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Page 1: Manuel António Pina - ClipQuick · 2012-11-16 · Manuel António Pina entre amigos Luís Miguel Queiras O Pina, joga lá!". São três da manhã e o cenário é um salão de bilhares

ManuelAntónioPinaentre

amigos

Luís Miguel Queiras

OPina, joga lá!". São três damanhã e o cenário é umsalão de bilhares um tantoou quanto manhoso, bas-tante frequentado pelaclaque do FC Porto. Em

torno de uma mesa de snooker, umgrupo de amigos começa a impa-cientar-se. Cada um deles já deu atacada que lhe competia e estão far-tos de esperar por Manuel AntónioPina, que, de taco na mão, se abs-traiu do jogo, o olhar preso a umecrã de televisão que transmite,àquela hora improvável, o programaDa Beleza e da Consolação, uma sériede conversas com filósofos e cien-tistas. Talvez Pina se tenha deixadohipnotizar pela etóloga Jane Goodalla descrever a cultura dos chimpan-zés, ou por Richard Rorty a discor-rer sobre o pragmatismo, ou porGeorge Steiner (um dos seus heróisintelectuais) a falar do viajado gatode Céline. Ivo Caldeira, um dos com-panheiros de snooker, já não conse-

gue precisar quem era, na ocasião,o entrevistado, mas também nãotem importância. Evocar esta cenafoi o seu modo de nos mostrar, nu-ma só imagem, duas facetas de Pina:a do espírito furiosamente indaga-dor, fascinado pelas grandes inter-rogações filosóficas, religiosas e

científicas, e a do homem que, aos60 e tal anos (faria 69 depois deamanhã), era capaz de se divertircomo um catraio nessas bilharadasnocturnas com os amigos, levandotanto ou mais a sério do que eles a

conquista dos delirantes trofeus em

disputa: objectos bizarros compra-dos em lojas de chineses, ou en- ?

Quem privava comele de perto podiaesquecer-se — tãonenhum era o seu

esforço para o

lembrar -quePina era um dos

nossos grandespoetas vivostão fornecidos pelo pintor José LuísDarocha, um amigo radicado emParis, que os trazia de França nassuas visitas ao Porto.

Nos seus últimos anos de vida,esse grupo que se reunia com elenuma cervejaria portuense suges-tivamente chamada Convívio - só

quando esta fechava as portas é queiam acabar a noite ao citado tugúriode bilharistas - acabou por consti-tuir, entre os muitos e bons amigosque Pina foi fazendo e mantendoao longo de décadas, uma espécie,digamos assim, de comité perma-nente. Alguns deles colaboram nes-te caderno: o encenador João Luiz,que o conheceu quando amboseram ainda estudantes liceais, re-corda os muitos textos que Pinaescreveu para serem levados ao

palco - uma faceta da sua obra ain-da hoje pouco conhecida e estuda-da -, o escritor Álvaro Magalhãesaborda a singularíssima literaturadita "infantil" do autor de O Paísdas Pessoas de Pernas para o Ar, e o

ensaísta Sousa Dias evoca o cronis-ta que, de há uns anos para cá, con-versava diariamente com os seusleitores na última página do Jornalde Notícias, lembrando que essasbreves prosas de circunstância in-tegram, de pleno direito, a sua obraliterária. Da poesia de Manuel An-tónio Pina fala-nos a ensaísta RosaMaria Martelo, que compôs comAbel Barros Baptista a dupla por-tuguesa no júri que lhe atribuiu o

prémio Camões. Só depois disso

começou a privar mais com Pina,mas chegou a conhecê-lo suficien-temente bem para perceber que (ecomo) os poemas que escrevia ri-mavam com a pessoa que era.

