MERCOSUL E UNASUL: a contribuição de um novo paradigma de integração regional para o aprofundamento da integração regional
via Mercosul
Luíza Bárbara Vieira Cidrack1
RESUMO
O presente artigo possui como principal foco analisar o desenvolvimento do Mercosul como modelo de integração regional na América Latina, observando as fases vivenciadas pelo Mercosul, traçando um paralelo entre os momentos políticos pelos quais as democracias latino-americanas passavam em cada uma das fases do processo de integração do bloco em questão, para a partir daí relacionar o momento de criação da Unasul com a guinada dos países da América do Sul à eleições de governos progressistas. Observaremos, portanto, como esse momento político impactou no início de um processo de integração inaugurado pelo Unasul, que privilegiava aspectos sociais e humanos e a forma como este impulsionou também uma mudança de paradigma no Mercosul, que passou a atuar de maneira mais abrangente, que não somente a econômica, promovendo o que podemos classificar como o aprofundamento de um processo de integração regional propriamente dito, não mais tratando-se de um bloco econômico, como em sua fundação. Palavras-chave: Mercosul; Unasul; Integração; Democracia.
RESUMEN El objetivo principal de este artículo es analizar el desarrollo del Mercosur como modelo de integración regional en América Latina, observando las fases experimentadas por el Mercosur, trazando un paralelismo entre los momentos políticos a través de los cuales las democracias latinoamericanas estuvieron en cada fase del proceso de integración del bloque en cuestión, para luego relacionar el momento de creación de Unasur con el giro de los países sudamericanos a las elecciones de gobiernos progresistas. Observaremos, por lo tanto, cómo este momento político impactó al comienzo de un proceso de integración inaugurado por Unasur, que privilegió los aspectos sociales y humanos y la forma en que también impulsó un cambio de paradigma en el Mercosur, que comenzó a actuar de manera más amplia, que no solo el económico, promoviendo lo que podemos clasificar
1Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR), Especialista em Gestão Pública Municipal pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), mestranda do Programa de Pós-Graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPG-ICAL) na Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). E-mail: [email protected]
1
como la profundización de un proceso de integración regional en sí mismo, que ya no es un bloque económico, como en su fundación. Palabras clave: Mercosur; Unasur; Integración; Democracia.
INTRODUÇÃO
Analisar os processos de integração regional pelos quais vem passando
a América Latina é fundamental para que possamos compreender outros aspectos
e fenômenos que aproximam e que disntanciam os países latino-americanos. O
primeiro deles é o fato de que este processo, que envolve e une países, está
intimamente relacionado com o crescimento e desenvolvimento econômico, político
e social dos países membros (BALASSA, 1961), ou seja, é um processo que vai
além da abordagem econômica.
O presente estudo tem como pressuposto de integração na região da
América Latina o Mercosul, sendo este um dos principais focos da análise, tendo
também por escopo a necessidade de verificar de que maneira a adoção de
políticas neoliberais, bem como o giro ao progressismo nos governos dos países
pertencentes ao bloco refleriram na atuação do mesmo bem como nas fases pelas
quais passou a integração regional nesses períodos.
Ao analisarmos o Mercosul, verificamos inicialmente a necessidade de
haver uma transformação progressiva de modelo de governo em um modelo de
Estado, ou modelo de sociedade, que teria como condição indispensável para que
se alcance de fato este modelo de sociedade, o conceito de integração regional
arraigado na formação deste bloco, que fora concebido com o conceito do Livre
Mercado.
Foi justamente o que apregoou o Tratado de Assunção, de 26 de
março de 1991, que não tratou de estabelecer em seu texto a previsão da
cidadania do Mercosul, já que se resguardava a observar normas econômicas e
comerciais a serem praticadas pelos países parte do Bloco que acabara de ser
criado. Na verdade, as pessoas foram tratadas na constituição do Mercosul apenas
2
como habitantes de um território de Mercado Comum, mas não pertencentes de
uma região comum.
