CAPiTULO I
~6ria da Educa~ao:Y :::' disciplina, urncampo de pesquisas
QUANDOE EMQUECONTEXTOSURGIUA DISCIPLINAde Hist6ria
da Educa
26 HIST6RIA DA EDUCAC;:AO
(seja) extremamente importante para se compreender 0 passadodas sociedades. No campo da Historia, a educa~ao tern sido,
tradicionalmente, urn objeto ignorado ou considerado pouco"nobre", embora, com a progressiva influencia da Nova HistoriaCultural, isso venha, aos poucos, mudando.
Que conseqiiencias essa historia trouxe para a disciplina?
Sabe-se que e comum, na area de educa~ao, a preocupa~aocom a utilidade dos conhecimentos, tendo em vista as praticaspedagogicas. E lmportante para o(a) professor(a), para o(a)aluno(a), para a escola, para 0 sistema educacional, que sejamdadas respostas, em urn menor tempo possfvel, para os problemasque cotidianamente surgem na a~ao educativa. Nesse sentido,
a historia da Historia da Educa~ao esta marcada pelo caraterutilitario que essa disciplina poderia cumprir na forma~ao dosprofessores e professoras. Muitos dos educadores que pesquisam,
eventualmente, temas da Historia da Educa~ao estao fazendourn esfor~o para compreender suas praticas e nelas melhor atuar.
Muitas vezes as justificativas para apontar a importancia dadisciplina para a Pedagogia, como ja nos referimos, encontra-sena rela~ao mecanica e direta que se costuma estabelecer entre
o passado, 0 presente e 0 futuro. Nessa visao, como por muitotempo a propria area de Historia propalou sobretudo em livrosdidaticos, estudar Historia da Educa~ao e compreender 0presente e intervir no futuro atraves do estudo do passado, naocometendo os mesmos erros de nossos antepassados. Mas, como
vimos na Introdu~ao deste livro, a Historia, qualquer que sejaela, teria mesmo esse poder? Ou, no maximo, poderia auxiliar anossa compreensao do presente atraves do encontro com 0
"outro", que nos causa surpresa, espanto e ajuda a desnaturalizarnossos gestos e palavras?
Ao remeter 0 estudo do passado a uma previsao do futuro,nao estarfamos acreditando que 0 processo historico se da deuma forma linear, caminhando sempre para 0 progresso que seria,
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entao, de alguma forma previsfvel?Eo que dizerdos erros?Comojulgar 0 passado a partir dos nossos valoresatuais? Como colocarno banco dos reus personagens e fatos se nao vivemos naquelemomento e naquelas circunstancias que possibilitaram (ou nao)homens e mulheres se moverem e tomarem certas decis6es quefizeram a Historia? Ate muito recentemente, professores eprofessoras de Historia da Educa~ao utilizavam a tecnica,bastante difundida na decada de 1970,do tribunal em suas aulas.Elegiam-se alguns pens adores ou mesmo movimentoseducacionais e dividia-se a turma em dois grupos: de urn lado,os que eram a favor; de outro, os que os criticavam como sefossem reus.
Talvez pela necessidade que a area de educa~ao tern desolucionar os problemas da pratica, a Historia e a Filosofiaforamconsideradas pouco importantes para a compreensao dofenomeno educativo. Essas duas areas do conhecimento eram
vistas apenas como disciplinasformadorasnos cursosde forma~aode professores. Depois, com a Escola Nova, foi a vez de aPsicologiae a Biologiaserem consideradas ciencias centrais paraa Educa~ao, do mesmo modo que na decada de 1950 (e depois,novamente, na de 1980), a Sociologia foi vista como a chavepara explicar os fenomenos educativos. Foi desse modo que aHistoria da Educa~ao, praticamente ignorada pelos historiadoresde offcio, foi considerada secundaria no proprio campo da
educa~ao.
