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MARCO TEÓRICO SOBRE A AGRICULTURA FAMILIAR NA
AMÉRICA LATINA:
estudo comparativo sobre a produção científica
e os relatórios da FAO
Lucas Baracat Pedroso1 Cláudia Souza Passador1
Marco Antonio Catussi Paschoalotto1
RESUMO A Agricultura Familiar possui uma grande importância para a América Latina e desempenha um papel fundamental na estruturação de suas características econômicas, sociais e demográficas. Compreender como a sua importância pode auxiliar governantes a desenvolverem melhores políticas públicas com o objetivo de promover o desenvolvimento de tal setor da agricultura. O objetivo deste trabalho é identificar qual é o papel econômico e social da Agricultura Familiar na América Latina. Para tanto, foi realizada uma busca avançada em bases de pesquisa acadêmica e selecionados os artigos referentes ao tema publicados entre os anos de 1999 e 2014. Após isto, realizou-se uma classificação dos trabalhos selecionados e uma comparação destes com os relatórios publicados pela FAO (Food And Agriculture Organization of the United Nations) no período de 2011 a 2015. Os principais pontos de similaridade encontrados entre os artigos e os relatórios são em relação à importância que a agricultura familiar possui na produção de alimentos, bem como na geração de empregos e renda, no número de propriedades, na consequência dos entornos para a produção, na necessidade da comunicação de identidade regional e denominação de origem, na importância dos circuitos curtos, na grande heterogeneidade das propriedades, na carência de políticas públicas e quanto à falta de crédito aos pequenos produtores. Palavras-chave: Agricultura Familiar. América Latina. Papel Econômico e Social.
1 Universidade de São Paulo (USP).
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1 INTRODUÇÃO
Segundo Baquero, Fazzone e Falconi (2007), apesar de a agricultura familiar
seguir sendo um dos setores mais extensos e dinâmicos nas áreas rurais, sua
importância não havia sido suficientemente reconhecida nem valorizada do ponto de
vista das políticas públicas dos países da América Latina. Nas últimas décadas, esta
subvalorização se tem traduzido em políticas e programas setoriais que orientaram
os gastos públicos para a propriedade privada, sem levar em conta a enorme
heterogeneidade e diferenciação existente dentro deste seguimento demográfico e
produtivo, sendo os benefícios captados pelos produtores e capitalizados. Por esse
motivo, grande parte da agricultura familiar ficou predestinada à pobreza rural e se
tem reforçado as correntes migratórias para as cidades e para outros países.
Contudo, atualmente as políticas públicas orientadas para a agricultura
familiar e o desenvolvimento rural se constituem em temas centrais para boa parte
dos países da América Latina. A produção familiar ou pequena produção aparecem
como questões centrais das ações de desenvolvimento rural. A estrutura agrária dos
países latino americanos se diferenciou em dois tipos de unidades produtivas: as
unidades camponesas e as empresas agropecuárias. Porém, no interior de ambos
os grupos ou como intersecção dos mesmos, existem os agricultores que podem ser
rotulados como agricultores familiares e que se caracterizam por serem principais
geradores de receita, empregos e alimentos no meio rural mundial (NOGUEIRA;
URCOLA, 2013).
Desta forma, o tema da pequena agricultura familiar tem sido objeto de
atenção recente por parte dos meios de opinião pública em quase todos os países
da América Latina e é uma pauta de destaque na sociedade contemporânea em
termos globias. A imprensa traz informações sobre a crise em que se encontra o
setor como resultado dos altos custos de produção, especialmente dinheiro, assim
como por efeito da concorrência com produtos similares importados. Em alguns
países, onde os processos de abertura têm sido mais radicais, o impacto neste setor
também tem sido dramático. No México, por exemplo, uma avaliação feita pelo
Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) sobre o impacto previsível
do Tratado de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e das reformas
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econômicas, revela que estes ameaçam fundamentalmente ao setor agrícola
(VEGA, 2015).