Todos eles, e ainda outros com-panheiros de tertúlia, como o seuvelho camarada das lides jornalís-ticas, Germano Silva, ou o arquitec-to Guilherme Castro, com quemPina já acamaradava nos anos lou-cos do PREC, aceitaram conversarcom o autor deste texto para o aju-dar a compor o retrato do que Ma-nuel António Pina era no quotidia-no, entre os seus amigos. Não se

trata, claro, de tentar aceder ao quePina poderá ter sido em si mesmo,propósito insensato, como ele pró-prio se fartou de nos explicar empoemas e crónicas, argumentandoque aquilo a que por comodidadegramatical chamava "eu" era umcomposto circunstancial de memó-rias, e que estas incluíam, no seucaso, os livros que lera e os filmes

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que vira: da banda desenhada deWill Eisner à Ilíada, dos Bressons ePasolinis às assustadoras e amadas

imagens de A Sombra do Caçador."Eu seria outro (alguém muito maisdesoladamente pobre; e não o sa-beria) sem A Sombra do Caçador,de Charles Laughton", escreveunuma crónica.

E num poema que termina comuma citação de Pound, escreve: "aminha vida é uma multidão/ onde,não sei quem, em vão procuro/ omeu rosto, pétala dum ramo húmi-do, escuro". Que alguém a tal pontoconsciente da sua irredimível mul-tiplicidade, habitado por tantas vo-

zes, desse a todos os que o conhe-ciam uma tão reconfortante impres-são de inteireza talvez não seja, nofim de contas, um paradoxo.Cum granutn saltsNa mesma mesa da cervejaria Con-vívio onde tantas vezes partilharamcom o amigo conversas, cervejas ebifes laminados, João Luiz é o pri-meiro a falar. Recua meio século, atéà época em que conheceu Pina,quando tinham ambos menos de 20anos: "Era o tempo das lutas asso-

ciativas, aí por volta de 1962, e cru-závamo-nos no liceu D. Manuel 11,

no café Div, jogávamos bilhar...".Álvaro Magalhães interrompe: "Se

já praticavam nessa altura, como é

que ainda jogas tão mal?". E de re-

pente parece que Pina está ali, tra-zido não por uma das muitas evoca-

ções expressas que se iriam seguir,mas por este inocente e espontâneodespique entre ambos. Porque eraisto que Pina conseguia fazer: pôruma série de gente crescida, queconhecera em períodos diversos e

que abarcava várias gerações, a fun-cionar entre ela, e com plena natu-ralidade, num registo que, não po-dendo ser literalmente o da infância,era algo parecido, da mesma subs-tância.

Pina tratava muitas vezes o amigopor Dinato, aludindo ao papel queJoão Luiz desempenhara numa re-presentação vicentina em que am-bos tinham participado quase meioséculo antes. Já Álvaro, que só co-nheceu no início dos anos 80, era oBarito; e este chamava-lhe Nelito

para poderem finalmente ser os

amigos de infância que não tinhamsido.

"A história do bilhar era exacta-mente como quando éramos putos,explica João Luiz, "era uma brinca-deira de miúdos, e portanto era a

sério, amuávamos mesmo....". E Ál-

varo Magalhães acrescenta, confir-mando os desconcertantes efeitosdessa espécie de feitiço de infanci-zar: "Às vezes passávamos a noite ameter moedas numa máquina quehavia no salão de bilhar, para nossaírem uns ovos com umas bugigan-gas lá dentro". E, sem ser precisoque o diga, pressente-se que sabe

que não voltarão a fazê-10.Manuel António Pina dizia muitas

vezes que as crianças estão dema-siado próximas da infância para se

aperceberem dela. Quem privavade perto com ele também podiaesquecer-se facilmente - tão ne-nhum era o seu esforço para no-lolembrar - que Pina era um dos nos-sos grandes poetas vivos, e um autor

que virara a literatura infantil por-tuguesa de pernas para o ar, e o fas-

cinante ficcionista bissexto que nosdeixara esse sedutor objecto literá-rio que é OsPapéisdeK., e o escritorde crónicas pelas quais perpassavatodo o legado cultural da humani-dade, do Velho Testamento a Home-

ro, do budismo zen ao ursinho Puff,de Dante a Tintin, conseguia o pro-dígio de cativar leitores de todos os

níveis de instrução.Álvaro Magalhães acha mesmo

que, tendo Pina ficado obviamentesatisfeito por receber o prémio Ca-

mões, cujo dinheiro lhe deu decer-to muito jeito, "havia nele, depoisdisso, uma nostalgia do tempo emque não era tão consagrado e aindapodia manter aquela patine do po-eta pouco conhecido".