Eexatamente a Filosofiaque vai acompanhar a Historia daEduca~ao em sua trajetoria. Essa associa~aoentre as duas areas,ate hoje extremamente presente nos cursos de forma~ao deprofessores, tambem trouxe conseqiiencias importantes para 0contomo que assumiu a Historia da Educa~ao. Por muito tempo,nao havia uma distin~ao nftida entre as duas disciplinas que,em alguns cursos, chegavam a se chamar Fundamentos daEduca~ao. Enquanto a Historia ocupava-se sobretudo da historia
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da organiza~ao dos sistemas de ensino ao longo do tempo,a Filosofia falava do pensamento pedag6gico. Muitos manuaisde Hist6ria Geral da Educa~ao, ainda bastante utilizados nos
cursos de forma~ao de professores, trazem essa marca. Exemplosdesses manuais sac as obras, ja bastante antigas, de Paul Monroe
(1949), L. Luzuriaga (1951), E Larroyo (1944), R. Hubert (1949),W. Dilthey (1934) ou Abbagnano (1957). Mesmo quando sesepararam institucionalmente, sobretudo a partir da decada de1970, as duas areas continuaram bastante relacionadas. Mesmo
hoje, em departamentos, faculdades, centros e program as dep6s~gradua~ao em Educa~ao, nao raro as duas disciplinas formamuma unica linha de pesquisa, urn setor ou uma area e os concursos
para provimento de cargos do magisterio sac para as duasdisciplinas juntas. Evidentemente, essa associa~ao com a Filosofiada Educa~ao contribuiu para que uma das vertentes mais
pesquisadas na Hist6ria da Educa~ao Fosseexatamente a hist6ria
das ideias pedag6gicas e a Fonte privilegiada para esse tipo deinvestiga~ao Fosse a obra dos grandes pensadores.
A rela~ao entre Hist6ria da Educa~ao e Pedagogia traz umaoutra conseqlh~ncia. A area de educa~ao, como vem mostrandoalguns trabalhos realizados nos ultimos anos, esta profundamente
impregnada de urn etos religioso. 0 discurso sobre 0 professor ea professora, repetido ao longo dos seculos, tern insistido nocarater missionario de que a profissao se reveste ou deveria se
revestir. Essa influencia religiosa se expressa tambem na
constitui~ao da disciplina de Hist6ria da Educa~ao (e, nessecaso, particularmente, 0 fato de ter se desenvolvido ao lado da
Filosofia ganha ainda mais importancia): os diversos ideariospedag6gicos sac concebidos como verdadeiras doutrinas e seus
expoentes como sacerdotes propagadores de uma determinada
verdade que conteria as melhores propostas para a solu~ao dos
problemas educacionais. A postura salvacionista da educa~aoaparece impregnada de tal forma em nossas mentalidades que,
HIsr6RIA DA EDUCAC;:AO: UMA DISCIPlINA, UM CAMPO DE PESQUISAS 29
mesmo quando nao comungamos (nao esque~amos da origemreligiosa dessa palavra...) de uma mesma tendencia te6rica paraa explica~ao dos fenomenos educativos, parecemos imbuidos deuma certa militancia que nao nos faz apenas compreender arealidade, mas querer transforma-Ia. De urn modo particular,algumas pesquisas tern mostrado que os professorese os autoresde livros de Hist6ria da Educa~ao eram, ate recentemente, emsua maioria, membros ou ex~membros de ordens religiosas,cat6licas ou protestantes, ou militantes ou ex~militantes demovimentosda Igrejacat6licaou de outras religi6es.Se analisarmosa hist6ria da educa~aobrasileira (recente ou remota), certamentetambem nos surpreenderemos com a quantidade de a~6es doEstado baseadas no trabalho voluntario dos educadores. Essa
situa~ao, diga~sede passagem,nao e exclusivados que trabalhamcom as duas disciplinas citadas, mas marca a configura~ao docampo educacional de forma geral.
