. Lima, Antonio Lúcio da Silva Leite, Antonio Milton de Amorim,
Antonio Novaes Neves, Antonio Vieira Ferreira, Armindo L. Marques, Artur Pontes Bezerra, Artur
Santos Lima (Jorge Passaro), Átila Silva Calvet (Ascal), Audifax Rios, Áurea Freire Castelo Branco,
Barrinha, Bia Sampaio, Calima, Cardoso Júnior, Carlos Alberto Farias Costa, Carlos Colombo,
Carlos Harle, Carlos Morais, Carlos Otávio, Carmelita Fontenele, Celso Oliveira Silva, César
Autran, Chelli, Colombo, Cristina Gaspareto, Daisy Grieser, Dante Diniz, Darcílio Paula Lima,
Dario Lopes de Castro Alves, David Bezerra de Menezes, Diana, Digeorgia Gadelha Bezerra,
Diniz Grilo, Domingos Adamian Costa, E.A. Pereira, Edmar Gonçalves de Alencar, Edmilson Alves
Pereira, Edson Landim, Edson Moreira, Eduardo de Almeida, Eduardo Eloy, Elizabeth Gomes
Queiroz, Elizabeth Guabiraba, Elizeu Joca, Ferrnanda Pereira, Estanislau Ferreira Bié, Euclides
Neto, Eugênio Franco, Eurico Bivar, Evandro Silva de Castro, Evilázio Moreira Bezerra Filho, F.
Machado, Fernando Hugo , Portela Pimentel, Figueiredo Pereira, Firmino, Flávia Portela, Flávio
Abuahb, Flávio Urquizah, Fran M. Ferreira, Francisca Souto Ribeiro, Francisco Barbosa de Oliveira,
Francisco Cardoso, Francisco Clébio Carneiro dos Santos, Francisco Cleoman Fontenele, Francisco
das Chagas Siqueira, Francisco Das chagas, Francisco de Assis P. Costa, Francisco de Assis Pinheiro
de Holanda, Francisco de Assis Vidal Junior, Francisco Erisvaldo Melo Lima, Francisco José Chaves
da Silva, Francisco Kunha, Francisco Magalhães Barbosa, Francisco Pedro Abreu Viudez, Francisco
Ribeiro de Almeida, Francisco Sebastião de Paula, Francisco Siegbert Franklin de Oliveira,
Francisco Sousa Ferreira, (Fransoufer), Francisco Wagner Nepomuceno dos Santos, Fuji No, Gentil
Barreira, Gifoni, Gilberto Machado, Gilberto Oliveira Cardoso, Giovani Pacelli, Glícia, Gonzaga
Filho, Grupo Aranha, Grupo ITI, Guillermo Juan, Gurgel Mendes, Hauser, Helena Ferreira Sampaio,
Heliana Almeida Goia, Hélio Rôla, Hemetério Rufino C. Neto, Henrique Sérgio de Araújo Batista,
Heráclio, Herbert Rolim, Hermes, Idelena Trefiglio, Irma Corecco, Isa Magalhães Barreira, Isaias,
Ivan de Assis, Ivan Pereira Cunha, Ivany Gomes, J. Batista Sena, Jackson Luís Barbosa de Araújo,
Jacques Martins Antunes, Jair Tadeu Romualdo, Janice Maia Pacheco, Joacilo Miranda Ponte, João
Batista Bezerra de Queiroz, João Bosco, João Jorge Marques Melo, João Lopes, João Monteiro
da Cunha Salgado Neto, Joca, Jorge Luís, Jorge Luiz Silveira de Araújo, José Airton Montezuma,
José Aluízio Cassiano Barbosa, José Benedito Fonteles, José de França Amora, José Francisco
Pinheiro de Sousa, José Gilberto Maia, José Guedes Martins Neto, José Hélio de Oliveira Ferreira,
José Lacerda Viana Mesquita, José Leite Mesquita, José Luciano Pereira, José Lúcio Lima Pontes,
José Mário de Castro Sanders, José Maurício Silva, José Moreira Sales (Sallyn), José Nobre Filho,
José Ribamar Fernandes da Silva, José Tarcísio, José Válber de Sá, Benevides, Jotonio, Júlio César
Fernandes Mesquita , Júlio César Maciel, Júlio Silveira, Juscelino Ferreira Ramos, Kazane, Kélson
César M. Teles, Kunha, L. de Rossi, Lacet, Laura Heloisa Morais da Silva, Laurentícia, Lauro
Sérgio, Líbia Ximenes Cabral, Lilair, Lilia Moema, Liliar Peixoto Falcão, Lincoln Aragão, Lourdes
havia uma correlação entre os novos empreendimentos imobiliários e o aque-
cimento do mercado de arte que se dava, sobretudo, por meio das galerias,
concentradas principalmente no bairro de maior poder aquisitivo da cidade: Al-
deota. Nesse âmbito, podemos citar as galerias Inês Fiúza, Tukano, Panorâmica,
LM – Escritório de Arte, Dualibe e Arte Galeria como espaços de legitimação do
circuito comercial e de viabilização dos produtos de arte. Os artistas balizados
pelo Salão de Abril encontravam nesses espaços oportunidades de escoarem
suas produções, muitas vezes adequando-se às exigências de mercado, o que
acabou corroborando para o desgaste da pintura no final da década, assim
como aconteceu com o restante do país, pressionado pela crise econômica.
De qualquer maneira, ainda que sujeito à hegemonia da pintura, pressiona-
do por conflitos modernistas e contemporâneos, dividido entre selecionados e
recusados, com momentos de crise e consolidação, o Salão de Abril terminou os
anos 80 cedendo espaço para novas modalidades de arte tais como instalação,
performance e arte de rua, ao lado de categorias tradicionais já reconhecidas
como pintura, desenho, gravura e escultura, e daquelas em expansão a exem-
plo da arte conceitual, objetual e fotográfica, justificando o motivo pelo qual
situamos essa década como ponto de referência para situar o Salão de Abril na
contemporaneidade.
104 | ANOS OITENTA | Entre o sonho e a razão
Cedran, Luís Antonio G. da Silva, Luís Felipe Viteli, Luiz Iraldo Nunes, Luiz Massague Karimai, M.
Argente, Magno Vanderley Figueiredo, Mano Alencar, Manoel Neto, Márcio Augusto de F. Pereira,
,Márcio Marques, Marcos Alberto de Oliveira Vieira, Marcos Levy Maia Chaves, Marcus Francisco
Cavalcante Alcântara, Marcus Heleno, Marcus Jussier, Maria José Melquíades Dias, Maria Luiza
Mesquita, Maria Nair Machado Vieira, Maria Salete Rocha, Marinaldo, Mário Roque, Mário
Wilson Costa Filho, Marta Silva Calíope Mendes, Maurício Coutinho, Mauro Ramalho, Maynard
Sobral, Mesquita, Messias Braga B. Sousa, Michel Oka Elias, Micheline Broutout, Miguel Ferrão,
Murilo René Junior, Murilo Ribeiro, Neide Molinari, Neusa Mari A. Rodrigues Dias, Newton Dias
Silva, Nobre, Nogueira, Olga Maria Pamplona Miranda, Osvaldo Neto, Otacílio Camilo, Paulo
César A. Carvalho, Paulo Ess, Paulo Frota, Paulo Sérgio, Pedro Alcântara, Pedro Rodrigues Mota,
R. Marques, Raimunda Alves de Sousa (Mundinha), Raimundo da Silva Belarmino, Raimundo
de Sousa Neto, Raimundo Júnior, Raimundo Mateus de Oliveira, Raimundo Nonato Barbosa,
Renato Soares, Renê Rabelo Castro Junior, Renildo Soares, Riba, Ricardo Augusto Rocha Pinto,
Ricardo Bisio, Ricardo Mendes Nobre, Ricardo Nobre, Ricardo Rodrigues, Roberta Rosa Boris,
Roberto Galvão, Rodolfo Flávio da Silva (Rodolfo Markan), Rogério Albuquerque, Rômulo Batista
do Nascimento, Ronaldo Cavalcante, Ruth Schnneider, Sandra Burgos, Sandra Santabaia, Sara
Carmo, Sebastião Vanderley Jambara, Sérgio Lima, Sérgio Marques, Sérgio Pinheiro, Sidio, Sílvio
Porto, Simone Leão Castro, Socorro Dutra, Sousa, Spinosa, T. Silva, Tadeu Bittencourt, Tamara
Roman, Tania Madruga, Tania Maria G. de Menezes , Tarcísio B. Hissa, Tarcísio Félix de Oliveira,
Tarcísio Garcia, Temístocles , Thadeu Nobre Rodrigues, Tiago Sobreira Santana, Titã, Tota, Vagner,
Válber Benevides, Valdenora de Sousa Lima, Vanessa Maria de Almeirda Brígido, Vera Vidal,
Vicente de Paula, Vidal Junior, Villé Magalhães, Viudez, Waldizar Viana, Wanderley, William
Padilha , Wiron Batista, Yolanda Bournelle, Zé Beto, Zé Pinto e Zélio.
Heloisa Juaçaba | Guaramiranga, CE, Brasil, 1926 |
Da Série Arquitetema, déc. 80 Punho de rede sobre duratex - 83 x 83 cmColeção Salet Rocha
Sérvulo Esmeraldo | Crato, CE, Brasil, 1929 |
Prisma Vermelho, 1989 Aço soldado e pintado - 101 x 80 x 44 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Zenon Barreto | Sobral, CE, Brasil, 1918 – Fortaleza, CE, Brasil, 2002 |
Suporte com Ancinhos, s.d. Objeto - 93 x 22 x 15cmColeção Centro Cultural BNB
Carlos Costa | Fortaleza, CE, Brasil, 1952 |
Nunca Más, 1989 Pigmento, carvão e pastel seco sem papel - 45 x 55 cmColeção do artista
Eduardo Eloy | Fortaleza, CE, Brasil, 1955 |
Sem título, 1980 Mista sobre papel - 68 x 62 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Herbert Rolim | Parnaíba, PI, Brasil, 1958 |
Da Série Verbovocovisual, 1983 Mista sobre tela - 70 x 90 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
José Guedes | Fortaleza, CE, Brasil, 1958 |
Barco, 1983 Óleo sobre tela - 100 x 80 cmColeção Centro Cultural BNB
Jorge Luís | Fortaleza, CE, Brasil, 1959 |
Sem título, s.d. Mista sobre tela - 130 x 131 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Cardoso | Fortaleza, CE, Brasil, 1966 |
Da Série Mais Uma de Amor, s.d. Tinta acrílica, esmalte sintético sobre tela recortada - Dimensões variáveisColeção do artista
Sebastião de Paula | Morada Nova, CE, Brasil, 1961 |
Sem título, 1993 Xilogravura sobre papel - 116 x 92 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Hélio Rola | Fortaleza, CE, Brasil, 1943 |
Da Série Bichos, déc. 80 Alumínio recortado, dobrado e pintado em acrílica - Dimensões variáveisColeção do artista
Fco. Vidal Júnior | Fortaleza, CE, Brasil, 1954 |
Imagem 1, 1983 Desenho com caneta esferográfica sobre papel - 26 x 26 cmColeção do artista
Mário Sanders | Aquiraz, CE, Brasil, 1960 |
Espírito Porco 1, 1988Nanquim e aquarela sobre papel - 30 x 30 cmColeção do artista
Espírito Porco 2, 1988Nanquim e aquarela sobre papel - 36 x 40 cmColeção do artista
Espírito Porco 3, 1988Nanquim e aquarela sobre papel - 30 x 30 cmColeção do artista
Maurício Coutinho | Fortaleza, CE, Brasil, 1960 |
Mulher, s.d. Tinta esferográfica negra sobre papel - 35 x 47 cmColeção Centro Cultural BNB
Júlio Silveira | Fortaleza, CE, Brasil, 1956 |
O Corte da Melancia, 1989 PerformanceColeção do artista
José Albano | Fortaleza, CE, Brasil, 1944 |
Buda e Daniel, s.d. Fotografica - 50 x 70 cmColeção do artista
Gentil Barreira | Fortaleza, CE, Brasil, 1953 |
Diante da Luz, 2004FotografiaColeção do artista
Tiago Santana | Crato, CE, Brasil, 1966 |
O Chão de Graciliano, 2004 Impressão com pigmento mineral em papel de algodão - 50 x 70 cmColeção do artista
Barrinha | Fortaleza, CE, Brasil, 1961 |
Dá Série Sinto Muito (São Sebastião, Santa Edwirgens, Santo Expedito), 2004 Objetos: Câmaras de pneus de carro; cintos de couro; imagens de santos - 73 cm x 36 cm (cada)Coleção do artista
147herbert rolim |
Está cada vez mais difícil ter uma visão de movimentos ou tendências que ca-
racterizem determinada época ou período sob a perspectiva do que conhecemos
hoje como pós-modernidade, quer seja no sentido cronológico, dentro daquilo
que se produziu da segunda guerra mundial para cá, quer seja de acordo com as
questões estilísticas: quebra do suporte tradicional, transformações nas relações
de espaço e tempo, rompimento dos limites de autoria e de aproximação da
realidade, ou seja, dos estreitamentos entre arte e vida. Esse grau de dificulda-
de acentuou-se nos anos 90 e diz respeito ao modo como estão imbricados os
procedimentos artísticos e as relações contextuais e históricas que as incitaram,
de tal ordem que podemos dizer, por exemplo, que a pluralidade de linguagens,
complexidade de formas e variedades de motivos sem estilos ou cânones de-
marcados estiveram (e continuam estando) sob influência do que chamamos de
“revolução tecnológica”, impulsionada pelas demandas de TVS por assinatura,
comercialização de processadores Pentium, ampliação de redes da Internet, cir-
culação de DVDs, etc., para citar algumas entre tantas, o que acelerou, em muito
o processo de globalização já em andamento desde a década anterior.
Do mesmo modo, as experiências no campo científico, como a clonagem (o
caso da ovelha Dolly), os alimentos geneticamente modificados e outros tantos
avanços, entraram indiretamente (ou diretamente) na relação de fatores inova-
dores da arte e cultura contemporâneas. Isso sem falar nas questões políticas
e econômicas, marcadas pela reunificação das Alemanhas, fim da “guerra fria”,
início da guerra do Golf, falência do regime apartheid na África do Sul, impulso
do neoliberalismo e criação da Organização Mundial do Comércio – OMC, etc.,
que se somaram a muitos outros fatores com reflexos na arte.
No Brasil, os anos 90 se iniciaram com o Governo Collor, escolhido por voto
direto. Esse período foi assinalado por uma hiperinflação, frente a qual se de-
ram o confisco da poupança, congelamento de preços e salários, demissão em
ANOS NOVENTAEu, eu e o(s) outro(s)
herbert rolim
148 | ANOS NOVENTA | Eu, eu e o(s) outro(s) 149herbert rolim |
gularidades desse período é o gosto por uma linguagem da individualidade,
como podemos observar neste seu comentário: “na arte atual é impressionante
a presença de mitologias individuais. Findas as grandes utopias, o artista volta-
se para si mesmo em busca de um parâmetro possível para a construção de sua
obra...”. Em outras palavras, o artista é senhor e tema de sua própria lingua-
gem.
Por outro lado, um aspecto a ser considerado, de acordo com Laymert Garcia
dos Santos (2002, p. 222), é o modo como “para os artistas brasileiros dos anos
90, as técnicas tradicionais, as ferramentas, os materiais e o savoir-faire que
vinham sendo questionados desde os 60 deixaram de vez de fazer sentido”.
Nesse caso, frente à desestruturação do que se tinha por convencional na arte,
e em movimento contrário àquela vertente mais intimista, subjetiva e recurvada
para dentro, de que ressaltamos há pouco, surge uma outra, que abdica “de seu
estatuto privilegiado” de artista, ao mesmo tempo em que potencializa seus
interesses por “arte-pública”, a partir da qual se imanizam valores estéticos e
questões de ordem sócio cultural, fenômeno este que se intensificará na década
seguinte com a multiplicação de coletivos. Eis aí pontos que se contrapõem, mas
que também se complementam.
De um modo geral, é possível que o mais significativo da década de 90
tenha sido potencializar os meios de eliminar o isolamento cultural a que está-
vamos destinados, razão pela qual, como disse Luiza Interlenghi (2006, p. 195),
“O linear horizonte das paisagens locais vai sendo deslocado pela esférica e
deslizante curvatura do global”. E é dentro desse contexto cambiante que le-
vamos em conta o nosso Salão de Abril na última década do século XX, tendo
como foco a cena artística da cidade de Fortaleza.
Talvez seja pertinente começar pelo tradicional conflito entre o pensamento
moderno, ainda arraigado na nossa cultura, com suas plataformas estéticas esta-
belecidas, de um lado, e a complexidade das experimentações contemporâneas
flutuantes, de outro, ainda presente nos nossos dias, cuja natureza é herdeira de
uma tradição que tem na célebre frase de Marx “tudo que é sólido desmancha
no ar” uma referência pontual.
massa do funcionalismo público, privatização de estatais, desmantelamento do
setor cultural, enfim, crise do mercado de arte. Note-se que em presença desse
quadro o povo, notadamente os jovens com as caras pintadas, se manifestou
pelo impeachment do presidente, levando-o a cabo em 1992, quando o então
vice-presidente Itamar Franco assumiu interinamente o governo.
Aos poucos, a retomada da economia com o Plano Real do Governo Fernan-
do Henrique, seu sucessor, foi abrindo espaço para um reaquecimento do mer-
cado, motivado pelo aumento de vendas das estatais e reforma monetária como
medida transitória para o “real”. Tais mudanças se fizeram notar no território
das artes visuais, de maneira especial no que se referem às megas exposições
cenográficas de caráter espetacular, abertura de galerias e centros culturais, ins-
titucionalização do mercado, aumento de público, formação de arte-educadores,
razoável aumento nas publicações de livros de arte e conquista de novos espa-
ços internacionais, em processo gradativo de expansão.