É necessário , porém, que se evolua, de modo que a integração por
meio do Bloco Mercosul, ao passo que é questionada por determinados setores de
países membros, pode ser considerada um grande instrumento responsável por
transformações internas em seus países originários, uma vez que este processo de
integração nada mais foi do que a convergência de países com interesses e
projetos comuns políticos e sociais, o que permutiu alavancar um projeto de
deselvolvimento econômico, sobretudo para os países da América do Sul, mas que
não apresentam efetivamente este âmago.
Analisaremos também a maneira como dialogaram as dimensões
política e social do Mercosul com a criação da Unasul e seus pressupostos de
existência, observando a maneira como o intercâmbio de pensamento auxilou na
mudança de paradigma do Mercosul e a forma como o fortalecimento da integração
via Mercosul impulsinou fortalecimento da Unasul enquanto bloco regional.
MERCOSUL: conceito e antecedentes históricos
Para realizar uma contextualização mais coerente acerca da análise,
ao notar que o tema preponderante é a integração latino-americana constituída,
acima de tudo, por meio do Mercosul, faz-se necessário uma conceituação básica
do que vem a ser esse bloco econômico que será tão fartamente citado a seguir.
Pode-se utilizar o conceito trazido pelo prórpio Mercosul para designar
o seu nascedouro, no qual:
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção, com vistas a criar o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). O objetivo primordial do Tratado de Assunção é a integração dos Estados Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma política comercial comum, da coordenação de políticas
3
macroeconômicas e setoriais, e da harmonização de legislações nas áreas pertinentes.2
O Mercosul surge então, como uma tentativa de liderança diante do que
chamamos de processo de liberalização da América Latina.Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai celebraram, em 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção,
com o objetivo de se criar o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL).
Atualmente, os Estados Parte do Mercosul são: Brasil, Argentina,
Paraguai, Uruguai e Venezuela, que está suspensa desde 2016, cumprindo
atualmente duas suspensões3. Temos como Estados Associados o Chile, Peru,
Colômbia, Equador, Guiana e Suriname, estes últimos, desde o ano de 2013.
Antes disto, porém, houve diversas tentativas de consolidar blocos de
integração para o hemisfério sul como tentativa de superar questões que se
agravavam após a segunda guerra mundial, como o subdesenvolvimento, a
ausência de controle de mercado e a imposição da política econômica estabelecida
pelos países do centro do capitalismo.
Tais esforços foram empreendidos, cronologicamente, pela Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL, criada por decisão da
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 25 de fevereiro de 1948 que possuía
estrutura que fora bastante questionada pelo governo norte-americano, pelo forte
receio de que pudesse mitigar sua influência na política econômica nos países
periféricos em plena Guerra Fria, bem como pela própria Organização dos Estados
Americanos (FURTADO, Tomo 1, 1997).
Ocorre que, o final deste processo culminou com a resistência sendo
vencida e desempenhou importante papel na formulação de estratégias e de
políticas públicas para o desenvolvimento com o fito de promover o que
conhecemos, posteriormente por cooperação regional, pois além de tratar de
2 Disponpivel em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul; acessado em 20/05/2017. 3 Informação obtida em: http://www.mercosul.gov.br/saiba-mais-sobre-o-mercosul. Acesso em 28.07.2019
4
maneira específica da política econômica, tratou também de buscar a construção
de uma identidade regional entre os países latino-americanos.
Foi a partir desta nova perspectiva de integração, alinhada a um
comportamento de identificação não somente econômica, mas também cultural
regional que se insurgiram outras formas de organização baseadas neste modelo
de integração, a exemplo da Associação Latino-Americana de Livre Comércio –
ALALC (1960), do Pacto Andino (1969), da Associação Latino-Americana de
Integração (1980) e do Tratado de Buenos Aires (1990), este último, assinado por
Brasil e Argentina, o qual pode ser considerado o precedente mais próximo do que
vem a ser o Mercosul, tendo sido apenas complementado no ano seguinte pelo
tratado de Assunção, com a entrada do Paraguai e Uruguai.
