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Uma Experiência Teatral com Crianças Pequenas: Indicações Metodológicas

A presente pesquisa privilegiou como técnica de trabalho o relato de experiência, de caráter qualitativo, por entender que esse tipo de pesquisa traduz melhor a realidade com a qual lidamos, pois todo o tempo estivemos envolvidos com a prática enquanto refletíamos a respeito da metodologia que íamos experimentando com os sujeitos de pesquisa. Tentamos através desse estudo trazer impressões a respeito da existência de uma prática teatral organizada e freqüente na Educação Infantil e quais seus possíveis benefícios para o desenvolvimento global infantil.

A nossa experiência teatral na creche Fiocruz começou a partir

do momento em que uma questão se impôs de forma inequívoca:

como trabalhar a linguagem teatral com crianças tão pequenas, que

às vezes não tinham adquirido sequer a linguagem falada? Como fazê-

las compreender a especificidade do teatro? Qual seria o material

dramatúrgico apropriado para o nível de entendimento dessas

crianças?

Essas questões começaram a ser respondidas a partir do momento em que resolvemos trabalhar com os contos de fadas, seguindo o ideário de Bettelheim a respeito da possibilidade dessa forma de narrativa atuar como ponte entre o mundo exterior e o imaginário infantil. Em nosso entendimento, ao longo de todos esses anos, descobrimos que os contos realmente conseguem atingir o imaginário da criança, atraindo seu interesse e possibilitando que o educador de teatro possa atingir seu objetivo de tornar o conto, o material fundamental para o exercício da encenação teatral. Durante os quatro primeiros anos (desde 1993, mais ou menos dez anos) as oficinas de teatro eram ministradas para as turmas de maternal I (dois anos), maternal II (três – quatro anos) e jardim (quatro – cinco anos), sem que acontecesse a montagem final das turmas de jardim, fato que passou a ocorrer de forma sistemática a partir de 1997, com a encenação do conto “O Casamento da Dona Baratinha”, diante de uma platéia composta por pais e funcionários da creche Fiocruz. 50

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A partir de 1998, passamos a dar oficinas de teatro também para as turmas de pré-maternal (um – dois anos), à guisa de experiência, diante dos resultados obtidos com as crianças maiores. Em 2003, o berçário também foi incluído na experiência, devido à solicitação das educadoras desse segmento que acreditavam que quanto mais cedo as crianças se acostumassem com a linguagem teatral, melhor seria para elas.

Apesar de apresentarmos um projeto único para todos os segmentos da creche, seja de expressão corporal ou de encenação de contos de fadas, a maneira de aplicá-lo muda conforme a faixa etária das crianças. Com as turmas de berçário e pré-maternal apenas narramos os contos, apresentamos fantoches e bonecos maiores, brincamos com a maquiagem, sugerimos alguma movimentação corporal. É lógico que não podemos esperar das crianças menores desses dois segmentos as mesmas respostas das maiores. Nós as estimulamos a usar seu corpo durante exercícios de dança ou expressão, mas sem esperar, a princípio resultados tão significativos, quanto obtemos com as maiores. O que esperamos é que a semente lançada em seu imaginário, frutifique ao longo de seu desenvolvimento na creche Fiocruz.

As crianças dos segmentos de maternal I, II e jardim são apresentadas a todos os exercícios de um projeto e são estimuladas a responder a ele, a trocar idéias com o educador de teatro, que pode modificar o projeto de encenação de contos ou de expressão corporal conforme aconteça ou não a adesão das crianças ao que é sugerido no projeto.

A experiência teatral com crianças pequenas na creche Fiocruz propriamente dita, começa a cada início de ano letivo, com jogos de expressão corporal, orientados para estimular a criança a trabalhar seu corpo ludicamente (Ver Anexo A). Ao final de mais ou menos dois meses, começam os jogos teatrais, pois só ao final desse tempo acreditamos que a criança está mais adaptada ao ritmo da creche, já conhecendo e estabelecendo vínculos emocionais com seus professores e colegas.

Começamos a experiência contando a história de fadas para as crianças reunidas em roda, ambiente apropriado para a comunicação delas entre si e com o educador, que utilizando-se da expressão teatral apropriada, tenta se colocar fisicamente nos personagens, mimetizá-los, transmitir, enfim, sua visão daquilo que apresenta. 51

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A narrativa pode sofrer interrupções das crianças fazendo perguntas a respeito da história. Assim vão formando sua própria imagem do que ouvem, a partir de uma teia que se forma com fios de narrativa do adulto, da outra criança, do personagem que escapa por entre a tessitura. A história que vai sendo elaborada no momento da oficina, nunca é completamente aquela que está na página dos livros, na imaginação de quem a conta ou de quem a ouve, mas uma “trança” de diversas narrativas reais ou fictícias, que emerge, cobra invisível, da boca da roda.

Uma criança mais empolgada pode imitar para todas as outras a personagem que ela constrói em sua mente e por algum tempo tomar as rédeas do que é contado e propor novos caminhos. Muitos se revezam no comando e a cada mudança brusca de direção, a cobra vai pondo um ovo, que é recolhido pelo educador. É com um gesto infantil aqui, um fiapo de narrativa ali, que o material é construído pela interação entre as pessoas que constroem a experiência, filhote da realidade e da fantasia.

Ao educador cabe a tarefa de propor a encenação da história recém contada e de distribuir as crianças pelos personagens de seu interesse, podendo ocorrer uma multiplicidade de diferentes tipos, que são interpretados em grupo, enquanto o educador de teatro vai narrando outra vez e devolvendo os ovos recolhidos da primeira narrativa, para que as crianças rememorem o que elas próprias produziram. Cabe enaltecer algo diferente proposto pela criança, ou uma fala engraçada, espirituosa que alguma outra tenha produzido e, em grupo, discutir o que de significativo tenha surgido, dando-lhes confiança para se soltarem cada vez mais, dentro de um ambiente de carinho e cuidado.

Alguns dos ovos postos pela serpente invisível, podem ser aproveitados pelo próprio educador de teatro, para que proponha algum projeto relacionado à narrativa já apresentada e a partir dele possa evidenciar o cunho social presente nos contos de fadas. Em 2003, o ano em que começamos a dar forma final a esta pesquisa, as observações ficaram mais concentradas nas turmas de jardim da creche Fiocruz. Foram desenvolvidos três projetos, culminando em duas peças teatrais, sendo uma um ensaio piloto e a outra a encenação final das crianças do jardim. A partir dos contos “A Moura Torta” e “Branca de Neve”, propusemos um projeto chamado “O Espelho da Moura Torta” no qual procuramos traçar 52

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paralelos entre as histórias: ambas possuem bruxas que cometem as maiores maldades por vaidade, sendo o espelho (objeto ou o da água) um elemento fundamental nas duas, já que a partir da imagem refletida na superfície é que a ação maléfica das duas bruxas se faz presente. Acentuamos particularidades entre uma e outra: na Moura Torta, a bruxa escrava, negra, humilhada, que procura vingança para escapar de uma situação social opressiva. Na outra, “Branca de Neve”, a bruxa rainha, branca, poderosa, invejosa que ordena o assassinato cruel apenas por vaidade. Ressaltamos contextos diferentes, procurando inserir alguma discussão e reflexão a respeito da natureza da maldade e suas conseqüências na vida de quem a produz e de quem sofre seus efeitos, tentando usar uma linguagem acessível ao estágio de entendimento no qual a criança dessa idade se encontra.

Na frente de um espelho na sala de aula, discutimos também a diversidade racial presente na turma: o cabelo liso e o crespo, o nariz arredondado e o fino, a textura das peles, tanto de educadores quanto das próprias crianças, que se deliciavam com a experiência de tocar na pele uns dos outros, de observar as diferenças fisionômicas de cada um. Em 2002, esse mesmo conto, “A Moura Torta”, serviu de base para uma das três pequenas histórias do folclore brasileiro que compuseram a peça teatral de despedida das turmas de jardim daquele ano, “Histórias do Brasil”.

Outro ovo recolhido a partir da experiência teatral com crianças foi o projeto desenvolvido a partir do conto de fadas “João e Maria”, “Vamos dar de comer a João e Maria”, no qual a partir da experiência fictícia das duas crianças órfãs, que são abandonadas, sofrem violências dos pais, ameaça de canibalismo, sem falar na exploração do trabalho infantil, procuramos trabalhar com as crianças aquilo que por acaso elas já soubessem a respeito de crianças abandonadas, que vivem nas ruas. Algumas já tinham uma noção ainda tênue da questão, embora reproduzissem as falas dos adultos. Outras ainda não tinham reparado no problema.

Mas ao terem contato com o enredo deste conto maravilhoso, as crianças, aos poucos, foram tomando consciência da situação, se solidarizando com os órfãos e tomando partido ao lado deles, opondo-se à bruxa e à madrasta. A partir dessa manifestação de solidariedade, é que pudemos iniciar nosso projeto, puxando um fio da trança/narrativa que nos aproximasse da realidade, na 53

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suposição de que se é possível educar crianças para o ódio, a discriminação e o preconceito, também é possível e necessário, educá-las contra a barbárie.

Ao elaborarmos o projeto, tomamos o cuidado de iniciá-lo pela educação alimentar que é ministrada na creche Fiocruz, através da apresentação da diversidade dos alimentos e do cuidado que devemos ter com aquilo que comemos e principalmente o que fazer com aquilo que sobra. Através da discussão desses hábitos, fomos aos poucos relacionando a fartura e a variedade de alimentos com as quais convivem na creche, com a fome vivida pelas crianças abandonadas na vida real e a das crianças do conto. Fomos além, ao resolvermos encenar com as turmas do jardim o conto de fadas “João e Maria” no dia dos aniversariantes do mês, data na qual ocorre uma festa quando todas as crianças se reúnem para saudar aquelas que aniversariam. Esse movimento se constituiu no ensaio piloto que serviu de base para a montagem final de 2003, conforme referido na página setenta, parágrafo três. Começamos os ensaios mais ou menos vinte dias antes do evento, dividindo as cenas da peça curta, adaptada do conto, entre as duas turmas do jardim. Recontamos a história e fomos propondo as marcações a partir do que eles já haviam experimentado em sala de aula. Todos os meninos foram João e as meninas, Maria, com os adultos assumindo o papel de adultos da peça.

A bruxa foi uma boneca manipulada pelo educador de teatro, o que em nossa concepção, serve para distanciar as crianças da ficção, criando um certo efeito épico, racional que favoreça a conscientização da criança de que apenas brinca de viver aquilo que realmente é passível de ser vivido na realidade. 54

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As crianças interpretaram ao ar livre as duas jornadas dos órfãos

até o meio da floresta, o seu encontro com a bruxa, seu

aprisionamento e posterior libertação a partir da morte da bruxa no

fogão graças a um estratagema imaginado por Maria, terminando por

cantar uma música que falava da fome do mundo e do direito de todas

as crianças à alimentação (Ver final do Anexo C).

Graças ao sucesso dessa performance junto à platéia infantil e adulta da creche, resolvemos repetir a experiência de forma mais aprofundada durante o momento de despedida das crianças do jardim no final do ano de 2003.

Esse tipo de atividade já é prática da creche Fiocruz desde 1997, tendo sido adaptados alguns contos (O casamento de Dona Baratinha, João e Maria), uma peça infantil (“Pluft, O Fantasminha”, de Maria Clara Machado) e histórias originais (A Revolta da Vacina, Histórias do Brasil).

A elaboração da encenação leva em conta alguns fatores: 1. Quando criamos o texto final, procuramos elaborar cenas que

sejam interpretadas pelas crianças coletivamente, com os educadores assumindo alguns papéis de destaque que possam ajudar a contar a história, sendo o foco mantido sempre na atuação das crianças em grupo, para evitar exposição desnecessária de alguma delas. A não ser que, como já aconteceu, a criança traga alguma idéia (cantar uma canção que lhe é familiar em sua casa, ou dançar ballet, coisa que já faz cotidianamente). Essa idéia é discutida com a turma e no coletivo da Creche e, se aprovada, passa a fazer parte da encenação. Em 2003, o papel do passarinho que come as migalhas de pão, foi interpretado por duas crianças que já faziam ballet. Apenas incorporamos à rotina dos

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ensaios o cotidiano das duas crianças, que durante todo o tempo reagiram muito bem, como mostram as fotos que acompanham esse trabalho.

2. As falas devem ser curtas para facilitar a compreensão das crianças da história a ser interpretada e sua memorização, embora elas já conheçam o enredo da mesma, pois durante o processo de ensaios ele é submetido à sua constante apreciação, sendo feitos alguns ajustes quando a criança demonstra dificuldade em realizar o que é proposto ou quando sugere alguma idéia, que tende a ser aproveitada.

3. Alguns educadores as acompanham durante a apresentação, ajudando-as a se deslocarem pela cena e interpretando junto com elas, sussurrando-lhes as falas quando necessário.

4. A peça é elaborada de forma que as crianças possam tornar significativo para si o que está sendo narrado. Portanto, tudo é comunicado a elas, desde a elaboração do figurino, até detalhes de cena que estarão presentes no momento da apresentação. Queremos que a

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peça seja um coroamento de um processo de cinco anos de vida da criança na creche. Logo, o que ela pensa ou sente deve ser respeitado no momento em que é estimulada a se apropriar de algo que é fruto de uma construção coletiva entre educadores e educandos.

5. Durante o processo de ensaio, as marcações da peça são do educador de teatro, mas submetidas ao crivo das crianças que as deverão realizar e dos outros educadores que tem liberdade para alterar qualquer uma delas, visando facilitar a realização das mesmas pelas crianças.

6. Reações dos personagens da peça (medo, alegria, raiva, susto), são explicadas detalhadamente às crianças, para que compreendam a razão daquilo que pedimos que interpretem ou de alguma movimentação que estiver sendo ensaiada e, assim, possam estimular algumas delas que ainda não tenham compreendido o enredo ou estejam ainda tímidas. Pudemos observar que quanto mais as crianças se apropriam da encenação, mais conseguem estimular aquelas ainda tímidas ou desinteressadas do processo.

7. As músicas da peça são criadas coletivamente, sob a supervisão final dos professores de música da creche Fiocruz, especialmente para a montagem segundo os mesmo critérios expostos acima, para facilitar a adesão da criança ao que lhe é proposto.

8. A participação interessada dos educadores como atores durante a apresentação é necessária, pois quanto mais se empenharem na realização de seus papéis, mais as crianças correspondem, evidenciando o fato de que, quanto mais a relação educador-criança for sincera, afetuosa, fraterna, mais a criança será capaz de assimilar o que lhe é proposto. Alguns educadores, que demonstraram interesse pela interpretação teatral, assumem papéis de maior destaque, essenciais para o andamento da encenação. Outros mais tímidos, apenas acompanham o grupo de crianças, usando o mesmo figurino das crianças e assumindo as mesmas marcações ensaiadas por elas.

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Achamos importante trazer o depoimento de duas educadoras da creche Fiocruz, Cristina Hastenreiter, que ao longo desses anos, representou vários papéis de destaque em nossas encenações e Adriana Rodrigues, que desde que foi admitida na creche, sempre foi educadora das turmas de jardim, tendo participado de todas as encenações:

“Há 15 anos atrás quando ingressei na creche, o teatro era algo distante em minha vida, longe da minha realidade. Mas ao longo desse tempo, conheci a necessidade de interpretar, ora contando histórias, ora utilizando fantoches ou interpretando personagens de contos de fadas. Tudo isso me fascinava embora eu sentisse muita vergonha. Essa experiência teatral vivida na creche, abriu um leque de possibilidades na hora de vivenciar e experimentar alguns temas com as crianças. Na hora das apresentações eu sentia um misto de medo e desejo que muito me atraía. Quando dava por mim estava lá, irreconhecível, num verdadeiro processo de troca, pois a medida que as pessoas elogiavam, riam e aplaudiam meu desempenho, eu iniciava um verdadeiro processo de aprendizagem”

(Cristina Hastenreiter/2004). “Quando permitimos que o teatro faça parte de

nossas vidas, adultos e crianças deixam que o seu corpo se expresse de diferentes e surpreendentes maneiras. Permitir que a criança construa a história que está sendo dramatizada, a faz atuar com grande espontaneidade. Até aquelas que optam por observar, participam através do olhar, permitindo-lhes viver em seus pensamentos a “sua” história, que também é de todos que ali estão.A criança interage de forma criativa em todo o processo. Observo como educadora, que o teatro modifica a vida das crianças, mexendo com suas emoções, aproximando-as quando se reúnem em roda para ouvir e ver interpretações de contos de fadas e também dando movimento, som, vida quando interpreta, usando o corpo de forma criativa.”

(Adriana Rodrigues/2004) 58

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9. A apresentação da peça ocorre somente uma vez com a presença dos pais das crianças, familiares e educadores da creche Fiocruz não envolvidos diretamente na montagem.

10. O registro desse momento é garantido com fotos e uma fita de vídeo que registra o cotidiano das crianças, o processo de ensaios, e a montagem final. Esse material é guardado em arquivos no sentido de preservar a memória do trabalho realizado, assim como cada criança, possui também sua cópia da experiência de encenação vivida no ano de sua despedida da creche.

Ao final dessa dissertação (Anexo B), pode-se encontrar um registro dos ensaios da encenação, que pretende oferecer um retrato mais preciso do processo de construção da montagem, incluindo algumas fotos do processo como ilustração. No Anexo C, pode-se encontrar o texto da peça “João e Maria”, escrito para a montagem do ano de 2003, junto com algumas fotos da mesma, o que, em nossa opinião, pode ajudar o leitor a compreender o processo de encenação que ocorre ao final da experiência teatral com crianças pequenas, em especial as do jardim, que são aquelas que atuam na montagem.

CONTEÚDOInterpretação – Exercícios de reconhecimento e exploração do espaço; jogos lúdicos e coletivos, apresentando um primeiro contato com o fazer teatral; improvisação; formação de platéia; narração de contos; transposição de histórias para o universo do teatro.

Expressão Corporal – Jogos sensoriais e de confiança; percepção do corpo humano; movimentação e ritmo corporal; postura cênica.

Expressão Vocal e Musical – Primeiro contato com as bases da música e do canto; criação de coros; jogos de musicalização e livre expressão.

Ministério da Educação

Instituto Politécnico de Santarém

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE SANTARÉM

Disciplina:

Expressão Artística - Dramática

Programa

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Ano lectivo de 2007 - 2008

Curso:

Educação de Infância

Docente: Célia Barroca

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Introdução

A disciplina de Expressão Artística - Dramática, tendo embora um suporte teórico, é uma disciplina essencialmente prática, regendo-se por metodologias essencialmente cooperativas e de interacção. Apostada na formação pessoal do aluno, no desenvolvimento das suas capacidades de relacionamento interpessoal, da sua criatividade, e do seu espírito crítico, realiza-se em actividades de experimentação e criação artística, num trabalho físico e de valorização da inteligência emocional e sensível. São objectivos fundamentais da disciplina o desenvolvimento da expressão individual do aluno, o desenvolvimento da sua competência comunicativa e ainda conduzi-lo ao reconhecimento das possibilidades pedagógicas do jogo dramático, assim como à capacidade de o utilizar como importante utensilagem pedagógica que é, na aprendizagem global da criança, cognitiva, afectiva, sensorial, motora, estética.

Objectivos

Criar uma maior disponibilidade física e psicológica.

Melhorar a postura corporal, a flexibilidade e a expressividade de movimentos e gestos.

Desenvolver a criatividade e a expressividade.

Desenvolver a competência comunicativa.

Utilizar as linguagens corporal e dramática como meio de expressão e comunicação.

Explorar os recursos da voz nas suas dimensões expressiva e comunicativa.

Utilizar criativamente o espaço, a luz, as imagens, objectos, sons.

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Gerir espaços interpessoais.

Integrar diferentes áreas de expressão e comunicação.

Utilizar meios tecnológicos.

Inferir das funções pedagógicas do jogo e das técnicas dramáticas.

Realizar dramatizações em pequeno e em grande grupo.

Criar actividades dramáticas a realizar no jardim de infância.

Conteúdos

1 - Corpo postura

respiração e relaxação

exploração de diferentes possibilidades expressivas do corpo: movimentação livre

imitação

mímica

2 - Espaço e objectos exploração e recriação do espaço

exploração e recriação de objectos 3 - Voz

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exploração de sons vocais

dicção

prosódia

improvisação oral

leitura expressiva de textos poéticos e de contos

4 - Dramatização

improvisação em situações recriadas ou imaginadas a partir de diversos estímulos 5 - Expressões integradas

Expressão dramática associada a outras expressões artísticas.