Do ponto de vista da produção, e nisso parece haver um consenso entre crí-
ticos e historiadores, a nova geração de artistas dos anos 90 voltou-se para as
duas décadas anteriores, repaginando as questões que lhe pareciam de maior
interesse. Nesse sentido procurou avançar no que Glória Ferreira (2002, p. 124)
chamou de “interpelação sistemática de valores estéticos, éticos e políticos”,
de ordem conceitual, com a qual ficaram marcados os anos 70, com suas trans-
gressões e experimentações; muito embora, abdicando agora do tom de enga-
jamento ideológico e do clima marginal, sobre os quais se assentaram os ideais
sóciopolíticos daquela geração. Já da geração 80, que a antecedeu, herdou o
interesse pela liberdade de expressão, de pensamento e experimentação me-
nos intolerantes e mais diversificados, além de tentar reafirmar seu espaço no
mercado e na circulação de arte, no entanto, com a diferença de não perder o
controle de produção.
Dessa convergência de valores emerge uma variedade de vertentes, nos anos
90, de natureza contraditórias. Para Tadeu Chiarelli (1998, p.7), nessa época
diretor curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM, uma das sin-
150 | ANOS NOVENTA | Eu, eu e o(s) outro(s) 151herbert rolim |
Cláudio Tozzi e Aline Tortosa. Era uma forma de fazer conhecer a produção local,
estreitar laços de afinidades e traçar paralelos com o que acontecia no circuito
de arte contemporâneo do país.
A presença da jornalista e crítica de arte Sheila Leirner na comissão julgadora
do Salão de Abril, abrindo os anos 90, exemplifica bem a inclinação deste de
manter aproximações com outros centros. Sua participação tornou-se emblemá-
tica pelo fato de ter sido curadora das 18ª e 19ª Bienais Internacionais de São
Paulo (1985 e 1987), com destaque para a primeira delas que ficou conhecida
como a bienal da “Grande Tela”, quando apresentou em longos corredores uma
sequência de pinturas, uma ao lado da outra, configurando-se num marco his-
tórico da hegemonia da pintura nos anos 80 e, ao mesmo tempo, de seu esgo-
tamento, a partir da qual entrou em declínio. Pois bem, quanto a seus critérios
como examinadora do Salão significou “realçar uma linguagem verdadeira e
espontânea e adotar como critério fundamental uma ampla abertura em relação
a tendências e estilos”, nas palavras de Estrigas (2009, p. 229), de acordo com
o depoimento da mesma para o jornal O Povo de 1º de maio de 1990.
O segundo aspecto a ser considerado diz respeito ao conflito de linguagens,
nos moldes do que aconteceu na primeira metade dos anos 50, no século pas-
sado, entre os modernos e acadêmicos, superado apenas em 1958, no XIV Salão
de Abril, levando em conta que entre as obras expostas havia “uma pluralidade
mais efetiva em termos de estilos modernistas: impressionismo, expressionismo,
abstracionismo e concretismo” (GALVÃO, 2004, p. 163). Daí, trazendo para os
anos 90, as oposições de forças se dão agora entre estes últimos, modernos, e
as complexas redes das linguagens contemporâneas. É nesse âmbito, portanto,
que podemos contextualizar as observações de Estrigas, como remanescente
da Sociedade Cearense de Artes Plásticas – SCAP, cuja formação deve-se a tal
movimento de importante atuação entre os anos de 1944 e 1958, justificando
assim seus posicionamentos.
O curioso é que nestas edições a que se refere Estrigas encontramos artistas
veteranos do alcance histórico de um Sérvulo Esmeraldo, José Tarcísio e Hélio
Este mal estar, entre nós, fica patente nas palavras do artista e historiador
cearense Estrigas (2002, p. 158), ao revelar no seu livro A Arte na Dimensão do
Momento o seguinte comentário acerca do XLIV Salão de Abril, em 1993:
Juntamente com os críticos de arte Rodrigo Naves e Paulo Estelita Herknhoff,
vindos do sul, fomos ao MAUC 4, à tarde, ao Passeio Público (Pavilhão Antônio
Bandeira). No primeiro vimos desenho, pintura, gravura, etc. e no segundo a
parte de escultura. [...] Nenhum trabalho que apresente qualidade artística de
maior expressão. E, como sempre, quando os trabalhos são julgados por críticos
do sul 5, que são marcados pelo “padrão bienal”, os trabalhos, nessa linha, têm
a preferência, e o mais inexpressivo é o mais bem colocado.
O mesmo tipo de comentário se repete em relação ao XLV Salão de Abril, no
ano seguinte, em que Estrigas (op. cit., p. 164) mais uma vez, como membro do
júri, na condição de representante do Ceará, ao lado do crítico Paulo Herkenhoff,
do Rio de Janeiro, e do artista Carlos Fajardo 6, de São Paulo, revela suas impres-
sões a respeito dos trabalhos selecionados:
Com a predominância, já constante, no júri, de dois elementos, geralmente do
Rio e S. Paulo, comprometidos com o momento atual, a norma é, sempre, dar os
melhores prêmios aos trabalhos que mantenham pontos de contato com traba-
lhos considerados como mais representativos do momento, que, quase sempre,
têm o lampejo da inexpressividade e cai no vazio. É a decadência jovem que não
mostra nada para que os outros imaginem o que eles não souberam fazer. E já
que os trabalhos não dizem nada, os jurados ativam a imaginação e projetam no
trabalho, passando o mesmo, assim transfigurado, a ser escolhido para premia-
ção. É o jurado votando em si mesmo.
Por este depoimento podemos assinalar dois aspectos que devem ser con-
siderados quando tratamos da década de 90, em Fortaleza, pelo viés do Salão
de Abril. O primeiro deles é a presença, num crescente, de críticos e curadores
vindos de outros estados, isso tanto no júri de seleção e premiação como nas
atividades paralelas (cursos, palestras, lançamentos de livros...), algo que na
década anterior já dava sinais de preeminência. Além dos críticos e curado-
res mencionados, também passaram pelo Salão: Sheila Leiner, Sônia Goldberg,
4 Museu de Arte da Universidade
Federal do Ceará.
5 MEstrigas se refere aos críticos
Rodrigo Naves (autor de A forma
difícil; Farnese de Andrade; Goeldi;
Nelson Felix; editor da revista Novos
estudos, da Cebrap, entre 1987 e
1995) e Paulo Herkenhoff
(autor de vários livros, foi curador
da Fundação Eva Klabin Rapaport,
consultor da Coleção Cisneros
(Caracas) e da IX Documenta de
Kassel, em 1991, curador da Bienal
de São Paulo de 1998, diretor do
Museu de Belas Artes do Rio de
Janeiro, em 2008, etc.,).
6 Carlos Fajardo: conceituado artista
plástico e Professor Doutor pela
USP-São Paulo.
152 | ANOS NOVENTA | Eu, eu e o(s) outro(s) 153herbert rolim |
Rola, Roberto Galvão, Sérgio Lima, Nauer Spíndola e Sebastião de Paula, como
“algo pautado por um significado que transcende mesmo a identificação esté-
tica que caracteriza uma noção corriqueira dos movimentos artísticos. O único
ponto de conjunção entre esses artistas é sua admirável vontade de reunir forças
em benefício comum” (MARTINS, 2001). Sua importância não reside apenas no
fato da participação de seus componentes no Salão de Abril, mas diz respeito
também às oficinas de gravura, de onde saíram artistas por este assimilados.
Antes de encerramos este capítulo sobre a década de 90, dentro do que
nos propomos abordar quanto ao Salão de Abril e suas ligações com o circuito
nacional, cabe salientar o itinerário de algumas de suas edições por diversos
pontos do Brasil e até fora deste, conforme anotações de Estrigas (2009): 1992
- Galeria de Arte da ECT, Brasília-DF; Casa das Rosas, São Paulo-SP e Galeria
Metropolitana de Arte Aloísio Magalhães, Recife-PE; 1993 - Biblioteca Estadual
Celso Kely, Rio de Janeiro-RJ; 1994 - diversas capitais; 1996 - Montevidéu - Uru-
guai, Cannes e Paris - França.
Se os anos 90, no Ceará, não tiveram a mesma efervescência da década que
os antecedeu, de sobremaneira em relação ao surgimento de novos artistas, e
mantendo-se a cidade fora do circuito, como de costume, das grandes exposi-
ções que circulavam pelo país, podemos dizer que uma verdadeira mudança se
operou a partir de 1999, depois da fundação do Centro Dragão do Mar de Arte e
Cultura – CDMAC, quando passamos a fazer parte da rota nacional. Neste mes-
mo ano, a criação do Curso Superior de Tecnologia em Artes Plásticas do Centro
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – CEFETCE (hoje Instituto
Federal – IFCE) também contribuiu para se criar uma expectativa de oxigenação
da cena artística local e, por conseguinte, das potências estéticas do Salão de
Abril, frente ao novo século que se avizinhava promissor.
Rola, ao lado de alguns nomes representativos da década passada como José
Guedes e Maurício Coutinho, mais os que se iniciavam no Salão de Abril e que se
firmariam ao longo dos anos 90 a exemplo de Francisco de Almeida, Nauer Spín-
dola, Solon Ribeiro e Zanazanan. Acrescente-se ainda o artista Eduardo Frota
que, embora com um caminho traçado na década antecedente e com passagens
pela Escolinha de Arte do Brasil – EAB e a conhecida Escola de Artes Visuais
– EAV do Parque Laje, ambas no Rio de Janeiro, participa pela primeira vez do
Salão de Abril em 1993.
Completam a lista de artistas que passaram pelo Salão de Abril e emergiram
nos anos 90, com certo trânsito no circuito nacional, os nomes de Jared Domício
e dos fotógrafos Tibico Brasil, Celso Oliveira, Jarbas Oliveira e Nicolas Gondim,
etc.. Como se vê, a fotografia, que já vinha dando sinais de força no decênio an-
terior, passa a ocupar mais espaços no Salão, aos poucos mudando seu caráter
de fotojornalismo para uma produção mais experimental (HERKENHOFF, 1996),
desse modo acompanhando uma tendência que parecia generalizar-se, presente
tanto nos principais salões da cidade (Salão Norman Rockwell e UNIFOR Plásti-
ca) quanto nas mais importantes exposições do país.
Outro aspecto a ser apontado, numa vertente menos intimista, é a presença
de grupos no Salão de Abril. Na verdade, uma tendência nacional que se forta-
leceu nos anos 80 e que se prolonga até os dias de hoje. Na edição de 1995, a
menção honrosa recebida pelo Galpão de Artes (Aldemar de Barros, Ana Cos-
ta Lima, Antônio Formiga, Francisco Bandeira, Jorge Luis, Julio Silveira, Renato
Soares e Salet Rocha) pode configurar como um exemplo. Há também o caso
da “polêmica” participação do grupo Soho (Cláudio Cesar, Emília Porto, Hílton
Queiroz, Mano Alencar, Marcus Jussier e Vando Figueredo) na programação ofi-
cial do XLVII Salão de Abril, em 1996, com a instalação Eu,Tu, Ele, Nós, Vós, Eles
em que o espectador se via refletido nos espelhos emoldurados por tampas de
vasos sanitários pintados.
Ainda, em se tratando de coletivo nesse período, devemos mencionar as ati-
vidades no âmbito da gravura do Grupo Tauape, formado por Eduardo Eloy, Hélio
154 | ANOS NOVENTA | Eu, eu e o(s) outro(s)
RELAÇÃO DE ARTISTAS
Abraão Linco Silva de Vasconcelos, Aderson Medeiros, Adriano Jorge Martins, Adriano Martins de Paiva, Agripino Neto, Alano Aguiar de Freitas, Alba Alves de Barros, Alberto Barros, Alcides Freire Melo, Alcides M. Coelho, Alexandre Henrique, Alexandre Linhares Rangel, Alexandre Sobreira, Amílcar Silva R. Galeno, Ana Carolina Póvoas Corrêa, Ana Costa Lima, Anastácia Helena Ribeiro, Anderson Medeiros, André Luis Garcia Nunes, André Rôla, Ângela Maria da C. Araújo, Antenor Lago Costa, Antonio Ferreira Farias Filho, Antônio Formiga, Antonio Francisco da Costa (Antunes), Antônio Hilton de Souza Machado, Antônio Osmar Ribeiro Julião, Aredilson Freitas, Arnaldo Fontenele, Atila Silva Calvet (Ascal), Audifax Rios, Bartolomeu da Costa Guilherme, Beatriz Helena F. Sampaio, Bernando Fernandes, Bezerra, Bia Hoppe, Botocello, Caetano, Cardoso Júnior, Carlito, Carlos Alberto C. de Lima, Carlos Augusto Amaral de Moura, Carlos Costa, Carlos Eduardo de Sena Figueiredo, Carlos Harle, Carmelita Fontenele de Lima, Carnem Larazi, Cecília Castelini, Celso Oliveira, Cesar Cantídio Brasil, Chico Gadelha, Cícero Simplício do Nascimento, Cláudio César, Cláudio Dourado, Cláudio Lima, Cláudio Mattos, Cláudio Medina, Cleoman Fontenele, Cristiane Pessoa, Dante B. Diniz, Descartes Gadelha, Di Georgea, Drawlio Joca, Edson Almeida Pereira, Edson Landim, Edson Nogueira Vasconselos, Eduardo Frota, Eduardo Freire, Eduardo Soares Queiroz, Efimia Rola, Elda Batista, Elias Gomes e Silva, Eliseu Joca, Éric Marc Deckers, Ernani Pereira, Estrigas, Eurico Bivar, Evaldo Miranda, Expedito Landim, Expedito Luz, F. Bandeira, Jared Domício, João Bosco Lima Moraes, Joelson Gomes, Jorge Luiz Silveira de Araújo, José Barreto Nero, José Carlos Augusto Dias Vital, José Carlos Marinho Cirino, José Cláudio de Lima, José Cláudio Medina Filho, José Cordeiro Albano, José Evaldo Oliveira de Mirada, José Guedes, José Hamilton Gondim, José Leite de Oliveira Júnior, José Lourenço Gonzaga, José Moreira Barreto Neto, José Moreira da Silva (J. Oliveira), José Nobre, José Ribamar Fernandes da Silva, José Tarciso, José Valber de Sá Benevides, Júlio Cláudio César de Campos Marques, Júlio Silveira, Kazane, Kelson C. Montenegro Teles, Klauber Bezerra Rocha, Laura Heloisa Moraes (Loinha), Linco Vasconselos, Luiz de Araújo Barbosa, Luiz Gonzaga R. Filho, Luiza Mesquita, Mano Alencar, Manuel Neto, Marcelo Ferreira da Silva, Marcelo Santiago Mendes, Marcos Alberto de Oliveira Vieira, Marcos Antônio Gonçalves, Marcos Guilherme, Marcos Venício Studart Filho, Margareth G. M. Calvacanti, Maria Ester Diligenti, Maria Mariene Guerra de A. Maia, Maria Tereza S. da A. Pinto, Mariene Guerra, Mário Gomes, Marta Cândido Lopes, Maura Regia de Sousa Ribeiro, Maurício Cals, Maurício Coutinho, Messias Batalha, Mivando Peixoto Torres, Moreira Neto, Murilo Teixeira, Nauer Espíndola, Nelson Figueiredo Bezerra, Nelson Jorge M. da Silva, Nelson Zaquira, Nely Rosa, Nice Firmeza, Nogueira, Omar de Albuquerque, Patrícia Al´Kary, Patrícia Ary, Paulo Alencar, Paulo Ayriaman, Paulo Fraga, Perigo Neto, Raimundo Garcia de Araújo, Raimundo Nonato, Raquel Vasconselos, Renato Soares, Rian Fontenele, Ricardo Amorim, Roberto Galvão, Roberto Pamplona Moura Júnior, Rubens Martins de Albuquerque, Salet Rocha, Sandra Montenegro, Sérgio Helle, Sérgio Lima Bezerra, Sérgio Pinheiro, Sérvulo Esmeraldo, Siegbert Franklin, Silas José de Paulo, Silvana Tarelho, Solon Ribeiro, Sônia Maria, Tânia Kacelnik, Tiago Santana, Tibico Brasil, Vamirez Argemiro Gonçalves, Vando Figueiredo, Vicente de Paula Pinheiro, Vicente de Paulo Furtado Filho, Wiron Bastista, Yuri Yamamoto, Zanazanan Queiroz, Zé Pinto, Zenon Barreto.
Maurício Coutinho | Fortaleza, CE, Brasil, 1960 |
Sem título, 1995 Objeto alumínio torneado - Dimensões variáveisColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Eduardo Frota |Fortaleza, CE, Brasil, 1959 |
Sem título, 2003 Madeira queimada - 84 x 700 x 124 cm
Coleção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Zanazanan | Fortaleza, CE, Brasil, 1972 |
Sem título, 2003 Desenho - 50 x 50 cmColeção Sr. Roberto Pamplona Jr.Foto: Zanazanan
Jared Domício | Fortaleza, CE, Brasil, 1973 |
Da Série Projeto de Mutilação Vassoura, 2002 Objeto - Dimensões variáveisColeção do Artista
Nauer Espíndola | São Bernardo, MA, Brasil, 1960 |
Sem título, 1999 Xilogravura sobre papel - 83 x 73,5 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Sérgio Helle | Crato, CE, Brasil, 1964 |
Acqua IX, 2009 Infogravura - 80 x 110 cmColeção do Artista
Solon Ribeiro | Crato, CE, Brasil, 1960 |
Da série mitos vádios, 1978/2008 Fotografia p&b sobre P.V.C. - 169,5 x 89,3 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Nicolas Gondim | Fortaleza,CE, Brasil, 1972 |
Da Série Papangus, 2010 Fotografia - 70 x 50 cmColeção do artista
Celso Oliveira | Rio de Janeiro, RJ, Brasil 1957 |
Quem somos nós?, déc. 90Fotografia - 70 x 50 cmColeção do artista
Jarbas Oliveira | Cedro, CE, Brasil, 1962 |
Memória da cor, 2006 Fotografia - 70 x 110 cm Coleção do artista
Francisco de Almeida | Cratéus, CE, Brasil, 1962 |
Olhando o Eclipse II, 1995Xilogravura sobre papel - 110 x 180 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Tibico Brasil | Fortaleza, CE, Brasil, 1966 |
As Vacas, déc. 90 Fotografia - 100 x 70 cmColeção do artista
183herbert rolim |
Certamente nenhum acontecimento chamou mais atenção no início da primeira
década do terceiro milênio do que o atentado aéreo que destruiu, em 2001, as
torres gêmeas do World Trade Center, em Nova Iorque. Esse fato marcou profun-
damente não só o plano político internacional, repercutindo em todo o mundo,
mas atingiu diversos setores com forte efeito nos campos da economia e cultura.