Conforme mostra o trabalho de Vega (2015), o setor da pequena produção
rural desempenhou um papel essencial no modelo de industrialização por
substituição de importações na medida em que, com diferenças entre os países, se
converteu em um produtor importante de alimentos básicos e de alguns itens
significativos de exportação. Ainda mais, foi objeto de políticas e projetos específicos
como crédito, a assistência técnica ou a comercialização, e de projetos integrais de
desenvolvimento rural. Em muitos casos, e como consequência do anterior, se
produziram processos significativos de inovação tecnológica e de capitalização.
Desta forma o problema que este trabalho procurou solucionar foi identificar
de que forma a agricultura familiar influencia a economia e a sociedade na América
Latina?
Para responder a essa pergunta, o objetivo geral desta pesquisa foi identificar
qual é o papel econômico e social da Agricultura Familiar na América Latina. Já os
objetivos específicos são:
Realizar uma classificação e resumo dos trabalhos e autores.
Identificar qual a importância da Agricultura Familiar para a América Latina.
Realizar uma comparação entre o que foi publicado em artigos científicos e
os relatórios da FAO (Food And Agriculture Organization of the United
Nations).
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1. Caracterização da agricultura familiar
A primeira caracterização de agricultura familiar foi feita pelo Comitê
Interamericano de Desenvolvimento Agrícola (OIDA), organismo criado na
Conferência Interamericana de Punta del Este de 1959, com o objetivo de
impulsionar programas de reforma agrária. A abordagem tipológica utilizada pelo
OIDA oferecia a possiblidade de reduzir ao mínimo a dificuldade de diferenciar a
posse da terra e assim estudar as relações entre posse e desenvolvimento da terra.
Introduziu-se então um conceito de tamanho baseado na extensão essencial para
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proporcionar emprego remunerado para uma família de camponeses típica,
utilizando os recursos técnicos com que se conta na região e de acordo com os
valores culturais locais (CARMAGNANI, 2008).
No entanto, segundo Nogueira e Urcola (2013), é muito difícil encontrar uma
noção única de agricultura familiar. Nem investigadores nem os responsáveis por
elaborar políticas de desenvolvimento rural concordam em uma definição e ela pode
variar consideravelmente dependendo da região ou do país. A categoria “agricultura
familiar” foi criada por cientistas sociais europeus e incorporada desde a década de
1990 por sindicatos e organizações de desenvolvimento rural no Brasil, começado a
circular na América Latina em um contexto de descentralização e redução do
Estado.
Para Carmagnani (2008), a análise das mudanças que acontecem na
tipologia dos produtores rurais permite perceber que a abordagem conceitual da
tipologia é inadequada, visto que desenha uma imagem ambígua da agricultura
familiar. Se apresentando assim, como um grande problema, uma vez que a
ambiguidade impossibilita toda elaboração teórica sustentada na informação
empírica existente e dificulta ainda mais as políticas públicas.
Um dos motivos da existência de tal ambiguidade é que a agricultura familiar
é considerada por muitos como uma novidade, sem se levar em conta que ela pode
ter uma história de muitos séculos. Na realidade, ela nasce e se consolida com as
grandes mudanças ocorridas na América Latina entre 1850 e 1970. Primeiro, a
ordem liberal e as revoluções liberais dos séculos XIX e XX, e depois os governos
nacional-populistas do século XX provocaram a desarticulação da propriedade
agrária da igreja, legalizaram a apropriação de terras vagas ou públicas pelos
agricultores sem-terra, favoreceram a colonização agrícola em regiões fronteiriças e
as grandes propriedades foram fragmentadas pela reforma agrária (CARMAGNANI,
2008).
2.2 Análise da literatura
Em seu artigo “A agricultura familiar ante o novo padrão de competitividade do
sistema agroalimentar na América Latina”, Wilkinson (2003) considera algumas das
principais transformações recentes na organização econômica e institucional do
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sistema agroalimentar na América Latina para avaliar as oportunidades e os
desafios que elas apresentam para a agricultura familiar e as comunidades rurais
tradicionais.