o fato de a trajet6ria da Hist6ria da Educa~ao estarrelacionada a Pedagogia e ao ensino dificultou sua constitui~aocomouma area de pesquisapropriamentedita.Emuito recenteo movimento, no Brasil,concretizado na funda~aode associa~6es,grupos de trabalho, peri6dicos especializados, que insistiu nanecessidade da realiza~ao de pesquisas em arquivos e notratamento propriamente historiografico das Fontes. Embora janas decadas de 1930 e 1940 algumas obras importantes tenhamsido escritas, esobretudoa partir dos anos de 1950e 1960quecome~a a se configurar urn campo de pesquisas em Hist6ria daEduca~ao, com a realiza~ao,por exemplo, de levantamentos deFontes. Em 1955, quando ainda nao havia no pais os cursosde p6s~gradua~ao,foram criados 0 Centro Brasileirode PesquisasEducacionais, no Rio de Janeiro, e os Centros Regionais dePesquisas Educacionais, nos estados de Pernambuco, Bahia,Minas Gerais, Sao Paulo e Rio Grande do SuI. Os Centros,vinculados ao Instituto Nacional de Estudos Pedag6gicos(Inep),
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30 HISTORIA DA EDUCAf;AO
tiveram urn papel importante para 0 desenvolvimento e aconsolida~ao de pesquisas na area de educa~ao, contribuindo,tambem, para impulsionar a realiza~ao de investiga~6es emHistoria da Educa~ao.
Uma outra consequencia que a inser~ao da Historia daEduca~ao no campo da Pedagogia e a sua proximidade com aFilosofia da Educa~ao trouxe foi, tradicionalmente, urn certovicio para se pensar naquilo que deveria ser a realidade e naonaquilo que ela e.Eclassico 0 artigo de Anisio Teixeira "Valoresproclamadose valoresreais..."Durante muito tempo,os educadoresbuscavam sobretudo encontrar formulasque pudessemsolucionaros problemas que as praticas pedagogicas ocorridas nas diferentesinstancias educativas colocavam, antes mesmo de conhece-Iose compreende-Ios profundamente. Muitas das pesquisasrealizadas em Historia da Educa~ao - como ainda hoje ocorreem muitosdominiosda area de educa~ao- mais expunham 0que deveria ter acontecido do que 0 que havia acontecido.Expunham-se muito, por exemplo, leis, reformas, regulamentosdo ensino ou as macrorrela~6es estabelecidas entre 0 contextosocioeconomico e politico de uma determinada epoca e umasuposta (porque nao estudada) realidade do cotidiano escolar.Tratava-se muito pouco das praticas escolares, os alunos e asalunas, os professorese as professoras.Dessa forma, muitas vezesa Historia da Educa~ao, que tinha como principais objetos asmudan~as ocorridas sucessivamente nos sistemas de ensino naperspectiva da a~ao do Estado, de urn lado, e 0 pensamentopedagogico, de outro (baseando-se para isso em fontes comolegisla~ao e obras de grandes pens adores), trata(va) de urnpassado educacional que expressa(va) urn desejo mas nao umarealidade ou urn aspecto dela. Falamos em aspecto porque naoacreditamos na ilusao positivista, expressa na famosa frase deLeopold Ranke, de que cabia a Historia narrar os fatos tal comoeles realmente aconteceram. Sabemos que 0 passado, em suatotalidade, nunca e completamenteapreensivel.
'hi:IjiI,
1.'"
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Essainser~aoda Historia da Educa~aono campo da Pedagogiatambem provocou, nos pesquisadores,uma tendencia em explicaros fenomenos educativos do passado em si mesmos. sem rela~6escom outros aspectos das sociedades caracteristicos da mesmaepoca. Ha registros, ja no inicio do seculo. de criticas feitas aoseducadores por fazerem uma Historia da Educa~aodesvinculadade qualquer contexto. No caso da Historia da Educa~ao noBrasil, essa tentativa de articula~ao entre aspectos da historiaeconomica, politica e social do pais e a educa~ao e ainda maisrecente.