Os temores da “Guerra Fria”, que em outros tempos afligiram a humanidade,
ressurgiam agora com a “Guerra ao Terrorismo” como estratégia global na luta
contra os atentados terroristas.
Em outra escala, mais um episódio histórico desse período foi a oficializa-
ção do euro (€) com a circulação de notas e moedas na maioria dos países da
União Européia a partir de janeiro de 2002. Quanto ao mercado de arte houve
um reaquecimento, depois da retração em relação ao boom dos anos 80, intro-
duzindo no circuito novos compradores chineses, sudestes asiáticos e russos.
De um modo geral a economia alcançou seu período mais longo de estabilidade
e prosperidade, sem maiores sobressaltos até 2007, quando aconteceu a crise
financeira causada pela derrocada das instituições de crédito dos Estados Uni-
dos, responsáveis pelos empréstimos hipotecários.
Naturalmente que nesses anos os avanços tecnológicos continuaram a passos
largos, impulsionados pelos lançamentos do You Tube, iPhone,Wikipédia,Orkut,
Facebook e Twitter, ampliando conceitos de multimédia e hipermédia, com refle-
xos em todas as áreas, sistematizando-as e interconectando-as.
Na América Latina o destaque ficou para o crescimento da esquerda e o sen-
timento de antiamericanismo fortemente representado pelos posicionamentos
políticos de Hugo Chaves, presidente da Venezuela, e Evo Morales da Bolívia.
Na contramão deste panorama, o regime socialista de Cuba, liderado por Fidel
Castro, entrou em franca decadência.
ANOS DEZDeslocamentos e transitoriedades
herbert rolim
184 | DÉCADA DE 10 | Deslocamentos e transitoriedades 185herbert rolim |
Cabe aqui uma referência especial ao surgimento da ONG Alpendre – Casa
de Arte, Pesquisa e Produção que, ao lado desses equipamentos e das institui-
ções de ensino, teve um papel importante na oxigenação do cenário artístico
local, ao longo desta década, antes caracterizado pela aparente apatia dos anos
90. Com uma significativa biblioteca, considerável fluxo de artistas, programa-
ção de exposições, cursos e espetáculos esse espaço tornou-se um verdadeiro
centro de fusão cultural de artes visuais, literatura e dança de onde emergiu
uma geração que ajudou a escrever um novo capítulo da arte contemporânea
cearense com inserção no Salão de Abril.
De modo mais alternativo e experimental o grupo de intervenção urbana
Transição Listrada (Renan Costa Lima, Vitor César e Rodrigo Costa Lima) tam-
bém fez parte desse quadro animador. Entre suas ações de maior repercussão,
chamamos atenção para o projeto BASE pelo caráter de diligência com que
ativou o circuito de arte local. Fixando-se numa pequena casa, o grupo criou um
ponto de encontro, discussão e intercâmbio entre artistas locais e de fora, com
foco em trabalhos que dialogavam com o cotidiano da cidade.
Com efeito, juntamente com esses espaços antes mencionados, os cursos de
arte das instituições de ensino, Faculdade Gama Filha - FGF e Centro Federal de
Educação Tecnológica do Ceará – CEFETCE, recém criadas no início da década,
ajudaram a transformar o perfil paroquial do nosso sistema artístico cultural.
Mais ainda, vale sublinhar que a prática dos editais de incentivo às artes con-
solidou-se, nesses anos, como meio democrático e socializante de gerir os recur-
sos públicos e fomentar a produção e circulação dos bens materiais e imateriais
da cultura cearense, mesmo sendo alvo de restrições por parte de alguns.
Enfim, pontuamos todos esses fatores de mudança da primeira década do
século XXI, desde as injunções internacionais até os efeitos transformadores lo-
cais, com a finalidade de situar o Salão de Abril nesse contexto. Claro que todos
esses acontecimentos afetaram o perfil do Salão, sublevando os critérios de sele-
ção e premiação, espaço e tempo, exposição e recepção, categorias e vertentes,
intercâmbio e formação, etc., para os quais, desde os anos 80, os caminhos já
vinham apontando.
Em relação à economia, nas mais importantes regiões deste continente, hou-
ve crescimento considerável, o que significou diminuição dos índices de pobreza,
no entanto, sem alterar o quadro de agravamento da desigualdade social.
Acompanhando a tendência de alguns países (Rússia, Argentina, China e
parte da Europa), em sentido contrário aos anos 90, as privatizações no Brasil
deram lugar às estatizações, com isso enfraquecendo a força do neoliberalismo,
sistema político que encontrou nos dois mandatos do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (2002 a 2010) seu principal opositor.
Entre as tantas novidades tecnológicas surgidas no plano nacional, destacam-
se a rapidez e potência das conexões de banda larga, além de sua amplitude,
acompanhada da tecnologia de telefonia via Internet (VOIP), através do Skype.
Isto sem falar no poder aquisitivo de compra do brasileiro, cujas facilidades aju-
daram a popularizar o celular, os laptops e as câmeras digitais. O mundo nunca
pareceu tão pequeno, mais ainda com a enciclopédia eletrônica Google Knol e o
programa Google Earth que trouxe nosso planeta para dentro de casa.
Em se tratando do Ceará, entramos no terceiro milênio consolidando uma
subtração no fluxo migratório de cearenses, com uma reversão de dados entre
os anos de 2001 a 2006, em parte graças aos programas sociais voltados para
a fixação do homem no seu lugar de origem e, por outro lado, ao crescimento
da economia. Nesse ponto, em 2008, superaram-se os índices econômicos com
um aumento acima da média nacional, impulsionado por incrementos no setor
agropecuário e na produção industrial, nem por isso tampouco se alteraram os
indicadores de concentração de renda.
Destacamos também o impulso que o setor cultural teve no Ceará, seguindo
uma tendência nacional de construção de grandes centros culturais, motivada
por leis de incentivo à cultura e pelo apoio dos bancos à arte brasileira, algo
que já vinha acontecendo desde a década anterior. Nesse contexto surgiram o
Centro Cultural Dragão do Mar de Arte e Cultura e o Centro Cultural Banco do
Nordeste, como já frisamos no capítulo anterior, dando lugar às grandes expo-
sições nacionais e estrangeiras, assim como acolhendo a produção de artistas
cearenses, cujo percurso profissional, via de regra, se fez pelo Salão de Abril.
186 | DÉCADA DE 10 | Deslocamentos e transitoriedades 187herbert rolim |
os nomes de Dodora Guimãres e de Bitu Cassundé (atualmente curador e dire-
tor do Museu Murillo La Greca, em Recife-PE), ambos integrantes do programa
Rumos Visuais do Banco Itaú, responsável pelo mapeamento de artistas emer-
gentes do Brasil. Lembrando que o artista Eduardo Frota também foi um dos
curadores assistentes desse projeto.
A partir de uma visão mais crítica, é possível que a banca de seleção do LIII
Salão de Abril, composta por Tadeu Chiarelli, José Guedes e Dodora Guimarães,
em 2002, tenha registrado em ata a orientação para que fossem oferecidos
cursos sobre arte contemporânea, com a ressalva de serem dirigidos tanto aos
artistas selecionados como àqueles que se interessassem pelo assunto, justa-
mente pautando-se na necessidade premente de surgirem daí um novo quadro
de artistas e futuros curadores e críticos de arte locais. Entretanto, somente na
edição de 2006, sob a coordenação do artista Jared Domício, foi que o Salão de
Abril passou a oferecer atividades dessa natureza, trazendo nomes consagrados
como o de Rubem Grilo e Paulo Bruscky, juntamente com outros artistas de fora
e da cidade, para ministrarem oficinas de performance, pintura, escultura, audio-
instalação, xilogravura, instalação, desenho e fotografia.
Vejam bem que temas referentes à crítica e à mediação de arte, entrementes,
não foram aí contemplados, de tal forma que se precisou esperar pela edição de
2007 para que acontecessem os primeiros passos nessa direção, no momento
em que Ana Valeska e Maíra Ortins, à frente do Salão, colocaram na sua pauta
as palestras O Espaço da Arte Contemporânea no Museu Histórico de Arte e
Crítica da Crítica da Arte, pronunciadas por Ivo Mesquita (curador da 28ª Bienal
de São Paulo) e por Fábio Cypriano (crítico e repórter do jornal Folha de S. Paulo)
respectivamente, além das oficinas Imagem e Ação, dirigida pelo artista Bruno
Faria, e Iniciação à Crítica de Arte, conduzida pela jornalista Juliana Monachesi.
Interessante que nesta mesma edição, após um tempo de discussão com os
artistas locais, o Salão de Abril passou a ser Nacional, ampliando-lhe as poten-
cialidades e dificuldades.
Em face dessas mudanças, pressionado por novas categorias de arte, o Salão
de Abril não mais cabia nos modelos oficias, ressentindo-se de expansão para
A presença da tecnologia, por exemplo, como meio produtivo na sociedade
contemporânea, segundo vimos, afetou extraordinariamente o modelo artesa-
nal com que as categorias tradicionais da arte se assentavam. Sem esquecer
as cópias xerográficas dos anos 70, nessa nova situação podemos citar a obra
Paixão do artista Sérgio Helle, merecedora do Prêmio de Gravura, em 2001,
como o primeiro caso de infogravura (criação por meio da computação gráfica)
que aparece nos registros do Salão de Abril, reconhecido como categoria. Outro
exemplo é a penetração do vídeo na edição de 2003, nas mesmas condições de
ruptura, conforme podemos evidenciar na vídeo-instalação Em Uma Hora da ar-
tista Bia Cordovil, detentora do Prêmio Antônio Bandeira, ou no vídeo de Jussara
Correia que recebeu elogios do crítico belga Philippe van Cauteren, curador da
Bienal das Américas (2002). Outra coisa, no LV Salão de Abril, essa modalidade
de arte, uma vez por todas, haveria de firmar seu espaço, senão vejamos o que
diz Estrigas (2009, p 279):
Na mostra competitiva, o Salão contou com 238 inscrições que culminaram com
57 selecionados e 73 obras, sendo possível perceber, a partir do panorama das
obras apresentadas, como a mídia eletrônica e a instalação despontaram como
novos suportes para artistas do circuito.
Lembramos que contribuiu para tal injunção a presença de Daniela Buosso
(diretora do Paço das Artes – São Paulo) no júri de seleção daquele ano, sus-
tentando a tendência do Salão de Abril de provocar interlocuções com os mais
expressivos historiadores, críticos e curadores do país. Nestes últimos anos, por
sinal, passaram pela sua comissão julgadora Moacir dos Anjos, Leonor Amaren-
te, Tadeu Chiarelli, Leda Catunda (artista), Iracema Salgado, Cauê Alves, Cristi-
na Tejo, Ricardo Resende, Andrés Hernandes, Olívio Tavares, Suely Rolnik e Ivo
Mesquita.
Contudo, no tocante aos críticos e curadores locais, com passagem pela ban-
ca examinadora do Salão de Abril, não podemos dizer o mesmo, ou seja, foram
poucos os que trilharam o caminho de dentro para fora, caracterizando uma la-
cuna nesse processo de diálogo do Ceará com o circuito nacional. Primeiro pelo
número reduzido de representantes habilitados na área, depois dada à ausência
de ações que atentassem nesse sentido. Entre os escassos exemplos pontuamos
188 | DÉCADA DE 10 | Deslocamentos e transitoriedades 189herbert rolim |
convidada a arte-educadora Joana D’Arc Sousa Lima, especialista em Mediação
Cultural pela Escola Agecif (Paris) e História da Arte pela École du Louvre (Paris),
que, oportunamente, proferiu a palestra Qual é o Lugar da Arte para a (na) Edu-
cação?. Depois, ocorreu que no ano subsequente o mesmo tema manteve-se em
pauta, de onde concluímos sua ingerência no meio artístico local em conformi-
dade com outros centros urbanos do país e exterior.
Por fim, respeitando o recorte inicialmente proposto e sem arvorar-se de uma
escolha pretensiosa, diante de um vasto quadro de artistas igualmente legiti-
mados pelo Salão de Abril, justificamos nossas indicações (Bosco Lisboa, Diego
de Santos, Érica Zíngano, Grupo Acidum, Jacqueline Medeiros, Júlio Lira, Jussara
Correia, Marina de Botas, Milena Travassos, Murilo Maia, Simone Barreto, Sérgio
Helle, Ticiano Monteiro, Valéria Américo, Victor César, Weaver Lima e Yuri Firme-
za) não como meros fazedores de obra de arte, mas levando em conta valores
dessa década que lidam com a desconstrução da imagem de artista padrão; que
acionam sobreposições de camadas curatoriais, discursivas e coletivas; que pes-
quisam e experimentam meios, materiais e suportes variados; que repaginam ca-
tegorias tradicionais; que ampliam repertórios e expandem o campo da arte; etc.
O certo é que os deslocamentos e as transitoriedades, caracterizadoras da
arte de nossos dias, levaram alguns desses artistas a transitarem por fronteiras
de intersecção para as quais as artes visuais têm convergido juntamente com
outras linguagens como aconteceu com o Festival Nordestino de Teatro de Gua-
ramiranga e a Bienal Internacional de Dança do Ceará ao longo dessa década.
No decorrer da história do Salão de Abril todas essas transformações foram
paulatinamente acontecendo desde a aparição do termo “pesquisa artística”
(1972) ou a primeira vez que se falou em “arte conceitual” (1976); passando
pela “performance” inaugural de Julio Maciel (1986); alcançando as várias no-
meações como “proposições contemporânea” (1979), “propostas experimen-
tais” (1983), “categoria arte livre” (1985) e “arte no muro” (1989) até não
comportar mais categorizações, dadas às complexidades, hibridismos e produ-
ções multifacetadas com que se impõe a arte de nossos dias, num movimento
contínuo e sem horizonte definido, aberto para as próximas décadas.
além do espaço tradicional, pouco a pouco, migrando das salas institucionais
para as ruas da cidade, não como evento paralelo, mas como categoria de arte
pública. Num exame mais atento, encontramos no LIV Salão de Abril, em 2003,
ainda sob a denominação de Manifestação Artística Cultural Contemporânea,
o trabalho Frases-Instantes, da artista Érica Zíngano, em que ela se utilizou do
aparelho urbano (sinais luminosos de trânsito) para realização de sua obra, ins-
talada numa das avenidas mais movimentadas da cidade.
Mesmo levando em conta tal singularidade e conquanto a edição de 2006
apresentasse sinais de abertura de espaços para esse fenômeno, por exemplo, ao
dispor de um ônibus itinerante para que o público percorresse galerias e ateliês
de artistas da cidade, dentro de sua programação oficial, foi apenas em 2007
que o Salão de Abril passou a reconhecer intervenção urbana como modalidade
específica em suas fichas de inscrição, destacando-se neste ano a participação
do Grupo Acidum.
Uma vez reconhecida a categoria de arte urbana, no ano seguinte, com o
tema “Arte: Desejo e Resistência”, o LIX Salão de Abril passou a operar suas
edições utilizando equipamentos da cidade, aproveitando os espaços públicos
dos terminais de ônibus Siqueira e Papicu, numa ação provocativa mais contun-
dente entre arte e espectador. Para Estrigas (2009, p. 290) “Dessa maneira, o
Salão transcenderia a proposta de ser uma ocasião específica para o ofício e o
profissional e tornaria o público um elemento da própria composição artística
através de seus olhares, ressignificações...”, em outras palavras, os receptores
seriam co-autores das obras e parte integrante do que poderíamos chamar de
estética relacional.
Dada a essa penetração da mostra nas camadas populares, os organizadores
do 58 0 Salão de Abril investiram na criação de uma Coordenação de Ação Edu-
cativa, dirigida pela historiadora pernambucana Carolina Ruoso com a colabo-
ração de 36 mediadores universitários, devidamente instruídos para esse fim, a
exemplo do que já acontecia nas grandes mostras do país.
Chegou-se, com isso, a um ponto de interesse que, em 2009, o LX Salão de
Abril adotou como tema Qual o lugar da Arte?. E para debater este assunto foi
190 | DÉCADA DE 10 | Deslocamentos e transitoriedades 191herbert rolim |
Nonato da Costa, Olivia Niemeyer, Paulo Frota, Paulo Mauricio, Paulo Mendes Faria, Pedro David
De O.C. Branco, Pedro Meyer, Priscila Oliveira Guimarães, Rafael Limaverde, Rafael RG, Raoni M.
R. de Albuquerque, Regina Márcia Pinheiro, Renan Costa Lima/ Rodrigo Costa Lima/ Vitor Cesar,
Rian Fontenele, Ricardo Aderaldo, Ricardo Damito, Ricardo E. Machado, Ricardo Gomes da Silva,
Ricardo Schmitt, Robézio Marques, Rodrigo Lourenço da Silva, Rogério da Silva Dias, Romar,
Rosangela de Melo, Sergio Allevato, Sérgio Carvalho de Santana, Sergio Helle, Sérgio Lima,
Sérgio Moraes, Sérgio Nobrega, Sérgio Pinheiro, Silânia Cavalcante da Silva, Silvano Tomaz,
Simone Barreto, Solange Pompeu, Solon Ribeiro, Sônia Guralh, Steves Pierre, Tainá Azeredo,
Talita Caselato, Tarcisio Felix, Tatuméia, Telmo Valença, Themis Memória, Thiago Primo, Ticiano
Monteiro, Vando Figueiredo, Vara Dewachter, Victor de Castro, Vidal jr., Viviane Gueller, Vlamir
Silva, Waléria Américo, Weaver Lima, Wilson Neto, Yukie Hori, Yuri Firmeza, Zé Antonio Lacerda.