6 - Formas Técnicas de Expressão Dramática

máscaras

sombras

marionetas

7 - Experimentação e criação artística

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Metodologia

Aulas essencialmente práticas com a realização de exercícios, jogos dramáticos e dramatizações, concepção e realização de projectos e actividades interpessoais e de grupo, com uma permanente ligação à teoria.

Avaliação

1- Participação activa nas aulas

2- Trabalho final escrito individual: concepção de projecto de intervenção pedagógica na área da expressão dramática com jogos e exercícios adaptados às crianças.

Parâmetros de avaliação do trabalho escrito:

Adequação ao público alvo

Criatividade

Rigor na escrita

3 - Trabalho final prático de grupo: concepção e realização de dramatização a partir de tema escolhido.

Parâmetros de avaliação do trabalho prático de grupo:

Concepção e realização do trabalho

Originalidade

Desempenho do grupo

Defesa do trabalho

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TEATRO: CAMINHO DE INCLUSÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL EPESSOALDORACI TEREZA ROSO STOKMANN1

RESUMOComo promover a inclusão de alunos com sérias deficiências mentaisindependente de serem as escolas públicas eficazmente preparadas nosseus recursos humanos e físicos? Pensou-se nos conteúdos estruturantes dearte e artes para a educação básica, como balizador deste intuito, por

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entender que a arte é inerente ao ser humano, e como diretriz curricular tero propósito de superar desigualdades sociais. Este documento trata debreve pesquisa bibliográfica com uma práxis vivenciada, a respeito dacontribuição da arte cênica, especificamente dos jogos dramáticos, comocaminho de inclusão e desenvolvimento dos alunos com deficiência mental.Foi realizada uma Oficina de Jogos Teatrais por um período de três mesesaproximadamente, dentro da Escola de Educação Especial Caminho Feliz-Apae de Capanema, com a participação de alunos da 7ª série do ColégioEstadual Rocha Pombo do município de Capanema – PR. Nesta experiênciavivenciada, ficou manifesta a possibilidade de desenvolvimento pessoal,social e de inclusão de alunos com diversas deficiências e não deficientes,através dos conteúdos de arte e do intercâmbio entre as escolas especial ecomum.PALAVRAS-CHAVES: Inclusão. Deficiência Mental. Conteúdos de Artes.ABSTRACTPromoting the inclusion of students with serious mental disabilities to beindependent public schools effectively prepared in their human and physicalresources? It was thought in structuring content of art and art to basiceducation, as marked out of order because it believes that art is inherent toman, and as curriculum guidelines have the purpose of overcoming societyinequalities. This document deals with brief literature search with a practiceexperienced, regarding the contribution of scenic art, specifically ofdramatic games, as a way of inclusion and development of students withmental disabilities. We performed an Office of Chat for a period of threemonths approximately, within the School of Special Education Happy Path-APAE of Capanema, with the participation of students in the 7th grade ofPigeon Rock State College in the municipality of Capanema - PR. Thisexperience, it was obvious the possibility of personal development, and

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1* é professora da Rede da disciplina de Artes e Educação Especial. O presente artigo étrabalho final, pré-requisito para obtenção da certificação do PDE - Programa deDesenvolvimento Educacional 2007.society inclusion of students with various disabilities, not disabled by thecontent of art and exchanges between schools and special common.KEY WORDS: Inclusion. Mental Disability. Contents of Gear.1. INTRODUÇÃOA função da arte não é a de passar por portasabertas, mas é a de abrir as portas fechadas.Ernest FischerO presente artigo trata sobre o trabalho desenvolvido no PDE –Programa de Desenvolvimento Educacional do ano de 2007, na área deEducação Especial. Após um ano de estudo, através de cursos, seminários,pesquisas e trabalho de grupo em rede on-line, elaborou-se um Plano deTrabalho para implementação em uma Escola de Educação Especial.Na discussão de se efetivar a inclusão, parafraseando Rodrigues(2006), propôs-se um “fazer acontecer desde já”: a inclusão de alunos comdeficiência mental acentuada, por meio dos conteúdos estruturantes afinsda disciplina de Arte na Educação Básica, com a integração da escola deeducação especial e da escola da rede comum de ensino, através de umaoficina de jogos teatrais.O compromisso com a inclusão de alunos com deficiência mentalremete os educadores a pensar caminhos que viabilizem uma atitude, deforma que as pessoas, livres e espontaneamente, experimentem eassimilem este entendimento e passem a interiorizá-lo como conhecimentoe crescimento humano.Ao desenvolver a implementação com alunos da escola de educaçãoespecial, buscou-se concordância com as Diretrizes Curriculares para aEducação Especial Para a Construção de Currículos Inclusivos de 2006 e,principalmente, tendo como norte, o fundamento de que a inclusãoescolar é um processo em construção e se dá gradativamente deforma responsável.Diante deste entendimento, se propôs abrir a escola de educaçãoespecial , alargar suas portas, seus domínios para acesso dos alunos doensino comum, a fim de oportunizar ações para o exercício da cidadania e,2

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neste contexto, buscar novos caminhos para a superação de alguns dosobstáculos presentes no seio social que distanciam os segmentos excluídosdo acesso aos bens e serviços e, no caso específico da inclusão escolar, dodireito à educação.Para tanto, torna-se importante observar, embasados em estudiososcomo Freire (1982) e Saviani (2005), que a formação de cidadãosconscientes está no trabalho educativo, que envolve a ação, a práxis dasrelações que os fazem pensar, agir, refletir. Assim, os seres humanostornam-se capazes de modificar o mundo e mudar-lhe o significado.Foi intuito fazer da escola especial um instrumento que contribua paraa transformação social, como também o ensino da arte, com seu caráterartístico e estético na formação do aluno, na humanização dos sentidos pelosaber estético e pelo trabalho artístico, contemplando o que afirmava asDiretrizes Curriculares de Arte e Artes para a Educação Básica de 2006, “oensino da Arte deixa de ser coadjuvante no sistema educacional e passa ase preocupar também com o desenvolvimento do sujeito frente a umasociedade construída historicamente e em constante transformação” (p.22).A arte está presente em todas as pessoas, é inerente ao serhumano. O teatro, através dos jogos dramáticos, permite que o aluno, nasrepresentações de papéis, possa pôr em evidência o tipo de relação queestabelece com o mundo que o rodeia, pode jogar o papel do outro, podecriar papéis imaginados de domínio simbólico, falar do eu a partir dosoutros, a passagem do mundo interior para o mundo exterior, e isso geraconhecimento, desenvolvimento.O trabalho de implementação baseou-se na linguagem artísticacomo comunicação, interação, ação e relação numa reflexão social para,conforme Paulo Freire “oferecer aos educandos acesso aos conhecimentosde cultura para uma prática social transformadora” (Diretrizes Curricularesde Arte e Artes para a Educação Básica. 2006, p.20).2. PERCORRENDO UM CAMINHO3O Caminho se fazcaminhando. Paulo Freire e

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Myles HortonQuando falamos de inclusão, nos vem a idéia de que alunos comdeficiência deixam sua Escola de Educação Especial e integram-se nasEscolas do Ensino Comum. O trabalho realizado foi de inverter estes papéis.Sabe-se que as Escolas de Educação Especial atendem alunos com gravescomprometimentos mentais, com síndromes e acentuadas deficiências quelhes dificultam estarem, atualmente, na rede comum de ensino, no plenoatendimento das suas necessidades educacionais. Nesta perspectiva,propôs-se inclusão ao inverso. O trabalho teve como principal objeto ainclusão de alunos da rede de ensino comum e de alunos com deficiênciamental e associadas da Escola de Educação Especial Caminho Feliz – Apaede Capanema – PR, através da proposta de uma Oficina de Jogos Teatrais,contemplando um determinado conteúdo estruturante da disciplina de artena educação básica, na área do teatro, realizada dentro da escola especial.Teve também a intenção de desmistificar a Escola de Educação Especial,mantida pela APAE, perante a comunidade escolar da rede pública domunicípio.Foram convidados alunos da 7ª série A do Colégio Estadual RochaPombo para visitarem e conhecerem a Escola Especial. Este convite foiaceito por 17 (dezessete) alunos. Após o dia da visita, 14 (quatorze) alunosdecidiram participar da Oficina de Jogos Teatrais juntamente com 7 (sete)alunos com deficiência mental acentuada da Escola de Educação EspecialCaminho Feliz, mantida pela APAE de Capanema - PR. Os encontros foramsemanais, de duas horas de duração cada um, durante os meses de março,abril, maio e junho de 2008, para a propósito do que aborda Carvalho, abriras portas da escola especial e proporcionar uma oportunidade deaprendizagem e participação diferente da que está posta.Refiro-me às oportunidades que qualquer escola deve garantir, atodos, oferecendo-lhes diferentes modalidades de atendimentoeducacional que permitam assegurar-lhe o êxito na aprendizagem ena participação. A isso chamamos de eqüidade, que no fundo,reconhece as diferenças individuais e a importância do trabalho nadiversidade, com espírito democrático, isto é, plural. [...] procurodefender a proposta de educação inclusiva entendida como

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4reestruturação das escolas, mesmos as especiais, de modo a queatendam as necessidades de todas as crianças que dela necessitam(2004, p.17).A transformação da sociedade, o seu constante desenvolvimento,com sujeitos de sua própria cultura é defendido por Saviani quando afirma:O que se chama desenvolvimento histórico não é outra coisa senãoo processo através do qual o homem produz a sua existência notempo. Agindo sobre a natureza, ou seja, trabalhando, o homem vaiconstruindo o mundo histórico, vai construindo o mundo de cultura,o mundo humano. E a educação tem suas origens nesse processo.[...] É, pois na realidade escolar presente que se enraíza a propostada pedagogia histórico-crítica (2005, p.93-94).Somente pela Educação, na realidade escolar, nas propostaspedagógicas, os indivíduos compreenderão e exercitarão mudanças deatitudes, de valorização da diferença, do convívio harmônico, rompendomodelos de exclusão social para encaminharem-se para uma sociedadehumanística, responsável, ecológica, idealizada com seres orgânicos.Por que este caminho de inclusão foi pensado através da Arte?Como experiência, comprovar o que nos aponta as DiretrizesCurriculares de Arte e Artes Para a Educação Básica (2006), os conteúdos dearte visam através de sua práxis, uma sociedade que busca superardesigualdades e injustiças. Este deve ser ponto fundamental decompreensão desta disciplina (p.27). Como proposta, apostar no quedefendia o teórico Herber Read, de que a arte possibilita o desenvolvimentodo potencial criador e da humanização (idem, p.19).Nesta perspectiva, acreditou-se que a função da arte é a de abrirportas, de ser caminho, instrumento enriquecedor para a inclusão e avalorização da pessoa com deficiência.Pois é bem verdade que os alunos com deficiências são valorizados nasuas potencialidades quando, diante da comunidade, participam deatividades artísticas. A emoção que flui e o aplauso que recebem, endossa aplatéia que pessoas com deficiências são sujeitos com a apropriação desaberes, dinâmicos, participativos do contexto e do universo que dividem.Esta manifestação de apreciação do público em geral, para com apessoa com deficiência ao vê-la participando de eventos culturais de forma5tão intensa, pode ser entendida que as emoções decorrentes da artedemandam de respostas que envolvem um entendimento cognitivo, vemosem Vigotsky (2001) a afirmação de que “Poderíamos demonstrar que a arte

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é uma emoção central, é uma emoção que se resolve predominantementeno córtex cerebral. As emoções da arte são emoções inteligentes” (p. 267).Não se permitiu permear pelo campo das ciências, dos cálculos, enem ousar o da filosofia. Desejou-se permitir um trespassar pelo campo dasartes, para aqui, declarar uma possibilidade, onde TODOS os homens sereconhecem IGUAIS pela sensibilidade, sendo a arte inerente a qualquer serhumano.A arte, em tudo que lhe é significada, alcança todas as pessoas,sendo elas instruídas ou não, deficientes ou não. Além de ser uma forma de“conhecimento” a arte é forma de “encantamento”. Todos os homens sãocapazes de se expressar, de projetar sua vida interior, construir fantasias,penetrar nos símbolos, signos da cultura.Para Loureiro (BRASIL, Ministério da Cultura. Caderno de Textos doPrograma Arte Sem Barreira/Funarte. 2003, nº 3), a arte sem barreiras deveconcretizar-se no chão das relações sociais, e isso representa um gigantescopasso na quebra da exclusão. Toda produção artística, ainda que pessoal, éparte do processo social, e por isso, a inclusão artística acontece no decursocom a inclusão social. Diz o autor “a arte parte do que é possível paraalcançar o impossível possível” (idem, p.16). Como se as pessoaspassassem a ter conhecimento humano a partir da emoção, a partir dasensibilidade despertada.Considerou-se igualmente a diversidade cultural e social dos alunos.Pois a arte, enquanto cultura e linguagem tem na escola democrática umespaço no qual os envolvidos podem refletir e discutir a realidade de modoque a prática social seja o ponto de partida das problematizações.A linguagem artística encerra esta possibilidade de estar junto com ooutro como instrumento cultural, numa perspectiva histórica de sujeito quesignifica o mundo, dá sentido a sua existência e a existência do outro.Padilha (2007) cita Bakhtin que diz: “É preciso considerar a força social naconstituição da consciência. Cognição, linguagem e cultura estão6inseparáveis na constituição da subjetividade” (p.121). A autora discorre

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que o corpo precisa do outro corpo para lhe conceder sentido e lhe darforma. É preciso desenvolver, ensinar a consciência de si para poder depoisexpressar-se em movimentos, de forma que os próprios movimentosauxiliem para que o sujeito tome consciência de si. É nas práticas sociais,no convívio do dia a dia, que o sujeito expressa seus gestos, sua atenção,suas lembranças, suas vontades e o controle dos seus desejos.Abordou-se o ensino da arte como linguagem, nas interpretações designos verbais e não verbais. As formas de linguagem estão entrelaçadas,as verbais e os atos sociais de caráter não verbal: gestos e expressõessimbólicas. O papel da linguagem é ser expressiva e de significado para si epara o outro, quer seja na palavra (som), no ato (gesto, expressão corporal),no grafismo (escrita, desenho).As Diretrizes Curriculares de Arte e Artes Para a Educação Básica(2006) apontam queToda linguagem artística possui uma organização de signos quepropicia comunicação e interação. Essa organização é estruturadasegundo princípios que cada cultura constrói, expressos numasimbologia particular que é determinada histórica, política esocialmente. Essa expressividade artística é concretizada nasmanifestações/ produções por meio dos sons, de formas visuais, demovimentos corporais e de representações cênicas, os quais sãopercebidos pelos sentidos humanos. Tais percepções ensejamleituras pelo sujeito tanto em sua condição de ser social quanto deser singular, o que lhe abre a possibilidade de transformações emsuas relações interpessoais e sociais (p.29).Pode-se enfatizar tais considerações com palavras de Saviani:Porque o homem não se faz homem naturalmente; ele não nascesabendo ser homem, vale dizer, ele não nasce sabendo sentir,pensar, avaliar, agir. Para saber pensar e sentir; para saber querer,agir ou avaliar é preciso aprender, o que implica o trabalhoeducativo. Assim, o saber que diretamente interessa à educação éaquele que emerge como resultado do processo de aprendizagem,como resultado do trabalho educativo. Entretanto, para chegar aesse resultado a educação tem que partir, que tomar comoreferência, como matéria-prima de sua atividade, o saber objetivoproduzido historicamente (2005, p.7).Diante do leque de possibilidades que o ensino da arte oferece, optousepelo teatro e pela realização de uma Oficina de Jogos Teatrais. E por quejustamente uma oficina de jogos teatrais?7Trabalhou-se com os alunos o conceito de que o teatro é umalinguagem que amplia a sua visão de mundo, sob a perspectiva de que a

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“dramatização é inerente ao homem em seu processo de desenvolvimento”(Diretrizes Curriculares de Arte e Artes para a Educação Básica. 2006, p.45).Observou-se que o relacionamento do homem com o mundo tem,pois, no teatro, um forte aliado neste exercício. Com este entendimento, foipossível integrar as partes que compõem esse sujeito, desenvolver aintuição e a razão, por meio das percepções, sensações, emoções,elaborações e racionalizações, com o objetivo de propiciar ao aluno umamelhor maneira de conviver consigo e com os outros, valendo-se dadramatização, que é por natureza, intrínseco no ser humano.Se espera que pelo reconhecimento do próprio corpo, o aluno comdeficiência se reconheça na relação com o outro e consigo de acordo comtodos os outros que significam sua alteridade. Conhecer a si, aceitar-secomo, aceitar o outro, reivindicar a consideração do outro, para uma relaçãointegradora.Vemos em Padilha (2007) que ao citar Bakhtin, afirma que aconsciência corporal é fundamental para a linguagem do corpo. Diz aautora:Quando abraçamos o corpo, abraçamos também a alma encerradaneste corpo e que se expressa por ele. A alma tem expressão nocorpo. O corpo do deficiente mental, muitas vezes não conseguerevelar ou expressar sua alma porque está caído, desarrumado,desarmônico, inexpressivo. É preciso desenvolver a consciência desi para que seja possível expressá-la nos movimentos do corpo, aomesmo tempo que os movimentos do corpo ajudam a tomarconsciência de si (p. 116).As atividades de Jogos Teatrais, como linguagem artística, trazem emseus códigos um conjunto de saberes a serem ressignificados no processode ensino e de aprendizagem. A linguagem do teatro pelo ato de “fazer deconta”, de dramatizar individual ou em grupo, oportuniza aos alunos, aanálise, a investigação e a composição de personagens, espaços, histórias,permitindo desencadear sua opinião dos conhecimentos trabalhados comsuas realidades socioculturais. A arte gera conhecimento e articula saberescognitivos, sensíveis e históricos.8Foi também, um exercício estético pela combinação dos sentidos, darelação das artes visuais com as outras linguagens artísticas, pois aconstrução de máscaras, de fantoches, de figurinos, de maquiagem, detrilhas sonoras, propiciou a interligação das linguagens verbais e não

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verbais, que contemplou, neste trabalho, alguns alunos, certamente algumem particular, que tem um ou outro sentido mais aguçado ou menospresente. E, no conjunto, fez-se uma releitura da obra, que incluiu aexperiência e a aprendizagem pelas formas de receber sensações, umareleitura de produções híbridas conseqüentes das associações entre oentendimento da realidade do aluno e os elementos percebidos por ele naexpressão artística.2.1 - Sobre os Jogos TeatraisJapiassu (2006), que aborda o sistema de jogos teatrais de ViolaSpolin, atriz, professora e diretora de teatro norte americano, discorre que apedagogia do sistema de jogos teatrais criados por Spolin, enfatizou adimensão improvisacional do fazer teatro e destacou a importância dasinterações intersubjetivas na construção do sentido da representaçãocênica e na apropriação de algumas convenções teatrais (p 41). Diztambém que, os sistemas de jogos teatrais de Spolin têm sido utilizados nãoapenas no treinamento de atores, mas em programas de estudo para aconscientização da comunicação não verbal e para dinâmicas de grupo.Spolin experimentou seu método com estudantes e profissionais de teatro,com professores e alunos do ensino fundamental e médio, em programaseducacionais de crianças com necessidades especiais, em cursos para oestudo de idiomas, religião, psicologia em centros de reabilitação decrianças delinqüentes.Constatou que seu sistema de jogos teatrais era um processoaplicável a qualquer campo, disciplina ou assunto por “possibilitar umespaço possível para interação e comunicação verdadeiras entre sujeitos”.(idem p.42). Sua técnica permite, sobretudo, reivindicar o espaço do teatrocomo conteúdo relevante em si na formação do educando. Este trabalho9pedagógico da metodologia de ensino do teatro possibilita que os alunosexperimentem o fazer teatral (quando estão a jogar), desenvolvam aapreciação e a compreensão estética da linguagem cênica (quandoassistem e outros jogam) e contextualizem historicamente seus enunciadosestéticos, principalmente quando fazem a avaliação coletiva e sua autoavaliação.