Uma outra consequencia visivel dessa rela~ao entre Historiada Educa~ao e 0 campo da educa~ao e 0 ensino esta no proprioperfil daqueles que pesquisam na area. Assim como na Europa eem outras partes do mundo, no Brasilos que pesquisam0 passadoda educa~ao advem de horizontes e possuemforma~6esbastantediversificadas: pedagogos, historiadores propriamente ditos eprofessores especialistas em suas disciplinas (geralmente doensino fundamental e medio) que, movidos por uma curiosidade
ou por urn espanto que 0 presente educacional lhes provoca,buscam na pesquisa em Historia da Educa~aoparte das respostaspara suas inquieta~6es. Em todos os casos, para se tornar urnhistoriador da educa~ao competente, e precisoque 0 pesquisadortenha uma forma~ao rigorosa e espedfica, 0 que sup6e, entreoutras imposi~6es,urn mergulho no que e proprio ao campo dooutro. Consideramos importante insistir sobre essas afirma~6esna medida em que a Historia da Educa~ao tern sido urn campofertil para os amadores e e, aparentemente, urn dominio deinvestiga~ao bastante acessivel. Pesquisas realizadas no Brasiltern mostrado, por exemplo, que a maioria dos autores de livrosdidaticos de Historia da Educa~ao nao sao pesquisadores daarea, mas escreveram aquele texto em urn momento espedficoem suas trajetorias academicas. Muitas vezes, esses mesmosautores escrevem tambem sobre outras areas da educa~ao,
em geral, como se poderia preyer, sobre a Filosofia.
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Recentemente, alguns autores de obras que hoje se tornaramchlssicas em Hist6ria da Educa
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Desse modo, algumas afirmac;6es correntes sobre eventos quemarcaram a Historia da Educac;ao parecem se repetir ana ap6s
ano, livro ap6s livro, sem que os seus autores realizem pesquisasrecorrendo a fontes que possam complexificar um discurso muitas
vezes petrificado. Um bom exemplo disso e a difusao da ideia,presente sobretudo em Fernando de Azevedo, de que a politicapombalina foi um desastre para a educac;ao brasileira, ou a
concepc;ao de que a educac;ao imperial nao passou de um hiatoentre epocas de grande desenvolvimento educacional, 0 periodocolonial (antes de Pombal) e a Republica.
Uma parte dessa historia que acabamos de contar apoiava-se,
mesmo que os pesquisadores nao soubessem, em pressupostos da
historia positivista. Sabemos que, principalmente no seculo XIX,no afa de tornar-se ciencia, a Historia priorizou a historia politica,
a ac;ao dos individuos na conduc;ao e transformac;ao dos fatoshistoricos (gerando aquilo que hoje chamamos de culto aosherois e as datas) e 0 documento oficial como a fonte mais
legitima para a pesquisa (causando 0 que atualmente podemosidentificar como 0 deslumbramento e 0 fetiche diante do
documento). Por outro lado, muitas dessas pesquisas eram
realizadas sem 0 apoio daquilo que se discutia no campo daHist6ria. Os educadores, muitos com formac;ao crista e
professores tambem de Filosofia, escreviam uma Historia daEducac;ao em si mesma, com caracteristicas romantic as e pouco
pr6ximas do que, na epoca, constituia a corrente de vanguardado conhecimento hist6rico, que era exatamente a historia
base ada no positivismo.
No entanto, nas ultimas duas decadas, aproximadamente,
a area de Historia da Educac;ao sofreu uma verdadeira revoluc;ao,
seja em seus contornos teorico-metodologicos, seja noalargamento de seus objetos e de suas fontes. Isso nao quer dizerque a postura positivista ou a visao romantic a e crista da Hist6ria,de vez em quando e sem que saibamos exatamente, impregne
HIST6RIA DA EDUCAC;:AO: UMA DISCIPLlNA, UM CAMPO DE PESQUISAS 35
nossa maneira de selecionar, tratar e analisar as fontes e escrevera historia.