RELAÇÃO DE ARTISTAS
A. Rocha , Aberlado Brandão, Adélia L.S. Klinke, Adriane Hernandez, Alex Benedito dos Santos,
Alexandre B., Alexandre P. Frangioni, Alice Lara, Amalia Giacomini, Amanda Mei, Ana Aita, Ana
Beatriz Elorza, Ana Luiza Kalaydjian Sanazar, Ana Valeska Maia,, Anapio Holanda Garcia, André
de Barros, André Luiz, Anne Cartault d’Olive, Anthony Alemany, Antonio Elias de Barcellos Vieira,
Antonio Fábio C. Magalhães, Antonio Francisco da Costa Antunes, Antonio Marcos de Almeida,
Antonio Rocha, Arquivo Vivo (Italo Rodrigues), Aurileide, Barrinha, Beatriz Pontes, Beth da Matta,
Bia Cordovil, Bianca Kovach , Bosco Lisboa, Bruno Faria, Bruno Vieira de Britto, Caio Danieli
de Araújo, Camila Barbosa, Cardoso Jr., Carlos A. Alves Filho, Carlos Augusto Dias, Carmelita
Fontenele, Cecília Bedê, Celestino Ramalho, Célia Macedo, Célia Pontes, Celina C. Des. Portella,
Celso Oliveira, Charles Kltzke, Chico Gomes, Chico Rabelo, Chico Togni, Cizin, Clara Urbinatti,
Clarice Lima, Claudia Sampaio, Claudia Sandoval, Claudio Rocha, Daniel Maillet, Daniel Timbó,
Danilson Vasconcelos, Dario Gabriel G. Amorim, David Santos da Paz, Diana Medina, Diego de
Sousa Santos, Ding Musa, Domingos Ambrosio, Drawlio Joca, Edla Maia, Ednalda Celho, Eduardo
Jorge, Egon Pacheco, Elciclei Araújo, Elton Lúcio dos Santos, Elvis Freitas Lima, Erica Ferrari, Érica
Zíngano, Estevão Machado Gontijo, Eurico Bivar, Euzébio Zloccowich, Evandro Prado, Expedito
Lima, Fabiano de A.Araruna Silva, Fabio Tremonte, Fabíola de A. Salles Mariano, Fabricio da
Silva T. Carvalho, Fernanda Oliveira, Fernando França, Fernando Viana, Firmino da Silva, Flávia
Bertinato, Flávia Pedrosa, Flávio Cerqueira, Francesca Novicelli, Francisco Bandeira, Francisco de
Almeida, Francisco Hélio Silva Alves, Francisco José, Francisco Zanazanan, Gaio, Galba Sanders,
Galba Sandras, Gentil Barreira, Geraldo Zamproni, Gerardo Domingos da Silva, Gerson Ipirajá,
Gilberto Gomes de Carvalho, Gilio Mialichi, Gilles W. Robert, Glauco Sobreira, Gracielly Dias,
Grupo Acidum, Grupo Mesa de Luz, Gustavo Vidal, Heldon Pedrosa, Heloísa Etelvina, Heloisa
Juaçaba, Henrique Torres, Herbert Rolim, Hugo Houayek, Igor Camara, Íris Helena, Isabel Cristina,
Isabella Costa Lima, Ivanize Braga, Ivonete Maciel, J. Marques , Jacqueline Medeiros, Janaina B
e Natália M, Janaina Teles Barbosa, Janio Ferreira, Jarbas Oliveira, Jared Domicio, João Justino
Vieira, Joao Neto, João Teixeira Castilho, Joaquim Fernandes Silva, Jônia Tércia Rios Bezerra,
Jorge da Silva, José Maringille, José Stênio Silva Diniz, Juan Arriaga, Julio Cesar Fernandes Lira,
Julio Cesar Leite Imperiano, Junior Pimenta, Junko Tokeshi, Jussara Correia, Karina Liliane Zen,
Katia Sousa de Oliveira, Kelson Teles, Klauber Rocha, Laerte Ramos, Layne Chaves, Leonardo
Moreira, Leontino Eugenio, Leticia Rita Souza Reis, Liara, Lilia Moema Rezende Santana, Linco
Vasconcelos, Lira Juraci, Luciana Falcão, Luciana Guidorzi, Luiz Sales, Maira das Neves, Marcelo
Fortuna, Marcelo Gandhi, Marcelo Nabor, Marcelo Santiago, Marcia Belchior, Márcia Helena
Santos, Marcia Moura, Marcos Guilherme V. Santos, Marcos Lopes, Marcos Martins, Maria Denize
Fernandes Oliveira, Maria Ida Francisca R. de C. Rocha, Maria Marlene Bezerra Almeida, Mariana
Mifano Galender, Marina Soares, Marina Barreira, Mario Sanders, Mary Ann Nóbrega, Maura
castanheira Grimaldi, Mauricio Adinolti, Mauricio Coutinho, Meire Guerra, Mey Leyendeeker,
Michel Zózimo, Milena Travassos, Murilo Maia, Nara Amélia Melo da Silva, Nauer Spindola,
Nelson Pellens, Nelson Zakira, Nicolas Gondim, Nilvan Auad, Nivardo Victoriano, Nonato Araujo,
Júlio Lira| Fortaleza, CE, Brasil, 1959 |
Não Humanos, 2009Vídeo - 10 min
Coleção do artista
Yuri Firmeza | São Paulo, SP, Brasil, 1982 |
Souzousareta Geijutsuka, 2007 Arte Conceitual - Dimensões variáveis
1.From:”yurifirmeza”[email protected]: [email protected]: Invasor 1 Date: Fri, 02 Dec 2005 10:02:41 -0300
E aí, Tiago? Blz?Cara, não deu certo ir para o grupo de estudo hoje, acabei de chegar do Dragão do Mar. Fui conversar com o novo diretor no MAC, na verdade, fui mostrar meu portfólio. Ele pareceu interessado pelos trabalhos e me convidou para ser o “artista invasor” nos meses de janeiro e fevereiro. Me passa aê os textos trabalhos hoje no grupo,beleza?Falow.
2.From:”Tiago Seixas Themudo”< [email protected]> To: [email protected]: RE: Invasor 1 Date: Fri, 02 Dec 2005 12:41:35 -0300
Fala, Yuri, beleza? Não esquenta não, cara. Terminamos o primeiro capítulo do livro do Deleuze sobre Nietzsche, que trata do problema da tragédia e da transformação desse tipo de arte e, imagem do pensamento. Semana que vem, começamos o capítulo sobre o corpo. Quero saber mais sobre a tua conversa com o Ricardo, o que você está pensando em fazer? Como pretende relacionar sua obra com o Dragão do Mar?Abraços, Tiago
3.From:”yurifirmeza”[email protected]: [email protected]: Invasor 1 Date: Fri, 02 Dec 2005 22:16:50 +0000
E aí, Tiago, massa?Você entendeu o projeto “Artista Invasor”? No e-mail anterior, eu falei sobre o convite que recebi, mas não falei exatamente sobre o que se trata, né? É o seguinte, o Ricardo convida um artista para ocupar, paralelo à exposição em cartaz, uma sala do museu. No meu caso, a invasão acontecerá concomitantemente à exposição do acervo e à exposição coletiva das meninas ( Walerinha, Milena, Érica...).Na conversa que tive com ele, ficou decidido que não irei ocupar um espaço especifico no museu: penso em realizar “Ações” por todo o seu território.Tenho pensado em algumas performances que, de certa forma, têm uma relação direta com o que venho pesquisando e produzindo. A presença do corpo como lugar de trocas, a relação deste com o espaço, com o outro. Isso fica claro nas “Ações” anteriores que realizei copo/muro,corpo/árvore... O que acontece é que, no caso do “Artista invasor”, o espaço com o qual estarei dialogando é uma instituição. Não posso pensar, em hipótese alguma, somente nos aspectos físicos/formais do museu. Da mesma forma que o muro e a árvore, por suas características próprias, conferiram ao corpo uma potência outra, e vice-versa, o museu tem também suas peculiaridades: o fardo histórico, a sua condição institucional, o fato de ser um elemento “imprescindível” à legitimação da arte e do artista...Como pensar esse corpo dentro da instituição/museu? Como estabelecer uma relação de troca com os visitantes?Acho que a urgência de ter o corpo como objeto de pesquisa, aqui no caso, vai mais ou menos por aí...Esse corpo que não deixa de ser um produto de inúmeras transformações:estéticas, culturais, sociais, e econômicas. Tenho alguns projetos ainda no plano das idéias.Falo com você na seqüência.Valeu...Abraço!
Victor César | Fortaleza, CE, Brasil, 1978 |
Centro é Cultural, 2009 Instalação - Dimensões variáveisColeção Centro Cultural BNB
Érika Zíngano| Fortaleza, CE, Brasil, 1980 |
Frases-Instantes, 2003Arte Pública (Registro Fotográfico)
Coleção do artista
Grupo Acidum | Fortaleza, CE, Brasil, 2006 |
Propagando, 2009 Intervenção UrbanaColeção do grupo
New Orleans - USA - Verão de 1999Hotel Hilton Riverside - Quarto 915
Florensa - Italia - Inverno de 2000Hotel Bijou - Quarto 5
Juazeiro do Norte - Brasil - Verão de 2003Hotel Municipal - Quarto 329
Jacqueline Medeiros | Fortaleza, Ce, Brasil 1965 |
Da Série Conexões, 2004Fotografia Coleção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Waléria Américo | Fortaleza, CE, Brasil, 1979 |
Acima do Nível do Mar, 2007 Intervenção urbanaColeção da artista
Jussara Correia | Barbalha, CE, Brasil, 1965 |
Da Série Lygia, 2009 Vídeo performance: texto e direção Jussara Correia. 30 minColeção da artista
Ticiano Monteiro| Fortaleza, CE, Brasil, 1982 |
Espuma e Osso, 2007 Vídeo: Ticiano Monteiro e Gustavo Parente (Direção), 20 minColeção da artista
Marina de Botas | São Paulo,SP, Brasil 1975 |
O Reandrógino 7581, 2008Vídeo: Marina de Bostas
e Eduardo Escarpinelli (narração). Trecho do poema “Antopolítica de
entrega em profundidade” (Livro Coxas,1979) de Roberto Piva.
Música: Marina de Botas (voz), Eduardo Escarpinelli (violão),
passando por letra de Sulivan e Massada. 21 min 23 seg
Coleção da artista
Milena Travassos | Recife, PE, Brasil, 1976 |
A Observadora, 2006Fotografia sobre veludo e debrum de fio metálico - 70 x 50 x 93 cm
Coleção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
José Guedes | Fortaleza, CE, Brasil, 1958 |
Olhos (Peirre Restany), 2001Fotografia plotagem - 70 x 80 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Olhos (Harald Szeemann), 2001Fotografia plotagem - 70 x 80 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Olhos ( Jan Hoet), 2003 Fotografia plotagem - 70 x 80 cmColeção Museu de Arte Contemporânea do CDMAC
Weaver Lima | Fortaleza, CE, Brasil, 1973 |
O Que o Povo Diz Não se Olha os Dentes, 2003 Acrílica sobre tela - 150 x 250 cmColeção da artista
Simone Barreto | Fortaleza, CE, Brasil, 1984 |
O Carregador de Pedra, 2009 Desenho - 20 x15 cmColeção da artista
Diego de Santos | Caucaia, CE, Brasil, 1984 |
Sem título, 2010 Caneta esferográfica e grafite sobre papel - 96,5 x 66,55 cmColeção do artista
Bosco Lisboa | Juazeiro do Norte, CE, Brasil, 1963 |
O Executivo, s.d. Escultura em cerâmica - Dimensões variáveisColeção da artista
Murilo Maia | Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1978 |
Série limpeza, 2004 Sabonetes com giletes, escova com pregos - Dimensões variáveisColeção da artista
229ricardo resende |
Passados 67 anos do I Salão de Abril e depois de lermos o texto acima, afirmar
diante da inércia ou mesmo da inexistência de instituições locais sólidas, que o
Salão de Abril não seria uma mostra importante para a inserção de artistas cea-
renses no contexto nacional da arte contemporânea, parece-me um equívoco.
Aquela guerra declarada continua, mais do que nunca nos tempos atuais, que
têm ainda o Salão de Abril como um baluarte para a arte no Ceará. Nos anos 40,
foi a maneira de apresentar a arte moderna, que ainda causava estranheza no
país. Mas deve-se observar, nas palavras do artista Estrigas, que o Salão de Abril
nada devia aos salões oficiais. Ele foi criado por um grupo de artistas. Nasceu de
artistas para artistas. E não poderia se dizer que suas edições eram submissas
aos princípios estéticos em vigor, em suas diversas fases ou épocas.
Passaram pelas edições do Salão, os artistas cearenses mais relevantes, com
projeção nacional. Cabe destacar o grupo formado por Antônio Bandeira, Rai-
mundo Cela, o mineiro Inimá de Paula e Mário Baratta que, insatisfeitos com
a inércia do cenário artístico cearense do início dos anos quarenta, tiveram na
figura de Pierre Chabloz, o incentivo para criar o Centro Cultural de Belas Artes,
1 “A Guerra - O Ceará – A Arte”,
no catálogo Fortaleza Tempos de
Guerra. SECULTFortaleza, 1989.
Foi por esse tempo que aportou por aqui, como “ave de arribação” fugidia dos ri-
gores do inverno, o suiço Jean Pierre Chabloz. Este nome logo estaria ligado a tudo
o que acontecia por cá em se trantando de artes plásticas, de música, cultura, de
um modo geral, Chabloz trouxe consigo ideias e o charme europeu para a atividade
artística da província.
Surgiram então a SCAP – Sociedade Cearense de Artes Plásticas, centros literários,
clubes de cinema, salões musicais. Nas letras, na pintura, na música, a “guerra”
aconteceia em Fortaleza de outra forma, arrancando do bojo do anonimato figuras
do porte de um Antônio Bandeira ou de um Aldemir Martins.
Estava, com Chabloz, “declarada a guerra” cultural que se agrupava, como um
exército um tanto indisciplinado, no “Clã”.
Estrigas 1
Ricardo Resende: mestre em História da Arte pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da
Universidade de São Paulo; foi educador, difusor cultural, produtor, museógrafo, curador assis-
tente e curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo e do Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo; diretor do Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar
de Arte e Cultura (Fortaleza-CE); participou da diretoria do Centro de Artes Visuais da Fundação
Nacional das Artes (Funarte), do Ministério da Cultura; atualmente é diretor do Centro Cultural
São Paulo.
Fortaleza, em tempos de guerra, sempre
ricardo resende
230 | Fortaleza, em tempos de guerra, sempre 231ricardo resende |
recentes, as exposições do Salão de Abril chegaram aos terminais de ônibus da
cidade de Fortaleza, quebrando a sisudez e mesmo as paredes do cubo branco
que predominaram na arte do Século XX, como um invólucro seguro e consa-
grado.
No entanto, em certas gerações de artistas ou em determinadas épocas, per-
cebe-se uma maior potência da arte. E é inegável, neste sentido, o que ocorreu
nos anos 60, no Brasil e no mundo. Foram momentos políticos difíceis de repres-
são social e cultural. Mas o que emergiu daqueles anos sombrios foram artistas
e uma arte que transformaram nossas vidas. Foram daqueles anos que eclodiram
entre nós artistas da envergadura de Lygia Clark, de Hélio Oiticica, de Ligia Pape,
de Nelson Leirner, de Wesley Duke Lee, de Carmela Gross, de José Tarcisio, de
Cildo Meireles, entre muitos outros de igual relevância.
Na década seguinte, os anos foram bastantes sisudos e marcados por uma
arte pautada nas ideias, com predominância da arte conceitual e experimental,
oriunda de uma resistência cultural à ditadura. A situação política era pior do
que na década anterior, com muito mais censura e violência contra quem “pen-
sava” e refletia sobre arte.
A década seguinte, os anos 80, foi marcada por uma oxigenação causada
pelo iminente fim da ditadura militar. Os artistas cearenses pareciam aflorar da-
queles anos, vindos à luz através dos Salões de Abril, o mais tradicional evento
das Artes Visuais no Ceará, que passou pelos anos 60 e 70, mantendo a sua
periodicidade. A geração 80 trouxe suas cores e a vontade de se expressar como
uma forte energia artística, que explodiu por todos os cantos do país.
Em Fortaleza, não foi diferente. José Tarcisio recém chegado de sua fase ca-
rioca, que durou 30 anos, ficou definitivamente no Ceará, a partir de 1982. Le-
onílson, que vivia em São Paulo, era um assíduo frequentador da cidade. Alguns
artistas se aventuravam para outras regiões, como Eduardo Eloy, que foi para o
Rio de Janeiro. Sigbert Franklin, Mauricio Coutinho e Luiz Hermano se dirigiram
para São Paulo. Este último tinha passado antes pelo Rio de Janeiro e depois se
fixou na capital paulista. E muitos outros artistas, como Baptista Senna, Sérgio
Pinheiro e, principalmente, Sérvulo Esmeraldo (estes dois últimos viveram em
em 1941. O espaço que serviria de sala de exposições permanentes e cursos de
arte, três anos depois de ser criado viria a se transformar na Sociedade Cearense
de Artes Plásticas – SCAP, que, por sua vez, viria dar origem ao salão.
Depois de uma certa acomodação entre as linguagens tradicionais e o forma-
to de exposições nas últimas décadas (o que passou a se criticar nestes salões
de arte oficiais), o evento tem tomado novo formato, abrindo-se para a produ-
ção artística experimental em suas últimas edições. Hoje, como à época de sua
criação, as exposições são marcadas pelo experimentalismo.
O que se tem visto é a arte fora dos padrões que se exibe em salas de expo-
sições de galerias de arte comercial ou que se pendura nas paredes brancas e
seguras dos museus. O Salão de Abril passa a desempenhar o papel de espaço
para reflexão sobre a produção artística contemporânea.
