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Page 1: Lógica - Immanuel Kant

ESTUDOS ALEMÃES IMMANUEL KANT

Série coordenada porEDUARDO PORTELLA, EMMANUEL CARNEIRO LEÃO,

MUNIZ SODRÉ, GUSTAVO BAYER.

LÓGICA

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Kant, Immanuel, 1724-1804K25L Lógica / Immanuel Kant ; tradução do texto original

estabelecido por Gottlob Benjamin Jásche de Guido António deAlmeida. — Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1992(Biblioteca Tempo Universitário ; 93. Série Estudos alemães)

Tradução de : Immanuel Kants Logik ein Handbuch zuVorlesungen.

ISBN 85-282-0037-X

1. Lógica. I. Jásche, Gottlob Benjamin. II.Título. III. Série.

92-0341CDD -160CDU -16

TEMPO BRASILEIRO

Rio de Janeiro - RJ - 1992

Page 2: Lógica - Immanuel Kant

BIBLIOTECA TEMPO UNIVEKSITÁKIO- 93

Colchão dirigida por EDUARDO PORTELLAProfessor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Tradu/ido do original alemão:Iinmanucl Kanix Lo^ikdn Handbiich zn Voríesungen.[Lógica de Immanuel KanlUm Manual para Preleções]

Texto estabelecido por:Goítlob Benjamin Jcische

Copyright:@1800, KònigsbergFriedrich Nicolovius

Tradução:Guido António de A lineida

Capa:António Dias e montagem de Elisabeth Lafayellecom gravura do Património da Cultura PrussianaPreussischer Kullurbesitz (Berlim)

Todos os direitos reservados àsEDIÇÕES TEMPO BRASILEIRORua Gago Coutinho, 61 - Tel.: 205-5949Caixa Postal 16099 - CEP 22221Rio de Janeiro - RJ - Brasil

Nota preliminar do tradutor

Para facilitar as referências e o cotejo das passagens citadas,a numeração das páginas da primeira edição, bem como da ediçãocrítica publicada pela Deutsche Akademie der Wissenschaften (KantsGesammelte Schrifien, vol. IX), está indicada à margem do textotraduzido. Um número precedido da letra "A" indica o número dapágina da 1a edição, precedido das letras "Ak" indica o número dapágina da edição da Academia. Uma barra inclinada: "/" no textotraduzido indica o começo da página correspondente em uma dessasduas edições.

Parênteses agudos: "<", ">" - separam as palavrasalemães, conservadas no texto traduzido para melhor governo doleitor. As palavras latinas ou gregas entre parênteses redondos:"("> ")" - pertencem ao texto original.

O leitor encontrará ao final uma nota sobre a tradução dealguns termos técnicos.

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Dedicatória

AIII /A SUA EXCELÊNCIA

O SENHOR EBERHARD JULIUS E. VON MASSOW

Ministro do Estado e do Reino da Prússia, Chefe doDepartamento Eclesiástico em Negócios da Igreja e da EscolaEvangélico-Luterana e também de todos os Negócios de Cabidos eConventos, bem como do Clero Católico, Primeiro-Presidente dosConsistórios Superiores Evangélico-Luteranos, Curador-Mor dasUniversidades etc. etc.

respeitosamente dedicadopelo editor Gottlob Benjamin Jásche,

doutor e livre-docente na Universidade de Kõnigsberg,membro da Douta Sociedade de Frankfurt

sobre o Oder.

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ÍNDICE GERAL

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LÓGICA página

PREFÁCIO de Jàsche 19

INTRODUÇÃOI. O conceito da Lógica 29II. Principais divisões da Lógica - Exposição -

Utilidade desta ciência -esboço de uma história da Lógica 34

III. O conceito de Filosofia em geral -A Filosofia considerada segundo o conceitoda escola e segundo o conceito do mundo -Requisitos e finalidade essenciais do filosofar -Os problemas mais geraise mais elevados desta ciência 39

IV. Breve esboço de uma História da Filosofia . . . 44V. O conhecimento em geral -

Conhecimento intuitivo èconhecimento discursivo:intuição e conceito e aquilo que os distingueem particular - Perfeição lógica eperfeição estética do conhecimento 50

VI. Perfeições lógicas particularesdo conhecimento -A) A perfeição lógica do conhecimentosegundo a quantidade: a grandeza -Grandeza extensiva e grandeza intensiva -Amplidão c elaboração a fundo ouimportância e fecundidade do conhecimento -Determinação do horizontede nossos conhecimentos 57

VII. B) A perfeição lógica do conhecimentosegundo a relação - A verdade -Verdade material e verdade formal ou lógica -Critérios da verdade lógica -A falsidade e o erro -A aparência, como fonte do erro -Meios para evitar os erros 67

VIII. C) A perfeição lógica do conhecimentosegundo a qualidade - Clareza -

^ Conceito de uma característica em geral -Diferentes espécies de características -Determinação da essência lógica de uma coisa -Diferença entre a essência lógica ea essência real -Distinção, um grau superior de clareza -Distinção estética e distinção lógica -Diferença entre a distinção analítica ea distinção sintética 75

IX. A perfeição lógica do conhecimentosegundo a modalidade - A certeza -O conceito de assentimento em geral -Modos do assentimento: opinar, crer, saber -A convicção e a persuasão -Reserva e suspensão do juízo -Juízos provisórios -Os prejuízos, suas fontes principais eprincipais formas 83

X. A probabilidade -Explicação do provável -Diferença entre a probabilidade ea verossimilhança -Probabilidade matemática e filosófica -A dúvida - Subjetiva e objetiva -A maneira de pensar ou método céptico,dogmático e crítico de filosofar -Hipóteses 98

APÊNDICE: Da distinção entre o conhecimentoteórico e o conhecimento prático 103

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I. DOUTRINA GERAL DOS ELEMENTOS . . . 105

Capítulo I: DOS CONCEITOS l 107

# 1. O conceito em geral e a diferença entreintuição c conceito 109

#2. Matéria e forma dos conceitos 109# 3. Conceito empírico e conceito puro 109# 4. Conceitos dados (a priori ou a poleríorí) e

conceitos factícios 111# J. Origem lógica dos conceitos 111# 6. Ato lógico da comparação, reflexão e

abstração 112#7. Conteúdo e extensão dos conceitos 113# 8. Grandeza da extensão dos conceitos 113#9. Conceitos superiores c conceitos inferiores . . . 114# 10. Género e espécie 114# 11. Género supremo e espécie ínfima 115# 12. Conceito mais lato e conceito mais estrito -

Conceitos recíprocos 115# 13. Relação do conceito inferior com o superior -

Do mais lato com o mais estrito 116# 14. Regras universais em vista da

subordinação dos conceitos 116# 75. Condições do surgimento de conceitos

superiores e inferiores: abstração lógica edeterminação lógica 116

#76. Uso dos conceitos in abstracto e in concreto . . . 117

Capítulo II: DOS JUÍZOS 119

#77. Explicação de um juízo em geral 121# 18. Matéria e forma dos juízos 121# 79. Objeto da reflexão lógica -

a mera forma dos juízos 121# 20. Formas lógicas dos juízos: quantidade,

qualidade, relação e modalidade 121# 27. A quantidade dos juízos: universais,

particulares c singulares 122

# 22. A qualidade dos juízos: afirmativos,negativos c infinitos 123

# 23. A relação dos juízos: categóricos,hipotéticos c disjuntivos 124

#24. Juízos categóricos 124#25. Juízos hipotéticos 125# 26. Modos de conexão nos juízos hipotéticos:

modus ponens cmodus lollens 125#27. Juízos disjuntivos 125# 28. Matéria e forma dos juízos disjuntivos 126#29. Caráter peculiar dos juízos disjuntivos 126# 30. A modalidade dos juízos: problemáticos,

assertóricos e apodícticos 127# 31. Juízos exponíveis 128# 32. Proposições teóricas e

proposições práticas 129# 33. Proposições indemonstráveis e

proposições demonstráveis 129#34. Princípios 129# 35. Princípios intuitivos e discursivos:

axiomas e acroamas 129# 36. Proposições analíticas c

proposições sintéticas 130# 37. Proposições tautológicas 130# 38. Postulado e problema 131#59. Teoremas, corolários, lemas e escólios 131#40. Juízos de percepção e juízos de experiência . . . 131

Capítulo III: DAS INFERÊNCIAS 133

# 41. A inferência em geral 135# 42. Inferências imediatas c mediatas 135# 43. Inferências do entendimento, da razão e

do poder de julgar 135

I. AS INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO . . 135# 44. A natureza peculiar das inferências do

entendimento 135#45. Modos das inferências do entendimento 136

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#46.

#47.

#48.

#49.

#50.

#51.

#52.#53.#54.

#55.

II.#56.#57.

#55.

#59.#60.

#61.

#62.#63.#64.

#65.

1. Inferências do entendimento(relativamente à quantidade dos juízos)per indicia suballernata2. Inferências do entendimento(relativamente à qualidade dos juízos)per indicia oposila«) Inferências do entendimentoper indicia contradictorie opositab] Inferências do entendimentoper indicia contrarie opositac) Inferências do entendimentoper indicia snbconlrarie oposila3. Inferências do entendimento(relativamente à relação dos juízos)per indicia conversa siveper conversionemConversão pura e conversão alterada . .Regras gerais da conversão4. Inferências do entendimento(relativamente à modalidade dos juízos)per indicia contrapositaRegra geral da contraposição

AS INFERÊNCIAS DA RAZÃOA inferência da razão cm geralPrincípio universalde todas as inferências da razãoOs componentes essenciaisda inferência da razãoMatéria e forma das inferências da razão . . .Divisão das inferências da razão(segundo a relação)em categóricas, hipotéticas e disjuntivas . . . .A diferença peculiar entre as inferênciasda razão categóricas, hipotéticas e disjuntivas ./. Inferências categóricas da razãoPrincípio das inferências categóricas da razão .Regras para as inferênciascategóricas da razãoInferências categóricas da razão puras e mistas

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# 66. Inferências da razão mistas porconversão das proposições - Figuras 144

# 67. As quatro figuras das inferências 145# 68. A razão determinante da sua diferença

pela posição diferente do termo médio 145# 69. Regras para a primeira figura, a única legítima . 145# 70. Condição da redução das

três últimas figuras à primeira 146# 71. Regra da segunda figura 146# 72. Regra da terceira figura 146# 73. Regra da quarta figura 147# 74. Resultados gerais acerca das três últimas figuras 147# 75. 2. As inferências da razão hipotéticas 147#76. O princípio das inferências hipotéticas 148#77. J. Inferências da razão disjuntivas 148# 78. Princípio das inferências da razão disjuntivas . . 149# 79. O dilema 149# 80. Inferências da razão formais e ocultas

(ratiocinia forma lia e cryplica) 150

III. AS INFERÊNCIAS DO PODER DE JULGAR . 150#81. O poder de julgar determinante e reflexionante 150#52. Inferências do poder de julgar reflexionante . . 150# 83. Princípio dessas inferências 150# 84. Indução e analogia - As duas espécies de

inferências do poder de julgar 151#55. Inferências da razão simples e compostas . . . . 152#56. Ratiocinalio polysyllogistica 152#57. Prossilogismos e epissilogismos 152# 55. O sorites ou a cadeia de inferências 152# 59. Sorites categóricos e hipotéticos 153# 90. A falácia - O paralogismo - O sofisma 153# 91. O salto na inferência 153#92. Pelitio principii - Circnlns inprobando 154#93. Probatioplus cminnsprobans 154

II. DOUTRINA GERAL DO MÉTODO 155

# 94. Maneira c método 157

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# 95. A forma da ciência - O método 157# 96. Doutrina do método -

Seu objeto c sua finalidade 157# 97. Meios de promover

a perfeição lógica do conhecimento 157# 98. Condições da distinção do conhecimento . . . . 158

I. PROMOÇÃO DA PERFEIÇÃO LÓGICADO CONHECIMENTO PELA DEFINIÇÃO,EXPOSIÇÃO E DESCRIÇÃODOS CONCEITOS 158

#99. A definição 158# 100. Definição analítica e definição sintética 158# 101. Conceitos dados e conceitos factícios

a príorí c a posteriori 159# 76*2. Definições sintéticas

por exposição ou por construção 159# 103. Impossibilidade de definições

empiricamente sintéticas 159# 104. Definições analíticas por desmembramento de

conceitos dados a priori ou a posteriori 160#105. Exposições e descrições 160#106. Definições nominais e definições reais 161# 107. Os principais requisitos da definição 162#108. Regras para o exame das definições 162#109. Regras para a elaboração das definições 162

II. PROMOÇÃO DA PERFEIÇÃO LÓGICADO CONHECIMENTO PELADIVISÃO LÓGICA DOS CONCEITOS . . . . 163

# 110. Conceito da divisão lógica 163#111. Regras gerais da divisão lógica 164#112. Codivisão e subdivisão 164#113. Dicotomia e politomia 164#114. Diferentes divisões do método 165#115. 7. Método científico ou método popular 165# 776. 2. Método sistemático ou método fragmentário . 165#117. 3. Método analítico ou método sintético 166#118. 4. Método silogístico - Método tabelar 166

#779. 5. Método acroamático ou método erotemático 166#220. Meditar 167

ANEXO: NOTÍCIA DO PROE IMMANUEL KANTSOBRE A ORGANIZAÇÃO DESUAS PRELEÇÕES NOSEMESTRE DE INVERNODE 1765-1766 169

Nota sobre a tradução de alguns termos 181

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AV . /PREFACIO

Já faz um ano e meio desde que Kant me confiou o encargode preparar para o prelo sua Lógica, tal como a expusera a seusouvintes em lições públicas, e de entregá-la ao público sob a formade um manual compendioso. Para esse fim, recebi dele o manuscritopessoal de que se servira em suas lições, com a expressão daparticular e honrosa confiança em mim e de que, familiarizado como

A vi estou com os princípios de seu / sistema em geral, eu haveria aquitambém de abordar com facilidade o desenvolvimento de suas ideias,não iria desfigurar nem falsificar seus pensamentos, mas haveria deapresentá-los com a necessária clareza e exatidão e, ao mesmotempo, na ordem conveniente. Mas, visto que, desta maneira, aoassumir o honroso encargo e procurando levá-lo a cabo tão bemquanto podia, em conformidade com o desejo e a expectativa doestimável sábio, mestre e amigo meu reverenciadíssimo, tudo o queconcerne à exposição - à roupagem e ao acabamento, à apresentaçãoe à ordenação dos pensamentos - deve ser em parte posto na minhaconta, incumbe-me também, naturalmente, prestar contas disso aoleitor desta nova obra kantiana. Eis aqui, pois, algumas explicaçõesmais detalhadas sobre este ponto.

Desde o ano de 1765, o senhor professor Kant baseavaA VII sempre o seu curso de Lógica no / tratado de Meier (Georg Friedrich

Meier, Auszug aus der Vernunftlehre [Suma da Doutrina da Razão],Halle: Gebauer, 1752); por razões sobre as quais se explicou numprograma que publicou para anunciar seu curso no ano de 1765/1)O exemplar do referido compêndio, de que se servira em suas lições,

Ak 4 está, como todos os outros livros de / que se servia para esse fim,recheado de papéis; suas observações e comentários gerais, bemcomo os especiais, que se referem inicialmente ao texto docompêndio nos diversos ##, encontram-se em parte nos papéisentremeados, em parte na margem em branco do próprio tratado. E

(1) V. no anexo a "Notícia da Organização de suas Preleções no Semestrede Inverno de 1765-1766" (N.T.).

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são esses apontamentos, que ficaram consignados por escrito aqui eacolá em notas c comentários dispersos, que agora constituem emconjunto o depósito de materiais a que recorria Kant cm suas lições cque ele, de tempos cm tempos, cm parte ampliava com novas ideias,

A VIII / em parte revia c corrigia sem cessar no tocante a diferentes matériasparticulares. Eles contêm, pois, pelo menos o essencial de tudo aquiloque o famoso comentador do tratado de Mcicr costumava comunicarsobre a Lógica a seus ouvintes em lições proferidas num estilo livre,e que havia considerado digno de ser consignado.

No que concerne, agora, à apresentação c ordenação dostemas nesta obra, acreditei levar a cabo da maneira mais acertada asideias e princípios do grande homem atendo-me, em vista daeconomia e divisão do todo em geral, à sua declaração expressa,segundo a qual não se deve acolher no tratamento propriamente ditoda Lógica e nomeadamente em sua Doutrina dos Elementos nadamais do que a teoria das três funções básicas essenciais do

AIX pensamento - a teoria dos / conceitos , a teoria dos juízos e a teoriadas inferências. Por essa razão, tudo aquilo que concerne meramenteao conhecimento cm geral e às suas perfeições lógicas e que, notratado de Mcier, precede a Doutrina dos Conceitos e toma quase ametade do todo deve ser remetido para a Introdução. "Até aquitratou-se", observa Kant, logo no início do oitavo capítulo, onde oautor expõe a Doutrina dos Conceitos, "até aqui tratou-se doconhecimento em geral, como propedêutica da Lógica, segue-seagora a própria Lógica".

Em consequência dessa advertência explícita, transferi tudoo que aparece até o mencionado capítulo para a Introdução, a qualassumiu por essa razão uma dimensão muito maior do que de outromodo costuma assumir nos demais manuais de Lógica. Aconsequência disso foi, então, que a Doutrina do Método, l que c aoutra divisão principal do tratado, acabou saindo tanto mais curtaquanto maior o número das matérias, aliás justificadamcnte situadaspor nossos novos lógicos / no domínio da Doutrina do Método, quejá haviam sido tratadas na Introdução, como por exemplo a doutrinadas provas ctc. Teria sido uma repetição tão desnecessária quantodescabida lazer menção destas matérias aqui em seu lugar correio,apenas para tornar completo o incompleto e pôr tudo em seu devidolugar. Esta úl t ima coisa, porém, eu a fiz no que concerne à doutrinadas Definições c da Divisão Lógica dos Conceitos, que já está situadano compêndio de Meier no oitavo capítulo, a saber, a DoutrinaElementar dos Conceitos; uma ordenação que também Kant deixouinalterada em sua exposição.

A XI / É óbvio, de resto, que o grande reformador da Filosofia e- no que concerne à economia c à forma externa da Lógica - também

AX

AkS

desta parte da Filosofia teórica em particular teria elaborado aLógica cm conformidade com seu projeto arquitetônico, o qual estádelineado cm suas linhas básicas essenciais na Crítica da Razão Pura,se isso lhe houvesse aprazido c se o seu mister de umaf u n d a m e n t a ç ã o c i e n t í f i c a do sistema to ta l da Filosofiapropriamente dita - da Filosofia do que é realmente verdadeiro ecerto - (mister este muito mais importante e mais difícil, que só elecomo primeiro e só ele cm sua originalidade podia levar a cabo) lhehouvesse permitido pensar na elaboração pessoal de uma Lógica.Todavia, ele podia muito bem deixar este trabalho a cargo de outros,que soubessem com discernimento e com juízo imparcial utilizarsuas ideias arquitetônicas para uma elaboração e tratamento

A XII verdadeiramente funcional e bem ordenado dessa ciência. / E essaexpectativa não decepcionou a Kant c os amigos de sua filosofia.Muitos dos recentes tratados de Lógica devem ser vistos, no tocanteà economia e à disposição do todo, como um fruto das ideiaskantianas acerca da Lógica. De que assim se tenha realmenteconquistado essa ciência; de que ela não tenha ficado, é verdade, nemmais rica nem a rigor mais sólida quanto a seu conteúdo ou maisfundamentada em si mesma, mas apenas mais purificada em partede todos os componentes estranhos a ela, em parte de tantassutilezas inúteis e artifícios meramente dialéticos; de que ela setenha tornado mais sistemática e, no entanto, apesar de todo o rigorcientífico do método, ao mesmo tempo mais simples, de tudo issodeve se convencer quem quer que, tendo de resto apenas conceitos

Ak 6 correios / e claros do caráter peculiar e dos limites legais da Lógica,A XIII proceda mesmo à mais ligeira / comparação dos mais antigos com

os mais recentes tratados de Lógica, elaborados segundo princípioskantianos. Pois, por mais que muitos dentre os mais antigos tratadosdesta ciência se destaquem pelo rigor científico no método, pelaclareza, exatidão e precisão nas explicações e pela cogência eevidência nas provas: não há quase nenhum entre eles em que oslimites dos diferentes domínios pertencentes à Lógica em sua maisampla extensão, a saber, os limites do meramente propedêutico, dodogmático, e do técnico, do puro e do empírico, não se confundam enão se entrecruzem de tal maneira que não se pode maisdistingui-los um do outro com exatidão.

É verdade que o sr. Jakob observa no prefácio à primeiraedição de sua Lógica: "Wolff formulou magistralmente a ideia de

A XIV uma Lógica geral e, se houvesse ocorrido a esse grande homem /expor separadamente a Lógica pura, ele teria certamente, graças àsua cabeça sistemática, nos proporcionado uma obra-prima, queteria tornado inúteis todos os trabalhos vindouros deste género."Mas ele não levou a cabo essa ideia e tampouco nenhum dentre os

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seus sucessores a levou a cabo; por maior c mais justificado que seja,de resto, o merecimento que a escola wolfftana granjeou do que épropriamente lógico, a saber, a perfeição formal em nossosconhecimentos filosóficos.

Mas, abstração feita daquilo que, no tocante à formaexterna, ainda podia c devia acontecer para o aperfeiçoamento daLógica pela necessária distinção entre proposições puras emeramente formais e proposições empíricas e reais ou metafísicas,quando se trata da avaliação e determinação do conteúdo intrínseco

A XV dessa ciência enquanto ciência, o juízo de Kant l não deixa dúvidassobre esse ponto. Sobre isso, ele se explicou várias vezes de maneiraprecisa e expressa: que a Lógica deve ser vista como uma ciênciaseparada, subsistindo por si mesma e em si mesma fundada, e que,por conseguinte, desde o seu surgimento e primeiro acabamento,desde Aristóteles até os nossos dias, a Lógica nada pôde conquistarem matéria de fundamentação científica. Segundo essa asserção,pois, Kant não pensou nem em uma fundamentação dos princípioslógicos da identidade e da contradição eles próprios, mediante umprincípio superior, nem em uma dedução das formas lógicas dosjuízos. Ele reconheceu e tratou o princípio da contradição como

Ak 7 uma proposição / que teria sua evidência em si mesma e que nãocareceria de nenhuma derivação de um princípio superior. Ele sórestringiu o uso - a validade - desse princípio, expulsando-o dodomínio da Metafísica, onde o dogmatismo procurava dele se valer,

A XVI e limitou-o ao uso meramente / lógico da razão, como válido tãosomente para esse uso.

Mas, se o princípio lógico da identidade e da contradiçãonão seria realmente em si mesmo e em sentido absoluto capaz ecarente de nenhuma outra dedução, isto é certamente uma outraquestão e que leva a mais uma importantíssima questão: se haveriade todo um princípio absolutamente primeiro do conhecimento e daciência; se semelhante princípio seria possível e poderia serencontrado?

A Doutrina da Ciência crê ter descoberto semelhanteprincípio no Eu puro, absoluto, tendo assim fundamentadoperfeitamente todo o saber filosófico, não apenas segundo a meraforma, mas também segundo o conteúdo. E, pressupondo apossibilidade e a validade apodíctica desse princípio absolutamenteuno e incondicionado, ela procede de maneira também

A XVII perfeitamente / consequente, quando se recusa a aceitar comoincondicionados os princípios lógicos da identidade e dacontradição, as proposições: A = A e -A = -A, apresentando-os, aocontrário, como sendo apenas proposições subalternas que podeme devem ser primeiro provadas e determinadas através dela e de sua

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proposição superior: Eu sou (Grundlegung der Wissenschaftslehre[Fundamentação da Doutrina da Ciência], p. 13 etc.). De maneiraigualmente consequente, também Schelling declara-se em seuSistema do Idealismo Transcendental contra a pressuposição dosprincípios lógicos como incondicionados , isto é, não podendo serderivados de princípios superiores, pois a Lógica só poderia de todosurgir mediante a abstração de determinadas proposições e - namedida em que surge de maneira científica - apenas mediante aabstração dos princípios superiores do saber e, por conseguinte, jápressupõe esses princípios supremos do saber e, com eles, aDoutrina da Ciência ela própria. Mas, visto que, por outro lado,

A XVIII esses princípios supremos do saber, considerados como princípios, /já pressupõem de maneira igualmente necessária a forma lógica,surge exatamente aí aquele círculo que, não se deixando, é verdade,resolver para a ciência, no entanto se deixa explicar peloreconhecimento de um princípio primeiro da Filosofia, primeiro aomesmo tempo quanto à forma e ao conteúdo (formal e material), noqual ambas as coisas, forma e conteúdo, se condicionam e

Ak 8 fundamentam mutuamente. Neste princípio estaria então o / pontono qual o saber subjetivo e o saber objetivo - o saber idêntico e osaber sintético seriam um e o mesmo.

Sob o pressuposto de semelhante dignidade, como semdúvida convém a semelhante princípio, a Lógica teria, pois, assimcomo qualquer outra ciência, que estar subordinada à Doutrina daCiência e a seus princípios.

AXIX Seja como for, pelo menos o seguinte está decidido: em /todo o caso a Lógica permanece, no interior do seu domínio,inalterada quanto ao essencial; e a questão transcendental: se asproposições lógicas ainda são capazes e carentes de uma derivaçãoa partir de um princípio absoluto superior terá tão pouca influênciasobre ela própria e a evidência de suas leis quanto tem sobre aMatemática pura, no tocante a seu conteúdo científico, o problematranscendental: como são possíveis juízos sintéticos a priorí naMatemática? Do mesmo modo que o matemático enquantomatemático, assim também o lógico enquanto lógico poderá, nointerior do domínio de sua ciência, prosseguir com tranquilidade esegurança seu caminho ao explicar e provar, sem ter que se ocuparda questão transcendental, que se situa fora de sua esfera e incumbeao estudioso da Filosofia Transcendental c da Doutrina da Ciência:Como são possíveis a Matemática pura ou a Lógica pura enquantociências?

AXX j Por causa desse reconhecimento universal da correção daLógica Geral, a disputa entre os cépticos e os dogmáticos acerca dosfundamentos últimos do saber filosófico também jamais se travou

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no domínio da Lógica, cujas regras tanto o céptico sensato quantoo dogmático reconheciam como válidas, mas sempre no domínio daMetafísica. E como poderia ser de outro modo? A tarefa supremada Filosofia propriamente dita não concerne de modo algum aosaber subjctivo, mas, sim, ao objctivo - não ao saber idêntico, masao sintético. Aqui, pois, a Lógica fica inteiramente fora de questão;e nem à Crítica nem à Doutrina da Ciôncia pôde ocorrer - nemjamais poderá ocorrer a uma Filosofia que saiba distinguir comexatidão o ponto de vista transcendental do meramente lógico -buscar os fundamentos últimos do saber real, filosófico, no interior

A XXI do domínio da mera Lógica e, de uma proposição / da Lógica,considerada meramente como tal, extrair um objeio real.

Ak9 l Quem avaliou com exatidão e jamais perdeu de vista aimensa diferença entre a Lógica em sentido próprio (a Lógica geral),considerada como uma ciência meramente formal, qual seja aciência do mero pensar enquanto pensar, e a FilosofiaTranscendental, essa ciência racional única, pura e material, ou real,qual seja a ciência do saber em sentido próprio, poderá assim julgarcom facilidade o que se deve pensar da mais nova tentativa,recentemente empreendida pelo sr. Bardili (em seu Compêndio daLógica Primeira) de determinar o prius da própria Lógica, naexpectativa de encontrar via essa investigação: "um objeto real queou bem seja posto por ela (a mera Lógica), ou bem não se possajamais pôr de outro modo; a chave para a essência da Natureza, de

A XXII tal sorte que ou bem esta seja dada por ela, / ou bem jamais sejampossíveis nenhuma Lógica e nenhuma Filosofia". Na verdade, éimpossível entender de que maneira o senhor Bardili poderiadescobrir um objeto real a partir do prius que estabeleceu para aLógica, o princípio da possibilidade absoluta do pensamentosegundo o qual podemos repetir infinitas vezes um, enquanto um eexatamente o mesmo em muitos (não em um múltiplo). Ésseprius daLógica presumidamcnte redescoberto é manifestamente nada maise nada menos do que o antigo princípio há muito reconhecido,situado no interior do domínio da Lógica e colocado no topo dessaciência, a saber, o princípio da identidade: O que penso, penso, e éexatamente e nada mais o que posso pcnsarrepetidamenle ao infinito.Quem há de pensar então, no caso do principio lógico (bemcompreendido) da identidade, em um múltiplo e não em um mero

A XXIII muito que, no entanto, não surge nem pode surgir senão pela / merarepetição de um e exatamente o mesmo pensamento - a meraposição repetida de um A = A = A e assim por diante ao infinito.Por isso, dificilmente poder-se-ia encontrar pela via que o senhorBardili tomou e segundo o método heurístico de que para isso seserviu aquilo que importa à razão filosofante - o ponto inicial e o

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ponto final, do qual possa partir em suas investigações e ao qual possade novo voltar. As principais e mais importantes objeções que osenhor Bardili ergue contra Kant e contra o seu método de filosofarnão poderiam, pois, atingir tanto o lógico Kant, quanto Kant, o

Ak 10 filósofo transcendental e metafísico. Por isso, podemos/aqui deixá-lasde lado a todas em seu devido lugar.

A XXIV / Finalmente, quero fazer aqui ainda a seguinte observação:que, tão logo me permita o ócio, vou preparar e editar da mesmamaneira a Metafísica de Kant, para o que já tenho em mãos omanuscrito. - Kõnigsberg, 20 de setembro de 1800.

Gottlob Benjamin JãscheDoutor c Livre-Docente em Filosofia

na Universidade de Kõnigsberg,Membro da Douta Sociedade

de Frankfurt sobre o Oder.

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Page 13: Lógica - Immanuel Kant

l INTRODUÇÃO

Page 14: Lógica - Immanuel Kant

O CONCEITO DA LÓGICA

Tudo na natureza, tanto no mundo animado quanto nomundo inanimado , acontece segundo regras, muito embora nemsempre conheçamos essas regras. A água cai segundo as leis dagravidade e, entre os animais, a locomoção também ocorre segundoregras. O peixe na água, o pássaro no ar movem-se segundo regras.A natureza inteira em geral nada mais é, na verdade, do que umaconexão de fenómenos segundo regras; e em nenhuma parte háirregularidade alguma. Se pensamos encontrar tal coisa, sópoderemos dizer neste caso o seguinte: que as regras nos sãodesconhecidas.

A 2 /o exercício de nossos poderes também acontece segundocertas regras que seguimos, a princípio, sem consciência delas, atéchegarmos aos poucos ao conhecimento delas mediante diversastentativas e um prolongado uso de nossos poderes, tornando-as porfim tão familiares que muito esforço nos custa pensá-las in abstracto.Assim, por exemplo, a Gramática geral é a forma de uma língua emgeral. Mas também falamos sem conhecer a Gramática; e quem falasem conhecê-la tem realmente uma Gramática e fala segundo regrasdas quais , porém, não está consciente.

Assim como todos os nossos poderes em conjunto, assimtambém em particular o entendimento em suas ações está ligado aregras que podemos investigar. De fato, o entendimento deve serconsiderado como a fonte e a faculdade de pensar regras em geral.Pois, assim como a sensibilidade é a faculdade das intuições, oentendimento é a faculdade de pensar, quer dizer, de submeter aregras as representações dos sentidos. Por isso, o que ele quer é

Ak 12 buscar regras e só se satisfaz quando as/encontra. Pergunta-se, pois,já que o entendimento é a fonte das regras: quais são as regrassegundo as quais ele próprio procede?

Pois não há dúvida: não podemos pensar, ou usar nossoA 3 entendimento,anãosersegundocertasregras.Essasregras,/porém,

podemos mais uma vez pensá-las per se, isto é, podemos

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Page 15: Lógica - Immanuel Kant

pensá-las sem a sua aplicação ou in abstracto. Pois bem, quais sãoestas regras?

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As regras segundo as quais o entendimento procede sãotodas elas ou necessárias ou contingentes. As primeiras são aquelassem as quais nenhum uso do entendimento seria possível; as últimasaquelas sem as quais um certo uso determinado do entendimentonão poderia ter lugar. As regras contingentes, que dependem de umobjeto determinado cio conhecimento, são tão diversas quanto essesobjetos eles próprios. Assim, por exemplo, há um uso doentendimento na Matemática, na Física, na Moral etc. As regrasdesse uso particular e determinado do entendimento nas ciênciasmencionadas são contingentes, porque é contingente que eu penseeste ou aquele objeto a que se refiram estas regras particulares.

Mas, se deixarmos de lado agora todo conhecimento quetemos que derivar dos objetos apenas e se refletirmos unicamentesobre o uso do entendimento em geral, descobriremos então aquelasregras do entendimento que são absolutamente necessárias paratodo fim e abstração feita de todos os objetos particulares dopensamento, porque sem elas não poderíamos pensar de modoalgum. Eis por que essas regras também podem ser discernidas apriori, isto é, independentemente de toda experiência , porque elas /contêm, sem distinção dos objetos, as meras condições do uso doentendimento em geral, quer puro quer empírico. E daí segue-se aomesmo tempo que as regras universais e necessárias do pensamentoem geral só podem concernir à forma, de modo nenhum à matériado mesmo. Por conseguinte, a ciência que contém essas regrasuniversais e necessárias é meramente uma ciência da forma de nossoconhecimento intelectual ou do pensamento. E podemos, portanto,fazer uma ideia da possibilidade de uma tal ciência, exatamentecomo a de uma Gramática geral, que nada mais contém senão a meraforma / da língua, sem as palavras, que pertencem à matériada língua.

Esta ciência das leis necessárias do entendimento e da razãoem geral, ou - o que dá no mesmo - da mera forma do pensamentoem geral, é o que chamamos agora de Lógica.

Enquanto ciência que se refere a todo pensamento emgeral, abstração feita dos objetos enquanto matéria do pensamento,a Lógica:

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1) deve ser considerada como um fundamento para todas asi miras ciências e como a propedêutica de todo uso do entendimento.Mas, exatamente porque se abstrai de todos os objetos inteiramente,ela lambem:

2) não pode ser um órganon das ciências./ Com efeito, por órganon entendemos uma indicação da

maneira de levar a cabo um certo conhecimento. Mas isso implicaque eu já conheça o objeto do conhecimento a ser produzidosegundo essas regras. Por isso, um órganon das ciências não é umamera Lógica, porque ele pressupõe o conhecimento exato dasciências, de seus objetos e de suas fontes. Assim, por exemplo, aMatemática é um excelente órganon enquanto ciência contendo abase para a extensão de nosso conhecimento relativamente a umcerto uso da razão. A Lógica, ao contrário, não podendo, enquantopropedêutica geral de todo uso do entendimento e da razão em geral,adentrar as ciências e antecipar a matéria destas, é tão-somente umaarte geral da razão (canónica Epicuri) destinada a tornar osconhecimentos em geral conformes à forma do entendimento e sónesta medida, pois, deve se chamar um órganon, servindo, porém, éverdade, não para a extensão, mas apenas para a avaliação eretificação de nosso conhecimento.

3) Mas, enquan to ciência das leis necessárias dopensamento, sem as quais não tem lugar uso algum do entendimentoe da razão e que são, pois, as condições sob as quais apenas oentendimento pode e deve concordar consigo mesmo - as leis econdições necessárias de seu uso correio -, a Lógica é um cânon. / E,enquanto cânon do entendimento e da razão, não deve tampouco,por isso mesmo, tomar princípio algum seja a uma ciência, seja auma experiência qualquer: ela só pode conter leis a priori, / que sejamnecessárias e concirnam ao entendimento em geral.

É verdade que alguns lógicos pressupõem na Lógicaprincípios psicológicos. Mas introduzir semelhantes princípios naLógica é tão disparatado quanto derivar da vida a moral. Setomássemos os princípios à Psicologia, quer dizer, às observaçõessobre o nosso entendimento, veríamos tão-somente como opensamento transcorre e como ele é sob os diversos obstáculos econdições subjetivos; isso levaria, por conseguinte, aoconhecimento de leis meramente contingentes. Na Lógica, porém,não se trata de leis contingentes, mas de leis necessárias; não damaneira como pensamos, mas, sim, como devemos pensar. Por isso,as leis da Lógica não devem ser tomadas ao uso contingente, mas aouso necessário do entendimento que a gente encontra em si mesmasem qualquer Psicologia. Na Lógica não queremos saber: como é epensa o entendimento e como tem procedido até agora ao pensar,

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mas, sim, como devia proceder ao pensar. Ela deve nos ensinar o usocorreio, quer dizer, o uso concordante, do entendimento.

A 7 / D a explicação que demos da Lógica e possível derivartambém, agora, as demais propriedades essenciais desta ciência, asaber:

4) que ela seja uma ciência racional, não segundo a meraforma, 'mas segundo a matéria,^ visto que suas regras não são tiradasda experiência e visto que ela tem ao mesmo tempo por objeto arazão. Por isso, a Lógica 6 um autoconhecimento do entendimentoc da razão, mas não segundo o poder destes mesmos relativamenteaos objetos, mas unicamente segundo a forma. Não perguntarei naLógica: o que c que o entendimento conhece e quanto ele consegueconhecer ou até onde vai o seu conhecimento? Pois tratar-se-ia entãode um autoconhecimento relativamente ao seu uso material, logo deum conhecimento que é da alçada da Metafísica. Na Lógica trata-seapenas da questão: como é que o conhecimento há de se conhecer a simesmo?

Enfim, enquanto ciência racional segundo a matéria c aforma, a Lógica é também:

5) uma doutrina ou uma teoria demonstrada. Pois, como seocupa, não do uso comum e, enquanto tal, meramente empírico do

Ak 15 entendimento e / da razão, mas unicamente das leis universais enecessárias do pensamento em geral, então ela se baseia emprincípios apriorí, a partir dos quais todas as suas regras podem serderivadas e provadas como regras às quais todo conhecimento darazão deveria ser conforme.

A 8 j Devendo ser considerada como uma ciência a priori, oucomo uma doutrina para um cânon do uso do entendimento e darazão, a Lógica distingue-se essencialmente da Estética que,enquanto mera crítica do gosto, não tem cânon (lei), mas apenasuma norma (um modelo ou prumo para a simples avaliação), queconsiste no assentimento universal. Pois a Estética contém as regrasda concordância do entendimento com as leis da sensibilidade; aLógica, ao contrário, contém as regras da concordância do

(2) A edição da Academia conjectura: "não segundo a matéria, massegundo a mera forma". - A frase de Kant pode, porém, ser tomada nosentido literal: uma vez que seu objeto são as leis da própria razão,pode-se entender por que Kant afirma que a Lógica é uma ciênciaracional também segundo a matéria (N.T.).

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conhecimento com as leis do entendimento e da razão. Aquela sóU1 m princípios empíricos e, portanto, jamais pode ser uma ciênciaou uma doutr ina, desde que se entenda por doutrina umensinamento dogmático a partir de princípios apriorí, onde tudo sediscerne pelo entendimento sem outras lições a receber daexperiência e que nos dá regras cuja obediência proporciona aperfeição desejada.

Muitos, em especial os oradores e os poetas, tentaramarrazoar sobre o gosto, mas eles jamais conseguiram proferir umjuízo decisivo sobre esse assunto. O filósofo Baumgarten deFrankfurt havia projetado o plano para uma Estética como ciência.Hume, porém, chamou mais corretamente a Estética de crítica, jáque ela não dá regras a priori que determinem suficientemente ojuízo, como a Lógica, mas toma a posteriori suas regras e / só pelacomparação torna mais gerais as leis empíricas segundo as quaisconhecemos o mais imperfeito e o mais perfeito (o belo).

Portanto, a Lógica é mais do que uma mera crítica; éum cânon que serve posteriormente para a crítica, quer dizer,como princípio da avaliação de todo o uso do entendimento emgeral, se bem que apenas de sua correção com respeito à mera forma,visto que não é nenhum órganon, assim como tampouco o é aGramática geral.

Por outro lado, enquanto propedêutica de todo uso doentendimento em geral, a Lógica geral distingue-se também, aomesmo tempo, da Lógica transcendental, na qual o objeto mesmo érepresentado como um objeto do mero entendimento; ao passo quea Lógica geral se volta para todos os objetos em geral.

/ Se resumirmos agora todas as características essenciaispertencentes à determinação detalhada do conceito da Lógica,teremos que propor dela o seguinte conceito.