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Novos objetos, novas fontes
Pode-se afirmar que, hoje, a pesquisa em Hist6ria daEducac;ao, tanto no Brasil como em outros paises, e muito maisimaginativa e inovadora do que era ha alguns anos e do que
expressam os manuais didaticos da area. A partir da decada de
1960, na Europa, a Historia da Educac;ao, influenciada sobretudopela Sociologia, Antropologia, Teoria Literaria e Lingiiistica,a semelhanc;a do que ja ocorria em outros dominios da Historia,
passa por um processo de renovac;ao: os objetos e as fontes saoalargados, diversificados. No Brasil, e principalmente a partirde meados dos anos de 1980 que esse movimento se da. Nele,
nao se observam apenas mudanc;as qualitativas, mas tambemquantitativas: nos ultimos anos, surgiram diversos espac;os paradiscussao da produc;ao realizada no campo da Hist6ria da
Educac;ao, como associac;6es cientificas, eventos e periodicosespecializados. No Brasil, 0 Grupo de Trabalho de Historia daEducac;ao da Associac;ao Nacional de P6s-Graduac;ao e Pesquisaem Educac;ao (ANPEd), por exemplo, vem-se constituindo comoum dos principais foruns academicos da area. Mais recentemente,foram criados 0 grupo de estudos e pesquisas "Hist6ria, Sociedade
e Educac;ao no Brasil" (em 1991) e a Sociedade Brasileira de
Historia da Educac;ao (em 1999). Alem dessas associac;6es,destacamos tambem a realizac;ao de eventos como os seminariosibero-americanos e luso-brasileiros de Historia da Educac;ao. Esses
espac;os de intercambio tem auxiliado no processo de constituic;aoe consolidac;ao da pesquisa na area.
Podemos destacar, nas ultimas decadas, a penetrac;ao de duasgrandes tendencias que influenciaram decisivamente 0 campo
da Historia da Educac;ao, contribuindo para 0 processo de suarenovac;ao: 0 marxismo e a Nova Historia.
36 HIST6RIA DA EDUCAC;:AO
o final da decada de 1970 e os anos de 1980, no Brasil,
foram profundamente marcados pela influencia marxista nosestudos educacionais: Althusser e Gramsci foram certamente
os autores mais estudados. A Historia da Educa4$ao foi bastante
influenciada por esse movimento que, sem duvida, contribuiu
para renovar sua face, impondo-Ihe novos objetos de pesquisa,novas abordagens e novas fontes. Uma de suas grandes
contribui4$oes foi situa-Ia em rela4$ao a outros aspectos dassociedades estudadas, nao analisando 0 fenomeno educativo
em si mesmo, como freqtientemente ocorria antes. Essestrabalhos baseavam-se, na maior parte das vezes, em abordagens
macroscopicas, buscando entender a educa4$ao, considerada um
fenomeno superestrutural, no interior das condi4$oeseconomicasdas diferentes sociedades. Uma outra inova4$ao diz respeito a
importancia atribufda a categoria de classe social para acompreensao da educa4$ao no passado. Nao mais os indivfduoseram considerados os unicos responsaveis pelos fatos educativos,
mas sobretudo os grupos sociais.
No entanto, muitos desses trabalhos, em uma incorpora4$ao
apressada e pouco profunda do marxismo Ga que quase nuncase baseavam nos escritos do proprio Marx, mas em leituras de
segunda, terceira, quarta, quinta maos...) acabavam por apenasjustapor 0 fenomeno educativo ao que ocorria em cada uma dassociedades ou perfodos estudados, do ponto de vista economico.
Sabemos que esse nao foi um procedimento usado pelo proprioMarx em seus textos historicos. Certamente nos lembramos da
beleza e da profundidade das reflexoes que trazem, por exemplo,o 18 Brumario ou GueTTa civil na Fran~a. Enfim, fazia-se uma
historia que partia de uma premissa que seria necessariamenteconfirmada. Um exemplo classico desse tipo de estudo e0 livroEduca~ao e luta de classes, de Anfbal Ponce, escrito em 1937 epublicado no Brasil em 1981. Em um esquema tfpico do marxismoestruturalista que, pelo simplismo, facilita a compreensao por
ii:;I:'H'ili)III!
HIST6RIA DA EDUCAC;:AO: UMA DISCIPLlNA, UM CAMPO DE PESQUISAS 37
parte dos alunos e alunas e a explica4$aopor parte dos professorese professoras, 0 livro foi (e ainda e) largamente utilizado noscursos de forma4$aode professores. A leitura de obras desse tipoda ao leitor a ideia da Historia como uma sucessao de causas e
conseqtiencias, logicamente encadeadas, ordenadas por leisinvisfveis, que regeriam, no limite, todas as a4$oeshumanas.