Vemos o resultado daquela inovação vista nos idos 1943, que na sua primei-
ra edição teve a participação do artista Aldemir Martins, um dos cearenses de
maior projeção nacional. Cabe lembrar sua participação para dar a medida da
importância da exposição à época e também na atualidade.
A primeira edição apresentou a arte moderna para os cearenses e, desde
então, continua causando a mesma estranheza quando apresenta a arte atual
no seu caráter mais experimental. A situação da arte contemporânea à época
continua a mesma na atualidade, não mudou. A arte que lida com o novo está
sempre um passo adiante de nossa comprenssão comum, do que entendemos
por arte. Por isso o seu estranhamento natural. Estamos à época da arte con-
ceitual, da arte de rua, da arte do cotidiano, da arte como documento, da arte
relacional, da arte como autoetnografia, da arte como processo, da arte como
arquivo, da arte como memória viva, da arte como documento, da pós-produção
na arte e da arte que beira o “nada”.
Mas fazer arte ou “ser artista, é mais simples, é fazer perguntas sobre o
significado da arte e estar engajado na produção de significados, isso deve ser
a tarefa sempre”2. Neste sentido, os salões como exposições de arte deveriam
dar lugar para o artista se questionar, arriscar e, de tempos em tempos ou de
gerações em gerações, permitir as mudanças no curso da arte. Nas edições mais
2 Joseph Kosuth, artista norteameri-
cano, ao dar entrevista para o jornal
Folha de São Paulo, edição do dia
27/09/2010, por ocasião da Bienal
Internacional de Arte.
232 | Fortaleza, em tempos de guerra, sempre 233ricardo resende |
Barreto, os artistas Robézio Marques, Jabson, Rafael Limaverde e Leonardo, que
formam o Grupo Acidum, entre outros.
O cenário institucional em Fortaleza era frágil: contava-se com o Salão de
Abril, as galerias de arte comerciais, o Museu Universitário (que não cumpria o
papel que poderia desempenhar) e, talvez seja bom lembrar, da UNIFOR Plástica,
do Salão Norman Rockwell, do IBEU Art Gallery, mostras que também agitaram
o circuito de arte local nesse período. O Museu de Arte Contemporânea do
Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura só veio a ser aberto tardiamente para
o público, em 1998.
Mas o interessante é se observar que neste ambiente da cidade insuficiente
dos anos 80, ainda sim, o Ceará tem se destacado, quando pensamos ou o com-
paramos com outros estados da nação. O Ceará tem sido um celeiro natural de
importantes artistas na cena brasileira da arte contemporânea. Desde os tempos
do primeiro Salão de Abril, o estado vem oferecendo ao país nomes importantes
como os já alencados aqui, num período que inclui duas ou três fases ou gera-
ções que fizeram diferença para as Artes Visuais cearenses.
É só conferir a sala de dois cearenses que, pela primeira vez, vieram juntos
num mesmo espaço, lado a lado, na Bienal de São Paulo de 2010. Os curadores
Agnaldo Farias e Moaciar dos Anjos colocaram juntos, para o delírio dos nossos
olhos e “distúrbio” de nossas mentes, os artistas Efrain de Almeida e Leonilson.
Ambos egressos da geração 80, trazem em suas obras a catarse do homem ce-
arense, da cultura nordestina.
Ambos migraram na mesma saga que caracteriza os cearenses, aqueles que
saíram a povoar o Brasil. Ambos levam a poesia árida do agreste e das dunas
de areia do litoral como uma relação inter-humana ao mesmo tempo trágica e
amorosa com a natureza. E o artista Leonilson, desprovido de suas utopias, nos
diz melancolicamente, com uma certa dose de desilusão em uma tela dependu-
rada, solitariamente, em uma parede branca naquela exposição:
“Leo não consegue mudar o mundo”…
São Paulo, Outubro de 2010.
Paris), animavam a cena nas galerias de arte de Dodora Guimarães, que apre-
sentou artistas locais e de fora, na Galeria Inez Fiuza, na Dualibi Galeria e na
L.M. Escritório de Arte.
Ainda no ano de 1986, Sérvulo Esmeraldo realiza a I Exposição Internacional
de Esculturas Efêmeras 3, no Parque do Cocó e na Casa Raimundo Cela. Foi uma
iniciativa inovadora e de sucesso, com a participação de 71 artistas do Brasil
e do exterior. A exposição permitiu que experimentassem uma relação aberta
entre o espaço e meio ambiente, no parque. Tinham a ideia central da perecibi-
lidade dos materiais e esculturas. A mostra possibilitou uma intensa troca entre
os artistas locais e os de fora.
Como visto em outras épocas, era um momento de ir e vir intenso. O Rio de
Janeiro, que tinha na Escola do Parque Laje um celeiro natural de artistas, conta-
va com importantes nomes já consagrados à frente dos cursos, como Anna Bella
Geiger - artista que se formou na escola de arte do Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro, nos anos 50. Entre os artistas que saíram desta escola naquele
período, destacamos Eduardo Eloy, Beatriz Milhazes e Ernesto Neto.
Em São Paulo, a Fundação Armando Alvares Penteado, a FAAP, e o curso da
Escola de Comunicação e Arte da USP, que se firmava, foram os responsáveis por
uma leva de artistas como Iran do Espírito Santo, Leda Catunda, Edgard de Sou-
za, entre muitos outros. Também como na cena do Rio de Janeiro, importantes
artistas sempre estiveram adiante da formação de jovens talentos. Nesta função
pedagógica, ressaltamos nomes como Regina Silveira, Evandro Carlos Jardim,
Carmela Gross e Nelson Leirner.
Fortaleza, por sua vez, ainda carecia de um museu de arte de porte, para
mostrar a arte contemporânea local. Tão pouco tinha cursos universitários de
arte e formassem os jovens artistas. Um problema que persistiu até o final da
década 90, quando foi criado o Curso Superior de Tecnologia em Artes Plásticas,
no então Centro Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará - CEFET,
hoje Instituto Federal, IFCE. Atualmente, o curso passou a ser de Licenciatura em
Artes Visuais. É importante ressaltar sua contribuição à cena artística local e na-
cional, de onde sairam artistas como Ticiano Monteiro, Marina de Botas, Simone
3 JA II EIEE foi realizada em 1991.
237cristiana tejo |
Recife, outubro de 2010
Querida Paula,
Escrevo-lhe em resposta a tantas questões e afirmações trazidas por você em
nossos encontros no Facebook e nos encontros presenciais que temos tido nos
últimos meses. Seu entusiasmo para adentrar no campo da arte é contagiante.
Há uma entrega, um frescor nesta aproximação, que revigoram minha crença no
poder da arte. Entretanto, eu me sinto impelida a sensibilizá-la para algumas
perspectivas do sistema da arte no Nordeste e também no Brasil, na primei-
ra década do século XXI. Eu realmente gostaria que você se iniciasse tendo
uma boa dimensão do que a espera. Talvez esta tentativa de “ambientá-la”,
de alertá-la sobre as pedras do caminho, seja uma forma um tanto onipotente
minha, já que não tenho como proteger você ou mesmo guiar seu trajeto, e
não sou mesmo a dona da verdade, mas é maior do que minha racionalidade.
Eu realmente preciso partilhar com você alguns pensamentos e reflexões que
tenho tido como agente ativo deste sistema que não é perfeito, mas que está
em vias de aperfeiçoamento.
Eu queria começar perguntando: como e quando você sentiu este chamado
da arte? Pergunto isto porque tenho a impressão de que muitos jovens aspi-
rantes enxergam mais o lado romântico ou glamouroso da arte do que propria-
mente as contingências do trajeto de formação, legitimação e profissionalização
de um artista na atualidade. Não se iluda, são muitas as formas de entrada no
sistema da arte. Aliás, não param de aparecer projetos voltados para o descobri-
mento de novos talentos. Sangue novo é o combustível do capitalismo avançado
e não seria diferente no campo da arte. A questão, minha querida, não é tanto
o começo, mas a jornada. Muitos vão ficando pelo caminho, pois o funil é cruel.
Cristiana Tejo: curadora e jornalista; bacharel em Comunicação, especialista em Filosofia e
mestre em Comunicação, Mídia e Cultura – todos pela Universidade Federal de Pernambuco;
membro do IKT (International Association of Curators of Contemporary Art); coordenou por qua-
se cinco anos o setor de Artes Plásticas da Fundação Joaquim Nabuco; foi diretora do Museu de
Arte Moderna Aluísio Magalhães (Recife-PE); atualmente é coordenadora-geral de Capacitação
e Difusão Científico-Cultural da Diretoria de Cultura da Fundação Joaquim Nabuco; curadora do
projeto Made in Mirrors, de intercâmbio entre Brasil, China, Holanda e Egito; autora do livro
Arte em Todos os Sentidos; mentora do projeto Pensamento Emergente, voltado para a situação
da curadoria nos anos 2000.
Carta de uma curadora não tão jovem a uma jovem artista do Nordeste do Brasil
cristiana tejo
238 | Carta de uma curadora não tão jovem a uma jovem artista do Nordeste do Brasil 239cristiana tejo |
gras do jogo e jogue cautelosamente. Saiba dizer não a oportunidades de salões
e exposições que aparentemente são ótimas entradas no campo, mas que são
promovidas por instituições ou profissionais compromissadas com tudo, menos
com o artista.
Sei que, para iniciantes, é difícil discernir o joio do trigo, mas o tempo vai
ajudá-la a entender os sinais. Em geral, são instituições que não oferecem in-
terlocução crítica e nem estrutura mínima para se mostrar decentemente os
trabalhos. Não têm constância e nem consistência em seus projetos e trazem
um longo currículo de atrasos de pagamento, gambiarras curatoriais e falta de
transparência com os artistas. São muitas vezes gerenciadas por pessoas não
qualificadas ou com pouco grau de profissionalismo, que conseguem a posição
por motivações políticas, de parentesco ou mesmo por pura amizade. Não à toa,
estas instituições mais parecem movidas por uma imposição burocrática do que
propriamente pela consciência de seguirem políticas culturais dinâmicas e escla-
recidas. Também sei que na realidade brasileira e mais especificamente na nossa
realidade do Nordeste, o compadrio ou sua expressão mais recente a brodagem,
o paternalismo, o coronelismo e o assistencialismo são ainda muito presentes.
Entretanto, já notamos algumas mudanças. Os editais públicos, por mais que
não sejam o modelo ideal de seleção, tornam mais acessível o espaço àqueles
que têm qualidade artística, mas que não fazem parte da esfera afetiva do ges-
tor. A busca pelo consenso numa comissão oferece múltiplas possibilidades de
resultado a partir dos perfis de seus componentes e do conjunto de trabalhos
apresentado, além de evitar dirigismos pessoais. O meio artístico está mais aten-
to e vem se tornando mais intolerante aos desmandos políticos.
Como consequência, tem sido mais ouvido na construção das políticas pú-
blicas para a cultura. As pessoas envolvidas na gestão cultural têm buscado
aperfeiçoamento profissional, mesmo se tratando de um processo longo, contí-
nuo e rigoroso de lapidação. Acredito que todos estão se sentindo pressionados
a estudar mais formalmente, mesmo que isso não seja historicamente parte
do modus operandi artístico nordestino. Noto, com muito mais propriedade e
A tendência, ao deixar de se enquadrar no rótulo “jovem artista”, é o arrefeci-
mento de oportunidades para a maioria. São poucos os prêmios, galerias e pro-
jetos para os artistas que não alcançaram o primeiro escalão do mundo da arte e
se internacionalizaram nos seus dez primeiros anos de carreira. Há uma espécie
de limbo que torna invisível talvez a maior parte dos artistas. Não que figurar
no jet set internacional seja a ambição de todos e é justamente por isso que fiz
a pergunta acima. Mas, em geral, o desejo de reconhecimento e de visibilidade
é marcante em quase todos os jovens artistas. Não sei, sempre me lembro do
caso do futebol, que apesar de não ter nada a ver diretamente com as regras
da arte, fornece-me uma bela metáfora do afunilamento do sistema. Eu observo
a devoção de muitas pessoas ao futebol. Vejo crianças que sonham em jogar
futebol profissionalmente. Ou até mesmo um ícone da música popular brasileira
como Chico Buarque dizer que uma de suas maiores frustrações é não ter sido
um jogador de futebol de verdade. De fato, por mais talentoso na música que
ele seja, não há ressonância de seu dom nos gramados. Parece haver uma ma-
temática meio misteriosa entre talento, dedicação, condições dadas e gana para
que um jogador dê certo. Por mais que haja jogadores fantásticos espalhados
pelos clubes nacionais, serão poucos os que vestirão com dignidade a camisa da
seleção brasileira. Veja bem, não estou eximindo de culpa os técnicos teimosos
que insistem em não coroar o talento de alguns jogadores ou por vezes a falta
de maturidade de alguns jogadores para receberem a fama. Por conta de muitas
variáveis, dos milhares de aspirantes, poucos ganharão o reconhecimento e o
sustentarão no tempo. Por isso pergunto sobre sua expectativa e seu comprome-
timento com a arte. Se seu interesse for majoritariamente pautado no vislumbre
de uma carreira de sucesso, você tem grande probabilidade de frustração.
Eu não acho que o desejo pela fama e pelo reconhecimento seja restrito
à atualidade. Ele sempre foi inerente ao fazer artístico, desde que este fazer
passou a ser de fato artístico e não místico ou religioso. O que proponho é uma
reflexão sobre a voracidade de nosso sistema, que se baseia numa especulação
de novos talentos cada vez mais forte. Tenha cuidado com isso. Aprenda as re-
240 | Carta de uma curadora não tão jovem a uma jovem artista do Nordeste do Brasil 241cristiana tejo |
sileiros, era pernambucano, apesar de quase todos acharem que ele era carioca.
Seu trajeto profissional e intelectual não ocorreu de fato em seu estado natal.
Podemos nomear muitos outros críticos nordestinos que tiveram condições de
estruturar seus pensamentos e suas vidas apenas no então eixo Rio-São Paulo.
De fato, atualmente, morar no Nordeste ou mesmo nas demais regiões que
não as cidades supracitadas, é um ponto positivo na hora de ser convidado para
os mais variados projetos. Isso vale tanto para artistas quanto para curadores
e críticos. A questão delicada nisso tudo é não se tornar refém de sua origem.
Preencher cotas é muito redutor e pode ser uma armadilha para seu trabalho,
que pode passar apenas a ilustrar a nordestinidade esperada pelos grandes cen-
tros. É difícil não se autoexoticizar, especialmente numa época em que o mundo
é assimilado como um grande supermercado étnico movido por desfiles das
diferenças. Tradições são inventadas para marcar estas diferenças e abocanhar
nichos de mercado. Você deve aprender a estar entre isso tudo. Opere as estra-
tégias a seu favor de maneira consciente e crítica. Fale fluentemente a língua da
arte contemporânea. Você levará seu sotaque, é claro, mas não deixe que seu
sotaque solape seu trabalho, ganhe a preponderância.
Para gerações anteriores, abraçar integralmente a regionalidade era a única
forma de distinção. Porém, Paula, o que notamos na marcha econômica da re-
gião é uma mudança substancial de seu perfil. Não estamos mais no tempo em
que Casa Grande & Senzala era uma resposta pertinente ao que era o Brasil.
A realidade se complexificou. Por que seu trabalho haveria de apontar respostas
simplórias sobre o nosso lugar? O melhor lugar do mundo é aqui e agora, para
parafrasear o músico Gilberto Gil. Mas o pior lugar do mundo também pode ser
aqui e agora. Não tenho como neste momento perfilar todas as transformações
sócio-político-econômico-culturais, mas lhe prometo destrinchá-las numa próxi-
ma ocasião.
Por fim, pois não quero que você fique exausta com minha missiva, eu queria
que você pensasse muito quando expor. Falamos muito sobre onde. Mas quando
você deve se expor ou expor seus trabalhos? Eu não tenho nada preciso para lhe
proximidade em Pernambuco, uma certa resistência de parte dos artistas locais
pela pesquisa seja na História da Arte, na Teoria da Arte ou mesmo na Filosofia
justificada como uma forma de não se “ influenciarem”, não perderem sua ori-
ginalidade - uma forma equivocada de se compreender a construção de conhe-
cimento. Não caia nesta estratégia que soa tão anacrônica. Estude muito sobre
tudo. Aos poucos, seus próprios interesses vão lhe levar a se localizar em sua
frondosa árvore genealógica artística. Nela, estarão seus antepassados estran-
geiros, brasileiros e locais. Você não está inventando a roda, Paula! Você a está
reconfigurando, partindo dela para se posicionar no mundo.
Neste sentido, lembre-se da famosa obra de Cícero Dias: Eu vi o mundo,
ele começava no Recife. Na verdade, o mundo começa onde estamos. Somos
impregnados dos lugares por onde passamos e onde escolhemos viver. No en-
tanto, o mundo não acaba no Recife. Para onde você for ele estará em você. Por
isso não tenha medo de transitar, de se contextualizar em várias paragens pelo
mundo. Estamos num momento histórico em que o capital geográfico tem se
modificado. As margens, os emergentes, a periferia, enfim, o que até há algumas
décadas estava fora da radial de alcance primeiro do interesse do poder, está
ganhando evidência.