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A técnica Spolin (dos jogos teatrais) tem sido pesquisada no Brasilpelo grupo de pesquisadores em teatro educação da Universidade de SãoPaulo sob liderança das professoras Koudela e Pupo (JAPIASSU. 2006, p. 42).Japiassu (2006), apud Koudela, apresenta uma diferenciação entrejogo teatral e jogo dramático dizendo que “é preciso lembrar que a palavrateatro tem sua origem no vocabulário grego theatron, que significa `localde onde se vê´ (platéia). Já a palavra drama, também oriunda da línguagrega, quer dizer `eu faço, eu luto´. No jogo teatral, o grupo de sujeitos quejoga pode se dividir em equipes que se alternam nas funções de“jogadores” e de “observadores”, isto é, os sujeitos jogam deliberadamentepara outros que os observam. Na ontogênese, o jogo dramático (faz-deconta)antecede o jogo teatral. Essa passagem do jogo dramático ao jogoteatral, ao longo do desenvolvimento cognitivo e cultural do sujeito, podeser explicada como “uma transição muito gradativa, que envolve oproblema de tornar manifesto o gesto espontâneo e depois levar a criança àdecodificação do seu significado, até que ela utilize conscientemente, paraestabelecer o processo de comunicação com a platéia” (p.25).Japiassu (2006) segue dizendo que, diferentemente do jogodramático, o jogo teatral é intencional e especificamente dirigido para umaplatéia que assiste. Porém, tanto no jogo dramático como no jogo teatral, oprocesso de representação dramática ou simbólica no qual se envolvem osjogadores, desenvolve-se na ação improvisada e os papéis de cada jogadornão são estabelecidos a priori, mas emergem das interações que ocorremcom os indivíduos envolvidos durante o jogo.O autor afirma que a finalidade do jogo teatral na educação escolar éo crescimento pessoal e o desenvolvimento cultural dos jogadores por meiodo domínio da comunicação e do uso interativo da linguagem teatral, numa10perspectiva de improvisação ou lúdica. O princípio do jogo teatral é omesmo da improvisação teatral, ou seja, a comunicação que surge daespontaneidade das intenções entre sujeitos envolvidos na solução cênicade um problema de atuação.

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Japiassu (2006) fala também sobre Augusto Boal, que ao desenvolverum projeto de alfabetização para o povo proletário no Peru, com o objetivode alfabetizar em todas as linguagens possíveis, especialmente artísticas,como o teatro, a fotografia, o cinema etc, partiu desse pressuposto, paraafirmar que o teatro é concebido como linguagem capaz de ser utilizada porqualquer pessoa, independentemente de ela ter ou não “talento” para opalco ( p. 47).O autor confere que devemos reconhecer que a poética estritamentebrasileira de Boal, mesmo com marcas de mestres consideráveis comoBrecht, Moreno, Viola Spolin, está sendo conhecida e estudada porpesquisadores que investigam a dimensão pedagógica do teatrointernacionalmente. Sua pedagogia teatral tem inspirado experimentaçõese investigações do uso do teatro na educação formal de crianças, jovens eadultos por todo o país.Sobre o jogo e sua forma imaginativa, Souza (2003) ao citar Vigotsky,afirma que esta é uma atividade que desenvolve de maneira especial ascapacidades de pensamento abstrato, por levar a criança a conceberimaginariamente ações e objetos que não estão imediatamente presentesna sua percepção do real. O autor diz que o jogo dramático é arepresentação de papéis, em que a criança pode pôr em evidência o tipo derelações que estabelece com o mundo que a rodeia, pode jogar o papel dooutro, pode criar papéis imaginados de domínio simbólico. Orelacionamento do indivíduo com o mundo social efetua-se através dodesempenho de papéis. Todos temos um “papel” a representar em nossavida familiar, de trabalho, de relações sociais. A vida social exige que cadapessoa se situe e seja situado na sua rede de interações e nos diferentesespaços sociais em que convive. Considera-se este autor quando reforça ovalor do jogo dramático nas palavras:...falar de expressão dramática é falar do eu e do eu partir para osoutros... a nossa função é ir descobrindo e transformando. A11expressão dramática é um retirar de máscaras, é estabelecer oequilíbrio entre o mundo exterior e o mundo interior do homem, ouseja, é harmonizar a vida social e a essência do homem.... Permiteaos jovens exercerem-se, falarem das suas angústias, frustrações,desejos. Não só através do corpo, da voz ou de improvisações. Os

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exercícios servem para se encontrarem a eles próprios.Encontrando-me comigo, encontro-me com os outros. A passagemdo mundo interior para o mundo exterior, eis a função do jogodramático (p. 20).2.2 - Os Jogos Teatrais e Alunos com Necessidades EducacionaisEspeciaisNesta abordagem, que inclui o jogo de suma importância para odesenvolvimento da pessoa, do educando, recorreu-se a Padilha (2007), quededicou um trabalho essencialmente focado numa jovem com necessidadeseducacionais especiais e que ao abordar a constituição do sujeito simbólicodiz:...para jogar é preciso seguir regras, compartilhar objetos, fazer dasmãos um instrumento cultural dirigido a certos fins. Jogar é brincar,no sentido que Vigotsky afirmou ‘fator muito importante dodesenvolvimento; permeia a atitude em relação à realidade’. [...] Aessência do brinquedo [jogar é brincar] é a criação de uma novarevelação entre o campo do significado e o campo da percepçãovisual, ou seja, entre situações no pensamento e situações reais(p.129).Padilha (2007) afirma que para os educandos com necessidadesespeciais, o jogo é, evidentemente, uma rede de experiências de interpretare produzir significados que garantem uma participação efetiva na sua vidasocial, nas suas relações do dia a dia. Neste mesmo pensamento a autorasegue Vigotsky que determina que a “formação da mente é social” (p.133);ainda Bakhtin, de que “as formas de comunicação verbal estãoabsolutamente entrelaçadas a outras formas de comunicação e se fazem,num crescendo, no terreno comum da situação de produção e que graças aesse vínculo concreto com a situação, a comunicação verbal é sempreacompanhada por atos sociais de caráter não verbal entre os quais estão osgestos, os rituais e os atos simbólicos” (idem, p.133). Enfim, o jogo temmúltiplas possibilidades de organizar o pensamento no tempo e no espaço,12revelando problemas e as soluções que a cada aluno é permitidocompreender o mundo e fazer-se compreender.Sobre atividades do jogo teatral para educandos com deficiênciasnuma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento, Padilha (2007), aocitar Vigotsky, diz que as funções psíquicas surgidas no processo deinteração com as pessoas de seu meio são as esferas que permitem

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atenuação das conseqüências da deficiência e apresenta maiores chancesde influência educativa. Reforçando tal intenção, a autora continua suaafirmação ao dizer queO movimento de produzir significado supõe a ação do outro,acontece com o outro e então é possível produzir sentido com ogesto, o silêncio, a expressão facial, com a prosódia acompanhandoa oralidade, e com a lembrança do passado incorporada aopresente. É possível fazer previsões de ação – organização dotempo e do espaço que estão postos na cultura. Pensar sobre si,para si e para o outro, dizer as coisas de um certo modo – é alinguagem organizando, comunicando, nomeando, regulando aação e o pensamento. O lugar patológico é para Vigotsky um lugarimportante para se pensar a relação entre linguagem e cognição,porque, segundo ele, seria impossível haver linguagem fora dosprocessos de interação entre os homens (p. 49).Por conseguinte, a idéia da Oficina de Jogos Teatrais com alunos comdeficiência mental em conjunto com os alunos tidos “normais” do ensinocomum, foi pensada nas considerações de Padilha (2007), ao afirmar que asrelações acontecem no encontro do eu com os outros, o simbólico elaboranossa história e lhe dá significado. A autora cita Vigotsky ao afirmar que osignificado nem sempre é igual ao pensamento expresso em palavras. Masnão existe signo sem significado, nem significado sem relação dialógica, épreciso sempre considerar o outro. E compreender o outro significa penetrarnos motivos, na intenção que o interlocutor expressa.Pode-se continuar destacando o significado do jogo, especificamentepara o aluno com deficiência mental seguindo Padilha (2007), quando dizque o ato da criança/aluno jogar para brincar, competir, distrair-se, ampliaas possibilidades de estar com pessoas de sua idade que jogam. O jogo éuma das esferas do simbólico, é uma das manifestações culturais. É muitoimportante que o jogo esteja nos planejamentos de aulas dos professoresmuito mais como material didático do que simplesmente como conteúdo deentretenimento e lazer. A autora cita Fabiany (apud Padilha 2007) que13apresentou através de pesquisa o papel do jogo na educação especial paradeficientes mentais com as seguintes conclusões:a)O jogo como modelador de atitude (para desenvolver hábitos de

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vida em grupo);b)O jogo como estratégia para o desenvolvimento motor (controledo corpo);c)O jogo como meio para o desenvolvimento cognitivo (explorar opotencial dos objetos);d)O jogo como meio de alfabetização (para ensinar matemática,para ensinar a leitura e escrita);e)O jogo para dominar a vontade:esperar a vez, se colocar no lugardo outro (p.128).Se as condições de desenvolvimento não são as mesmas para todasas crianças, sejam elas deficientes ou não, se o meio ambiente podefavorecer, ou não, a criança, na construção de si mesma, de sua autoorganização,os educadores devem considerar Vayer e Roncin quandoafirmam queAs condições de um desenvolvimento harmonioso são sempre, quer acriança seja deficiente quer não, vinculadas ao meio que fornece aosujeito os sentimentos de segurança, de poder agir e de serautônomo. A única diferença entre uns e outros é que a criançadenominada normal consegue encontrar soluções para realizar seuEu com mais facilidade, mesmo quando o contexto não lhe facilita ascoisas, ao passo que para a criança denominada deficiente essemesmo contexto, especialmente a qualidade do relacionamento comas pessoas, assume um valor vital (s/d, p.29).Não há dúvidas que o desenvolvimento cultural do aluno comdeficiência mental não acontece de forma natural, em situações nas quaisele possui domínio, mas nas situações subentendidas. A cidadania de quepodem exercer está no esforço de uma aprendizagem exercitada para aprática social, no desempenho de diferentes papéis sociais. Saindo dolimites da sua deficiência para entrar num mundo feito de relações sociais.Padilha (2007), afirma que é imprescindível o papel do outro para queaconteça a plasticidade cerebral e, dessa forma aconteça simultaneamentee articuladamente o desenvolvimento das significações, que por sua vez,mobilizam funções cerebrais. A mesma autora sugere que deve-se ter oolhar atentamente voltado para ver o sujeito como alguém que vai seapropriando da cultura e não somente um sujeito que vai somando hábitos,repetindo modelos. O educador especial deve conceber este ser simbólico14que é seu aluno e sempre se indagar: Jogar para quê? Brincar para quê?Faz de conta para quê?Portanto, o jogo teatral tem função destacável no desenvolvimento dapessoa com deficiência. Padilha (2007) se refere a Vigotsky que afirma que

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“a validade social é a finalidade da educação” (p.109). E para ele, o que écultural é social, os signos são sociais, as ferramentas são sociais, todas asfunções superiores desenvolvem-se de modo social, as significações sãosociais, a base da estrutura da personalidade é social. Portanto, a escolaprecisa ser esta possibilidade de desenvolvimento social para queefetivamente os alunos com deficiência vivenciem atividades que lhespermitam a integração no sentido amplo da palavra, ou seja, participandohistoricamente com apropriação dos elementos culturais.Este pode ser o papel da escola e da disciplina de Arte: empenhar-secom recursos diversos de cultura para o desenvolvimento pessoal e socialdos alunos com deficiência.2.3 - A Experiência VivenciadaAs atividades desenvolvidas durante os encontros da oficina, foramembasadas em quatro grupos e tiveram como referência e fonte depesquisa a professora de teatro, escritora e agitadora cultural, OlgaReverbel (1989 e 2002). Os grupos de atividades foram os seguintes:1. Atividades de Relacionamento;2. Atividades de Espontaneidade;3. Atividades de Imaginação;4. Atividades de Observação e de Percepção.2.3.1 Atividades de RelacionamentoA adaptação de cada aluno ao grupo com o qual irá conviver é de vitalimportância. Foram previstos exercícios de apresentação pessoal, contatoscom os companheiros, aquecimento, descontração. Estas atividadescontemplaram a expressão gestual, verbal, corporal, ritmo, expressãoplástica, música.15Objetivo: Apresentação Pessoal, descontração, relacionar-se com ogrupo.2.3.2 Atividades de EspontaneidadeQuando a pessoa se comporta espontaneamente e naturalmente elase auto-aceita, favorecendo suas capacidades expressivas. Foram previstosexercícios de expressão gestual, improvisação planejada, improvisaçãoespontânea, expressão corporal, expressão gestual, expressão verbal.Objetivo: Desenvolver a espontaneidade, criando cenas a partir delocais imaginados e conferindo-lhes significados.2.3.3 Atividades de ImaginaçãoA imaginação está diretamente ligada à observação, à percepção e àmemória como produto de uma ação do pensamento, sugeridas aqui como

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atividades globais de expressão através de: criação de roteiro, jogral, textonão dramático, charada, construção de personagens, poesia, prosa,elementos plásticos.Objetivo: Desenvolver a imaginação através da reprodução de posturaàs sensações propostas.2.3.4 Atividades de Observação e de PercepçãoA observação é um ato dramático quando ele possibilita o jogo,servindo de ponto de partida para a criação. A percepção por sua vez, estádiretamente ligada aos nossos sentidos. A necessidade de comunicaçãodesenvolve-se paralelamente com a organização da capacidade depercepção. Percepção em relação a si mesmo e ao mundo que o rodeia.Objetivo: Desenvolver a percepção através de atividades que exijam oreconhecimento de detalhes, percepção e possibilidades corporais,percepção espacial, seleção e criação.A partir desses quatro grupos de atividades planejou-se os encontrosque aconteceram sempre com muita receptividade e calorososcumprimentos, e ao final de cada um, sentados em círculo, os alunos faziamuma apreciação das atividades desenvolvidas durante a tarde. Dirigiam-sealgumas perguntas com o intuito de levar à reflexão sobre a atividade16desenvolvida no sentido de contextualizá-la. Depois, era reservado ummomento de relaxamento, deitados confortavelmente, ouvindo uma músicasuave ou uma poesia. O objetivo do relaxamento era de fazer com que ocorpo voltasse à sua situação de funcionamento normal, à calma inicial.Depois, seguia-se um lanche compartilhado, sempre muito prazerosoquando se observava claramente entre os alunos, atitudes de “estar junto”e de “auxiliar” quando se fazia necessário.O relacionamento entre os alunos foi foco de observação de todo otrabalho desenvolvido na Oficina de Jogos Teatrais. Nos primeiros encontros,os alunos da Escola de Educação Especial foram analisados atentamentepelos outros colegas, percebendo-se nas suas atitudes, a princípio, umaforte manifestação de compaixão. Depois, com o passar dos dias, elesforam se envolvendo pelos colegas da escola especial. Nas primeirasatividades propostas em equipe, os alunos com deficiência mental foram

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deixados de lado, talvez pela situação desconhecida, pelo diferente, que seapresentava entre eles.Devido a essa manifestação, propôs-se nos encontros subseqüentes,a técnica de sorteio para formar os pequenos grupos. Desta forma, osalunos com deficiência, fizeram parte dos grupos de forma natural etambém desempenharam as atividades propostas.O esforço dos colegas da outra escola em tentar a integração docolega da escola especial na atividade era visível. Faltava o “como fazer”.As soluções não foram apresentadas pela professora. Entre eles mesmos foisurgindo alternativas de envolver os colegas com deficiência do modo comolhes era possível realizar.A aluna cadeirante, por não ter movimentos com os membrossuperiores e nenhuma comunicação oral, acabava ficando de lado emmuitas situações, como por exemplo, na confecção de máscara e dofantoche com papel maché. Algumas colegas da escola comum seprontificavam em ajudar esta aluna, mesmo que entre elas cobravam-se:“sempre eu que ajudo, hoje ajude você”. O importante era perceber quehavia a preocupação: “quem irá ajudar?” Da mesma forma, havia umaaluna com síndrome de Down que, com atitudes de teimosia, sempre17resistia às atividades. Então era abordada por uma colega da escola comumque calmamente insistia para que ela fizesse sua participação. Por exemplo,sentava-se ao seu lado e ficava repetindo inúmeras vezes uma frasesimples: “Oba! Que comida gostosa”, até que a aluna com síndrome deDown pronunciasse a frase e participasse da atividade em que lhe cabiadizer esta frase.O prazer de estar junto deve ser a marca registrada deste trabalho. Aalegria expressada na aluna cadeirante com paralisia cerebral, que nãopossui nenhuma forma de comunicação reconhecida, foi impressionante. Osoutros alunos com deficiência também demonstravam grande prazer porestar junto com os alunos da outra escola, todos adolescentes, etemporalmente na mesma faixa etária, partilhando dos mesmos elementosculturais. Esta alegria que podia ser interpretada como euforia, comoexcitação, chegava a impedir uma concentração maior por parte dosmesmos no desempenho de alguma atividade.Com o passar dos encontros, os alunos da escola especial foram

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sendo capazes de mostrarem-se mais envolvidos com o personagem ou aação assumida no jogo. Os alunos da escola comum deixavam de serem“visitas” para serem colegas. Esta atitude foi claramente percebida quando,depois da oficina, sentavam ao redor de uma mesa para compartilhar umlanche. Nestas horas, formavam-se grupos para conversas informais deadolescente e os alunos da escola especial estavam naturalmente incluídosnestes grupos, mesmo que só ouvindo as conversas, só olhando, ou estandojunto simplesmente num espaço em que “eles”, os com deficiência,sentiam-se “senhores do pedaço”, afinal estavam na sua escola, e não naescola dos “outros” colegas.É importante destacar um aluno (com síndrome de Pierre Roban, comdéficit na fala e motor, com deficiência mental moderada e transtornosespecíficos mistos do desenvolvimento, F 83), que foi manifestando,encontro após encontro, uma relação pessoal sempre mais intensa com osdemais, observada através da sua alegria, dos sons que pronunciava quepassaram a ter uma intensidade maior. Este aluno chegava a intervir nasatitudes dos colegas que se manifestavam em desacordo com o combinado18durante o jogo ou mesmo durante o momento do lanche. Vimos aqui, suasignificação social manifesta, a consciência de si e dos outros, no controleda vontade, sua atenção nas práticas e atitudes sociais.Ficou evidente a limitação dos alunos com deficiência, quando seobservava o desempenho em determinado jogo. Como no caso de um alunoque caracterizado com alguma fantasia deveria fazer uma cena muda(mímica) que representasse seu personagem vestido. Um aluno comdeficiência caracterizado de marinheiro andava em círculo sem significaçãoe lhe foi perguntado: “Quem você é?” E ele respondeu: “Um trem”. É óbvioque seu significado cultural a respeito de marinheiro é ausente, embora suafantasia de marinheiro fosse muito bem caracterizada. Neste caso, coubetodo um trabalho de informação a respeito do que é ser um marinheiro e

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um trem, através do diálogo, visualização de gravuras, conversação einterpretação do grupo.Outro exemplo, numa atividade de “jogo das profissões”, um alunocom deficiência mental não conseguiu fazer nenhum gesto que identificassea profissão que lhe havia cabido: a de mecânico, pela ausência designificado que esta atividade representava para ele. Incapacidade que nãose alude a limitações motoras, quadro que não lhe é conferido, mas sim, designificado cognitivo.Um aspecto importante a destacar é em relação à limitação e aodéficit do reconhecimento do esquema corporal que os alunos deficientesmentais possuem. Ficou manifesto a dificuldade de caracterizar as partesdo corpo humano quando foram feitos os bonecos de papel maché. Pararealizar esta atividade, a professora preparou um suporte para moldar acabeça e muitos foram auxiliados nesta tarefa. Porém, na hora de colorir,cada aluno fez o seu boneco, a sua cara. Os alunos com deficiência nãoforam capazes de destacar com tinta, usando uma cor diferente, ou comuma forma diferente, para definir os olhos, a boca, e outras partes do rostodo boneco.Os alunos da escola de educação especial nunca faltaram, comonunca faltaram os alunos do ensino comum, mesmo nos dias de muito frio echuva, já que a oficina aconteceu também durante o inverno. Os próprios19pais dos alunos com deficiência se manifestaram dizendo que sabiamperfeitamente o dia que acontecia a oficina na escola. Nesse dia, na hora doalmoço, já começava a excitação para regressarem no período da tarde àescola. Era visto o reflexo da oficina na rotina de vida desses alunos.3. CONCLUSÃOO trabalho realizado possibilitou que os alunos do ensino comumparticipassem da escola especial, ao contrário do que se praticanormalmente, ou seja, o aluno com necessidades educativas especiais saida escola especial para a inserção no ensino comum. Este exercício deinclusão foi oportunizado para que, em primeiro lugar, aqueles alunos com