A finalidade do Tratado de Assunção, porém, é a integração dos Estados
Partes por meio da livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, do
estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), da adoção de uma política
comercial comum, da coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, e da
harmonização de legislações nas áreas pertinentes. Ou pelo menos deveria ser, o
que discutiremos mais adiante, em conformidade com o que o bloco vem passando
atualmente.
ETAPAS DA INTEGRAÇÃO REGIONAL POR MEIO DO MERCOSUL
A partir do Protocolo de Ouro Preto, em 1994, o Mercosul adquiriu uma
personalidade jurídica perante a sociedade internacional e, ainda que hajam
debilidades a serem vencidas em termos de organização de bloco, não se pode
negar a sua importância, principlamente no processo de desenvolvimento das
economias de seus Estados Partes.
A consolidação do Mercosul enquanto bloco, porém, ainda não implicou
em um processo de integração regional propriamente dita, uma vez que são
pressupostos de um processo de integração a convergência de ideais políticos,
5
econômicos e sociais e, sobretudo, a elaboração conjunta de políticas públicas que
resultem no desenvolvimento do bloco de maneira equiparada.
Com um modelo claro de desenvolvimento capitalista, podemos aqui,
inferir que o processo de liberalização na América Latina, começa com o
MERCOSUL – Mercado Comum do Sul. Iniciar-se-ia através da adoção de práticas
distintas das presentes no anterior GATT, que eram de caráter protecionista e, para
tanto, seria necessária uma outra dinâmica econômica no bloco regional através de
uma integração econômica cujo começo se daria por práticas liberais.
Isto, fatalmente, é reflexo do modelo de desenvolvimento escolhido
pelos países da América Latina, a partir da assinatura do Consenso de
Washington, em 1989 na capital norte-americana, apropriando-se da política
neoliberal na tentativa de assegurar o crescimento econômico de seus Estados.
Ocorre que, como um paradoxo disto, a política econômica neoliberal não tratou de
resguardar ou garantir avanços em quaisquer outras searas de atuação do Estado
em detrimento de sua regulação quase exclusiva pelo Mercado.
Para BRESSER-PEREIRA (1991, p. 4):
De acordo com a abordagem de Washington as causas da crise latino-americana são basicamente duas: a) o excessivo crescimento do Estado, traduzido em protecionismo (o modelo de substituição de importações), excesso de regulação e empresas estatais ineficientes e em número excessivo; e b) o populismo econômico, definido pela incapacidade de controlar o déficit público e de manter sob controle as demandas salariais tanto do setor privado quanto do setor público. A partir dessa avaliação, as reformas no curto prazo deveriam combater o populismo econômico e lograr o equilíbrio fiscal e a estabilização. A médio prazo ou estruturalmente a receita é adotar uma estratégia de crescimento market oriented ou seja, uma estratégia baseada na redução do tamanho do Estado, na liberalização do comércio internacional e na promoção das exportações.
Tal modelo ocasionou nos países da América Latina, que adentraram ao
processo de globalização em absoluta desvantagem em relação ao Hegemon do
momento – Estados Unidos da América, uma verdadeira assimetria no que tangia
ao desenvolvimento dos Estados, visto que falar de crescimento econômico não
necessariamente implica em desenvolvimento (ESPINOSA, 2007, p. 122 e 123).