Primeiramente, considera as novas barreiras de acesso ao mercado criadas
por medidas de liberalização e pelo avanço dos supermercados. Em seguida,
destaca tendências que apontam para o papel mais estratégico de micro e pequenos
empreendimentos, sobretudo aquelas que se apoiam em noções de aglomeração e
estratégias territoriais. O artigo conclui com uma apreciação do potencial para
inserção econômica da valorização de conhecimentos e recursos tradicionais.
Segundo ele, não é a grande empresa autossuficiente que é o motor de
dinamismo econômico, mas a construção de clusters, de distritos agro-industriais e
de sistemas agro-alimentares locais. Após a crise dos anos 80 e a percepção do
fracasso do modelo de substituição de importações, o conjunto dos países da
América Latina remodelou os seus sistemas de governança interna e externa ao se
ajustarem às pressões dos organismos financeiros internacionais, ao se alinharem
às exigências da OMC e ao adotarem estratégias de crescimento por via das
exportações.
Em relação aos mercados nacionais, esse processo levou à retirada do
governo de controles diretos na forma de preços ou compras e em muitos casos ao
desmantelamento de serviços de extensão e também à eliminação de políticas
ativas setoriais. Houve uma fragilização da participação dos pequenos produtores e
de suas organizações tradicionais (cooperativas) nesses mercados. Tais medidas
vieram acompanhadas de uma menor proteção tarifária e uma maior abertura ao
comércio internacional, levando em vários casos a um aumento no ritmo de
importações de alimentos (WILKINSON, 2003).
No artigo “Agricultura Familiar e Desenvolvimento Territorial”, escrito por
Abramovay (1999), são expostos os principais argumentos favoráveis a uma política
de desenvolvimento rural no Brasil. Nele é defendido que o desenvolvimento
brasileiro baseado na diversificação de seu sistema urbano vai exigir uma nova
dinâmica territorial, onde o papel das unidades familiares pode ser decisivo. Por
isso, o desenvolvimento rural deve ser concebido mais como um quadro territorial do
que um quadro setorial, e o desafio não será mais de como integral o agricultor à
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indústria, mais sim de criar condições para que a população do país valorize um
certo território, num conjunto variado de mercados e atividades.
Em seu artigo “ A Produção Invisível na Agricultura Familiar: Autoconsumo,
Segurança Alimentar e Políticas Públicas de Desenvolvimento Rural”, Grisa, Gazolla
e Schneider (2010) demonstram a importância que a produção para autoconsumo
possui para os agricultores familiares do Rio Grande do Sul - Brasil. Diferentemente
de outras épocas, quando era qualificada como uma produção marginal ou
insignificante do ponto de vista econômico, o autoconsumo exerce agora vários
papéis junto aos agricultores familiares e no mundo rural contemporâneo e se
mostra como sendo fator de extrema importância para a sobrevivência dos
agricultores familiares.
Segundos os autores, todas as formas familiares de produção, sejam elas
mais empresariais ou mercantis, sejam menos inseridas no mercado (produtores de
subsistência), realizam algum tipo de produção cujo fim é o consumo familiar. Os
camponeses e agricultores familiares manipulam uma base de recursos
autocontrolada, o que lhes garante certa autonomia em relação à existência de um
ambiente hostil. Assim, o autoconsumo deve ser interpretado como uma estratégia
que é utilizada pelas unidades familiares com o objetivo de garantir a autonomia
sobre um fator crucial para a sobrevivência: a alimentação. A produção para
autoconsumo possibilita o acesso direto aos alimentos, visto que estes seguem
direto da unidade de produção (lavoura) para a unidade de consumo (casa), sem
nenhum processo de intermediação que a torne valor de troca.