Essas pesquisas se serviam das fontes para referendar aquiloque ja se sabia desde 0 infcio. Talvez algum de nos se lembre da
sensa4$ao de que havia pouco a se pesquisar, pois 0 marxismo,o materialismo historico e dialetico, 0 capitalismo, os modos deprodu4$ao, a luta de classes ja explicavam tudo... Se 0 Brasil eraagrario-exportador de pendente em determinado momento,
a educa4$ao so poderia ser considerada superflua e assim pordiante. Em outros casos, os pesquisadores, buscando nas fontes
apenas aquilo que poderia corroborar seus pontos de partida,
ignora(va)m as informa4$oesque pareciam contraditorias com 0que ja tinham como hipotese e, via de regra, como resultado dapesquisa.
Em nome do "contexto", que se tornou 0 primado dessasprodu4$oes, pouco se conhecia a respeito daquilo que sepesquisava: os aspectos economicos e politicos de uma
determinada epoca serviam para explicar (quase) tudo que sereferia a educa4$ao, considerada, de maneira geral, bipartida:
de um lado, a educa4$ao das elites dominantes; de outro, dascamadas populares. 0 binomio dominador-dominado dava contade tudo explicar e, mesmo que tenha feito algumas areas
avan4$arem,0 fez simplificando as complexas rela4$oesentre classes,generos e ra4$as.Muitas vezes, esse "contexto", que nas disserta4$oese teses ocupavam um capftulo do trabalho, servia para qualquerobjeto, na verdade pouco ajudando a explica-lo. No extremo,poderfamos escrever "contextos" adequados a determinadasepocas (e em geral os marcos eram politicos e economicos,tomados emprestados da historia mais ampla) que seriam
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educa
48 HIST6RIA DA EDUCAi;AO
relacionando-a com os "contextos" sucessivos de uma suposta
historia mais geral, pouco dizem sobre outros aspectos queauxiliam na compreensao da educa~ao no passado, como acultura e 0 cotidiano da escola, 0 lugar das mulheres, dos negrose dos indios etc.
Na verdade, a produ~ao de pesquisas na area nao vem sendo
acompanhada da produ~ao de livros didaticos. Varios fatorespodem auxiliar na explica~ao dessa constata~ao. Inicialmente,
a produ~ao de pesquisa em Historia da Educa~ao tern priorizadotemas pontuais, localizados, passiveis de aprofundamento.Estudos panoramicos, os mais apropriados para os manuais, ternsido cada vez mais escassos. Em segundo lugar, 0 ensino da
Historia da Educa~ao, principalmente aquele que se faz noscursos de forma~ao de professores (e nao nos programas de pos-
gradua~ao), talvez por ser 0 campo menos "nobre" da atividadedos historiadores da educa~ao, praticamente nao tern sidodiscutido nos foruns academicos nem nos artigos public ados e,
com isso, pouco conhecimento se tern das experiencias realizadas
pelos professoresem suas salas de aula. Eprovavel tambem que,em muitas institui~oes, tenha havido uma dissocia~ao entre
aqueles que pesquisam e aqueles que dao aula na gradua~aoem Pedagogia. Isso sem falar nas institui~oes onde nao se fazpesquisa ou nas de ensino medio, onde 0 debate academico
quase nao chega. Poderiamos tambem pensar que se torna urnverdadeiro dilema para os novos historiadores da educa~aoselecionar aquilo que, diante da quantidade de estudos quevem sendo produzidos, pode ser importante para 0 professor que
esta formando e que nao sera urn historiador da educa~ao. Essedilema diz respeito nao apenas aos livros didaticos mas ao proprioensino de Historia da Educa~ao em geral. Como pensar em urn