6
Explica o autor ainda, ao analisar os países latino-americanos que
aderiram às regras do consenso, que estas não refletiram no que apostavam os
estudiosos que o propuseram, que era a superação da crise econômica e social,
que deu inicio nos anos 80. Segundo ele:
a abordagem de Washington sugere que é suficiente estabilizar a economia, liberalizá-la e privatizá-la, para que o país retome o desenvolvimento. As evidências, entretanto, não comprovam a hipótese. Países que lograram estabilizar-se e empreenderam reformas liberalizantes, como a Bolívia e mais recentemente o México, não retomaram o crescimento. (BRESSER-PEREIRA, 1991, p. 5)
Com reflexos causados a partir da assinatura do Consenso de
Washington, em 1989, cujos números apresentados pelo Produto Interno Bruto não
correspondiam necessariamente com o do crescimento da renda per capta da
população, observava-se um verdadeiro paradoxo estabelecido pela política
econômica neoliberal, que não tratou de observar os aspectos regionais e
resguardou somente os avanços que poderiam ser garantidos pela regulação
exclusiva do mercado sobre a economia, em detrimento da atuação da atuação do
Estadoem diversas outras searas de construção de uma sociedade equilibrada
(ESPINOSA, 2007).
Outro aspecto importante a ser mencionado é que após graves crises
econômicas no início dos anos 2000, com a saturação do sistema capitalista nas
regiões periféricas, um novo panorama se construiu na América Latina que ficou
conhecido como novo socialismo ou socialismo do século XXI, cuja orientação
política ideológica se opunha ao que até então vinha se edificando.
Isto propiciou uma maior aproximação dos países do sul, fazendo com
que seus panoramas políticos e a localização geográficas mais próximas
fortalecessem a ideia de bloco e, consequentemente, o modelo do que
conhecemos hoje como Mercosul, do qual todos os países da América do Sul
participam, seja como Estado Parte, seja como Estado Associado.
Apesar deste processo de homogeinização política e ideológica que
vinha acontecendo na América Latina como um todo, percebia-se que os países
7
atentavam mais para a reconstrução de suas economias, devastadas pelas
políticas neoliberais da década anterior, e para a busca da retomada do
crescimento econômico do que para unificação da América Latina e sua
consolidação como um modelo de integração, que caminhou a passou largos, mas
sem dúvidas já se encontrava num estágio mais avançado do que em sua
constituição.
A partir de uma análise elaborada ainda no ano de 2007, já se apontava
para a necessidade de uma nova perspectiva de integração que privilegiasse a
todos os países do hemisfério sul não somente enquanto bloco de livre comércio,
mas que propiciasse para o bloco o que se chamou de aprofundamento ou
verdadeira integração, nas palavras de BORDAZAR e CONSANI (2007, p. 55 e
56):
(…) El mercosur también ha mostrado carências en áreas estratégicas como: producción, desarrollo industrial, coordinación de políticas monetárias, financeiras y cambiarias, y enalgunas cuestiones sociales que hacen a la ‘verdadeira’ integración, como por ejemplo la coordinación de políticas migratórias e de frontera (…) (grifo nosso).
Adiante, depois de alguns avanços percebidos na política externa tanto
do Brasil como dos demais países membros do Mercosul voltados para a
cooperação Sul-Sul, o próximo passo desses governos progressistas, alinhados
politicamente, seria a decisão política que colocaria a integração regional em outro
patamar, desenvolvento, a partir de meados dos anos 2000 uma concepção política
e social na agenda do Bloco.
Vale dizer que agregar temáticas de cunho político e social ao Mersocul
se por decisões políticas dos governantes dos países membros como uma forma
de reparar as consequências de uma integração meramente econômica e
comercial, como também os efeitos das crises neoliberais do começo do século
XXI e da correção do modelo de desenvolvido no Mercosul de 1991 (MIRZA, 2013).
Nesse contexto de transformações de paradigmas, várias iniciativas são
realizadas tanto no âmbito do Mercosul, quanto fora dele, todas visando fortalecer
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e aprofundar o processo de integração regional na América Latina, cujos resultados
puderam ser observados mais adiante.