Em seu artigo “Mercados Agroalimentares e a Agricultura Familiar no Brasil:
Agregação de Valor, Cadeias Integradas e Circuitos Regionais”, Maluf (2004) aborda
a inserção da agricultura familiar nos mercados de produtos agroalimentares e a
produção de alimentos realizada em pequenos e em médios empreendimentos
agroalimentares rurais, bem como a promoção de estratégias autônomas de
agregação de valor às matérias-primas agrícolas por seus próprios produtores,
fazendo uso do enfoque da “construção de mercados” adequado à realidade dos
agentes econômicos de pequeno porte.
Para Maluf (2004), as decisões sobre os projetos a serem implementados
pelos pequenos agricultores carecem da disponibilidade de informações de mercado
adequadas às necessidades deles, no que diz respeito aos mercados de produtos e
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de insumos, à oferta de equipamentos e de tecnologia, entre outros. Uma proposta
de estímulo à implementação de estratégias autônomas de agregação de valor pelos
pequenos agricultores deve fazer referência à importância de se criar programas de
apoio ao varejo de alimentos de pequeno porte. Esse apoio teria como objetivo
capacitar esses agentes para que pudessem atender às novas exigências criadas
pela comercialização de alimentos e pudessem explorar as possibilidades oferecidas
pela diferenciação do consumo, buscando aproximar esse tipo de varejo e os
pequenos produtores da própria região.
Landini e Bianqui (2014) defendem em seu artigo que ter informações
relevantes e organizadas é fundamental para tomar decisões no contexto de
políticas públicas. Na área de desenvolvimento rural, sensos agrários desempenham
um papel fundamental. Apesar da existência de vários documentos que descrevem e
caracterizam a agricultura familiar na América Latina, nada semelhante acontece
com relação aos praticantes de extensão rural. Na realidade, na maioria dos países
da América Latina, é incerto o número de extensionistas rurais (ou agentes de
desenvolvimento) que trabalham juntos dos agricultores familiares e quais são as
suas características, como por exemplo, nível de educação, diploma universitário e
anos de experiência na profissão.
Em seu artigo “A hierarquização da Agricultura Familiar nas Políticas de
Desenvolvimento Rural na Argentina e no Brasil”, Nogueira e Urcola (2013) afirmam
que, segundo os últimos sensos agropecuários de cada país (2006 - Brasil e 2002 -
Argentina), se calcula que a agricultura familiar representa 84,4% dos
estabelecimentos agropecuários brasileiros e 75,3% dos argentinos. Tais
agricultores ocupam 24,3% da superfície total do Brasil, com uma superfície média
por estabelecimento de 18 hectares. Enquanto que na Argentina ocupam 17,7% da
superfície total, com uma média por estabelecimento de 142 hectares. Esta forma
produtiva é responsável, em ambos os países, pela geração de bens agropecuários
fundamentais, em termos de soberania alimentar, e de receita e emprego dentro do
setor agropecuário.
É importante destacar a relevância que tem a agricultura familiar como
categoria política para pensar no desenvolvimento em termos de equidade. Isto é,
não só como um modo de “contabilizar” operacionalmente quem faz parte deste tipo
de produção, mas sim o conceber como um modo de vida e de vincular-se com a
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natureza cuja consolidação se encontra relacionada com a relevância que os
Estados e as ações públicas lhe dão em médio e longo prazo (NOGUEIRA;
URCOLA, 2013).
3 METODOLOGIA
O presente estudo é de carácter descritivo e possuí uma abordagem
qualitativa. O método utilizado foi a revisão integrativa da literatura. Através deste
método é construído um panorama abrangente em relação ao estado de
desenvolvimento da ciência, contribuindo para o avanço da literatura e possibilitando
a aplicação dos resultados em ações sociopolíticas (WHITTEMOR; KNAFL, 2005).
Tal método possuí grande importância no sentindo em que integra as descobertas
em pesquisas focadas em temas emergentes.
