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A vida é tão cheia de “primeiras vezes” que às vezes fico sem

entender a razão da taquicardia e do suor frio, já deveríamos estar

mais que acostumados a enfrentar o desconhecido. A primeira

ida ao dentista, o primeiro dia de aula, a primeira nota baixa, a

primeira dose de Pitú, a primeira ressaca, a primeira entrevista

de emprego... De todas as primeiras vezes, o primeiro dia de aula,

com certeza, foi sempre o mais aterrorizante. Primeiro era aquele

misto de depressão por acabarem as férias e alegria por rever os

amigos. Depois vinham as dúvidas: será que vai chegar um gat-

inho novato? Como serão os professores? O próximo ano é muito

difícil? E por último vinha a trabalhosa preparação psicológica

para as apresentações que os professores nos obrigavam a fazer.

E cada ano piorava, incrementavam novos elementos da nossa

privacidade a ser compartilhados com nossos novos colegas e

tutores. Esses medos infantis acompanharam a mim e muitos de

meus colegas estudantes durante toda a vida escolar/universi-

tária. Mas hoje, cursando o último período de jornalismo vejo que

estávamos errados. Não deveríamos temer os primeiros dias, mas

sim, os últimos.

Já completei minha cota de primeiros dias. Agora estou

no processo mais importante que é o de fazer jus a todos essas

aproximadas 900 aulas, descontando alguns feriados e ausências

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justificadas. O reconhecimento vem em forma de um papel tim-

brado com a assinatura de vossa magnificência e que funciona

basicamente como uma chave. Abre a porta do mercado de tra-

balho, de concursos públicos de nível superior, da ascensão social

e da cela comum. Mas para garantir o diploma temos primeiro

que passar pelo maior de todos os estágios do curso de gradu-

ação: concluir (com nota suficiente) o projeto de conclusão de

curso. Engana-se quem pensa que essa é uma fase de passar. Os

detalhes devem ser minimamente observados e minuciosamente

caprichosos. Um erro no final pode ser fatal. O projeto pode ser

uma etapa complicada para uns e terrível pesadelo para outros.

Alguns cursos se contentam com um relatório de um estágio

curricular, como é o caso de administração de empresas, outros

exigem uma monografia, caso de fisioterapia, fonoaudiologia, e

temos ainda os que oferecem mais opções aos alunos, podendo

realizar trabalhos na área de fotografia, jornal impresso, tecnolo-

gias digitais, rádio ou TV, caso de jornalismo, o meu caso. Eu estava

perdida sem saber o que escolher dentre tantas opções. Não fazia

idéia do tema nem da mídia. Vários fatores devem ser levados em

conta: quem é o professor orientador, se o trabalho é individual,

dupla ou trio, se é algo trabalhoso ou mais simples, qual mídia

mais tem a ver com a minha área de atuação, enfim, são infinitas

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variáveis que torna a decisão ainda mais complicada. Eu simples-

mente deixei rolar para ver o que acontecia, já que não tinha uma

resposta para as perguntas.

No prazo final, Luiz Manghi veio com a idéia de fazer o pro-

jeto no estilo do Novo Jornalismo e em mídias digitais. Peguei

carona com ele e hoje estamos aqui quebrando a cabeça para

fazer algo com conteúdo e criativo, o que no mundo de hoje não

é nada fácil. E as dúvidas não acabaram, só aumentam. O projeto

em mídias digitais é praticamente um projeto piloto da Univer-

sidade Católica, nunca fizeram nada igual, somos literalmente,

as cobaias. Podemos nos dar muito mal, ou muito bem. No início

tínhamos uma ementa que mais nos confundia do que orientava,

mas ela já não mais preocupação, nem os próprios professores da-

vam-lhe importância. Os orientadores também não sabem muito

bem onde ou não devem pisar, às vezes “viajam” com a gente, e

às vezes nosso obrigam a aterrissar, mas é o papel deles, não os

condeno. Além disso, professor orientador não é só professor ori-

entador; também é funcionário de outras instituições, docente de

outras disciplinas e cursos, pai de família, etc, ou seja, tem mais

preocupações do que nosso humilde projeto.

A avaliação da banca é outro receio. Como eles vão digerir os

nossos textos totalmente fora do padrão do jornalismo comum,

estamos fazendo algo totalmente experimental, dando o tiro no

escuro. Mas não é algo que nos dê medo, ou nos limite, não faze-

mos nada pelos professores, pela banca ou pela nota, fazemos por

aquilo que aprendemos na faculdade: o valor do texto, o prazer

de ler e o de escrever. Também temos que conciliar o projeto com

mais duas disciplinas e com a pressão de cumprir 150 horas de

atividades complementares, caso contrário, não nos formamos.