A primeira delas foi a reunião dos Chefes de Estado do Mercosul e da
Comunidade Andina das Nações – CAN dentro de um único organismo, o qual
discutiremos em breve, depois surgiram dentro do próprio Mercosul, debates
acerca da sua dimensão social e política, que culminaram com a criação de
diversos organismos internos que passaram a atuar na construção de políticas e
em estudos acerca dos Direitos Humanos, combate às desigualdades sociais,
dentre outros.
Os dois principais organismos que surgiram neste momento foram o
Instituto Social do Mercosul – ISM e o IPPDH, ambos com suas sedes inauguradas
no ano de 2009, completanto, portanto 10 anos no vigente ano. Dentro desse
contexto nasce também a Unasul, cujo tratado constitutivo é datado de 2008 e traz
para o âmbito da integração regional, esse caráter político e social em forma de
bloco, como veremos a seguir.
A CRIAÇÃO DA UNASUL E A COEXISTÊNCIA DOS BLOCOS
Podemos dizer que a criação da Unasul possui como antecedente
histórico da criação da Comunidade Sul-Americana de Nações – CASA, no ano de
2004, que constitui uma iniciativa brasileira, visando fortalecer o processo de
integração regional e tem como membros os países do Mercosul e da Comunidade
Andina das Nações, além do Chile, Guiana e Suriname4.
Segundo GOMES, 2007, p. 06:
O projeto de formação da CASA busca concretizar uma integração pautada por objetivos que não sejam os meramente econômicos e comerciais, como foi o caso do MERCOSUL e da Comunidade Andina de Nações, no final do século passado. Mais do que isso, busca-se um fortalecimento do processo integracionista, com políticas que tenham por finalidade inserir o cidadão no contexto das políticas de aproximação entre os Estados, notadamente porque são eles, os
4Dispinível em: https://www.unasursg.org/es/historia. Acesso em: 28.07.2019
9
cidadãos, os principais destinatários das políticas adotadas no contexto sul-americano.
Posteriormente, no ano de 2007, durante a reunião dos Chefes de
Estado em Isla Margarita, na Venezuela, os membros da CASA ou CSN, decidiram
por mudar seu nome para União das Nações Sul-Americanas – UNASUL, que
ainda não se constituia como bloco regional, mas já dava os seus primeiros
passos.
Posteriormente, no ano de 2008, foi aprovado o seu tratado constitutivo,
no qual se elegeu Quito, capital do Equador, como sede de sua Secretaria Geral e
Cochabamba, na Bolívia, como sede de seu Parlamento. Seu tratado constitutivo,
porém entrou em vigor somente no ano de 2011, dando esta dimensão política,
social, humana e de respeito à natureza que foram, em sua constituição, os
assuntos com quais o Mercosul não dialogou, pois sua agenda econômica estava
em primeiro plano.
A Unasul, por sua vez, trazia como objetivos específicos5, dentre outros,
o fortalecimento do debate político entre os países membros, o desenvolvimento
social e humano, a superação das desigualdades sociais, o respeito ao meio
ambiente e à biodiversidade, a erradicação do analfabetismo, e promoção da
diversidade cultural e dos saberes dos povos originários, o respeito irrestrito aos
direitos humanos, bem como outros fundamentos que diferenciam a sua atuação
enquanto bloco.
Nesse contexto, podemos dizer que a criação da Unasul se deu como
uma variável do processo histórico pelo qual passava a América Latina naquele
momento, através do qual seu contexto político permitia que outros debates fossem
travados, além dos debates anteriormente alicerssados no âmbito do Mercoul.
Segundo HOFFMANN, 2016, p. 52:
A Unasul foi criada em 2008, em um contexto de mudanças de paradigma de modelos de integração regional na América do Sul, onde
5 Disponível em: https://www.unasursg.org/es/objetivos-especificos. Acesso em 29.09.2019
10
o livre-comércio perdeu a centralidade para outras atividades de cooperação nas áreas de infraestrutura e políticas sociais. A estrutura institucional da Unasul reflete essa mudança, dispondo de Conselhos
para tratar de temas como desenvolvimento social, saúde, educação e cultura, além do Conselho de Economia e Finanças.