A revisão integrativa foi realizada no período compreendido entre abril e
novembro de 2016 e a operacionalização dos métodos ocorreu com base nas
seguintes etapas propostas por Lages Junior e Godinho Filho (2010):
1. Realização de uma busca avançada, em bases de pesquisa acadêmica,
sobre os artigos disponíveis frente à temática estudada;
2. Proposição de um sistema de classificação dos trabalhos selecionados;
3. Uso do sistema classificatório proposto para gerar uma compreensão
simplificada quanto ao conhecimento existente sobre o tema;
4. Desenvolvimento de um resumo sobre a produção científica e os resultados
primordiais dos artigos escolhidos.
5. Comparação entre o que foi publicado em artigos científicos sobre o tema
do trabalho no período de 1999 a 2014 e os relatórios feitos pela FAO (Food And
Agriculture Organization of the United Nations) no período de 2011 a 2015.
Inicialmente foi conduzida uma busca nas seguintes bases de pesquisa
científica: Web of Science, Scopus, Sibi USP e Google Acadêmico. As palavras-
chave utilizadas para compor a investigação incluíram: “ economia”, “agricultura
familiar” e “América Latina”. Para aumentar a efetividade da pesquisa, também foram
utilizadas variações destes termos na língua inglesa e espanhola.
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4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
4.1 Resumo dos artigos
Quadro 1 – Resumo dos artigos (Continua)
Nome dos artigos e autores
Resumo dos artigos
Agricultura familiar e desenvolvimento territorial (Ricardo Abramovay, 1999).
O principal objetivo deste trabalho é analisar os argumentos favoráveis à uma política de desenvolvimento rural no Brasil. O autor defende que tal desenvolvimento não poderá acontecer de forma espontânea somente como resultado das forças do mercado. É necessário, na elaboração das políticas capazes de promove-lo, que se altere as expectativas que as elites brasileiras possuem a respeito de seu meio rural, que sofre um esvaziamento cultural, demográfico e social. O processo de descentralização do crescimento econômico e o fortalecimento das cidades médias são fundamentais para que o meio rural possa desempenhar suas funções positivas para a sociedade brasileira.
A agricultura familiar ante o novo padrão de
competitividade do sistema agroalimentar
na América Latina (John Wilkinson, 2003).
Este artigo procura analisar as principais transformações que ocorreram nos últimos anos na organização econômica e institucional do sistema agroalimentar da América Latina. Desta forma, avalia os desafios e as oportunidades que apresentam as tradicionais comunidades rurais familiares e a agricultura familiar em geral. Primeiro, se discuti o novo quadro institucional, que altera os espaços entre o privado e o público nos mercados agroalimentares e são expostas as regras de cada país às exigências da OMC. Após isto, são destaca as tendências que indicam que as pequenas e médias empresas e a pequena produção passam a desempenhar um papel mais central no desenvolvimento dos países. Já na terceira parte, é apontada a valorização de recursos naturais e conhecimentos tradicionais como opção de reinserção econômica da pequena produção.
A “Produção Invisível” na Agricultura Familiar:
Autoconsumo, Segurança Alimentar e Políticas Públicas de
Desenvolvimento Rural (Cátia Grisa, Marcio
Gazolla e Sergio Schneider, 2010).
Neste trabalho é demonstrada a importância que a produção para autoconsumo possui para os agricultores familiares do Rio Grande do Sul, em importantes dimensões do seu processo de reprodução social, na segurança nutricional e alimentar e nos processos de diversificação econômica e produtiva dessas famílias. Esta produção não é invisível, ao contrário de como já foi caracterizada anteriormente, e é importante base dos processos de manutenção das formas familiares no meio rural, independentemente do nível de integração destas com o mercado. Este tipo de produção é muitas vezes desconsiderado pelas políticas públicas, uma vez que estas políticas geralmente incentivam produções com maiores valores no mercado, como no caso das commodities agrícolas e as grandes empresas agroalimentares.