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graves comprometimentos mentais que, atualmente, não estão no ensinocomum sejam envolvidos no processo; e em segundo lugar, para aquelesalunos do ensino comum que depois de terem conhecido a escola especialsentiram-se motivados em participar e integrar um ambiente que lhes foi,até então, desconhecido: a escola de educação especial. Foi permitido aesses alunos, interagir com colegas com comprometimentos intelectuaismais acentuados da sua comunidade.Propôs-se que o convívio, a troca de experiências, o acesso aosconhecimentos de artes cênicas e a aprendizagem pela imitação do outro,significassem em ganhos de desenvolvimento pessoal, cognitivo e,principalmente, de interação e cooperação. Almejou-se, sobretudo, umanova visão de uma parcela da sociedade, mesmo que seja com os poucosindivíduos envolvidos, pois o importante é que o processo se faça para umaprática social transformadora.Mudanças de atitudes, desenvolvimento pessoal e social foramclaramente percebidos nos alunos envolvidos nesta implementação, mesmosendo de curta duração, pois no total foram contados 14(catorze) encontrosrealizados, nos quais os alunos do ensino comum e da escola de educaçãoespecial, nunca faltaram. A presença persistente dos alunos foi sinal deavaliação positiva na realização e intenção da oficina.Socialização, cooperação, a preocupação e a responsabilidadeexpressa de auxiliar o colega com deficiência pelo colega do ensino comum20na realização das atividades propostas foi também um aspecto significativoobservado durante a realização da oficina, e destacamos especialmente, osesforços em que se imbuíam para encontrar soluções e efetivar, de algummodo, a participação de todos, indiferentemente das limitações pessoais.Vimos aqui, o potencial criador e de humanização entre os envolvidos.Pode-se ainda avaliar o resultado da proposta de implementaçãoatravés do desejo expresso pelos alunos do ensino comum em querercontinuar vindo na escola especial uma vez por semana,

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independentemente de a pesquisadora estar presente, para não perder ovínculo com os novos amigos e com o ambiente da escola especial.A possibilidade de inclusão através da disciplina de Arte pode sefortalecer nas escolas públicas do estado do Paraná, se for levado em contaque professores de Artes são mantidos/cedidos pela Secretaria do Estado deEducação para atuarem nas escolas de educação especial desde quemantenham convênio de amparo técnico e financeiro com o governo.O projeto foi importante para os alunos com deficiência e para os quenão são deficientes, pela possibilidade proposta do conviver consigo e como outro, de aceitar-se como, de ser considerado pelo outro, de alteridade.Ficou claro que a prática não discriminatória não se dá em função dosespaços que as pessoas ocupam em comum, mas sim, em função dacapacidade que possuem de conviver de forma respeitosa e fraterna. Aspessoas agrupam-se mais pelas diferenças afetivas do que intelectuais. Ossentimentos direcionam as ações sociais.Espera-se que esses alunos que aceitaram o convite de estar naescola especial, façam na escola comum, o diálogo, relatando a experiênciavivenciada dentro da escola especial.O assunto a respeito da inclusão de alunos com deficiência, ou dealunos com sérias necessidades educacionais especiais, nunca estaráfechado, pronto, definido. Pelo contrário, deve ser amplamente discutido,em todos os municípios, em todas as escolas. Muitos caminhos devem serpensados, sugeridos, experimentados. Este foi apenas um pequenotrespassar. O caminho é longo e fecundo. Muitas outras experiências devem21ser vivenciadas para fundamentar e efetivar a inclusão responsável dealunos com necessidades educacionais especiais.4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARBOSA, Ana Mae. Arte educação no Brasil. São Paulo: Perspectiva,2006.BELL, B.; GAVENTA, J.; PETERS, J.(org.). O Caminho se faz caminhando -Conversas sobre educação e mudança social. Paulo Freire e Myles Horton.Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2003.BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 2005.

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BRASIL, Ministério da Cultura. Caderno de Textos do Programa ArteSem Barreira/Funarte, Ano 2 nº 3. Rio de Janeiro: Funarte, 2003.FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1982.GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia histórico-Crítica.Campinas, SP: Autores Associados, 2002.JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do Ensino do Teatro. Campinas, SP:Papirus, 6ª Ed. 2006.MACHADO, Maria Clara. Como Fazer Teatrinhos de Bonecos. Rio deJaneiro: Agir, 1970.NOSELLA, Paolo. A Escola de Gramsci.São Paulo: Cortez, 2004.22PADILHA, Anna Maria Lunardi. Práticas Pedagógicas na EducaçãoEspecial: a capacidade de significar o mundo e a inserção culturaldo deficiente mental. Campinas, SP: Autores Associados, 2007.PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação, Superintendência da Educação.Diretrizes Curriculares de Artes e Artes para a Educação Básica.Curitiba: SEED, 2006.PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação.Departamento de Educação Especial. Diretrizes Curriculares daEducação Especial para a Construção de Currículos Inclusivos.Curitiba: SEED, 2006.READ, Herbert. A Educação pela Arte. São Paulo: Martins Fontes, 2001.REVERBEL, Olga. Jogos Teatrais na Escola – Atividades Globais deExpressão. São Paulo, Scipione, 1989.________. Um caminho do teatro na escola. São Paulo: Spicione, 1989.________. Oficina de Teatro. Ministério da Cultura, Secretaria do Livro eLeitura. Porto Alegre: Kuarup 2002.SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica. Campinas, SP: AutoresAssociados, 2005.SLADE, Peter. O jogo Dramático Infantil. São Paulo: Summus,1978.Site: http://www.sinpro-rs.org.br/extra/nov98/perfil.htm,SOUSA, Alberto B. Educação pela arte e arte na educação. Lisboa,Portugal: Instituto Piaget, 2003.23VAYER, Pierre e RONCIN, Charles. Integração da Criança Deficiente na

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Classe. São Paulo: Manole. Governo do Paraná, Biblioteca do Professor.VIGOTSKI, Lev Semenovitch. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes,2001.

24

A Bonequinha Preta

Era uma vez uma bonequinha preta , que morava

em uma linda com Mariazinha . As duas brincavam o tempo todo, e até dormiam juntas quando estavam cansadas.

Todos os outros brinquedos dormiam em outros

lugares, pois Mariazinha queria sempre a sua junto. Mas, o que ela não sabia, era que as bonequinhas não dormem como as meninas, aquele tempo todo, sem ver o mundo aqui fora. Eram diferentes das meninas e meninos de verdade em muitas coisas.

Mesmo assim, ensinava à sua bonequinha

preferida tudo o que aprendia com a mamãe: tomar banho, escovar os dentes, trocar roupas limpas, e tudo mais.

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Naquele dia, quando foi dormir um pouquinho depois

do almoço, explicou direitinho à bonequinha pretaque ela não deveria subir sozinha na janela:

- A janela é muito perigosa! A criança pode cair lá fora e nunca mais voltar para casa. Papai disse que precisa ter gente grande perto sempre que a gente quiser ir à janela.

Mariazinha viu que a entendeu tudo muito bem, como sempre. Então dormiu sossegada...

A bonequinha preta também começou a dormir mas, ... uma voz diferente, forte e interessante entrava pela janela trazendo uma novidade que ela não conhecia:

- Verdureiro, verdureiro!

O que será isso, pensou a . Mariazinha , que sempre sabia tudo, estava dormindo e não podia contar nada sobre verdureiros, que deviam ser seres novos e sensacionais! Ela precisava ver!

Talvez seja isto: um cara todo verde!

Ou quem sabe isto: alguém saindo assim do verde.

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Também podia ser um destes: nunca tinha visto um.

- Verdureiro, verdureiro!

Ir ou não ir só um pouquinho na janela? A dúvida passou rapidinho e logo ela já estava lá, tentando olhar tudo. Ela não queria cair, mas estava difícil ver. Subiu só mais um tantinho e tibum!caiu lá embaixo!

Por sorte, o verdureiro estava passando bem na hora,

e a caiu em cima das verduras fofinhas de seu grande cesto. Ela era tão levinha que ele nem percebeu e continuou andando pelas calçadas com seu canto:

- Verdureiro, verdureiro!

Passou por várias ruas onde a bonequinha preta nunca tinha ido, cada vez mais longe...

Então o verdureiro decidiu voltar para casa, pois já era

tarde. Entrou pela garagem escura, sem ver a assustada que estava ali. E subiu as escadas para chegar em casa, largando o cesto no chão.

A bonequinha preta começou a chorar, de tanto medo que estava daquele lugar estranho e escuro.

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Cair da janela assim tinha sido uma grande besteira, e

não ia gostar nada de ter sido desobedecida. Então chorou e chorou mais ainda, sem nenhum consolo...

Nenhum?

Um gatinho que ia passando por ali ouviu aquele

choro tão doído e ficou com muita pena da . Tentou fazer gracinhas para ela sorrir, mas não deu certo.

- Então, o que posso fazer por você?

- Não sei, eu fui olhar só um pouquinho na janela,

sem saber. Ela disse para eu não ir sozinha, e agora

perdi minha linda !

- Talvez eu possa ajudar. Os gatos passeiam pela noite, e se você me contar como é sua casa, talvez eu a encontre.

- É uma linda branca, com janelas azuis, e uma

dentro, que deve estar muito triste agora.

E assim, o saiu pelas ruas à noite, procurando a casa certa. Procurou, procurou e...

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Encontrou aquela linda branca, com janelas azuis,

e uma linda que chorava muito.

-Vamos lá buscar sua bonequinha preta que caiu no cesto do verdureiro!

E lá foram os dois.

Quando chegaram, foi aquele abraço! Toda a choradeira passou e as duas se prometeram nunca mais se separar. Voltaram juntas para casa mas, na

hora de se despedir do , ficaram com tanta pena,

que o convidaram a morar com elas na linda . Ele gostou muito da idéia.

Assim, a história acaba com todos felizes, merecendo

no fim um ponto de alegria bem grande

FIM

Muçá MuçáEra uma vez uma floresta, onde viviam muitos animais.

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Um dia apareceu uma frutinha nova, que ninguém conhecia, na árvore mais alta daquele lugar.

Todos queriam comer, mas não sabiam seu nome, e se ela era boa ou venenosa. Eles sabiam que naquela floresta havia frutas boas, que podiam comer, mas havia outras coisas venenosas, lindas para enganar os bobos:

Então, os animais se reuniram e decidiram escolher um deles para ir lá no céu e perguntar a Papai-do-Céu o nome da fruta: se fosse maçã, banana, abacate, laranja, ou outra frutinha boa, todos poderiam comer bastante, pois a árvore estava cheia! Todos ficaram muito animados...

Todos?

Menos a bruxa, que escutava com muita raiva aquela combinação toda. Aquela frutinha era só dela, e não ia dividir com ninguém! Já tinha até um plano...

Primeiro foi a vez do pássaro verde, que abriu rápido as asas, voou lá no alto, e logo chegou à casa de Papai-do-Céu. Perguntou o nome da frutinha que se chamava muçá, e voltou todo contente cantando a música da frutinha que era boa:

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- Muçá, muçá, muçá, muçá gambira, muçá uê.

Mas, a bruxa ciumenta da frutinha inventou uma música com o nome de uma fruta venenosa, para enganar o pássaro verde:

- Munga selenga engambela, munga selenga vininim!

E o pássaro verde voltou cantando atrapalhado:

- Mungá, mungá... ih! esqueci!

Aí foi a vez do , que disparou pelas montanhas e logo chegou lá no céu. Mas, este a bruxa também enganou.

Então foi o , que disparou pela cachoeira e logo chegou, mas a bruxa enganou até o jacaré.

Depois foi o , mas a bruxa esperta também atrapalhou sua cantoria com aquele:

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- Munga selenga engambela, munga selenga vininim!

O sapo também tentou, e com seu salto muito alto chegou rapidinho lá no céu. Voltou cantando a música da frutinha que era boa:

- Muçá, muçá, muçá, muçá gambira, muçá uê.

Mas a bruxa também atrapalhou as idéias do sapo, com sua música encantada de fruta venenosa. E o sapo cantou:

- Mungá, mungá... ih! esqueci!

Quase todos já tinham ido, quando olharam desanimados para o único animal que ainda não tinha tentado:

- Ah! A tartaruga é muito mole! Quando voltar, todas as frutinhas já terão apodrecido!

- Ando devagar, mas sou muito esperta. Onde todos vocês falharam, eu vou vencer, e vou trazer o nome verdadeiro da frutinha para sabermos se podemos comer.

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E lá se foi a tartaruga, bem devagarinho, bem devagarinho, até que um dia chegou ao céu, como todos os outros. Aprendeu a música da frutinha boa e voltou cantando a seu jeito, também muito devagarinho:

- Mu...çá..., mu...çá..., mu...çá..., mu...çá...

gam...bi...ra..., mu...çá... uê...

A bruxa cantava bem rapidinho:

- Munga selenga engambela, munga selenga vininim!

Mas a tartaruga continuava:

- Mu...çá..., mu...çá..., mu...çá..., mu...çá...

gam...bi...ra..., mu...çá... uê...

A bruxa foi ficando com tanto sono... e pensou: vou dormir só um pouquinho aqui na minha vassoura, e logo vou atrapalhar essa tartaruga molenga. E começou a roncar.

Enquanto isso, os outros animais esperavam muito desanimados lá embaixo.

A tartaruga continuou, bem devagarinho, bem devagarinho, e foi chegando... chegando... e chegou!

E contou prá toda a bicharada a música da frutinha boa, que todos aprenderam rapidinho!

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Combinaram comer todas as frutinhas e não deixar nenhuma prá bruxa malvada, que roncava alto.

Quando a bruxa acordou e viu a árvore toda peladinha, ficou uma fera! Olhou feio para a bicharada lá em baixo e...

Todo mundo apontava para ela e caía na gargalhada!

Quem já não estava mais comendo, cantava:

- A tartaruga enganou a bruxa!

- A tartaruga enganou a bruxa!

A bruxa ficou tão envergonhada, que voou na sua vassoura para longe daquela floresta, e nunca mais voltou!

... E todos ficaram felizes naquele lugar.

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Com eles aprendemos que somos todos diferentes uns dos outros e que, mesmo aquela diferença cretina que a gente detesta carregar pode ser a razão da vitória de todos nós, no momento certo. Beijos.

FIM

Pituchinha

Numa loja de brinquedos, moravam muitas bonecas e bonecos bem juntinhos nas prateleiras. Durante o dia, a loja ficava cheia de gente: mães, tias, avós e amigos procurando presentes para dar às crianças.

Quando a noite chegava, as luzes se apagavam, as portas se fechavam para só abrir novamente na manhã seguinte.

Todos os brinquedos deviam ficar bem quietinhos para não fazer bagunça na loja.

O problema é que nem todos conseguiam...

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- Olá! Eu sou a Pituchinha, uma boneca muito levadinha, que vive se metendo em confusão. Hoje queria ficar bem quietinha na noite, mas vi quando chegou aquele maravilhoso doce de leite, que foi guardado lá na cozinha... Mmmm, que fome! O que fazer?

Olhei para um lado e para outro da prateleira onde estava, e logo achei meus melhores amigos: Pompom e Polichinelo.

- Vamos dar um passeio na cozinha para comer só um pouquinho de doce de leite?

- Eu quero, disse Pompom.

- Eu também, disse Polichinelo. Mas como vamos enganar o guarda?

 É verdade: os brinquedos eram proibidos de sair da estante, e durante toda a noite o guarda tomava conta da loja. A tudo ele vigiava e, quando dormia, era com um olho aberto e o outro fechado. Depois trocava: um olho aberto e o outro fechado... Não parava nunca, nem deixava de ver nadinha!

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- Já sei! Vamos bem de mansinho, andando só quando ele fechar um dos olhos, depois paramos todos juntos.

E assim foram bem devagarinho: pé cá, pé lá... pé cá, pé lá ... pé cá, pé lá ...

E chegaram à cozinha escura. O guarda não viu nada.

Todos procuraram pelo pote de doce de leite, mas acabaram descobrindo que ele foi guardado lá no alto, dentro do armário.

Pompom esticou bem seus bracinhos, mas suas mãos não alcançavam a porta de cima do armário da cozinha.

Polichinelo também tentou, se esticando todo, mas não conseguiu chegar perto.

A Pituchinha então disse:

Cada um de nós sozinho nunca vai provar aquele delicioso doce de leite que está lá em cima. Meu plano é subirmos uns nos ombros dos outros para alcançá-lo, e então...

Todos gostaram da idéia, e foram logo fazendo. Primeiro foi Polichinelo, que era o mais forte. Depois Pompom subiu em seus ombros, e por último subiu a Pituchinha, que esticou bem os bracinhos e abriu a porta de cima do armário. O pote de doce de leite estava lá no fundo, e sua mãozinha estava quase conseguindo agarrá-lo. Deu mais uma esticadinha, tentou uma puxadinha e então...

O pote de doce de leite escorregou, voou na parede e ...

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Bum!

Espalhou doce para todo lado. E o pior, com o barulhão, na certa o guarda iria pegá-los...

E pegou. Ficou muito zangado com aquela bagunça toda, que ele não queria limpar.

Foi então que teve uma idéia: guardou cada bonequinho em sua caixinha, bem preso por uma fita, para só se soltar na casa da criança que ganhar aquele brinquedo.

Desse dia em diante, as lojas de brinquedo passaram a guardar seus bonecos bem fechadinhos em caixinhas - para que não façam bagunça na loja de noite. Já reparou como eles vêm bem embaladinhos?

FIM

MANIA DE EXPLICAÇÃO

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Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.

Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra.

As pessoas até se irritavam, irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio

de seu peito, com aquela menina explicando o tempo todo o que a população inteira já

sabia. Quando ela se dava conta, todo mundo tinha ido embora. Então ela ficava lá,

explicando, sozinha.

Solidão é uma ilha com saudade de barco.

Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não

consegue.

Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um

capítulo.

Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco.

Pouco é menos da metade.

Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.

Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.

Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.

Agonia é quando o maestro de você se perde completamente. Preocupação é uma

cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.

Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra

coisa.

Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.

Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.

Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem

exista.

Renúncia é um não que não queria ser ele.

Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.

Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano

preto que você quer pra se cobrir naquela hora.

Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.

Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.

Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.

Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.

Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.

Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.

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Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.

Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.

Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.

Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.

Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.

Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.

Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.

Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo.

Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.

Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.

Desatino é um desataque de prudência.

Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.

Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.

Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.

Emoção é um tango que ainda não foi feito.

Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.

Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.

Desejo é uma boca com sede.

Paixão é quando apesar da placa "perigo" o desejo vai e entra.

Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não. Amor é um exagero...

Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu,

uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um

desapego? Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação,

esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.