A Lógica é uma ciência, não segundo a mera forma, massegundo a matéria;^ uma ciência a priori das leis necessárias dopensamento, mas não relativamente a objetos particulares, porém atodos os objetos em geral; por / tanto uma ciência do uso carreto doentendimento e da razão em geral, mas não subjetivamente, quer dizer,não segundo princípios empíricos (psicológicos), sobre a maneiracomo pensa o entendimento, mas, sim, objetivamente, isto é, segundoprincípios a priori de como ele deve pensar.

(3) Como na p. 32, aqui também a edição da Academia conjectura: "nãosegundo a matéria, mas segundo a mera forma". Cf. a nota à p. 32.(N. T.).

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II

PRINCIPAIS DIVISÕES DA LÓGICA -EXPOSIÇÃO - UTILIDADE DESTA CIÊNCIA -

ESBOÇO DE UMA HISTÓRIA DA LÓGICA

A Lógica divide-se:1) nu Analítica e na Dialélica.

]A Analítica descobre por desmembramento todos os aiosda razão que cfetuamos no pensamento em geral. Ela é, pois, umaanalítica da forma do entendimento e da razão e chama-se com razãoa Lógica da verdade, porque contém as regras necessárias de todaverdade ( f o r m a l ) ^ sem as q u a i s nosso c o n h e c i m e n t o ,independentemente dos objetos, também é invcrdadciro em simesmo. Portanto, ela nada mais é do que urn cânon para adijudicação (da corrcção formal de nosso conhecimento).

Se se quisesse usar essa doutrina puramente teórica e geralcomo uma arte prática, isto é, como um órga / non, então elatornar-se-ia uma Dialélica. Uma Lógica da aparência (ars sophistica,disputatoria) resultando de um simples abuso da Analítica namedida em que se vê artificiosamente produzida, segundo a meraforma lógica, a aparência de um conhecimento verdadeiro, cujasnotas características, no entanto, devem derivar da concordânciacom os objetos, logo do conteúdo.

Em tempos passados, a Dialética foi estudada com grandeaplicação. Essa arte expunha princípios falsos sob a aparência daverdade e procurava, em conformidade com eles, asserir coisassegundo a aparência. Entre os gregos, os dialéticos eram osadvogados e oradores, que / conseguiam levar o povo para ondequisessem, porque o povo se deixa enganar pela aparência. ADialética era, pois, então a arte da aparência. Na Lógica, ela tambémfoi exposta por algum tempo sob o nome de a Arte de Disputar c,durante todo esse tempo, toda a Lógica c Filosofia foramcultivadas por certos espíritos tagarelas, com o fim de produzirartificiosamente toda sorte de aparência. Mas nada pode sertão indigno de um filósofo quanto o cultivo de semelhante arte.

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l'oi Isso, cia tem que ser abandonada por inteiro nesse sentido c emseu Ilibar é preciso, ao contrário, introduzir uma crítica dessaaparência.

leríamos assim duas partes da Lógica: a Analítica, queA iy exporia os critérios formais da /verdade; e a Dialélica, que conteria

«s notas características e as regras pelas quais poderíamosreconhecer que algo não concorda com os critérios formais daverdade, muito embora pareça concordar com eles. Nesse sentido, aDialética teria, pois, sua utilidade enquanto um kathártikon doentendimento.

Além disso, costuma-se dividir a Lógica:2) na Lógica natural ou popular e na Lógica artificial ou

científica (Lógica naturalis, Lógica scholaslica, sive artiflcialis). Masessa divisão é inadmissível. Pois a Lógica natural ou a Lógica darazão comum (sensus communis) não é propriamente uma lógica,mas uma ciência antropológica que só tem princípios empíricos, namedida cm que trata das regras do uso natural do entendimento eda razão, que só são conhecidas in concreto, logo sem consciênciadas mesmas in abstracto. Por isso, apenas a Lógica artificial oucientífica merece esse nome, enquanto ciência das regras necessáriase universais do pensamento, que podem e devem ser conhecidas apriori, independentemente do uso natural do entendimento c darazão in concreto, muito embora só possam vir a ser encontradas pelaprimeira vez pela observação desse uso natural.

/ 3) Uma outra divisão da Lógica é ainda a sua divisão naLógica teórica e na Lógica prática. Só que também essa divisão éincorreta.

A Lógica geral, que, enquanto mero cânon, abstrai de todosos objetos, não pode ter nenhuma parte prática. Isso seria umacontradictio in adjecto, porque uma Lógica prática pressupõe o

Ak 18 conhecimento de um certa espécie de objetos aos quais é aplicada. /Por isso, podemos chamar toda ciência de uma Lógica prática; poiscm cada uma delas devemos ter uma forma de pensamento. Por isso,a Lógica geral, considerada como prática, não pode ser outra coisasenão uma técnica da sapiência em geral; - um órganon do métododa escola.

De acordo com essa divisão, a Lógica teria, pois, uma parledogmática e uma parte técnica. À primeira poder-se-ia chamarDoutrina Elementar, à outra Doutrina do Método. A parte prática outécnica da Lógica seria uma arte lógica em vista da ordenação, bemcomo das expressões técnicas e distinções lógicas, a fim de facilitarpor meio delas a ação do entendimento.

Em ambas as partes, porém, na técnica tanto quanto nadogmática, não se daria a menor atenção quer aos objetos quer ao

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sujeito do pensamento. Sob esse último aspecto, a Lógica poderiaser dividida:

/ na Lógica pura c na Lógica aplicada.Na Lógica pura, separamos o enlendimcnto dos demais

poderes da mente c consideramos o que ele Ia/ por si só. A Lógicaaplicada considera o entendimento cm sua combinação com osoutros poderes da mente a inlluir cm suas ações e que a elasimprimem uma dircção torta, de tal sorte que ele deixa de procedersegundo as leis que, no entanto, percebe que são as correias. ALógica aplicada não devia a rigor chamar-se Lógica. Trata-se de uma >Psicologia na qual consideramos a maneira pela qual as coisascostumam se passar com o nosso pensamento, c não como devem sepassar. Afinal de contas, ela diz, c verdade, o que se deve fazer parafazer um uso correio do entendimenlo às voltas com os váriosentraves e limitações subjelivos; dela lambem podemos aprender oque favorece o uso correio do cnlendimenlo, os meios a que poderecorrer ou os remédios para as falias e erros lógicos. Maspropedêulica é o que cia não é. Pois a Psicologia, da qual ludo lemque ser lomado na Lógica aplicada, c uma parte das ciênciasfilosóficas das quais a Lógica deve consliluir a propedêutica.

É verdade que se diz: a lécnica, ou a maneira, de construiruma ciência deve ser exposta na Lógica aplicada. Mas isso é ociosoe mesmo prejudicial. Pois enlão se começa a / conslruir antes de seterem os materiais e, se c cerlo que se dá a forma, falta no entantoo conteúdo. A técnica tem que ser exposla em cada ciência.

Finalmenle, no que concerne:/5) à divisão da Lógica do uso comum e à do uso especulativo

do enlenditnenlo, observamos aqui que esta ciência não podeabsolulamente ser assim dividida.

Ela não pode ser uma ciência do entendimento especulativo.Pois, enquanto Lógica do conhecimento especulativo ou do usoespeculativo da razão, ela seria um órganon de outras ciências e nãouma mera propedêutica devendo se ocupar de todo uso possível doentendimento e da razão.

Tampouco pode ser a Lógica um produto do enlendimenlocomum/4) Pois o enlendimenlo comurrj é a faculdade de discernirin concreto as regras do conhecimenlo. A Lógica, porém, deve seruma ciência das regras do pensamento in abstracto. <

(4) Gemeiner Verstand, lit.: "entendimento comum" 6 o lermo quecorresponde cm alemão ao nosso "senso comum", (assim comogesunder Verstand. lit.: "entendimento são" corresponde a "bomsenso"). Aqui, porém, impunha-se a tradução literal (N. T.).

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1'ode-se, no entanlo, tomar o entendimento humano em^i' i i i l como objclo da Lógica; c, nesta medida, ela fará abstração das1'i'Hriis pa r l i cu la res da razão especulaliva e, por conseguinle,dlslinguir-se-á da Lógica do entendimento especulativo

A 1fí l No que concerne à apresentação da Lógica: esla pode serou escolástica oupopular.

A apresenlação é escolástica na medida em que é adequadaao desejo de saber, às aptidões e à cultura daqueles que queremtratar o conhecimenlo das regras lógicas como uma ciência. Popular,porém, quando a apresenlação se nivela às aplidões c necessidadesdaqueles que não esludam a Lógica como ciência, mas queremapenas usá-la para esclarecer o seu enlendimenlo. Na apresenlaçãoescolástica, as regras têm que ser apresenladas em sua universalidadeou in abstracto, na apresenlação popular, ao conlrário, emparticularou in concreto. A apresenlação escoláslica é o fundamento daapresenlação popular; pois só conseguiria apresenlar alguma coisade maneira popular quem fosse igualmenle capaz de apresenlá-laa fundo.

De resto, dislinguimos aqui a apresenlação do método. Pormétodo, com efeito, devemos enlender a maneira pela qual há de seconhecer complelamenle um ccrlo objelo, ao conhecimento do qualele deve ser aplicado. Ele deve ser tomado à nalureza da própriaciência e, sendo assim uma ordem determinada e necessária dopensamento, não pode ser modificadq. Apresentação significa

Ak 20 apenas a maneira / de comunicar aos oulros os seus pensamentos, afim de tornar compreensível uma doulrina.

A 17 / A parlir do que ale aqui dissemos sobre a essência e afinalidade da Lógica, 6 possível avaliar agora o valor dessa ciência ea ulilidadc de seu esludo de acordo com um padrão correio edeterminado.

É verdade, pois, que a Lógica não é uma arle universalda invenção, nem um órganon da verdade; ela não é umaálgebra com o auxílio da qual seria possível descobrir verdadesescondidas.

Nem por isso ela deixa de ser úlil e indispensável enquantocrítica do conhecimento; ou seja para a avaliação da razão comumbem como da especulaliva, não com o objelivo de inslruí-la, mas,sim, a fim de lorná-la correia e concordanle consigo mesma. Pois o

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princípio lógico da verdade 6 o acordo do entendimento com suaspróprias leis universais.

F ina lmente , no que concerne a h is tór ia da Lógica,queremos mencionar apenas o seguinte:

A Lógica aluai deriva da Analítica de Arístóieles. Estefilósofo pode ser considerado como o pai da LógicaJ Ele a expôscomo um órganon e dividiu-a numa Analítica c numa Dia/ética. Suam a n e i r a de e n s i n a r é m u i t o escolástica c apl ica-se aodesenvolvimento dos conceitos mais gerais cm que a Lógica sebaseia, do que, porém, / nenhum proveito se extrai, porque quasetudo redunda em meras subtilezas, salvo o fato de que daí se tiraramas denominações de diversos atos do entendimento.

De resto, a Lógica não ganhou muito em conteúdo desde ostempos dcAristóteles, c isso é uma coisa de que ela é por naturezaincapaz . Mas ela pode, ce r tamente , ganha r em exatidão,determinidade e distinção. Poucas ciências há capazes de atingir umasituação estável, onde não sofram mais alterações. Entre essascontam-se a Lógica c a Metafísica. Aristóteles não deixou de ladonenhum aspecto do entendimento; nisto somos apenas mais exatos,metódicos e ordenados.

/ Do Órganon de Lambert acreditava-se que iria aumentarem muito a Lógica. Mas ele nada mais contém do que divisões maissubtis que, como todas as subtilezas correias, certamente queaguçam o entendimento, mas não têm nenhuma utilidade essencial.

Entre os filósofos modernos há dois que deram um impulsoà Lógica geral, Leibniz c Wolff.

A Lógica geral de Wolff é a melhor que se tem. Algunsvincularam-na à aristotélica, como, por exemplo, Reusch.

j Baumgarten, um homem que nisso tem muitos méritos,resumiu a Lógica wolffiana e Meier, por sua vez, fez um comentáriode Baumgarten.

Entre os lógicos modernos conta-se também Cnisius, quenão refletiu, porém, sobre o estatuto da Lógica. Com efeito, a suaLógica contém princípios metafísicos e transgride, pois, nestamedida, os limites desta ciência; além disso, ela estabelece umcritério de verdade que não pode ser um critério c, assim, deixa cursolivre a todas as divagações.

Em nossos dias, nenhum lógico grangeou fama, mastambém não precisamos de invenções novas para a Lógica, porqueesta contém tão somente a forma do pensamento.

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III

CONCEITO DE FILOSOFIA EM GERAL-A FILOSOFIA CONSIDERADA SEGUNDOO CONCEITO DA ESCOLA E SEGUNDO

O CONCEITO DO MUNDO - REQUISITOS EFINALIDADES ESSENCIAIS DO FILOSOFAR-

OS 1'ROBLEMAS MAIS GERAIS EMAIS ELEVADOS DESTA CIÊNCIA

Às vezes, é difícil explicar o que se entende por uma ciência.Mas a ciência ganha em precisão pela fixação / de seu conceitodeterminado c assim se evitam muitos erros que se devem a certosmotivos, que não deixarão de se i n s inua r enquanto nãoconseguirmos dist inguir a ciência cm questão das ciênciasaparentadas com ela.

/ Antes, porem, de tentar dar uma definição da Filosofia,temos que investigar primeiro o caráter dos diversos conhecimentoseles próprios e, visto que os conhecimentos filosóficos fazem partedos conhecimentos racionais, é preciso explicar em particular o quese deve entender por estes últimos.

Os conhecimentos racionais opõem-se aos conhecimentoshistóricos. Aqueles são conhecimentos a partir de princípios (exprincipiis); estes, conhecimentos a partir de dados (ex datis). Umconhecimento, porém, pode provir da razão e, não obstante, serhistórico; assim, por exemplo, quando um simples letrado aprendeos produtos de uma razão alheia: seu conhecimento de semelhantesprodutos da razão é meramente histórico.

Com efeito, é possível distinguir os conhecimentos:1) segundo a sua origem objetiva, isto é, segundo as fontes

a partir das quais apenas um conhecimento é possível. Nesserespeito, todos os conhecimentos são racionais ou empíricos;

2) segundo a sua origem subjeliva, isto é, segundo a maneirapela qual um conhecimento pode ser adquirido pelas pessoas.Considerados deste último ponto de vista, / os conhecimentos sãoou racionais ou históricos, não importa como possam ter surgido.

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Por conseguinte, pode haver algo que objetivamente é umconhecimento racional e que, no entanto, subjetivamente 6 históricoapenas.

No caso de certos conhecimentos racionais, é prejudicialsabê-los de um modo meramente histórico; no caso de outros, aocontrário, isso é indiferente. Assim, por exemplo, o navegante sabeas regras da navegação historicamente a partir de suas tabelas; e istobasta-lhe. Mas, se o jurista possui a jurisprudência de maneirapuramente histórica, então ele não tem a menor aptidão para setornar um genuíno juiz e, com maior razão, um legislador.

A distinção indicada entre conhecimentos racionaisobjetivos e subjetivos deixa claro também que, em certo sentido, épossível aprender a Filosofia sem ser capaz de filosofar. Portanto,quem quiser vir a ser um autêntico filósofo tem que se exercitar emfazer de sua razão um uso livre c não um uso meramente imitativoe, por assim dizer, mecânico.

Qua l i f i camos os conhecimentos racionais comoconhecimentos a partir de princípios; e daí se segue que eles têm que

Ak 23 ser apriorí. Mas há / duas espécies de conhecimentos que são ambosA 22 a príorí, muito embora / tenham diferenças consideráveis, a saber, a

Matemática e a Filosofia.Costuma-se afirmar que a Matemática e a Filosofia seriam

diferentes uma da outra quanto ao objeto, na medida em que aprimeira tratarja da quantidade e a última da qualidade. Tudo issoestá errado. A diferença dessas ciências não pode se basear noobjeto; pois a Filosofia estende-se a tudo, por conseguinte, aosquanta igualmente, e em parte também a Matemática, na medida emque tudo tem uma quantidade. É tão-somente a espécie diferente doconhecimento racional ou do uso da razão na Matemática e naFilosofia que constitui a diferença específica entre essas duasciências. Com efeito, a Filosofia é o conhecimento racional a partirde meros conceitos; a Matemática, ao contrário, o conhecimentoracional a partir da construção dos conceitos.

Construímos conceitos quando os exibimos na intuição apríorí sem recorrer à experiência, ou, quando exibimos o objeto naintuição que corresponde ao nosso conceito do mesmo. Omatemático não pode jamais se valer de sua razão segundo merosconceitos, o filósofo jamais pode se valer dela mediante a construçãodos conceitos. Na Matemática, usamos a razão in concreto, aintuição, porém, não é empírica, mas, sim, nós nos fazemos algo apríorí como objeto da intuição.

A 23 l Vemos, pois, que aqui a Matemática tem uma vantagemsobre a Filosofia, pelo fato de que os conhecimentos da primeira sãointuitivos, ao passo que os conhecimentos da última são apenasdiscursivos. Mas a razão por que na Matemática consideramos maisas quantidades reside na circunstância de que as quantidades podemser construídas apriorí na intuição, ao passo que as qualidades nãose deixam exibir na intuição.

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A Filosofia é, pois, o sistema dos conhecimentos filosóficosou dos conhecimentos racionais a partir de conceitos. Eis aí oconceito escolástico dessa ciência. Segundo o conceito do mundo,ela é a ciência dos fins últimos da razão humana. Este conceito altivo

Ak24 confere dignidade, isto é, um valor absoluto, à Filosofia. E, /realmente, ela também é o único conhecimento que só tem valorintrínseco e aquilo que vem primeiro conferir valor a todos osdemais conhecimentos.

A gente termina sempre por perguntar: para que serve ofilosofar e o fim último do mesmo -a própria Filosofia consideradacomo ciência segundo o conceito da escola?

Nesse significado escolástico da palavra, a Filosofia visaapenas a habilidade; relativamente ao conceito do mundo, aocontrário, ela visa a utilidade. Do primeiro ponto de vista ela é, pois,

A 24 uma doutrina da habilidade; do último, uma doutrina / da sabedoria:- a legisladora da razão, e nesta medida o filósofo não é um artistada razão, mas um legislador.

O artista da razão, ou como o chama Sócrates, ofilódoxo,aspira tão-somente a um saber especulativo, sem considerar oquanto o saber contribui para o fim último da razão humana; ele dáregras para o uso da razão em vista de toda e qualquer espécie defins. O filósofo prático, o mestre da sabedoria pela doutrina e peloexemplo, é o filósofo propriamente dito. Pois a Filosofia é a ideia deuma sabedoria perfeita que nos mostra os fins últimos da razãohumana.

À Filosofia segundo o conceito da escola pertencem duascoisas:

Primeiro, uma provisão suficiente de conhecimentosracionais; - segundo, uma conexão s is temát ica dessesconhecimentos, ou uma ligação dos mesmos na ideia de um todo.

Essa conexão rigorosamente sistemática, a Filosofia nãosomente a permite, mas ela é mesmo a única ciência a ter no maispróprio sentido uma conexão sistemática e a dar a todas as demaisciências uma unidade sistemática.

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Mas, no que concerne à Filosofia segundo o conceito doA 25 mundo (in sensu cósmico), também se pode chamar-lhe uma l ciência

da máxima suprema do uso de nossa razão, na medida cm quese entende por máxima o princípio interno da escolha entrediversos fins.

Pois a Filosofia no últ imo sentido é, de fato, a ciência darelação de todo conhecimento c de todo uso da raxão com o fimúltimo da rax.ão humana, ao qual, enquanto fim supremo, todos osoutros fins estão subordinados, c no qual estes têm que se reunir demodo a constituir uma unidade.

Ak 25 / O domínio da Filosofia neste sentido cosmopolita deixa-sereduzir às seguintes questões:

1)0 que posso saber?2) O que devo fazer?3) O que me é lícito esperar?4) O que é o homem?À primeira questão responde a Metafísica; à segunda, a

Morai, à terceira, a Religião; c à quarta, a Antropologia. Mas, nofundo, poderíamos atr ibuir todas essas à Antropologia, porque astrês primeiras questões remetem à última.

O filósofo tem, por conseguinte, que poder determinar:1) as fontes do saber humano,2) a extensão do uso possível e úti l de todo saber, e

finalmente:3) os limites da razão.

A 26 / A última coisa é a mais necessária, mas também a maisdifícil, embora com cia não se preocupe o filódoxo.

A um filósofo incumbem sobretudo duas coisas: 1) a culturado talento e da habilidade, para empregá-los em vista de toda espéciede fins. 2) A destreza no emprego de todos os fins para quaisquerf ins . As duas coisas têm que estar r eun idas ; pois, semconhecimentos, jamais alguém há de se tornar filósofo, mas jamaistampouco os conhecimentos hão de fazer o filósofo, enquanto a issonão vier se juntar de modo a constituir uma unidade uma ligaçãofuncional de todos os conhecimentos c habil idades e umdiscernimento da concordância dos mesmos com os fins maiselevados da razão humana.

Ninguém que não possa filosofar pode-se chamar defilósofo. Mas filosofar é algo que só se pode aprender pelo exercícioe o uso próprio da razão.

Como é que se poderia, a rigor, aprender a Filosofia? Todopensador filosófico constrói, por assim dizer, sua obra própria sobreos destroços de uma obra alheia; mas jamais se erigiu uma que tenhasido estável em todas as suas parles. Não se pode aprender Filosofia

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já pela simples razão que ela ainda não está dada. E mesmo naA V f suposição de que realmente existisse uma, l n inguém que a

aprendesse poderia se dizer filósofo; pois o conhecimento que teriadela seria sempre um conhecimento \ao-somcniehistorico-subjetivo.

Ak26 / Na Matemática as coisas se passam de outro modo. Emcerta medida, esta ciência pode, de fato, ser aprendida; pois, aqui, asprovas são tão evidentes que qualquer um pode se convencer delas;e, por causa de sua evidência, cia também pode ser, por assim dizer,conservada como uma doutrina certa e estável.

Ao contrário, quem quer aprender a filosofar tem o direitode considerar todos os sistemas da Filosofia tão-somente como umahistória do uso da razão e como objetos do exercício de seu talentofilosófico.

O verdadeiro filósofo, portanto, na qualidade de quempensa por si mesmo, tem que fazer um uso livre e pessoal de suarazão, não um uso servilmente imitativo. Mas tampouco deve fazerum uso dialético, isto é, visando dar aos conhecimentos umaaparência de verdade e sabedoria. Esta é a ocupação do simplessojtsta, mas de todo incompatível com a dignidade do filósofo, namedida em que este conhece e ensina a sabedoria.

Pois a ciência só tem um verdadeiro valor intrínsecoA 28 enquanto instrumento da sabedoria. Nesta qualidade, / porém, ela

lhe é indispensável, de tal sorte que se pode com certeza afirmar: asabedoria sem a ciência é o esboço de uma perfeição que jamaispoderemos alcançar.

Quem odeia a ciência, mas ama tanto mais a sabedoria,chama-se misólogo. A misologia origina-se comumente de umavacuidade dos conhecimentos científicos e de uma certa espécie devaidade ligada a isso. Às vezes, porém, incidem no erro da misologiaaqueles que a princípio estudaram as ciências com muito zelo esucesso, mas acabaram por não encontrar contentamento algum emtodo o seu saber.

A Filosofia é a única ciência que sabe nos proporcionar essasatisfação interna; pois ela fecha, por assim dizer, o círculocientífico, c é só então, graças a ela, que as ciências adquirem ordeme conexão.

Por conseguinte, se quisermos nos exercitar na atividade depensar por si mesmo ou filosofar, teremos que olhar mais para ométodo de nosso uso da razão do que para as proposições mesmas aque chegamos por intermédio dele.

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Page 22: Lógica - Immanuel Kant

A29 ,Ak27 *

l TV

BREVE ESBOÇO DE UMA HISTÓRIA DA FILOSOFIA

A 30

Há alguma dificuldade cm determinar os limites onde cessao uso comum do en tendimento c onde começa o seu usoespeculativo; ou ainda, onde o conhecimento racional se tornaFilosofia.

Nd en t an to , há aqui uma característica dis t int ivarazoavelmente segura, a saber, o seguinte:

O conhecimento do universal in abstracto é umconhecimento especulativo; - o conhecimento do universal inconcreto, um conhecimento comum. O conhecimento filosófico éum conhecimento especulativo da razão c ele começa, pois, quandoo uso comum da razão começa a fazer tentativas no conhecimentodo universal in abstracto.

Com essa determinação da distinção entre o uso comum eo uso especulativo da razão é possível avaliar agora a partir de quepovo é preciso datar o começo da Filosofia. Dentre todos os povos,pois, os gregos foram os primeiros a começar a filosofar. Pois elesforam os primeiros a tentar cultivar os conhecimentos racionais, nãotomando as imagens por fio condutor, mas in abstracto; ao invésdisso, era sempre in concreto, através de imagens, que os outros povosprocuravam tornar compreensíveis os conceitos. Assim, ainda hápovos hoje em dia, como os chineses / e alguns indianos, que tratam,é verdade, de coisas que são derivadas meramente da razão, comoDeus, a imortalidade da alma e outras que tais, mas que nãoprocuram, no entanto, investigar a natureza desses objetos inabstracto segundo conceitos e regras. Eles não fazem aqui nenhumaseparação entre o uso da razão in concreto e o uso da razão inabstracto. Entre os persas e os árabes encontra-se, é verdade, algumuso especulativo da razão; só que as regras para isso, eles as tomaramemprestadas a Aristóteles, logo aos gregos. No Zendavesta deZoroastro não se descobre o menor vestígio da Filosofia. O mesmovale também da tão louvada sabedoria egípcia, que, em comparaçãocom a Filosofia grega, não passou de um jogo de crianças.

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Assim como na Filosofia, assim também no que respeita àMatemática, os gregos foram os primeiros a cultivar essa parte doconhecimento racional segundo um método especulativo, científico,na medida cm que demonstraram cada teorema a 'part i r deelementos.

Ak 2B j Mas quando e onde primeiro surgiu entre os gregos oespírito filosófico, eis aí uma coisa que não se pode a rigor precisar.

O primeiro a introduzir o uso da razão especulativa e dequem derivamos também os primeiros passos do entendimento

A 31 humano em direção à /cultura filosófica foi Tales, o fundador da seitajónica. Ele tinha o cognome Físico, muito embora também fossematemático; assim como, de modo geral, a Matemática sempreprecedeu a Filosofia.

De resto, os primeiros filósofos vestiam tudo em imagens.Pois a poesia, que nada mais é senão uma vestimenta dospensamentos cm imagens, c mais antiga do que aprosa. Eis por queera preciso, no início, valer-se da linguagem das imagens e do estilopoético até mesmo em coisas que são apenas objetos da razão pura.Ferécides deve ter sido o primeiro prosador.

Aosjônios seguiram-se os eleatas. O princípio da filosofiacleática e de seu fundador Xenófanes era: nos sentidos há ilusão eaparência, só no entendimento está a fonte da verdade.

Entre os filósofos dessa escola, Zeno destacou-se como umhomem de grande entendimento c agudeza e como um subtildialético.

A Dialética significava a princípio a arte do uso puro doentendimento relativamente a conceitos abstratos, separados detoda sensibilidade. Daí os inúmeros louvores entoados a essa arte

A 32 entre os antigos. Posteriormente, quando esses filósofos, que /recusavam totalmente o testemunho dos sentidos, não puderamevitar a queda inevitável em muitas subtilezas ao fazerem essaafirmação, a Dialética degenerou na arte de asserir e contestar todae qualquer proposição. E, assim, ela se tornou um mero exercíciopara os sofistas, que pretendiam arrazoar sobre tudo e se propunhamdar à aparência ares de verdade e fazer branco do preto. Por isso, onome sofista, com o qual outrora se pensava numa pessoa capaz dediscorrer sobre todas as coisas com razão c discernimento, tornou-seagora tão odioso e desprezível, tendo-se introduzido cm seu lugar onomejllósofo.

À época da escola jónica, surgiu na Magna Grécia umhomem de génio singular que também não somente fundou uma

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Ak 29 escola, / mas ao mesmo tempo concebeu c levou a cabo um projetosem igual até então. Esse homem era Pitágoras, nascido em Samos.Ele fundou, com cfeilo, uma sociedade de filósofos unidos em mútuaaliança pela lei do silêncio. Seus ouvintes, ele dividia-os em duasclasses: na classe dos acnsmálicos ('aKovauariKoí), que t inham quese contentar com ouvir, e na dos acroamáticos ÇaKpoauaTiKoí), quepodiam também questionar.

Entre as suas doutrinas, algumas havia que eram exotéricas-A 33 c que ele expunha ao povo inteiro; as demais eram / secretas c

esotéricas, des t inadas exclus ivamente aos membros de suaassociação, alguns dos quais acolhia em sua mais íntima amix.ade,separando-os inteiramente dos demais. Como veículo de suasdoutrinas secretas tomava a Física c a Teologia, por conseguinte, adoutrina do visível e a do invisível. Também tinha diversos símbolos,que presumivelmente nada mais eram do que certos sinais de que ospitagóricos se serviam para se comunicarem entre si.

A finalidade de sua associação parece não ter sido outrasenão a de purificar a religião das ilusões populares, moderar a tiraniae introduzir mais ampla legalidade nos Estados. Essa coligação,porém, que os tiranos vieram a temer, foi destruída pouco antes damorte de Pitágoras e dissolvida essa sociedade filosófica, em partepela execução, em parte pela fuga c banimento da maior parte dosassociados. Os poucos que restaram eram noviços. E, como estes nãosabiam muito das doutrinas próprias de Pitágoras, destas tambémnão se pode dizer nada de certo c preciso. Posteriormente,atribuíram-se a Pitágoras, que aliás também foi um grandematemático, muitas doutrinas que certamente não passam deinvenções.

A34 / A época mais importante da Filosofia grega começa,enfim, com Sócrates. Pois foi ele quem deu ao espírito filosófico e atodas as cabeças especulativas uma direção prática totalmente nova.Dentre todos os homens, ele é praticamente o único cuja condutamais próximo chegou da ideia de um sábio.

Dentre os seus discípulos, o mais célebre é Platão, que seAk30 ocupou mais com as doutrinas práticas de / Sócrates, e, entre os

discípulos de Platão, o mais célebre cArislóteles, que foi, por sua vez,quem mais alto elevou a Filosofia especulativa.

A Platão cAristóteles sucedem os epicuristas c os estóicos,que se tornaram os inimigos mais declarados uns dos outros. Osprimeiros situavam o mais alto bem num coração alegre cchamavam-no volúpia; os segundos encontravam esse bem na

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ylo c na fortaleza da alma, que nos permitiriam prescindir detodas as comodidades da vida.

De resto, os estóicos foram dialéticos na Filosofiaespeculativa; dogmáticos na Filosofia moral; e, em seus princípiospntl Ims, com os quais espalharam as sementes para as mais sublimesal l ludcs que jamais existiram, deram mostras de uma dignidadeextraordinár ia . O fundador da escola estóica foi Zenão de Cítio. Os

A ,'lft mais ilustres / representantes dessa escola entre os filósofos gregossão Cleanto e Crisipo.

A escola cpicureana jamais conseguiu alcançar a fama a quechegara a escola estóica. Não importa, porém, o que se possa dizerdos epicuristas, pelo menos o seguinte é certo: eles deram provas damáxima moderação no prazer c foram os melhores filósofos danatureza entre todos os pensadores da Grécia.

Observemos ainda que as mais ilustres escolas gregastinham nomes particulares. Assim, a escola de Platão chamava-seAcademia; a de Aristótclcs, Liceu; a escola dos estóicos Pórtico(mor)), uma galeria coberta, donde deriva o nome de estóico; a escolade Epicuro, Horti, porque Epicuro ensinava cm jardins.

À Academia de Platão sucederam ainda três outrasAcademias, fundadas por discípulos seus, A primeira foi fundada porEspetisipo, a segunda por Arcesilan c a terceira por Carnéades.

Essas Academias inclinavam-se ao cepticismo. Espeusipo eArcesilan a jus taram ambos seu modo de pensar à sképsis, eCarnéades foi ainda mais longe nisso. Por essa razão, os cépticos,esses subtis filósofos dialéticos, também são chamados deacadémicos. Os académicos seguiram assim o primeiro grande

Ak31 duvidador, Pino, e seus / sucessores. A isso dera ensejo seu própriomestre, Platão, ao expor dialogicamente muitas de suas doutrinas, detal sorte que citava razões pró e contra, sem chegar ele próprio auma decisão, muito embora fosse por outro lado muito dogmático.

A36 / S e in ic iamos com Pirro a época do cepticismo,encontramos uma escola inteira de cépticos, que se distinguiamessencialmente dos dogmáticos em seu modo de pensar c no métodode filosofar, por tomarem por máxima primeira de todo usofilosofantc da razão: suspender o juízo mesmo quando a aparência deverdade é a maior possível; e por estabelecerem o princípio:a Filosofia consiste no equilíbrio do juízo e nos ensina a pôr adescoberto a falsa aparência. Desses cépticos, porém, nada nosrestou senão as duas obras de Sexto Empírico, onde este coligiutodas as dúvidas.

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A 37

Quando a Filosofia passou, cm seguida, dos gregos aosromanos, ela não chegou a se estender; pois os romanos jamaispassaram de discípulos.

Cícero foi um discípulo de Platão na Filosofia especulativa;na moral, um estóico. A seita estóica pertenceram Epícteto,Antonino, o / filósofo, c Sêneca, como os mais ilustres. Não houvenaturalistas entre os romanos, cxceção feita a Plínio, o Moço,^ quedeixou uma História natural.

Por fim, a cultura desapareceu também entre os romanos esobreveio a barbárie, até que os árabes nos séculos VI e VIIcomeçaram a dedicar-se às ciências, trazendo Aristóteles a umreflorescimento. As ciências voltaram então a prosperar noOcidente e, em particular, a reputação de Aristóteles, o qual, porém,era seguido de maneira servil. Nos séculos XI e XII surgiram em cenaos escolásticos, que fizeram comentários de Aristóteles edesenvolveram ao infinito suas subtilezas. Eles não se ocupavamcom outra coisa senão puras abstrações. Esse método escolástico dopseudo-filosofar viu-se posto de lado pela época da Reforma; eentão surgiram na Filosofia os ecléticos, isto é, pensadoresindependentes, que nenhuma escola professavam, mas quebuscavam a verdade e a acolhiam onde a encontrassem.

Mas, seu aperfeiçoamento nos tempos modernos, aFilosofia deve-o em parte ao maior estudo da natureza, em parte àligação da Matemática com a Ciência da Natureza. A ordem que seinstaurou no pensamento graças ao estudo dessas ciências

} difundiu-se também / pelos ramos e pelas partes especiais / daFilosofia propriamente dita. O primeiro e maior estudioso danatureza nos tempos modernos foi Bacon de Vemlamio. Em suasinvestigações, ele seguiu a via da experiência e chamou a atençãopara a importância c a indispensabilidade das observações e dosexperimentos para a descoberta da verdade. De resto, é difícil dizerde onde precisamente provém o aperfeiçoamento da Filosofiaespeculativa. Quem dela granjeou um não pequeno merecimentofoi Descartes, na medida em que contribuiu muito para dar distinçãoao pensamento graças ao critério da verdade que propôs, situando-ona clareza e evidência do conhecimento.

Contudo, entre os maiores e mais merecedores dosreformadores da Filosofia em nossos tempos devemos contart ambém a Leibniz c Locke. O úl t imo procurou analisar oentendimento humano c mostrar que poderes da alma e queoperações pertenciam a este ou aquele conhecimento. Mas ele não

(5) A edição da Academia corrige: Plínio, o Velho (N. T.).

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completou a obra de sua investigação; além disso, seu procedimentoé dogmático, muito embora tenha contribuído para que secomeçasse a estudar melhor e mais a fundo a natureza da alma.

Quanto ao particular método dogmático de filosofarA 39 próprio a Leibniz e a Wolff, este era muito falho. Nele há também /

coisas tão enganosas que é preciso suspender o procedimentointeiro e substituí-lo por outro - o método de filosofar criticamente,que consiste em investigar o procedimento da própria razão, emanalisar todo o poder de conhecimento humano e em examinar atéque ponto podem se estender os limites do mesmo.

Em nossa era, a Filosofia da Natureza está no maisflorescente dos estados, e entre os investigadores da naturezaencontram-se grandes nomes, por exemplo, Newton. Quanto aosfilósofos mais recentes, não é a rigor possível citar nomes destacadose duradouros, porque aqui tudo está, por assim dizer, em fluxo. Oque um constrói, o outro põe por terra.

Na Filosofia moral, não chegamos mais longe do que osantigos. Mas, no que concerne à Metafísica, parece que estamostomados de perplexidade na investigação das verdades metafísicas.Ostenta-se agora uma espécie de indiferentismo em face dessaciência, pois parece ter-se tornado ponto de honra falar comdesprezo das investigações metafísicas, como se não passassem demeras bizantinices. E, no entanto, a Metafísica é a autêntica, averdadeira Filosofia!

Ak33 j Nossa era é a era da crítica e é preciso ver o que, dosA 40 experimentos / críticos de nossa época, há de resultar para a

Metafísica e a Filosofia em particular.

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O CONHECIMENTO EM GERAL-CONHECIMENTO INTUITIVO E CONHECIMENTO

DISCURSIVO; INTUIÇÃO E CONCEITO,E AQUILO QUE OS DISTINGUE EM PARTICULAR -

PERFEIÇÃO LÓGICA E PERFEIÇÃO ESTÉTICADO CONHECIMENTO

Todo o nosso conhecimento envolve uma dupla relação:primeiro, uma relação com o objeto; segundo, uma relação com osujeito. Sob o primeiro aspecto, ele relaciona-se com a representação;sob o segundo, com a consciência, a condição universal de todoconhecimento em geral. (A rigor, a consciência é uma representaçãode que uma outra representação está em mim.)

Em todo conhecimento é preciso distinguir a matéria, istoé, o objeto, e a forma, isto é, o modo como conhecemos o objeto. -Assim, por exemplo, se um selvagem vê à distância uma casa cujouso não conhece, ele tem, é verdade, diante de si na representaçãoo mesmo objeto representado por uma outra pessoa que o conhecede maneira determinada como uma habitação destinada a pessoas.Mas, segundo a forma, esse /conhecimento de um e o mesmo objetoé diverso em ambos. Em um, é uma mera intuição, no outro, intuiçãoe conceito ao mesmo tempo.

A diferença da forma do conhecimento baseia-se numacondição que acompanha todo conhecer - a consciência. Se estouconsciente da representação, então ela é clara, se não estouconsciente dela, obscura.

Visto que a consciência é a condição essencial de toda formalógica dos conhecimentos, a Lógica não pode e não deve se ocuparde nada senão representações claras, mas não de representaçõesobscuras. Na Lógica não vemos como surgem as representações, masunicamente como as mesmas concordam com a forma lógica. Arigor, a Lógica não pode de modo algum t r a t a r das merasrepresentações e de sua possibilidade. Isso, ela deixa ao encargo daMetafísica. Ela própria ocupa-se meramente das regras do

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pensamento em conceitos, juízos e inferências, na qualidade demeios pelos quais tem lugar todo pensamento. Todavia, algo se passaiiiilcs que uma representação / se torne conceito. Isso é o queHimbém mostraremos em seu lugar. Mas não vamos investigar aquestão: como surgem as representações? É verdade que a Lógical rala lambem do conhecer, porque, ao conhecer, o pensamento jáleni lugar. Mas a representação ainda não 6 conhecimento, mas oconhecimento pressupõe sempre a representação. E esta últimalambem não se deixa explicar cabalmente. Pois a gente teria que

A M explicar o que seria uma /representação recorrendo sempre de novoa uma outra representação.

Ilidas as representações claras, às quais só podemos aplicaras regras lógicas, podem agora ser diferenciadas com respeito àdistinção c à indistinção. Se estamos conscientes da representaçãointe i ra , mas não do múlt iplo que está nela contido, então arepresentação é indistinta. Para elucidar a questão, consideremosprimeiro um exemplo na intuição.

Enxergamos à distância uma casa de campo. Se temosconsciência de que o objeto in tu ído é uma casa, devemosnecessariamente ter também uma representação das diferentespartes dessa casa -janelas, portas etc. Pois, se não víssemos as partes,também não veríamos a casa ela própria. Mas não temos consciênciadessa representação do m ú l t i p l o de suas partes, e nossarepresentação do objeto mencionado ele próprio é, por isso, umarepresentação indistinta.