Mercados agroalimentares e a
agricultura familiar no Brasil: agregação de
valor, cadeias integradas e circuitos regionais (Renato S.
Maluf, 2004).
Este artigo aborda a inserção da agricultura no mercado de produtores agroalimentares, bem como a produção de alimentos ocorrida em médios e pequenos empreendimentos rurais. Ele aborda a promoção de estratégias autônomas de agregação de valor às matérias primas agrícolas por seus próprios produtores, adequando a construção de mercados à realidade dos agentes econômicos de pequeno porte. O autor sugere que seja incorporado a dimensão espacial-territorial da atividade produtiva à abordagem do tipo setorial, com base nos circuitos regionais de produção, consumo de alimentos e distribuição.
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Quadro 1 – Resumo dos artigos (Continuação)
Nome dos artigos e autores
Resumo dos artigos
Perfil sociodemográfico de diferentes amostras de extensionistas rurais
da América Latina (Fernando Landini e
Vanina Bianqui, 2014).
Este trabalho trata da coleta de dados sobre a distribuição e as características da agricultura familiar quando se busca implementar e elaborar políticas públicas no contexto do desenvolvimento rural. Também destaca que é dado pouco atenção às características sociodemográficas dos extencionistas rurais, que são as pessoas que apoiam a agricultura familiar no território. O trabalho analisou extencionistas rurais de 10 países da América Latina, e assim pode realizar uma descrição preliminar do perfil destes extencionistas.
A Agricultura Familiar na América Latina
(Marcello Carmagnani, 2008).
O trabalho aborda a dimensão produtiva, a complementaridade entre a atividade agrícola e a não agrícola, bem como a dotação e distribuição de seus ativos materiais, económicos, sociais, políticos e culturais da agricultura familiar na América Latina para ilustrar as suas características. Para isso, o autor utilizou dados de censos agropecuários elaborados pelas instituições de países latino-americanos nos últimos anos. Isto possibilitou reconstruir o que se pensava sobre sua capacidade de projeção em relação ao mercado, sua estratégia produtiva e a racionalidade que caracteriza a agricultura familiar.
A hierarquização da agricultura familiar nas
políticas de desenvolvimento rural
na Argentina e no Brasil (Maria Elena Nogueira, Marcos Andrés Urcola,
2013).
Este artigo busca descrever os processos de dar hierarquia institucional e política para a agricultura familiar como forma de promover o desenvolvimento rural no Brasil e na Argentina. Os autores consideram as diferenças e similaridades na forma como os dois países abordaram o assunto para analisar o processo de inclusão da agricultura familiar no desenvolvimento rural destes países. Com esse objetivo, analisam e sistematizaram diversos documentários oficiais, informações de sensos agropecuários e a literatura especializada no assunto.
Agricultura Familiar e Reforma Agrária no Século XXI (Carlos Guanziroli, Ademar Romeiro, Antônio M. Buainain, Alberto Di
Sabbato e Gilson Bittencourt, 2001).
Este trabalho identifica como um fator limitante na ação de assistência técnica a falta de capacitação dos técnicos envolvidos nos projetos de assentamentos. Isto pode ser constatado independentemente da região e observou-se que isto se dá de forma mais grave nos casos em que os projetos são menos desenvolvidos. Os autores também constatam que existe uma ausência de integração de assistência técnica em todos os tipos de pesquisas agrícolas, universidades e demais fontes de conhecimentos científicos.
Fonte: Criado pelos autores.