INTERCOM

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009

Entre o Palco e a Plateia: Visões Sobre o Processo de Comunicação Entre osGrupos de Teatro de Manaus e Seus Espectadores1

Clayton NOBRE2

Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AMResumoO artigo apresenta o resultado da pesquisa Entre o Palco e a Plateia: Visões Sobre o

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Processo de Comunicação Entre os Grupos de Teatro e seus Espectadores discute arelação entre grupos de teatro da cidade de Manaus e seus públicos sob a luz doprocesso de comunicação. Homens e mulheres vêm criando diferentes formas paraestabelecer comunicação por meio da expressão cênica teatral. As Ciências daComunicação surgem para introduzir novos elementos fora do escopo do fazer teatraldos grupos artísticos, discorrendo sobre esse espaço numa perspectiva de fenômenocomunicacional. Visões de diretores de grupos com experiência teatral na cidade deManaus são acrescentadas a esse estudo, possibilitando a reflexão sobre suas relaçõescom seus públicos e sobre problemáticas relacionadas à formação de plateia na cidade.Palavras-chave: teatro; processo de comunicação; plateia.Processo de comunicação teatral em ManausPensando no espetáculo teatral como um processo de comunicação, far-se-á umbreve estudo sobre como se dá esse processo no teatro, estimulando diálogos entreautores de ambas as áreas, entre eles Berlo, Bordenave, Magaldi e Stanislávski,acrescentando visões feitas a partir das experiências de grupos teatrais de Manaus,Amazonas.Por solicitar desses encenadores uma análise abrangente das questões expostas,optou-se por selecionar diretores de grupos de teatro que já têm vasta experiência nessaatividade dentro da cidade de Manaus. Assim, todos os grupos, objeto dessa pesquisa,acarretam experiência no exercício de atividades teatrais na cidade, e acumulamprogramações de apresentações teatrais nos últimos dez anos, ininterruptamente. Osgrupos entrevistados são: Grupo Baião de Dois (de Selma Bustamante), Grupo de1 Trabalho apresentado na Divisão Temática Interfaces Comunicacionais, da Intercom Júnior – Jornada deIniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Ciências daComunicação2 Estudante de Graduação 9º. período do Curso de Comunicação Social - Jornalismo da UFAM, email:[email protected] – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009Repertório Arte & Fato (de Douglas Rodrigues), Grupo TESC (de Márcio Souza), CiaA Rã Qi Ri (de Nereide Santiago) e Cia Apareceu a Margarida (de Michel Guerrero).A tentativa de buscar um modelo ideal para que se estude o processo decomunicação entre palco e plateia corre o risco de ignorar algumas complexidadespeculiares da atividade artística teatral. Então, o diálogo entre ambos os campos seráfeito a partir da compreensão dos artistas de teatro de que o modelo fundamental paracomunicação teatral, conforme apontou Magaldi (2000), é a tríplice básica: o ator, otexto e o público.Objetivos de comunicaçãoO primeiro ponto que será analisado é o objetivo que encenadores, e tambématores e técnicos, podem ter em relação ao ato comunicativo do teatro. Para Berlo(2003, p. 12), o objetivo básico da comunicação é influenciar os outros, ou persuadir.Portanto não há como estabelecer uma meta sem pensar no alvo que se quer atingir, ouseja, o público. “Objetivo e audiência são inseparáveis. Todo comportamento de

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comunicação tem como objetivo a obtenção de uma reação específica de uma pessoaespecífica (ou grupo de pessoas)” (BERLO, 2003, p. 15).Entre diversas enumerações de objetivos de comunicação, destaca-se as categoriascriadas por Berlo: objetivo consumatório e objetivo instrumental. Em relação a objetivoconsumatório, Berlo (2003, p. 18) exemplifica: “o artista pode compor uma peçamusical e satisfazer-se no processo de composição, como pode apresentar a composiçãoao público, pretendendo que os ouvintes participem de sua satisfação”. O objetivoconsumatório requer do receptor, então, uma recompensa imediata. As comédias degrupos teatrais podem ter o desejo simples de fazer o público rir, e nada mais. A plateiapode apenas se satisfazer, correspondendo, assim, ao objetivo da encenação.Se o grupo de teatro pretende do público uma recompensa mais retardada, que opúblico pratique ações que vão além do momento da expressão cênica, então o grupotem em mente um objetivo instrumental. Aquele mesmo artista citado no exemploanterior, o compositor, “pode compor e apresentar sua música não pretendendo produzirprimariamente essa reação, mas esperando ter composto algo que as pessoas apreciem obastante para que o comprem” (BERLO, 2003, p. 18-19). No caso do teatro, é2Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009necessário que a encenação e os artistas instiguem outras motivações na plateia, taiscomo comprar livros ou não consumir drogas.Dos grupos teatrais entrevistados, as diretoras e professoras Selma Bustamante, doGrupo Baião de Dois, Nereide Santiago, da Cia A Rã Qi Ri e o diretor Márcio Souza,do TESC, deram respostas já relacionadas à reação que os grupos esperam do público.Nereide afirmou que não gosta de elaborar um espetáculo que seja de “fácildigestão” para o público. “Queremos que ele (o espectador) tenha um pouco detrabalho. Queremos sempre saber o que ele traz pra gente, como ele vê aqueleespetáculo, como ele está recebendo, como estamos produzindo”.Selma Bustamante, do Grupo Baião de Dois, ainda aborda uma questãoimportante para grupos que almejam o objetivo de “transformar” o espectador comofaziam as peças clássicas da antiguidade como as tragédias gregas. As peças políticasque tentavam transformar as massas não podem ser compreendidas, conforme adiretora, com o mesmo olhar do encenador do século XXI. Ela acredita na seguinteperspectiva: “Acho que houve uma época em que o teatro era uma possibilidade detransformação social. Hoje acho que já se começou a ver que não é por aí, pois eleatinge a menos gente, não atinge milhões de cada vez”.Douglas e Márcio concordam com Selma. Márcio justifica suas ideias afirmandoque o teatro não pode ser mais visto como um instrumento de massas. Ele disse que oteatro deve ser visto hoje como um instrumento de reflexão. Para Márcio, o teatro énecessariamente uma forma de expressão que exige uma perspectiva crítica. “É claroque nós queremos que essa perspectiva crítica seja passada de uma forma que o públicoparticipe, reconheça essa perspectiva crítica, compreenda a linguagem, e se entregue”.Douglas Rodrigues, no entanto, quando questionado sobre o foco dos objetivos do

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grupo na reação do público, criticou alguns artistas locais por entenderem o teatro comoveículo de diversão. Para Douglas, o teatro que apenas diverte quer criar umaconcorrência com a televisão, sobretudo a telenovela.A mesma crítica fazem a diretora Selma Bustamante e o diretor Márcio Souza.Selma afirmou que é preciso ter cuidado quando se monta peças de teatro “televisivas”,referindo-se aos espetáculos que são apresentados em Manaus por companhias de outraslocalidades. Na visão de Márcio Souza, esses espetáculos seriam “digestivos”. Eletambém alertou para esses tipos de produções teatrais hoje em dia.3Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009Não tem mais sentido, no século XXI, fazermos um espetáculo digestivo,porque isso acontecia quando o teatro, no período da ascensão da burguesiano século XIX, preenchia uma necessidade de evasão por parte das classesconservadoras da sociedade. Hoje não. Isso já é feito muito bem pelatelevisão.As enunciações de Berlo sobre o objetivo da comunicação (consumatório/instrumental) foram necessárias para que se compreendesse o teatro em duascaracterísticas distintas apontadas pelos encenadores amazonenses. Há o teatro queexige uma recompensa imediata do espectador, de fácil absorção, a que Márcio Souzachama de teatro “digestivo”, correspondendo às expectativas da plateia. A tendênciapela difusão desse tipo de teatro, que possui referências da dramaturgia e comédiatelevisivas, vão de encontro às possibilidades que o teatro oferece de expressar-se porleis que não fazem parte da vida cotidiana. A prática rompe com o uso de um sistemaconotativo que instiga a criatividade no palco e a imaginação na platéia e que podesinalizar uma problemática do fazer teatral local, cujo principal reflexo é o impedimentoda formação de uma plateia crítica e disposta a participar da comunicação de códigos esignos típicos do teatro.A mensagem no palco: um mundo de signos e códigosTodos os elementos presentes em cena durante um espetáculo têm determinadadimensão na visão do espectador. Para usar um exemplo, a sombrinha ou guarda-chuvaque aparece no palco durante uma encenação é um dos elementos de comunicação que oespetáculo lança ao público. Nas palavras de teóricos da comunicação, a sombrinha nopalco seria um signo. Conforme Bordenave (2002, p. 40), signos seriam “qualquercoisa, ou estímulo físico, utilizados para representar objetos, qualidades, ideias oueventos”. Assim, tudo o que for mostrado no palco é um signo para o espectador, tantoobjetos como desenhos, gestos, músicas. As roupas que, momentos antes, foi dito quepodem ter a função de situar o espectador em alguma época, localidade oucircunstância, também são signos usados em cena pelo artista.O público, portanto, utilizando seus repertórios de experiências, conferem umsignificado aos signos que são transmitidos no palco. Um rapaz que entra de pijamassignifica que ele vai dormir, ou acordou há pouco. A referência que todos temos de uma

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sombrinha ou guarda-chuva, por exemplo, é de um objeto útil para nos proteger do sol4Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009ou da chuva. É esse, portanto, o significado que se atribuirá a uma sombrinha queaparece no centro do palco no início de um espetáculo.A magia da comunicação no teatro, entretanto, está na formulação de códigos queestabeleçam uma fiel comunicação dos atores com o público, fazendo com queespectadores criem novos significados aos signos que lhe são apresentados em cena.Um ator vestido de mosquito que entra no palco e grita, chamando a sombrinha ouguarda-chuva de “comida”, e começa, então, a fingir que come o objeto como se fosseum enorme bolo de chocolate, provoca no público uma nova interpretação. Dessaforma, o ator instigará a plateia a aderir um significado diferente ao signo sombrinha.Assim, a partir das explicações de Bordenave sobre processo de comunicação ficafácil entender Berthold, conforme citado no capítulo anterior, quando afirma que oteatro possibilita a conjuração de pessoas e objetos em outra realidade, provocando “aelevação do artista acima das leis cotidianas” (BERTHOLD, 2001, p. 1). ConformeBordenave (2002, p. 52), “a capacidade de extrapolar o significado dos signos por elecriados, apesar de seus exageros e desvios, é uma bela qualidade humana, parte damesma liberdade espiritual da qual nasce a poesia, a música e as utopias sociais emgeral”.Berlo afirma que mais dois fatores presentes na mensagem podem ser analisadosalém do código: o conteúdo e o tratamento. Berlo define o conteúdo como “o materialda mensagem, escolhido pela fonte para exprimir seu objetivo” (BERLO, 2003, p. 60).O conteúdo da mensagem de um espetáculo, o material a que Berlo se refere, é oroteiro, a peça teatral, que todos os artistas de um espetáculo devem ter em mãos.A direção do encenador baseado na peça é quem vai determinar o tratamento damensagem. Berlo define o tratamento como “as decisões que a fonte de comunicaçãotoma para selecionar e dispor tanto o código como o conteúdo”. Diretores são livrespara mudar a ordem do roteiro, ou dispor a mensagem em cena da forma como lhe acharnecessário.Por este motivo, é possível perceber uma diversidade de montagens teatrais quepodem ter uma única peça. Também é comum observar que em montagens de peçasclássicas, o encenador opta por códigos diferenciados, uma vez que se divergemdaquelas usadas por outras encenações ou desobedecem à rubrica do autor. Com oobjetivo criar um elo de aproximação com o público, encenadores arriscam a inovação.5Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009Um exemplo a ser citado é o espetáculo Romeu e Julieta, de Shakespeare, montado peloGrupo Galpão, de Minas Gerais, na direção de Gabriel Vilela. A peça é universal, mas,

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na visão de Narciso Telles (2005, p. 158), a montagem do Grupo Galpão é “goiabadacom queijo”, uma vez que “integra elementos da cultura popular brasileira com aespacialidade da rua, temperando a dramaturgia shakespeariana ao sabor do barrocomineiro”. Por isso, o espetáculo é considerado referência, no Brasil, de adaptação depeças clássicas em palcos brasileiros.Durante a entrevista aos grupos de Manaus, perguntas foram feitas para verificarqual a influência da comunicação com o público para que fossem feitas essas releiturasde peças clássicas de teatro. Todos afirmaram que nunca houve a necessidade deregionalizar os espetáculos, e alguns ainda repudiaram os grupos que fazem taltratamento em suas montagens.Douglas citou o espetáculo Romeu e Julieta, do Grupo Galpão, e afirmou quetrabalhos como o de Gabriel Vilela são muito difíceis de fazer. Ele disse que “osencenadores que conseguem fazer isso, são magos do teatro. Nem todos têm essacapacidade, infelizmente”.Para Selma Bustamante, “o universal é regional e o regional é universal”. Aassertiva pode ser compreendida na fala de Douglas Rodrigues, para quem o autor,quando universal, provoca reflexões sobre temas e sentimentos cotidianos como amor,ódio, amizade, raiva. Assim, seria desnecessária qualquer atitude do encenador emtrabalhar um tratamento do espetáculo para o público amazonense. Douglas exemplificacom o texto O Pequeno Príncipe, que trata de temas como o valor da amizade. “Nãoprecisa eu substituir a raposa pela sucuri da Amazônia para apresentar em Manaus, oufazer dos planetas os municípios do Amazonas para as pessoas entenderem”.Márcio Souza concorda. Ele disse que a tentativa do encenador de regionalizaçãoé um ato de subestimação da plateia. Ele fez referência à produção de Hamlet,espetáculo que tem três horas de duração e obedeceu à concepção artística de WilliamShakespeare. Márcio afirmou: “Nós não subestimamos o público. Sabíamos que sefizéssemos Hamlet corretamente, o público iria acompanhar perfeitamente”.Avalia-se que peças de teatro tratam, geralmente, de temas universais. Por estemotivo, também vale ressaltar que os textos dramáticos não trabalham para tiposespecíficos de público. Mesmo os espetáculos infantis também criam elos de6Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009comunicação com os pais das crianças, uma vez que a mensagem pode envolver temasuniversais como amizade, drogas, educação. Determinados temas podem estar distantesda realidade de uma pessoa na plateia, mas ainda assim o espetáculo pode levar oespectador à reflexão. Márcio Souza afirma que está fora do seu foco de interesse opúblico que não consiga entender peças como Hamlet.Ator e espectador: interação e realimentaçãoPara Berlo, para que haja fidelidade no exercício da comunicação, é necessárioaveriguar quatro fatores dentro da fonte e do receptor: suas atitudes, seu nível deconhecimento, seu posicionamento sociocultural e sua habilidade comunicativa. Assim,as atitudes do ator perante a mensagem que será transmitida, a peça teatral, assim comosuas habilidades nas artes cênicas adquiridas por meios de atividades de laboratório, seuconhecimento acerca do contexto em que se passa a peça, todos são pontos queinfluenciam a fidelidade da comunicação ao receptor.

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Entretanto, para este trabalho, será dada ênfase a influências analisadas a partir doespectador. Segundo Magaldi (2000, p. 9), “conceber um quadro abstrato em que o atorrepresente para a sala vazia, realizando-se no prazer solitário, talvez seja a maiorcontrafação da ideia de teatro.” Mais importante ingrediente do processo dacomunicação, sobretudo no teatro, é o receptor. O receptor-decodificador é quemdecodifica, traduz, decifra a mensagem da fonte, influenciando-se ou não por ela.Conforme Magaldi (2000), mesmo o dramaturgo, no ato da escrita, deve pensar que oseu trabalho um dia será visto. “Ao escrever a peça, o dramaturgo autêntico já supõe aencenação, da qual participa obrigatoriamente o público. Se ele quisesse prescindir darepresentação, preferiria outro gênero literário” (MAGALDI, 2000, p. 16).Aqueles fatores atribuídos ao codificador-fonte para que haja fidelidade nacomunicação – habilidades comunicadoras, atitudes, nível de conhecimento e sistemasociocultural – também devem ser analisados nos receptores-decodificadores. Oespectador, para entender a mensagem com as intenções pretendidas pelo artista, precisater a habilidade para decodificar os códigos emitidos.Essa habilidade começa com a necessidade de saber ver e ouvir. Por isso, noteatro, como em qualquer forma de comunicação, o espectador ou receptor que nãodispõe de técnica auditiva e visual para enxergar e escutar o que está sendo comunicado7Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009pode tender a receber o espetáculo de maneira distinta da pretendida pela fonte,conforme Berlo (2003).O segundo fator da análise proposta por Berlo é o conhecimento do espectadoracerca da mensagem que lhe é transmitida. Nesse sentido, muitos espetáculos teatraisnão poderiam ser comunicados a um público muito distinto. O espectador infantildesconhecerá temas como sexo, traição conjugal e incesto, por exemplo.Assim como a atitude do artista influencia o modo como transmite a mensagem, aatitude da plateia em relação ao espetáculo também poderá influenciar o recebimento damesma. As atitudes do público podem ser favoráveis à boa comunicação, justificando-seno fato de que o espectador, quando sai de casa para ir ao teatro assistir a umespetáculo, já demonstra uma atitude positiva em relação ao processo do qual estáprestes a participar.Berlo (2003) lembra que em toda situação de comunicação, fonte e receptor sãointerdependentes. O conceito de teatro já prevê a necessidade do público, sem o qual oteatro não existiria. Mas o conceito de interdependência a qual se refere Berlo pressupõeque emissor deve influenciar o receptor, assim como receptor também deve exercerinfluência no emissor. No teatro não é diferente. Já lembra Malgadi quecada espetáculo teatral é único, não se repetindo nunca o desempenho dosintérpretes e a emoção do público. Um simples espectador inquieto altera oclima da sala, e a atuação naquela noite se ressente com a presença estranha.(MAGALDI, 2000, p. 116)Assim, as falas de Magaldi e Berlo são concordantes no fato de que é inadequadopensar no espectador como mera recepção de comunicação, como se a plateia nãopudesse transmitir nenhuma mensagem ao artista.

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Por conta dessas declarações de Berlo e Magaldi, pode-se justificar o fato de queos intérpretes motivam-se mais em cena quando recebem o feedback espontâneo dopúblico. “O feedback proporciona à fonte informação referente ao seu sucesso narealização de um objetivo e, ao fazer isso, exerce controle sobre futuras mensagens quea fonte venha a codificar” (BERLO p. 115).Quando o ator, ou seu diretor, percebe um feedback não-compensador, ausênciade gargalhadas, por exemplo, a tendência é que ele recrie, crie outra estratégia diferenteda anterior, uma ação que Bordenave (2002), pensando em processo de comunicação,chama de realimentação.8Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009Elemento importante no processo da comunicação é o fato de que ao mesmotempo em que uma pessoa está emitindo mensagens, ela se mantém emcontínuo contato perceptivo com o meio ambiente global que a envolve e,por conseguinte, a elaboração da mensagem recebe uma realimentação quepode influenciar o processo decisivamente (BORDENAVE, 2002, p. 26).Diretores destacam a seus artistas a importância do jogo cênico. Atores que searriscam a trabalhar no palco sem a quarta parede3 são constantemente cobrados aexercitar o jogo cênico. Machado (2005) explica o termo em tese sobre o corpo doclown4 como meio de comunicação.Uma das possibilidades de jogo do clown encontra-se justamente noaproveitamento das situações e reações do público ao estabelecer umarelação de cumplicidade com a plateia. Daí a ênfase dada ao treinamento doator para a questão da presença cênica, uma vez que ela instrumentaliza apercepção dos acontecimentos imprevistos (entre ele e a plateia) e suaincorporação à cena. (MACHADO, 2005, p. 10-11).Pode-se perceber no ator que improvisa, ou a cena que é feita na rua, umespetáculo ou performance com constante realimentação, uma vez que sempre serãodadas respostas diversas a públicos diversos em cenas que, por esse motivo, não serepetem nunca. A conclusão é de que o corpo humano está em constante comunicaçãodurante o exercício da atuação e sua produção será tão fiel aos seus objetivos quanto fora receptividade do público.Experiências de feedback na AmazôniaOs encenadores, quando questionados sobre a apresentação de estreia ou sobresuas opiniões sobre o espectador, deram respostas relacionadas a esse feedbackespontâneo que os artistas recebem do público. Eles também compartilharamexperiências que tiveram em apresentações com públicos diversos. Nereide Santiagoconfirma que, em cena, a resposta do público é perceptível, uma vez que ele não está láem transe. “As pessoas que estão no palco estão atenadíssimas, muito sensíveis ao queacontece. Quando falta uma luz, ou quando a música falha, um riso do espectador, tudoisso é perceptível”.3 Conforme já se explicou, a quarta parede é o espaço imaginário entre palco e plateia o qual o artista optapor quebrar ou não.