conhecimento que seja importante para a pratica pedagogica
do professor sem justifica-Io atraves da cren~a em uma supostautilidade da Historia? Afinal, os novos historiadores em geral
HIST6RIA DA EDUCAi;AO: UMA DISCIPLlNA, UM CAMPO DE PESQUISAS 49
acreditam que, embora a Historia parta, necessariamente, das
questoes postas pelo presente e ate auxilie em sua compreensaoatraves da distancia e do estranhamento que provoca em rela~ao
a ele, nao pretende apontar solu~oes para os problemascontemporaneos nem projetar 0 futuro. Como afirmou LucienFebvre, a (mica li~ao que a historia oferece e a de nao oferecer
li~ao nenhuma. Como se mover, entao, dentro desse espirito
de normatividade que caracteriza os cursos de forma~ao deprofessores? Poderfamos assinalar, tambem, que os proprios
programas de ensino de Historia da Educa~ao, facultando adisciplina a tare fa de ensinar aos alunos e alunas como foi a
educa~ao "dos gregos aos nossos dias" ou "de 1500 a atualidade",tornam praticamente impossivel a produ~ao de manuais quecomplexifiquem a compreensao das a~oes educativas nos diversosperiodos, incorporando as informa~oes das pesquisas que vemsendo realizadas. Finalmente, as editoras privilegiam as sinteses
em detrimento das obras com resultados de pesquisas; dai apreferencia pelas compila~oes de segunda mao.
Uma alternativa tern sido a produ~ao de coletaneas com osresultados dessas investiga~oes e a sua utiliza~ao nos cursos de
forma~ao de professores. Essas publica~oes, no entanto, tern comoprincipal limite 0 fato de serem fruto, quase sempre, de reflexoessolitarias de cada urn dos autores que escreve 0 capitulo quelhe coube, raramente trazendo reflexoes - seja do ponto de vistatematico, dos pressupostos teoricos, das ferramentas conceituaisutilizadas ou mesmo do periodo a que aludem - acerca daquiloque une os diversos textos nelas reunidos. Publica~oes maisrecentes, tanto na Europa quanto no Brasil, tendem a privilegiarobras coletivas: as obras fruto de reflexoes de urn so autor sao
cad a vez mais raras. Mesmo assim, freqiientemente e umaalternativa e uma boa saida para 0 trabalho em sala de aula.
[0 que voce precisa saber sabre...]Titulo
Hist6ria da Educao;aoEliane Marta Teixeira Lopes
Ana Maria de Oliveira Galvao
Co1c9io[0 que voce precisa saber sobre...]
Organizadores
Paulo Ghiraldelli Jr. (Unesp, Marilia) e Nadja Hermann (UFRS)
Consd/lO Editorial
Alberto Tosi Rodrigues (UFES) , James Marshall (Auckland University),
L. Henrique Araujo Dutra (UFSC), Michael Peters (Auckland University),
Waldomiro Jose da Silva Filho (UFBA)
Editores Associados
Caetano Ernesto Plastino (USP) , Marcus Yinicius Cunha (Unesp, Araraquara).Pedro Pagni (Unesp, Marilia), Silvio Gallo (Unicamp), Raquel Moraes (UnB).
Tarso Bonilha Mazotti (UFRJ). Sofia Stein(UFGO). Stella Accorinti (Argentina)
Historia da Educa~ao
Revisao de provasDanielSeidl
Projeto grcifico e diagrama~ao
Maria Gabriela Delgado
CapaRodrigo Murtinho
ElianeMarta Teixeira LopesAna Maria de Oliveira Galvao
CIP.BRASIL. Catalogao;ao.na.onte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros. RJ
2i! edi~ao
851h
Lopes. Eliane Marta Teixeira
Hist6ria da Educao;ao / Eliane Marta Teixeira Lopes. Ana Maria de Oliveira
Galvao. - Rio de Janeiro: DP&A, 2005, 2. ed.
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Inclui bibliografia
ISBN: 85.7490.346.9 -$--DP&Aedit:ora.
I. Educao;ao - Hist6ria. I. Galvao. Ana Maria de Oliveira. II. Titulo III. Serie.
CDD370.9CDU 37(091)