4.2. Comparações entre os Artigos Científicos e os Relatórios da FAO
Segundo o relatório “Pequenas Economias: Reflexões Sobre a Agricultura
Familiar Campesina” da FAO (2015), tem sido argumentado que existem algumas
características da pequena produção agrícola afetando processos de capitalização:
os custos de escala e de produção. Em relação à primeira, se diz que dadas as
tendências de desenvolvimento tecnológico, as melhores escalas de produção são
independentes do tamanho da propriedade. Além disso, diz-se que as pequenas
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empresas rurais são mais eficientes do que as grandes porque são mais flexíveis, os
incentivos são mais claros, as responsabilidades de gestão e dos trabalhadores são
mais bem estabelecidas e a percepção da estrutura de custo é melhor. Obviamente,
isso não exclui o fato de que existe um tamanho pequeno demais para que a
agricultura por si só seja capaz de sustentar uma família. Este, porém, depende dos
produtos e tecnologias disponíveis.
Referente aos custos inerentes às pequenas propriedades rurais, Wilkinson
(2003) destaca que a grande distribuição substitui os canais tradicionais de
distribuição com a montagem de centrais próprias de distribuição por país ou região,
que gera maior vantagem logística e, portanto, maior vantagem de custos, e também
substitui fornecedores tradicionais, operando com um número limitado de
fornecedores especializados que atendem às especificações de entrega, leque de
produtos e qualidade. Não predominam contratos formais, mas os fornecedores
precisam fazer parte do registro de fornecedores e obedecer a rígidos critérios de
qualidade, sujeitos a inspeção periódica. A maior parte dos negócios é conduzida
pela Internet na forma de B2B. Estes fatores são prejudiciais para a agricultura
familiar do ponto de vista da competitividade.
No relatório “Políticas para a Agricultura Familiar na América Latina e no
Caribe” da FAO, Baquero, Fazzone e Falconi (2007) estimam que o número total de
exportações da agricultura familiar nos seis países estudados no relatório (Brasil,
México, Nicarágua, Equador, Chile e Colômbia) chegaria a 11 milhões de unidades,
representando entre 30% e 60% da superfície agropecuária e florestal destes
países. A população vinculada a este setor representa cerca de 50 milhões de
pessoas, o que por sua vez representa 14% da população destes países. A
contribuição da agricultura familiar no valor da produção setorial (agrícola, pecuária,
pesqueira e florestal) varia entre um quarto e dois terços entre os países estudados.
Em todos os casos, a contribuição para o emprego setorial é substancialmente
maior, cobrindo pelo menos a metade do emprego rural e podendo alcançar até
77%, como é o caso do Brasil.
Já no que diz respeito ao papel extremamente importante que a agricultura
familiar desempenha no fornecimento de alimentos para a América Latina e para o
mundo, Maluf (2004) salienta que os circuitos regionais de produção, distribuição e
consumo de alimentos formam-se no âmbito das regiões no interior dos países ou
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no entorno dos núcleos urbanos de pequena e média dimensões. Além dos
produtores agrícolas, esses circuitos são integrados por cooperativas ou
associações de pequenos agricultores, constituídas para beneficiar ou processar as
matérias-primas agrícolas, e por empreendimentos urbanos industriais e comerciais,
também de pequeno porte, ligados à transformação, à distribuição e ao consumo de
produtos alimentares, a saber: pequena indústria alimentar, pequenos
supermercados, um conjunto diversificado que compõe o varejo tradicional e o
comércio especializado de alimentos e de refeições prontas (armazéns, empórios,
quitandas, padarias, açougues, casas de frios, etc.), equipamentos de
abastecimento (feiras livres, varejões, sacolões, etc.).
No relatório “Perspectivas da Agricultura e do Desenvolvimento Rural nas
Américas: um Olhar sobre América Latina e Caribe” da FAO, Bárcena, Silva e
Villalobos (2011) argumentam que nos próximos ano surgirão grandes
oportunidades no setor pecuário, devido à crescente demanda mundial de carne e
leite. Os países que poderão aproveita-las serão aqueles que elevarem sua
produtividade de maneira sustentável e que respondam melhor às preferências dos
consumidores. Também surgirá a oportunidade de potencializar a criação de animais
domésticos no âmbito da agricultura familiar. O setor pecuário, em especial no setor
de pequenos produtores familiares, poderia realizar uma importante contribuição ao
desenvolvimento econômico e social da América Latina, não somente porque gera
produtos cuja transformação agrega valor à economia, mas também porque oferece
às famílias rurais um meio de vida que lhes permite combater a pobreza e a
insegurança alimentar (BARCENA, SILVA, VILLALOBOS; 2011).