Se quisermos, além disso, um exemplo da indistinção nosconceitos, podemos recorrer para isso ao conceito da beleza. Cadaum tem da beleza um conceito claro. Só que nesse conceito seencontram diversas notas características; entre outras, que o belodeve ser algo que (1) cai sob os sentidos e que (2) agrada

A 43 universalmente. Se não conseguirmos agora, /destrinçar o.múltiplodestas e outras notas características do belo, nosso conceito domesmo ainda será indistinto.

A representação ind is t in ta , os discípulos de Wolffchamam-na de confusa. Só que esta expressão não é adequada,porque o contrário da confusão não é a distinção, mas a ordem. Éverdade que a distinção é um efeito da ordem e a indistinção umefeito da confusão; e que, por conseguinte, todo conhecimentoconfuso é também um conhecimento indistinto. Mas a recíproca nãoé verdadeira: nem todo conhecimento indistinto é um conhecimentoconfuso. Pois os conhecimentos que não contêm nenhumamultiplicidade não comportam a ordem c tampouco a confusão.

Ak 35 j Este é o caso de todas as representações simples, que nuncase tornam distintas; não porque nelas haja confusão, mas porque

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nelas nenhum múltiplo se pode encontrar. Por isso, é precisochamá-las de indistintas, mas não de confusas.

E mesmo nas representações compostas, nas quais épossível dist inguir uma mult ipl ic idade de características, aindistinção resulta frequentemente, não da confusão, mas datenuidade da consciência. Pois algo pode ser distinto segundo aforma; que r dizer , posso ter consciência do m ú l t i p l o narepresentação; mas, segundo a matéria, a distinção pode diminuir

A 44 quando / o grau da consciência se torna menor, embora toda ordemesteja aí. Tal ê o caso das representações abstraias.

A distinção ela própria pode ser dupla:Primeiro, pode-se tratar de uma distinção sensível. Esta

consiste na consciência do múltiplo na intuição. Vejo, por exemplo,a Via Láctea como uma faixa esbranquiçada; os raios de luz de cadauma das estrelas que nela se encontram devem necessariamente terchegado aos meus olhos. Mas a representação deles era apenas clara,e é só pelo telescópio que ela se torna distinta, porque agora enxergocada uma das estrelas contidas nesta faixa leitosa.

Segundo, pode-se tratar de uma distinção intelectual - adistinção em conceitos ou distinção do entendimento. Esta baseia-seno desmembramento do conceito relativamente ao múltiplo queestá contido nele. É assim, por exemplo, que estão contidos noconceito da virtude, enquanto notas características, os seguintesconceitos: 1) o conceito de liberdade, 2) o conceito do apego a regras(o dever), 3) o conceito da superação da força das inclinações, namedida cm que entram em conflito com essas regras. Ora, seresolvemos desta maneira o conceito da virtude em cada um de seuscomponentes, nós no-lo tornamos distinto por meio justamentedessa análise. Mas, tornando-o assim distinto, nada acrescentamos

A 45 a um conceito; nós apenas o explicamos. / Por isso, com a distinção,os conceitos vêem-se aperfeiçoados, não, porém, quanto à matéria,mas quanto à forma.

Se r c f l c t i r m o s sobre os nossos c o n h e c i m e n t o srelativamente às faculdades em que têm origem, as duas faculdades

Ak36 fundamentais c essencialmente diversas da sensibilidade c do /entendimento, toparemos aqui, então, com a distinção entreintuições e conceitos. Pois, considerados sob esse aspecto, todosos conhecimentos são ou bem intuições, ou bem conceitos. Osprimeiros têm sua fonte na sensibilidade - a faculdade dasintuições; os últimos, no entendimento, a faculdade dos conceitos.Tal c a distinção lógica entre o entendimento c a sensibilidade,

secundo u qual esta nada mais proporciona senão intuições, ao passoque aquele não proporciona outra coisa senão conceitos. Essas duasfaculdades fundamentais podem, todavia, ser consideradas sob umoulro aspecto sendo definidas de outra maneira, a saber, asensibilidade como uma faculdade da receptividade, o entendimentocomo uma faculdade da espontaneidade. Só que esse tipo deexplicação não é lógico, mas metafísico. Costuma-se também chamara sensibilidade de faculdade inferior, o entendimento, ao contrário,de faculdade superior; cm razão do fato que a sensibilidade se limitaa dar a matéria para o pensamento, ao passo que o entendimentodispõe dessa matéria e submete-a a regras ou conceitos.

A 4ti / É na distinção aqui indicada entre os conhecimentosininiiivos c os conhecimentos discursivos, ou entre intuições econceitos, que se funda a diferença entre a perfeição estética e aperfeição lógica do conhecimento.

Um conhecimento pode ser perfeito seja segundo as leisda sensibilidade, seja segundo as leis do entendimento; no primeirocaso, ele é esteticamente perfeito, no segundo, logicamente perfeito.A perfeição estética e a perfeição lógica são, pois, de espéciesdiversas: a p r imei ra refere-se à sensibilidade;.a segunda,ao entendimento. A perfeição lógica do conhecimento baseia-seem sua concordância com o objeto; logo, em leis universalmenteválidas e, por conseguinte, deixa-se avaliar segundo normas apriorí.A perfeição estética consiste na concordância do conhecimentocom o sujeito e baseia-sc na sensibilidade particular do ser humano.Por isso, no caso da perfeição estética, não há lugar para leisobjetivas e universalmente válidas, relativamente às quais ela sedeixaria avaliar a priori de uma maneira universalmente válidapara todos os seres pensantes em geral. Na medida, porém, emque também há leis universais da sensibilidade que, muitoembora não tenham validade objctivamente e para todos os serespensantes em geral, têm, contudo, subjetivamente validade parao conjunto da humanidade: é possível também pensar uma

ffif } perfeição estética que contenha o fundamento de um / agradosubjetivamente universal. Tal é a beleza - aquilo que agrada aossentidos na intuição c, exatamente por isso, pode ser o objeto deum agrado universal, porque as leis da intuição são leis universaisda sensibilidade.

É por essa concordância com as leis universais dasensibilidade que se distingue, quanto à espécie, o belo propriamentedito, aitto-subsistente, cuja essência consiste na mera forma, doaprazível, que agrada unicamente na sensação pelo encanto ouemoção e, por essa razão, só pode ser também o fundamento de ummero agrado privado.

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Essa perfeição estética essencial também é aquela que,dentre todas, é compatível com a perfeição lógica e melhor se deixavincular a ela.

Considerada sob esse aspecto, pois, a perfeição estéticarelativamente ao essencialmente belo pode ser vantajosa para aperfeição lógica. De outro ponto de vista, porém, ela também lhe émuito desvantajosa, na medida cm que, no caso da perfeição estética,só olhamos para o extra-essencialmente belo, para o encantador oucomovente, que agrada aos sentidos na mera sensação c não se refereà mera forma, mas à matéria da sensibilidade. / Pois o encanto e aemoção são o que mais podem estragar a perfeição lógica em nossosconhecimentos e juízos.

Sem dúvida, entre a perfeição estética e a perfeição lógicade nosso conhecimento persiste sempre, a rigor, uma espécie deconflito, que não pode ser totalmente superado. O entendimentoquer ser instruído; a sensibilidade, animada; o primeiro desejadiscernir; a segunda, apreender. Se os conhecimentos deveminstruir, eles devem ser, nesta medida mesmo, elaborados a fundo;se eles devem ao mesmo tempo entreter, então também têm que serbelos. Se uma apresentação é bela, mas superficial, ela só podeagradar à sensibilidade, mas não ao entendimento; se ela é, ao invés,elaborada a fundo, mas é árida, sõ pode agradar ao entendimento,mas não à sensibilidade igualmente.

No entanto, visto que a necessidade da natureza humana eo objetivo de vulgarizar o conhecimento exigem que se procure uniras duas perfeições uma à outra, então devemos empenhar-nostambém em conferira perfeição estética àqueles conhecimentos quesão de todo passíveis dela e cm tornar popular pela forma estéticaum conhecimento conforme às regras da escola c logicamenteperfeito. / Esforçando-nos por ligar a perfeição estética à perfeiçãológica em nossos conhecimentos, cumpre, porém, não perder devista as seguintes regras: 1) que a / perfeição lógica seja a base detodas as demais perfeições, não podendo, por isso, ficar atrásem nada de nenhuma outra, nem a ela ser sacrificada; 2) que setenha em vista sobretudo a perfeição estética formal - o acordo deum conhecimento com as leis da intuição -, porque é nistoexatamente que consiste o essencialmente belo, que^i o quemelhor se deixa unir à perfeição lógica; 3) que se deve ser muitocauteloso com o encanto e a emoção, por meio dos quais umconhecimento age sobre a sensação e se vê dotado de interessepara ela, porque através deles a atenção pode ser tão facilmentedesviada do objeto para o sujeito, do que manifestamente há deresultar uma influência muito prejudicial para a perfeição lógicado conhecimento.

Para tornar ainda mais manifestas as diferenças essenciaisque subsistem entre a perfeição lógica c a perfeição estética doconhecimento, e isso não apenas cm geral, mas de muitos pontos devisla particulares, vamos comparar as duas entre si segundo osquatro aspectos principais da quantidade, da qualidade, da relaçãoe da modalidade, que é o que importa na avaliação da perfeição doconhecimento.

Um conhecimento é perfeito: 1) segundo a quantidade, seA !>0 é universal; 2) segundo a qualidade, / se é distinto; 3) segundo a

relação, se é verdadeiro e, finalmente, 4) segundo a modalidade,se é certo.

Considerado, pois, a partir de semelhantes pontos de vista,um conhecimento será logicamente perfeito segundo a quantidade:se tiver universalidade objetiva (universalidade do conceito ou daregra); segundo a qualidade: se tiver distinção objetiva (distinção noconceito); segundo a relação: se tiver verdade objetiva; e, finalmente,segundo a modalidade: se tiver certeza objetiva.

A essas perfeições lógicas correspondem, agora, asseguintes perfeições estéticas relativamente àqueles quatro aspectosprincipais; a saber:

Ak 39 11) a universalidade estética. Esta consiste na aplicabilidadede um conhecimento a um conjunto de objetos servindo deexemplos, nos quais c possível fazer a aplicação dele e mediante oque ele se torna ao mesmo tempo útil para fins de vulgarização.

2) A distinção estética. Esta é a distinção na intuição, onde,por meio de exemplos, um conceito pensado abstratamente se vêapresentado ou elucidado in concreto.

3) A verdade estética. Uma verdade meramente subjetiva,que consiste tão-somcntc na concordância do conhecimento com o

A 51 sujeito e as / leis da aparência dos sentidos e que, por conseguinte,nada mais é senão uma aparência universal.

4) Acerteza estética. Esta baseia-se naquilo que é necessáriosegundo o testemunho dos sentidos, isto é, naquilo que é confirmadopela sensação e pela experiência.

Nas perfeições que acabamos de mencionar, surgem sempredois elementos, que, em sua união harmónica, constituem aperfeição em geral, a saber: a multiplicidade e a unidade. No caso doentendimento, a unidade reside no conceito, no caso dos sentidos,ela reside na intuição.

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A mera multiplicidade sem unidade não consegue nossatisfazer. E é por isso que, dentre todas, a verdade é a principalperfeição, porque ela é o fundamento da unidade, graças à relaçãodo nosso conhecimento com o objeto. Até mesmo no caso daperfeição estética, a verdade permanece sempre a conditio sine quanon, a mais importante condição negativa, sem a qual nada podeagradar universalmente ao gosto. Por isso, ninguém pode nutrir aesperança de progredir nas belas ciências, se não houver tomado porbase de seus conhecimentos a perfeição lógica. É combinando aomáximo a perfeição lógica com a perfeição estética em geral / no querespeita a semelhantes conhecimentos, os quais devem fazer as duascoisas: ao mesmo tempo instruir c entreter, que também se mostramefetivamente o caráter e a arte do génio.

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PERFEIÇÕES LÓGICAS PARTICULARESDO CONHECIMENTO -

A) A PERFEIÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTOSEGUNDO A QUANTIDADE: A GRANDEZA -

GRANDEZA EXTENSIVA E GRANDEZA INTENSIVA-AMPLIDÃO E ELABORAÇÃO A FUNDOOU IMPORTÂNCIA E FECUNDIDADE

DO CONHECIMENTO -DETERMINAÇÃO DO HORIZONTE

DE NOSSOS CONHECIMENTOS

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A grandeza do conhecimento pode ser tomada num duplosentido, seja como grandeza extensiva, seja como uma grandezaintensiva. A primeira relaciona-se com a extensão do conhecimentoe consiste, por conseguinte, na quantidade e multiplicidadedo mesmo; a segunda relaciona-se com o seu conteúdo, que tema ver com a polivalência ou fecundidade e importância lógica deum conhecimento, na medida em que este é considerado comoo fundamento de muitas e grandes consequências (non multased multum).

Ao ampliar os nossos conhecimentos ou ao aperfeiçoá-losquanto à sua grandeza extensiva, / convém fazer uma estimativa damedida em que um conhecimento concorda com os nossos fins eaptidões. Este exame diz respeito à determinação do horizonte denossos conhecimentos, pelo que se deve entender a adequação dagrandeza dos conhecimentos às aptidões e fins do sujeito.

O horizonte pode ser determinado:1) logicamente, segundo a faculdade ou os poderes do

conhecimento relativamente ao interesse do entendimento. Aqui oque temos que avaliar é até que ponto podemos chegar em nossosconhecimentos, até que ponto podemos avançar e em que medidacertos conhecimentos servem, de um ponto de vista lógico, de meios

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para estes ou aqueles conhecimentos mais importantes a título defins nossos;

2) Esteticamente, segundo o gosto, no que diz respeito aointeresse do sentimento. Quem determina esteticamente o seuhorizonte procura organizar a ciência ou, de modo geral, procuraadquirir tão-somcntc aqueles conhecimentos que se deixamcomunicar universalmente e nos quais até mesmo os não-doutosencontrem o que lhes agrade e interesse;

3)praticamente, segundo a utilidade, no que diz respeito aointeresse l da vontade. O horizonte prático, na medida em que édeterminado segundo a influência /que um conhecimento tem sobrea nossa moralidade, è pragmático e da máxima importância.

O horizonte concerne, pois, à avaliação e determinaçãodaquilo que o homem pode saber, daquilo que lhe é lícito saber edaquilo que ele deve saber.

No que concerne agora, cm particular, ao horizontedeterminado teórica ou logicamente - e só dele pode-se trataraqui -, podemos considerá-lo seja do ponto de vista objetivo, seja doponto de vista subjeiivo.

Com respeito aos objetos, o horizonte c ou histórico, ouracional. O primeiro c muito mais extenso do que o segundo; ele émesmo imensamente grande, pois o nosso conhecimento históriconão tem limites. Ao contrário, é possível fixar o horizonte racional;assim, por exemplo, é possível determinar a que espécie de objetoso conhecimento matemático não pode ser estendido. Do mesmomodo, com respeito ao conhecimento racional filosófico, até queponto pode a razão chegar aqui apriori sem qualquer experiência?

Relativamente ao sujeito, o horizonte é ou bem o universale absoluto, ou bem um horizonte ,partictilar e condicionado (umhorizonte privado).

Por um horizonte absoluto e universal deve-se entender acongruência dos limites dos conhecimentos humanos / com oslimites do conjunto da perfeição humana em geral. E aqui, pois, aquestão é a seguinte: o que é que o homem, enquanto homem, podede todo saber?

A determinação do horizonte privado depende de diversascondições empíricas e de diversas considerações especiais, porexemplo, da idade, do sexo, da condição social, do modo de vida ede outras coisas desse género. Cada classe particular de homens tem,por conseguinte, relativamente à particularidade de suas faculdadesde conhecimento, de seus fins e de seus pontos de vista especiais, o

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seu horizonte particular, - cada cabeça, o seu horizonte próprio, cmproporção com a individualidade de suas forças e de seu ponto devista. Finalmente, podemos pensar ainda num horizonte da sã razãoc num horizonte dá ciência, dos quais o último ainda carece deprincípios que permitam determinar o que podemos e o que nãopodemos saber.

Ak42 /O que não podemos saber está além de nosso horizonte; oque não nos é lícito ou não precisamos saber está fora de nossohorizonte. Todavia, este último pode valer apenas relativamente,com respeito a estes ou aqueles fins privados particulares, para oatingimento dos quais certos conhecimentos não apenas nadacontribuem, mas poderiam até mesmo lhes ser um obstáculo. Poisnenhum conhecimento há de ser inútil e imprestável de maneiraabsoluta e para todo fim, muito embora nem sempre possamos

A 56 discernir sua utilidade. Por isso, é / tão desavisada quanto injustaaquela censura que certas cabeças desenxabidas fazem aos grandeshomens que elaboram as ciências com laborioso estudo, aoperguntarem: para que serve isso? Esta questão, não devemossequer levantá-la se quisermos nos ocupar das ciências.Suponhamos que uma ciência só conseguisse dar esclarecimentossobre um objeto possível qualquer; só por isso ela já seria útil obastante. Todo conhecimento logicamente perfeito tem sempre umautilidade possível que, embora ignorada por nós até agora, talvezvenha a ser descoberta pela posteridade. Se, ao cultivar as ciências,jamais tivéssemos olhado para outra coisa senão o ganho material ea utilidade delas, não possuiríamos nem a Aritmética, nem aGeometria. Além disso, nosso entendimento está organizado de talsorte que ele encontra satisfação no simples discernimento, quepode ser uma satisfação ainda maior do que a que encontra nautilidade que dele resulta. Isso, já o observara Platão. É aí que ohomem experimenta sua própria excelência e sente o que se chamater entendimento. Os homens que não sentem isso devem invejar osanimais. O valor intrínseco que os conhecimentos têm por suaperfeição lógica é incomparável com seu valor extrínseco - o valorque têm na aplicação.

Tanto o que está/ora do nosso horizonte, na medida em que,sendo dispensável para nós, não precisamos sabê-lo no que concerne

A 57 às nossas intenções, / quanto o que está abaixo do nosso horizonte,na medida em que, sendo nocivo para nós, não devemos sabê-lo,deve ser entendido tão-somente em sentido relativo e de modonenhum no sentido absoluto.

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Em vis ta da a m p l i a ç ã o e demarcação de nossoconhecimento, devem-sc recomendar as seguintes regras.

É preciso:Ak43 / l ) determinar bem cedo, é verdade, seu horizonte, todavia

apenas quando somos capazes, nós próprios, de determiná-lo, o quenão sói acontecer antes dos vinte anos de idade;

2) não mudá-lo facilmente c com frequência (não passar deum para o outro);

3) não medir o horizonte dos outros pelo seu c não ter porinútil o que de nada nos serve a nós outros. Seria temerário quererdeterminar o horizonte dos outros porque não conhecemossuficientemente nem as suas aptidões, nem as suas intenções;

4) não estendê-lo demais, nem restringi-lo demais. Poisquem quer saber demais acaba por nada saber, e quem inversamente

A 58 acredita que certas coisas cm nada lhe concernem engana-sc / muitasvezes; assim, por exemplo, se o filósofo acreditasse que a históriaseria dispensável para ele.

Também é preciso que se procure:5) determinar de antemão o horizonte absoluto de toda a

raça humana (quanto aos tempos passados e aos vindouros), bemcomo em particular:

6) determinar o lugar que a nossa ciência ocupa nohorizonte do conhecimento total. É para isso que serve aEnciclopédia Universal na qual idade de um mapa universal(mappe-monde} das ciências.

7) Ao determinar seu horizonte particular, cumpreexaminar cuidadosamente: que partes do conhecimentocorrespondem à nossa maior aptidão e nos agradam mais; o que émais ou menos necessário cm vista de certos deveres; o que éincompatível com os deveres necessários; e, por fim:

8) sempre importa mais ampliar do que estreitar o seuhorizonte.

Não se deve absolutamente temer da ampliação doconhecimento o que daí receia d'Alembert. Pois não é o peso dosconhecimentos que nos oprime, mas é o volume do espaço para osnossos conhecimentos que nos estreita. A crítica da razão, dahistória e dos escritos históricos, um espírito universal que aborde

A 59 o conhecimento humano en gros e não meramente / en détail,haverão sempre de reduzir a extensão, sem nada diminuir noconteúdo. Do metal desprende-se apenas a escória, ou o veículo

Ak 44 menos nobre, que até então tinha sido necessário. Com / a extensãoda História Natural, da Matemática etc., novos métodos hão de serinventados que abreviem as coisas antigas e tornem dispensável amultidão dos livros. É da invenção de semelhantes métodos e

princípios novos que vai depender a possibilidade de encontrarmostudo, com nossas próprias forças e a nosso bel-prazer, com a ajudadeles apenas e sem ter de atormentar a nossa memória. Por isso, háde se tornar merecedor da História como um génio quem acompreender sob ideias capazes de permanecerem para sempre.

À perfeição lógica do conhecimento relativamente à suaextensão opõe-se a ignorância, uma imperfeição negativa ouimperfeição da falta, que permanece inseparável de nossosconhecimentos por causa das limitações do entendimento.

Podemos considerar a ignorância de um ponto de vistaobjctivo c de um ponto de vista subjetivo.

1) Considerada objetivamente, a ignorância é ou bem umaignorância material, ou bem uma ignorância formal. A primeiraconsiste numa falta de conhecimentos históricos, a segunda numa

A 60 falta de conhecimentos racionais. / Não devemos ser inteiramenteignorantes em nenhuma disciplina, mas, sem dúvida, é possívelrestringir o saber histórico, para se ocupar tanto mais do racional,ou vice-versa.

2) Em sentido subjetivo, a ignorância é ou bem umaignorância douta, científica, ou bem uma ignorância vulgar. Quemdiscerne com clareza as barreiras do conhecimento, logo o campoda ignorância de onde parte, - o filósofo, por exemplo, que discernee prova quão pouco, por falta dos dados necessários para isso, sepode saber a respeito da estrutura do ouro -, é ignorante de umamaneira artificial ou douta. Quem, ao contrário, é ignorante, semdiscernir as razões dos limites da ignorância ou sem com isso sepreocupar, é ignorante de uma maneira vulgar, náo-científica. Talpessoa não sabe sequer que nada sabe. Pois não é possívelrepresentar-se sua ignorância a não ser pela ciência, do mesmomodo que um cego não é capaz de se representar as trevas enquantofor incapaz de enxergar.

O conhecimento de sua ignorância pressupõe, pois, aciência e, ao mesmo tempo, torna modesto, ao passo que o saberpresumido torna a gente enfatuada. Assim, a insciência de Sócrates

Ak 45 era um ignorância digna de todo louvor; na verdade, um / saber donão-saber, como ele próprio confessava. Portanto, os que possuemmuitos conhecimentos e, apesar disso, se espantam com a

A 61 quantidade /das coisas que não sabem são precisamente aqueles quenão atinge a censura de ignorância.

Irrepreensível (inciilpabilis), a ignorância o é, de modo geral,nas coisas cujo conhecimento está acima do nosso horizonte; e

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permissível (conquanto tão somente no scntklo relativo), ela sópode ser em vista do uso especulativo de nossas faculdadescognitivas, na medida em que aqui os objetos estão, embora nãoacima, pelo menos fora do nosso horizonte. Vergonhosa, porém,ela o é nas coisas que 6 muito necessário e ao mesmo tempo fácilde saber.

Há uma diferença entre não saber algo e ignorar algo, istoé, não tomar nota alguma disso. É bom ignorar muita coisa que nãoé bom para nós saber. De ambas as coisas distingue-se também aabstração. Mas abstraímos de um conhecimento quando ignoramosa sua aplicação, graças ao que o conquistamos in abstracto, podendoentão considerá-lo melhor em sua generalidade como um princípio.Essa maneira de abstrair daquilo que, no conhecimento de umacoisa, não pertence à nossa intenção é útil e louvável.

De ordinário, os que ensinam uma doutrina da razão sãohistoricamente ignorantes.

O saber histórico sem limites determinados éaPoli-história,que enfatua quem a possui. A Polimalia tem a ver com o

A 62 conhecimento racional. Ambos, tanto o / saber histórico quanto osaber racional, estendidos sem limites determinados, podem-sechamar de Pansofia. Ao saber histórico pertence a ciência dosinstrumentos da erudição: a Filologia, que compreende em si umconhecimento crítico dos livros e das línguas (Literatura eLinguística).

A mera Poli-fiistória è uma erudição ciclópica, a quem faltaum olho - o olho da Filosofia; e um ciclope da Matemática, daHistória, da Ciência Natural, da Filologia e da Glossologia é umerudito que é forte em todas essas disciplinas, mas consideradispensável toda Filosofia acerca desses temas.

Uma parle da Filologia é constituída pelas Humanidades,com o que se tem cm vista o conhecimento dos Antigos,conhecimento este que vem promover a união da ciência com agosto,polir a rudeza e favorecer a comunicabilidade c a urbanidade, queconstituem aquilo em que consiste a humanidade.

Ak46 /AS Humanidades visam, pois, proporcionar uma instruçãonaquilo que serve à cultura do gosto, tomando os Antigos pormodelos. Isso comporta, por exemplo, a eloquência, a poesia, oconhecimento dos textos dos autores clássicos e coisas semelhantes.Todos esses conhecimentos humanísticos podem ser remetidos àparlsprática da Filologia, que visa a formação do gosto. Mas se, alémdisso, separarmos o mero filólogo do humanista, então os dois vão

A 63 se / distinguir um do outro pelo fato de que aquele procura entre osAntigos os instrumentos da erudição, ao passo que este procura osinstrumentos da formação do gosto.

O beletrista ou bel-esprit è um humanista segundo modeloscontemporâneos nas línguas vivas. Portanto, não é um erudito - poissó as línguas mortas são hoje em dia línguas eruditas - mas, sim, ummero diletante dos conhecimentos do gosto segundo a moda, semprecisar dos Antigos. A ele poder-se-ia chamar um macaco dohumanista. O poli-historiador tem que ser, enquanto filólogo,linguista e letrado, e, enquanto humanista, tem que ser clássico e oseu intérprete. Enquanto filólogo, ele é cultivado; enquantohumanista, civilizado.

Quanto às ciências, há duas degenerações do gostodominante: o pedantismo e a galanteria. Um pratica as ciênciastão-somente para a escola c restringe-a desse modo quanto ao seuuso; a outra pratica-a lão-somente para o convívio social ou para omundo c limita-a assim em vista de seu conteúdo.

Ou bem o pedante é, enquanto erudito, o oposto do homemdo mundo c, nesta medida, é o erudi to enfa tuado e semconhecimento do mundo, isto é, que não sabe transmitir sua ciência;ou bem deve ser considerado, é verdade, como um homem

A 64 dotado de uma / habilidade geral, mas apenas em coisas formais,não segundo a essência e o fim. Neste último sentido, ele não passade um maníaco de formalidades; l imitado quanto ao âmagodas coisas, ele olha apenas para a roupagem e a casca. Ele é aimitação malograda ou a caricatura do espírito metódico. Por isso,também se pode chamar o pedantismo de meticulosidade bizantinae exatidão inú t i l nas coisas formais (micrologia). Semelhanteformalismo do método escolástico encontrar-se-á fora da escola nãosomente entre os eruditos e nas instituições que têm a ver com a

Ak47 erudição, mas também / em outras classes e outras coisas. Ocerimonial nas cortes, no convívio social, que outra coisa é senãomania de formalidades e minudência? Entre os militares não éinteiramente assim, embora assim pareça. Mas, na conversação, namaneira de se vestir, na dieta, na religião, impera a miúde muitopedantismo.

Uma exat idão apropr iada em coisas formais é apreocupação de ir a fundo (perfeição escolástica, segundo as normasda escola). O pedantismo é, assim, a afetação da preocupação de irao fundo, do mesmo modo que a galanteria, que não passa de umacortesã a cortejar o aplauso do gosto, nada mais é do que umapopu la r idade afc tada . Pois a galanter ia está empenhadatão-somente em conquistar o favor do leitor e, por causa disso, emnão ofendê-lo por uma palavra difícil sequer.

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/ Para evitar o pedantismo são precisos conhecimentosextensos, não apenas nas ciências mesmas, mas tambémem vista do uso delas. Por isso, só o verdadeiro erudito pode selivrar do pedantismo, que é sempre uma qualidade do espíritoestreito.

Quando nos empenhamos cm proporcionar ao nossoconhecimento a perfeição escolástica do trabalho feito a fundo e, aomesmo tempo, a perfeição da popularidade, sem incorrer no erro daafetação do trabalho a fundo ou da popularidade afetada, é precisoter em vista sobretudo a perfeição escolástica do nossoconhecimento - a forma do trabalho a fundo segundo as normas daescola. E só então convém cuidar da maneira pela qual tornaremosv e r d a d e i r a m e n t e popular o conhec imento aprendidometodicamente na escola, isto é, comunicável aos outros de umamaneira tão fácil e tão universal que a solidez do trabalho a fundonão se veja relegada pela popularidade. Pois não se deve, por causada perfeição popular, para agradar ao povo, sacrificar a perfeiçãoescolástica, sem a qual toda ciência nada mais seria do quebrincadeira e passatempo.

Para aprender, porém, a verdadeira popularidade é precisoler os Antigos, por exemplo, os escritos filosóficos de Cícero, ospoetas Horácio, Virgílio cie.; entre os modernos, Hume, Shaftesburye outros mais, todos eles homens que muito frequentaram o mundo

A 66 refinado, / sem o que não se consegue ser popular. Pois a verdadeirapopularidade exige muito conhecimento prático do mundo e doshomens, conhecimento dos conceitos, do gosto e das inclinações doshomens, que é preciso constantemente levar em consideração naapresentação e mesmo na escolha de expressões apropriadas,

Ak 48 convenientes à popularidade. Semelhante condescendência / coma capacidade de apreensão do público e com as expressõescostumeiras, que não relega a perfeição escolástica, mascuida apenas de revestir os pensamentos de modo a não deixar ver oandaime, o que há de escolástico e de técnico nessa perfeição (assimcomo traçamos linhas a lápis para escrever sobre elas e depoisas apagamos) - essa perfeição verdadeiramente popular doconhecimento é, de fato, uma grande c rara perfeição, quedemonstra um grande discernimento do que é a ciência. Entreoutros méritos, ela também tem o de poder dar uma prova docompleto discernimento de uma coisa. Pois o exame meramenteescolástico de um conhecimento ainda deixa a dúvida: será queesse exame não teria sido unilateral, e o conhecimento ele próprio,será que ele teria efclivamente um valor reconhecido por todosos homens? A escola tem os seus preconceitos do mesmo modoque o senso comum. Aqui um corrige o outro. Por isso é importante

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submeter um conhecimento ao exame de pessoas cujo entendimentonão esteja apegado a nenhuma escola.

A 67 l Essa perfeição do conhecimento, pela qual ele se qualificapara uma comunicação fácil e universal, também poderia serchamada de extensão externa, ou grandeza extensiva, de umconhecimento, na medida em que este está difundido externamenteentre muitas pessoas.

Visto que há tantos e tão diversos conhecimentos, é bomfazer um plano para ordenar as ciências de tal sorte que elas seajustem da melhor maneira aos nossos fins e contribuam para aperfeição deles. Todos os conhecimentos estão numa certa conexãonatural entre si. Se, empenhados em ampliar os conhecimentos, nãotivermos em vista esta conexão, toda essa sabença não passará deuma mera rapsódia. Mas, se tomarmos uma ciência principal comofim e considerarmos todos os outros conhecimentos táo-somentecomo meios para chegar até ela, então teremos introduzido emnosso saber um certo caráter sistemático. E, para proceder àampliação de nossos conhecimentos segundo um plano bemordenado e adequado ao fim, é preciso pois conhecer essa conexãodos conhecimentos entre si. Para esse fim encontramos uma

Ak 49 orientação na arquiíetônica das ciências, / que é um sistema segundoA 68 ideias, no qual as ciências são consideradas quanto à sua / afinidade

e ligação sistemática num todo do conhecimento interessando àhumanidade.

Mas, no que concerne em particular à grandeza intensiva doconhecimento, quer dizer, ao seu conteúdo, ou à sua polivalência eimportância, que se distingue essencialmente, como observamosacima, da grandeza extensiva, da mera amplidão do mesmo, sobreisso contentamo-nos em fazer as poucas observações que se seguem:

1) Um conhecimento voltado para o grande, isto é, o todo,no uso do entendimento, deve ser distinguido da subtileza no que épequeno (micrologia).

2) Logicamente importante deve-se chamar a todoconhecimento que promova a perfeição lógica quanto à forma,por exemplo, toda proposição matemática, toda lei da naturezadiscernida distintamente, toda explicação filosófica correta. Aimportância prática não se pode prever, mas é preciso esperarpor ela.

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A 693) Não se deve confundir a importância com a dificuldade.

Um conhecimento pode ser difícil, sem / ser importanle. Por isso, adificuldade não decide nem pró, nem tampouco contra o valor e aimportância de um conhecimento. Es(a depende da magnitude oupluralidade das consequências. Quanto mais ou quanto maioresconsequências tiver um conhecimento, quanto mais uso se puderfazer dele, tanto mais importante ele será. A um conhecimento semconsequências importantes chama-se bizantinice; tal era, porexemplo, a filosofia escolástica.

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VII

B) A PERFEIÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTO,SEGUNDO A RELAÇÃO - A VERDADE -

VERDADE MATERIAL EVERDADE FORMAL OU LÓGICA -

CRITÉRIOS DA VERDADE LÓGICA -A FALSIDADE E O ERRO -

A APARÊNCIA, COMO FONTE DO ERRO -MEIOS PARA EVITAR OS ERROS

Uma das mais importantes perfeições do conhecimento eale mesmo a condição essencial e inseparável de toda a perfeição do

Ak 50 mesmo é a / verdade. A verdade, diz-se, consiste na concordância doconhecimento com o objeto. Por conseguinte, de acordo com essaexplicação meramente verbal, o conhecimento deve concordar como objeto para ser aceito como verdadeiro. Ora, só posso comparar

A 70 o objeto com o meu / conhecimento na medida em que o conheço. Omeu conhecimento deve, pois, confirmar-se a si mesmo, o que,porém, nem de longe c suficiente para a verdade. Pois, visto que oobjeto está fora de mim e o conhecimento está em mim, a única coisaque posso fazer é avaliar se o meu conhecimento do objeto concordacom o meu conhecimento do objeto. A semelhante círculo naexplicação os Antigos chamavam dialelo. E, de fato, este erro foisempre objetado aos lógicos pelos cépticos, que observavam: comessa explicação da verdade acontece a mesma coisa que ocorrequando alguém faz uma declaração em juízo e, ao fazê-lo, apela auma testemunha que ninguém conhece, mas que pretende tornar-sedigna de fé afirmando que quem a citou como testemunha é umhomem honesto. A acusação, sem dúvida, tinha fundamento. Só quea solução do problema em questão é, para qualquer um,absolutamente impossível.

Pois o que se pergunta aqui é: se e em que medida haveráum critério da verdade seguro, universal c útil na aplicação. Pois éisto o que deve ser o sentido da questão: O que é a verdade?

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Para poder decidir esta importante questão, é preciso comcerteza distinguir aquilo que em nosso conhecimento pertence àmatéria do mesmo c se relaciona com o objeto, daquilo que concerne

A 71 à mera forma como a / condição sem a qual um conhecimento nãoseria de todo um conhecimento. Por isso, com respeito a essadistinção entre o aspecto objetivo, material e o aspecto subjetivo,formal em nosso conhecimento, a questão acima divide-se nas duasquestões particulares seguintes:

1) Será que há um critério material c universal da verdade?2) Será que há um critério formal c universal da verdade?Um critério material e universal da verdade não é possível;

tal coisa é até mesmo autocontradilória. Pois, enquanto critériouniversal, válido para todos os objetos cm geral, ele teria que abstraircompletamcnlc de toda distinção entre os objetos, e no entanto,enquanto critério material, também teria ao mesmo tempo de visarexatamente essa distinção, para poder determinar se umconhecimento concorda precisamente com o objeto ao qual se

Ak51 relaciona,/c não com um objeto qualquer cm geral-o que, a rigor,não quer dizer nada. É, porém, nesta concordância de umconhecimento com o objeto determinado ao qual se relaciona quedeve consistir a verdade material. Pois um conhecimento que éverdadeiro com relação a um objeto, pode ser falso com respeito a

A 72 outros objelos. Por isso, é absurdo exigir um / critério material euniversal da verdade, devendo ao mesmo tempo abstrair e nãoabstrair de toda distinção entre os objetos.

Mas, se a questão é, agora, a questão pelos critérios/OTOifi/íe universais da verdade, é fácil estabelecer aqui que, sem dúvida,pode haver semelhantes critérios. Pois a verdade formal consisteunicamente na concordância do conhecimento consigo próprio,abstração feita de todos os objetos e de toda distinção entreos mesmos. Os critérios formais c universais da verdade nadamais são, por conseguinte, do que as características lógicasuniversais da concordância do conhecimento consigo próprio,ou - o que dá no mesmo - com as leis universais do entendimento eda razão.

Esses critérios universais e formais não são, é verdade,suficientes para a verdade objetiva, mas devem, no entanto, serconsiderados como a conditio sine qua non dos mesmos.

Pois, antes de perguntar se o conhecimento concorda como objeto, deve vir a questão se ele concorda consigo próprio(segundo a forma). E isto é assunto da Lógica.

Os critérios formais da Lógica são:1) o princípio da não-contradição,

A 73 / 2) o princípio da razão suficiente.

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Pelo primeiro fica determinada 'd possibilidade lógica, peloúl t imo a realidade lógica de um conhecimento.

Com efeito, à verdade lógica de um conhecimentopertencem duas coisas:

Primeiro: que ele seja logicamente possível, quer dizer, queele não se contradiga. Mas essa característica da verdade lógicainterna é tão-somente negativa; pois é verdade que um conhecimentoque se contradiz é falso; mas, se ele não se contradiz, nem por isso ésempre verdadeiro.

Segundo: que ele seja logicamente fundado, quer dizer, queele tenha: (a) razões cm que se funde e (b) não tenha consequênciasfalsas.

A 52 Este segundo critério da verdade lógica externa / ou daracionabilidade, o qual concerne à conexão lógica de umconhecimento com razões c consequências, c positivo. E aqui valemas seguintes regras:

1) Da verdade das consequências é possível inferir a verdadedo conhecimento considerado como a razão daquelas, mas apenasnegativamente: se uma consequênc ia fa l sa deriva de umconhecimento, então o conhecimento ele próprio é falso. Pois, se a

A 74 razão fosse verdadeira, / a consequência também leria que serverdadeira, pois a consequência é determinada pela razão.

Mas não se pode i n f e r i r inversamente: se umaconsequência falsa deriva de um conhecimento, então ele éverdadeiro; pois c possível extrair consequências verdadeiras de umarazão falsa.

2) St' todas as consequências de um conhecimento sãoverdadeiras, então o conhecimento também é verdadeiro. Pois bastariahaver algo de falso no conhecimento para que uma consequênciafalsa devesse também ocorrer.

Da consequência é possível, pois, inferir uma razão, massem que se possa determinar essa razão. E só a partir do conjuntode todas as consequências que se pode inferir, de uma razãodeterminada, que esta seja a verdadeira.

Ao primeiro tipo de inferência, segundo o qual aconsequência só pode ser um critério negativa e indiretamentesuficiente da verdade de um conhecimento, chama-se na Lógicaapagógico (modus tollens).

Esse procedimento, de que frequentemente se faz uso naGeometria, tem a vantagem de que basta derivar de umconhecimento uma consequência falsa, para provar sua falsidade.Assim, por exemplo, para demonstrar que a terra não é plana, bastaque eu, sem apresentar razões positivas e diretas e de maneira

A 75 apagógica / c indircta, faça apenas a seguinte inferência: se a terra

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fosse plana, então a estrela polar teria que estar sempre na mesmaaltura; ora, isto não 6 o caso, logo a terra não é plana.

No outro tipo de inferência, o modo de inferência positivoe direto (modusponens), surge a dificuldade de que a totalidade dasconsequências não pode ser conhecida apodicticamente, dondesomos levados por esse tipo de inferência tão-somente a umconhecimento provável c hipoteticamente verdadeiro (hipóteses),em conformidade com a pressuposição segundo a qual, onde muitasconsequências são verdadeiras, todas as demais também hão de serverdadeiras.

Podemos, então, erigir aqui três princípios como critériosde verdade puramente formais ou lógicos; tais são :

1) o princípio da contradição e da identidade (principiumAk53 contradictionis e identitatis), mediante o qual / está determinada a

poss ib i l i dade i n t e r n a de um conhec imento para juízosproblemáticos;

2) o princípio da razão suficiente (principium rationissufficientis), no q u a l se baseia a realidade (lógica) de umconhecimento - o fato de que ele esteja fundado como matéria parajuízos assertóricos.