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4 Conforme Machado (2005), clown é sinônimo de palhaço, mas os artistas de teatro dão preferência àterminologia inglesa para diferenciar o palhaço inserido na linguagem teatral da linguagem circense.9Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009Também foram estudados e destacados no capítulo anterior os fatores que devemser analisados na participação dos receptores do processo de comunicação. De acordocom Berlo (2003), esses fatores envolvem a atitude do receptor, assim como suashabilidades comunicadoras, sistema sociocultural e nível de conhecimento. Conforme asdeclarações, o palco de teatro também é um fator que influencia a recepção teatral.As diferenças de recepção observadas em teatro de rua e teatro em local fechadoforam corroboradas pela fala de Selma, quando questionada se há distinção nas formasde recepção do público em Manaus. Ela explica que “no teatro fechado, o público temoutra atitude, ele entra no teu espaço, ele vai lá pra te ver”, que não é a mesma atitudedo espectador na rua que se defronta com uma peça de teatro. “Na rua, você precisaconquistar o público. Se você está apresentando na rua e entra um mendigo ou umbêbado no meio do espetáculo, o artista deve compreender que ele tem tanto o direito deestar ali quanto você”.Há que se saber, também, além do espaço, de que espectador faz-se referência. Jáse discutiu que peças com temas universais não necessitam de uma preocupação maiorcom o tratamento da mensagem, uma vez que não tem público específico. Mas emcasos, por exemplo, de peças que tratam de questões amazônicas, espectadores deregiões distintas teriam dificuldade maior para codificar a mensagem. Essa distinção narecepção, ocasionada por um distinto nível de conhecimento, pôde ser verificada pelaCompanhia Apareceu a Margarida. O diretor Michel Guerrero disse, em relação arespostas de públicos fora da região amazônica: “geralmente nas peças que fazemos háreferências de Manaus, e as pessoas não têm conhecimento, a reação é outra”.As atitudes de um receptor infantil, conforme Selma Bustamante, são bastantedistintas das atitudes de espectadores adultos, que, ainda na fala de Selma, ao final doespetáculo, “sempre fazem aquela cara de tarja, batem palmas mas a gente não sabe seeles gostaram realmente”. O mesmo não acontece com o público infantil. “A criançatambém sempre tem uma reação mais espontânea. Se ela gosta ou se não gosta doespetáculo, ela mostra logo”. Selma diz:Se você vai apresentar para um monte de crianças e todas elas se conhecem,elas têm um tipo comportamento. Se vai apresentar para crianças com ospais, onde elas não têm um relacionamento entre elas, daí é outrocomportamento. Numa classe de escola elas têm mais liberdade entre elaspara reagir, um comportamento mais ativo. Já o fato do pai e mãe estarempresentes, a reação delas é mais repressiva.10Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009

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Selma disse que no Teatro Luiz Cabral, situado no Shopping Grande Circular,Zona Leste de Manaus, que é um dos teatros distantes da concentração existente noCentro da Cidade, havia um tempo em que as crianças iam sozinhas. Hoje, isso não épermitido pela Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas. Sem os pais, “quando oespetáculo era ruim, sem ritmo, elas reagiam, faziam a maior bagunça. Era uma medidaótima para o grupo sentir a qualidade do espetáculo”.As experiências dos grupos TESC, Baião de Dois, Arte & Fato e A Rã Qi Ri emmunicípios do interior da Amazônia foram determinantes para que eles concluíssem queas atitudes do público dos municípios do interior da Amazônia são bem peculiares.Agraciado com o Prêmio Caravana Funarte em 2004, o Grupo de Repertório Arte &Fato apresentou o espetáculo infantil Putz, A Menina Que Buscava o Sol em oitocidades no Amazonas e no Pará. Douglas disse:Um dos fatos que não vou esquecer foi em Santarém (PA). A comunidadeajudava a gente a carregar o material do grupo até o barco. A gente percebeuum enorme carinho pela companhia, por causa do contato que eles tiveramcom teatro. [...] Em Parintins, ministrei uma oficina de teatro para iniciantese a comunidade dos dois bois, Garantido e Caprichoso, queriam aprenderteatro para representar quadros cênicos dentro dos bumbás. Eu via pessoasque vinham de longe, de bicicleta, sujos de barro, para participar da oficina.Era cativante para eu fazer. Foi uma troca de energia muito boa.A mesma experiência tiveram os grupos Baião de Dois e A Rã Qi Ri, em diversasoportunidades. Nas periferias da cidade de Manaus, as atitudes dos espectadores sãobastante parecidas conforme as diretoras do grupo. Para Selma, o feedback do públicopopular, assim como do público infantil, é mais claro, perceptível. Nereide Santiagoaponta as dificuldades que os grupos têm em fazer essa circulação de seus espetáculos.Se você vai a Manacapuru, a Itacoatiara, Iranduba, você percebe que opúblico sempre está de prontidão para receber grupos de arte. Na periferiatambém, nos bairros de Manaus, há muita procura por isso. Se os grupos nãovão lá é porque as condições não favorecem muito. O poder público poderiapropiciar coisas mais diversas pra esse público.O diretor Márcio Souza concorda. Ele lamenta a pobreza de referências culturaisdas pessoas que moram em Manaus. Na visão do diretor, os manauaras são minorias nacidade de Manaus. “O resto são imigrantes que vieram das áreas mais miseráveis, sem11Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009referência cultural nenhuma. A gente tem que trazer esse público ou ir a esse público”, eaponta mais outra reclamação: “é necessário também romper com a oferta de mão únicaque essa população tem: ou é música de baixos instintos, ou músicas abdominais, ou atelevisão, ou o folclore pervertido”.Por isso, Márcio também confirma o fato de que o público nos bairros tematitudes mais receptivas ao teatro. “Eles não têm preconceito. Como eles não têm muitaoferta, a não ser essa massificação brutal, eles não têm preconceito nenhum. Eles nos

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recebem muito bem, percebem o que a gente quer dizer”. Por ser, como Márcio diz, umpúblico “culturalmente dilacerado”, o diretor afirma que há uma diferença desse públicopara o do interior, que faz o segundo ser ainda mais receptivo. “O público em Manaus,como eu falei, é culturalmente dilacerado. No interior não. Lá tem uma unidade cultural,e recebe com uma avidez ainda maior o espetáculo”.Em relação à comunicação teatral de grupos com sistemas socioculturais distintos,há que se fazer um destaque para apresentação da peça Flautista de Hamelin, do GrupoBaião de Dois, a etnias indígenas em duas oportunidades no município de São Gabrielda Cachoeira, no Amazonas. Em uma das apresentações, os indígenas retribuíram ogrupo teatral com uma dança. “O índio tem isso: ele quer trocar com você. Ele não querque você dê, ele quer trocar. A gente apresentou e depois eles fizeram uma dança pragente”.Na outra oportunidade, o grupo apresentou o mesmo espetáculo sem saber que opúblico, também de indígenas, não entendia o português. O espetáculo tenderia aofracasso pelos ruídos de comunicação, tendo em vista a necessidade que Berlo apontapara as habilidades comunicadoras e sistema sociocultural de emissores e receptores.Contudo, Selma, que também é atriz na peça, afirmou que, sem saber que os indígenasnão falavam o português, percebia um feedback.A gente apresentou e a reação era boa. Eles participavam, riam, mas a gentesentia que havia uma coisa estranha. É uma resposta que chega ao ator que édifícil explicar. Depois descobrimos que eles não entendiam a nossa língua.E foi até interessante a gente não saber que eles não sabiam, porque a gentenão tentou explicar nada, a gente fez nosso trabalho e eles entenderamporque a peça é bem expressiva visualmente.Os encenadores Douglas Rodrigues e Márcio Souza também comentaram, nodecorrer da entrevista, sobre as dificuldades que têm para comunicar com certos tipos de12Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009público. Neste ponto, ambos os encenadores revelaram opiniões contrastantes. Elesconcordam sobre as dificuldades na apresentação de espetáculos a um público de nívelcultural pobre. Mas eles divergem quando apontam as classes sociais deste tipo depúblico.Para Douglas, que receia ter uma opinião carregada de preconceitos. Eleresponsabiliza o sistema de educação pública e um mercado que estaria “utilizandoteatro como ferramenta de abarganhar dinheiro”, isto é, “o capitalismo que se apropriado papel artístico”, pelo fato de que muitas populações sofrem com a falta deentendimento de dramaturgias que exigem certo nível de conhecimento cultural.Douglas afirma que essas diferenças podem ser vistas quando a mesma peça éapresentada em dois locais de públicos distintos como o Teatro Amazonas, no Centro deManaus, e o Teatro Luiz Cabral, na Zona Leste. No primeiro local, o público teria maiorfacilidade de entendimento das peças de teatro. A opinião de Márcio Souza é distinta,

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para quem a classe média amazonense é “desmiolada” enquanto público de teatro. Asuspeita do diretor foi confirmada quando ele montou Hamlet, que, para ele, teve boaaceitação das plateias mais populares. O mesmo não teria ocorrido em oportunidadesque fez para um público classe média, uma vez que esse nicho, na visão de Márcio, é“dominado pela ideologia do consumo, entende a linguagem do Shopping Center, e suaatenção está calibrada pelo tempo de informação que a televisão bombardeia. Hamlettinha quase três horas de duração, e o público de classe média não voltava no intervalo.”Ao contrário desse público, as plateias mais populares, que vinham dos bairros, dosclubes, movimentos sociais, na visão de Márcio, entendiam e participavam doespetáculo, compensando muito os artistas no palco.Ensaios abertos e realimentaçãoDos cinco grupos procurados, três (Baião de Dois, TESC e Arte & Fato) têm apraxe de realizar ensaios abertos ao público como forma de avaliar os caminhosadotados pelo espetáculo. E dois destes, TESC e Arte & Fato, permitem a participaçãode espectadores durante todo o processo de montagem. Este dado assevera apreocupação que estes grupos têm em reciclar, realimentar, suas atividades, ensaios eideias de montagem a partir da visão do espectador. O grupo Apareceu a Margarida13Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009apenas acenou pela vontade de realizar ensaios abertos, e têm a prática, assim como ogrupo TESC, de fazer temporadas periódicas de espetáculos.O grupo A Rã Qi Ri não realiza ensaios abertos e também foi o único grupo quedemonstrou resistência pela mudança. Nereide Santiago citou a peça Nós Atados, de suaautoria, que, na opinião da encenadora, “foi o mais malhado” do repertório da Cia A RãQi Ri.Algumas pessoas aceitaram, outras odiaram, mas isso não é o caso de mudaro espetáculo. A concepção do espetáculo, minha, do grupo, era daquelaforma. Eu poderia variar aqui ou ali, mas não adotar outro espetáculo. Éimpossível. Cada grupo, cada encenador, sabe como está organizando oespetáculo. Não é algo produzido aleatoriamente. Vem de um trabalho, deuma produção, então necessita ser de tal forma.Selma Bustamante disse que o contato com o público transforma o artista, e,assim, confirma o fato de que recebe o apoio do público para repensar o espetáculo.Contudo, ela faz uma crítica aos atores de Manaus, pela resistência que eles têm paramudar o que construíram durante o processo pré-estreia. Ela tem a impressão de que “oator amazonense se fixa muito, não trabalha o improviso e a mudança. Ele gosta de sefixar, de ter essa segurança. Engraçado porque quem tem essa tendência é o europeu,que reluta em modificar”.Outro tipo de realimentação a que se pode fazer referência tem relação aosprojetos dos grupos na montagem de novos espetáculos. À exceção da Cia A Rã Qi Ri,

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todos os grupos projetam uma produção de espetáculo por ano. Pensando no conceito derealimentação de Bordenave, deve-se refletir se esses projetos dos novos grupos sãorealizados a partir dos feedbacks já obtidos de outras montagens.Neste ponto, deve ser feita uma breve análise sobre a realidade do teatro emManaus. Na visão dos encenadores, a arte teatral não sobrevive sem o subsídio dosórgãos públicos. Mesmo o grupo TESC, que realiza temporadas periodicamente todosos anos, não subsiste financeiramente do repasse arrecadado por seus públicos por meiode venda de ingressos. Assim, como todos os anos os grupos têm a mesma oportunidadede inscrever-se em concursos e serem analisados por uma comissão técnica, surge umadificuldade na avaliação da eficiência de realimentação dos grupos, uma vez que não é opúblico de Manaus quem determina a sobrevivência dos grupos e as oportunidades paramontagens de novos espetáculos. Isto é, a eficiência desse processo de comunicação14Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares daComunicaçãoXXXII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Curitiba, PR – 4 a 7 desetembro de 2009entre palco e plateia não é determinante para que grupos inscrevam seus novos projetosna programação cultural da cidade.Tendo em vista que se abre agora uma discussão sobre formação de plateia parateatro, a apropriação do estudo de realimentação feito por Bordenave faz com que apesquisa adquira uma amplitude que pense o teatro não mais de modo empírico, mas emuma perspectiva social e política. Nesse sentido, todos os grupos consideraramdeficiente a política cultural imposta pelos órgãos públicos. A exceção é feita à opiniãode Michel Guerrero, funcionário da Fundação Municipal de Cultura e Turismo, paraquem os órgãos fazem o que estão dentro de suas possibilidades.Quando se analisa a necessidade dos grupos na realimentação de seus espetáculose se propõe esse fenômeno como alternativa para formação de público em Manaus, otrabalho aparta-se a discussão do fazer teatral. A reflexão final adquire uma amplitudede forma que o teatro é visto na perspectiva social de formação de plateia. Os gruposrealizam suas atividades e fazem tentativas de aproximação com seus públicos, pormeio de ensaios abertos mas o poder público, na contramão dessas tentativas, impõeuma política cultural que valoriza o bom e o mal teatro.REFERÊNCIASBERLO, David K. O Processo da Comunicação. São Paulo: Martins Fontes, 2003.BERTHOLD, Margot. História Mundial do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2001.MACHADO, Maria Ângela de Ambrosis Pinheiro. Uma nova mídia em cena: corpo,comunicação e clown. 2005. 124f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) –Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2005.MAGALDI, Sábato. Iniciação ao teatro. São Paulo: Ática, 2000.PAVIS, Patrice. Dicionário de teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.TELLES, Narciso. Shakespeare saltimbanco: teatro e cultura popular na cena teatral da

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rua brasileira. In: Arantes, Luiz Humberto Martins & Machado, Irley. (orgs.).Perspectivas teatrais: o texto, a cena, a pesquisa e o ensino. Uberlândia:Universidade Federal de Uberlândia, 2005.

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Teatro

Gênero teatral que aborda questões importantes quanto ao significado da existência humana, a natureza moral e as relações sociais ou psicológicas do homem.

ComédiaBaseia-se em algum episódio ou comportamento exagerado, deve ser ao mesmo tempo engraçada e crítica, raramente enfoca as questões morais ou filosóficas, mas mostra o homem dentro de suas relações sociais. A farsa é um tipo de comédia que explora situações ridículas e cômicas.

DramaRetrata as angústias e as esperanças humanas de maneira mais realista e verdadeira, gira em torno de um conflito moral.

Vaudeville

É uma comédia teatral, com origem no século XVIII, com temas diversificados, canto e dança com o objetivo principal de divertir a platéia.

PantomimaPeça de teatro em que os atores representam apenas por gestos.

Zarzuela Zarzuela é um gênero teatral lírico dramático que surgiu no século XVII na Espanha e alterna vários estilos: canto, diálogos, declamação, música e dança. O nome deriva do Palácio de Zarzuela, perto de Madri, onde este tipo de entretenimento foi apresentado pela primeira vez. Existem dois tipos se zarzuela: a zarzuela grande ou barroca, que possui um perfil mais dramático e se assemelha às óperas, e a zarzuelita, com um lado mais cômico. Ela se espalhou pelas colônias espanholas e por países de língua espanhola, principalmente Cuba

Poesia

Este projeto tem como objetivo conhecer poesias de diversos autores e experimentar a produção deste tipo de literatura. A intenção é finalizar o projeto com a publicação de um livro virtual de poesias e uma publicação impressa, com dia de autógrafo. A produção online deverá possibilitar o intercâmbio entre crianças de diversos estados, partilhando a aventura e o encanto da linguagem poética.

1. Conhecer a estrutura literária de uma poesia. 2. Utilizar a escrita como forma de expressão, respeitando as regras

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ortográficas. 3. Desenvolver a sensibilidade para a arte de escrever. 4. Utilizar o espaço da Internet para compartilhar idéias e produções. 5. Criar textos poéticos a partir de um contexto. 6. Criar um Livro Virtual de Poesias com alunos de outros estados.

Leia, não para contradizer ou refletir, nem para crer ou tomar como certo, nem pelo discurso ou pelo enredo, mas para pensar e considerar. Alguns livros são só para serem provados, outros para serem engolidos, outros para serem mastigados e digeridos”. (FRANCIS BACON)

Leitura e escrita, memórias e significados. A escola tem como tarefa construir leitores e escritores competentes. Nesse sentido, o que de fato ressignifica o ato rotineiro de ler e escrever em nosso fazer pedagógico?

Indagações sobre o meu percurso de aluna:

*O que é que sempre me assustou? *Quais eram meus receios? *Como aprendi a ler e a escrever? *Quem me ensinou? *O que foi tolerado nesse processo?

Três imagens marcantes ligadas à escrita: *O armário branco de madeira do banheiro da casa de meus pais rabiscado, por mim, de caneta azul, para dizer que eu tinha uma escova de dente nova. * Uma parede da sala rabiscada com giz amarelo, para expressar que entendia o mundo letrado, no local em que meu pai lia diariamente o seu jornal. *O primeiro dia de aula: caderno com linhas, abelha carimbada pela professora e muitas vogais “a” para repetir ao longo daquela página infinita.

A escola foi criada para colocar o sujeito no mundo da civilização que é o mundo do dever, da falta (enquanto não saber), da ordem e das regras sociais. O convívio com o outro é que nos faz encarar o limite cotidiano, é com esses outros que vou aprendendo e ao mesmo tempo vou me mostrando e me constituindo.

A Leitura e a escrita na sala de aula:

* Refletir sobre a rotina de sala de aula -Ressignificando o Ritual-Madalena Freire * Pauta organizada pela professora e socializada com o grupo. * A chamada deixa de ser um ato mecânico e burocrático e passa a ser encarada como o primeiro vínculo do dia com cada criança.

Leitura e apresentação oral:

“O Pensamento Vivo do Menino Maluquinho”. Ziraldo, em pequenas frases, instiga tanto o pensamento reflexivo quanto o

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riso. “Dicionário do Castelo Rá-Tim-Bum”.

Projeto de Trabalho“A Poesia Entrou Em Nossas Vidas”

Movimento inicial: visitei as livrarias para conhecer os lançamentos e reconhecer outros livros de literatura. Através da leitura de cada obra selecionei aquelas que nos acompanhariam durante o ano letivo. Em sala de aula contagiei os alunos com minha propaganda e leitura oral. Solicitei que cada aluno adquirisse um exemplar para que fizéssemos um troca-troca semanal.

O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque é mortal. Vive em sociedade porque é gregário, mas lê porque se sente só. A leitura constitui para ele uma companhia que não ocupa lugar de nenhuma outra, mas que nenhuma outra poderia substituir. Não lhe oferece nenhuma explicação definitiva acerca de seu destino, mas tece uma apertada rede de conivências entre a vida e ele. Ínfimas e secretas conivências que falam da paradoxal alegria de viver, mesmo quando referem o trágico absurdo da vida. Por isso as razões que temos para ler são tão estranhas como as que temos para viver. E ninguém nos pede contas dessa intimidade. (PENNAC, 1997, p.166).

Nas visitas a biblioteca do colégio os alunos escolhiam aos livros e selecionavam uma poesia para memorizar e apresentar aos colegas em sala de aula.

O texto selecionado foi copiado, em uma folha de estêncil para que todos tivessem acesso ao texto do colega. Essa cópia é, para o aluno, carregada de sentido.

"Foi superlegal escrever no estêncil porque foi minha primeira vez. Foi difícil. Se errasse não podia apagar o erro". (Bruno André Blume, 8 anos).

"Achei legal usar estêncil porque a gente escreve de um lado e sai do outro". (Juliano Ramos Dias, 9 anos).

"Na hora que comecei a copiar a poesia de Cecília Meireles, no estêncil, eu senti um pouco de medo, pensei que ia errar alguma palavra da poesia". (Michelle Estevam Vilpert, 8 anos).

"Achei legal o estêncil porque a palavra entrava de um lado e saía do outro". (Francielle Pereira, 8 anos).

Critérios para a organização da coletânea de poesias em um livro: 1º Quais as partes de um livro? 2º Quais as informações de cada parte? 3º Que critérios vamos utilizar para organizar o miolo do livro? 4º A partir de que página iniciaremos a numeração? 5º Como faremos o sumário e a apresentação? 6º Que título terá o nosso livro?

Depois do livro montado passamos a conhecer a vida dos autores.

Os comentários a seguir mostram que as crianças têm prazer em conhecer esse outro que lhes fala, que é uma pessoa e que tem uma história, lidando deste modo, com o conhecimento de forma contextualizada. "Foi muito bom pesquisar sobre a vida do autor, porque eu nunca soube nada

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sobre a vida de um autor". (André Augusto Zanini Worm, 8 anos) . "Gosto de pesquisar e adorei saber sobre a vida do autor". (Bruno André Blume, 8 anos).

O aluno enquanto autor.

A autoria lhe confere autonomia. Apresentação oral individual, onde cada aluno apresenta o seu próprio texto aos colegas e passam a ver-se como autores.

Esse projeto lida intencionalmente com a apropriação de conhecimentos sobre poesia, entre esses, sua conceituação, composição, noção de autoria e de respeito à autoria do outro.

Com a sistematização intencional, há uma consciência do que ela significa, o que indica a real apropriação do próprio conceito de poesia.

As crianças reconhecem no texto poético, um estilo próprio do autor e os recursos utilizados por ele para envolver o leitor. Ou seja, as crianças, a partir das poesias selecionadas, vão ”internalizando os usos e funções da escrita e promovendo o desenvolvimento de funções psicológicas que permitirão o domínio da escrita. É nesse sentido que Vygotsky afirma que a imitação é uma das formas das crianças internalizarem o conhecimento externo”. (REGO, 1995, p.111).

"Estou começando a gostar de poesia porque estamos fazendo um projeto. Escolhi uma poesia bem grande e bem bonita para memorizar e fiquei muito curioso ao usar o estêncil porque foi a minha primeira vez. O que mais gostei foi de escrever a minha primeira poesia". (Bruno Veríssimo da Silva Aguiar, 8 anos).

"Foi muito legal realizar esse projeto porque sabia que a poesia do meu melhor escritor ia estar no meu livro. Esse projeto me despertou, eu já fiz nove poesias". (Vinicius Vieira Soares, 8 anos) .

"Gostei de memorizar a poesia “Cemitério” porque era muito legal e tinha quatro estrofes. Estou gostando desse projeto porque foi a primeira vez que escrevi poesia. Agora, na minha vida inteira, eu escrevi sete poesias". (Arthur Nazário Palma, 8 anos)

"A partir desse projeto comecei a escrever poesia. Agora sei o que é poesia, é bom, não é difícil!". (Thiago Steinhaus, 8 anos).