Em boa verdade, a sua consagra-ção como poeta já começara no finaldos anos 90, quando chegara, ainda

pela mão de Hermínio Monteiro, àAssírio & Alvim, onde depois se

manteve com os seus amigos ManuelRosa e lida David. Mas a sucessão deentrevistas que deu a jornais e tele-visões, após ter recebido o prémio

Camões, tornou-o uma figura públi-ca a nível nacional, algo que verda-deiramente nunca fora até esse mo-mento. A imagem que dele entãoterá formado, através dos media,quem não o conhecia, ou só o co-nhecia de o ler, foi a de uma espéciede sábio afável e bem humorado,um poeta que gostava de gatos e eramuito boa pessoa. E Pina era real-mente tudo isso. Mas falta o resto,esse granum salis que temperava asua bondade e que, no caso de Pina,era um grão considerável, feito dehumor e ironia e malícia e, ocasio-nalmente, de cólera.

A abelha e a "obelha"Como tinha, de facto, pouco tempo,sobretudo nestes anos em que es-crevia crónicas diárias, e como ra-ramente conseguia dizer que não a

pedidos, encomendas e convites,um dos prazeres perversos de Pinaera inventar boas desculpas para se

esquivar a alguns desses inúmeroscompromissos que passava a vida aaceitar. Inventava problemas de saú-

de bizarros, além dos que infeliz-mente tinha, ou desencantava, porexemplo, súbitas e nunca concreti-zadas ida à Guarda: "Se disseres quetens de ir a Lisboa, ninguém engole,mas à Guarda não se vai sem umarazão de peso", explicava aos ami-gos. Também usava por vezes a ba-tida justificação do engarrafamento,mas fazia-o com requinte. "Uma noi-

te", conta Álvaro Magalhães, "vínha-mos de Coimbra de carro ["de umagrande leitãozada", precisa SousaDias] e ele viu que já não ia a tempode entregar a crónica, de modo quetelefonou a avisar e disse que ficara

preso num engarrafamento". Mas o

que surpreendeu os amigos foi ofacto de ter acrescentado que estavanuma terra com um nome estranhís-simo. Quando desligou, virou-separa eles e comentou: "Os detalhessão muito importantes". Álvaro diz

que Pina cultivava mesmo "uma ar-te da desculpa" e que quando inven-tava uma nova que se mostrava pro-metedora, "ficava eufórico" e insis-tia com os amigos para que tambéma experimentassem. E tendo emconta, para usar a expressão de João

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Luiz, o seu "lado Gaston Lagaffe"(ele próprio adorava contar as suas

gaffes mais épicas, mas, infelizmen-te, nenhuma delas é aqui relatável),não é de excluir que possa ter che-

gado a sugerir uma dessas desculpasa alguém com quem a usara ante-riormente.

Manuel António Pina era tambémum extraordinário conversador.Ouvi-lo ir saltando de assunto paraassunto, segundo associações queobedeciam a uma desconcertantemas rigorosa lógica interna, era umverdadeiro prazer, desde que o in-terlocutor não acalentasse demasia-das ambições de manter um diálogoconvencional. Quando se preparas-se para responder a uma observaçãosobre a poesia de Szymborska, de

quem Pina, com a sua incrível me-mória, acabara porventura de citaruma fiada de versos, já a conversaia no cinema, e daí podia saltar paraa física quântica, e depois para o

futebol, e o futebol lembrava-lheuma tirada da sua empregada Con-

ceição, e como Conceição é umaestrénua defensora dos gatos aban-donados e Szymborska tem um be-líssimo poema (que Pina aliás tra-duziu) sobre um gato que fica aban-donado num apartamento quandoo seu dono morre, havia ali umaaberta em que a coisa podia voltarao tópico original. Ou não.