3) o princípio do terceiro excluído (principium excíusi mediiA 76 inter duo contradictoria), / no qual se funda a necessidade (lógica) de

um conhecimento - o fato de que necessariamente se deva julgarassim e não de outro modo, isto é, que o contrário seja falso - parajuízos apodícticos.

A 77

O contrário da verdade é a falsidade, a qual, na medida emque é tomada pela verdade, se chama erro. Por conseguinte, um juízoerróneo - pois o erro assim como a verdade só existe no juízo - é umjuízo que confunde a aparência da verdade com a própria verdade.

Como é possível a verdade: eis aí uma coisa que é fácilentender, visto que aqui o entendimento age de acordo com suas leisessenciais.

Mas como é possível o erro na acepção formal da palavra,quer dizer, como é possível a forma do pensamento contrária aoentendimento, isto é difícil de compreender, assim como tampoucose pode compreender como uma força possa desviar-se de suaspróprias leis essenciais. Não podemos, pois, procurar no próprioentendimento c em suas leis essenciais a razão dos erros, bem comotampouco nas barreiras do entendimento, nas quais se encontra, éverdade, a causa da ignorância, mas de modo / nenhum do erro. Ora,se não dispuséssemos de outro poder cognitivo além do

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entendimento, jamais erraríamos. Só que, além do entendimento,há cm nós uma outra fonte indispensável do conhecimento. Esta éa sensibilidade, que nos dá a matéria para o pensamento e age aísegundo leis que não as do entendimento. Mas, da sensibilidade,considerada em si mesma e isoladamente, o erro também não podeoriginar-se, porque os sentidos não julgam de modo algum.

Por isso, a fonte de todo erro terá de ser procurada única eexclusivamente na influência desapercebida da sensibilidade sobre o

Ak 54 entendimento, ou, para falar mais exatamente, sobre o juízo. / Comefeito, é essa influência que faz com que, ao julgar, tomemos razõesmeramente subjetivas por objetivas e, por conseguinte, confundamosa mera aparência da verdade com a verdade mesma. Pois é nissoprecisamente que consiste a essência da aparência, que, por causadisso, deve ser considerada como uma razão para ter por verdadeiroum conhecimento falso.

O que torna possível o erro é, portanto, a aparência,segundo a qual o mcramcnlesubjelivo se vê confundido no juízo como objetivo.

Em certo sent ido , pode-se ce r tamente fazer doentendimento também o autor dos erros, a saber, na medida em que

A 78 ele, / por falta da necessária atenção para aquela influência dasensibilidade, se deixa induzir pela aparência que daí se origina atomar por objetivas razões determinantes do juízo que sãomeramente subjetivas, ou a aceitar como verdadeiro segundo as suaspróprias leis aquilo que só é verdadeiro segundo as leis dasensibilidade.

Por conseguinte, nas barreiras do entendimento só seencontra a culpa da ignorância ; a culpa do erro, temos que no-laatribuir a nós mesmos. A natureza, é verdade, recusou-nos muitosconhecimentos e sobre tantas coisas nos deixa numa ignorânciainevitável; o erro, no entanto, não é ela que o causa. A issoinduziu-nos o nosso próprio pendor a julgar e a decidir até mesmonas situações em que, por causa de nossa limitação, não estamoscapacitados a julgar e decidir.

Todavia, todo erro no qual possa incidir o entendimentohumano é apenas parcial, e em todo juízo erróneo tem que haversempre algo de verdadeiro. Pois um erro total seria um totalantagonismo às leis do entendimento e da razão. Como é que elepoderia, enquanto tal, provir de uma maneira qualquer doentendimento e, na medida cm que é sempre um juízo, como é quepoderia ser considerado um produto do entendimento!

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Page 36: Lógica - Immanuel Kant

A 79 l Com respeito ao verdadeiro e ao erróneo em nossoconhecimento, dis t inguimos o conhecimento exato de umconhecimento vago.

Um conhecimento é exato, se é adequado ao seu objeto, ouse, com respeito ao seu objeto, nem o mínimo erro tem lugar; vago,se nele pode haver erros, sem que isso chegue a ser um obstáculo aoseu objetivo.

Ak 55 j Essa distinção concerne à determinação mais lata ou maisestrita do nosso conhecimento (cognitio late vel stricte determinara).Às vezes, é preciso de início determinar um conhecimento numaextensão mais lata (latedeterminare), especialmente quando se tratade coisas históricas. Nos conhecimentos racionais, porém, tudo temque estar exatamente (stricte) de te rminado . No caso dadeterminação lata dizemos: um conhecimento é determinadopraeferpropter. Depende sempre do objetivo de um conhecimento, se eledeve ser determinado de maneira vaga ou exata. A determinação latadeixa sempre margem ao erro, que no entanto pode ter limitesdeterminados . O erro ocorre em part icular quando umadeterminação lata é tomada por uma determinação estrita, porexemplo em questões de moralidade, onde tudo deve estarestritamente determinado. Aqueles que não fazem isso sãodenominados pelos ingleses latitudinários.

A80 /Da cxatidão, entendida como uma perfeição objetiva doconhecimento, pode-se dis t inguir ainda - visto que aqui oconhecimento é inteiramente congruente com o objeto - a subtilezaenquanto perfeição subjetiva do mesmo.

O conhecimento de alguma coisa é subtil quando nele sedescobre o que sói escapar à atenção dos demais. Isso exige, pois,um alto grau de atenção e um grande dispêndio de força intelectual.

Muitos censuram toda subtileza porque não conseguemalcançá-la. Mas, em si mesma, ela sempre faz honra aoentendimento e chega a ser meritória e necessária na medida em queé aplicada a um objeto digno da observação. Mas, podendo atingiro mesmo fim com menor atenção e esforço do entendimento,quando ao contrário nos empenhamos nisso mais do que onecessário, estamos fazendo um dispêndio inútil e incidindo emsubtilezas que, de certo, são difíceis, mas não servem para nada(nugae dijjiciles).

Assim como ao exato se opõe o vago, assim também aosubtil se opõe o grosseiro.

Da natureza do erro, cujo conceito encerra, comoA 81 observamos, além da falsidade, ainda a /aparência da verdade a título

de característica essencial, resulta para a verdade de nossoconhecimento a seguinte e importante regra:

Ak 56 / A fim de evitar erros - e inevitável nenhum erro o éabsoluta ou simplesmente, muito embora o possa ser relativamentepara os casos em que, mesmo sob o risco de errar, é inevitável paranós julgar - repetindo, a fim de evitar erros, é preciso procurardescobrir e explicar a fonte dos mesmos, a aparência. Pouquíssimos,porém, foram os filósofos que fizeram isso. Eles só trataram derefutar os erros mesmos, sem apontar a aparência em que tinhamorigem. Esta descoberta e dissolução da aparência é um serviço àverdade de muito maior mérito do que uma refutação direta doserros mesmos, com o que não se consegue obstruir a fonte desseserros, nem evitar que a mesma aparência, pelo fato de não serconhecida, venha de novo a induzir em erros em outros casos. Pois,mesmo que tenhamos sido convencidos de que erramos, mesmoassim, caso não tenha sido eliminada a aparência ela própria, queestá na base do erro, sempre nos restarão escrúpulos, por poucas quesejam as razões que possamos aduzir para a justificação deles.

De resto, com a explicação da aparência dá-se uma espéciede aprovação a quem errou. Pois ninguém há de admitir que errou

A 82 sem qualquer/aparência da verdade, que talvez pudesse também terenganado alguém dotado de maior argúcia, uma vez que aqui o queestá em jogo são razões subjetivas.

Quando a aparência é man i fes t a até mesmo aoentendimento comum (sensus communis), o erro é chamado de toliceou disparate. A censura da absurdidade é sempre uma repreensãopessoal, que se deve evitar, em particular na refutação dos erros.

Pois aos olhos de quem afirma um disparate não estápatente a aparência ela própria, que está na base dessa patentefalsidade. É preciso primeiro fazer com que essa aparência fiquepatente para ele. Se ele ainda assim persistir no erro, certamente éum tolo; mas, neste caso, também nada mais há a fazer com ele. Elese tornou assim tão incapaz quanto indigno de toda correção erefutação ulterior. Pois, a rigor, não se pode provar a ninguém queele é um tolo; todo arrazoar neste sentido seria em vão. Quando seprova o disparate, não se está mais falando com quem errou, mascom uma pessoa razoável. Neste caso, porém, o evidenciamento dodisparate não é necessário.

Ak 57 Pode-se chamar um erro tolo também àquele / ao qual nemA 83 sequer a aparência serve de desculpa; assim /como um erro grosseiro

è um erro que demonstra ignorância no conhecimento comum ouuma faka contra a atenção comum.

72 73

Page 37: Lógica - Immanuel Kant

O erro nos princípios 6 um erro mais grave do que o erro nasua aplicação.

Uma caraelcrística, ou pedra de toque, externa da verdadeé a comparação de nossos próprios juíx.os com os juízos dos outros,pois o subjetivo não residirá de maneira igual cm todos os outros, epor conseguinte a aparência poderá ser assim explicada. Aincompatibilidade dos juízos dos outros com os nossos deve, por isso,ser considerada como uma característica externa do erro e como umsinal para investigarmos nossa maneira de proceder ao julgar, masnão para rejeitá-la de pronto. Pois é sempre possível que a gentetenha razão quanto ao fundo e que se esteja errado apenas namaneira de apresentar.

O entendimento humano comum (sensus comnmnis)também é em si mesmo uma pedra de toque para descobrir osenganos do uso técnico (kiinstlich) do entendimento. Quer dizer:orientar-se pelo entendimento comum no pensamento ou no usoespeculativo da razão, quando se o usa o entendimento comumcomo um teste para a avaliação da correção do entendimentoespeculativo.

A 84 /As regras e condições universais para se evitar o erro cmgera! são: (1) pensar por si mesmo, (2) pensar colocando-se no lugarde outra pessoa, e (3) pensar sempre de maneira coerente consigomesmo. A máxima de pensar por si mesmo, podemos chamá-la deesclarecida; a máxima de se colocar no ponto de vista do Outro,podemos chamá-la de ampliada; e à máxima de pensar sempre demaneira coerente consigo mesmo, podemos chamar-lhe a maneirade pensar consequente ou cogente.

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Ak58 /VIU

C) A PERFEIÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTOSEGUNDO A QUALIDADE - CLAREZA -

CONCEITO DE UMA CARACTERÍSTICA EM GERAL -DIFERENTES ESPÉCIES DE CARACTERÍSTICAS -

DETERMINAÇÃO DA ESSÊNCIA LÓGICADE UMA COISA - DIFERENÇA ENTRE A

ESSÊNCIA LÓGICA E A ESSÊNCIA REAL -DISTINÇÃO, UM GRAU SUPERIOR DA CLAREZA -

DISTINÇÃO ESTÉTICA E DISTINÇÃO LÓGICA -DIFERENÇA ENTRE A DISTINÇÃO ANALÍTICA

E A DISTINÇÃO SINTÉTICA

O conhecimento humano é, da parte do entendimento,discursivo; quer dizer, ele tem lugar mediante representações quefazem daquilo que é comum a várias coisas o fundamento do

A 85 conhecimento, por conseguinte mediante notas características /enquanto tais. Nós só reconhecemos, pois, as coisas mediantecaracterísticas; e é isso precisamente o que se chama reconhecer(Erkennen), que deriva de conhecer (Kenneri)f&

Uma nota característica é aquilo que, numa coisa, constituiuma parte do conhecimento da mesma; ou - o que dá no mesmo -uma representação parcial na medida em que é considerada como umarazão de conhecimento^ da representação inteira. Por conseguinte,todos os nossos conceitos são notas características e pensar nadamais é do que representar mediante notas características.

Cada característica pode ser considerada sob dois aspectos:Primeiro, como uma representação em si mesma;

(6) Sobre a tradução de kennen e erkennen cf. ao final Nota sobre aTradução de alguns Termos (N. T).

(7) Sobre a tradução de Erkenntnisgnmd comorazão de conhecimento, bemcomo de Merkmal como (nota) característica, cf. ao final Nota sobre aTradução de alguns Termos (N. T.).

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Page 38: Lógica - Immanuel Kant

Segundo, enquanto pertencente a título de conceito parcialà representação inteira de uma coisa c, assim, enquanto razão doconhecimento da própria coisa.

Todas as notas características, consideradas enquantorazões do conhecimento, têm um duplo uso, ou interno, ou externo.O uso interno consiste na derivação, com o intuito de conhecer acoisa m e d i a n t e ca rac t e r í s t i ca s , e n q u a n t o razão de seuconhecimento. O uso externo consiste na comparação, na medidaem que, mediante características, podemos comparar uma coisa comoutras segundo regras da identidade ou da diversidade.

A 86 /Entre as notas características há muitos tipos de diferençasespecíficas, nas quais se funda a seguinte classificação.

^59 / l ) Características analíticas ou sintéticas. Aquelas sãoconceitos parciais do meu conceito real (as quais já penso nele);estas, ao contrário, são conceitos parciais do conceito inteiromeramente possível (o qual , por conseguinte, deve vir a serconstituído por meio de uma síntese de diversas partes). Asprimeirassão todos os conceitos da razão, as últimas podem ser conceitos daexperiência.

2) Características coordenadas ou subordinadas. Essadivisão das características diz respeito à sua conexão uma após aoutra ou uma sob a outra.

As notas características são coordenadas na medida em quecada uma delas é representada como uma característica imediata dacoisa; e subordinadas, na medida em que uma característica só érepresentada na coisa mediante a outra. A ligação .de característicascoordenadas no todo do conceito chama-se agregado; a ligação decaracterísticas subordinadas, série. Aquela, a agregação decaracterísticas coordenadas, constitui a totalidade do conceito, aqual, no entanto, quando se trata de conceitos empíricos sintéticos,jamais pode ser completada, mas se assemelha a uma linha retasem limites.

A87 / A série de características subordinadas termina a parteante, ou da parte das razões, em conceitos indecomponíveis que, porcausa de sua simplicidade, não se deixam mais desmembrar; aocontrário, apartepost, ou no que se refere às consequências, ela éinfinita, porque temos, é verdade, um género supremo, mas não umaespécie ínfima.

Com a síntese de cada novo conceito na agregação decaracterísticas coordenadas, cresce a distinção extensiva oudesdobrada; do mesmo modo que, com a continuação da análise dosconceitos na série de características subordinadas, cresce a distinçãointensiva ou profunda. Esta última espécie de distinção, vistoque serve necessariamente à elaboração a fundo c à cogência do

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conhecimento, 6 por isso mesmo um assumo da Filosofia sobretudo,c é nas investigações metafísicas que ela é perseguida ao máximo.

3) Características afirmativas ou negativas. Mediante1 asprimeiras conhecemos o que a coisa é; mediante as últimas o queesta não é.

As características negativas servem para nos preservar deerros. Por isso, são desnecessárias onde é impossível errar, e só sãonecessárias e importantes nos casos em que nos preservam de umerro importante, em que poderíamos facilmente incidir. Assim, por

A 88 exemplo, com respeito / ao conceito de um ente como Deus, ascaracterísticas negativas são necessárias e importantes.

Ak60 l Mediante as características afirmativas queremos, pois,entender algo; mediante as negativas - nas quais podemostransformar a totalidade das notas características - queremosapenas não entender mal ou não errar acerca de uma coisa, mesmoque não possamos vir a conhecer nada dela.

4) Características importantes e fecundas ou vazias e semimportância.

Uma nota característica é importante e fecunda se constituiuma razão de conhecimento de grandes e numerosas consequências:em parte, com respeito a seu uso interno - o uso na derivação -, namedida em que é suficiente para que através dela se conheça muitoda coisa mesma; em parte, com respeito ao seu uso externo - o usona comparação -, na medida em que ela serve para conhecer tanto asemelhança de uma coisa com muitas outras, quanto a diferença delacom relação a muitas outras.

De resto, é preciso dist inguir aqui a importância efecundidade prática: a utilidade e manejabilidade.

5) Características suficientes e necessárias ou insuficientes econtingentes.

Uma característica é suficiente na medida em que ésuficiente para distinguir em todos os casos uma coisa de todas

A 89 as demais; / em caso contrário é insuficiente, assim como, porexemplo, o ladrar do cão. Mas, do mesmo modo que a suaimpor tânc ia , a suficiência das características só pode serdeterminada num sentido relativo, em vista dos fins que se visamcom um conhecimento.

As características necessárias, finalmente, são aquelas quetêm que ser cncont radas sempre na coisa representada. Semelhantescaracterísticas chamam-se também essenciais e se opõem àscaracterísticas extra-essenciais e contingentes, que podem serseparadas do conceito da coisa.

Mas, entre as características necessárias, é preciso fazeruma outra distinção ainda.

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Page 39: Lógica - Immanuel Kant

Algumas das características convêm às coisas enquantorazões de outras características de uma e a mesma coisa; outras, aocontrário, apenas enquanto consequências de outras características.

As primeiras são características primitivas e constitutivas(constitutiva, essentialia in sensu strictissimo); as outras chamam-se

Ak 61 atributos / (consectaría, rationata), e também pertencem, é verdade,à essência da coisa, mas apenas na medida cm que têm primeiro queser derivadas de seus elementos essenciais; assim como, porexemplo, no conceito de um triângulo, os três ângulos dos três lados.

A 90 /As características extra-essenciais também são, por sua vez,de duas espécies; elas dizem respeito seja às determinações internasde uma coisa (modi), seja às suas relações externas (relationes).Assim, por exemplo, a característica da sapiência designa umadeterminação interna do homem; ser um senhor ou um servo,tão-somentc uma relação externa do mesmo.

O conjunto de todos os elementos essenciais de uma coisaou a suficiência das características dela, segundo a coordenação oua subordinação, é a essência (complexas notarum primitivarum,interne conceptui dato sufficientium; sive complexus notarum,conceptum aliquem primitive constituentium).

Nesta explicação, porém, não devemos absolutamentepensar na essência real ou natural das coisas que não conseguimosjamais discernir. Pois, visto que a Lógica abstrai de todo conteúdodo conhecimento, por conseguinte também da coisa mesma, assimnesta ciência só se pode tratar da essência lógica das coisas. E esta,é fácil discerni-la. Pois isto nada mais exige além do conhecimentode todos os predicados com respeito aos quais um objeto estádeterminado por meio de seu conceito; ao passo que, para a essênciareal da coisa (esse rei), se exige o conhecimento daqueles predicados

A 91 dos quais depende tudo o que pertence à sua existência, /a título derazões determinantes (Bestimmungsgrunde).^ Se quisermos, porexemplo, determinar a essência lógica do corpo, não precisamos demodo algum procurar na natureza os dados para isso; basta-nosdir igir nossa reflexão para as características que, enquantoelementos essenciais (constitutiva, rationes) cons t i t uemoriginariamente o conceito fundamental do mesmo. Pois a essêncialógica nada mais é, ela própria, do que o primeiro conceitofundamental de todas as características necessárias de uma coisa(esse conceptus).

(8) Cf. ao final Nota sobre a Tradução de alguns Termos (N. T.).

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O primeiro grau da perfeição de nosso conhecimento,quanto à qualidade, é, portanto, sua clareza. Um segundo grau, ou

Ak 62 um grau superior / de clareza, é a distinção. Esta consiste na clarezadas características.

Antes de mais nada, precisamos diferenciar aqui a distinçãológica em geral da distinção estética. A distinção lógica baseia-se naclareza objetiva, a estética na clareza subjetiva das características.Aquela é uma clareza mediante conceitos, esta uma clareza mediantea intuição. A segunda espécie de distinção consiste, pois, numa meravivacidade c inteligibilidade, quer dizer, numa mera clareza medianteconceitos in concreto (pois há muitas coisas que podem serinteligíveis sem, no entanto, serem distintas, e, inversamente, hámuitas que podem ser dis t intas e, no entanto, são difíceis

A92 de entender, / porque remontam a características remotas,cuja conexão com a intuição só é possível por meio de umalonga série).

A distinção objetiva é, muitas vezes, causa de obscuridadesubjetiva c vicc-versa. Por isso, não raro a distinção lógica só épossível em prejuízo da estética c, inversamente, a distinção estéticamediante exemplos e símiles, que não convêm cxatamente, mas sópodem ser tomados segundo uma analogia, é muitas vezesprejudicial para a distinção lógica. Acresce a isso que os exemplostambém não são de modo algum características e não pertencem atítulo de partes ao conceito, mas, a título de inluições, tão-somenteao uso do conceito. Por isso, uma distinção mediante exemplos - amera inteligibilidade - é de uma espécie inteiramente diversa dadistinção mediante conceitos enquanto características. É na ligaçãode ambas, da distinção estética ou popular com a distinçãoescolástica ou lógica, que consiste a lucidez. Pois, por uma cabeçalúcida entendemos o talento de uma exposição luminosa deconhecimentos abstratos e elaborados a fundo, mas adequada aopoder de apreensão do senso comum.

No que concerne além disso à distinção lógica emparticular, ela deve-se chamar uma distinção completa, na medidaem que todas as características que constituem em conjunto oconceito total tenham chegado à clareza. Ora, um conceito pode,

A 93 por sua vez, ser inteira / ou completamente distinto, seja em vista datotalidade de suas características coordenadas, seja com respeito àtotalidade de suas característicasít//}o/-í//nflí/«í. É na clareza total dascaracterísticas coordenadas que consiste a distinção extensivamentecompleta ou suficiente de um conceito, a que também se chamadetalhamento <Ausfúhrlichkeit>. A total clareza das característicassubordinadas constitui a distinção intensivamente completa - aprofundidade.

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Ak 63 / A primeira espécie de distinção lógica também se podechamar de completnde externa (completudo externa), assim como aoutra pode ser chamada de completnde interna (completudo interna)da clareza das características. A última só pode ser alcançada no casode conceitos racionais puros e de conceitos arbitrários, mas não nocaso de conceitos empíricos.

A grandeza extensiva da distinção, na medida em que não éa b u n d a n t e chama-se precisão (exatidão). A comple tude(completudo) e a precisão (praecisio) constituem em conjunto aadequação (cognitionem, quae rem adaequat); e é no conhecimentointensivamente adequado na profundidade, em ligação com oconhecimento extensivamente adequado na completude e precisão,que consiste (quanto à qualidade) a perfeição consumada de umconhecimento (consummata cognitionis perfectio).

A 94 l Visto que a tarefa da Lógica é, como observamos, tornardistintos os conceitos claros, pergunta-se agora: de que maneira elaos torna distintos?

Os lógicos da escola de Wolff resumem a operação pela qualtornamos distintos os conhecimentos ao mero desmembramentodeles. Só que nem toda distinção se baseia na análise de um conceitodado. Ela só se produz desse modo no que concerne àquelascaracterísticas que já pensávamos no conceito, mas de modo algumrelativamente às notas características que só vêm se acrescentar aoconceito como partes do conceito possível inteiro.

Pois, se estou formando um conceito distinto, começo daspartes e vou delas para o todo. Aqui não há ainda característicaalguma; é só mediante a síntese que as obtenho. É desseprocedimento sintético que resulta, pois, a distinção sintética querealmente amplia meu conceito quanto ao conteúdo medianteaquilo que se acrescenta além dele na intuição (pura ou empírica) a

A 95 título de característica. - / É desse procedimento sintético paraAk 64 tornar os conceitos distintos / que se vale o matemático e também o

filósofo da natureza. Pois toda a distinção do conhecimentopropriamente matemático, bem como do empírico, baseia-se emsemelhante ampl iação dele mediante a síntese das notascaracterísticas.

Mas, se eu torno um conceito distinto, então o meuconhecimento absolutamente não cresce quanto ao conteúdo pormeio desse simples desmembramento do conceito. O conteúdopermanece o mesmo; só a forma é modificada, pois eu aprendoapenas a melhor distinguir ou a conhecer com mais clara consciência

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aquilo que já estava no conceito dado. Assim como a simplesiluminação de um mapa nada acrescenta a ele próprio, assimtambém a mera elucidação de um conceito, por meio da análise desuas notas características, não aumenta em nada o conceitoele próprio.

À síntese incumbe tornar distintos os objetos; à análise,tornar distintos os conceitos. Aqui o todo precede as partes, lá aspartes precedem o todo. O filósofo apenas torna distintos conceitosdados. Às vezes a gente procede sinteticamente, mesmo que oconceito, que se quer tornar distinto dessa maneira, já esteja dado.Isso ocorre com frequência com proposições da experiência, na

A 96 medida em que / não se esteja satisfeito com as características jápensadas em um conceito dado.

O procedimento analítico para produzir distinção, o únicodo qual a Lógica pode se ocupar, é a primeira c mais importanteexigência quando se trata d.e tornar nosso conhecimento distinto.Pois, quanto mais distinto for o nosso conhecimento de uma coisa,tanto mais forte e mais eficaz também haverá de ser. Só que a análisenão deve ir tão longe que o objeto acabe por desaparecer com ela.

Se tivéssemos consciência de tudo aquilo que sabemos,ficaríamos espantados com a enorme quantidade de nossosconhecimentos.

Com respeito ao conteúdo objetivo de nosso conhecimentoem geral, podem-se pensar os seguintes graus segundo os quais elepode ser intensificado deste ponto de vista:

O primeiro grau do conhecimento é: representar-se algo;O segundo: representar-se algo com consciência ou perceber

(percipere).Ak65 l O terceiro: conhecer<kennen>(noscere) algo ou

representar-se algo cm comparação com outras coisas tanto no quetoca à identidade <Einerleiheit> quanto no que diz respeito àdiferença.

A 97 IO quarto: conhecer algo com consciência, quer dizer,reconhecer <erkennen> (cognoscere).^ Os animais tambémconhecem objetos, mas não os reconhecem.

O quinto: entender <verstehen> (intelligere), quer dizer,reconhecer pelo entendimento mediante conceitos ou conceber(konzipieren). Isto é muito diverso de compreender <Begreifen>.

(9) Cf. ao final Nota sobre a Tradução de alguns Termos (N. T.).

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Pode-se conceber muila coisa, embora não se possa compreendê-la,por exemplo, um perpetuam mobile, cuja impossibilidade é mostradana mecânica.

O sexto: reconhecer algo pela razão ou discernir<einsehen> (perspicere). Chegamos até aí cm poucas coisas e osnossos conhecimentos se tornam cada vez menores quanto aonúmero quanto mais queremos aperfeiçoá-los quanto ao conteúdo.

Ò sétimo enfim: compreender <begreifen> (comprchendere),quer dizer, reconhecer pela razão ou apriorí naquele grau que é suficientepara o nosso propósito. Pois todo o nosso compreender é apenas relativo,quer dizer, suficiente para um determinado fim, não havendo nada quecompreendamos em sentido absoluto. Nada pode ser melhorcompreendido do que aquilo que o matemático demonstra, por exemplo,que todas as linhas do círculo são proporcionais. E, no entanto, ele nãocompreende como 6 que se dá que uma figura tão simples tenha essaspropriedades. Eis por que o domínio do /entender, ou do entendimento,é muitíssimo mais extenso do que o domínio do compreender, ouda razão.

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IX

D) A PERFEIÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTOSEGUNDO A MODALIDADE - A CERTEZA -

O CONCEITO DE ASSENTIMENTO EM GERAL -MODOS DO ASSENTIMENTO: OPINAR, CRER,

SABER - A CONVICÇÃO E A PERSUASÃO -RESERVA E SUSPENSÃO DO JUÍZO -

JUÍZOS PROVISÓRIOS - OS PREJUÍZOS,SUAS FONTES PRINCIPAIS E PRINCIPAIS FORMAS

A verdade é a propriedade objetiva do conhecimento;o juízo, através do qual algo é representado como verdadeiro -

Ak66 a relação com um / entendimento e, por conseguinte, com umsujeito particular - é subjetivamente o assentimento^10^

Considerado de modo geral, o assentimento é de duasespécies: com certeza ou com incerteza. O assentimento certo, ou acerteza, está ligado à consciência da necessidade; o incerto, aocontrário, ou a incerteza, à consciência da contingência, ou da

A 99 possibilidade do / contrário. O assentimento incerto, por sua vez, éou bem insuficiente tanto subjetiva quanto objetivamente; ou bemobjetivamente insuficiente, mas subjetivamente suficiente. Aquelechama-se opinião, este tem que ser chamado de crença.

Há, por conseguinte, três espécies ou modos deassentimento: opinar, crer e saber. - O opinar é um julgarproblemático, a crença é um julgar assertórico, e o saber um julgarapodíctico. Pois o que apenas opino, considero-o conscientemente,ao julgar, como apenas problemático; o que creio, considero-o comoassertórico, não, porém, como objetivamente necessário, mas apenassubjetivamente necessário (valendo apenas para mim); enfim, o quesei, considero-o como apodicticamente certo, isto é, como universale objetivamente necessário (valendo para todos), mesmo no caso em

(10) Fiihrwahrhalten = lit. ter por verdadeiro, considerar como verdadeiro.Cf. ao final Nota sobre a Tradução de alguns Termos (N. T.).

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que o objelo ele próprio, ao qual se refere este assentimento certo,fosse uma verdade meramente empírica. Pois esta distinção doassentimento segundo os três modos - que acabamos de mencionar- concerne apenas ao poder de julgar relativamente aos critériossubjetivos da subsunção de um juízo a regras objetivas.

Assim, por exemplo, nosso assentimento à imortalidadeseria meramente problemático na medida cm que agíssemos apenascomo se fôssemos imoriais; asserlórico, porém, na medida em que

A 100 crêssemos que somos imortais; / e por fim apodíctico na medida emque soubéssemos todos que há uma vida depois desta.

Portanto, entre a opinião, a crença e o saber há umadiferença essencial que vamos expor agora de maneira mais exata eminuciosa.

1) Opinião. - A opinião, ou o assentimento baseado numarazão de conhecimento que não é nem subjetiva nem objelivamentesuficiente, pode ser considerada como um juízo provisório (subconditione suspensiva ad ínterim) que não se pode dispensarfacilmente. É preciso começar pela opinião, antes de admitir eafirmar, mas ao mesmo tempo precaver-se de considerar uma

Ak 67 opinião como algo mais do que uma mera opinião. É pela opinião /que na maioria das vezes damos início a todo o nosso conhecimento.Às vezes temos um obscuro pressentimento da verdade; -pressentimos a sua verdade antes de a reconhecer com uma certezadeterminada.

Mas onde precisamente tem lugar a mera opinião?Em nenhuma ciência que contenha conhecimentos a priori; logo,nem na Matemática, nem na Metafísica, nem na Moral,mas unicamente em conhecimentos empíricos - na Física, naPsicologia e outros semelhantes. Pois é cm / si absurdo opinar apriori. Do mesmo modo, nada de fato poderia ser mais ridículodo que apenas opinar, por exemplo, na Matemática. Aqui, assimcomo na Metafísica e na Moral, pode-se dizer: ou sabemos ou nãosabemos. Por isso, as questões de opinião são sempre e só podemser objetos de um conhecimento empírico, que é certamentepossível em si, mas impossível para nós apenas por causa dasrestrições c do condicionamento de nossa faculdade da experiênciae, por via de consequência, do grau em que possuímos essafaculdade. Assim, por exemplo, o éter dos físicos modernos éuma simples questão de opinião. Pois desta opinião, assimcomo de qualquer opinião em geral, não importa qual seja,percebo que o contrário talvez possa ser provado. Portanto, omeu assentimento é aqui tanto objeliva quanto subjetivamenteinsuficiente, muito embora, considerado em si mesmo, possa setornar completo.

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2) Crença. - A crença ou o assentimento por uma razãoobjet ivamcnte insuficiente, é verdade, mas subjetivamentesuficiente, concerne a objetos dos quais não apenas nada podemossaber, mas também nada podemos opinar e nem mesmo alegar aprobabilidade, e dos quais, ao contrário, podemos apenas estarcertos de que não é contraditório pensar semelhantes objetos damaneira como os pensamos. O que resta aqui é um livre

A 102 assentimento que é necessário tão-somente / de um ponto de vistaprático dado a priori, - logo, um assentimento àquilo que admito porrazões morais, e isso de tal maneira que estou certo de que ocontrário jamais poderia ser provado/11)

Ak 68

/A 102 , ( l i ) / A crença não é uma fonte particular do conhecimento. Ela é umaAk67 ' espécie de assentimento incompleto com consciência e, quando é

considerada como restrita de maneira particular a objetos (que sejamda alçada exclusiva da crença), distingue-se da opinião, não segundo ograu, mas pela relação que ela tem enquanto conhecimento com o agir.Assim é preciso, por exemplo, a fim de fechar um negócio, que ocomerciante não somente seja de opinião que haja algo a ganhar aí, mas/ que ele creia nisso, isto é, que sua opinião seja suficiente para umempreendimento incerto. Ora, temos conhecimentos teóricos (dosensível) nos quais é possível chegar à certeza, e isso tem que ser possívelrelativamente a tudo aquilo a que podemos chamar de conhecimentohumano. É justamente esse conhecimento certo (e, aliás, inteiramentea priori) que temos nas leis práticas; só que estas se fundamentam numprincípio supra-sensível (da liberdade), aliás em nós mesmos, enquantoum princípio da razão prática. Mas esta razão prática é uma causalidaderelativamente a um objeto igualmente supra-sensível, o sumo bem, oqual não é possível no mundo sensível por nossa faculdade. Nãoobstante, enquanto objeto de nossa razão teórica, a natureza tem queser compatível com esse fim; pois é no mundo sensível que se deveencontrar a consequência ou efeito dessa ideia. Devemos agir, pois, a fimde tornar esse fim real.Encontramos também no mundo sensível vestígios de uma sabedoriaprópria da arte; e isso leva-nos a crer que a causa do mundo operatambém com sabedoria moral em vista do sumo bem. Eis aí umassentimento que basta / para o agir, isto é, uma crença. Ora, nãoprecisamos dela para agir segundo leis morais, pois estas são dadas pelarazão prática apenas; mas precisamos admitir uma sabedoria supremapara o objeto de nossa vontade moral, ao qual, além da mera retidão denossas ações, não podemos deixar de dirigir os nossos fins. Muitoembora isso nSo seja objetivamente uma referência necessária de nossoarbítrio, o sumo bem é, de uma maneira subjetivamente necessária, oobjeto de uma boa vontade (mesmo humana), e a crença napossibilidade de atingi-lo é uma pressuposição necessária disso.Entre a aquisição de um conhecimento mediante a experiência (a

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posteriori) c mediante a razão (apriori), não há meio termo. Mas, entreo conhecimento de um objeto e a mera pressuposição da possibilidadedo mesmo há um termo médio, a saber, um fundamento empírico ouum fundamento racional para admitir a última relativamente ànecessidade de estender o campo de objetos possíveis além daquelescujo conhecimento nos é possível. Essa necessidade só tem lugar no casoem que o objeto é reconhecido como prático e pela razSo comopraticamente necessário; pois admitir algo em vista da mera extensão doconhecimento teórico é sempre contingente. Essa pressuposiçãopraticamente necessária de um objeto é a da possibilidade do sumo bemenquanto objeto do arbítrio e, por via de consequência, também dacondição dessa possibilidade (Deus, liberdade e imortalidade). Trata-sede uma necessidade subjetiva de admitir a realidade do objeto por causada determinação necessária da vontade. Eis aí o casus extraordinarius,sem o qual a razão prática não pode se manter relativamente a seu fimnecessário, e aqui um favor necessitatis vem socorrê-la / em seu própriojuízo. Ela nSo consegue conquistar logicamente objeto algum, mas podeapenas / opor-se ao obstáculo que a impede de fazer uso dessa ideia quelhe pertence praticamente.Esta crença é a necessidade de admitir a realidade objetiva de umconceito (o sumo bem), isto é, a possibilidade de seu objeto, enquantoum objeto a príorí necessário do arbítrio. Se temos em vista apenas asações, não precisamos dessa crença. Mas, se queremos chegar medianteações até a posse do fim por elas possível, então temos que admitir queeste é perfeitamente possível. Portanto, só posso dizer: vejo-menecessitado por meu fim segundo leis da liberdade a admitir comopossível no mundo um sumo bem, mas não posso necessitar ninguémmais por razões (a crença é livre).A crença racional não pode, por conseguinte, visar jamais oconhecimento teórico; pois aio assentimento objetivamente insuficienteé mera opinião. Ela é meramente uma pressuposição da razão numaintenção prática subjetiva, mas absolutamente necessária. A disposiçãoda vontade (Gesinnnng) segundo leis morais leva a um objeto do arbítriodeterminável pela razão pura. Admitir a factibilidade desse objeto e, porconseguinte, também a realidade da causa disso é uma crença moral ouum assentimento livre e necessário na intenção moral de consumar osseus fins.

Fides é, em sentido próprio, a lealdade no pacto ou a confiança subjetivarecíproca de que cada um há de cumprir a promessa feita ao outro -lealdade e crença.^ 'l Para usar de uma analogia, a razão prática é como que o promitente; ohomem, o promissarius; o bem que se aguarda do feito, o promissum(Nota do Autor).* > Fides é a palavra latina para fé. A expressão: Treite und Glaube, que

/H103 ,M68 i l Portanto, não são temas de crença:A 104 I) Os objetos do conhecimento empírico. Aquilo / que seM 69 chama de crença histórica não pode assim / denominar-seA 105 propriamente crença e enquanto tal não pode se opor ao saber,/pois

ela própria pode ser um saber. O assentimento com base numtestemunho não se distingue nem quanto ao grau, nem quanto àespécie do assentimento por experiência própria.

II) Tampouco os objetos do conhecimento racional(conhecimento apriori), quer se trate do conhecimento teórico, porexemplo na Matemática e na Metafísica; quer se trate do prático,na Moral.

É verdade que se pode crer com base em testemunhosnas verdades de razão matemáticas, em parte porque o erro aquié d i f i c i lmente possível, em par te também porque podeser facilmente descoberto; mas não se pode sabê-las dessa maneira.As verdades de razão filosóficas, porém, não se deixam sequercrer; elas só podem ser sabidas; pois a filosofia não tolera em sia mera persuasão. E, no que concerne em particular aos objetos

Ak 70 do conhecimento racional prático na Moral, os direitos e deveres, /estes tampouco podem dar lugar a uma mera crença. A gente temque estar completamente certa se algo é direito ou não, conformeou contrário ao dever, lícito ou ilícito. Na incerteza não se pode

A 106 arriscar nada em matéria de moral; / nada decidir com o risco deinfringir a lei. Assim, por exemplo, não basta para um juiz que elesimplesmente creia que o acusado de um crime tenha realmentecometido esse crime. Ele tem que o saber (juridicamente), ou estaráagindo sem consciência.

III) São temas de crença apenas aqueles objetos a propósitodos quais o assentimento é necessariamente livre, quer dizer, nãoestá determinado por razões objetivas da verdade, independentes danatureza e do interesse do sujeito.

Eis por que a crença tampouco proporciona, por causa dasrazões meramente subjetivas, uma convicção que se possacomunicar e imponha uma adesão universal, como a convicção queprovém do saber. Ninguém senão eu mesmo pode estar certo davalidade e da imutabilidade de minha crença prática, e a minhacrença na verdade de uma proposição ou na realidade de uma coisa

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traduzimos literalmente por lealdade e crença, tem o sentido da nossaexpressão: boa fé. Entretanto, a tradução literal impõe-se porque nafrase seguinte Kant se refere separadamente a cada uma das palavrasque a compõe. Poderíamos dizer que a crença e a lealdade constituemos dois elementos da boa fé ou da confiança em alguém (N. T.).

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é algo que, relativamente a mim, apenas faz as vezes de umconhecimento, sem ser ela própria um conhecimento.

Moralmente incrédulo é aquele que não admite algo que defato é impossível saber, mas que é moralmente necessário pressupor.Essa incredulidade tem sempre por base uma falta de interessemoral. Quanto maior for a disposição moral de uma pessoa, tanto

A 107 mais / sólida e mais viva também será sua crença em tudo aquilo queele se sente forçado a admitir e pressupor numa intençãopraticamente necessária.

3) Saber. - O assentimento com base numa razão cognitivaque seja tanto objetiva quanto subjetivamente suficiente, ou acerteza, é ou empírico ou racional, conforme se funde seja naexperiência (a própria ou a alheia comunicada), seja na razão. Essadistinção refere-se, pois, às duas fontes em que haurimos todo onosso conhecimento: a experiência e a razão.