"Estou gostando muito desse projeto. Não apresentei a minha poesia ainda, mas estou sentindo muita emoção". (Thayse Vieira Fernandes, 8 anos).

"Para escrever a minha poesia tive que ter atenção e criatividade. Eu não apresentei a minha poesia ainda, mas deve ser bem legal porque os colegas aplaudem a gente". (Aline da Silva Pereira, 8 anos).

"Me senti uma escritora na hora que meus amigos copiaram a poesia que eu criei". (Rafaela Affonso Martins, 8 anos).

Considerações Finais Esse projeto tem possibilitado aos alunos a apropriação de atitudes fundamentais na construção de leitores e escritores:

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* desenvolver o gosto pela escrita e pela leitura, utilizando inicialmente a poesia e livros de literatura em geral, considerando a possibilidade de alcançar o imaginário da criança por meio da ficção e da metáfora;

* escrever para muitos leitores, o que representa uma novidade à criança habituada a escrever para um único leitor, o professor;

* perceber através das marcas textuais a tipologia textual, atividade essa que parte da observação de diferentes textos para identificar as características que os distinguem e as que os aproximam;

* elaborar de forma escrita às percepções do que foi lido e ressignificado;

* possibilitar, a partir da constatação da necessidade da troca de textos com os colegas, a percepção do valor da releitura e da reescrita para transformar o texto em um ente vivo sempre disponível para ser revisitado e reinventado.

Como trabalhar a poesia em sala de aula Por Luciana Cláudia de Castro Olímpio

“A poesia sensibiliza qualquer ser humano. É a fala da alma, do sentimento. E precisa ser cultivada.” Afonso Romano de Sant’Ana

Mesmo sabendo da importância da poesia na vida dos seres humanos como mostra acima Afonso Romano, muitas escolas esqueceram-na, principalmente nas séries iniciais, dando mais espaços, entre aspas, para coisas mais importantes e mais sérias, como também para textos em prosa, privando os alunos dessa “experiência inigualável”, conforme caracteriza Maria Helena Zancan Frantz (1998, p. 80)

Neste artigo, enfatiza-se a necessidade de educadores, principalmente nas séries inicias, pois o aluno só cria hábito se for iniciada desde de muito cedo, trabalharem com poesia na sala de aula ou fora dela.

O objetivo não é transformar os discentes em grandes escritores de poemas, até porque precisa-se ter dom para esta arte, mas sim transformá-los em leitores aptos a interpretar e compreender o que o poeta quis transmitir em meio aos versos, além de propor que os educandos não percam a poesia que nasce neles desde quando as mães cantavam cantigas de ninar para que dormissem e depois quando brincavam de cantigas de roda, adivinhas, trava línguas etc..

Com esse objetivo, proponho alternativas de trabalhos com poesia e didáticas para implantação tanto no Ensino Fundamental como para o Ensino Médio baseadas nas idéias dos escritores relacionados no parágrafo abaixo.

Vários autores vêm pesquisando as questões da leitura e de trabalhos de poesias em sala de aula como Pinheiro (2002), Micheletti (2001), Frantz (1997), Cunha (1986) e investigam as dificuldades que os alunos possuem de interpretar estes textos, não só pela falta do conhecimento prévio, mas também pelo pouco contato que eles têm com a poesia.

Metodologia

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Atualmente, a prática da leitura de poesia está um pouco esquecida nas escolas. Isso ocorre devido ao pouco contato, desde os primórdios de sua formação, dos educadores de Língua Materna.

“Está claro que a personalidade do professor e particularmente, seus hábitos de leitura são importantíssimos para desenvolver os interesses e hábitos de leitura nas crianças, sua própria educação também contribui de forma essencial para a influência que ele exerce.” (Banberger, 1986)

Sem trair o escritor estudado, posso afirmar que se o professor não tiver um hábito de ler poemas e não se sensibilizar ao ler uma poesia, dificilmente conseguirá despertar esse interesse em seus alunos como afirma Cunha (1986, p. 95):

“... se o professor não se sensibilizar com o poema, dificilmente conseguirá emocionar seus alunos.”

Sabidos de que a poesia é um dos gêneros literários mais distantes da sala de aula, é preciso descobrir formas de familiarizar e de aproximar as crianças e os jovens da poesia. E essa forma de familiarização e aproximação deve ser feita com parcimônia e através de um planejamento para evitar as várias afirmações de que os poemas são de difíceis interpretações e entendimento.

Pinheiro (2002, p.23) afirma que “... a leitura do texto poético tem peculiaridades e carece, portanto, de mais cuidados do que o texto me prosa.”

Assim a poesia não é de difícil interpretação, apenas necessita de mais cuidado e atenção para que ocorra um entendimento da mesma. A aprendizagem da interpretação da poesia compreende o desenvolvimento de coordenar conhecimentos dos vários sentidos que um texto poético proporciona.

Uma forma para melhorar a aprendizagem é a aproximação constante da poesia, como também a utilização do conhecimento prévio. O conhecimento prévio engloba o conhecimento lingüístico, que abrange desde o conhecimento sobre pronunciar o português, passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua, chegando até o conhecimento sobre o uso da língua. O conhecimento do texto, que se refere as noções e conceitos sobre o texto, e, por último, o conhecimento de mundo, que é adquirido informalmente através das experiências, do convívio numa sociedade, cuja ativação, no momento oportuno, é também essencial à compreensão de um poema.

Se estes conhecimentos não forem respeitados, o entendimento e a compreensão do poema pode realmente ficar prejudicada, e assim, como foi dito anteriormente, de difícil interpretação.

Como exemplo do que foi exposto no parágrafo anterior, coloco excerto do poema “Balada do amor através das idades”, de Carlos Drummond de Andrade (Cinco Estrelas, 2001, p. 26).

“Eu te gosto, você me gosta desde tempos imemoriais.Eu era grego, você troianaTroiana mas não Helena.Saí do cavalo de pauPara matar seu irmão.Matei, brigamos, morremos.

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(...)

Mas depois de mil peripécias,Eu, herói da Paramount,Te abraço, beijo e casamos.

A compreensão do poema acima pode ficar comprometida se o leitor não tiver um dos conhecimentos acima citado. A poesia de Drummond exige do discente um bom conhecimento de mundo e da história para que ele entenda a poesia, pois nela é citado, de certa forma, a Guerra de Tróia, os costumes romanos como também expõe o nome de um dos mais poderosos estúdios de Hoolywood, dando referência aos finais felizes dos filmes.

Para amenizar os problemas do distanciamento, de interpretação e de compreensão poética, é necessário que o professor compreenda que o ato de interpretar um poesia não pode ficar restrito a sua forma de apresentação sobre uma página, ou seja, como ocorre a disposição das palavras, dos versos, das rimas e das estrofes, e nem somente pelos questionamentos apresentados nas atividades de interpretação propostas pelos livros didáticos, pois as perguntas são impressionistas. Assim afirma Micheletti (2001, p. 22):

“Freqüentemente a interpretação textual dadas nos livros e materiais afins tem um caráter ‘impressionista’, ou seja, o autor das questões propostas ou dos comentários, registram as suas intuições, as suas impressões sobre o texto.”

É necessário ressaltar que o professor deve partir de uma leitura poética do mundo, fazendo da poesia motivo de apreciação lúdica e de motivação para a produção de intertextualidade ( relação existente entre textos diversos, da mesma natureza ou de naturezas diferentes e entre o texto e contexto) e de muitas outras formas de criar com seriedade, mas brincando com palavras.

Segundo Elias José (2003, p. 11) , “vivemos rodeados de poesia”, ou seja, poesia é tudo que nos cerca e que nos emociona quando tocamos, ouvimos ou provamos, poesia é a nossa inspiração para viver a vida."

Conforme Elias José (2003, p. 101), “ser poeta é um dom que exige talento especial. Brincar de poesia é uma possibilidade aberta a todos.”. Então, se todos podemos brincar de poesia, por que não trabalharmos a poesia de forma lúdica?

Assim proponho atividades que oportunizem momentos lúdicos aos alunos, tendo em vista exercícios de imaginação, de fantasia e de criatividade e ao mesmo tempo mostrar a vida de uma forma mais poética, com maior liberdade para construir seu conhecimento.

Todas as estratégias capazes de aguçar a sensibilidade da criança e do adolescente para a poesia são válidas. É interessante para isso, que a poesia seja freqüentemente trabalhada para que ocorra um interesse por ela.

Um dos processos para o educador iniciar este trabalho, é ele fazer uma sondagem para descobrir os temas de maior interesse dos alunos, proporcionando uma maior participação. Este levantamento pode ser de forma direta, através de pequenas fichas ou ouvindo e anotando as temáticas preferidas dos alunos. Outro método é descobrir os filmes, os programas de rádios e de televisão que mais gostam. Isso é necessário para o professor saber que tipo de poesia pode levar para a sala de aula. Vale ressaltar que

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cada sala tem um gosto diferente. No entanto não se pode prender-se somente aos temas escolhidos pelos discentes. A variedade e a novidade também são métodos eficazes para a aprendizagem.

Faz-se necessário, antes de iniciar as atividades poéticas, preparar um ambiente adequado, principalmente nas séries iniciais, para que os alunos sintam-se a vontade para recitar e interpretar os textos poéticos. Além de uma biblioteca agradável, ventilada, espaçosa e com um acervo bem variado para que os estudantes possam escolher livremente na prateleira o livro que quiser.

Trabalhar com poesia em pares é muito interessante. Este trabalho é realizado de duas maneiras: primeiro, através da leitura da poesia, depois são propostas as atividades interpretativas, nada de questões objetivas, já que cada pessoa interpreta um texto de forma diferente, mas de maneira coerente.As duplas conversam sobre o texto, analisam as possibilidades possíveis e escrevem o que foi apreendido.

É através das diferenças individuais que a troca de experiências vai sendo edificada, como também a partir da reflexão e da construção social do conhecimento sustentada pela interação dos indivíduos envolvidos. Essa interação entre os sujeitos é fundamental para o desenvolvimento pessoal e social, pois ela busca transformar a realidade de cada sujeito, mediante um sistema de trocas.

É proveitoso ressaltar também que construir um cantinho para fixar vários tipos de poesia é um método eficaz para o incentivo da leitura e interpretação poética, pois quanto mais se lê, mais se aprende e cria o hábito da leitura não só de poesia como de outros tipos de textos. Pinheiro (2002, p. 26) afirma que:

“Improvisar um mural, onde os alunos, durante uma semana, um mês, ou o ano todo colocam os versos de que mais gostam (...) de qualquer época ou autor, são procedimentos que vão criando um ambiente (...) em que o prazer de lê-la passa a tomar forma.”

Não satisfeita ainda com as metodologias apresentadas, proponho mais alguns métodos que são incentivadores para a prática da leitura de poesia, como o momento poético, a poesia e as datas comemorativas e a apresentação da poesia em forma de dança, desenho ou interpretação teatral.

O primeiro, momento poético, é um artifício aplicado em sala de aula, em que os estudantes, dispostos de forma bem a vontade, sentados no chão ou em almofadões, se a escola possuir, uma música suave ao fundo, recitam poesias de preferência pessoal, ligadas, de preferência ao momento literário estudado, buscando, junto aos colegas, descobrir a mensagem transmitida pelo autor da poesia. O segundo, a poesia e as datas comemorativas, apesar de ser bastante criticada, também é uma forma proveitosa de aprender a gostar e interpretar a poesia. Como é o caso do dia 07 de Setembro em que os brasileiros mostram seu patriotismo comemorando a independência do Brasil. O mestre pode trabalhar a poesia de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio” , fazendo primeiramente uma leitura crítica, levando os discentes a observar a poesia e fazer um paralelo da época em que a canção foi feita e se a terra natal (Brasil) hoje é tão perfeita como apresenta Gonçalves Dias em sua poesia.

Trabalhar a poesia ligada as datas comemorativas só se torna enfadonho, pouco proveitoso, sem criatividade e método empobrecido, quando a poesia só é lembrada nestas datas.

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O último método citado neste artigo, é a apresentação da poesia em forma de dança, desenho ou interpretação teatral. Um exemplo do primeiro, a dança pode ser representada pela poesia “A Bailarina”, de Cecília Meireles, em que as crianças ou adolescentes podem formar um grupo de dança, todas vestidas de bailarina, para interpretar corporalmente a poesia abaixo que deve ser recitada por um outro estudante. Não é obrigatório o professor trabalhar com esta poesia, ela pode ser substituída por outra, tudo depende do docente ou dos alunos.

“Esta meninatão pequeninaquer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem réMas sabe ficar na ponta do pé.Não conhece nem mi nem fáMas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem siMas fecha os olhos e sorrir.Roda, roda, roda com os bracinhos no arE nem fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véuE diz que caiu do céu.

Esta menina tão pequenina quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,E também quer dormir como as outras crianças.

No caso do desenho, ótimo método para se trabalhar tanto nas aulas de Língua Portuguesa como nas de Artes. Os alunos em grupo tentam interpretar a poesia lida através do desenho, para depois apresentar aos colegas de sala para também ser analisada por eles. Depois os desenhos podem ser colocados ao lado da poesia referente a cada um e exposto em um mural em toda a escola ou só na sala de aula.

O “Soneto”, de Álvares de Azevedo, pode ser um exemplo para ser apresentado em forma de teatro lido. O narrador representa o eu lírico, lendo a poesia enquanto uma aluna representa a mulher recitada nos versos.

Estas aulas anteriormente citadas são bem lúdicas. Os alunos aprendem em grupo, de forma bem participativa, a interpretar e compreender as poesias tendo contato com as idéias dos amigos de sala.

As poesias também podem ser trabalhadas como ajuda para produções de textos, como é o caso das poesias de Manuel Bandeira, grande escritor do Modernismo brasileiro, “O Bicho” ( retrata a desigualdade social), “O Poema tirado de uma notícia de jornal (incentiva a produção de uma narração relatando o cotidiano humilde das pessoas desprestigiadas socialmente) e para finalizar, tem-se “Irene Preta” (retrata o preconceito racial).

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Este trabalho exige que o aluno descubra qual o tema apresentado na poesia, para depois escrever, de acordo com o gênero exigido, o texto.

A poesia pode ser trabalhada não só nas aulas de Língua Portuguesa, mas também nas aulas de História, Geografia e outras como é o caso da poesia “A Rosa de Hiroxima”, de Vinícius de Moraes, que retrata o triste acontecimento da explosão da bomba atômica em Hiroxima.

“ Pálida, à luz da lâmpada sombria,Sobre o leito de flores reclinada,Como a lua por noite embalsamada,Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria.Pela maré das águas embaladas,Era um anjo entre nuvens d’alvoradaQue em sonhos se balançava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...Negros olhos as pálpebras abrindo...Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!Por ti - as noites eu velei chorando;Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!”

Estas aulas anteriormente citadas são bem lúdicas. Os alunos aprendem em grupo, de forma bem participativa, a interpretar e compreender as poesias tendo contato com as idéias dos amigos de sala.

As poesias também podem ser trabalhadas como ajuda para produções de textos, como é o caso das poesias de Manuel Bandeira, grande escritor do Modernismo brasileiro, “O Bicho” ( retrata a desigualdade social), “O Poema tirado de uma notícia de jornal (incentiva a produção de uma narração relatando o cotidiano humilde das pessoas desprestigiadas socialmente) e para finalizar, tem-se “Irene Preta” (retrata o preconceito racial).

Este trabalho exige que o aluno descubra qual o tema apresentado na poesia, para depois escrever, de acordo com o gênero exigido, o texto.

A poesia pode ser trabalhada não só nas aulas de Língua Portuguesa, mas também nas aulas de História, Geografia e outras como é o caso da poesia “A Rosa de Hiroxima”, de Vinícius de Moraes, que retrata o triste acontecimento da explosão da bomba atômica em Hiroxima.

“Pensem nas criançasMudas telepáticasPensem nas meninasCegas inexatasPensem nas mulheresRotas alteradasPensem nas feridasComo rosas cálidasMas oh não se esqueçamDa rosa da rosa

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Da rosa de HiroximaA rosa hereditáriaA rosa radioativa Estúpida e inválidaA rosa com cirroseA anti-rosa atômicaSem cor, sem perfumeSem rosa sem nada

Esta poesia, como foi dito acima, pode ser trabalhada numa aula de história, que o professor, através dos versos, pode explicar todo o conteúdo desse aterrorizante acontecimento. Pode explicar, por exemplo, por que o poema se chama A Rosa de Hiroxima, como também explicar que os escritores modernistas transplantavam o momento vivido para as poesias, como é o caso de Vinícius.

Conclusão

Os professores devem trabalhar poesias e textos poéticos com seus alunos pois estes vêm sendo indicados como um dos meios mais eficazes para o desenvolvimento das habilidades de percepção sensorial da criança e do adolescente, do senso estético e de suas competências leitoras e, conseqüentemente, simbólicas.

A interação com a poesia é uma das responsáveis pelo desenvolvimento pleno da capacidade lingüística da criança e do adolescente, através do acesso e da familiaridade com a linguagem conotativa, e refinamento da sensibilidade para a compreensão de si própria e do mundo, o que faz deste tipo de linguagem uma ponte imprescindível entre o indivíduo e a vida.

Leia, não para contradizer ou refletir, nem para crer ou tomar como certo, nem pelo discurso ou pelo enredo, mas para pensar e considerar. Alguns livros são só para serem provados, outros para serem engolidos, outros para serem mastigados e digeridos”. (FRANCIS BACON)

Leitura e escrita, memórias e significados. A escola tem como tarefa construir leitores e escritores competentes. Nesse sentido, o que de fato ressignifica o ato rotineiro de ler e escrever em nosso fazer pedagógico?

Indagações sobre o meu percurso de aluna:

*O que é que sempre me assustou? *Quais eram meus receios? *Como aprendi a ler e a escrever? *Quem me ensinou? *O que foi tolerado nesse processo?

Três imagens marcantes ligadas à escrita: *O armário branco de madeira do banheiro da casa de meus pais rabiscado, por mim, de caneta azul, para dizer que eu tinha uma escova de dente nova. * Uma parede da sala rabiscada com giz amarelo, para expressar que entendia o mundo letrado, no local em que meu pai lia diariamente o seu jornal. *O primeiro dia de aula: caderno com linhas, abelha carimbada pela professora e muitas vogais “a” para repetir ao longo daquela página infinita.

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A escola foi criada para colocar o sujeito no mundo da civilização que é o mundo do dever, da falta (enquanto não saber), da ordem e das regras sociais. O convívio com o outro é que nos faz encarar o limite cotidiano, é com esses outros que vou aprendendo e ao mesmo tempo vou me mostrando e me constituindo.

A Leitura e a escrita na sala de aula:

* Refletir sobre a rotina de sala de aula -Ressignificando o Ritual-Madalena Freire * Pauta organizada pela professora e socializada com o grupo. * A chamada deixa de ser um ato mecânico e burocrático e passa a ser encarada como o primeiro vínculo do dia com cada criança.

Leitura e apresentação oral:

“O Pensamento Vivo do Menino Maluquinho”. Ziraldo, em pequenas frases, instiga tanto o pensamento reflexivo quanto o riso. “Dicionário do Castelo Rá-Tim-Bum”.

Projeto de Trabalho“A Poesia Entrou Em Nossas Vidas”

Movimento inicial: visitei as livrarias para conhecer os lançamentos e reconhecer outros livros de literatura. Através da leitura de cada obra selecionei aquelas que nos acompanhariam durante o ano letivo. Em sala de aula contagiei os alunos com minha propaganda e leitura oral. Solicitei que cada aluno adquirisse um exemplar para que fizéssemos um troca-troca semanal.

O homem constrói casas porque está vivo, mas escreve livros porque é mortal. Vive em sociedade porque é gregário, mas lê porque se sente só. A leitura constitui para ele uma companhia que não ocupa lugar de nenhuma outra, mas que nenhuma outra poderia substituir. Não lhe oferece nenhuma explicação definitiva acerca de seu destino, mas tece uma apertada rede de conivências entre a vida e ele. Ínfimas e secretas conivências que falam da paradoxal alegria de viver, mesmo quando referem o trágico absurdo da vida. Por isso as razões que temos para ler são tão estranhas como as que temos para viver. E ninguém nos pede contas dessa intimidade. (PENNAC, 1997, p.166).

Nas visitas a biblioteca do colégio os alunos escolhiam aos livros e selecionavam uma poesia para memorizar e apresentar aos colegas em sala de aula.

O texto selecionado foi copiado, em uma folha de estêncil para que todos tivessem acesso ao texto do colega. Essa cópia é, para o aluno, carregada de sentido.