Era um homem de uma culturaimensa, mas de interesses e praze-res variados e sem grande paciênciapara os meios culturais. Sousa Dias

gosta de contar a história da ida aoestádio do Leiria, onde o Sportingde Pina disputava a Supertaça como FC Porto dos seus amigos. Numaárea de serviço a meio caminho, Pi-

na insiste em comprar um boné eum cachecol do Sporting, e já os en-

vergava quando o grupo se cruzacom um casal amigo, do Porto, mui-to frequentador de "eventos" cultu-rais. Apesar dos preparos de Pina,a senhora pergunta-lhes se "tam-bém vão ver a ópera a Óbidos". Láexplicam que não. No final do jogode futebol, quando já ninguém selembrava do encontro com o casal,Pina sugere a Sousa Dias que lhestelefone: "Pergunta-lhes como é que

ficou a ópera".Uma característica que manteve

literalmente até ao fim foi o humor.Guilherme Castro conta que, "numadas últimas vezes em que o Pina ain-da era o Pina", o amigo Darochaprocurava animá-10, no hospital,contando que fizera uma pintura em

que desenhara uma abelhinha e queagora estava preocupado porque ?

Pina era um

composto dememórias queincluía a bandadesenhada de Will

Eisnere afifada, osPasoliniseasamadas imagensde A Sombra úo

Caçadorjá deixara a sua casa de Paris há du-as semanas e tinha medo de que aabelha, entretanto, tivesse crescido.Pina retorquiu de imediato: "Entãotransformou-se numa 'obelha'".A espingardade Lilian GishLembrar as facetas que Pina reservava para eles, como a de chegaiinvariavelmente atrasado aos encon-tros - "telefonava a dizer 'já vou a

caminho, já vou a caminho', e ia to-

mar banho, passar por não sei onde,e ainda encontrava alguém, e apa-recia duas horas mais depois" - é.

claro, o modo que os amigos têm de

homenagear a amizade que este lhes

tinha. Mas todos eles sabem que Pi-

na era um ser absolutamente forado comum, alguém que, para citaiÁlvaro Magalhães, "tocava" as pes-soas. E tocava mesmo. O jornalistaAlberto Serra, que fez com o reali-zador Ricardo Espírito Santo, paraa RTP, o documentário Um Sítio On-

de Pousar a Cabeça, fala de Pina co-

mo se este fosse uma espécie de

mestre zen: "Já entrevistei muitosescritores, mas nunca na minha vi-

da pensei que, aos 50 e tal anos, ia

encontrar uma pessoa que me mu-daria interiormente, como ele memudou". Lembrando que Pina ofe-

receu e dedicou livros a toda a equi-pa de rodagem, que os recebeu emcasa até altas horas de madrugadae ajudou em tudo o que pôde semtentar interferir minimamente notrabalho da equipa, Serra conclui:"Acho que ele se estava nas tintas

para o documentário, mas felizmen-te parece que gostou".

Suzana Ralha, que musicou e gra-vou poemas de Pina ainda nos anos70 e que com ele fundou depois a

associação Os Gambozinos - "os

estatutos estavam cheios de gambo-zinos e piupardos, a partir da sua

formação jurídica e poética" -, tam-bém não tem dúvidas de que "o Pinafoi um poeta especial porque foiuma pessoa especial". E acrescenta

que "Gambozinos de todas as gera-ções sabem isso" e que "cada um o

sabe com palavras diferentes".Mas precisamente pela sua deli-

cadeza e pela sua generosidade, Pi-

na também podia irritar-se a sériose alguma injustiça lhe fazia subir a

mostarda ao nariz, e nessas ocasiões

não lhe faltava determinação nem

coragem física. Duas histórias con-tadas pelos amigos, ambas passadasno incontornável Convívio, mostram