A certeza racional é, por sua vez, ou bem a certezamatemática, ou bem a certeza filosófica. Aquela é intuitiva, esta édiscursiva.

A certeza matemática também se chama evidência, porqueum conhecimento intuitivo é mais claro do que um conhecimento

Ak71 discursivo. Portanto, muito embora ambos, o / conhecimentoracional matemático e o conhecimento racional filosófico, sejam emsi igualmente certos, a espécie de certeza nos dois é, no entanto,diferente.

A certeza empírica é uma certeza originária (originarieempírica) na medida em que eu me torno certo de algo porexperiência própria, e uma certeza derivada (derivative empírica) na

A108 medida em que me torno certo disso por experiência alheia. / A estaúltima costuma-se chamar também a certeza histórica.

A certeza racional distingue-se da empírica pelaconsciência da necessidade a ela ligada; ela é, pois, uma certezaapodíctica, a empírica ao contrário é tão-somente uma certezaassertórica. Certeza racional é a que se tem daquilo que sehouver discernido apriori sem qualquer experiência. Por isso nossosconhecimentos podem concernir a objetos da experiência, ao passoque a certeza disso pode ser, no entanto, ao mesmo tempo racional eempírica, a saber, na medida em que uma proposição empiricamentecerta pode vir a ser conhecida a priori.

Não é de tudo que podemos ter uma certeza racional; mas,onde podemos tê-la, temos que preferi-la à empírica.

Toda certeza é ou mediatizada ou não-mediatizada, querdizer, ela ou bem carece de uma prova, ou bem não é passível nemcarente de prova alguma. Ainda que muita coisa em nossoconhecimento só seja mediatamente evidente, quer dizer,

por intermédio de uma prova apenas, tem que haver também algode indemonstrável ou imediatamente certo, e todo o nossoconhecimento tem que partir de proposições imediatamente certas.

As provas sobre as quais repousa toda certeza mediatizadaA 109 ou mediata de um conhecimento são / ou provas diretas ou provas

indiretas, quer dizer, apagógicas. Quando provo uma verdade a partirde seus fundamentos, estou dando uma prova direta da mesma; equando infiro da falsidade do contrário a verdade de umaproposição, estou dando uma prova apagógica. Mas, para que estaúltima tenha validade, é preciso que as proposições sejamcontraditórias ou diametralmente opostas. Pois duas proposiçõesopostas uma à outra de maneira meramente contrária (contrarieopposita) podem ser ambas falsas. A prova que é o fundamento deuma certeza matemática chama-se demonstração, e a que é ofundamento da certeza filosófica chama-se prova acroamática. Oselementos essenciais de toda prova em geral são a matéria e a formada mesma; ou o argumento e a consequência.

Ak72 j Do saber <Wissen> provém a ciência <Wissenschaft>,pelo que se deve entender a suma de um conhecimento enquantosistema. Ela se opõe ao conhecimento comum, isto é, à suma de umconhecimento enquanto mero agregado. O sistema repousa sobreuma ideia do todo a qual precede as partes; no conhecimentocomum, ao contrário, ou no mero agregado de conhecimentos, aspartes precedem o todo. Há ciências históricas e ciências racionais.

A 110 j Numa ciência sabemos mui tas vezes apenas osconhecimentos, mas não as coisas representadas por eles; logo, podehaver uma ciência de algo do qual nosso conhecimento não é um saber.

Das observações que fizemos até aqui sobre a natureza e asespécies do assentimento podemos extrair agora o seguinteresultado geral, a saber, que toda a nossa convicção é, porconseguinte, ou bem lógica ou bem prática. Com efeito, quandosabemos que estamos isentos de todas as razões subjetivas e que, noentanto, o assentimento é suficiente, estamos convencidos e aliáslogicamente convencidos, ou convencidos a partir de razões objetivas(o objeto é certo).

Mas o assentimento completo a partir de razões subjetivas,que, de um ponto de vista prático, valem tanto quanto as objetivas,também é convicção, só que não uma convicção lógica, mas prática(eu estou certo). E esta convicção prática ou esta crença racionalmoral é muitas vezes mais firme do que todo saber. No caso do sabera gente ainda escuta razões contrárias; mas não no caso da crença;

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porque, neste caso, não importam as razões objetivas, mas ointeresse moral do sujeito/12)

^ conv^C(^10 °P°e-se ̂ persuasão; um assentimento a partirde razões insuficientes, das quais não se sabe se são meramentesubjetivas ou também objetivas.

Muitas vezes a persuasão precede a convicção. De muitosconhecimentos só temos consciência de uma maneira tal que nãopodemos julgar se as razões de nosso assentimento são razõesobjetivas ou subjetivas. Por isso, precisamos, para passar da merapersuasão à convicção, primeiro refletir, quer dizer, ver a qual denossos poderes cognitivos pertence o conhecimento; e em seguidainvestigar, isto é, examinar se as razões são suficientes ouinsuficientes relativamente ao objeto. Em muitos casos ficamos na

A112 persuasão. Em alguns, chegamos até a / reflexão, em poucos àinvestigação. Quem sabe o que se exige para a certeza não há deconfundir facilmente a persuasão e a convicção e, por conseguinte,também não se deixará persuadir facilmente. Há uma razãodeterminante para o aplauso , que se compõe de razões objetivas esubjetivas, e este resultado mesclado, a maioria das pessoas não odiscrimina.

Muito embora toda persuasão seja falsa quanto à forma(formaliter), a saber, na medida em que um conhecimento incertoparece ser aqui certo, ela pode no entanto ser verdadeira quanto àmatéria (materialiter). E assim ela também se distingue da opinião,que é um conhecimento incerto, na medida em que esta é tidapor incerta.

A suficiência do assentimento (na crença) pode ser posta àprova na aposta ou no juramento. Para a primeira faz-se mister umasuficiência comparativa, para o segundo uma suficiência absoluta

(12) Essa convicção prática é, pois, a crença racional moral, que só pode serchamada de crença no sentido mais próprio e, enquanto tal, / tem quese opor ao saber e a toda convicção teórica ou lógica em geral, porqueela jamais consegue se elevar até o saber. A chamada crença histórica,ao contrário, não deve, como já se observou, ser distinguida do saber,pois ela pode ser ela própria, enquanto espécie de assentimento teóricoou lógico, um saber. Podemos, baseando-nos no testemunho dos outros,aceitar uma verdade empírica com a mesma certeza que teríamos setivéssemos chegado a ela graças a fatos da experiência própria. Naprimeira espécie do conhecimento empírico há algo de enganoso, bemcomo na segunda.O saber empírico histórico ou mediato repousa sobre a confiabilidadedos testemunhos. De uma testemunha irrecusável exigem-se:autenticidade (solidez) e integridade (Nota do Autor).

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de razões objetivas, que podem ser substituídas, caso façam falta,por um assentimento absolutamente suficiente de um ponto devista subjetivo.

As pessoas costumam usar com frequência as seguintesexpressões: louvar-se em seu juízo, reservar, suspender ou abrir mãode seu juízo. Estas e outras semelhantes maneiras de dizer parecem

A 113 l indicar que há em nosso julgar algo de arbitrário na medida em quetomamos algo por verdadeiro, porque queremos toma-lo porverdadeiro. Pergunta-se, pois: será que o querer tem algumainfluência sobre os nossos juízos?

De uma maneira imediata a vontade não tem influênciaalguma sobre o assentimento, o que aliás seria um contra-senso.

Ak 74 Quando se diz: acreditamos de bom grado l naquilo que desejamos,isto refere-se apenas aos nossos desejos bem-intencionados,por exemplo, os desejos de um pai para os seus filhos. Se avontade tivesse uma influência imediata sobre a nossa convicçãoquanto àquilo que desejamos, estaríamos o tempo todo a construirquimeras de um estado de felicidade, e também não cessaríamos detoma-las por verdadeiras. A vontade, porém, não pode lutar contraprovas convincentes de verdades que contrariem seus desejose inclinações.

Mas, na medida em que a vontade ou bem impele oentendimento à investigação de uma verdade, ou bem impede-o defazê-lo, cumpre conceder-lhe uma influência sobre o uso doentendimento e, por conseguinte, também mediatamente sobre aprópria convicção, já que esta depende também do uso doentendimento.

No que concerne, porém, à suspensão ou à reserva de nossojuízo, esta consiste no propósito de não deixar que um juízo

A 114 provisório se transforme num juízo determinante. / Um juízoprovisório é um juízo pelo qual eu me represento que há, a bemdizer, mais razões em favor da verdade de um coisa do que contra,mas que essas razões ainda não são suficientes para um juízodeterminante, pelo qual eu me decido sem rodeios pela verdade. Ojuízo provisório é, pois, um juízo do qual se tem consciência de seucaráter meramente problemático.

A reserva do juízo pode ocorrer numa dupla intenção; oubem com o objetivo de buscar as razões do juízo determinante; oubem com o objetivo de jamais julgar. No primeiro caso, a suspensãodo juízo chama-se crítica (suspensio iudicii indagatoria), no últimocéptica (suspensio iudicii sceptica). Pois o céptico renuncia a todojulgar; o verdadeiro filósofo, ao contrário, apenas suspende o seujuízo, na medida em que não tem bastantes razões para tomar algopor verdadeiro.

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Para suspender seu juízo segundo máximas é mister umpoder de julgar exercitado, que só se adquire com o aumento dosanos. A reserva do aplauso, sobretudo, 6 uma coisa muito difícil paranós, em parte porque o nosso entendimento é tão ávido deampliar-se pelo julgar e de enriquecer-se de conhecimentos, emparte porque o nosso pendor está sempre mais dirigido para certascoisas do que para outras. Mas quem muitas vezes teve que retirar

A 115 o seu aplauso, / tendo-se tornado por isso prudente e cauteloso, nãoAk 75 o dará mais tão rapidamente, de medo de ter em seguida / de voltar

atrás em seu juízo. Esta retratação é sempre uma ofensa e uma causada desconfiança de todos os demais conhecimentos.

Observemos aqui ainda que são duas coisas diferentesdeixar o seu juízo in dúbio e deixá-lo in suspenso. Neste último caso,continuo a me interessar pela coisa; no primeiro, porém, nemsempre é conveniente aos meus fins e interesses decidir se a coisa éverdadeira ou não.

Os juízos provisórios são muito necessários e mesmoindispensáveis para o uso do entendimento em toda meditação einvestigação. Pois eles servem para dirigir o entendimento em suaspesquisas, fornecendo-lhe para esse fim diversos meios.

Quando meditamos sobre um objeto, temos que julgarsempre provisoriamente, por assim dizer farejando já oconhecimento que a meditação há de nos proporcionar. E quandosaímos em busca de invenções ou descobertas, temos que fazersempre um plano provisório; de outro modo os pensamentos vãoavançar a esmo apenas. Eis por que podemos pensar os juízosprovisórios como máximas para a investigação de uma coisa.Poderíamos denominá- los também antecipações, porque

A116 antecipamos o nosso juízo de uma coisa antes mesmo de ter o/juízodeterminante. Semelhantes juízos têm, pois, sua utilidade, e seriaaté mesmo possível dar regras acerca da maneira pela qual devemosjulgar provisoriamente sobre um objeto.

Dos juízos provisórios temos que distinguir os prejuízos.Prejuízos são juízos provisórios, na medida em que se vêem

admitidos como princípios. Todo prejuízo deve ser considerado comoum princípio de juízos erróneos, e dos prejuízos não se originamprejuízos mas, sim, juízos erróneos. Donde, é preciso distinguir oconhecimento falso que se origina do prejuízo de sua fonte, opróprio prejuízo. Assim, por exemplo, o significado dos sonhos nãoé em si nenhum prejuízo, mas um erro que se origina da adoção daregra geral segundo a qual o que às vezes ocorre ocorre sempre, ou

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deve ser tido sempre por verdadeiro. E esse princípio, ao qual o,significado dos sonhos também está subordinado, é um prejuízo.

Às vezes os juízos são verdadeiros juízos provisórios; só éilegítimo o fato de assumirem para nós o valor de princípios ou

Ak 76 juízos determinantes. / A causa dessa ilusão deve-se buscar no fatode que razões subjetivas se vêem erroneamente consideradas como

A 117 ob]cúvas, por falta da reflexão que / tem que preceder todo julgar.Pois nós podemos admitir também muitos conhecimentos, porexemplo, as proposições imediatamente certas, sem investigá-las,quer dizer, sem examinar as condições de sua verdade; assim, nãopodemos nem devemos julgar sobre coisa alguma sem refletir, semcomparar um conhecimento com o poder cognitivo do qual ele deveresultar (a sensibilidade ou o entendimento). Ora, se admitimosjuízos sem reflexão, que também é necessária mesmo quandonenhuma investigação tem lugar, surgirão daí prejuízos, ouprincípios para julgar a partir de causas subjetivas, que serãoerroneamente tidas por razões objetivas.

As principais fontes dos prejuízos são: a imitação, o hábitoe a inclinação.

A imitação tem uma influência universal sobre os nossosjuízos; pois há uma forte razão para considerar como verdadeiro oque os outros qualificaram como tal. Donde o prejuízo: o que todoo mundo faz está certo. No que concerne aos prejuízos que seoriginaram do hábito, eles só podem ser exterminados ao longo dotempo, na medida em que o entendimento, detido e retardado aospoucos em seus juízos por razões contrárias, se veja levadogradualmente a uma maneira de pensar oposta. Mas, se um prejuízodo hábito surgiu ao mesmo tempo pela imitação, então o homem

A 118 que o possui dificilmente há de ser curado dele. Um prejuízo / porimitação também pode ser chamado de pendor ao uso passivo darazão, ao invés da espontaneidade da mesma segundo leis.

A razão, é verdade, é um princípio ativo que não deve tomarnada de empréstimo à simples autoridade de outrem, nem sequer àexperiência, quando se trata de seu uso puro. Mas a preguiça deinúmeras pessoas faz com que elas prefiram seguir as pegadas dosoutros a mobilizar as forças de seu próprio entendimento.Semelhantes pessoas só podem se tornar cópias de outras, e setodos fossem dessa espécie o mundo permaneceria sempre em umúnico e o mesmo lugar. Por isso é de suma importância enecessidade: não exortar a juventude, como de hábito acontece, àmera imitação.

Há várias coisas que contribuem para nos habituarmos àsAk 77 máximas da / imitação e, destarte, a fazer da razão um solo fecundo

de prejuízos. Entre esses adminículos da imitação, contam-se:

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1) Fórmulas. - Estas são regras cuja expressão serve de| !> modelo para a imitação. Elas são, de resto, extremamente úteis para: l facilitar no caso de proposições complicadas, razão por que o mais

aclarado dos espíritos procura inventar semelhantes regras.A 119 l 2) Aforismos <Sprilche>, cuja expressão se caracteriza

pela grande justeza com que transmite um sentido muito rico, de talsorte que parece impossível abrangê-lo com menos palavras.Semelhantes ditos (dieta), que se devem sempre tomar deempréstimo a outros a quem se atribua uma certa infalibilidade,servem por causa dessa autoridade de regra e de lei. Os ditos daBíblia chamam-se aforismos /caT'e£cjfj/v.( )

3) Sentenças, isto é, proposições que se recomendam emuitas vezes preservam seu prestígio ao longo dos séculos comoprodutos de um poder de julgar amadurecido, graças à ênfase dospensamentos aí encerrados.

4) Cânones. - Tais são ensinamentos gerais que servem defundamento às ciências e indicam algo de elevado e longamentemeditado. Também se podem exprimir de maneira sentenciosa paraque agradem ainda mais.

5) Ditados (proverbia). - Estes são regras populares dosenso comum, ou expressões para designar os juízos populares domesmo. Visto que semelhantes proposições puramente provinciaissó servem de sentenças e cânones ao populacho comum, não devemocorrer entre as pessoas de educação mais fina.

Das três fontes gerais anteriormente indicadas dosA120 prejuízos e, em particular, da imita / cão nascem, por sua vez,

diversos prejuízos particulares, entre os quais vamos mencionar aquios seguinte como sendo os mais comuns.

1) Prejuízos do prestígio. - Entre estes devem-se contar:a) o prejuízo do prestígio da pessoa. - Quando, em coisas que

se baseiam na experiência e em testemunhos, edificamos nossoconhecimento sobre o prestígio de outras pessoas, nem por isso nostornamos culpados de prejuízo algum, pois nesse género de coisas,

Ak 78 /visto que não podemos ter nós próprios a experiência de tudo nemabrangê-las com o nosso próprio entendimento, o prestígio dapessoa tem que ser o fundamento de nossos próprios juízos. Mas,quando fazemos do prestígio de outrem a razão de nossoassentimento relativamente a conhecimentos racionais, então

(13) De preferência, por excelência (N. T.).

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estamos admitindo esses conhecimentos com base no mero prejuízo.Pois as verdades racionais têm uma validade anónima; aqui a questãonão é: quem o disse, mas o que disse ele? Não importa se umconhecimento é de origem nobre; não obstante, o pendor a conferirprestígio aos grandes homens é muito grande, em parte por causada limitação de nosso próprio discernimento, em parte por causa dodesejo de imitar o que nos é descrito como grande. A isso acresceainda que o prestígio da pessoa serve para lisonjear de maneiraindireta a nossa vaidade. Com efeito, assim como os súditos de um

A 121 déspota poderoso / se orgulham de que todos eles se vejam tratadosigualmente por ele, uma vez que o menor deles se pode presumirigual ao mais excelente na medida em que ambos nada são em facedo poder irrestrito de quem os domina, assim também se estimamiguais os admiradores de um grande homem, na medida em que asprimazias que possam ter uns sobre os outros devem serconsideradas como insignificantes diante dos méritos do grandehomem. Por mais de uma razão, pois, os grandes homens muitocelebrados não deixam de contribuir, e muito, para o pendor aoprejuízo do prestígio da pessoa.

b) Ò prejuízo do prestígio do grande número. - A esseprejuízo inclina-se sobretudo opopulacho. Com efeito, como ele nãosabe avaliar os méritos, as aptidões e os conhecimentos da pessoa,cie prefere ater-se ao juízo do grande número, na pressuposição deque o que todos dizem deve mesmo ser verdade. Entretanto, esseprejuízo concerne nele apenas a coisas históricas; em matéria dereligião, na qual ele tem um interesse próprio, ele confia no juízodas pessoas doutas.

De resto, é notável que o insciente tenha um prejuízofavorável à sapiência, e que, ao contrário, o douto, por sua vez, tenhaum prejuízo favorável ao senso comum.

A 122 l Quando o sábio, depois de haver percorrido suficientementeo círculo das ciências, não encontra em nenhum de seus esforços a

Ak79 devidasatisfação,eleacabapordesenvolveruma/desconfiançaemfaceda sapiência, em particular no que respeita às especulações nas quaisos conceitos não podem ser tornados sensíveis e cujos fundamentos sãovacilantes, como por exemplo na Metafísica. Mas, como ele crê que achave para a certeza sobre certas coisas tem que ser encontrada emalgum lugar, ele vai procurá-la então no senso comum, depois de tê-laprocurado por tanto tempo e em vão, percorrendo a via da pesquisacientífica.

Só que essa esperança é muito ilusória; com efeito, se afaculdade da razão cultivada não consegue realizar nada em vista doconhecimento de certas coisas, seguramente também não há deconsegui-lo a razão não-cultivada. Na Metafísica, o recurso aos

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proferimentos do senso comum é sempre totalmente inadmissível,porque aqui nenhum fato pode ser apresentado in concreto. Com aMoral, porém, as coisas se passam de outro modo. Não apenas naMoral todas as regras podem ser dadas in concreto, mas a razão puramanifesta-se também de modo geral mais clara e mais corretamenteatravés do órgão do uso comum do que através do órgão do usoespeculativo do entendimento. Eis por que o entendimento comumjulga muitas vezes, em matéria de moralidade, com maior correçãodo que o entendimento especulativo.

A 123 j c) O prejuízo do prestígio da época. - Um dos maisimportantes aqui é o prejuízo da Antiguidade. É verdade que temosrazão de julgar favoravelmente da Antiguidade; mas esta é apenasuma razão para um respeito moderado, cujos limites frequentementeultrapassamos ao fazer dos Antigos os tesoureiros dos conhecimentose das ciências, elevando o relativo valor de seus escritos a um valorabsoluto e confiando-nos cegamente à sua orientação. Superestimartanto os Antigos é o mesmo que levar o entendimento de volta aosanos de sua infância e negligenciar o uso de seu próprio talento.Também erraríamos muito se acreditássemos que todos os autoresda Antiguidade teriam escrito num estilo tão clássico como aquelescujos escritos chegaram até nós. Pois, como o tempo passa tudo peloseu crivo e só permanece aquilo que tem um valor intrínseco, não serásem razão que supomos possuir apenas os melhores escritos dos Antigos.

Há várias causas que produzem e entretém o prejuízo daAntiguidade.

Ak 80 l Quando algo ultrapassa a expectativa baseada numa regrageral, a gente de início se espanta com isso, e esse espanto muitas

A 124 vezes se transforma em seguida em admiração. Tal é o / caso com osAntigos quando se encontra entre eles algo que não se buscava,tendo em vista as circunstâncias do tempo em que viviam. Uma outracausa está na circunstância de que o conhecimento dos Antigos e daAntiguidade demonstra uma erudição e uma ilustração que sempreconquista o respeito, por mais comuns e sem importância que sejamem si mesmas as coisas que a gente hauriu do estudo dos Antigos.Uma terceira causa é a gratidão que devemos aos Antigos pelo fatode terem aberto para nós a via para muitos conhecimentos. Parecejusto demonstrar-lhes por isso um apreço particularmente elevado,cuja medida porém muitas vezes ultrapassamos. Uma quarta causa,finalmente, deve ser buscada numa certa inveja dos contemporâneos.Quem não consegue se medir com os Modernos põe-se a enalteceros Antigos às custas deles, para que os Modernos não possam seelevar acima dele.

O oposto deste prejuízo é o prejuízo da novidade. Por vezesaconteceu de diminuir o prestígio da Antiguidade e o prejuízo

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favorável a ela, especialmente no início deste século, quando océlebre Fontenelle tomou o partido dos Modernos. No caso deconhecimentos que são passíveis de serem ampliados, é muitonatural que tenhamos mais confiança nos Modernos do que nos

A 125 Antigos. Mas também este juízo só tem/fundamento como um merojuízo provisório. Se dele fazemos um juízo determinante, ele setorna um prejuízo.

2) Prejuízos por amor-próprío ou egoísmo lógico, com baseno qual a concordância do seu próprio juízo com o juízo dos outrosé considerado um critério dispensável da verdade. Opõem-se aosprejuízos do prestígio, visto que se manifestam numa certapredileção por aquilo que é um produto do seu próprioentendimento, por exemplo, de seu próprio sistema doutrinário.

Ak 81

Será que é bom, ou aconselhável, deixar que os prejuízospermaneçam de pé, ou mesmo favorecê-los? É de se espantar queem nossa época /ainda se possam propor semelhantes questões, emparticular quanto ao favorecimento dos prejuízos. Favorecer osprejuízos de alguém é a mesma coisa que enganá-lo com boaintenção. Deixar intactos os prejuízos ainda passaria; pois quempode se ocupar de desencobrir e remover os prejuízos de cada qual?Mas é uma outra questão saber se não seria aconselhávelempenhar-se com todas as suas forças em extirpá-los. Os prejuízosantigos e arraigados são, é verdade, difíceis de combater, porque dãoconta de si mesmos e são, por assim dizer, os seus próprios juizes.

A 126 Também se procura desculpar a permanência / dos prejuízosalegando-se que a sua extirpação traria consigo desvantagens. Masadmitamos sempre essas desvantagens - elas darão azoulteriormente a um bem tanto maior.

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A PROBABILIDADEEXPLICAÇÃO DO PROVÁVEL-DIFERENÇA ENTRE

A PROBABILIDADE E A VEROSSIMILHANÇA -PROBABILIDADE MATEMÁTICA E FILOSÓFICA -

A DÚVIDA - SUBJETIVA E OBJETPVA -A MANEIRA DE PENSAR OU MÉTODO CÉPTICO,

DOGMÁTICO E CRÍTICO DE FILOSOFAR -HIPÓTESES

À doutrina da certeza de nosso conhecimento pertencetambém a doutrina do conhecimento do provável, que se deveconsiderar como uma aproximação da certeza.

Por probabilidade deve-se entender um assentimentofundado em razões insuficientes, mas tendo com as suficientes umarelação mais forte do que as razões do contrário. Com essaexplicação, distinguimos a probabilidade (probabilitas) da meraverossimilhança (verísimilitudo), um assentimento com base em

A 127 razões insuficientes, na / medida em que as mesmas são maiores doque as razões do contrário.

Com efeito, a razão do assentimento pode ser ou bemobjetivamente ou bem subjetivamente maior do que a do contrário.Qual das duas é o caso é algo que só se pode averiguar comparandoas razões do assentimento com as suficientes; pois, quando são

Ak82 suficientes, as razões do assentimento são maiores do que /podemser as razões do contrário. No caso daprobabilidade, pois, a razão doassen t imento é objetivamente válida, no caso da meraverossimili tude, porém, apenas subjeiivamente válida. Averossimilhança é uma simples magnitude da persuasão, aprobabilidade é uma aproximação da certeza. No caso daprobabilidade é preciso haver sempre um padrão pelo qual eu possaestimá-la. Esse padrão é a certeza. Pois, uma vez que devo compararas razões insuficientes com as suficientes, tenho que saber quantose exige para a certeza. Mas semelhante padrão faz falta no caso damera verossimilitude, visto que eu aqui comparo as razões

insuficientes, não com as suficientes, mas apenas com as razões docontrário.

Os fatorcs da probabilidade podem ser homogéneos ouheterogéneos. Se eles são homogéneos, como no conhecimentomatemático, então têm que ser numerados; se elessão heterogéneos,

A 128 como no conhecimento filosófico, então / têm que ser ponderados,isto é, estimados quanto ao efeito; mas este, por sua vez, quanto àsuperação dos obstáculos na mente. Os fatores heterogéneos nãodão nenhuma relação com a certeza, mas apenas de umaverossimilitude com a outra. Disto segue-se que só o matemáticopode determinar a relação das razões insuficientes com a razãosuficiente; o filósofo tem que se satisfazer com a verossimilhança,um assentimento suficiente de um ponto de vista meramentesubjetivo e prático. Pois, no conhecimento filosófico, por causa daheterogeneidade das razões, não é possível estimar a probabilidade;os pesos aqui não estão todos, por assim dizer, aferidos. Daprobabilidade matemática pode-se por isso mesmo dizer, a rigor,apenas o seguinte: que ela é mais do que a metade da certeza.

Tem-se falado muito de uma Lógica da probabilidade(lógica probabiíium). Só que esta não é possível; pois, se a relaçãodas razões insuficientes com a suficiente não se deixa avaliarmatematicamente, então de nada valem todas as regras. Tampoucoé possível dar regras gerais da probabilidade, exceto que o erro nãoatingirá sempre o mesmo lado, mas, sim, que uma razão da anuênciatem que estar no objeto; do mesmo modo que, quando se erra dosdois lados opostos no mesmo número e grau, a verdade está no meio.

i/ A dúvida é uma razão contrária ou um mero obstáculo do

assentimento, que pode ser considerada quer subjetiva querobjetivamente. Subjetivamente, ela é às vezes considerada como oestado de uma mente indecisa, e objetivamente como oconhecimento da insuficiência das razões para o assentimento.Nesse último respeito, ela se chama objeção, isto é, uma razãoobjetiva para se ter por falso um conhecimento tido por verdadeiro.

Uma razão contrária, de validade meramente subjetiva,para o assentimento é um escrúpulo. No caso do escrúpulo não sesabe se o obstáculo do assentimento é objetivo ou apenas subjetivo,por exemplo, fundado apenas na inclinação, hábito e coisassemelhantes. A gente duvida sem que possa se explicar de maneiraclara e determinada sobre a razão de duvidar e sem que possadiscernir se esta razão está no objeto ele próprio ou apenas nosujeito. Ora, se esses escrúpulos devem poder ser afastados, eles têm

98 99

Page 50: Lógica - Immanuel Kant

que ser elevados à clareza c determinidadc de uma objeção. Pois épor meio de objeções que a certeza 6 trazida à clareza e completude,e ninguém pode estar certo de uma coisa se não se suscitarem razõescontrárias, através do que se pode determinar até que ponto a genteainda está afastada da certeza, ou quão perto a gente está da mesma.Tampouco basta que cada dúvida seja meramente respondida; - a

A 130 gente /também tem que resolvê-la, quer dizer: tem que explicar comosurgiu o escrúpulo. Se isso não acontece, a dúvida se vê apenasrejeitada, mas não superada; restará sempre a semente da dúvida. Éverdade que em muitos casos não podemos saber se o obstáculo doassentimento cm nós tem razões apenas subjetivas ou objetivas , epor conseguinte não poderemos afastar o escrúpulo pelodesencobrimento da aparência; pois nem sempre podemoscomparar os nossos conhec imentos com o objeto, masfrequentemente apenas uns com os outros. Por isso é modéstiaapresentar suas objeções como dúvidas apenas.

cepticismo absoluto afirma que tudo não passa de aparência. Eledistingue pois a aparência da verdade e, por conseguinte, tem quepossuir uma característica distintiva; logo, tem que pressupor umconhecimento da verdade, com o que se contradiz.

Há um princípio da dúvida que consiste na máxima de trataros conhecimentos com o intuito de torná-los incertos e de mostrara impossibilidade de se chegar à certeza. Este método de filosofar éo modo de pensar céptico, ou o cepticismo. Ele se opõe ao modo de

Ak 84 pensar dogmático, ou dogmatismo, j que é uma confiança cega nopoder da razão de estender-se sem crítica e apriori mediante merosconceitos, tão-somente por causa de seu aparente sucesso.

Ambos os métodos são erróneos, se generalizados. Pois hámuitos conhecimentos relativamente aos quais não podemos

A131 proceder dogmaticamente; e, por outro lado, o cep / ticismo, aorenunciar a todo conhecimento afirmativo, anula todos os nossosesforços para chegar à posse de um conhecimento do que é certo.

Mas, por mais nocivo que seja este cepticismo, não deixa deser útil e apropriado o método céptico, na medida em que não seentenda por isso outra coisa senão a maneira de tratar algo comoincerto, trazendo-o ao mais alto grau de incerteza na esperança dese colocar por este caminho no rastro da verdade. Este método é,pois, a rigor, uma mera suspensão do juízo. Ele é muito útil aoprocedimento crítico, pelo que se deve entender aquele método defilosofar pelo qual investigamos as fontes de nossas asserções ouobjeções e as razões em que estas se baseiam; um método que dá aesperança de chegar à verdade.

Na Matemática e na Física, o cepticismo não tem lugar. Sópode dar ocasião a ele aquele conhecimento que não é nemmatemático nem empírico: o conhecimento puramente filosófico. O

Observamos acima a propósito da probabilidade que ela éA 132 uma mera aproximação da certeza. - / Ora, isto é também o caso, em

particular, com as hipóteses, mediante as quais jamais podemoschegar a uma certeza apodíctica, mas sempre tão-somente a um graude probabilidade, ora maior, ora menor, em nosso conhecimento.

Uma hipótese é um assentimento do juízo à verdade de umarazão em vista da suficiência das consequências, mais concisamente:o assentimento de uma pressuposição enquanto razão.

Todo assentimento em matéria de hipóteses baseia-se, porAk 85 conseguinte, no fato de que / a pressuposição, enquanto razão, é

suficiente para explicar a partir dela outros conhecimentos a títulode consequências. Pois nós inferimos aqui da verdade dasconsequências a verdade da razão. Mas, visto que esse tipo deinferência, como já se observou acima, só dá um critério suficienteda verdade e só consegue conduzir a uma certeza apodíctica quandosão verdadeiras todas as consequências possíveis de uma razãoaceita, fica claro então, já que não podemos determinar todas asconsequências possíveis, que as hipóteses permanecem semprehipóteses, quer dizer: pressuposições cuja certeza jamais podemosatingir. Apesar disso, a probabilidade de uma hipótese pode semprecrescer e elevar-se a um análogo da certeza, a saber, quando todasas consequências que temos observado até agora podem ser

A 133 explicadas a partir da razão pressuposta. Pois em / semelhante casonão há razão alguma por que não devamos admitir que todas asconsequências possíveis possam ser explicadas a partir daí. Nós nosrendemos, pois, neste caso à hipótese como se ela fosse inteiramentecerta, muito embora ela só o sejapor indução.

E, no entanto, há também em toda hipótese algo que temque ser apodicticamente certo, a saber:

1) a possibilidade da própria pressuposição. — Se, porexemplo, admitimos para a explicação dos terremotos e vulcõesum fogo subterrâneo, semelhante fogo deve sempre ser possível,se não exatamente sob a forma de um corpo em chamas, pelomenos como um corpo cheio de calor. Mas, em vista de certosoutros fenómenos, fazer da terra um animal no qual a circulaçãodos humores produz o calor, não passa de uma mera ficção e estálonge de ser a formulação de uma hipótese. Pois pode-se muito

100101

Page 51: Lógica - Immanuel Kant

bem fingir realidades, mas não possibilidades; estas têm queser certas.

2) A consequência. - As consequências têm que derivarcorretamente das razões admitidas; senão a hipótese se torna umasimples quimera.

3) A unidade. - É um requisito essencial de uma hipóteseque ela seja uma só c não careça de hipóteses auxiliares paraapoiá-la. Se, ao fazer uma hipótese, tivermos que recorrer a váriasoutras, ela perderá com isso muito de sua probabilidade. Pois,

A 134 quanto mais consequências de uma hipótese / se deixarem derivar,tanto mais provável ela haverá de ser; quanto menos consequências,tanto mais improvável. Assim, por exemplo a hipótese de TichoBrahe não era suficiente para a explicação de muitos fenómenos; daípor que, para complementá-la, ele tenha admitido várias hipóteses

Ak 86 novas. / Ora, já se pode adivinhar aqui que a hipótese admitida nãopoderia ser a verdadeira razão. Ao contrário, o sistema copernicanoé uma hipótese a partir da qual se pode explicar tudo o que deve serexplicado a partir dela, - tanto quanto se tenha observado até agora.Não precisamos aqui de hipóteses aux i l i a res (hypothesessubsidiarias).

Há ciências que não admitem hipótese alguma, como porexemplo a Matemática e a Metafísica. Mas, na Doutrina daNatureza, elas são úteis e indispensáveis.

102

APÊNDICE

I)A DISTINÇÃO ENTRE O CONHECIMENTO TEÓRICO E OCONHECIMENTO PRÁTICO

Um conhecimento é chamado de prático por oposição aoteórico, mas também em oposição ao conhecimento especulativo.

Os conhecimentos práticos são ou bem:1) imperativos c, neste medida, opostos aos conhecimentos

teóricos; ou bem contêm:A 135 j 2) as razões para possíveis imperativos e, nesta medida,

opõem-se aos conhecimentos especulativos.Por imperativo em geral deve-se entender toda proposição

enunciando uma possível ação livre pela qual um certo fim deve serrealizado. Logo, todo conhecimento que contenha imperativos éprático, devendo aliás ser chamado de prático por oposição aoconhecimento teórico. Pois os conhecimentos teóricos são aquelesque enunciam, não o que deve ser, mas o que é; portanto, os que têmpor objeto não um agir, mas um ser.

Se, ao contrário, opusermos os conhecimentos práticos aosconhecimentos especulativos, eles podem então também ser teóricos,na medida em que deles só se puderem derivar imperativos. Eles serãoentão, considerados sob este aspecto, práticos quanto ao conteúdo(in potentia), ou objetivamente. Com efeito, por conhecimentosespeculativos entendemos aqueles dos quais nenhuma regra docomportamento pode ser derivada, ou que não contêm nenhumarazão para possíveis imperativos. Semelhantes proposiçõesmeramente especulativas existem em quantidade, por exemplo, naTeologia. Tais conhecimentos especulativos são, por conseguinte,

Ak87 sempre teóricos; mas, inversamente, nem / todo conhecimentoteórico é especulativo; considerados sob um outro aspecto, elestambém podem ser ao mesmo tempo práticos.

A 136 l Tudo acaba por dar no prático; c é nesta tendência de tudoo que é teórico e de toda especulação relativamente ao seu uso queconsiste o valor prático de nosso conhecimento. Mas esse valor só éincondicionado quando o fim para o qual se volta o uso prático do

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Page 52: Lógica - Immanuel Kant

conhecimento é um fimincondicionado. O único fim incondicionadoe derradeiro (fim último), ao qual todo uso prático de nossoconhecimento tem afinal que se referir, é a moralidade, que por issotambém denominamos o puro e simplesmente prático ouabsolutamente prático. E a parte da Filosofia que tem por objeto amoralidade teria, por conseguinte, que se chamar de Filosofiaprática KaT'e£0£j/v;(14) muito embora qualquer outra ciênciafilosófica também tenha sempre a sua paneprática, quer dizer, possaconter relativamente às teorias formuladas uma instrução para o usoprático das mesmas em vista da realização de certos fins.

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DOUTRINA GERAL DOS ELEMENTOS

(14) Por excelência (N. T.).

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Page 53: Lógica - Immanuel Kant

A139 l CAPITULO I

DOS CONCEITOS

Page 54: Lógica - Immanuel Kant

#1O CONCEITO EM GERAL E A DISTINÇÃO

ENTRE INTUIÇÃO E CONCEITO

Todos os conhecimentos, quer dizer, todas asrepresentações relacionadas a um objeto são ou intuições ouconceitos. A intuição é uma representação singular (repraesentatiosingularis), o conceito uma representação universal (repraesentatioper notas communes), ou refletida (repraesentatio discursiva).

O conhecimento por conceitos chama-se pensamento(cognitio discursiva).

Observações: 1) O conceito opõe-se à intuição; pois ele éuma representação universal ou uma representação daquilo que é

A 140 comum a diversos objetos, / logo uma representação na medida emque pode estar contida em diferentes objetos.

2) É uma mera tautologia falar em conceitos universaisou comuns; um erro que se baseia numa divisão incorreta dosconceitos em universais, particulares e singulares. Não são osconceitos eles próprios, mas tão-somente o seu uso que pode serassim dividido.

#2MATÉRIA E FORMA DOS CONCEITOS

Em todo conceito é preciso distinguir matéria e forma. Amatéria dos conceitos é o objeto; sua forma, a universalidade.

Ak92 l#3CONCEITO EMPÍRICO E CONCEITO PURO

O conceito é ou um conceito empírico ou um conceito/wro(vel empiricus vel intellectualis). Um conceito puro é um conceito que

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Page 55: Lógica - Immanuel Kant

não é tirado da experiência, mas se origina quanto ao conteúdotambém do entendimento.

A ideia é um conceito da razão, cujo objeto não se pode demodo algum encontrar na experiência

A141 l Observações: 1) O conceito empírico origina-se dossentidos pela comparação dos objetos da experiência e recebemediante o entendimento unicamente a forma da universalidade. Arealidade desses conceitos baseia-se na experiência efetiva, dondesão hauridos quanto ao conteúdo. - Mas se há ou não conceitos purosdo entendimento (conceptus puri) que enquanto tais se originam,independentemente de toda experiência, única e exclusivamente doentendimento é uma questão que a Metafísica tem de investigar.

2) Os conceitos da razão ou ideias não podem de modoalgum levar a objetos reais, porque todos estes têm que estarcontidos numa experiência possível. Mas eles servem no entanto,por intermédio da razão, para guiar o entendimento da maneira maisperfeita em vista da experiência e do uso das regras desta, ou tambémpara mostrar que nem todas as coisas possíveis são objetos daexperiência, e que os princípios da possibilidade destes últimos nãovalem das coisas em si mesmas, nem sequer dos objetos daexperiência enquanto coisas em si mesmas.

A ideia contém o arquétipo do uso do entendimento, porexemplo, a ideia do Universo, a qual tem que ser necessária, nãoenquanto princípio constitutivo para o uso empírico, mas apenasenquanto princípio regulativo em vista da conexão completa de

A 142 nosso / uso empírico do entendimento. Ela deve, pois, serconsiderada como um conceito fundamental necessário seja paraacabar objetivamente os atos de subordinação do entendimento, sejapara considerá-los como ilimitados. Também não se pode obter aidéiapor composição; pois aqui o todo é anterior à parte. Entretanto,há ideias que admitem uma aproximação. Tal é o caso com as ideiasmatemáticas, ou as ideias do engendramento matemático de um todo,que se distinguem essencialmente das dinâmicas, que são

Ak 93 inteiramente heterogéneas a todos os conceitos concretos, / porqueo todo é diferente dos conceitos concretos, não segundo aquantidade (como no caso das ideias matemáticas), mas segundoa espécie.