O Nordeste é um desses lugares que ganharam pontos em seu capital geo-
gráfico na globalização avançada. Fique atenta também a isto. Por já termos uma
cena artística pulsante e visível, incrustada num contexto que equilibra diversas
temporalidades, que por sua vez, gera uma espécie de fonte inquestionável de
material para a criação, estamos na mira. Além de ser um local interessante para
ser visitado ou residido, o Nordeste tem sido espaço de experimentação, em
muitos sentidos. A produção, que sempre despontou no cenário nacional como
uma das mais importantes, ganhou ainda mais condições de desenvolvimento,
de reflexão, de circulação e de inserção nos últimos 15 anos. Talvez o mais sinto-
mático seja o aparecimento de uma massa crítica local (mais marcadamente em
Pernambuco) que tem reconhecimento nacional, sem ter migrado ou saído de
sua terra. Como você bem sabe, Mário Pedrosa, um dos grandes pensadores bra-
242 | Carta de uma curadora não tão jovem a uma jovem artista do Nordeste do Brasil
aconselhar. Você vai saber a hora em que o trabalho estiver no ponto, ou seja, em
que sua intenção ou ideia tenha se concretizado. O tempo, como já conversamos
antes, é um quesito de grande importância hoje em dia. Já pontuei sobre a vo-
racidade e a especulação do mercado, mas quero voltar a ressaltá-las. Dê tempo
ao tempo. Já vi em minha curta trajetória de curadora, artistas se deslumbrarem
pelos seguidos convites para fazer o mesmo trabalho, às vezes até mesmo no
exterior, e ficarem conhecidos como aquele artista que faz tal coisa e sumirem
do mapa poucos anos depois. Não que eles tenham parado de produzir, mas
foram seduzidos pela ascensão rápida e entraram numa via que requer do artis-
ta mais produção do que ele é capaz de oferecer. Eles ainda não tinham fôlego
suficiente, o trabalho era promissor, mas ainda em estado de amadurecimento.
Outros, na ânsia de circulação e de visibilidade, foram cooptados por circuitos
periféricos e se acomodaram em suas prerrogativas, gerando uma espécie de
platô de questões tratadas superficialmente com uma roupagem de “arte con-
temporânea”, atendendo em cheio a uma vasta gama de consumidores de arte
sem grande repertório e discernimento. O Nordeste oferece portas para entrar e
sair da voracidade. Aqui você pode ter tempo e espaço para crescer. Você pode
viajar bem muito pelo mundo, fazer residências fora, comprar livros e ver expo-
sições e voltar para digerir tudo com calma aqui. Fora que por aqui temos tido
cada vez mais circuitos que possibilitam a circulação de pessoas interessantes.
Eleja suas interlocuções entre aqueles que de fato são relevantes e você poderá
se desenvolver bem no Nordeste. Aliás, em qualquer lugar...
Bem, eu acho que deixei muitas coisas de fora, mas o básico parte nesta
carta. Eu espero que ela seja útil a você. E espero também continuar a troca de
impressões sobre o mundo com você. Estarei, como sempre, por aqui.
Um beijo grande e muita resiliência em seu caminho,
Cristiana Tejo
247Bitu Cassundé |
Simulacro dos modelos europeus vigentes no século XVIII e XIX, os salões cum-
priram um importante papel num Brasil que aspirava impulsionar uma produção
estética local. Essa história tem início em 1816, com a vinda da missão artística
francesa para o Brasil. Chefiada por Joaquim Le Breton, era composta ainda por
Jean Baptiste Debret e Marc Ferrez. Nesse período, D. João VI cria a Escola Real
das Ciências, Artes e Ofícios, inspirada nos moldes da academia francesa. Uma
década depois, é inaugurada a Academia Imperial de Belas Artes, que em 1829
organiza sua primeira exposição.
Sob a direção de Felix-Émile Taunay, a Academia elabora um processo de
concursos e premiações, sendo o mais cobiçado o Prêmio de Viagem ao Exterior.
Instituído em 1845, o prêmio oferecia uma viagem de estudos à Europa, o que
contribuía para o acesso a novas escolas e tendências, além de possibilitar a
criação de um repertório visual mais sofisticado. Em 1890, a Academia passa a
ser chamada de Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) e, alguns anos depois,
as exposições elaboradas pela Escola passam a ser conhecidas como “salões” -
nomenclatura que seria oficialmente adotada somente em 1934.
Esse modelo de salão, de caráter academicista, teve seu apogeu nos séculos
XVIII e XIX. Com o surgimento das vanguardas estéticas européias, ocorre um
processo de readequação espacial da arte, decorrente das obras que migravam
para estruturas tridimensionais, encontrando no espaço novas possibilidades de
interação. Assim, as obras dos salões também se modificam. No Brasil, um for-
te marco desse embate é a Semana de Arte Moderna de 1922, momento de
ruptura com estruturas acadêmicas e agente mobilizador de um pensamento
nacionalista legitimado na arte.
Os salões vão se adequando a diversas especificidades e se reinventando
entre tradições e culturas locais. Modelos estruturais que contagiaram o Brasil
Bitu Cassundé: graduado em Letras pela Universidade Federal do Ceará, mestrando em Crí-
tica de Arte pela Universidade Federal de Minas Gerais; foi curador assistente, coordenador da
reserva técnica e pesquisa no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte
e Cultura (Fortaleza-CE); integrou o Panorama do Pensamento Emergente no Museu de Arte
Moderna Aluisio Magalhães (Recife-PE); atualmente é curador e diretor do Museu Murillo La
Greca (Recife-PE).
Entre tempos e histórias – dos processos iniciais
bitu cassundé
248 | Entre tempos e histórias – dos processos iniciais. 249Bitu Cassundé |
Essa primeira edição apresentava um precioso panorama de uma arte cearen-
se que já se destacava no cenário nacional. Raimundo Cela era a maior referên-
cia no estado. Em 1917, ganhara viagem ao exterior no Salão Nacional de Belas
Artes, produzia uma figuração que registrava personagens e paisagens locais.
Antonio Bandeira e Aldemir Martins eram jovens pintores que se destacavam e
que logo trilhariam uma trajetória de sucesso, tanto nacional quanto internacio-
nalmente. Outro nome importante nesse grupo é o do Suiço Jean Pierre Chabloz,
que trará rica contribuição para a arte local, introduzindo referências e estimu-
lando novas produções, como a de Chico da Silva. Com uma pausa provocada
pelas movimentações políticas nacionais e por dificuldades da UEE em repetir
o Salão, sua segunda edição somente aconteceria em 1946, já promovida pela
Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP). Nessa segunda edição teria início
uma importante prática: a composição de um júri para a escolha das obras.
A sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) coordenou a viabilização do
Salão de Abril de 1946 até 1958, quando a mesma deixou de existir. Um terceiro
momento do Salão se dá em 1964, após uma longa pausa, já capitaneado pela
Prefeitura de Fortaleza e regido pela Secretaria de Cultura, que até hoje movi-
menta políticas para as artes visuais, inclusive o próprio Salão. Foi papel da Pre-
feitura resgatar ações que revitalizassem e apoiassem, com uma infraestrutura
mais adequada, a continuação desse importante marco visual cearense.
É impossível pensar a visualidade cearense sem se deparar com o Salão de
Abril. Ele faz parte da construção genética da nossa recente história da arte,
servindo como importante espaço de experimentação e formação para os artis-
tas e o público. Foi catalisador de estéticas e movimentos, viu o deslocamento
da forma para o pensamento, abrigou a arte contemporânea e hoje é terreno
fértil para as diversas pesquisas que utilizam como meio justamente a fuga à
necessidade de classificação.
Classificar ou julgar esse espaço é tarefa que não me interessa. O que me
empolga é a possibilidade proposta de um meio que se abre para o novo, a atua-
lidade, a renovação, a busca de novos modelos e propostas, que faça pulsar algo
com vigor se adequaram a algumas realidades. Nessas ambiências, os salões
foram importantes marcos na formação, divulgação e disseminação de tradições
visuais locais e nacionais. Funcionaram, também, como agentes fundamentais
na formação de acervos quando dispunham de prêmios aquisitivos. Também
operaram como difusores de tendências e estéticas, aproximando e desenvol-
vendo o olhar dos artistas e dos espectadores. As premiações foram importantes
agentes de deslocamento dos artistas, no sentido de um aperfeiçoamento e,
principalmente, da construção de novos repertórios por meio das viagens ofere-
cidas, que permitiam acesso ao novo, à troca de informações e a construções de
novas paisagens e expectativas.
Essas estruturas de agrupamento de um recorte visual também permitiram
criar processos educacionais, ou seja, atuaram como meios educativos de forma-
ção de uma compreensão plástica. Mesmo que não se evidenciassem ainda es-
tratégias educativas de mediação, os salões representaram relevantes modelos
embrionários de projetos educacionais na arte. Por longo tempo, foram agentes
atuantes na formação e divulgação das artes visuais no Brasil. Agentes legiti-
madores da produção, em muitos momentos foram os principais articuladores
das estratégias de movimentação de um circuito de arte, mesmo que tímidos ou
restritos à cena local, os salões cumpriram o seu papel.
Dos processos locais – O Salão de Abril.
O Brasil atravessava um período bastante conflituoso, regido por uma guerra
mundial e uma ditadura nacional, e é nesse terreno fértil para as ideologias
florescerem e as ousadias estéticas se legitimarem que, em 1943, é articulada
a primeira edição do Salão de Abril. Organizado pela União Estadual de Estu-
dantes (UEE), entidade estudantil que movimentava o cenário político e cultural
da cidade naquele período, e que encontrava na arte uma forma de gerar pen-
samento e divulgar a produção estética de então. A primeira edição do Salão
foi composta por oito artistas cearenses e um suíço (Raimundo Cela, Antonio
Bandeira, Mário Baratta, Aldemir Martins, Afonso Bruno, João Maria Siqueira,
Rubens, Fonsek e o suíço Jean Pierre Chabloz).
250 | Entre tempos e histórias – dos processos iniciais. 251Bitu Cassundé |
que já são de grande significação para a cidade e o estado. Apesar de ainda não
contarmos com uma estrutura de galerias privadas que articulem comercialmen-
te a arte contemporânea, conseguimos desenvolver respeitadas produções, que
têm se legitimado no circuito nacional.
A recente produção contemporânea do estado tem recebido significativa
atenção em importantes mostras, dinamizando com vigor o potencial da visua-
lidade cearense. Grande parte desses artistas teve o Salão de Abril como porta
de entrada para o circuito. Utilizaram-no como instrumento de experimentação
e espaço de exposição para seus trabalhos. O Salão foi, portanto, um relevante
colaborador na construção desse recente circuito.
O LVIII Salão de Abril.
Esse breve relato não tem a intenção de traçar um panorama complexo do Salão
de Abril, mas de indicar momentos significativos dentro de um panorama nacio-
nal e local que contribuíram para um processo que foi e é de singular importân-
cia para a compreensão e legitimação de um campo para a arte produzida no
Ceará. Dentro dos esforços perpetrados em todas as edições do Salão, um em
especial parece bastante importante para a vitalidade do Salão, sua LVIII edição,
no ano de 2007.
A edição rompeu com a hegemonia local e expandiu o evento nacionalmen-
te. Artistas de todo Brasil puderam se inscrever e, caso selecionados, participar.
Essa nova condição do Salão, anteriormente restrito aos artistas locais, dina-
mizou bastante o projeto, que recebeu 520 inscrições e se tornou uma mostra
nacional de arte. Foram 30 artistas selecionados. O júri foi composto por mim
(Bitu Cassundé, CE), Cauê Alves (SP) e Cristiana Tejo (PE). O Salão ainda contava
com uma programação de formação em arte, composta por oficinas e palestras
sobre crítica de arte, além de uma exposição específica para os artistas premia-
dos que, naquela edição, foram Daniel Murgel (RJ), Francisco Zanazanan (CE) e
Thiago Honório (SP). Os artistas tiveram o acompanhamento crítico de Cristiana
Tejo, e o resultado compôs a mostra dos três, que ocorreu em 2008.
que as terras alencarinas sabem compor com muita precisão e requinte: pensar
plasticamente e visualmente o mundo, traduzindo-o em poética com vigor e
maestria. O Salão de Abril é agente desse processo, parceiro de uma visualidade
que soube ser maior que descasos políticos, pausas ou metodologias equivoca-
das. É ambiente vivo que se reinventa e vai trilhando caminhos. Caminhos de
sobrevivências, lutas e alegrias.
A dinâmica da arte e o circuito local.
A arte contemporânea dinamizou a arte e propôs diálogos com diversos meios e
linguagens. Aproximações foram feitas – apropriações, citações, releituras, pro-
cessos de contextualização. Práticas regeram novas dinâmicas em que o corpo,
o ambiente, a vida foram colocados em primeiro plano e explorados por poéticas
que os tiveram como protagonistas. O espectador foi deslocado de um papel
melancólico/contemplativo diante da obra para ser convidado a interagir, a ser
um observador/fruidor participativo, integrante de uma composição, através da
interação física ou mental.
O circuito da arte é o ambiente onde a arte se localiza, age, se movimenta. É
o espaço em que o poético e o mercado atuam. Fazem parte desse circuito mu-
seus, galerias, universidades, centros culturais, feiras, salões, bienais etc. É nesse
campo que ações voltadas para as artes visuais fazem o circuito se movimentar,
tornando-se vigoroso, ágil, dinâmico. Um circuito dinâmico é aquele em que as
políticas voltadas para a visualidade agem com liberdade e precisão, atuando
em ações continuadas e colocando em primeiro plano fatores que contribuirão
para uma dinâmica global em detrimento de interesses individuais ou políticas
que remetem a práticas clientelistas.
Pensar um circuito de arte mais ativo para Fortaleza é se remeter a uma
temporalidade bastante recente, em que ações foram fundamentais para esse
fim, como a construção do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, do Centro
Cultural Banco do Nordeste, de políticas de editais desenvolvidas tanto pela
Secretaria de Cultura do Estado como pela Prefeitura. Avaliando toda essa di-
nâmica, percebemos sua circunscrição a apenas 10 anos de movimentação, mas
252 | Entre tempos e histórias – dos processos iniciais.
Divisor de águas dentro de todo o processo do Salão de Abril, a condição
de se tornar uma mostra nacional ampliou sua potência, expandiu seu alcance
e deu fôlego para novas experimentações. A possibilidade de troca de conheci-
mento com produções artísticas de outras localidades, aproximando artistas de
diferentes partes do Brasil, enriqueceu o campo da arte de Fortaleza, oferecendo
ao artista local a possibilidade de conhecer o que se produz em outros circuitos.
É a possibilidade de construção de novos repertórios e diálogos.
Desde o ano de 2007, o Salão permanece como mostra nacional e vem pro-
curando novos caminhos e modelos para sua vitalidade, buscando na contempo-
raneidade caminhos poéticos que o revigorem e que o impulsionem a continuar
contribuindo para a movimentação da cena artística de Fortaleza e, agora, do
Brasil.
Recife, Novembro de 2010.
257ana valeska maia |
“A um passo de meu próprio espírito
A um passo impossível de Deus.
Atenta ao real: aqui.
Aqui aconteço.”
Orides Fontela.
Todo lugar esconde segredos. O nascer do dia sempre chega com muitas pro-
messas, com mistérios que estão à espera de revelação. Entretanto, quantos
segredos habitam o lugar que estamos e escapam de nossa percepção apenas
no dia de hoje? Ou durante os dias e as noites que vivemos, os meses que pas-
samos, os anos que perdemos? “Se o mundo fosse compreensível não existiria a
arte”, afirma o cineasta Domingos de Oliveira (2010). O mundo é uma obra em
aberto, carente de encontros, de construções, de afetos, de olhares que possam
ver o que não se vê em um primeiro momento. O olhar que vê além do que está
posto é, como sabemos, o olhar da arte. Este olhar está à procura de descobrir
e revelar segredos.
Quando falamos em arte, também tratamos do artista, do ser que age no
mundo injetando outros significados à compreensão do existir, do agente que
simboliza, que cria códigos e sentidos para a dinâmica das relações sociais e
ambientais tradutoras do viver. Dialogamos com espaços, presenças, ausências e
tempos. Nesse sentido, podemos viajar pela estrada do tempo à caça de algum
segredo, à procura de uma ancestralidade pulsante em nossa contemporaneida-
de, que grita, sussurra, camufla ou esconde-se de nós. A performance pode tecer
essa liga de tempos, gerações e encontros.
(...) Há uma corrente ancestral da performance que passa pelos primeiros ritos
tribais, pelas celebrações dionisíacas dos gregos e romanos, pelo histrionismo
dos menestréis e por inúmeros outros gêneros, calcados na interpretação extro-
vertida, que vão desaguar no cabaret do século XIX e na modernidade. (COHEN,
2004, p. 41).
Ana Valeska Maia de Aguiar Pinheiro: graduada em Direito, Artes Visuais e Mestre em
Políticas Públicas e Sociedade. Foi coordenadora de Artes Visuais da SecultFor. É autora dos
livros “Pulsão - Irrefreável: arte contemporânea no feminino” e “Tessituras: em contos, crônicas,
poesias e imagens”. Atualmente é professora titular de várias disciplinas da Fanor e mantém o
blog http//:oseremmovimento.blogspot.com.
Tempo, performance e lugar da arte
ana valeska maia
258 | Tempo, performance e lugar da arte 259ana valeska maia |
no Mercado dos Pinhões, impulsionada por Rodrigo Lourenço e, finalmente, o
trabalho de Luciana Guidorzi, com “A pessoa busca seu lugar”.
Relembro as performances e pergunto: quando um segredo é revelado?
A arte que toca o outro, quer seja espectador intencional de uma obra disposta
na galeria ou museu ou um transeunte desavisado, que em sua caminhada ro-
tineira diária se depara com uma performance no espaço público e de repente
aquele espaço já não é mais o mesmo e a pessoa também não é mais a mesma.
Isso é muito forte. Sabermos que uma palavra, um som, uma imagem, um gesto
ou uma construção efetivada com tantos recursos que atualmente possuímos
(vídeo, programas de computador, redes interativas, enfim) um trabalho, uma
obra de arte, nos colocam diante da possibilidade de construção de mundos
novos.
Entretanto, essa construção está entregue ao mistério do tempo.
Volto às indagações sobre a busca do lugar da arte, da maneira como as
vivenciamos. Elas passeiam no tempo e integram os movimentos inquietos de
um grupo de estudantes, que em 1943 organizam a primeira edição do Salão
de Abril. “(...) O fim / limite íntimo/ nada é além de si mesmo / ponto último.
A saída / é a volta.” (“Caramujo”, Orides Fontela). Nos caminhos que tecemos,
o tempo permite mapear o que percorremos na trajetória da vida, na imbricada
teia dos afetos. Enquanto na estruturação do Salão de Abril, depois de 1943, já
comandado pela Sociedade Cearense de Artes Plásticas – SCAP, eram obedeci-
das as regras clássicas das linguagens artísticas, baseadas nos moldes acadêmi-
cos, em outras partes do mundo existia uma agitação que fazia tremer as bases
do que convencionalmente era compreendido como arte e as regras passaram a
ser ditadas a partir do solo ordenador do novo.