Podemos dizer também que a uma consequência lógica da criação da
Unasul foi a guinada que o próprio Mercosul deu na sua atuação, pois o momento
não mais permitia que se constuíssem políticas econômicas sem que se analisasse
o contexto social e político nos quais aquelas sociedades estavam inseridas para a
implementação dessas políticas.
A dimensão social e política do Mercosul foram, portanto, importantes
parceiras da concretização do projeto da Unasul, pois os debates que de
introduziram dentro do Mercosul nestes campos permitiu que houvesse ambiência
política para que se construísse um diálogo mais aprofundado em busca de um
modelo de integração que de fato levasse em consideração a realidade da América
do Sul, trazendo base para que fosse construída uma perspectiva de
desenvolvimento que abarcasse as reais necessidades dos povos sul-americanos,
diferente que foi pautado pelo Consenso de Washington, cujo modelo fora importo
pela hegemonia do grande capital internacional.
Ou seja, cabe aqui mencionar o fato de que a coexistência de ambos os
blocos é fundamental para que se fortaleça as políticas externas econômicas de
Cooperação Sul-Sul, estabelecidas no âmbito do Mercosul, a partir da primeira
metade dos anos 2000, voltando seus olhares para negociações comercial que não
geram tantas assimetrias, ou seja, que sejam mais igualitárias e competitivas para
os países que nela se encontram.
Faz-se também fundamental que a Unasul e o Mercosul não só
coexistam como também atuem de mãos dadas para que esse norte social e
político estabelecido desde a CASA, não se veja novamente dominado por
propósitos que naão servem de fato à realidade sul-americana, permitindo que se
discuta no âmbito da américa latina alternativas a este sistema que caminha para a
exaustão.
11
Ocorre que, no início da década de 2010 houve uma grande guinada na
política interna dos países da América Latina, na qual governos conservadores
começaram a ser eleitos progressivamente, alastrando o que ficou conhecida como
onda conservadora ou onda azul, fazendo contraponto ao vermelho dos partidos de
esquerda de haviam governado na última década e capitaneado todo este histórico
aqui mencionado de construção do aprofundamento da integração regional.
Este fenômeno fez com que os países fossem gradativamente
suspendendo suas atuações no âmbito do bloco a partir de 2018 e recemtemente,
no ano de 2019 vários países formalizaram a sua saída do bloco, que hoje, conta
com somente 5 países membros e possui seu projeto, que se construiu na tentativa
de afastar as influências políticas das grandes potências do norte nos países da
América do Sul, absolutamente fragilizado.
Outra iniciativa toma este lugar com o discurso da não interferência
política e da aproximação a partir de questões pragmáticas: o Foro para o
Progresso da América do Sul – PROSUL. Este se propõe a ser o lugar de debates
deste novos líderes que emergem na América Latina, prometendo fazer o debate
da integração sem que este seja permeado por um viés ideológico, ainda que a
aproximação ideológica tenha sido a sua própria razão de existir, visto que fora
criado para se contrapor a uma iniciativa marcada pelo ciclo de governos
progressistas.
O Prosul, que tem o seu processo presidido inicialmente pelo Chile,
conta com os seguintes objetivos iniciais para a sua instalação6:
(i) que este espaço deverá ser implementado gradualmente, ter estrutura flexível, leve, que não seja custosa, com regras de funcionamento claras e com mecanismo ágil de tomada de decisões; (ii) que este espaço abordará de maneira flexível e com caráter prioritário temas de integração em matéria de infraestrutura, energia, saúde, defesa, segurança e combate ao crime, prevenção de e resposta a desastres naturais; (iii) que os requisitos essenciais para participar deste espaço serão a plena vigência da democracia e das respectivas ordens constitucionais,
6 Dispinível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/politica-externa/integracao-regional/688-prosul. Acesso em: 29.07.2019.