Não se pode proporcionar realidade objetiva a nenhumaideia teórica, nem prová-la, com exceção da ideia da liberdade;e isso porque esta é a condição da lei moral, cuja realidade éum axioma. A realidade da ideia de Deus só pode ser provadamediante esta última e, portanto, só numa intenção prática, qualseja, a de agir como se existisse um Deus, logo, unicamente paraessa intenção.

110

Em todas as ciências, noladamente as da razão, a ideia daA 143 ciência é o plano geral ou delineamento da mesma; logo, o /contorno

de todos os conhecimentos que lhe pertencem. Semelhante idéiadotodo - a primeira coisa que se tem de ver e procurar em um ciência,é arquitetônica, assim como, por exemplo, a ideia da Ciência doDireito.

A ideia da humanidade, a ideia de uma república perfeita,de uma vida feliz e coisas que tais estão ausentes na maioria doshomens. Muitos homens não têm nenhuma ideia do que querem, daípor que se conduzam pelo instinto e autoridade.

#4CONCEITOS DADOS (A PRIORI OU A POSTERIORI)

E CONCEITOS FACTÍCIOS

Todos os conceitos são, quanto à matéria, ou bem dados(conceptus dali) ou bem factícios (conceptus factitii). Os primeirossão ou a priorí ou a posteriori.

Todos os conceitos dados empiricamente ou a posteriori sedenominam conceitos da experiência; os que são dados a priorí,noções.

Observação. - A forma de um conceito, enquantorepresentação discursiva, é sempre factícia.

A 144 l #5ORIGEM LÓGICA DOS CONCEITOS

A origem dos conceitos, quanto à forma, está na reflexão ena abstração da diferença das coisas designadas por uma certarepresentação. Por conseguinte, surge aqui a questão: quais são osatos do entendimento que constituem um conceito, ou - o que dá nomesmo - pertencem à produção de um conceito a partir derepresentações dadas?

Ak94 l Observações: 1) Visto que a Lógica abstrai de todoconteúdo do conhecimento por conceitos, ou de toda matéria dopensamento, ela só pode considerar o conceito com respeito à suaforma, quer dizer, apenas subjetivamente; não como ele determinaum objeto mediante uma característica, mas apenas como ele podeser relacionado a vários objetos. A Lógica geral não tem, pois, deinvestigar a fonte dos conceitos; não como os conceitos se originamenquanto representações, mas unicamente como representaçõesdadas se tornam conceitos no pensamento; não importa, de resto, seesses conceitos contenham algo que tenha sido tirado daexperiência, ou mesmo algo de fictício, ou tomado da natureza do

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Page 56: Lógica - Immanuel Kant

A 145 entendimento. Esta origem lógica dos conceitos - a / origem quantoà sua mera forma - consiste na reflexão pela qual surge umarepresentação, comum a vários objetos (conceptus communis), comoaquela forma que é requerida pelo poder de julgar. Por conseguinte,na Lógica considera-se meramente a diferença da reflexão nosconceitos.

2) A origem dos conceitos quanto à sua matéria - segundoa qual um conceito é ou empírico, ou arbitrário, ou intelectual - éexaminada na Metafísica.

#6ATO LÓGICO DA COMPARAÇÃO,

REFLEXÃO E ABSTRACÁO

Os atos lógicos do entendimento pelos quais os conceitossão gerados quanto à sua forma são:

1) a comparação <Komparation>, ou seja, o cotejo<Vergleichung> das representações entre si em relação com aunidade da consciência;

2) a reflexão <Reflexion>, ou seja, a consideração<Úberlegung> do modo como diferentes representações podemser compreendidas em uma consciência; e finalmente:

3) a abstração <Abstraktion>, ou seja, a separação<Absonderung> de todos os demais aspectos nos quais asrepresentações dadas se diferenciam.

A 146 l Observações: 1) Para fazer conceitos a part ir derepresentações, é preciso, pois, poder comparar, refletir e abstrair,pois essas três operações lógicas do entendimento são as condiçõesessenciais e universais da produção de todo conceito em geral. Euvejo, por exemplo, um pinheiro, um salgueiro e uma tília. Aocomparar antes de mais nada estes objetos entre si, observo que sãodiferentes uns dos outros no que respeita ao tronco, aos galhos, àsfolhas e coisas semelhantes; mas, em seguida, eu reflito apenas sobre

Ak 95 aquilo que eles possam ter em comum entre si, o tronco, os / galhos,as folhas eles próprios, e, se eu abstraio do tamanho, da figura dosmesmos e assim por diante, obtenho um conceito da árvore.

2) Nem sempre se emprega corretamente na Lógica aexpressão abstração. Não devemos dizer: abstrair algo (abstraherealiquid), mas abstrair de algo (abstrahere ab aliquo). Se, por exemplo,no caso de uma púrpura penso apenas a cor vermelha, estouabstraindo do tecido; se também abstraio deste último e penso apúrpura como um substrato material em geral, então estouabstraindo de outras determinações mais, e meu conceito se tornouassim ainda mais abstraio. Pois, quanto mais diferenças se tenham

112

omitido em um conceito ou de quanto mais determinações noA 147 mesmo se tenha abstraído, tanto mais / abstrato é o conceito. Os

conceitos abstratos deviam, pois, a rigor, ser denominadosabstraentes (conceptus abstrahentes), quer dizer, aqueles nos quaisocorrem diversas abstrações. Assim, por exemplo, o conceito decorpo não 6 a rigor um conceito abstrato; pois do corpo ele próprionão posso abstrair, senão não teria o conceito dele. Mas tenhocertamente que abstrair do tamanho, da cor, da dureza ou fluidez,em suma: de todas as determinações especiais de corposparticulares. O conceito mais abstrato è aquele que nada tem emcomum com os que são diferentes deles. Tal 6 o conceito de algo;pois o que é diverso dele é nada e, por conseguinte, nada tem emcomum com o algo.

3) A abstração é apenas a condição negativa sob a qual sepodem produzir representações dotadas de validade universal; apositiva é a comparação c a reflexão. Pois com o abstrair não seengendra nenhum conceito; a abstração apenas o acaba e o encerracm seus limites determinados.

#7CONTEÚDO E EXTENSÃO DOS CONCEITOS

Todo conceito, enquanio conceito parda/, está contido narepresentação das coisas; enquanto razão do conhecimento, isto é,enquanto nota característica, estas coisas estão contidas sob ele. Sob

A 148 o primeiro/aspecto, todo conceito tem um conteúdo; sob o segundo,uma extensão.

O conteúdo c a extensão de um conceito estão numa relaçãoinversa um com o outro. Pois, quanto mais um conceito contenhasob si, tanto mais ele contém em si, e vice-versa.

Observação. - A universalidade ou validade universal doconceito não se baseia no fato de que o conceito é um conceitoparcial, mas no fato de que ele é uma razão do conhecimento.

Ak96 l#8GRANDEZA DA EXTENSÃO DOS CONCEITOS

A extensão ou a esfera de um conceito é tanto maior, quantomais coisas possam se encontrar sob ele e por ele serem pensadas.

Observação. - Assim como se diz de uma razão em geral queela contém sob si a consequência, assim também se pode dizer doconceito que ele, enquanto razão do conhecimento, contém sob sitodas aquelas coisas das quais ele foi abstraído, por exemplo oconceito de metal contém sob si o ouro, a prata, o cobre ele. Pois,

113

Page 57: Lógica - Immanuel Kant

visto que todo conceito, enquanto representação universalmenteA 149 válida, contém aquilo que / é comum a várias representações de

diversas coisas, então todas essas coisas, que estão nesta medidacontidas sob ele, podem ser representadas através dele. E é istoprecisamente que constitui a utilidade de um conceito. Ora, quantomais coisas podem ser representadas por um conceito, tanto maioré a esfera dele. Assim, por exemplo, o conceito de corpo tem umaextensão maior do que o conceito de metal.

#9CONCEITOS SUPERIORES E CONCEITOS INFERIORES

Os conceitos chamam-se superiores (conceptus superiores)na medida em que têm outros conceitos sob si, que em comparaçãocom eles podem ser denominados inferiores. - Uma característica dacaracterística - uma característica remota - é um conceito superior;o conceito que está em relação com uma característica remota, umconceito inferior.

Observação - Visto que os conceitos superiores e inferioressó são assim chamados relativamente (respective), um e o mesmoconceito pode, pois, em diversas relações, ser ao mesmo tempo umconceito superior e um conceito inferior. Assim, por exemplo, oconceito de homem é, cm relação com o conceito de cavalo^um conceito superior; em relação com o conceito de animal, umconceito inferior.

A 150 l# 10GÉNERO E ESPÉCIE

O conceito superior se chama, com respeito ao seu inferior,género (genits), o conceito inferior, relativamente ao seu superior,espécie (species).

Ak97 j Assim como os conceitos superiores e inferiores, assimtambém os conceitos degenero e os conceito de espécie se diferenciam,não quanto à sua natureza, mas apenas com respeito à sua relaçãorecíproca (termini a quo ou ad quod) na subordinação lógica.

(15) A edição da Academia corrige: "o conceito de negro" (N. T.).

114

GÉNERO SUPREMO EESPÉCIE ÍNFIMA

O género supremo é aquele que não é uma espécie (genussummus non est species), assim como a espécie ínfima é aquela quenão é um género (species, quae non est genus, est ínfima).

Em consonância, porém, com a lei da continuidade nãopode haver nem uma espécie ínfima nem uma espécie mais próxima.

Observação. - Se pensamos uma série de vários conceitossubordinados uns aos outros, por exemplo, ferro, metal, corpo,substância, coisa, podemos obter aqui géneros progressivamentesuperiores; pois cada espécie pode sempre ser considerada ao mesmotempo como género relativamente ao seu conceito inferior, por

A 151 exemplo, o / conceito de sábio relativamente ao conceito de filósofo- até que cheguemos finalmente a um género que não pode ser denovo espécie. E a semelhante conceito temos que poder chegarderradeiramente, porque tem que haver afinal um conceito supremo(conceptus summus) do qual, enquanto tal, nada mais se deixaabstrair sem que desapareça o conceito inteiro. Mas um conceitoínfimo (conceptus infimus) ou uma espécie ínfima, sob o qualnenhum outro mais estaria contido, não existe na série das espéciese géneros, porque é impossível determinar semelhante conceito.Pois, ainda que tenhamos um conceito que apliquemosimediatamente a indivíduos, sempre pode haver ainda relativamentea ele diferenças específicas que ou bem não observamos ou bemdesconsideramos. É só comparativamente para o uso que háconceitos ínfimos, que receberam esse significado por assim dizerpor convenção, na medida em que se ajustou não descer mais baixo.

Em vista da determinação dos conceitos de géneros eespécies vale, portanto, a seguinte lei universal: Há um género quenão pode mais ser espécie; mas não há espécie alguma que não possaser de novo género.

/U 52 /# /2CONCEITO MAIS LATO E CONCEITO

MAIS ESTRITO - CONCEITOS RECÍPROCOS

O conceito superior também se chama mais lato; o inferior,mais estrito.

Conceitos que têm a mesma esfera são denominadosconceitos recíprocos (conceptus reciproá).

115

Page 58: Lógica - Immanuel Kant

#13RELAÇÃO DO CONCEITO INFERIOR COM

O SUPERIOR. - DO MAIS LATO COM O MAIS ESTRITO

O conceito inferior não está contido no superior; pois elecontém mais em si do que o inferior; mas ele está no entanto contidosob o mesmo, porque o superior contém a razão do conhecimentodo inferior.

Além disso, um conceito não é mais lato do que outroporque ele contém mais sob si - pois isso não se pode saber -, massim na medida em que ele contém sob si o outro conceito e, além dele,algo mais.

#14REGRAS UNIVERSAIS EM VISTA

DA SUBORDINAÇÃO DOS CONCEITOS

Relativamente à extensão lógica dos conceitos valem asseguintes regras universais:

A 153 l l) Aquilo que cabe ou repugna aos conceitos superiorestambém cabe ou repugna a todos os conceitos inferiores que estejamcontidos sob aqueles conceitos superiores; c

2) inversamente: aquilo que cabe ou repugna a todos osconceitos inferiores, também cabe ou repugna a seu conceito superior.

Observação. - Visto que aquilo em que as coisas convêmderiva de suas propriedades universais, c aquilo em que diferem umadas outras deriva de suas propriedades particulares, não se podeconcluir: aquilo que cabe ou repugna a um conceito inferior tambémcabe ou repugna a outros conceitos inferiores que pertencem

Ak 99 juntamente com aquele a um conceito superior. / Assim, porexemplo, não se pode concluir: o que não cabe ao homem tampoucocabe aos anjos.

#75CONDIÇÕES DO SURGIMENTO DE CONCEITOS

SUPERIORES E INFERIORES: ABSTRAÇÃO LÓGICA EDETERMINAÇÃO LÓGICA

O prosseguimento da abstração lógica faz surgiremconceitos superiores cada vez mais elevados, assim como oprosseguimento da determinação lógica dá origem a conceitos cadavez mais inferiores. A máxima abstração possível dá o conceito

116

A 154 supremo ou mais abstraio, - aquele do qual / o pensamento não podemais a f a s t a r n e n h u m a o u t r a determinação. A mais a l tad e t e r m i n a ç ã o acabada d a r i a um conceito completamentedeterminado (conceplum omnimode determinatum), isto é, umconceito tal que a ele não mais se poderia acrescentar empensamento nenhuma determinação ulterior.

Observação. - Visto que só as coisas singulares ou osindivíduos podem ser completamente determinados, também sópode haver conhecimentos completamente determinados a título deintuições, mas não a t í tulo de conceitos; relativamente aos últimos,a determinação lógica não pode jamais ser considerada comoacabada (cf. # 11, Observação).

#16USO DOS CONCEITOS IN ABSTRACTO E IN CONCRETO

Todo concei to pode ser usado universalmente eparticularmente (in abstracto e in concreto). In abstracto, o conceitoinferior é usado relativamente ao seu conceito superior; in concreto,o conceito superior é usado relativamente ao seu inferior.

Observações. - 1) As expressões abstraio e concreto não sereferem, pois, tanto aos conceitos cm si mesmos - pois todo conceitoé um conceito abstraio - quanto ao seu uso. E esse uso pode por sua

A 155 i vez comportar difcrcnles graus, conforme a gente iratc um conceitoora mais ora menos abstraia ou concrctamentc, quer dizer,conforme a gente deixe de lado ou acresccnle ora mais ora menos

Ak 100 determinações. Pelo / uso abstraio, um conceilo se aproxima dogénero supremo; pelo uso concreto, ao contrário, do indivíduo.

2) Qual desses dois usos dos conceitos, o abstraio ou oconcreto, tem primazia sobre o outro? Isso é impossível de decidir.O valor de um não deve ser estimado menor do que o valor do outro.Mediante conceilos muilo abslralos conhecemos pouco de muitascoisas; mediante conceitos muilo concrelos conhecemos muito empoucas coisas; o que, por conseguinte, ganhamos de um lado, denovo o perdemos do outro. Um conceito que tenha uma grandeesfera c muilo ú t i l na medida cm que se pode aplicá-lo a muitascoisas; mas, em compensação, o seu conteúdo é tanto menor. Noconceito de substância, por exemplo, eu não penso tanto quantopenso no conceito de giz.

3) Acertar com a proporção entre a representação inabstracto c in concreto no mesmo conhecimento, logo entre oconceito e sua exibição, o que permite que se alcance o máximo deconhecimento tanto em extensão quanto em conteúdo, é nisto queconsiste a arte da popularidade.

117

Page 59: Lógica - Immanuel Kant

XU56 ,M101 f

l CAPITULO II

DOS JUÍZOS

Page 60: Lógica - Immanuel Kant

#17EXPLICAÇÃO DE UM JUÍZO EM GERAL

Um juízo é a representação da unidade da consciência dediferentes representações, ou a representação da relação dasmesmas, na medida em que constituem um conceito.

#18MATÉRIA E FORMA DOS JUÍZOS

A todo juízo pertencem, a título de componentes essenciaisdo mesmo, matéria e forma. A matéria consiste nos conhecimentosdados e ligados para a unidade da consciência no juízo; a forma dojuízo consiste na determinação da maneira pela qual as diferentesrepresentações, enquanto tais, pertencem a uma consciência.

A 157 j #19OBJETO DA REFLEXÃO LÓGICA -

A MERA FORMA DOS JUÍZOS

Como a Lógica abstrai de toda distinção real ou objetiva doconhecimento, ela pode se ocupar tão pouco da matéria dos juízosquanto do conteúdo dos conceitos. Portanto, ela tem de levar emconsideração unicamente a diferença dos juízos do ponto de vista desua mera forma.

Ak 102 /# 20FORMAS LÓGICAS DOS JUÍZOS:

QUANTIDADE, QUALIDADE, RELAÇÃO E MODALIDADE

As diferenças dos juízos com respeito à sua forma podemser reduzidas aos quatro aspectos principais da quantidade, da

121

Page 61: Lógica - Immanuel Kant

qualidade, da relação e da modalidade, relativamente às quais seencontram determinadas exatamente outras tantas espéciesdiferentes de juízos.

#21A QUANTIDADE DOS JUÍZOS:

UNIVERSAIS, PARTICULARES, SINGULARES

Do ponto de vista da quantidade, os juízos são ou universais,ou particulares, ou singulares; conforme o sujeito no juízo estejainteiramente incluído na noção do predicado ou dela excluído, ou nela

A 158 só em parte incluído e em parte / excluído. No juízo universal, a esferade um conceito se vê inteiramente compreendida no interior daesfera de outro conceito; no particular, uma parte do primeiro vê-secompreendida sob a esfera do outro; e, no juízo singular, finalmente,um conceito que não tem nenhuma esfera se vê por conseguintecompreendido como uma simples parte sob a esfera de um outro.

Observações. - 1) Quanto à forma, os juízos singularesdevem ser equiparados no uso aos universais, pois em ambos opredicado vale sem exceção do sujeito. Por exemplo, a proposiçãosingular: Caio é mortal - não comporta mais exceções do quea proposição universal: Todos os homens são mortais. Pois só háum Caio.

2) Do ponto de vista da un ive r sa l idade de umconhecimento, há uma diferença real entre proposições gerais eproposições universais, que todavia em nada concerne à Lógica.Com efeito, as proposições gerais são aquelas que contêmmeramente alguma coisa do universal de certos objetos e que, porconseguinte, não contêm condições suficientes da subsunção, porexemplo, a proposição: É preciso dar solidez às provas; -proposições universais são aquelas que asserem algo universalmentede um objeto.

A 159 l 3) Regras universais são ou analítica ou sinteticamenteuniversais. Aquelas abstraem das diferenças; estas atentam para asdistinções e, por conseguinte, determinam também em vista delas.

Ak 103 Quanto mais simplesmente um / objeto é pensado, tanto maisfacilmente é possível a universalidade analítica que resulta deum conceito.

4) Se as proposições universais não podem ser discernidasem sua universalidade sem que se as conheça in concreto, então elasnão podem servir de norma e, por conseguinte, não podem assumirum valor heurístico na aplicação, não passando de problemas para ainvestigação das razões universais daquilo que foi conhecidoprimeiro em casos particulares. Por exemplo, a proposição: Diz a

122

A 160

verdade quem sabe a verdade e não tem interesse em mentir - estaproposição não pode ser discernida em sua universalidade, porquesó pela experiência conhecemos a restrição à condição dodesinteresse; a saber, que os homens podem mentir por interesse, oque provém do fato de que eles não têm um forte apego àmoralidade. Uma observação que nos ensina a fraqueza da naturezahumana.

5) Quanto aos juízos particulares convém notar que, se elesdevem poder ser discernidos pela razão, tendo pois uma formaracional, não meramente intelectual (abstraída), então / o sujeitotem que ser um conceito mais lato (conceptus latior) do que opredicado. Assim, sendo o predicado = n o sujeito = O entãoa figura:

é um juízo particular; pois alguma coisa pertencente a a é b, algumacoisa não-b- eis aí uma consequência racional.Mas seja a figura:

Então todo a pode ao menos estar contido em b, se ele émenor, mas não se é maior; logo ele é apenas contingentementeparticular.

#22A QUALIDADE DOS JUÍZOS:

AFIRMATIVOS, NEGATIVOS, INFINITOS

Quanto à qualidade, os juízos são ou afirmativos,ou negativos, ou infinitos. No juízo afirmativo, o sujeito é pensadosob a esfera de um predicado; no juízo negativo, ele é posto/ora da

Ak 104 esfera do último; e, no infinito, ele é / posto na esfera de um conceitoque fica fora da esfera de um outro.

A 161 l Observações. - 1) O juízo infinito não indica meramenteque um sujeito não está contido na esfera de um predicado, mas,sim, que ele fica em algum lugar na esfera infinita fora do predicado;por conseguinte, este juízo representa a esfera do predicadocomo restringida.

Tudo o que é possível é ou A ou não-A Se eu digo, pois:algo é não-/4, por exemplo, a alma humana é não-mortal, algunshomens são não-sábios, ou algo de semelhante, então este é um juízo

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Page 62: Lógica - Immanuel Kant

infinito. Pois por ele não fica determinado a qual conceito além daesfera finita A o objeto pertence, mas única e tão-somente que elepertence à esfera fora de A, a qual não 6 propriamente uma esfera,mas apenas a área limítrofe de uma esfera estendendo-se ao infinitoou apropria limitação. Ora, mesmo que a exclusão seja umanegação, ainda assim a restrição de um conceito é uma ação positiva.Donde os limites são conceitos positivos de objetos restringidos.

2) Segundo o princípio da exclusão de todo terceiro (exclusitertii), a esfera de um conceito relativamente a uma outra é ou bemexcludente ou bem includente. Ora, como a Lógica só tem a ver coma forma do juízo, mas não com os conceitos quanto ao seu conteúdo,

A 162 a distinção entre os / juízos infinitos c os juízos negativos nãopertence a essa ciência.

3) Nos juízos negativos, a negação afeia sempre a cópula;nos infinitos, não é a cópula, mas o predicado que 6 afetado pelanegação, o que se deixa exprimir melhor em latim.

#23A RELAÇÃO DOS JUÍZOS:

CATEGÓRICOS, HIPOTÉTICOS, DISJUNTIVOS

Quanto à relação, os juízos são ou categóricos, ouhipotéticos, ou disjuntivos. Com efeito, as representações dadas nojuízo são subordinadas uma à outra para a unidade da consciência,ou bem como o predicado ao sujeito; ou bem como a consequência àrazão; ou bem como um membro da divisão ao conceito dividido. Pelaprimeira relação ficam determinados os juízos categóricos, pelasegunda os hipotéticos c pela terceira os juízos disjuntivos.

Ak105 • l #24JUÍZOS CATEGÓRICOS

Nos juízos categóricos, o sujeito c o predicado constituemsua matéria; a forma, pela qual se vê determinada e expressa a

A 163 relação (de acordo / ou conflito) entre o sujeito e o predicado, é oque se chama de cópula.

Observação. - Os juízos categóricos constituem, c verdade,a matéria dos demais juízos; mas nem por isso se deve acreditar,como vários lógicos, que os juízos hipotéticos bem como osdisjuntivos nada mais sejam do que diversas vestimentas doscategóricos, deixando-se por isso reduzir totalmente a estes últimos.Todas as três espécies de juízos baseiam-se cm funções lógicas doentendimento que são essencialmente diferentes, tendo por isso queser consideradas segundo a sua diferença específica.

124

#25JUÍZOS HIPOTÉTICOS

A matéria dos juízos hipotéticos consiste de dois juízos, queestão conectados um com o outro a título de razão e consequência.Desses juízos, aquele que contém a razão é o antecedente(antecedens, prius), o outro que se relaciona com aquele como aconsequência <Folge> 6 o consequente (consequens,posterius); c arepresentação dessa espécie de conexão dos dois juízos entre,si paraa unidade da consciência chama-se consequência <Konsequenz>, aqual constitui a forma dos juízos hipotéticos. c

A 164 l Observações. -1) O que é para os juízos categóricos a cópulaé, pois, para os hipotéticos a consequência - a forma dos mesmos.

2) Alguns acreditam que é fácil transformar uma proposiçãohipotética numa proposição categórica. Contudo, isto não pode ser,porque as duas são por natureza inteiramente diferentes uma da outra.Nos juízos categóricos nada é problemático, mas tudo é assertórico; noshipotéticos, ao contrário, só a consequência é assertórica. Daí por que nosúltimos posso conectar dois juízos falsos um com o outro; pois aqui

Ak 106 importa apenas a corrcção da conexão /- aforma da consequência, sobrea qual repousa a verdade lógica desses juízos. Há uma diferença essencialentre estas duas proposições: Todos os corpos são divisíveis e Se todos oscorpos são compostos, então são divisíveis. Na primeira proposição, édiretamente que eu afirmo a coisa; na última, tão-somente sob umacondição expressa problematicamenle.

#26MODOS DE CONEXÃO NOS JUÍZOS HIPOTÉTICOS:

MODUS PONENS E MODUS TOLLENS

A forma da conexão nos juízos hipotéticos é dupla: a quepõe (modus ponens) e a que tira (modus tollens).

A 165 /1) Se a razão (antecedens) é verdadeira, então o consequente(consequens) determinado por ele é também verdadeiro. Tal é omodusponens.

2) Se o consequente (consequens) é falso, então a razão(antecedens) também é falsa. Tal é o modus tollens.

#27JUÍZOS DISJUNTIVOS

Um juízo é disjuntivo se as partes da esfera de um conceitodado se determinam uma a outra enquanto complementos(complementa) no todo ou para constituir um todo.

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Page 63: Lógica - Immanuel Kant

MATÉRIA E FORMADOS JUÍZOS DISJUNTIVOS

Os vários juízos dados de que se compõe o juízo disjuntivoconstituem a matéria do mesmo e denominam-se membros dadisjunção ou oposição. A forma desses juízos consiste na disjunçãoela própria, quer dizer, na determinação da relação dos diferentesjuízos, na medida em que estes se excluem ou se complementammutuamente enquanto membros da esfera inteira do conhecimentodividido.

A 166 l Observação. - Todos os juízos disjuntivos apresentam,pois, diferentes juízos como situados na comunidade de uma esfera

Ak107e produzem cada juízo tão-somente pela / restrição do outrorelativamente à esfera total; eles determinam, pois, a relação de cadajuízo com a esfera inteira e assim, ao mesmo tempo, a relação queos diferentes membros resultantes da separação (membra disjuncta)mantêm eles próprios entre si. Portanto, um membro só determinaaqui a todo outro na medida em que eles todos estejam associadosa título de partes de uma esfera inteira do conhecimento, fora daqual nada se deixa pensar numa certa relação.

#29CARÁTER PECULIAR

DOS JUÍZOS DISJUNTIVOS

O caráter peculiar de todos os juízos disjuntivos, pelo qualsua diferença específica se vê determinada, sob o ponto de vista darelação, em face dos demais, consiste cm que os membros dadisjunção são em sua totalidade juízos problemáticos dos quais nãose pode pensar de outra maneira senão que, na qualidade de partesda esfera de um conhecimento e constituindo cada um deles ocomplemento do outro para o todo (complementum adtotuni), elesequivalem tomados em conjunto à esfera do primeiro. E daquisegue-se que a verdade tem que estar contida em um desses juízos

A 167 pró / blemáticos ou - o que dá no mesmo - que um deles tem queter um valor assertórico, porque fora deles a esfera do conhecimento,nas condições dadas, nada mais compreende, e um está oposto aooutro; por conseguinte, que não pode haver nem fora deles algumoutro juízo verdadeiro, nem tampouco entre eles mais do que umjuízo verdadeiro.

Observação. - Num ju ízo categórico, a coisa cujarepresentação é considerada como uma parte da esfera de uma outrarepresentação subordinada se vê considerada ela própria como

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contida sob este seu conceito superior; por conseguinte, aqui, nasubordinação das esferas, a parte da parte se vê comparada com otodo. Mas nos juízos disjuntivos, eu vou do todo para todas as partestomadas em conjunto. Conseqiientemente, a esfera precisa primeiroser dividida. Quando, por exemplo, enuncio o juízo disjuntivo: Osábio é possuidor ou bem de um saber histórico ou bem de um saberracional, determino deste modo que estes conceitos, quanto à esfera,são partes da esfera dos sábios, mas de modo algum que sejam partesum do outro, e que, tomados eles todos em conjunto, são completos.

} / ^ ^ato ^e 1ue' nos Ju'zos disjuntivos, não é a esfera doconceito dividido que 6 considerada como contida na esfera dasdivisões, mas, sim, que é aquilo que está contido sob o conceitodividido que se vê considerado como contido sob um dos membrosda divisão, pode ser tornado intuitivo pelo seguinte esquema dacomparação entre juí/.os categóricos e juízos disjuntivos.

Nos juízos categóricos, x, que está contido sob b, estátambém sob a

A 169

Nos juízos disjuntivos x, que está contido sob a, está contidoseja sob b, seja sob c etc.:

Portanto, a divisão nos juízos disjuntivos indica acoordenação, não das partes do conceito inteiro, mas todas as partesde sua esfera/16) Aqui eu penso muitas coisas mediante um conceito;lá uma coisa mediante muitos conceitos, por exemplo, o definitummediante todas as características da coordenação.

/ #30A MODALIDADE DOS JUÍZOS:

PROBLEMÁTICOS, ASSERTÓRICOS, APODÍCTICOS

Quanto à modalidade, aspecto pelo qual está determinadaa relação do juízo inteiro com a faculdade de conhecer, os juízos sãoou problemáticos, ou assertóricos, ou apodícticos. Os problemáticossão acompanhados da consciência da mera possibilidade; osassertóricos, da consciência da realidade efetiva; os apodícticos, porfim, da consciência da necessidade de julgar.

(16) Sic. Talvez se deva entender: "de todas as partes de sua esfera" (N.T.).

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Page 64: Lógica - Immanuel Kant

Observações. - 1) Este aspecto da modalidade indica, pois,apenas a maneira pela qual algo é afirmado ou negado no juízo, asaber, se nada decidimos sobre a verdade ou inverdade de um juízo,

Ak 109 como no /juízo problemático: a alma do homem pode ser mortal; ouse determinamos algo sobre isso - como no juízo assertórico: a almahumana é imortal; ou, finalmente, se exprimimos a verdade de umjuízo até mesmo com a dignidade da necessidade, como no juízoapodíctico: a alma do domem tem que ser imortal. Esta determinação

A 170 da verdade meramente possível, ou real, ou necessária / concerne,pois, tão-somente ao juízo ele próprio, de modo algum à coisa sobrea qual se julga.

2) Em juízos problemáticos que ainda se podem explicarcomo aqueles cuja matéria está dada com a relação possível entrepredicado e sujeito, o sujeito tem que ter sempre uma esfera menordo que o predicado.

3) É na distinção entre juízos problemáticos e juízosassertóricos que se funda a verdadeira distinção entre juízos eproposições, que de outro modo se costuma situar erroneamente namera expressão mediante palavras, sem a qual não se poderia jamaisjulgar. No juízo, a relação de diferentes representações em vista daunidade da consciência é pensada como meramente problemática;numa proposição, ao contrário, como assertórica. Uma proposiçãoproblemática é uma contradictio in adjecto. Antes de ter umaproposição, tenho primeiro que julgar; e eu julgo sobre muita coisaque não decido, o que porém tenho que fazer tão logo determinoum juízo como proposição. Aliás , é bom p r i m e i r o j u l g a rproblematicamente, antes de admitir o juízo como assertórico, paraassim examiná-lo. E também não é sempre necessário para o nossopropósito que tenhamos juízos assertóricos.

A 171 l #31JUÍZOS EXPONÍVEIS

Os juízos nos quais estão contidas ao mesmo tempo umaafirmação e uma negação, mas ocultamente, de tal modo que aafirmação de fato ocorre claramente, mas a negação ocultamente,são proposições exponíveis.

Observação. - No juízo cxponívcl, por exemplo: poucoshomens são sábios - está contido (1) mas de maneira oculta, o juízonegativo: muitos homens não são sábios; e (2) o afirmativo: algunshomens são doutos. Como a natureza das proposições exponíveisdepende unicamente de condições da linguagem, segundo as quaisé possível, para abreviar, exprimir dois juízos ao mesmo tempo,então a observação de que em nossa linguagem pode haver

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juízos que devem ser expostos pertence, não à Lógica, mas àGramática.

Ak110

A 172

_PROPOSIÇÕES TEÓRICAS E

PROPOSIÇÕES PRÁTICAS

Chamam-se proposições teóricas aquelas que se relacionamao objeto e determinam o que convém ou não convém ao mesmo;proposições práticas, ao contrário, são aquelas que enunciam a açãopela qual, enquanto condição necessária da mesma, um objeto setorna possível.

l Observação. - A Lógica só tem de tratar das proposiçõespráticas quanto à forma, as quais se opõem nesta medida às teóricas.Proposições práticas quanto ao conteúdo, e nesta medida distintasdas especulativas, pertencem à Moral.

#33PROPOSIÇÕES INDEMONSTRÁVEIS E

PROPOSIÇÕES DEMONSTRÁVEIS

Proposições demonstráveis são aquelas que são passíveis deuma prova; as que não são passíveis de prova denominam-seindemonstráveis.

Juízos imediatamente certos são indemonstráveis e,portanto, devem ser considerados como proposições elementares.

#34PRINCÍPIOS

Juízos imediatamente certos a priori podem-se chamarprincípios na medida em que outros juízos possam ser provadosa partir deles, não podendo eles próprios, porém, seremsubordinados a nenhum outro. Eis por que são denominadosprincípios (inícios).

#35PRINCÍPIOS INTUITIVOS E DISCURSIVOS:

AXIOMAS E ACROAMAS

Os princípios são ou intuitivos ou discursivos. - OsA 173 primeiros podem / ser exibidos na intuição e chamam-se axiomas

(axiomata); os últimos só se deixam exprimir mediante conceitos epodem ser denominados acroamas (acroamata).

129

Page 65: Lógica - Immanuel Kant

Ak111 l #36PROPOSIÇÕES ANALÍTICAS E

PROPOSIÇÕES SINTÉTICAS

Proposições analíticas chamam-se aquelas cuja certezarepousa sobre a identidade dos conceitos (do predicado com a noçãodo sujeito). As proposições cuja verdade não se funda na identidadedos conceitos devem ser denominadas sintéticas.

Observações. - 1) A todo x, ao qual convenha o conceito decorpo (a + b), também convém a extensão (b) - é um exemplo deuma proposição analítica.

A todo x, ao qual convenha o conceito de corpo (a + b),também convém a atração (c) - é um exemplo de uma proposiçãosintética. As proposições sintéticas aumentam o conhecimentomaterialiter, as analít icas, apenas formaliler. Aquelas contêmdeterminações (determinaliones), estas apenas predicados lógicos.

2) Princípios analí t icos não são axiomas; pois sãodiscursivos. E princípios sintéticos também só são axiomas quandosão intuitivos.

A 174 l #37PROPOSIÇÕES TAUTOLÓGICAS

A identidade dos conceitos em juízos analíticos pode seruma identidade expressa (explicita) ou não-expressa (implícita). Noprimeiro caso, as proposições analíticas são tautológicas.

Observações. - l) As proposições tautológicas são virlualitervazias ou sem consequências; pois elas são sem utilidade e sem uso.Tal é por exemplo a proposição tautológica: o homem é homem. Pois,se não sei dizer do homem outra coisa senão que ele é um homem,então nada mais sei dele.

As proposições implicitamente idênticas, ao contrário, nãosão sem consequências c infecundas; pois elas tornam claro pordesenvolvimento (explicatio) o predicado que se encontravanão-descnvolvido (implicite) no conceito do sujeito.

2) Proposições sem consequências devem ser distinguidasdas proposições vazias de sentido, que são desprovidas de sentidoporque concernem à determinação das chamadas qualidades ocultas(qualitates ocultae).

130

A 175

A* 112 l #38POSTULADO E PROBLEMA

Um postulado é uma proposição prática imediatamentecerta ou um princípio que /determina uma ação possível na qual sepressupõe que a maneira de executá-la é imediatamente certa.

Osproblemas (problemata) são as proposições demonstráveisque carecem de uma instrução, ou aquelas que enunciam uma ação cujomodo de execução não é imediatamente certo.

Observações. -1) Ao problema pertence: (1) ̂ questão, quecontém o que deve ser executado; (2) a resolução, que contém amaneira pela qual se pode levar a cabo o que deve ser executado, e(3) a demonstração de que o o exigido há de se cumprir, se eu houverprocedido dessa maneira.

#39TEOREMAS, COROLÁRIOS,

LEMAS E ESCÓLIOS

Os teoremas são proposições teóricas que são passíveis ecarentes de prova. Os corolários são consequências imediatas de umadas proposições precedentes. Lemas (lemmata) chamam-se as

A 176 proposições / que não são oriundas da ciência na qual devem serpressupostas como provadas, mas são tomadas de empréstimo aoutras ciências. Os escólios, en f im , são meras proposiçõeselucidativas, que, por conseguinte, não são membros pertencentesao todo do sistema.

Observação. - Os componentes essenciais e universais detodo teorema são a tese e a demonstração. A diferença entreteoremas e corolários pode ser situada, de resto, no fato de que estessão inferidos imediatamente, ao passo que aqueles são extraídos deproposições imedia tamente certas mediante uma série deconsequências.

Ak113 i #40JUÍZOS DE PERCEPÇÃO EJUÍZOS DE EXPERIÊNCIA

Um juízo de percepção é meramente subjelivo; um juízoobjetivo a partir de percepções é um juízo de experiência.

Observação. - Um juízo a partir de meras percepções decerto não é possível a não ser que eu enuncie minha representaçãoenquanto percepção: eu que percebo uma torre percebo nela a corvermelha. Mas não posso dizer: ela é vermelha. Pois isto não seria

131

Page 66: Lógica - Immanuel Kant

A 177 simplesmente um / juízo empírico , mas também um juízo deexperiência, isto é, um juízo empírico pelo qual obtenho um conceitodo objeto. Por exemplo: Ao tocar a pedra sinto calor - é juízo depercepção, ao contrário: A pedra 6 quente, um juízo de experiência.Pertence ao último que eu não atribua ao objeto aquilo que estáapenas em meu sujeito; pois um juízo de experiência é a percepçãode onde se origina um conceito do objeto; por exemplo, se 6 na luaque se deslocam pontos luminosos, ou se no ar ou cm meu olho.

XU78 / CAPITULO III

DAS INFERÊNCIAS

132

Page 67: Lógica - Immanuel Kant

l

#41A INFERÊNCIA EM GERAL

Por inferir devc-se entender a função do pensamento pelaqual um juízo é derivado de outro. Uma inferência em geral é, pois,a derivação de um juízo a partir de outro.

#42INFERÊNCIAS IMEDIATAS E MEDIATAS

Todas as inferências são ou imediatas ou mediatas.Uma inferência imediata (consequentia immediatá) é a

derivação (deditcíio) de um juízo a partir de outro sem um juízointermediário (iudicium intermedium). Uma inferência é mediata se6 preciso, para derivar um conhecimento do conceito contido em umjuízo, de ainda outros conceitos.

A 179 j #43INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO,DA RAZÃO E DO PODER DE JULGAR

As inferências imediatas também se chamam inferências doentendimento; ao contrário, todas as inferências mediatas são ouinferências da razão, ou inferências do poder de julgar. Vamos tratarprimeiro aqui das inferências imediatas, ou do entendimento.

Ak115 j l _ AS INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO

#44A NATUREZA PECULIAR DAS INFERÊNCIAS

DO ENTENDIMENTO.

O caráter essencial de todas as inferências imediatas e oprincípio de sua possibilidade consistem tão-somente numa

135

Page 68: Lógica - Immanuel Kant

alteração da mera forma dos juízos; ao passo que a matériados juízos, o sujeito c o predicado, permanece inalteradamentea mesma.

Observações. -1) Pelo fato de que, nas inferências imediatassó a forma se vê alterada, e não de modo algum a matéria,essas inferências distinguem-se essencialmente de todasas inferências mediatas, nas quais os juízos também se distinguemquanto à matéria, na medida em que é preciso aduzir um

A 180 novo conceito, enquanto / juízo mediador ou enquanto conceitomédio (terminas medius), para deduzir um juízo de outro.Se, por exemplo, infiro: todos os homens são mortais, logoCaio também é mortal, isto não é uma inferência imediata. Poisaqui preciso ainda para a dedução do juízo intermediário: Caio éhomem; através deste novo conceito, porém, a matéria do juízo sevê alterada.