Fora isso temos estágio, e o medo do desemprego. Estamos prati-

camente com a chave na mão e não sabemos que porta abrir.

Mas minha situação ainda está boa. Somos privilegiados

que fazemos o que gostamos. Conversei com colegas em situação

piores. Um, inclusive, chegou a desistir do projeto, escolheu fazer

em fotografia por ser mais simples, mas a falta de equipamento,

segundo ele, o prejudicou e ele preferiu deixar para o próximo

semestre. Outro exemplo é o nosso colega de mídias digitais:

primeiro ele está fazendo sozinho, um trabalho que é para ser

feito por dois, e em meio a produção teve que mudar todo o con-

ceito de seu site. Tem a história também da minha colega que fa-

zia fonoaudiologia e que hoje está formada. O projeto dela tinha

um nome bastante complicado e em fono eles começavam a de-

senvolver a monografia já no penúltimo semestre. Foi um ano de

agonia para a coitada. Ela precisava encontrar bebês que não con-

seguiam comer direito e vomitavam, e dar um diagnóstico para

eles. Já no final do curso ela não encontrava esses bebês, teve que

fazer com um número muito menor que o esperado e o orienta-

dor ainda a mandou mudar grande parte do texto. Quando ela

chegou na banca, os avaliadores criticaram todas as mudanças

sugeridas pelo professor.

Fazer projeto é isso, é estar submisso às ementas, às regras da

universidade, aos professores orientadores, à banca examinadora,

à pressão psicológica, aos problemas técnicos/amostrais. Não é

fácil manter a calma nessa hora, mas esse pode ser o segredo do

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sucesso. Saber driblar os contratempos e levá-los ao nosso favor.

É fazer algo com prazer, que tudo sai mais fácil. Vamos ter que

fazer isso de todo jeito (ao menos que seu curso não obrigue),

então que façamos algo de nosso interesse, que não complique

nossa vida, nem se torne um problema a mais. Estamos saindo da

faculdade, e não devemos usar o que aprendemos como receita

de bolo e ficarmos igual aos profissionais que estão no mercado,

vamos ousar e sermos diferentes. E o projeto é um bom início para

a inovação. E assim vamos na luta pelo pedacinho de papel tim-

brado tão valioso para muitos, a não ser que você seja jornalista,

mas isso já é outra conversa...

Perigo - O relato a seguir trata-se de uma história verídica.

Quem vos conta é o nosso colega, também concluinte em jornal-

ismo, Otávio Portugal.

Indeciso com a escolha do projeto, me veio a cabeça o tema

aeroporto. Ninguém tinha trabalhado com esse assunto, pelo

menos em fotografia. Consegui a autorização com a assessoria

de imprensa do aeroporto. Passei duas semanas bem despreocu-

pado fotografando as dependências do Aeroporto Internacional

Gilberto Freyre. Tirei fotos da área pública, da pista de pouso e de-

colagem, das salas de embarque e desembarque e, por último, do

estacionamento. Dois meses depois, estava na Rua do Lazer, ali na

Católica, comendo uma coxinha com massa de batata, fumando

um cigarro de sobremesa e conversando com uma amiga. A ga-

rota trabalhava com a manutenção do sistema de segurança do

aeroporto, de repente, ela se virou para mim e disse:

- Sim Otávio, eu queria falar com você...

- Sobre?

- Numa reunião que teve em São Paulo para discutir a se-

gurança nos aeroportos brasileiros, sua foto estava no banco de

dados de suspeitos da Polícia Federal.

A primeira coisa que pensei foi:

- Meu deus! Como eu sou foda e, também,muito perigoso.

Através dessa pessoa com quem conversei, descobri que tin-

ha registrado pontos estratégicos do aeroporto e câmeras ocultas.

Ainda bem que eu não sabia disso na hora em que fotografava.

Não é preciso se preocupar comigo, pois não fui torturado e nem

sequer interrogado.

Esse problema foi resolvido em questões de minutos, quando

minha amiga provou que me conhecia, dizendo que estudava

comigo na Católica e mostrando meu Orkut. No final ainda recebi

um “recadinho” do chefão da segurança.

- Diga para esse seu amigo Otávio que ele é muito otário. Ele

tem que se reportar à segurança do aeroporto também, não só a

assessoria de imprensa.

Essa história serve de exemplo do perigo, ou extrema se-

gurança, a que nós que estamos fazendo o projeto de conclusão

estamos submetidos.