12
o respeito ao princípio de separação dos poderes do estado, e a promoção, proteção, respeito e garantia dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, assim como a soberania e a integridade territorial dos estados, em respeito ao direito internacional. O Chile exercerá a Presidência Pro Tempore (PPT) deste processo durante os próximos 12 meses, devendo ser sucedido pelo Paraguai.
Observamos, portanto, que não há como prever quais são os proximos
capítulos do livro da integração regional na América Latina, visto que essa
mudança de perspectiva política acabou por enfraquecer um projeto que havia sido
exitoso em analisar a realidade sul-americana e partir dela elaborar políticas
regionais que atendesse à realidade aqui estabelecida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se concluir, em verdade, que a América Latina necessita de uma
política de desenvolvimento que seja propriamente latino-americana, uma vez que
em um mundo de crescente complexidade e competitividade, não se pode admitir
que os países latino-americanos possuam uma inserção internacional que se dê de
maneira isolada.
Podemos observar também que a criação da Unasul e o fortalecimento
do pensamento latino-americano na formulação das políticas a serem praticadas
em seus países, resultou no fortalecimento do próprio Mersocul, que além de
elaborar e implementar políticas de cunho econômico, passou também a observar
suas dimensões política e social.
As realidades, sobretudo dos países fundadores do Mercosul foram
drásticamente alteradas a partir da consolidação do Instituto Social do Mercosul e
do Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos do Mercosul, pois estes
foram responsáveis por implementar e coordenar políticas públicas de transferência
de renda e enfrentamento às desigualdades sociais, que resultaram na alteração
do Coeficiente de Gini, principalmente no Brasil, Argentina e Uruguai, bem como
por retirar milhões de pessoas da linha da pobreza extrema.
13
Podemos, dessa forma, afirmar que este foi um importante caminho para
que se alcançasse um tipo de desenvolvimento se pretende América Latina ou uma
alternativa ao desenvolvimento imposto de maneira imperialista a partir de um
consenso elaborado fora da américa latina, que não apontava para a complexidade
da abordagem que abarcasse perspectivas sociais, humanas, políticas, culturais,
tecnológicas etc.
Os diversos cenários políticos pelos quais passou a América Latina
culminou na vivência de verdadeiros ciclos, que são responsáveis por promover,
além de mudanças relativas à sua organização institucional e política, verdadeiras
rupturas que atingem diratamente a vida dos cidadãos, por tomarem rumos
totalmente distintos e por serem sustentados por ideários que se contrapõem,
fazendo com que se dissolvam as soluções outrora apresentadas.
Por isso, considerando o atual cenário de retomada da política neoliberal
e da total desestabilização das democracias, sobretudo de seu aspecto material, é
bastante provável que o Mercosul retroceda nas pautas sociais e políticas, com o
dissolvimento da Unasul, já que os debates que aconteceram a partir dela foram
fundamentais para o fortalecimento desses setores dentro do Mercosul.
É possivel também que o aprofundamento da integração regional que
contava necessariamente com demais fatores que somente os econômicos sofra
um retrocesso de modo que a Cooperação Sul-Sul seja prejudicada por um novo
olhar que não entende a América Latina como protagonsita de seus processos e
observe tudo que não esteja comtemplado por questões comerciais como não
importantes para a nova agenda do Bloco.
Portanto, seria imperativo que, ao invés de adequar-se à política
internacional se apropriando de política hegemônica, a América Latina formulasse
seu próprio modelo de desenvolvimento, que tratasse de avançar tanto no que
concerne ao aprofundamento da integração regional, quanto no que se refere ao
poder político latino-americano em esfera global, para que as instituições se
mantessem sólidas, bem como as suas políticas não fossem catrastoficamente
14
desmontadas, ainda que não se vislumbre um horizonte em que seja possível a
retomada deste pensamento.
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