aspectos desse outro Pina que era,

afinal, o mesmo. A primeira envolveum antigo director do JN, já falecido,José Saraiva, que era uma persona-gem algo exuberante. João Luiz diz

que, tanto quanto sabe, foi a únicavez em que Pina fez uso dos conhe-cimentos que adquirira numa va-riante vietnamita do caraté, na qualatingira o cinturão castanho. O epi-sódio conta-se em poucas palavras.Pina, Germano Silva e outros amigosestavam tranquilamente sentadosno Convívio quando entra José Sa-

raiva, que, ainda a meio caminhoda mesa dos colegas, pára e grita:"Chegou o maior". Infelizmentedeteve-se junto a uma mesa próxi-ma, onde um clã familiar discutiaruidosamente e os ânimos estavam

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ja bastante exaltados. "Um dos ho-mens", conta Germano, "levanta-see interpela o Saraiva: 'Você está aolhar para a minha mulher e a dizer

que a tem maior?'". E sem esperarpela resposta, passa de imediato avias de facto. Pina saltou em defesade Saraiva e, tirando a média a tes-temunhos ligeiramente discordan-tes, parece certo que ainda conse-

guiu aplicar alguns golpes vistosos,mas que, no final, e para usar a sin-tética expressão de Sousa Dias, "le-vou um enxerto de porrada". Quealiás, garante Germano, ainda de-corria quando Saraiva já desapare-cera estrategicamente de cena.

O outro episódio é menos espec-tacular, mas talvez mais significati-vo. Uma noite, um amigo que fre-quentava assiduamente a tertúliado Convívio dirigiu-se a um empre-gado daquele restaurante de ummodo que Pina considerou sobran-ceiro e ofensivo. Tratava-se de al-

guém que conhecia há muito anos,mas não hesitou em cortar relaçõescom ele ali mesmo. Sem se referir aeste caso, Álvaro Magalhães já antesdissera: "No Pina, talvez pelas suasraízes rurais e beiras, o respeito pe-los mais humildes era quase umareligião".

O ponto comum destas histórias,e doutras que se poderiam acrescen-

tar, é essa disposição inata de Ma-nuel António Pina para se colocardo lado dos mais fracos e desprote-gidos, mesmo quando estes o erama título circunstancial e um tantoanedótico, como no incidente pro-tagonizado por José Saraiva. Exem-

plos mais óbvios seriam as crianças,ou os velhos, ou os cães e gatosabandonados.

Rosa Maria Martelo, a quem o po-eta ofereceu uma gravação de ASombra do Caçador, sugere que, ne-le, "essa convicção de que há sem-

pre uma resposta contra o mal", ede que devemos tomar partido pelosmais frágeis e inocentes, poderiabem ter como imagem arquetípicauma cena do filme de Laughton, queo próprio Pina descreve assim numacrónica: "Lilian Gish protegendo as

crianças com a grande espingardae a sua pequenina voz cantando nanoite contra o medo...". Rosa MariaMartelo ficou com a sensação de quePina queria mesmo que visse o fil-

me, e julga ter percebido o motivo:"Acho que me estava a dar uma es-

pécie de chave, a dizer-me que aque-le filme era importante para enten-der a sua poesia, e para o entendera ele".

Nesse único filme de Laughton, o

mal, encarnado em Robert Mitchum,persegue encarniçadamente as du-as crianças em cenas exteriores, ao

longo de um rio, e quando LilianGish surge para as proteger é comose voltassem a ter casa, como se asua grande espingarda fosse já o te-lhado de um abrigo. Também na

poesia de Pina, e talvez não apenasna poesia, o verdadeiro contráriodo mal, da hostilidade, do vazio, foi

sempre a casa, uma casa que é aomesmo tempo a casa da infância -que é ao mesmo tempo a infância-eum sítio onde pousar a cabeça.

Ouvi-lo ir saltandode assunto paraassunto era umverdadeiro prazer,desde que o

interlocutor nãoacalentassedemasiadasambições demanter um dialogoconvencional

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