A action paiting, desenvolvida por Jackson Pollock, lança a ideia de que
“o artista deve ser sujeito e objeto da obra”. O ato de pintar, o ritual, o gestual,
passa a ser fundamental na construção do trabalho artístico. A partir desse mo-
mento um campo relacional é ampliado, o processo ganha complexidade. Afinal,
falamos de algo novo e ancestral ao mesmo tempo! Happening, body art, per-
formance art. A performance como linguagem artística, inclusive a performance
Orides Fontela lança em sua poesia a indagação: Deste tempo múltiplo, o
que nascerá? Portanto, antes da performance como ação ou afeto, quero falar
do tempo que envolve e conduz o rumo, o fluir desse jorro expressivo. De uma
percepção previsível do tempo do calendário, com passado, presente e futuro
correndo linearmente para um destino, ou quem sabe, para um lugar, encontra-
mos no agora um tempo outro, rugoso, estriado, líquido, complexo, imprevisível,
surpreendente. O tempo possui uma característica cheia de espanto e encanto:
ele determina o sentido do que vivemos. Na interpretação deste tempo múltiplo
apontado por Fontela (2006) podemos falar de encontros, de temporalidades
longas, médias e curtas que são aparentemente distintas, mas que se relacio-
nam.
Há um tempo longuíssimo que é o do universo, de 15 bilhões de anos, e há um
bem mais curto que é o tempo do aparecimento da vida. Existe um mais curto
ainda, que é o do aparecimento da humanidade; outro bem mais curto, que é
o da nossa história; e outros bem mais curto que é o da nossa vida individual.
No entanto, nós pertencemos a todos eles. (D’AMARAL, 2010, p.22)
Pertencemos a todos esses tempos, eles se entrecruzam e nos constituem.
Posso, então, afirmar que foi o tempo quem autorizou a pergunta-tema do Salão
de Abril em suas mais recentes edições? Qual o lugar da arte? Do convencional
cubo branco passamos ao território da cidade como espaço de apropriação dos
artistas. Um lugar que recebeu, na 60º edição do Salão, a cidade como percurso
e cenário de intervenção. Como na performance “Reflexão sobre a Arquitetura
da Solidão”, realizada pelo coletivo Curto Circuito, evidenciando uma questão
humana fundamental na contemporaneidade: estamos sós em meio à multi-
dão?
A cidade continua como um lugar de encontro do sentido nas várias perfor-
mances que aconteceram no 61º Salão de Abril. “Lygia”, de Jussara Correia,
realizada no coreto do Passeio Público; a miscelânea de sons e imagens do
Grupo Mesa de Luz, com o trabalho “Cotidiano”; o deslocamento de espaços
e conceitos na performance de Eduardo Jorge, com “Aula 1 (Sopro)” e “Aula 2
(Resíduo)”; a pulsão das trocas na “Desvenda – Feira de Arte Contemporânea”,
260 | Tempo, performance e lugar da arte 261ana valeska maia |
abre para relacionarmos as teias do passado e do futuro na dimensão do agora.
Permanecer pode ser considerada uma maneira de resistir, no sentido foucaul-
tiano, de ser capaz de exercitar a autonomia e a liberdade, mesmo diante de um
cenário que force a uniformização dos comportamentos, que produza uma ética
do consenso e dos conceitos pré-fabricados sobre o mundo e sobre o humano.
Resistir a uma vida opaca. Aderir a uma vida que cintila a cada passo dado. Qual
caminho melhor de resistência do que o da arte e do desejo 2?
Quantas estradas se abrem diante de nós na trajetória da vida? Somos todos
viajantes em Cidades Invisíveis, tal qual Marco Pólo na narrativa desenvolvida
por Ítalo Calvino? Qual Kublai Khan nos vigia e desconfia de nossas histórias,
mas mesmo assim, quer, ansioso, ouvi-las? “A cidade não é feita disso, mas
das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado”
(Calvino, p. 14). Em um determinado momento da obra Alice no País das Ma-
ravilhas, de Lewis Carroll, Alice pergunta ao Gato qual o caminho que ela deve
seguir para ir embora dali, e o gato responde: “isso depende muito: para onde
você quer ir?”.
Sabemos para onde queremos ir? Nesse diálogo de tempos foi possível
constatar movimentos e mutações nos processos criativos, de tendências lo-
cais enraizadas, presas ao espaço do museu ou da galeria, abrindo espaços
capilarizados para um diálogo global, que ultrapassa fronteiras a caminho de
territórios desconhecidos. O tempo mapeado nos espaços de nossas trajetórias
prova que, apesar de tudo, do todos os contratempos, o Salão de Abril resiste.
Qual o segredo que o lugar da arte esconde? É uma pergunta sempre aberta e
isso é muito bom.
nas Artes Visuais, integra uma teia como uma categoria aberta e sem Limites
(Melim, 2006). A performance compreendida numa perspectiva de alargamento,
de libertação de amarras condicionantes e de espaços delineados e determina-
dos por um sistema de convenções e consensos. (Cohen, 2004). No Brasil, são
referências fundamentais os trabalhos desenvolvidos pelos artistas Flávio de
Carvalho, Hélio Oiticica e Lígia Clark. Esses nomes influenciaram a construção
do fazer artístico dos artistas daqui, quando desenvolviam a pesquisa autônoma
de sua linguagem ou quando os cursos de graduação em Artes Visuais passaram
a enriquecer o cultivo do território da arte em Fortaleza, a partir do início de
nosso século.
Em 1964, o Salão de Abril passa a ser administrado pela Prefeitura de For-
taleza. No desenrolar das décadas que se sucederam até o momento presente,
gerações de artistas habitaram o Salão em seu espaço físico e simbólico. Como
não lembrar da lendária performance de Júlio Silveira e seu convidado inusitado,
um porco, célebre presença transgressora no Salão? Ou a performance de Bia
Cordovil, realizada no 54º Salão, intitulada “Em uma hora”, corpo delicado e
resistente simbolizado pela seda em contato com o ritmo frenético da cidade,
atravessado por carros, motos, bicicletas e pedestres? O tempo dilatado nos
vídeos que registram a performance de Milena Travassos, musa diáfana em seu
hipnótico balançar? Ou o ritmo da cidade frenética, captada pelo artista Roma-
no, na performance “Falante”, em 2007, ano em que o Salão, após um longo
período aberto apenas para artistas locais, passa a ser nacional?
Qual o lugar da arte? Para onde queremos ir, o que ansiamos habitar, qual
o nosso lugar? O que é a arte, para que serve? 1 Edgar Morin (2003) evidencia,
no pensamento da complexidade, o reconhecimento de que as coisas são teci-
das juntas. Entretanto, o autor destaca que a compreensão de nossa busca não
deve ser direcionada para uma solução definitiva, muito menos encontraremos
uma fórmula ideal para nossas questões. O importante na busca é o caminho.
No processo da busca dos segredos podemos construir portas, janelas, castelos,
vilas, amores, afetos, entradas para o que queremos conhecer e saídas do lugar
que nos tributam e no qual não queremos mais ficar. O espaço do tempo se
1 O que é a arte, para que serve?
Foi um performance realizada por
Paulo Bruscky, no Recife, nas décadas
de 1970 e 1980. O artista interferia
no espaço urbano, utilizando uma
placa presa ao pescoço com os
dizeres: o que é a arte,
para que serve?
2 O “Arte, Desejo e Resistência”,
foi tema do Salão de Abril, em sua
59ª edição.
265nílbio thé |
A videoarte surge no final dos anos 50 com uma paternidade dividida entre três
artistas, o norteamericando Andy Warhol, o alemão Wolf Vostell (o mais “oficio-
samente” assumido) e o sul coreano Nam June Paik (o mais famoso de todos).
No entanto, a videoarte, essa senhora já de 60 e poucos anos, só apareceu no
Salão de Abril pela primeira vez no ano de 2003, como mostra um rápido levan-
tamento histórico.
A demora, entretanto, foi relativamente compensada, pois, logo de cara, seis
artistas apresentaram cinco vídeos no salão - fosse como recurso principal, fos-
se como assessório: Jussara Correia, Bia Cordovil (artista premiada da edição),
Robézio Marques, Rosângela Melo e a dupla Zakira e Sônia Guralh. O número
de seis artistas seria alto, já que o Salão tinha, até o momento, o máximo de
vinte artistas por edição. Mas o LIV Salão de Abril foi um dos mais peculia-
res de todos, sobretudo pela grande quantidade de artistas selecionados: 66.
Sem dúvida, uma das maiores participações já registradas, se não a maior. Seis
artistas, portanto, seria uma quantidade pequena, mas não é para uma primeira
participação de trabalhos em vídeo. É essencial ressaltar que estes cinco tra-
balhos foram os vídeos oficiais, porque o ano de estreia do vídeo no Salão foi,
também, não só o ano com a maior quantidade de artistas, mas também com a
maior quantidade de polêmicas desde 1998 1 ou ainda de todas as suas edições
ocorridas. E o interessante é que muitas dessas polêmicas decorreram do vídeo
e de seus aparatos técnicos, ou indiretamente se relacionam com ele.
A despeito das inúmeras denominações que um trabalho de videoarte pode
ter (vídeo-poesia, videoinstalação, vídeo-dança...), o fato é que existem básica
e muito genericamente falando, três maneiras de se usar o vídeo em uma obra
artística. Tais possibilidades não são fechadas e podem se misturar entre si,
criando novas categorias se necessário for, mesmo considerando que essas três
são bem abrangentes:
Nílbio Thé: técnico em Realização em Audiovisual, graduado em Artes Plásticas e especialista
em Arte Educação pelo Instituo Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará; mestrando
em Políticas Públicas & Sociedade; trabalhou no Museu de Arte Contemporânea e no Núcleo
de Capacitação em Audiovisual do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Fortaleza-CE); foi
assistente de curadoria de Luiza Interlenghi do núcleo de videoarte da exposição Experimental;
trabalhou e pesquisou intervenção videográfica em teatro e dança. Atualmente é professor dos
cursos de Belas Artes e Audiovisual & Novas Mídias da Universidade de Fortaleza.
1 No ano do XLIX Salão de Abril
simplesmente o salão não existiu,
pelo menos não da forma competitiva
de sempre, já que alguns artistas
locais (dez para ser exato) foram
convidados a expor paralelamente
à exposição “oficial” O Brasil de
Portinari, em homenagem a um dos
mais importantes pintores nacionais.
De acordo com ESTRIGAS, (p. 263,
2009), uma das manchetes do jornal
O Povo era “Cadê o Salão de Abril?”.
A organização alegou estar fazendo
mudanças em sua estrutura e que a
partir do ano seguinte, 1999, o Salão
seria uma bienal de arte de alcance
nacional, algo que nunca foi feito.
A despeito de toda a polêmica, houve
catálogo e também homenagem à
cearense Sinhá D’Amora, que recebeu
a medalha Jean-Pierre Chabloz.
O Vídeo no Salão de Abril
nílbio thé
266 | O Vídeo no Salão de Abril 267nílbio thé |
60m² somados aos 6m x 4,2m utilizados na rua, marcados e sujos, representan-
do aquilo que a cidade nos dá, ficaram na Galeria Antônio Bandeira do Centro
de Referência do Professor, onde se realizou o Salão. Foram expostos ao lado de
uma televisão, que exibia todos os 60 minutos de intervenção. Essencialmente,
é uma intervenção urbana, efêmera, que só se pode conhecer por foto ou vídeo.
Um especialista mais ortodoxo não classificaria tal trabalho como videoarte,
já que não existe intervenção direta do vídeo. Contudo, se alguns cientistas e
filósofos da ciência crêem que a mera observação de um fato modifica o pró-
prio fato 2, que dirá o seu registro em vídeo, que tem a mediação dupla de um
dispositivo técnico e de seu operador humano. Assim, o registro da intervenção
não corresponde à realidade imediata e é, ele próprio, interferência no fato,
ainda que não seja intencional modificar (ainda mais) aquilo que foi o cerne
de seu registro. Sendo assim, não é incoerente afirmar que o trabalho de Bia é
videoarte.
Jussara Correia também registrou um momento do cotidiano. No entanto,
não foi uma interferência planejada e também não houve preocupação, a exem-
plo do trabalho de Bia, com macro história ou determinadas reverberações so-
ciais. Assim, atendo-se ao microcosmo de sua cozinha e de seu próprio univer-
so, encontrou poesia feita em seu bicho de estimação: o papagaio que dormia
agarrado a um relógio cuco. O vídeo, que não tem título, também não possui
nenhuma narração, exceto aquela que é contada pelo andar dos ponteiros do
relógio e pela ave que, de quando em vez, acomoda-se melhor no objeto. É um
vídeo bastante curioso. Nele não existem efeitos aparentes de edição ou foto-
grafia, sendo uma gravação crua de algo que existe (ou existiu) na realidade,
dentro do universo da artista. De uma delicadeza ímpar, o vídeo em questão é
o tipo de obra que não exige ser assistida por inteiro. Pode-se percorrer toda
a galeria, e voltar para conferir o que o papagaio aprontou ou não depois. No
catálogo desta edição, a página que contém o trabalho de Jussara também tem
o seguinte texto, que se propõe a dar pistas sobre a temática da obra, que é
muito mais do que o próprio tempo: “O agora vindo do passado onde nem mes-
Como registro do efêmero. Intervenções urbanas que podem durar dias, sema-
nas, horas e às vezes minutos são exemplos do que pode ser registrado por vídeo.
Assim, o vídeo é utilizado de maneira “passiva”, na falta de um termo mais apro-
priado. Não é rigorosamente videoarte, já que não passa de um registro, embora
essa seja uma afirmação altamente controversa.
Como parte integrante de um conjunto. Uma instalação que tem dentre seus
elementos constitutivos um vídeo ou uma performance, que comporte e/ou de-
penda do vídeo para acrescentar a ele significado, uma pintura ou um objeto que
tenha seu sentido e função modificados a partir da interação com um vídeo ou
interferência dele.
O vídeo como recurso único. É o vídeo, e nada mais, o suporte poético, estético,
conceitual e/ou criativo da obra. Não há necessidade de aparato externo a ele, de
modo que o vídeo tem sua unidade significativa integrada, podendo ser assistido
em qualquer forma e ambiente, com pouca perda ou ganho de sentido.
O Ano I do Vídeo no Salão de Abril (2003), apesar de contar com cinco tra-
balhos em vídeo, constam no catálogo apenas dois: o de Jussara Correia (que,
aliás, é a artista que mais participou do Salão com vídeos), devido ao fato de
se restringir unicamente ao registro videográfico, e o de Rosângela Melo, que
também conta com uma instalação e um vídeo que a contextualiza. Os traba-
lhos de Bia, Robézio e da dupla Zakira & Sônia foram classificados apenas como
instalação e não como videoinstalação (o que é, aliás, uma classificação correta,
embora o trabalho de Bia seja uma instalação, sim, mas é essencialmente inter-
venção urbana).
Bia Cordovil utilizou o vídeo como registro de uma intervenção urbana (clas-
sificada como instalação, no catálogo oficial). Seu trabalho Em uma hora con-
sistiu em estender um pano branco de seda pura no movimentado cruzamento
das ruas Barão do Rio Branco e São Paulo, no centro da cidade. O pano ficou lá
por uma hora (daí o título), no asfalto da faixa de pedestres. Alguns perceberam,
outros ignoraram e muitos, sobretudo os automóveis, passaram por cima dele.
Tudo que ocorreu ali, em cima do pano, no espaço de uma hora, foi registrado
em vídeo por Ediliza Peixoto e contou com o apoio da ONG Alpendre. Cerca
2 Vide o Efeito Zenão, já confirmado
cientificamente na Física Quântica.
268 | O Vídeo no Salão de Abril 269nílbio thé |
mance, na medida em que a criação (ou instalação) da própria instalação foi
registrada em vídeo. O trabalho intitulado Gaiola é um cubículo, cujo esqueleto
foi feito em madeira e coberto por um plástico transparente, que no dia da aber-
tura foi pintado pelos dois artistas “trancafiados” dentro de sua própria prisão,
transformando o ato de pintar em performance. A pintura de um colorido explo-
sivo ficou exposta ali, naquele suporte não usual e o registro de sua finalização,
a pintura no dia da vernissage foi registrada em vídeo. O espectador que por lá
passasse poderia entrar no cubo plástico e assistir ao vídeo da customização do
espaço. Exibir a construção, os bastidores da obra, é uma das várias característi-
cas que a arte contemporânea assume para si.
Além destes cinco trabalhos “oficiais” é preciso dizer que em 2003 o Salão
deixou de fora outros quatro artistas. A querela iniciou-se em duas frentes di-
ferentes e ambas foram relacionadas a equipamentos de projeção de vídeo e
slides fotográficos. Um dos problemas foi com a artista Mariana Smith e seu
trabalho Flutívago, que necessitava, como toda obra, de um espaço que pos-
sibilite sua exposição. Da mesma forma que é praticamente impossível expor,
tradicionalmente falando, quadros onde não se tenha parede, é impossível exibir
uma projeção num espaço intensamente iluminado.
De acordo com a própria Mariana: “Era um trabalho com projeção de slides,
uma série de slides com fotografias de espumas do mar, projetadas sob um
tecido translúcido perpendicular a duas paredes em ‘V’. A projeção vazava para
as paredes ao fundo, nas quais estavam palavras soltas, adesivadas em vinil
fotorreator, que acendiam conforme a incidência de luz de cada imagem e a
localização do espectador. Como o tecido em que a imagem era projetada era
translúcido, víamos as palavras acendendo no meio da imagem em combinações
diferentes e aleatórias. As pessoas também podiam entrar no meio da projeção,
entre a parede e o tecido, o que dava a sensação de imersão nesse espaço meio
de sonho das espumas. Na montagem, ele precisaria de um espaço um pouco
mais reservado, pois a matéria principal do trabalho era a luz em nuances de
branco e azul. A coordenação prometeu, depois de muitas negociações, cobrir
mo sei explicar... o que há dentro do ser. Fica a sensação de lembranças vindas
de algumas vidas presentes na natureza, existentes desde sempre, onde tudo
se transforma e multiplica-se e, através disso, muda o próprio ciclo da vida e do
pensamento.”