2) No caso das inferências do entendimento também épossível, é verdade, fazer um iudicium intermedium, mas então essejuízo intermediário é meramente tautológico. Assim, por exemplo,na inferência imediata: Todos os homens são mortais. Alguns homenssão homens. Logo, alguns homens são mortais - o conceito médio éuma proposição tautológica.

#45MODOS DAS INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO

As inferências do entendimento atravessam todas as classesdas funções lógicas do juízo e, por conseguinte, estão determinadasem suas principais espécies pelos aspectos da quantidade, daqualidade, da relação c da modalidade. É nisso que se funda aseguinte divisão dessas inferências.

l

-4181^ l #46

1. INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO(RELATIVAMENTE À QUANTIDADE DOS JUÍZOS)

PER IUDICIA SUBALTERNATA

Nas inferências do entendimento per indicia subalternata,os dois juízos distinguem-se pela quantidade, e aqui o juízoparticular é derivado do universal segundo o princípio: do universalao particular a inferência é válida (ab universali ad particulare valetconsequentia).

Observação. - Um iudicium chama-se subalternatum namedida em que está contido sob o outro; assim como, por exemplo,os juízos particulares sob os universais.

#472. INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO

(RELATIVAMENTE À QUALIDADE DOS JUÍZOS)PER IUDICIA OPPOSITA

Nas inferências do entendimento desta espécie, a alteraçãoconcerne à qualidade dos juízos, considerada aliás relativamente àoposição. Ora, como esta pode ser uma tríplice oposição, resultadaqui a seguinte divisão particular da inferência imediata: por juízosopostos contraditoriamente, por juízos contrários e por juízossub-contrários.

A 182 l Observação. - As inferências do entendimento por juízosequivalentes (indicia aequipollenlia) não podem propriamentechamar-se inferências; pois aqui não tem lugar nenhumaconsequência, devendo antes serem consideradas como uma merasubstituição de palavras que designam um único e o mesmoconceito, enquanto os juízos eles próprios permanecem inalteradostambém quanto à forma. Por exemplo: Nem todos os homens sãovirtuosos, e: Alguns homens não são virtuosos. Os dois juízos dizemuma única e a mesma coisa.

#48a) INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO

PER IUDICIA CONTRADICTORIE OPPOSITA

Nas inferências do entendimento por juízos que estãoopostos contraditoriamente um ao outro e que constituem,

Ak117 enquanto tais, a genuína e pura oposição, / a verdade de um dosjuízos contraditoriamente opostos é deduzida da falsidade do outroe vice-versa. Pois a genuína oposição que tem lugar aqui não contémnem mais nem menos daquilo que pertence à oposição. Emconsequência do princípio do terceiro excluído, os juízos que secontradizem não podem ser ambos verdadeiros, mas tampoucopodem ser ambos falsos. Donde, se um é verdadeiro, então o outroé falso e vice-versa.

A 183 l# 49b) INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTOPER IUDICIA CONTRARIE OPPOSITA

Juízos contrários ou antagónicos (iudicia contrarieopposita) são juízos dos quais um é universalmente afirmativo, ooutro universalmente negativo. Ora, como um deles enuncia maisdo que o outro e como a falsidade pode se encontrar no supérfluo

136 137

Page 69: Lógica - Immanuel Kant

que ele enuncia a mais além da mera negação do outro, então c certoque os dois não podem ser verdadeiros, embora possam ser falsosambos os dois. Por isso, no que respeita a esses juízos, vale apenas ainferência da verdade de um para a falsidade do outro, mas nãoinversamente.

A184

#50c) INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO

PER IUDICIA SUBCONTRARIE OPPOS1TA

Juízos subcontrários são aqueles dos quais um afirma ounega particularmente (particulariter) o que o outro nega ou afirmaparticularmente.

Como podem ser ambos verdadeiros, mas não podem serambos falsos, com respeito a eles vale apenas a seguinte inferência:se uma dessas proposições é falsa, então a outra é verdadeira, mas nãoinversamente.

l Observação. - No caso dos juízos subcontrários não ocorreuma pura e estrita oposição; pois, num dos juízos, não se nega ou seafirma do mesmo objeto o que se afirmou ou negou no outro. Assim,por exemplo, na inferência: Alguns homens são sábios, logo algunshomens não são sábios, no primeiro juízo não se afirma dos mesmoshomens o que se nega no outro.

Ak118 j #513. INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO

(RELATIVAMENTE À RELAÇÃO DOS JUÍZOS)PER IUDICIA CONVERSA SIVE PER CONVERSIONEM

As inferências imedia tas por conversão concernemà relação dos ju í zos e consis tem na t ranspos ição dosujeito e do predicado nos dois juízos; de tal sorte que osujeito de um dos juízos se transforma no predicado do outro evicc-versa.

#52CONVERSÃO PURA E CONVERSÃO ALTERADA

Com a conversão, a quantidade dos juízos ou fica alteradaou permanece inalterada. No primeiro caso, o juízo convertido(conversum) difere do juízo convertenle (convertente) segundo a

A 185 quantidade e a conversão chama-se / alterada (conversio per

138

accidens); no segundo caso, a conversão denomina-se pura(conversio simpliciter talis).

#53REGRAS GERAIS DA CONVERSÃO

No que concerne às inferências do entendimento pelaconversão valem as seguintes regras:

1) Os juízos universalmente afirmativos só podem serconvertidos per accidens; pois o predicado nestes juízos 6 umconceito mais extenso e, por conseguinte, é só alguma coisa dele queestá contida no conceito do sujeito.

2) Mas todos os juízos universalmente negativos podem serconvertidos simpliciter; pois aqui o sujeito se vê destacado da esferado predicado. Da mesma maneira, finalmente:

3) Todas as proposições afirmativas particularespodem ser convertidas simpliciter, pois, nestes juízos, uma parte daesfera dos sujeito foi subsumida ao predicado, por conseguinteuma parte da esfera do predicado também se deixa subsumirao sujeito.

Observações. -1) Nos juízos universalmente afirmativos, oA 186 sujeito é considerado como um contentum do predicado, /já que eleAk119 está contido sob a esfera dele. / Por isso, só posso inferir por exemplo:

todos os homens são mortais; logo, alguns daqueles que estão contidossob o conceito de mortal são homens. Mas, que os juízosuniversalmente negativos se deixem convenci simpliciter explica-sepelo fato de que dois conceitos universalmente contraditórios umdo outro se contradizem na mesma extensão.

2) É verdade que muitos juízos universalmente afirmativostambém podem ser convertidos simpliciter. Todavia, a razão dissonão está em sua forma, mas na natureza particular de sua matéria;como, por exemplo, os dois juízos: tudo o que é imutável é necessárioe tudo o que é necessário é imutável.

#544. INFERÊNCIAS DO ENTENDIMENTO

(RELATIVAMENTE À MODALIDADE DOS JUÍZOS)PER IUDICIA CONTRAPOSITA

O modo de inferência imediata por contraposição consistena transposição (metathesis) dos juízos na qual apenas a quantidadepermanece a mesma, ao passo que a qualidade fica alterada. Ela sóafeta a modalidade dos juízos ao transformar um juízo assertóriconum juízo apodíctico.

139

Page 70: Lógica - Immanuel Kant

A 187 l# 55REGRA GERAL DA CONTRAPOSIÇÃO

Para a contraposição vale a seguinte regra gera:Todos os juízos universalmente afirmativos podem se

contrapor simpliciter. Pois, se o predicado é negado como aquilo quecontém sob si o sujeito, por conseguinte, se a esfera inteira é negada,então também deve ser negada uma parte dela, isto é, o sujeito.

Observações. - 1) A metátese dos juízos por conversão e ametátese por contraposição se opõem, pois, uma à outra na medidaem que aquela altera apenas a quantidade, esta a qualidade apenas.

2) Os modos de inferência imediata mencionadosreferem-se apenas aos juízos categóricos

Ak 120 j II. AS INFERÊNCIAS DA RAZÃO

#56A INFERÊNCIA DA RAZÃO EM GERAL

Uma inferência da razão é o discernimento da necessidade deuma proposição pela subsunção desua condição a uma regra geral dada.

A188 l #57PRINCÍPIO UNIVERSAL

DE TODAS AS INFERÊNCIAS DA RAZÃO

O princípio universal sobre o qual repousa a validade detoda inferência pela razão pode ser expresso de maneiradeterminada na seguinte fórmula:

O que está sob a condição de uma regra também está sob aprópria regra.

Observação. - A inferência da razão toma como premissauma regra universal e uma subsunção à condição da regra. Dessamaneira, discernimos a conclusão a príori, não no singular, masenquanto contida no universal e necessária sob uma certa condição.E isto, a saber, que tudo esteja sob o universal e seja determinávelem regras universais, é precisamente o princípio da racionalidade ouda necessidade (principiam ralionalitalis sive necessitatis).

#58OS COMPONENTES ESSENCIAIS DA INFERÊNCIA DA RAZÃO

A toda inferência da razão pertencem os três fatoresessenciais seguintes:

140

1) uma regra universal, chamada maior (propositio maior);A 189 / 2) a proposição que subsumc um conhecimento à condição

da regra e se chama menor (propositio minor); e, por fim:3) a proposição que afirma ou nega do conhecimento

subsumido o predicado da regra - a conclusão (conclusio).Ak 121 l As duas primeiras proposições denominam-se em sua

ligação recíproca antecedentes ou premissas.Observação. - Uma regra é uma asserção sob uma condição

universal. A relação da condição com a asserção, a saber, o modocomo esta está sob aquela, é o expoente da regra.

O discernimento de que a condição tem lugar (onde querque seja) é a subsunção.

A ligação daquilo que foi subsumido à condição com aasserção da regra é a inferência.

#59MATÉRIA E FORMA

DAS INFERÊNCIAS DA RAZÃO

Os antecedentes ou premissas constituem a matéria, e aconclusão, na medida em que contém a consequência, a forma dasinferências da razão.

Observações. - 1) Em toda inferência da razão, deve-se,pois, primeiro examinar a verdade das premissas e, em seguida, a

A190 correção / da consequência. Jamais devemos, ao rejeitar umainferência da razão, rejeitar primeiro a conclusão, mas sempreprimeiro as premissas ou a consequência.

#60DIVISÃO DAS INFERÊNCIAS DA RAZÃO

(SEGUNDO A RELAÇÃO)EM CATEGÓRICAS, HIPOTÉTICAS E DISJUNTIVAS

Todas as regras (juízos) contêm uma unidade objetiva daconsciência do múl t ip lo do conhecimento; por conseguinte,uma condição sob a qual um conhecimento pertence juntamentecom outro a uma consciência. Ora, só se pode pensar em trêscondições dessa unidade, a saber: como sujeito da inerência dascaracterísticas; ou como a razão da dependência de umconhecimento relativamente a outro; ou, por fim, como ligação daspartes em um todo (divisão lógica). Consequentemente, só pode

Ak 122 haver outras / tantas espécies de regras universais (propositionesmaiores ) pelas quais a consequência de um juízo a partir de outrose vê mediada.

141

Page 71: Lógica - Immanuel Kant

E é nisto que se funda a divisão de todas as inferências darazão em categóricas, hipotéticas e disjuntivas.

A 191 l Observações. - As inferências da razão não podem serdivididas nem segundo a quantidade - pois toda maior é uma regra,logo algo de universal; nem relativamente à qualidade - pois éindiferente se a conclusão 6 afirmativa ou negativa; nem, finalmente,com respeito à modalidade - pois a conclusão está sempreacompanhada da consciência da necessidade e tem, por conseguinte,a dignidade de uma proposição apodíctica. Portanto, resta apenas arelação como único fundamento possível da divisão das inferênciasda razão.

2) Muitos lógicos só consideram ordinárias as inferênciascategóricas da razão; as demais, ao contrário, como extraordinárias.Só que isso é sem fundamento e falso. Pois todas as três espécies sãoprodutos de funções igualmente correias da razão, mas tambémessencialmente diversas uma da outra.

#61A DIFERENÇA PECULIAR

ENTRE AS INFERÊNCIAS DA RAZÃOCATEGÓRICAS, HIPOTÉTICAS E DISJUNTIVAS

A característica distintiva das três espécies mencionadas deinferências da razão está na maior. Nas inferências da razãocategóricas, a maior é uma proposição categórica, nas hipotéticas éuma proposição hipotética e nas disjuntivas é uma proposiçãodisjuntiva.

A 192 l #621. INFERÊNCIAS CATEGÓRICAS DA RAZÃO

Em toda inferência categórica da razão, encontram-se trêsconceitos principais (termini), a saber:

l)o predicado na conclusão; o qual conceito se chama termomaior (terminus maior), porque ele tem uma esfera maior do que osujeito;

2) o sujeito (na conclusão), cujo conceito se chama termomenor (terminus minor); e

Ak 123 13) Uma característica intermediária (nota intermédia), quese chama termo médio (terminus medius), porque é por meio deleque um conhecimento é subsumido à condição da regra.

Observação. - Esta distinção dos termini mencionados sóocorre nas inferências categóricas da razão, porque só estas inferempor meio de um terminum médium; ao passo que as outras só o fazem

142

pela subsunção de uma proposição representada de maneiraproblemática na maior e assertórica na menor.

#63PRINCÍPIÇ DAS INFERÊNCIAS

CATEGÓRICAS DA RAZÃO

O princípio sobre o qual repousa a possibilidade e validadede todas as inferências da razão é o seguinte:

A 193 l O que convém à característica de uma coisa também convémapropria coisa; e o que repugna à característica de uma coisa tambémrepugna à própria coisa (nota notae est nota rei ipsius; repugnansnotae, repugnat rei ipsi).

Observação. - Do princípio que acabamos de estabelecerpode-se facilmente deduzir o chamado dictum de omni et nuilo, e épor isso que ele não pode valer como o princípio supremo nem dasinferências da razão em geral, nem das categóricas em particular.

Os conceitos genéricos e específicos são, com efeito,características universais de todas as coisas que estão sob essesconceitos. Em consequência, vale aqui a regra: o que convém ourepugna ao género ou à espécie também convém ou repugna a todosos objetos contidos sob esse género ou a essa espécie. E é precisamenteesta regra que se chama o dictum de omni et nuilo.

A194Ak 124

#64REGRAS PARA AS

INFERÊNCIAS CATEGÓRICAS DA RAZÃO

Da natureza e do princípio das inferências categóricas darazão derivam para elas as seguintes regras:

} /1) Em toda inferência categórica da razão não pode havernem mais nem menos do que três conceitos principais (termini); poiseu devo ligar aqui dois conceitos (sujeito c predicado) por meio deuma característica intermediária.

2) Os antecedentes, ou premissas, não podem ser ambosnegativos (ex puris negativis nihil sequitur); pois a subsunção namenor tem que ser afirmativa, sendo aquela que diz que umconhecimento está sob a condição da regra.

3) As premissas também não podem ser proposiçõesparticulares (ex puris particularibus nihil sequitur); pois então nãohaveria nenhuma regra, quer dizer, nenhuma proposição universalda qual se pudesse deduzir um conhecimento particular.

4) A conclusão se rege sempre pela parte mais fracada inferência; quer dizer, pela proposição negativa c particular

143

Page 72: Lógica - Immanuel Kant

nas premissas, que 6 o que se denomina a parte mais fraca dainferência categórica da razão (conclusio sequitur partemdebiliorem). Por isso,

5) se um dos antecedentes 6 uma proposição negativa, entãoa conclusão também tem que ser negativa; e,

6) se um antecedente é uma proposição particular, então aconclusão também tem que ser particular.

7) Em todas as inferências categóricas da razão, a maiorA 195 tem que ser uma proposição universal (universalis), a menor, /

porém, uma proposição afirmativa (affirmans); e daqui segue-sepor fim,

8) que a conclusão deve reger-se, no que diz respeitoà qualidade, pela maior, mas no que respeita à quantidade,pela menor.

Observação. - Que a conclusão tenha sempre de se regerpela proposição negativa e particular nas premissas é fácil de ver.

Se faço da menor uma proposição particular apenas e digo:algo está contido sob a regra, então também só posso dizer naconclusão que o predicado da regra convém a algo, porque nãosubsumi à regra nada mais além disso. E se eu tenho por regra(maior) uma proposição negativa, então tenho de tornar a conclusãotambém negativa. Pois, se a menor diz: de tudo aquilo que está soba condição da regra tal ou qual predicado tem que ser negado, então

Ak 125 a /conclusão também tem que negar o predicado daquilo (o sujeito)que foi subsumido à condição da regra.

#65INFERÊNCIAS CATEGÓRICAS DA RAZÃO

PURAS E MISTAS

Uma inferência categórica da razão é pura, se nenhumainferência imediata se misturou com a mesma nem a ordem legítima

A 196 das premissas /ficou alterada; caso contrário ela se denomina impuraou mista (ratiocinium impurum ou hybridum).

#66INFERÊNCIAS DA RAZÃO MISTAS

POR CONVERSÃO DAS PROPOSIÇÕES - FIGURAS

Entre as inferências mistas, devem-se contar aquelas quesurgem da conversão das proposições e nas quais, portanto, aposição das proposições não está em conformidade com as leis. Estecaso ocorre nas três últimas daquilo que se chama de figuras dainferência categórica da razão.

144

#67AS QUATRO FIGURAS DAS INFERÊNCIAS

Por figuras dcvcm-sc entender as quatro maneiras de inferircuja diferença c determinada pela posição particular das premissase dos seus conceitos.

#68A RAZÃO DETERMINANTE DA SUA DIFERENÇAPELA POSIÇÃO DIFERENTE DO TERMO MÉDIO

Com efeito, o termo médio, cuja posição é o que aqui defato importa, pode ou bem (1) ocupar na maior o lugar do sujeito cna menor o lugar do predicado, ou bem (2) ocupar em ambas as

A 197 premissas o lugar do predicado, ou bem (3) ocupar em ambas o /lugar do sujeito, ou bem finalmente (4) ocupar na maior o lugar dopredicado e na menor o lugar do sujeito. É por estes quatro casos

Ak 126 que fica determinada a diferença / das quatro figuras. Designandopor S o sujeito da conclusão, por P o predicado dela e por M oterminum médium, o esquema para as quatro figuras mencionadaspode ser apresentado no seguinte quadro:

A 198

M P

S M

5 P

P M

S M

5 P

M P

M S

S P

P M

M S

5 P

#69REGRAS PARA A PRIMEIRA FIGURA,

A ÚNICA LEGÍTIMA

A regra da primeira figura é: seja a maior uma proposiçãouniversal e a menor uma proposição afirmativa. E, como esta deve sera regra universal de todas as inferências categóricas da razão emgeral, resulta daqui que a primeira figura é a única legítima, servindode fundamento a todas as demais c à qual todas as demais, na medidaem que tenham validade, devem ser reduzidas por conversão daspremissas (metalhesin praemissonini).

l Observação. - A primeira figura pode ter uma conclusãocom qualquer quantidade c qualidade. Nas demais figuras, só háconclusões de uma certa espécie; alguns de seus modos estãoexcluídos delas. Isto já indica que essas figuras não são perfeitas,

145

Page 73: Lógica - Immanuel Kant

havendo certas restrições que impedem que a conclusão ocorra cmtodos os modos, como na primeira figura.

#70CONDIÇÃO DA REDUÇÃO DAS

TRÊS ÚLTIMAS FIGURAS A PRIMEIRA

A condição de validade das três últimas figuras, sob a qualAk 127 é possível em cada uma delas um modo correio de inferir, / equivale

à seguinte exigência: que o terminas medius assuma uma posiçãotal que, mediante inferências imediatas (consequentiasimmediatas), sua posição possa decorrer da aplicação das regras daprimeira figura. Daí resultam as seguintes regras para as três últimasfiguras.

#77REGRA DA SEGUNDA FIGURA

Na segunda figura, a menor está correia; logo, a maior temque ser convertida , c isso de tal sorte que ela fique universo/

A 199 (universctlis). Isto só c possível se ela for universalmente negativa; /se, porém, for afirmativa, terá que ser contraposta. Em ambos oscasos, a conclusão se lorna negativa (sequititrpartem debiliorem).

Observação. - A regra da segunda figura e: aquilo a querepugna uma característica da coisa repugna à própria coisa. Ora,aqui é preciso primeiro converter c dizer: aquilo a que umacaracterística repugna repugna a essa característica; ou então épreciso converter a conclusão: aquilo a que uma característica deuma coisa repugna, a isto repugna a própria coisa; por conseguinte,ele repugna à coisa.

#72REGRA DA TERCEIRA FIGURA

Na terceira figura, a maior está carreta; logo, a menortem que ser convertida; porém de tal sorte que daí resulteuma proposição afirmativa. Mas isto só ó possível na medida cmque a proposição é particular; por conseguinte, a conclusão éparticular.

Observação. - A regra da terceira figura é: o que convém ourepugna a uma característica também convém ou repugna a algumasdas coisas entre as quais essa característica está contida. Aqui tenhoque dizer primeiro: ele convém ou repugna a todas as coisas queestão contidas sob essa característica.

146

-A200 ,M128'

A 201

129

l #73REGRA DA QUARTA FIGURA

Se, na quarta figura, a maior é universalmente negativa,então ela pode ser convertida pura e simplesmente (simpliciter), domesmo modo que a menor quando esta for particular; logo, aconclusão é particular. Se, ao contrário, a maior é universalmenteafirmativa, então só per accidens poderá ser convertida oucontraposta; logo, a conclusão é ou particular ou negativa. Se aconclusão não deve ser convertida (PS transformado em SP), entãoé preciso que ocorra uma transposição das premissas (metalhesispraemissorum) ou uma conversão (conversio) de ambas.

Observação. - Na quarta figura infere-se: o predicadodepende do terminas medias, o terminas medias do sujeito (daconclusão), consequcntementeo«//'e/Vo do predicado; o que, porém,não se segue em absoluto, mas antes sua conversa. Para tornar issopossível, a maior tem que se transformar na minor e vice-versa,devendo a conclusão ser convertida, porque, com a primeiramodificação, o terminas minor se vê transformado no terminas maior.

#74RESULTADOS GERAIS ACERCADAS TRÊS ÚLTIMAS FIGURAS

A partir das regras indicadas para as três últimas figurasfica claro:

/ 1) que cm nenhuma delas a conclusão é universalmenteafirmativa, mas sempre ou bem negativa, ou bem particular;

2) que em cada uma delas se imiscui uma inferência imediata(consequentia immediata), a q u a l , é verdade, não se vêexpressamente designada, mas, no entanto, tem que ser tacitamentesubentendida, donde também se segue:

3) que esses três últimos modi do inferir devem serdenominados, não inferências puras, mas impuras (ratiociniahybrida, impura), visto que nenhuma inferência pura pode ter maisdo que três proposições principais (termini).

l #752.INFERÊNCIAS DA RAZÃO HIPOTÉTICAS

Uma inferência hipotética é uma inferência que tem por maioruma proposição hipotética. Ela consiste, pois, de duas proposições: 1) umantecedente (antecedens) e 2) um consequente (consequens), e aquise deduz ou segundo o modasponens ou segundo o modas tollens.

147

Page 74: Lógica - Immanuel Kant

Observações. - 1) As inferências hipotéticas da razão nãotêm, pois, terminas medias, mas nelas a consequência de umaproposição a partir de outra é apenas indicada. Com efeito, na maiordelas indica-se a consequência de duas proposições uma da outra,das quais a primeira é uma premissa, a segunda uma conclusão. A

A202 minor 6 uma trans / formação da condição problemática cm umaproposição categórica.

2) A partir do fato de que a inferência hipotética só consistede duas proposições, sem ter um termo médio, podc-se perceber queela não é propriamente uma inferência da razão, mas antestão-somcntc uma inferência imediata a ser demonstrada segundo amatéria ou a forma a partir de um antecedente e um consequente(consequentia immediata demonslrabilis fex antecedente etconsequente] vel quoad maieriam vel quoad formam).

Toda inferência da razão deve ser uma prova. Ora, ainferência hipotética traz consigo apenas o fundamento da prova.Consequcntemcnte fica claro a par t i r daqui também que nãopoderia ser uma inferência da razão.

#76O PRINCÍPIO DAS INFERÊNCIAS HIPOTÉTICAS

O princípio das inferências hipotéticas c o princípio darazão: A ratione ad rationatiim; a negatione ralionati ad negalionemrationis valet consequentia.

#773. INFERÊNCIAS DA RAZÃO DISJUNTIVAS

Nas inferências hipotéticas, a maior é uma proposiçãodisjuntiva e, por isso, tem que ser, enquanto tal, membro da divisão oudisjunção.

Ak130 l Aqui se infere, seja (l) da verdade de um membro dadisjunção, a falsidade dos demais, seja (2) da falsidade de todos os

A 203 membros, / salvo um, a verdade deste último. Aquele ocorre perniodum ponentem (ouponendolollentem), cslcpernwdum toUentem(tollendo ponentem).

Observações. - 1) Todos os membros da disjunção, salvo um,tomados cm conjunto, constituem o oposto contraditório desteúltimo. Ocorre aqui, pois, uma dicotomia segundo a qual, se um dosdois é verdadeiro, o outro tem que ser falso c vicc-versa.

2) Todas as inferências disjuntivas da razão contendo maisde dois membros da disjunção são, pois, a rigor, polissilogísticas.Com efeito, toda verdadeira disjunção só pode ser bimembris, c a

148

divisão lógica também c bimembris, mas os membra subdividentia sãopostos para abreviar entre os membra dividentia.

#78PRINCÍPIO DAS INFERÊNCIAS DA RAZÃO DISJUNTIVAS

O princípio das inferências disjuntivas é o princípio doterceiro excluído:

A conctradictorie oppositorum negalione unius adaffirmationem alterius, apositione unius ad negationem alterius valetconsequentia.(17)

#79O DILEMA

Um dilema é uma inferência hipotético-disjuntiva, ou umainferência hipotética, cujo consequens é um juízo disjuntivo. A

A204 proposição hipo / tética cujo consequens c disjuntivo é a maior; amenor afirma que o consequens (per omnia membra) é falso e aconclusão afirma que o antecedens é falso. (A remotione consequenlisad negationcm antecedenlis valet consequentia.)

Obser\>ação. - Os Antigos davam muita importância aodilema e deram a esse tipo de inferência o apelido de cornutus. Eles

Ak 131 sabiam acuar um adversário /enumerando-lhes todas as saídas paraas quais pudessem se voltar para, cm seguida, refutá-las uma a uma.Mostravam-lhe muitas dificuldades em toda c qualquer opinião queadotasse. Todavia, c um artifício sofístico não refutar diretamente asproposições, mas apenas mostrar dificuldades; o que afinal se podefazer em muitas coisas se não na maioria delas.

Ora, se de imediato quisermos declarar falso tudo aquilocm que se encontram dificuldades, vai ser uma brincadeira decrianças rejeitar tudo. De certo, é bom mostrar a impossibilidade docontrário; só que há nisto algo de enganoso, na medida cm que setoma a incompreensibilidade do contrário pela impossibilidade dele.Por isso, há muito de capcioso nos dilemas, mesmo que infiramcorrctamentc. Eles podem ser usados para defender proposiçõesverdadeiras, mas também para atacar proposições verdadeirasatravés de dificuldades erguidas contra elas.

(17) Da negação de uma de duas proposições opostas contraditoriamentepara a afirmação da outra, ou da posição de uma para a negação daoutra, a inferência c boa (N. T.).

149

Page 75: Lógica - Immanuel Kant

A205 l #80INFERÊNCIAS DA RAZÃO FORMAIS E OCULTAS

(RATIOCINIA FORMALIA E CRYPTICA)

Uma inferência da razão formal 6 uma inferência que nãoapenas contém tudo o que se requer quanto à matéria^ mas tambémé correia e completamente expressa quanto à forma. As inferênciasformais da razão opõem-se as ocultas (cryp/ica), entre as quaispodem se contar todas aquelas nas quais ou as premissas estãotranspostas, ou uma das premissas eslá omitida, ou enfim só o termomédio está ligado à conclusão. Uma inferência oculta da razão dasegunda espécie, na qual uma das premissas não está expressa, masapenas subentendida, chama-se uma inferência mutilada ou umentimema. As inferências da terceira espécie denominam-seinferências contratas.

III. AS INFERÊNCIAS DO PODER DE JULGAR

#81O PODER DE JULGAR DETERMINANTE E

REFLEXIONANTE

O poder de julgar é duplo: o determinante e o reflexionante.O primeiro vai do universal ao particular, o segundo do particular ao

A 206 universal. O último só tem validade subjetiva / pois o universal emAk 132 direção ao qual ele /progride a partir do particular é tão-somente uma

universalidade empírica - um mero análogo da universalidade lógica.

#82INFERÊNCIAS DO PODER DE JULGAR

(REFLEXIONANTE)

As inferências do poder de julgar consistem em certosmodos de inferir servindo para passar de conceitos particulares aconceitos universais. Não são, pois, funções do poder de julgardeterminante, mas do poder de julgar reflexionante; por conseguinte,também não delerminam o objeto, mas apenas a maneira de refletirsobre ele a fim de se chegar ao seu conhecimento.

#83PRINCÍPIO DESSAS INFERÊNCIAS

O princípio em que se baseiam as inferências do poder dejulgar é o seguinte: que muitos não hão de se pôr de acordo em UM

150

sem um fundamento comum, mas, ao contrário, aquilo que convémdesta maneira a muitos há de ser necessário a partir de umfundamento comum.

Observação. - Já que as inferências do poder de julgar sebaseiam em semelhante princípio, elas não podem por isso mesmoserem consideradas como inferências imediatas.

A 207 l# 84INDUÇÃO E ANALOGIA - AS DUAS

ESPÉCIES DE INFERÊNCIAS DO PODER DE JULGAR

Ao progredir do particular para o universal a fim de extrairjuízos un iversa i s da experiência , logo não a priori, masempiricamente, o poder de julgar ou bem passa cm suas inferênciasde muitas a iodas as coisas de uma espécie, ou bem de muitasdeterminações e propriedades nas quais as coisas de uma mesmaespécie concordam para as demais, na medida em que pertencem aomesmo princípio. A pr imeira espécie de inferência chama-seinferência por indução; a outra, inferência segundo a analogia.

Ak 133 /Observações. - 1) Aindução infere, pois, do particular parao universal (a partiailari ad universale) segundo o princípio dageneralização: O que a muitas coisas de um género convém convémàs demais também. A analogia infere da semelhança particular deduas coisas a semelhança total, segundo o princípio da especificação:as coisas de um género das quais conhecemos muitos aspectosconcordantes também concordam nos demais aspectos queconhecemos cm algumas coisas deste género, mas não percebemoscm oulras. A indução amplia o que c empiricamente dado doparticular para o universal no que respeita a muitos objetos; a

A 208 analogia, ao contrário, / estende as propriedades^18) dadas de umacoisa a várias outras da mesma coisa. Um em muitos, logo em todos:indução; muitos em UM (que também está cm outros), logo tambémo restante no mesmo: analogia. Assim, por exemplo, o argumentopara a imortalidade, a part i r do pleno desenvolvimento dasdisposições naturais de cada criatura, é um inferência segundo aanalogia.

No caso da inferência segundo a analogia, entretanto, nãose exige a identidade do fundamento (parralio). Segundo a analogia,inferimos tão-somente a existência de habitantes da lua, mas não dehomens. Tampouco se pode, segundo a analogia, inferir algo alémdo tertium comparalionis.

(18) .Vir. Talvez se deva entender:/«KM das propriedades dadas (N. T.).

151

Page 76: Lógica - Immanuel Kant

2) Toda inferência da razão deve dar necessidade. Por isso,a indução e a analogia não são inferências da razão, mas apenaspresunções lógicas, ou ainda inferências empíricas; c pela induçãochegamos, certamente, a proposições gerais, mas não a universais.

3) As mencionadas inferências do poder de julgar são úteise indispensáveis para a ampliação do nosso conhecimento porexperiência. Mas, como só proporcionam certeza empírica, devemosnos servir delas com prudência e cautela.

A 209 l #85INFERÊNCIAS DA RAZÃO SIMPLES E COMPOSTAS

Uma inferência da razão chama-se simples se consiste emapenas UMA; composta, se consiste de várias inferências da razão.

#86RATIOCINATIO POLYSYLLOGISTICA

Uma inferência composta na qual as várias inferências darazão estão coligadas não por mera coordenação, mas por

Ak 134 subordinação, / quer dizer , como razões e consequências,denomina-se uma cadeia de inferências da razão (ratiocinatiopolysyllogistica).

#87PROSSILOGISMOS E EPISSILOGISMOS

Na série de inferências compostas, pode-se inferir de duasmaneiras: ou descendo das razões às consequências, ou remontandodas consequências às razões. A primeira ocorre medianteepissilogismos, a outra medianteprossilogismos.

Um epissilogismo é, com efeito, aquela inferência na sériede inferências cuja premissa se torna a conclusão de um

A210 prossilogismo; logo, uma / inferência que tem por conclusão apremissa do primeiro.

#88O SORITES OU A CADEIA DE INFERÊNCIAS

Uma <infcrência composta>(19) de várias inferênciasabreviadas e ligadas entre si de modo a levar a UMA conclusão

(19) Acréscimo da edição da Academia (N. T.).

152

chama-se soríles, ou uma cadeia de inferências que pode ser ouprogressiva, ou regressiva, conforme se remonte das razões maispróximas às mais remotas ou se desça das razões mais remotas àsmais próximas.

#89SORITES CATEGÓRICOS E HIPOTÉTICOS

As cadeias de inferências progressivas bem como asregressivas podem ser por sua vez ou categóricas ou hipotéticas.Aquelas compõem-se de proposições categóricas, como uma série depredicados; estas, de proposições hipotéticas, como uma série deconsequências.

#90A FALÁCIA - O PARALOGISMO -

O SOFISMA

Uma inferência da razão que seja falsa segundo a forma,embora tendo a seu favor a aparência de uma inferência correia,chama-se falácia. Semelhante inferência é um paralogismo na

} medida em que nós próprios / nos deixamos enganar por ela; / umsofisma, na medida cm que através dela procuramos enganarintencionalmente os demais.

Observações. - Os Antigos ocuparam-se muito da arte defazer semelhantes sofismas. Por isso surgiram muitos no género, porexemplo, o sophisma figurae dictionis, no qual o medius terminus étomado cm sentido diverso; a fallacia a dicto secundam quid addictum simpliciter; o sophisma heterozeteseos, elenchi ignorationis coutros que tais.

#91O SALTO NA INFERÊNCIA

Um salto (sallus) ao inferir ou provar é a ligação de UMApremissa com a conclusão de tal sorte que a outra premissa se vêomitida. Semelhante salto é legítimo (legilimus) se é fácil paraqualquer um acrescentar em pensamento a premissa que falta;ilegítimo (illegitimus), porém, se a subsunção não é clara. Aqui umacaracterística remota se vê conectada com uma coisa sem umacaracterística intermédia (nota intermédia).

153

Page 77: Lógica - Immanuel Kant

#92PETITIO PRÍNCIPII - CIRCULUS IN PROSANDO

Por pelilio príncipii cntendc-sc a admissão de umaproposição como argumento a t í t u l o de uma proposiçãoimediatamente certa, muito embora ela ainda careça de prova. E um

A 212 círculo ao pró / var é o que se comete quando se toma a proposiçãoque se queria provar como fundamento de sua própria prova.

Observação. - Muitas vezes, o círculo ao provar 6 difícil dedescobrir; e esta falta c justamente o que de hábito se comete commais frequência quando as provas são difíceis.

Ak136 l #93PROBATIO PLUS E MINUS PROBANS

Uma prova pode provar de mais ou de menos. No últimocaso, ela prova apenas uma parte do que deve ser provado; noprimeiro, ela se estende também ao que c falso.

Observação. - Uma prova que prove demasiado pouco podeser verdadeira e, portanto, não deve ser rejeitada. Mas, se ela provademais, então prova mais do que c verdadeiro; e isto é então falso.Assim, por exemplo, a prova contra o suicídio, segundo a qual quemnão se deu a vida também não a pode tirar, prova demais; pois,por essa razão, também não seria lícito matar os animais. É,portanto, falsa.

,4213 /II-

DOUTRINA GERAL DO MÉTODO

154

Page 78: Lógica - Immanuel Kant

A 216

1*94.MANEIRA E MÉTODO

Todo conhecimento bem como um todo do mesmo têm queser conformes a uma regra. (A falta de regra é ao mesmo tempo airrazão.) Mas esta regra é quer a regra da maneira (livre), quer a dométodo (coerção).

#95A FORMA DA CIÊNCIA - O MÉTODO

Enquanto ciência, o conhecimento tem que ser organizadosegundo um método. Pois a ciência é um todo do conhecimentocomo sistema e não como simples agregado. Ela requer, por isso, umconhecimento sistemático; portanto, formulado segundo regrasrefletidas.

#96DOUTRINA DO MÉTODO -

SEU OBJETO E SUA FINALIDADE

Assim como a Doutrina Elementar na Lógica tem porconteúdo os elementos e as condições da perfeição de umconhecimento, assim também de sua parte a Doutrina Geral doMétodo, que é a outra parte da Lógica, tem que tratar da forma deuma ciência em geral, ou da maneira de proceder para conectar omúltiplo do conhecimento em uma ciência.

l# 97MEIOS DE PROMOVER

A PERFEIÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTO

A Doutrina do Método deve expor a maneira pela qualchegamos à perfeição do conhecimento. Ora, uma das mais

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Ak 140 essenciais / perfeições lógicas do conhecimento consiste nadistinção, no tratamento a fundo e na ordenação sistemática doconhecimento de modo a constituir o todo de uma ciência.Consequentemente, a Doutrina do Método terá sobretudo deindicar os meios pelos quais se podem promover essas perfeições doconhecimento.

#98CONDIÇÕES DA DISTINÇÃO DO CONHECIMENTO

A distinção dos conhecimentos e sua ligação num todosistemático depende da distinção dos conceitos, tanto no queconcerne ao que está contido dentro deles, quanto no que respeitaao que está contido sob eles.

A consciência distinta do conteúdo dos conceitos épromovida pela exposição e definição dos mesmos; a consciênciadistinta da sua extensão, ao contrário, pela divisão lógica dosmesmos. Tratemos, pois, aqui em primeiro lugar dos meiosde promover a distinção dos conceitos no que concerne ao seuconteúdo.

A217 11. PROMOÇÃODA PERFEIÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTOPELA DEFINIÇÃO, EXPOSIÇÃO E DESCRIÇÃO

DOS CONCEITOS

#99A DEFINIÇÃO

Uma definição é um conceito suficientemente distinto eadequado (conceplus rei adequalus in minimis terminis, completedeterminatus).

Observação. - Só a definição deve ser considerada como umconceito logicamente perfeito; pois nela se reúnem as duasperfeições mais essenciais de um conceito: a distinção e a perfeiçãoe precisão na distinção (quantidade da distinção).

Ak141 /# 100DEFINIÇÃO ANALÍTICA E DEFINIÇÃO SINTÉTICA

Todas as definições são analíticas ou sintéticas. Asprimeiras são definições de um conceito dado; as últimas, definiçõesde um conceilo factício.

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#101CONCEITOS DADOS E CONCEITOS FACTÍCIOS

A PRIORIEA POSTERIORI

Os conceitos dados de uma definição analítica são ou bemA 218 dados a príorí, ou bem dados a posteriori; l assim como os conceitos

factícios de uma definição sintética são feitos ou bemapriori ou bema posteriori.

#102DEFINIÇÕES SINTÉTICAS

POR EXPOSIÇÃO OU POR CONSTRUÇÃO

A síntese dos conceitos factícios, da qual resultam asdefinições sintéticas, é ou bem a síntese da exposição (dosfenómenos), ou bem a síntese da construção. A última é a síntese deconceitos arbitrariamente feitos, a primeira a síntese de conceitosfeitos empiricamente - quer dizer, a partir de fenómenos dadoscomo a matéria deles (conceptus factitii vd a príorí vel per synthesinempiricam). Os conceitos arbitrariamente feitos são os conceitosmatemáticos.

Observações. - Todas as definições dos conceitosmatemáticos e - na medida em que de todo sejam possíveis, asdefinições no caso dos conceitos empíricos - também dos conceitosde experiência têm, pois, que serem fcilas sinteticamente. Poistambém no caso dos conceitos da última espécie, por exemplo, nosconceitos empíricos de água, fogo, ar e coisas semelhantes não devoanalisar o que está neles, mas aprender pela experiência o quepertence a eles. Todos os conceitos empíricos têm, pois, que serconsiderados como conceitos factícios cuja síntese, porém, não éarbitrária, mas empírica.