Em diversos países da região, se tem estabelecido programas de acesso à
crédito em melhores condições que as imperantes no mercado financeiro, cuja
principal finalidade tem sido facilitar a incorporação de micro e pequenos produtores
no mercado interno. Exemplos dessas iniciativas são programas de crédito de apoio
aos pequenos produtores de feijão (América Central), trigo (Argentina) e leite (Chile);
o programa “Agro Rural”, no Peru; e o programa “Mais”, no Brasil, que mediante a
iniciativa “Colheita da Agricultura Familiar” impulsionou linhas de crédito em
condições favoráveis. Outras políticas implementadas se orientaram a promover
acesso a financiamento para atividades de comercialização e a fortalecer as cadeias
agrícolas de valor, com o objetivo de fomentar a demanda de produtos agrícolas e
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reduzir os custos de transação de crédito agrícola. Por exemplo, no Brasil se
aplicaram políticas orientadas a promover a cobertura dos custos de transporte no
âmbito da comercialização de leite, e na Argentina foram oferecidos títulos para
cobrir os custos da administração da carteira de crédito das entidades que dão
crédito à agricultura (BÁRCENA, SILVIA, VILLALOBOS; 2011).
5 CONCLUSÃO
Este estudo teve como objetivo identificar qual o papel da agricultura familiar
na economia e na sociedade da américa latina. Para isso, foi realizado uma revisão
integrativa da literatura, através de uma classificação e sistematização dos autores e
dos artigos publicados sobre o tema, uma análise da agricultura familiar por países e
uma comparação entre os artigos científicos e os relatórios da FAO.
Através deste estudo pôde-se constatar que a agricultura familiar
desempenha um papel social e econômico extremamente importante para a América
Latina e que os artigos científicos publicados no período abordado pelo estudo e os
relatórios das Nações Unidas possuem muitas similaridades. Eles concordam
quanto a importância que este setor possui para produção de alimentos, sendo
responsável por grande parte dos alimentos produzidos na América Latina. Da
mesma forma, concordam que a agricultura familiar é grande responsável pela
geração de emprego e renda no meio rural, e que o número de propriedades rurais
deste setor e o número de trabalhadores empregados nela é elevadíssimo.
Outros pontos de similaridade entre os relatórios da ONU e os artigos
científicos são que ambos destacam que diferentes entornos afetam as
características da agricultura familiar, (acesso à recursos naturais, bens e serviços,
etc) e que, para concorrer com os grandes produtores, os pequenos produtores
devem agregar valor aos seus produtos através da comunicação de uma identidade
regional e denominação de origem, bem como explorar ao máximo os circuitos
curtos como estratégia competitiva. Também destacam que a agricultura familiar na
região é muito heterogênea e que políticas macroeconômicas afetam os pequenos
produtores familiares.
Além disso, ambos defendem que existe uma forte carência de políticas
públicas voltadas exclusivamente para o segmento da agricultura familiar, uma vez
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que a maioria das políticas e dos investimentos nos países latino-americanos
possuem forte viés urbano, e destacam também a grande importância que o
fornecimento de crédito possui para os pequenos produtores. No entanto, um ponto
de diferença entre eles é que os relatórios abordam a pecuária e os artigos não.
Portanto, fica evidente que a agricultura familiar possui grandes desafios para
se manter competitiva no atual cenário de globalização e as novas exigências ao
meio rural que são impostas, como, por exemplo, novos padrões de qualidade
exigidos pelas grandes redes. Para isso, os pequenos produtores familiares devem
considerar muito importantes suas relações com os mercados e explorar ao máximo
o potencial de relações comerciais com os centros urbanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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