"Foi superlegal escrever no estêncil porque foi minha primeira vez. Foi difícil. Se errasse não podia apagar o erro". (Bruno André Blume, 8 anos).

"Achei legal usar estêncil porque a gente escreve de um lado e sai do outro". (Juliano Ramos Dias, 9 anos).

"Na hora que comecei a copiar a poesia de Cecília Meireles, no estêncil, eu senti um pouco de medo, pensei que ia errar alguma palavra da poesia".

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(Michelle Estevam Vilpert, 8 anos).

"Achei legal o estêncil porque a palavra entrava de um lado e saía do outro". (Francielle Pereira, 8 anos).

Critérios para a organização da coletânea de poesias em um livro: 1º Quais as partes de um livro? 2º Quais as informações de cada parte? 3º Que critérios vamos utilizar para organizar o miolo do livro? 4º A partir de que página iniciaremos a numeração? 5º Como faremos o sumário e a apresentação? 6º Que título terá o nosso livro?

Depois do livro montado passamos a conhecer a vida dos autores.

Os comentários a seguir mostram que as crianças têm prazer em conhecer esse outro que lhes fala, que é uma pessoa e que tem uma história, lidando deste modo, com o conhecimento de forma contextualizada. "Foi muito bom pesquisar sobre a vida do autor, porque eu nunca soube nada sobre a vida de um autor". (André Augusto Zanini Worm, 8 anos) . "Gosto de pesquisar e adorei saber sobre a vida do autor". (Bruno André Blume, 8 anos).

O aluno enquanto autor.

A autoria lhe confere autonomia. Apresentação oral individual, onde cada aluno apresenta o seu próprio texto aos colegas e passam a ver-se como autores.

Esse projeto lida intencionalmente com a apropriação de conhecimentos sobre poesia, entre esses, sua conceituação, composição, noção de autoria e de respeito à autoria do outro.

Com a sistematização intencional, há uma consciência do que ela significa, o que indica a real apropriação do próprio conceito de poesia.

As crianças reconhecem no texto poético, um estilo próprio do autor e os recursos utilizados por ele para envolver o leitor. Ou seja, as crianças, a partir das poesias selecionadas, vão ”internalizando os usos e funções da escrita e promovendo o desenvolvimento de funções psicológicas que permitirão o domínio da escrita. É nesse sentido que Vygotsky afirma que a imitação é uma das formas das crianças internalizarem o conhecimento externo”. (REGO, 1995, p.111).

"Estou começando a gostar de poesia porque estamos fazendo um projeto. Escolhi uma poesia bem grande e bem bonita para memorizar e fiquei muito curioso ao usar o estêncil porque foi a minha primeira vez. O que mais gostei foi de escrever a minha primeira poesia". (Bruno Veríssimo da Silva Aguiar, 8 anos).

"Foi muito legal realizar esse projeto porque sabia que a poesia do meu melhor escritor ia estar no meu livro. Esse projeto me despertou, eu já fiz nove poesias". (Vinicius Vieira Soares, 8 anos) .

"Gostei de memorizar a poesia “Cemitério” porque era muito legal e tinha quatro estrofes. Estou gostando desse projeto porque foi a primeira vez que escrevi poesia. Agora, na minha vida inteira, eu escrevi sete poesias". (Arthur

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Nazário Palma, 8 anos)

"A partir desse projeto comecei a escrever poesia. Agora sei o que é poesia, é bom, não é difícil!". (Thiago Steinhaus, 8 anos).

"Estou gostando muito desse projeto. Não apresentei a minha poesia ainda, mas estou sentindo muita emoção". (Thayse Vieira Fernandes, 8 anos).

"Para escrever a minha poesia tive que ter atenção e criatividade. Eu não apresentei a minha poesia ainda, mas deve ser bem legal porque os colegas aplaudem a gente". (Aline da Silva Pereira, 8 anos).

"Me senti uma escritora na hora que meus amigos copiaram a poesia que eu criei". (Rafaela Affonso Martins, 8 anos).

Considerações Finais Esse projeto tem possibilitado aos alunos a apropriação de atitudes fundamentais na construção de leitores e escritores:

* desenvolver o gosto pela escrita e pela leitura, utilizando inicialmente a poesia e livros de literatura em geral, considerando a possibilidade de alcançar o imaginário da criança por meio da ficção e da metáfora;

* escrever para muitos leitores, o que representa uma novidade à criança habituada a escrever para um único leitor, o professor;

* perceber através das marcas textuais a tipologia textual, atividade essa que parte da observação de diferentes textos para identificar as características que os distinguem e as que os aproximam;

* elaborar de forma escrita às percepções do que foi lido e ressignificado;

* possibilitar, a partir da constatação da necessidade da troca de textos com os colegas, a percepção do valor da releitura e da reescrita para transformar o texto em um ente vivo sempre disponível para ser revisitado e reinventado.

Como trabalhar a poesia em sala de aula Por Luciana Cláudia de Castro Olímpio

“A poesia sensibiliza qualquer ser humano. É a fala da alma, do sentimento. E precisa ser cultivada.” Afonso Romano de Sant’Ana

Mesmo sabendo da importância da poesia na vida dos seres humanos como mostra acima Afonso Romano, muitas escolas esqueceram-na, principalmente nas séries iniciais, dando mais espaços, entre aspas, para coisas mais importantes e mais sérias, como também para textos em prosa, privando os alunos dessa “experiência inigualável”, conforme caracteriza Maria Helena Zancan Frantz (1998, p. 80)

Neste artigo, enfatiza-se a necessidade de educadores, principalmente nas séries inicias, pois o aluno só cria hábito se for iniciada desde de muito cedo, trabalharem com poesia na sala de aula ou fora dela.

O objetivo não é transformar os discentes em grandes escritores de poemas, até porque precisa-se ter dom para esta arte, mas sim transformá-los em leitores aptos a interpretar e compreender o que o poeta quis transmitir em

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meio aos versos, além de propor que os educandos não percam a poesia que nasce neles desde quando as mães cantavam cantigas de ninar para que dormissem e depois quando brincavam de cantigas de roda, adivinhas, trava línguas etc..

Com esse objetivo, proponho alternativas de trabalhos com poesia e didáticas para implantação tanto no Ensino Fundamental como para o Ensino Médio baseadas nas idéias dos escritores relacionados no parágrafo abaixo.

Vários autores vêm pesquisando as questões da leitura e de trabalhos de poesias em sala de aula como Pinheiro (2002), Micheletti (2001), Frantz (1997), Cunha (1986) e investigam as dificuldades que os alunos possuem de interpretar estes textos, não só pela falta do conhecimento prévio, mas também pelo pouco contato que eles têm com a poesia.

Metodologia

Atualmente, a prática da leitura de poesia está um pouco esquecida nas escolas. Isso ocorre devido ao pouco contato, desde os primórdios de sua formação, dos educadores de Língua Materna.

“Está claro que a personalidade do professor e particularmente, seus hábitos de leitura são importantíssimos para desenvolver os interesses e hábitos de leitura nas crianças, sua própria educação também contribui de forma essencial para a influência que ele exerce.” (Banberger, 1986)

Sem trair o escritor estudado, posso afirmar que se o professor não tiver um hábito de ler poemas e não se sensibilizar ao ler uma poesia, dificilmente conseguirá despertar esse interesse em seus alunos como afirma Cunha (1986, p. 95):

“... se o professor não se sensibilizar com o poema, dificilmente conseguirá emocionar seus alunos.”

Sabidos de que a poesia é um dos gêneros literários mais distantes da sala de aula, é preciso descobrir formas de familiarizar e de aproximar as crianças e os jovens da poesia. E essa forma de familiarização e aproximação deve ser feita com parcimônia e através de um planejamento para evitar as várias afirmações de que os poemas são de difíceis interpretações e entendimento.

Pinheiro (2002, p.23) afirma que “... a leitura do texto poético tem peculiaridades e carece, portanto, de mais cuidados do que o texto me prosa.”

Assim a poesia não é de difícil interpretação, apenas necessita de mais cuidado e atenção para que ocorra um entendimento da mesma. A aprendizagem da interpretação da poesia compreende o desenvolvimento de coordenar conhecimentos dos vários sentidos que um texto poético proporciona.

Uma forma para melhorar a aprendizagem é a aproximação constante da poesia, como também a utilização do conhecimento prévio. O conhecimento prévio engloba o conhecimento lingüístico, que abrange desde o conhecimento sobre pronunciar o português, passando pelo conhecimento de vocabulário e regras da língua, chegando até o conhecimento sobre o uso da língua. O conhecimento do texto, que se refere as noções e conceitos sobre o texto, e, por último, o conhecimento de mundo, que é adquirido informalmente através das experiências, do convívio numa sociedade, cuja ativação, no momento

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oportuno, é também essencial à compreensão de um poema.

Se estes conhecimentos não forem respeitados, o entendimento e a compreensão do poema pode realmente ficar prejudicada, e assim, como foi dito anteriormente, de difícil interpretação.

Como exemplo do que foi exposto no parágrafo anterior, coloco excerto do poema “Balada do amor através das idades”, de Carlos Drummond de Andrade (Cinco Estrelas, 2001, p. 26).

“Eu te gosto, você me gosta desde tempos imemoriais.Eu era grego, você troianaTroiana mas não Helena.Saí do cavalo de pauPara matar seu irmão.Matei, brigamos, morremos.

Mas depois de mil peripécias,Eu, herói da Paramount,Te abraço, beijo e casamos.

A compreensão do poema acima pode ficar comprometida se o leitor não tiver um dos conhecimentos acima citado. A poesia de Drummond exige do discente um bom conhecimento de mundo e da história para que ele entenda a poesia, pois nela é citado, de certa forma, a Guerra de Tróia, os costumes romanos como também expõe o nome de um dos mais poderosos estúdios de Hoolywood, dando referência aos finais felizes dos filmes.

Para amenizar os problemas do distanciamento, de interpretação e de compreensão poética, é necessário que o professor compreenda que o ato de interpretar um poesia não pode ficar restrito a sua forma de apresentação sobre uma página, ou seja, como ocorre a disposição das palavras, dos versos, das rimas e das estrofes, e nem somente pelos questionamentos apresentados nas atividades de interpretação propostas pelos livros didáticos, pois as perguntas são impressionistas. Assim afirma Micheletti (2001, p. 22):

“Freqüentemente a interpretação textual dadas nos livros e materiais afins tem um caráter ‘impressionista’, ou seja, o autor das questões propostas ou dos comentários, registram as suas intuições, as suas impressões sobre o texto.”

É necessário ressaltar que o professor deve partir de uma leitura poética do mundo, fazendo da poesia motivo de apreciação lúdica e de motivação para a produção de intertextualidade ( relação existente entre textos diversos, da mesma natureza ou de naturezas diferentes e entre o texto e contexto) e de muitas outras formas de criar com seriedade, mas brincando com palavras.

Segundo Elias José (2003, p. 11) , “vivemos rodeados de poesia”, ou seja, poesia é tudo que nos cerca e que nos emociona quando tocamos, ouvimos ou provamos, poesia é a nossa inspiração para viver a vida."

Conforme Elias José (2003, p. 101), “ser poeta é um dom que exige talento especial. Brincar de poesia é uma possibilidade aberta a todos.”. Então, se todos podemos brincar de poesia, por que não trabalharmos a poesia de forma lúdica?

Assim proponho atividades que oportunizem momentos lúdicos aos alunos,

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tendo em vista exercícios de imaginação, de fantasia e de criatividade e ao mesmo tempo mostrar a vida de uma forma mais poética, com maior liberdade para construir seu conhecimento.

Todas as estratégias capazes de aguçar a sensibilidade da criança e do adolescente para a poesia são válidas. É interessante para isso, que a poesia seja freqüentemente trabalhada para que ocorra um interesse por ela.

Um dos processos para o educador iniciar este trabalho, é ele fazer uma sondagem para descobrir os temas de maior interesse dos alunos, proporcionando uma maior participação. Este levantamento pode ser de forma direta, através de pequenas fichas ou ouvindo e anotando as temáticas preferidas dos alunos. Outro método é descobrir os filmes, os programas de rádios e de televisão que mais gostam. Isso é necessário para o professor saber que tipo de poesia pode levar para a sala de aula. Vale ressaltar que cada sala tem um gosto diferente. No entanto não se pode prender-se somente aos temas escolhidos pelos discentes. A variedade e a novidade também são métodos eficazes para a aprendizagem.

Faz-se necessário, antes de iniciar as atividades poéticas, preparar um ambiente adequado, principalmente nas séries iniciais, para que os alunos sintam-se a vontade para recitar e interpretar os textos poéticos. Além de uma biblioteca agradável, ventilada, espaçosa e com um acervo bem variado para que os estudantes possam escolher livremente na prateleira o livro que quiser.

Trabalhar com poesia em pares é muito interessante. Este trabalho é realizado de duas maneiras: primeiro, através da leitura da poesia, depois são propostas as atividades interpretativas, nada de questões objetivas, já que cada pessoa interpreta um texto de forma diferente, mas de maneira coerente.As duplas conversam sobre o texto, analisam as possibilidades possíveis e escrevem o que foi apreendido.

É através das diferenças individuais que a troca de experiências vai sendo edificada, como também a partir da reflexão e da construção social do conhecimento sustentada pela interação dos indivíduos envolvidos. Essa interação entre os sujeitos é fundamental para o desenvolvimento pessoal e social, pois ela busca transformar a realidade de cada sujeito, mediante um sistema de trocas.

É proveitoso ressaltar também que construir um cantinho para fixar vários tipos de poesia é um método eficaz para o incentivo da leitura e interpretação poética, pois quanto mais se lê, mais se aprende e cria o hábito da leitura não só de poesia como de outros tipos de textos. Pinheiro (2002, p. 26) afirma que:

“Improvisar um mural, onde os alunos, durante uma semana, um mês, ou o ano todo colocam os versos de que mais gostam (...) de qualquer época ou autor, são procedimentos que vão criando um ambiente (...) em que o prazer de lê-la passa a tomar forma.”

Não satisfeita ainda com as metodologias apresentadas, proponho mais alguns métodos que são incentivadores para a prática da leitura de poesia, como o momento poético, a poesia e as datas comemorativas e a apresentação da poesia em forma de dança, desenho ou interpretação teatral.

O primeiro, momento poético, é um artifício aplicado em sala de aula, em que os estudantes, dispostos de forma bem a vontade, sentados no chão ou em almofadões, se a escola possuir, uma música suave ao fundo, recitam poesias

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de preferência pessoal, ligadas, de preferência ao momento literário estudado, buscando, junto aos colegas, descobrir a mensagem transmitida pelo autor da poesia. O segundo, a poesia e as datas comemorativas, apesar de ser bastante criticada, também é uma forma proveitosa de aprender a gostar e interpretar a poesia. Como é o caso do dia 07 de Setembro em que os brasileiros mostram seu patriotismo comemorando a independência do Brasil. O mestre pode trabalhar a poesia de Gonçalves Dias, “Canção do Exílio” , fazendo primeiramente uma leitura crítica, levando os discentes a observar a poesia e fazer um paralelo da época em que a canção foi feita e se a terra natal (Brasil) hoje é tão perfeita como apresenta Gonçalves Dias em sua poesia.

Trabalhar a poesia ligada as datas comemorativas só se torna enfadonho, pouco proveitoso, sem criatividade e método empobrecido, quando a poesia só é lembrada nestas datas.

O último método citado neste artigo, é a apresentação da poesia em forma de dança, desenho ou interpretação teatral. Um exemplo do primeiro, a dança pode ser representada pela poesia “A Bailarina”, de Cecília Meireles, em que as crianças ou adolescentes podem formar um grupo de dança, todas vestidas de bailarina, para interpretar corporalmente a poesia abaixo que deve ser recitada por um outro estudante. Não é obrigatório o professor trabalhar com esta poesia, ela pode ser substituída por outra, tudo depende do docente ou dos alunos.

“Esta meninatão pequeninaquer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem réMas sabe ficar na ponta do pé.Não conhece nem mi nem fáMas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem siMas fecha os olhos e sorrir.Roda, roda, roda com os bracinhos no arE nem fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela e um véuE diz que caiu do céu.

Esta menina tão pequenina quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas as danças,E também quer dormir como as outras crianças.

No caso do desenho, ótimo método para se trabalhar tanto nas aulas de Língua Portuguesa como nas de Artes. Os alunos em grupo tentam interpretar a poesia lida através do desenho, para depois apresentar aos colegas de sala para também ser analisada por eles. Depois os desenhos podem ser colocados ao lado da poesia referente a cada um e exposto em um mural em toda a escola ou só na sala de aula.

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O “Soneto”, de Álvares de Azevedo, pode ser um exemplo para ser apresentado em forma de teatro lido. O narrador representa o eu lírico, lendo a poesia enquanto uma aluna representa a mulher recitada nos versos.

Estas aulas anteriormente citadas são bem lúdicas. Os alunos aprendem em grupo, de forma bem participativa, a interpretar e compreender as poesias tendo contato com as idéias dos amigos de sala.

As poesias também podem ser trabalhadas como ajuda para produções de textos, como é o caso das poesias de Manuel Bandeira, grande escritor do Modernismo brasileiro, “O Bicho” ( retrata a desigualdade social), “O Poema tirado de uma notícia de jornal (incentiva a produção de uma narração relatando o cotidiano humilde das pessoas desprestigiadas socialmente) e para finalizar, tem-se “Irene Preta” (retrata o preconceito racial).

Este trabalho exige que o aluno descubra qual o tema apresentado na poesia, para depois escrever, de acordo com o gênero exigido, o texto.

A poesia pode ser trabalhada não só nas aulas de Língua Portuguesa, mas também nas aulas de História, Geografia e outras como é o caso da poesia “A Rosa de Hiroxima”, de Vinícius de Moraes, que retrata o triste acontecimento da explosão da bomba atômica em Hiroxima.

“ Pálida, à luz da lâmpada sombria,Sobre o leito de flores reclinada,Como a lua por noite embalsamada,Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria.Pela maré das águas embaladas,Era um anjo entre nuvens d’alvoradaQue em sonhos se balançava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...Negros olhos as pálpebras abrindo...Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!Por ti - as noites eu velei chorando;Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!”

Estas aulas anteriormente citadas são bem lúdicas. Os alunos aprendem em grupo, de forma bem participativa, a interpretar e compreender as poesias tendo contato com as idéias dos amigos de sala.

As poesias também podem ser trabalhadas como ajuda para produções de textos, como é o caso das poesias de Manuel Bandeira, grande escritor do Modernismo brasileiro, “O Bicho” ( retrata a desigualdade social), “O Poema tirado de uma notícia de jornal (incentiva a produção de uma narração relatando o cotidiano humilde das pessoas desprestigiadas socialmente) e para finalizar, tem-se “Irene Preta” (retrata o preconceito racial).

Este trabalho exige que o aluno descubra qual o tema apresentado na poesia, para depois escrever, de acordo com o gênero exigido, o texto.

A poesia pode ser trabalhada não só nas aulas de Língua Portuguesa, mas

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também nas aulas de História, Geografia e outras como é o caso da poesia “A Rosa de Hiroxima”, de Vinícius de Moraes, que retrata o triste acontecimento da explosão da bomba atômica em Hiroxima.

A Rosa de Hiroxima”,

“Pensem nas criançasMudas telepáticasPensem nas meninasCegas inexatasPensem nas mulheresRotas alteradasPensem nas feridasComo rosas cálidasMas oh não se esqueçamDa rosa da rosaDa rosa de HiroximaA rosa hereditáriaA rosa radioativa Estúpida e inválidaA rosa com cirroseA anti-rosa atômicaSem cor, sem perfumeSem rosa sem nada

Esta poesia, como foi dito acima, pode ser trabalhada numa aula de história, que o professor, através dos versos, pode explicar todo o conteúdo desse aterrorizante acontecimento. Pode explicar, por exemplo, por que o poema se chama A Rosa de Hiroxima, como também explicar que os escritores modernistas transplantavam o momento vivido para as poesias, como é o caso de Vinícius.

Conclusão

Os professores devem trabalhar poesias e textos poéticos com seus alunos pois estes vêm sendo indicados como um dos meios mais eficazes para o desenvolvimento das habilidades de percepção sensorial da criança e do adolescente, do senso estético e de suas competências leitoras e, conseqüentemente, simbólicas.

A interação com a poesia é uma das responsáveis pelo desenvolvimento pleno da capacidade lingüística da criança e do adolescente, através do acesso e da familiaridade com a linguagem conotativa, e refinamento da sensibilidade para a compreensão de si própria e do mundo, o que faz deste tipo de linguagem uma ponte imprescindível entre o indivíduo e a vida.