A 219 i# i03

IMPOSSIBILIDADEDE DEFINIÇÕES EMPIRICAMENTE SINTÉTICAS

Visto que a síntese dos conceitos empíricos não éarbitrária,mas empírica e, enquanto tal, jamais pode ser completa (porque se

Ak 1421 podem sempre descobrir na experiência outras características maisdo conceito), os conceitos empíricos também não podem serdefinidos.

Observação. - Sinteticamente só se deixam definir, porconseguinte, os conceitos arbitrários. Semelhantes definições deconceitos arbitrários, que não apenas são sempre possíveis, mas

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também necessárias c que devem preceder o que foi dito através deum conceito arbi t rár io , poder-se-iam também denominardeclarações, na medida em que através delas declaramos os nossospensamentos ou prestamos contas do que entendemos por umapalavra. Tal é o caso com os matemáticos.

#104DEFINIÇÕES ANALÍTICAS

POR DESMEMBRAMENTO DE CONCEITOS DADOSA PRIORI OU A POSTERIORI

Todos os conceitos dados, não importa se são dados apríoríou a posteriori, só podem ser definidos por análise. Pois os conceitosdados só podem ser tornados distintos na medida em que aclaramossucessivamente as características deles. Sc todas as características de

A 220 um / conceito dado se vêem aclaradas, então o conceito se tornacompletamente distinto; se ele tampouco contém característicasdemais, então ele é ao mesmo tempo preciso e daí resulta umadefinição do conceito.

Observação. - Como nenhum teste pode dar a certeza de seterem exaurido por uma análise completa todas as características deum conceito dado, todas as definições analíticas devem ser tidas porinseguras.

#105EXPOSIÇÕES E DESCRIÇÕES

Portanto, nem todos os conceitos podem, mas tampoucoprecisam ser definidos.

Há aproximações da definição de certos conceitos; estas sãoem p a r t e exposições (expositiones), em par te descrições(descriptiones).

Ak 143 /Aexposição de um conceito consiste na representação umaa uma (sucessiva) de suas notas características, na medida em queestas foram encontradas por análise.

Adescrição é a exposição de um conceito na medida em quenão é uma definição precisa.

Observações. - 1) Podemos expor quer um conceito, quer aexperiência. A primeira ocorre por análise, a segunda por síntese.

2) A exposição só tem lugar, pois, no caso de conceitosdados, que são assim tornados claros; ela distinguc-se assim dadecla-

A 221 / ração, que é uma representação distinta de conceitos factícios.Como nem sempre é possível tornar a análise completa; e

como além disso um desmembramento, antes de se tornar completo,

é necessariamente incompleto, uma exposição mesmo incompleta étambém, enquanto parte de uma definição, uma exibição verdadeirae útil de um conceito. Neste caso, a definição permanece sempreapenas a ideia de uma perfeição lógica, que temos de procuraratingir.

3) A descrição só pode ter lugar no caso dos conceitosempiricamente dados. Ela não tem regras determinadas e contémapenas os materiais para a definição.

#106DEFINIÇÕES NOMINAIS E DEFINIÇÕES REAIS

Por meras explicações de nomes, ou definições nominais,devem-se entender aquelas que contêm o significado que se quis dararbitrariamente a um certo nome e que, por isso, designam apenasa essência lógica de seu objeto, ou que servem simplesmente paradistingui-lo de outros objetos. Ao contrário, as explicações de coisas,ou definições reais, são aquelas que são suficientes para oconhecimento do objeto, segundo suas determinações internas, namedida em que exibem a possibilidade do objeto a partir de suascaracterísticas internas.

A 222 l Sc um conceito é internamente suficiente para distinguira coisa, então ele certamente também o é externamente; mas, se elenão é internamentesuficicnte, ele pode no entanto ser externamentesuficiente sob certo aspecto apenas, a saber, na comparação dodefmitum com outros. Só que a suficiência externa irrestrita não épossível sem a primeira.

Ak 144 l 2) Os objetos da experiência só admitem explicaçõesnominais. As definições nominais lógicas de conceitos doentendimento dados são tiradas de um atributo; as definições reais,ao contrário, da essência da coisa, da pr imeira razão dapossibilidade. As últimas contêm, pois, aquilo que convém sempreà coisa - a essência real dela. As definições meramente negativastambém não podem se chamar definições reais, porque ascaracterísticas negativas podem, é verdade, servir para distinguiruma coisa de outras tanto quanto as afirmativas, mas não para oconhecimento da coisa segundo a sua possibilidade interna.

Em matéria de Moral, é preciso buscar sempre as definiçõesreais; é para isso que todos os nossos esforços devem estar dirigidos.Definições reais encontram-se na Matemática; pois a definição deum conceito arbitrário é sempre uma definição real.

3) Uma definição égenética se ela dá um conceito medianteo qual o objeto pode ser exibido a priori in concreto; tais são todasas definições matemáticas.

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A 223 / #107OS PRINCIPAIS REQUISITOS DA DEFINIÇÃO

Os requisilos essenciais e universais que se exigem para aperfeição de uma definição em geral podem ser considerados sob osquatro aspectos principais da quantidade, qualidade, relação emodalidade.

1) Segundo a quantidade - no que concerne à esfera dadefinição - é preciso que a definição e o defmitum sejam conceitosrecíprocos (conceptus reciproci), e, por conseguinte, a definição nãopode ser nem mais lata, nem mais estrita do que o seu defmitum.

2) Segundo a qualidade, é preciso que a definição seja umconceito detalhado e, ao mesmo tempo,preciso.

3) Segundo a relação, ela não pode ser tautológica, isto 6, épreciso que as características do defmitum sejam, enquanto razõesdo conhecimento do mesmo, diferentes dele próprio. E finalmente:

4) segundo a modalidade, c preciso que as característicassejam necessárias e, por conseguinte, que não sejam daquelas queadvêm pela experiência.

Observação. - A condição de que o conceito do género e oconceito da diferença específica (genus e differeníia specifica)

Ak 145 constituam a definição, / vale apenas com respeito às definiçõesnominais na comparação, mas não para as definições reais naderivação.

A 224 i# 108REGRAS PARA O EXAME DAS DEFINIÇÕES

No exame das definições, cumpre realizar quatrooperações, a saber, é preciso investigar aí:

1) se a definição, considerada como uma proposição éverdadeira;

2) se a definição, considerada como um conceito, é distinta;3) se a definição, considerada como um conceito distinto,

também é detalhada, e finalmente:4) se a definição, enquanto um conceito detalhado, é ao

mesmo tempo determinada, isto é, adequada à coisa mesma.

#109REGRAS PARA A ELABORAÇÃO DAS DEFINIÇÕES

Exatamente as mesmas operações que são necessárias parao exame das definições devem agora também ser efetuadas em suaelaboração. Para este fim, procure, pois: 1) proposições verdadeiras;

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X\225

Ak 146

2) aquelas cujo predicado não pressuponha já o conceito da coisa;3) reúna várias delas c compare-as com o conceito da coisa mesmapara ver se ela é adequada, e finalmente: 4) veja se uma característicanão se encontra em outra ou a ela está subordinada^

Observações. - 1) Estas regras valerrr^como está claro semque seja preciso lembrá-lo - apenas para as definições analíticas.Ora, como não se pode ter aqui jamais a certeza de que a análise foicompleta, só é lícito estabelecer a definição tentativamente e delasó se servir como se nenhuma definição fosse. Com esta / restrição,é possível utilizar-se dela como um conceito distinto e verdadeiro, eextrair corolários das características de um conceito. Assim podereidizer: àquilo a que convém o conceito do defmitum também convéma definição, mas não, de certo, inversamente, já que a definição nãoesgota todo o defmitum.

2) Servir-se do conceito do defmitum na explicação ou, nadefinição, tomar o defmitum por fundamento, significa explicarmediante um círculo (circuliis in defmiendo).

l II. PROMOÇÃODA PERFEIÇÃO LÓGICA DO CONHECIMENTO

PELA DIVISÃO LÓGICA DOS CONCEITOS

A 226

#110CONCEITO DA DIVISÃO LÓGICA

Todo conceito contém um múltiplo sob si na medida em queeste é concordante; mas também na medida em que este múltiplo édiverso. A determinação de um conceito com respeito a todos osobjetos possíveis contidos sob ele, na medida em que se opõem umao outro, isto é, diferem um do outro, chama-se divisão lógica doconceito. O conceito superior chama-se conceito dividido (divisum)e os conceitos inferiores membros da divisão (membra divideníia).

/ Observações.-}) Dissecar <teilen> um conceito e dividi-lo<einteilen>(20) são, pois, coisas mui diversas. Ao dissecar umconceito, fico olhando para o que está contido dentro dele (poranálise); ao dividi-lo, estou considerando o que está contido sob ele.Aqui, estou dividindo a esfera do conceito, não o próprio conceito.Portanto, longe de ser a divisão uma dissecação do conceito, osmembros da divisão, muito pelo contrário, encerram em si mais doque o conceito dividido.

(20) '1'eilen: lit. partir, dividir em partes. Einleilen: dividir, repartir, partilhar,distribuir (N. T.).

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2) Remontamos dos conceitos inferiores aos superiores eem seguida podemos de novo descer destes para os inferiores - pordivisão.

#111REGRAS GERAIS DA DIVISÃO LÓGICA

Em toda divisão de um conceito devc-se atentar para oseguinte:

1) que os membros da divisão se excluam ou estejamopostos uns aos outros;

2) que, além disso, se situem sob um conceito superior(conceplum communeni); e finalmente:

3) que, tomados em conjunto, constituam a esfera doconceito dividido ou sejam iguais a ela.

Ak 147 l Observações. - Os membros da divisão devem estarseparados uns dos outros por oposição contraditória, não por umamera oposição (contrariam).

A 227 l # 112CODIVISÃO E SUBDIVISÃO

As diferentes divisões de um conceito feitas com intençõesdiferentes chamam-se codivisões, e a divisão dos membros da divisãodenomina-se subdivisão (subdivisio).

Observações. - 1) A subdivisão pode ser prolongada aoinfinito; mas, comparativamente, pode ser finita. A codivisãotambém vai ao infini to, cm particular no caso dos conceitos daexperiência; pois quem pode esgotar todas as relações dosconceitos?

2) Também se pode denominar a codivisão uma divisãosegundo a diferença dos conceitos do mesmo objeto (pontos devista); bem como a subdivisão, uma divisão dos pontos de vista elespróprios.

#77.?DICOTOMIA E POLITOMIA

Uma divisão em dois membros chama-se dicotomia; mas, seela tem mais do que dois membros, ela é denominada politomia.

Observações. - 1) Toda politomia ó empírica; a dicotomiaé a única divisão a partir de princípios a priori - logo, a única divisãoprimitiva. Pois os membros da divisão devem estar opostos uns aosoutros, e de todo A o contrário nada mais é do que não-A.

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A 228 / 2) A politomia não pode ser ensinada na Lógica; pois paraisto é necessário o conhecimento do objeto. A dicotomia, porém,precisa apenas do princípio da contradição, sem que se conheça oconceito que se quer dividir quanto ao conteúdo. A politomia careceda inmição, seja a priori, como na Matemática (por exemplo, adivisão das secções cónicas), seja a intuição empírica, como naDescrição da Natureza. No entanto, a divisão a partir da princípio

Ak 148 da síntese a priori envolve tricolomia; a saber: (1) o / conceito, comoa condição, (2) o condicionado e (3) a derivação do último a partirdo primeiro.

#774DIFERENTES DIVISÕES DO MÉTODO

No que concerne agora em particular ao próprio método naelaboração e t ra tamento dos conhecimentos científicos, hádiferentes espécies principais que podemos indicar aqui segundo adivisão que se segue.

#7751. MÉTODO CIENTÍCO OU MÉTODO POPULAR

O método científico ou escolástico distingue-se do popularpelo fato de que aquele parte de proposições básicas e elementares,

A 229 este ao contrário do que é costumeiro e interessante. / Aquele visa aelaboração afundo e, por isso, afasta tudo o que é heterogéneo; estelem em vista o entretenimento.

Observação. - Estes dois métodos distinguem-se, pois,quanto à espécie e não quanto à mera maneira de apresentar, e ap o p u l a r i d a d e no método é, por conseguinte, d i s t i n t a dapopularidade na maneira de apresentar.

#1162. MÉTODO SISTEMÁTICO OU

MÉTODO FRAGMENTÁRIO

O método sistemático opõe-se ao método fragmentário ounipsódico. Se houvermos pensado segundo um método e se emseguida houvermos expresso este método também na apresentação,lendo indicado distintamente a passagem de uma proposição àoulra, leremos tratado um conhecimento de maneira sistemática.Sc, ao contrário, houvermos, é verdade, pensado segundo ummétodo, mas sem ter organizado metodicamente a apresentação,cntrto convém chamar semelhante método dcrapsódico.

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Page 83: Lógica - Immanuel Kant

Observação. - A apresentação sistemática opõe-se àapresentação fragmentária, assim como a apresentação metódica à

Ak 149 tumultuaria. Quem pensa / metodicamente pode, com efeito, fazerA 230 uma apresentação de maneira sistemática ou frag / mentária. A

apresentação exteriormente fragmentária, mas em si mesmametódica é aforística.

#1173. MÉTODO ANALÍTICO OU MÉTODO SINTÉTICO

O método analítico opõe-se ao método sintético. Aquelecomeça do condicionado e fundamentado e prossegue em direçãoaos princípios (a principiatis ad principia), este ao contrário vai dosprincípios às consequências ou do simples ao composto. Aoprimeiro poder-se-ia também chamar regressivo, assim como aosegu ndo progressivo.

Observação. - O método analítico também é chamado demétodo da invenção. Para fins de popularidade, o método analíticoé mais apropriado, mas, para fins da elaboração científica esistemática do conhecimento, mais apropriado é o método sintético.

#1184. MÉTODO SILOGÍSTICO - MÉTODO TABELAR

A 231

O método silogístico é aquele no qual uma ciência éapresentada numa cadeia de inferências.

/ Tabelar chama-se o método segundo o qual um edifíciodoutrinário já pronto é apresentado em sua conexão inteira.

#7795. MÉTODO ACROAMÁTICO OU MÉTODO EROTEMÁTICO

Acroamático, o método o é na medida em que alguémensina apenas; erotemático, na medida em que também questiona.O segundo método pode, por sua vez, dividir-se no método dialógicoou socrático e no método catequético, conforme as questões sedirijam seja ao entendimento, seja meramente à memória.

Observação. - Não se pode ensinar segundo o métodoerotemático a não ser por meio do diálogo socrático, no qual ambosos interlocutores têm que interrogar e também responder

Ak 150 alternadamente, /de tal sorte que parece que o discípulo também é,ele próprio, um mestre. Com efeito, o diálogo socrático ensina pormeio de questões, ensinando ao aprendiz como conhecer osprincípios da sua própria razão e aguçando-lhe a atenção para isso.

Pela catequese comum, porém, não é possível ensinar, mas apenasindagar o que se ensinou acroamaticamente. Por isso, o métodocatequético vale apenas para conhecimentos empíricos e históricos;o dialógico, ao contrário, para conhecimentos racionais.

A 232 l #120MEDITAR

Por m e d i t a r deve-se en t ende r r c f l e t i r ou pensarmetodicamente. A meditação tem que acompanhar toda leitura eaprendizado; e, para isso, exige-se antes de mais nada proceder ainvestigações preliminares e em seguida pôr em ordem os seuspensamentos ou ligá-los segundo um método.

166 167

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ANEXO

Ak 303 j NOTICIA DO PROF. IMMANUEL KANTSOBRE A ORGANIZAÇÃO DE SUAS PRELEÇOES

NO SEMESTRE DE INVERNODE 1765-1766

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J 7

Título da edição original (A):

M. Immanuel Kants Nachrichtvon der Einrichtung seiner Vorlesungen

in den Winterhalbenjahrenvon 1765-1766

Kõnigsberg,bey Johann Jacob Kanter

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A4

/ Q ensino da juventude envolve sempre a dificuldade deque somos forçados a nos adiantar aos anos com o discernimento e,sem aguardar a maturidade do entendimento, devemos transmitirconhecimentos que, segundo a ordem natural, só poderiam seralcançados por uma razão mais exercitada e mais experimentada. Éaí que têm origem os eternos preconceitos das escolas, mais tenazese muitas vezes mais desenxabidos do que os comuns, bem como atagarelice precoce dos jovens pensadores, mais cega do que qualqueroutra arrogância e mais insanável do que a ignorância. Não obstante,esta é uma dificuldade que não se pode evitar de todo, porquanto,numa época de uma constituição civil tão cheia de atavios, osdiscernimentos mais subtis fazem parte dos meios de avançar etornam-se necessidades que, por sua natureza, deviam ser colocadasentre os adornos da vida e, por assim dizer, entre as belezassupérfluas dela. / No entanto, é possível, neste ponto também,acomodar mais o ensino público segundo a natureza, senãoharmonizá-lo inteiramente com esta. Com efeito, visto que oprogresso natural do conhecimento humano é tal que, primeiro, oentendimento se forma, na medida em que chega pela experiência ajuízos intuitivos e, por meio destes, a conceitos, conceitos estes que,cm seguida, são colocados pela razão <Vermmft> em relação comas razões <Griinde> c as consequências deles, para seremfinalmente discernidos <erkannt> por meio da ciência num todobem ordenado, o ensino também terá que seguir o mesmo caminho.De um professor espera-se, pois, que ele forme em seu ouvinte,primeiro, o homem sensato, depois o homem racional e, por fim, odomo. Semelhante procedimento tem a vantagem de que o aprendiz,

Ak 306 mesmo que jamais chegue ao último grau, como em geral /acontece,lerá sempre ganho alguma coisa com o ensino e se terá tornado maisexercitado e mais atinado, senão perante a escola, pelo menosperante a vida.

Se invertermos esse método, o aluno vai abocanhar umaespécie de razão, antes mesmo que o entendimento lenha sidoformado nele, tornando-se portador de uma ciência de empréstimo,

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que nele estará, por assim dizer, apenas grudada e não desenvolvida,ao passo que suas aptidões mentais permanecerão tão estéreis comodantes, tendo se tornado, porém, com o delírio da sabedoria, muitomais corrompidas. Aqui está a causa de não raro se encontrarempessoas doutas (na verdade instruídas) que demonstram poucoentendimento, bem como a razão por que as academias põem nomundo mais cabeças desenxabidas do que qualquer outra instituiçãoda coisa pública.

A 5 / A regra do comportamento é, pois, a seguinte: antes demais nada amadurecer o entendimento e acelerar seu crescimento,exercitando-o nos juízos da experiência e despertando sua atençãopara aquilo que as sensações comparadas de seus sentidos possamensinar. Partindo destes juízos ou conceitos, ele não deveempreender nenhum voo em direção a outros mais elevados e maisdistantes, mas deve chegar até aí pela calçada natural e transitáveldos conceitos inferiores que aos poucos o levem mais longe; tudo,porém, em conformidade com aquela aptidão do entendimento queo exercício precedente houver necessariamente produzido nele enão em conformidade com aquela que o professor percebe, ou crêperceber, em si mesmo e que ele erroneamente também pressupõeem seu ouvinte. Em suma, ele não deve ensinar pensamentos, mas apensar, não se deve carregá-lo, mas guiá-lo, se se quer que ele sejaapto no futuro a caminhar por si próprio.

Semelhante didática, exige-a a própria natureza daFilosofia. Mas, como esta é propriamente uma ocupação para aidade adulta apenas, não é de admirar que surjam dificuldadesquando se quiser acomodá-la à aptidão menos exercitada dajuventude. O adolescente que acabou sua formação escolar estavaacostumado a aprender. Ele pensa que, de agora em diante, vaiaprender Filosofia, o que porém é impossível, pois agora ele deveaprender a filosofar. Vou me explicar com maior clareza. Todas asciências que a gente pode em sentido próprio aprender podem sereduzir a dois géneros: o histórico e o matemático. Entre as primeirasencontram-se, além da História propriamente dita, a História

A 6 Natural, a Filologia, o / Direito Positivo etc. etc... Ora, visto que emtudo o que é histórico, a experiência própria ou o testemunho alheio,

Ak 307 ao passo que em tudo o que/é matemático, a evidência dos conceitose a infalibilidade da demonstração constituem algo que está de fatodado e de que, por conseguinte, estamos aprovisionados e que épreciso apenas apanhar, nos dois casos é possível aprender, isto é,imprimir seja na memória, seja no entendimento, aquilo que podeser posto diante de nós como uma disciplina pronta e acabada. Paraaprender, pois, a Filosofia, seria preciso que realmente já houvesseuma. Teria que ser possível exibir um livro c dizer: cis aqui sabedoria

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e discernimento fidedigno; procurai entendê-lo c assimilá-lo, sobreisso edificai no futuro, sereis então filósofos; até que me mostremsemelhante livro da Filosofia, ao qual eu possa recorrer como, porexemplo, ao Políbio, para elucidar um fato histórico, ou ao Euclides,para explicar uma proposição da Matemática, seja-me permitidodizer: que é um abuso da confiança da comunidade, em vez deampliar a aptidão intelectual dos jovens que nos foram confiados ede formá-los para uma discernimento próprio mais amadurecido nofuturo, enganá-los com uma Filosofia pretensamente já pronta, queteria sido excogitada por outros em seu benefício, donde resulta umsimulacro de ciência que só tem curso como moeda autêntica emcerto lugar e entre certas pessoas, mas que é desacreditada emqualquer outra parte. O método peculiar de ensino na Filosofia ézetético, como lhe chamavam os Antigos (de Ç?/Te<v), isto é,investigante, e só se torna dogmático, isto é, decidido, no caso de umarazão mais exercitada em diferentes questões. Também o autor

A 7 filosófico / em que nos baseamos no ensino deve ser considerado,não como o modelo do juízo, mas apenas como o ensejo dejulgarmos nós próprios sobre ele e até mesmo contra ele; e o métodode refletir e concluir por conta própria è aquilo cujo domínio oaprendiz está a rigor buscando, o qual também é o único que lhepode ser útil, de tal sorte que os discernimentos decididos que porventura se t enham obtido ao mesmo tempo têm que serconsiderados como consequências contingentes dele, consequênciasestas para cuja plena abundância ele só tem de plantar em si mesmoa raiz fecunda.

Se a isso compararmos o procedimento comum tão diversodele, poderemos compreender várias outras coisas que de outromodo parecem estranhas aos nossos olhos. Como, por exemplo, porque não há nenhuma espécie de sapiência do ofício onde tantosmestres são encontrados como na Filosofia, e, ao passo que muitosdos que aprenderam História, Direito, Matemática etc. se

Ak 308 conformam com o fato de apesar disso ainda não / terem aprendidoo bastante para ensiná-las, por que por outro lado raramente seencontra alguém que não se imagine com toda seriedade capaz, alémde sua ocupação restante, de ensinar Lógica, Moral e coisassemelhantes, caso quisesse se meter em tais miudezas. A razão éque, nessas ciências, há um padrão comum, nesta porém cada umtem o seu. Do mesmo modo, ver-se-á claramente que é muito pouconatural que a Filosofia seja um ganha-pão, na medida em querepugna ao seu carálcr essencial acomodar-se à ilusão da demanda

A 8 e a lei da moda, e que só a / necessidade, cuja força ainda se faz sentirsobre a Filosofia, pode forçá-la a amoldar-se à forma do aplausocomum.

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r r

As ciências que tenciono ap resen ta r e t r a t a rcompletatnente, no semestre que ora se inicia, em lições privadassão as seguintes:

1. Metafísica. - Num texto breve e apressadamenteredigido/21) procurei mostrar que esta ciência, a despeito dosgrandes esforços dos sábios em prol dela, ainda 6 tão imperfeita einsegura porque o procedimento peculiar da mesma tem sidoignorado, na medida em que este não 6 sintético, como o daMatemática, mas analítico. De acordo com este, o que é simples e omais geral na Matemática também é o mais fácil; na ciênciaprincipal, porém, o mais difícil; naquela, ele deve naturalmente virprimeiro, nesta por último. Naquela, começa-se a doutrina pelasdefinições, nesta é com elas que se termina, e do mesmo modo emvários outros pontos. Há muito, venho trabalhando com base nesseprojeto e, na medida em que a cada passo por essa via voudescobrindo as fontes do erros e a norma do juízo pela qual elespodem ser evitados, se isso for jamais possível, espero poder embreve referir completamente aquilo que pode me servir para afundamentação de meu modo de apresentar a mencionada ciência.

A 9 Até lá, porém, posso muito bem, graças a uma pequena / inflexão dorumo, encaminhar no mesmo sentido o autor, A. G. Baumgarten,cujo compêndio escolhi por causa sobretudo da sua riqueza e da

Ak 309 precisão de sua maneira de ensinar. / Assim, depois de uma breveintrodução, começo com a Psicologia empírica, a qual é a rigor aciência metafísica empírica do homem; pois, no que concerne àexpressão da alma, neste capítulo ainda não é lícito afirmar que elatenha uma. O segundo capítulo, que deve tratar em geral da naturezacorpórea, tomo-o de empréstimo às principais partes daCosmologia, onde se trata da matéria, e que também completareipor alguns acréscimos escritos. Ora, visto que na primeira ciência (àqual também se acrescenta, por causa da analogia, a Zoologiaempírica, isto é, a consideração dos animais) se examinou toda a vidaque cai sob os nossos sentidos, na segunda porém tudo o que éinanimado em geral, c visto que todas as coisas do mundo podem serreduzidas a essas duas classes, passo em seguida para a Ontologia, asaber, para a ciência das propriedades mais gerais de todas as coisas,cuja conclusão inclui a distinção entre os seres espirituais e materiais,bem como a conexão ou a separação dos dois e, por conseguinte, aPsicologia racional. Aqui, de agora em diante, tenho a grandevantagem de não apenas introduzir na mais difícil dentre todas as

l

(21) O segundo dos tratados que a Real Academia de Ciências em Berlimeditou por ocasião do prémio para o ano de 1763 (N. A.).

investigações filosóficas um ouvinte já exercitado, mas também, aoexaminar em cada consideração o abstraio contido naquele concretoque as disciplinas precedentes fornecem, a vantagem de colocar tudona maior clareza, sem me antecipar a mim mesmo, isto é, sem ter odireito de recorrer para a explicação a algo que só futuramente vai

A 10 ocorrer, / o que é o erro comum e inevitável da apresentaçãosintética. Por fim vem a consideração da causa de todas as coisas, istoé, a ciência de Deus e do mundo. Não posso deixar de mencionaruma vantagem que se baseia apenas, é verdade, em causas fortuitas,mas que nem por isso deve ser pouco estimada e que penso extrairdesse método. Todos sabem com que entusiasmo o início das aulasé feito pela juventude alegre e inconstante e como em seguida assalas de aulas vão aos poucos ficando mais espaçosas. Se eu suponhoagora que aquilo que não deve acontecer voltará sempre, no entanto,a acontecer no futuro a despeito de toda lembrança, então amencionada maneira de ensinar há de conservar uma utilidadepeculiar a ela. Pois o ouvinte, cujo entusiasmo já houvesseevaporado lá pelo final da Psicologia empírica (o que, porém,dificilmente se há de presumir no caso dessa maneira de proceder)teria não obstante ouvido alguma coisa que seria compreensível por

Ak 310 sua facilidade, / aprazível pelo interesse que desperta e útil peloscasos frequentes de aplicação na vida; ao passo que, se a Ontologia,uma ciência difíci l de se entender, o tivesse desanimado decontinuar, o que ele houvesse compreendido não lhe poderia sermuito útil para nada mais.

2. Lógica. - Desta ciência há a rigor dois géneros. A doprimeiro é uma crítica e norma do bom-senso, na medida em queeste confina por um lado com os conceitos grosseiros e com aignorância, mas por outro lado com a ciência e a erudição. A Lógica

A 11 dessa espécie é aquilo que se / deve colocar no início do ensinoacadémico de toda Filosofia, por assim dizer a quarentena (se possome exprimir assim) que deve cumprir o aprendiz que queira passardo país do preconceito c do erro para o domínio da razão esclarecidac das ciências. O segundo género de Lógica é a crítica e a norma daxapiência propriamente dita e jamais pode ser tratada de outramaneira senão após as ciências cujo órganon ela deve ser, para quese torne mais regular o procedimento de que se utilizou na práticae para que se discirna a natureza da disciplina juntamente com osmeios de seu aperfeiçoamento. Assim, acrescento ao final daMetafísica uma consideração sobre o método peculiar da mesma,enquanto õrganon dessa ciência, o qual, se colocado no começodcsla, n5o estaria em seu lugar correio, na medida em que éImpossível tornar claras as regras se não dispomos de exemplos comos quais se possa mostrá-los/n concreto. O professor, é verdade, deve

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de antemão ter em mente o órganon, antes de apresentar a ciência,para que ele próprio se oriente por ele, mas ao ouvinte cie jamaisdeve apresentá-lo a não ser por último. A crítica e a norma daFilosofia inteira como um todo, essa Lógica completa, só podeencontrar, pois, o seu lugar no ensino ao final da Filosofia inteira,pois <:ó os conhecimentos já adquiridos da mesma e a História dasopiniões humanas tornam possível fazer considerações sobre aorigem de seus discernimentos, bem como de seus erros, e riscar a

A 12 planta exala segundo a qual semelhante edifício / da razão deve sererigido de maneira duradoura c regular.

Vou apresentar a Lógica da primeira espécie, seguindo aliáso manual do senhor professor Mcier; porque esle não perde de vista

Ak311 os limites/dos objctivos mencionados e, ao mesmo tempo, enseja acompreensão, não só da cullura da razão mais fina c doula, mastambém da formação do senso comum, é verdade, porém ativo cbom, aquela para a vida contemplativa, esta para a vida ativa e civil.Ao mesmo tempo, a afinidade muito próxima das matérias dá ensejo,quando da crítica da razão, a lançar uma vista d'olhos à crítica dogosto, isto é, à Estética, as regras de uma servindo para elucidar asregras da outra c o seu contraste sendo um meio de melhorcompreender a ambas.

3. Ética. - A Filosofia moral tem esse destino peculiar deassumir, antes mesmo que a Metafísica, a aparência da ciência e umcerto ar de trabalho feito a fundo, se bem que nenhuma dessas duascoisas possam ser encontradas nela; a razão disso é que a distinçãodo bom e do mau nas açõcs e os juízos sobre a legitimidade moralpodem ser fácil c correlamcnte discernidos pelo coração humano deuma maneira dircta e sem o rodeio das provas, graças àquilo que sechama sentimento; assim, a questão já tendo sido no mais das vezesdecidida antes dos argumentos racionais, o que não acontece naMetafísica, não admira que a gente não se mostre particularmenterelutante a deixar passar como prestantes razões que só têm uma

A 13 aparência de solidez. / Por isso, nada mais comum do que o título defilósofo moral, e nada mais raro do que merecer semelhante nome.

Por ora, vou apresentar a Filosofia.prática geral e a Doutrinada Virtude, ambas segundo Baumgarten. Os ensaios de Shaftesbury,Hutcheson cf/iime, que, embora incompletos e falhos, são os que noentanto mais longe chegaram na busca dos fundamentos primeirosde toda moralidade, receberão aquela precisão e complemcntaçãoque lhes faz falta e, considerando sempre de uma maneira históricae filosófica na Doutrina da Virtude aquilo que acontece, antes deindicar o quedeve acontecer, tornarei claro o método segundo o qualé preciso estudar o homem: não somente aquele que foi deformadopela figura mutável que seu estado contingente imprimiu nele e que

l enquanto tal ficou quase sempre ignorado dos próprios filósofos;mas a natureza do homem que sempre permanece c sua posiçãopeculiar na criação, para que se saiba qual perfeição lhe é adequada

Ak312 no estado da simplicidade nide c / qual no estado da simplicidadesábia, c qual ao contrário a norma de seu comportamento quando,abandonando ambos os limites, trata de tocar o grau supremo daexcelência física ou moral, desviando-se porém mais ou menos deambas. Este método da investigação moral é uma bela descoberta denossos tempos e, se o consideramos em seu plano completo, ficouinteiramente desconhecido dos Antigos.

A 14 14. Geografia física. - Quando percebi bem no começo demeu ensino académico que uma grande negligência da juventudeestudantil consiste sobretudo em aprender cedo a arrazoar, sempossuir conhecimentos históricos suficientes que possam tomar olugar da experiência, concebi o plano de fazer da História do estadoatual da Terra, ou da Geografia no sentido mais lato, uma sumaagradável c fácil daquilo que ela poderia preparar para uma razãoprática e que pudesse servir para despertar o prazer de ampliar cadavez mais os conhecimentos aí iniciados. Denominei a disciplinadaquela parte para a qual se voltava meu principal interesse:Geografia física. Desde então, ampliei pouco a pouco esse projeto etenciono agora, concentrando mais aquela parte que se ocupa dasrcgularidades físicas da Terra, ganhar tempo para me estender maisao discorrer sobre as outras partes da mesma que têm uma utilidadegeral ainda maior. Essa disciplina será, pois, uma Geografiafísico-moral e política, na q u a l serão primeiro indicadas aspeculiaridades da natureza através de seus três reinos, masescolhendo aquelas entre inúmeras outras que se oferecemsobremodo à curiosidade geral graças ao atrativo de sua raridade, ougraças também à influência que têm sobre os Estados por intermédiodo comércio c da indústria. Esta parte, que contém ao mesmo tempoa relação natural entre todos os países c mares e a base de suaconexão, é o verdadeiro fundamento de toda a História, sem o qual

A 1b ela pouco se distingue dos contos lendários; a / segunda parleconsidera o homem na Terra inteira segundo a multiplicidade de suasqualidades naturais e a diferença daquilo que nele é moral; umaconsideração muito importante e igualmente cheia de atrativos, sema qual dificilmente se podem fazer juízos gerais sobre o homem e

Ak313 onde a comparação recíproca e com o / estado moral dos temposmais antigos desdobra ante os nossos olhos um grande mapa da raçahumana. Por último, tratar-sc-á daquilo que pode ser consideradocomo uma consequência da interação das duas forças anteriormentemencionadas, a saber, a situação dos Estados e populações sobre a'Icrra, não tanto na medida em que depende das causas contingentes

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do empreendimento e do destino de pessoas particulares, como, porexemplo, a sucessão dos governos, as conquistas ou intrigaspolíticas, mas em relação com aquilo que é mais constante e contémo fundamento remoto daqueles, a saber a situação de seus países, osprodutos, costumes, indústria, negócios e população. Até mesmo orejuvenescimento, se posso dizer assim, de uma ciência de tãoamplas perspectivas segundo uma escala menor tem a sua grandeutilidade, na medida em que só por meio disso se alcança unidadedo conhecimento, sem a qual todo saber não passa de uma obrafragmentária. Não terei o direito, num século sociável como é oatual, de colocar a provisão, que uma grande multiplicidade deconhecimentos agradáveis e instrutivos e de fácil compreensãooferece para a manutenção do convívio social, entre as utilidadesque ter em vista não é nenhum desdouro para a ciência? Pelo menos,não pode ser agradável para uma pessoa douta ver-se muitas vezesno embaraço em que / se encontrou o orador Isócrates, o qual, aoser animado numa reunião social a falar alguma coisa, teve que dizer:o que sei não convém, e o que convém não sei.

Esta é a breve indicação das ocupações que consagro nosemestre que se inicia à Academia e que só estimei necessária paraque se pudesse fazer uma ideia do tipo de ensino no qual tive porbem proceder agora a uma modificação. Mihi usus est: Tibi, quodopus est facto, face (Terêncio)/22)

(22) A edição da Academia corrige: Mihi sic est IISHS: Tibi nl opus facto est,face. ("Para mim assim c que é preciso; quanto a ti, faz como forpreciso") (N. T.).

Nota sobre a tradução de alguns termos

I. Merkmat, que Kant usa como correspondente do termolatino nota, foi traduzido aqui por nota característica (ou maisbrevemente por característica apenas), por ser mais literal eexplicitar a ideia de que as "notas" pensadas num conceito são ascaracterísticas do objeto pensado através desse conceito e que nosservem de critério para identificar os objetos dados na intuição.

II. Gmnd = razão ou fundamento. O termo latinocorrespondente em Kant é ratio. Apesar da ambiguidade do termorazão, que também pode designar a faculdade do conhecimento(Vernunft), preferimos usá-lo na maioria das passagens em queocorre o termo, notadamente:

1) Quando Gnmd é usado por oposição a Folge(consequência) e significa a razão de ser ou vir a ser, ou seja, quandocorresponde à expressão latina: ratio essendi ou ratio fiendi.

2) Quando ocorre na expressão: Erkenntnisgrund, cujocorrespondente em latim é a ratio cognoscendi e que traduzimos emgeral por razão do conhecimento (ou razão de conhecer) e maisraramente, para evitar ambiguidade, por fundamento cognitivo. Otermo designa aquilo em que se funda o conhecimento de um objeto,notadamente, as notas características de um objeto pensadas em seuconceito.

3) Quando ocorre na expressão Bestimmungsgrund, quetraduzimos por razão determinante (ou da determinação), a saber denossos juízos ou ações.

Todavia, traduzimos Beweisgrund cm geral por argumento eapenas ocasionalmente por fundamento da prova. Ao contrário demuitos tradutores, jamais usamos princípio para traduzir Gnmd,reservando essa expressão para Grundsatz.

III. Kennen e Erkennen foram traduzidos respectivamentepor conhecer e reconhecer, muito embora não sejam equivalentesexatos. Kennen designa comumente o estado ou o fato de terconhecimento de alguma coisa e que independe de ler consciênciadisso. Por exemplo: Er kennt seine Fehler = ele conhece os seus erros(mesmo quando não está pensando neles); Er kennt mich (nicht) =ele (não) me conhece (e ele não deixa de me conhecer quando deixade pensar em mim). Erkennen, ao contrário, designa antes o ato ou

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\rro processo de adquirir conhecimento, no sentido de vir a saber, deter ciência ou se tornar consciente de alguma coisa. Por exemplo: Ererkannle seinen Feliler = ele viu, percebeu, tomou consciência de seuerro (e não: reconheceu ou admitiu o seu erro); Er erkannte michnicht = ele não me reconheceu (porque estava distraído, esquecido,inconsciente etc.). Embora reconhecer contenha a ideia de umareidentificação (quando corresponde em alemão a wiedererkennen)e às vezes também a ideia de uma confissão ou admissão (quandocorresponde a zugestehen, zugeben), não vejo outra maneira detraduzir erkennen, se se quer, como Kant (em A 85), preservar aligação terminológica com kennen. Como se viu no texto de Kant, ocritério de distinção decisivo para Kant é a ausência ou presença daconsciência.

IV. Filhrwahrhalten foi, como de costume, traduzido porassentimento, muito embora nossa expressão lenha uma extensãomais ampla do que a do termo alemão, uma vez que não está restritoàs proposições assertóricas, que são as proposições para as quaiserguemos uma pretensão de verdade. Ocasionalmente, quando ocontexto o exigiu, foi vertido literalmente como ter por ou considerarcomo verdadeiro.

V. Erõrterung, Darstellung c Vortrag. - Cada uma dessasexpressões pode ser t raduzida em português por exposição.Reservamos, porém, exposição para Erõrterung, visto que Kant usaExposition como sinónimo c exposilio como o termo correspondenteem latim (cf. Lógica, # 105 e Kr V, A 23 = B 38). TraduzimosDarstellung por exibição, levando em conta que o correspondentelatino em Kant é exibilio (cf. KU, Introd. VIII, A XLIX), ereservamos apresentação para Vortrag.

O termo Erõrterung (expositió) designa o processo pelo qualum conceito é analisado em suas notas características em vista deuma definição (cf. acima § 98). O termo Darstellung (exibitio) designaa operação que permite a "construção" de um conceito pela exibiçãoda intuição correspondente, ou mais precisamente, pela exibição naintuição do objeto que corresponde a esse conceito (cf. acima A 22e Kr V, A 713 = B 741). O termo Vortrag, por fim, designa o processopelo qual a matéria de uma ciência c apresentada cm vista dacomunicação (cf. acima A 16).

No prefácio de Jasche, contudo, Darstellung é usado comoequivalente de Vortrag, c não pudemos ter o mesmo rigor cm suatradução que tivemos com o texto de Kant, onde os termos sãousados no sentido técnico explicado acima. Do mesmo modo maisacima em A 66, Darslellung, usado como sinónimo de Vortrag, foitraduzido por "apresentação".

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