Robézio Marques inaugura não somente o segundo tipo de utilização do
vídeo na arte, como parte integrante de um ambiente externo ao elemento vi-
deográfico, como também o uso do som de forma decisiva em seu trabalho
(recurso naturalmente audiovisual e, portanto, inerente ao vídeo), ao montar um
verdadeiro cenário, ainda que pequeno para sua instalação-denúncia O Próximo.
Robézio insere o espectador literalmente dentro da obra, cercando-o por um
pequeno amontoado de lixo cenográfico. Sons de choro e de batidas de coração
direcionam o olhar até um latão enferrujado. Dentro dele, o espectador se depa-
ra com um aparelho de tevê voltado para cima com o vídeo da ultrassonografia
de um feto.Também existe, no catálogo, um texto que acompanha as fotos:
“O Próximo explora o caráter inconveniente e excessivo do real. No foco prin-
cipal da obra está o processo desumanizador das sociedades contemporâneas,
processo esse que se dá através da inversão de valores e da banalização do indi-
víduo (o próximo,) estando também em pauta todas as forças contraditórias, que
se alternam dentro do cotidiano, contribuindo para essa perigosa situação.”
Rosângela Melo, em seu trabalho Sem Medo, acerca da delicada condição fe-
minina atacada por um câncer de mama, também utilizou o vídeo como recurso
de contextualização de sua obra. Sem Medo é um conjunto de uma instalação
que consistia numa arara com cinco camisetas brancas penduradas e um vídeo.
Em cada camiseta, a estampa de um busto feminino nu. Todos eles com marcas,
no caso, cicatrizes de mastectomia. Um televisor ao lado das camisetas exibia o
vídeo, onde cinco mulheres diferentes mostram os seios saudáveis. Em seguida,
cada uma delas veste uma camiseta pós-cirurgia, promovendo um chocante
contraste e fazendo com que o espectador, por alguns instantes, vislumbre parte
do sofrimento de cada uma ali exposta.
A dupla Zakira & Sônia Guralh criou uma instalação, que também é perfor-
270 | O Vídeo no Salão de Abril 271nílbio thé |
Soluções Versáteis Para Um Mundo Moderno, feito pelos irmãos Thaís e Ticiano
Monteiro. O trabalho era simples: uma câmera escondida registrava o passeio
dos dois irmãos pelo supermercado onde roubavam algumas coisas e escondiam
na mochila, junto à câmera. Segundo Ticiano, como o trabalho ficaria exposto
fora da Galeria, havia necessidade de um aparato de segurança que garantisse
não somente que o projetor não fosse roubado, vandalizado, mas também que
não estragasse frente às intempéries do tempo, algo que a organização do Salão
não conseguiu garantir.
Os problemas gerados a partir organização do Salão em relação aos dois
trabalhos e a amizade entre os artistas na época motivaram um protesto. Quatro
artistas, os irmãos Monteiro, Mariana Smith e Rodrigo Costa Lima, que também
participava do Salão como integrante do grupo Transição Listrada, retiraram seus
trabalhos. Ticiano que, aliás, também tinha outro trabalho que apresentara so-
zinho, sem participação da irmã Thaís, no Salão de 2003, aproveitou o protesto
organizado por Mariana (que no dia da abertura tocava agogô com um nariz de
palhaço no rosto) e o mote de sua obra sobre furtos e roubou sua própria obra,
retirando-a do salão. No entanto, o Salão não ficou de todo desfalcado...
Marina Barreira, aproveitando toda a confusão gerada na abertura com pes-
soas retirando obras, fez justamente o contrário: colocou exposta, clandestina-
mente, a obra objeto Sala de Pensar: 121 dias sem imaginação no espaço vazio
deixado pela obra de Ticiano. O interessante é que ela virou a “única artista
convidada do 54º Salão de Abril” (ESTRIGAS, 2009, p. 277), apesar de seu nome
(nem dos artistas que se retiraram) não constar no catálogo oficial.
O fato foi tão marcante, que muitos artistas tinham receio de apresentar
trabalhos em vídeo no Salão devido à estrutura precária. Isso fez com que caísse
drasticamente o número de participantes que se utilizavam dessa linguagem ou
de qualquer outro suporte que necessitasse de projeção luminosa ou sonora.
O artista Júlio Lira, que participou de várias edições do Salão e que tem diver-
sos trabalhos em vídeo, afirma que “a possibilidade de projeção era bastante
restrita, pois não havia pro-labore, projetores eram caros e aluguel de máquinas
o espaço em que ficaria o trabalho, pois estava montado na área exterior da
galeria Antonio Bandeira. No entanto, depois de adiarem isso até o último mo-
mento, faltando pouco mais de trinta minutos para a abertura, o coordenador
do salão, simplesmente disse que não seria possível a adequação do espaço.
“O trabalho perdia muita daquela maneira e resolvi retirá-lo da exposição”, dis-
se a artista. A declaração dada por João Jorge Marques Melo, curador do Salão,
para o repórter André Marinho, do Diário do Nordeste (02/05/2010), foi de que
“pelo regulamento o artista é que deveria trazer o material ao local”.
Mas da mesma forma que um pintor não necessita levar paredes para pendu-
rar seus quadros (pressupõe-se que elas já estarão lá), um artista que trabalha
com luz não deveria, por conseguinte, levar a escuridão para destacar seu ma-
terial. Se o trabalho foi selecionado, é porque havia potencial para ser exibido.
O que seria de Julio Le Parc, o principal nome da arte cinética (que foi por mui-
to tempo considerado, como o vídeo, um tipo de arte tecnológica) tivesse que
pedir encarecidamente que os diretores dos museus e galerias que exibem suas
obras se conscientizassem de apagar suas luzes e acender seus trabalhos? Seria
necessária a conscientização do que seria óbvio? Os slides fotográficos não são
vídeo, todavia, a dependência para projeção ser bem sucedida e a obra poder de
fato acontecer com um bom equipamento e um ambiente adequado relaciona-
se com muitas questões e problemas da videoarte.
A grande questão é que as novas tecnologias rompem certos paradigmas.
E aquele ano de 2003 foi o primeiro a ter vídeos no salão, de modo que ainda
não era praxe o modus operanti da videoarte no Salão. A “culpa”, no caso, não
foi de ninguém, mas de uma conjuntura desfavorável gerada por inexperiência
do próprio Salão em lidar com um trabalho diferente do que estava acostumado.
Se a galeria se revolucionou (desde Duchamp) e quebrou com a máxima “qua-
dro na parede, escultura no chão”, permitindo todo tipo de trabalho, o mesmo
não ocorreu com o Salão de Abril, que naquele ano foi terrivelmente anacrônico,
em certos aspectos.
Problema semelhante em relação ao ambiente de projeção enfrentou o vídeo
272 | O Vídeo no Salão de Abril 273nílbio thé |
videografismo executado, mas também pela beleza exalada pela paisagem e
pela própria artista. O trabalho remete aos filmes da vanguarda impressionista
dos anos 20 e 30, devido à similitude dos recursos usados, como a fotografia
delicada e a câmera lenta, e é entrecortado por silêncios e pequenos ruídos.
Também em 2006, houve nova participação de Jussara Correia com vídeo.
O trabalho intitulado Só Agora Maria tem o estilo já consolidado de Jussara,
que usa o vídeo “cru”, com poucos ou nenhum recurso de edição. É a situação
posta ali que importa, mas se não fosse pelo vídeo, não existiria. Apesar de
“simplório”, é perceptível o avanço técnico da artista em relação ao seu instru-
mento de trabalho. Não que ela já não tivesse esse domínio, mas seu primeiro
trabalho, apesar de muito interessante, não exigia isso. Só Agora Maria tem
pouco mais de sete minutos, é extremamente feminino, muitíssimo simples e ao
mesmo tempo impressionante, evocando algo de Frida Kahlo, Clarice Lispector e
Pedro Almodóvar, numa atmosfera kitsch com planos e enquadramentos traba-
lhados, que contam indícios de uma história. Uma edição incrivelmente pensada
e contrastante e uma arrebatadora trilha sonora concomitantemente fantástica
e angustiante, calcada num trecho da Bachiana nº5 de Villa-Lobos, repetido à
exaustão. A essência da obra é estruturada numa montagem paralela entre uma
mulher, a própria Jussara, arrumando-se para sair num verdadeiro ritual, que
incluiu passar perfume e ouvir Chico Buarque e imagens de panos de prato ba-
ratos com estampas de figuras femininas pendurados ao vento ao som do verso
“Cadê Maria?”, da bachiana acima.
Em 2007, ocorreu a edição que teve o maior número de trabalhos de vi-
deoarte no Salão. O fato de ter ocorrido no Museu de Arte do Ceará (Mauc) da
Universidade Federal do Ceará (UFC), ao invés da já tradicional Galeria Antônio
Bandeira, que não tem uma estrutura adequada para muitas obras em vídeo,
talvez tenha influenciado nisso. Outro ponto importante é que os trabalhos fo-
ram muito diversificados entre si e vinham de várias partes do Brasil. A edição
contou com nove artistas de diversos lugares do país (São Paulo, Rio Grande do
Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás além de artistas cearenses), expondo
oito obras com vídeo.
nem pensar, pois o Salão sempre durou mais de um mês!” Ainda segundo Lira,
da maneira que tudo se colocava, a relação entre o Salão de Abril e o artista era
como se “o artista estivesse financiando eventos do estado”.
A obra em vídeo retirada do evento pelos irmãos Monteiro, apesar da estreia
atribulada, teve boa repercussão, tendo circulado em eventos diversos, como a
mostra internacional de curtas de Belo Horizonte e do Vídeo-Brasil, que promo-
veu mostras itinerantes, fazendo com que fosse exibido até no México.
Hoje em dia, Ticiano é um artista de relativo renome, inclusive (e sobretu-
do) internacional. Participou com O Mundo, um desdobramento de um trabalho
performático e de intervenção em que ele “montava” seu quarto em lugares
públicos/inusitados com cama, lençóis, travesseiro, criado mudo e um cabide
vertical, de uma mostra de cinema experimental brasileira no New Museum de
Nova Iorque. Esta mostra contou com a exibição de Limite, de Mário Peixoto,
além de trabalho do renomado Cão Guimarães, cujos trabalhos ficam entre o
filme narrativo, a videoarte e os filmes plásticos e conceituais. No trabalho em
questão, Ticiano “monta” seu quarto em meio a um alagado no mangue da
Sabiaguaba.
Na edição de 2004, em contraponto com a de 2003, apenas um trabalho que
se utilizava da “nova” (ao menos para o Salão de Abril) tecnologia: Devir Folhas,
um vídeo-objeto (no catálogo, arte eletrônica) de Maria Denize Fernandes Oli-
veira que, aliás, ganhou o prêmio do Salão na categoria de manifestação artísti-
ca cultural contemporânea. No ano de 2005 não teve nenhum vídeo exposto.
Em 2006, Milena Travassos expôs o performático Vertigem. Não se trata, no
entanto, do registro “passivo” de uma performance, mas de videoperformance,
pois o vídeo acrescenta delicadeza à ação da artista, com a utilização de efeitos
de fotografia e edição. Poucos cortes e movimentos extremamente suaves de
câmera dão o tom para as imagens levemente borradas e enevoadas de Mile-
na, balançando-se num banquinho pendurado sobre um poço largo cercado de
grama bem alta, cravado no meio de um “lugar improvável”, certamente num
sítio ou fazenda. É um trabalho extremamente belo, não só pelo requinte do
274 | O Vídeo no Salão de Abril 275nílbio thé |
dar mais significado a ele, permitindo uma interação maior com o espectador,
que assistia às imagens de cima para baixo: o vídeo passava em uma mesa e o
espectador direcionava o olhar para baixo. Júlio trabalhou com sons e imagens
provenientes do Voyager Golden Record ou o Disco de Ouro da Voyager, um dis-
co de cobre banhado a ouro com sons (amostras de música e sons da natureza)
e imagens diversas (como o DNA, imagens da anatomia humana e esquema
de reprodução) que representam uma tentativa de “legado cultural humano”,
lançado ao espaço sideral com a probabilidade de ser encontrado por algo ou
alguém... não humano. A partir da ideia de estabelecimento de contato com nós
mesmos, humanos, no futuro, ou com alguma outra civilização extraterrena, o
vídeo se desenvolve fazendo com que formigas interagissem com o vídeo num
grande impacto audiovisual e não-humano, ao mesmo tempo em que é extrema-
mente humano, fazendo- nos entrar em contato com nossa própria fugacidade
e petulância.
Em 2010, três trabalhos foram classificados oficialmente como videoarte:
dois de Ricardo E. Machado, artista do Paraná Elevando e Aquela Vaga, e Tatu-
méia, do Distrito Federal com Caixa de Fósforo - uma interessante vídeoinstala-
ção com vários pequenos monitores incrustados que interagem com aplicações
retangulares na parede, dando a ideia de caixas de fósforos abertas.
Entretanto, nesse mesmo salão, houve muitas performances e intervenções.
Os registros de várias foram feitos em fotografia, mas uma especificamente,
uma ação extremamente reflexiva, foi exposta e explicada ao público, através
de uma instalação com vídeo. Trata-se de Mapa do Medo, do grupo Arquivo
Vivo (composto por Júlio Lira e Ítalo Rodrigues). Misto de mapa com “manual
de instruções”, a instalação consiste num mapeamento empírico e informal da
violência na cidade. Júlio e Ítalo passearam à noite pelo centro de Fortaleza,
uma zona temerosa e tenebrosa para muitos moradores da capital cearense, que
cada vez mais são assolados pela violência explícita ou apenas pelo medo apa-
rente dela. Dependendo da situação encontrada em cada rua, paravam e faziam
desenhos no local, usando as seguintes cores de “legenda”: azul para zonas de
Uma delas é Acima do Nível do Mar de Waléria Américo, classificada como
intervenção “urbana”. Ponho o termo entre aspas por acreditar que não seja
lá muito apropriado, pois mesmo que acabe fazendo, de forma muito indireta,
referência à questão da urbe, é um trabalho que se passa em um ambiente
natural. Uma praia, por mais que esteja inserida no ambiente de cidade, não é
algo criado, já que a cidade sim, cresce e surge a partir dela, e não o contrário.
A obra é o registro em vídeo do poético ato de construção de uma pequena
murada de tijolos onde, depois de terminada, Waléria sobe para admirar a paisa-
gem cerca de dois metros acima do mar (daí o título). Trabalho interessante e até
certo ponto lúdico, engraçado e divertido – por ser também um flerte com o non
sense, - que nos faz pensar nossa relação com o espaço geográfico. Interessante,
sobretudo, a maneira como se dá a edição do registro, promovendo elipses de
tempo suaves, que sintetizam o trabalho para o espectador de modo que ele
possa, em cerca de 13 minutos, vislumbrar o produto final de um trabalho que
certamente durou horas. E deve ter contado com ajuda de outras pessoas, o que
é muito importante para que a obra não perdesse seu sentido e sua mensagem
final.
Na edição de 2008, novamente Waléria Américo apresentou Gangorra, uti-
lizando vídeo. Era um objeto-brinquedo, uma gangorra muito bem construída
(e muito bonita, também), que convidava o espectador a interagir com ela de
duas maneiras: brincando na própria gangorra ou assistindo, já que a alguns
metros da gangorra de madeira havia uma mesa com dois banquinhos, também
de madeira, com dois pequenos televisores. A gangorra, equipada com câmeras,
mandava a imagem para a mesa, de modo que se assistia a quem brincava.
A mesa e os banquinhos tinham o mesmo design e o mesmo tipo de madeira
que a gangorra, de modo que havia uma conexão visual, a ponto de se perceber
que, mesmo separadas por alguns metros, tudo aquilo era o conjunto de uma
só obra.
Júlio Lira, na edição de 2009, participou com Aos Não Humanos, uma “ins-
talação mínima” em vídeo, que se sustenta por si só. Mas o artista optou por
276 | O Vídeo no Salão de Abril
segurança, verde para instáveis, preto para desconhecidas, vermelho para áreas
que apresentaram de risco e amarelo para aquelas que, embora não tenham
apresentado risco explícito, exigem que se permaneça em alerta. O trabalho
de “mapeamento” foi registrado em vídeo, e não acabou por aí, tendo sido
realizada uma convocação para uma caminhada noturna coletiva nos espaços
mapeados (pelos menos os que não apresentaram risco aparente!). Trata-se de
um trabalho de cunho político, sociológico, psicológico e urbano muito profundo
e importante, mostrando como a arte reflete a situação de seu tempo.
Tenho a dizer, para finalizar, que embora tenha tido um começo atravancado
no salão, o vídeo já fez história, nesse curto espaço dos últimos sete anos de
Salão de Abril (dos quais o vídeo teve participação em seis). A cada edição, ele
consegue mais espaço, de maneira que já está virando uma linguagem “tradi-
cional” (ou rotineira), no bom sentido do termo. A intenção deste modesto texto,
como disse antes, não foi nem de longe fazer uma análise de todos os trabalhos,
mas apenas passear e sobrevoar por um breve panorama dessa linguagem ar-
tística tão interessante, tão nova, tão instigante e com tanto tempo pela frente.
Impressionante perceber que, se não presenciamos o nascimento de tecnologias
e as artes advindas dela como a escrita, a pintura, a música, o teatro e mesmo
o cinema, ainda tão jovem, com pouco mais de cem anos, o mesmo não ocorre,
com o vídeo. E sobre isso, talvez seja um privilégio indescritível (que não cabe e
tampouco poderia ser descrito nessas poucas páginas) testemunhar o nascimen-
to e o desenvolvimento de algo que, tudo indica, veio pra ficar.
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