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    Tiago Mestre e as Arquiteturas da conceitualizao

    Desenho, pintura, escultura, vdeo so meios de convivialidade no processo que Tiago

    Mestre vem desenvolvendo nestes ltimos anos e, em particular, desde que se radicou

    em So Paulo.

    No por acaso que Tiago Mestre arquiteto. Como tal, cumprindoatravs da sua

    obra plstica e visual - a intencionalidade primordial que a palavra significa.

    Retrocedendo at a Grcia, ondeArquitetura, juntamente com a Pintura e a Escultura,

    se consignava nas Artes Construtivas. Por oposicionalidade s Artes Expressivas

    triunica choreia, as quais suscitavam grandes emoes no pblico, as Artes

    Construtivas eram direcionadas pela mimsis.

    O significado da Arquitectura encontrava a origem da prpria palavra Arte, arguindo

    por uma prova filolgica que justificava a afirmao: "No ser Arte uma palavra feitacom a primeira slaba de cada uma das duas palavras que foram a palavra architekton?

    Arde archose te de tekton? (...) Ligadas ficam estas duas palavras Artee architekton

    salta aos olhos da cara uma nica concluso: architektonsignifica o operrio-chefe da

    colectividade."1 Dada a funo social e humana, que a Arte pretende realizar, quer

    como cada uma das artes (disciplinares), quer como Unidade da Arte, Almada

    reconheceu que "no pode deixar de ser a prpria cabea da colectividade. E o que

    :Arte a cabea da colectividade."2Correspondia necessidade de ser Todo, por ser

    substantivamente um Todo, visto sob aspecto especfico e, pela liberdade do artista,configurava a complexidade dos campos adjacentes das diferentes artes ,

    constituindo o todo da vida. A Arte comearia onde acabava a definio convencional

    das Belas-Artes que no eram sistemas infalveis , nomeadamente, na formao

    dos artistas. A Arte no se esgotava, tampouco se perdia como especialidade

    organizada.

    Sculos mais tarde, Vasari afirmou que a arquitectura mostrava maior conformidade

    natureza, do que a pintura ou a escultura...referindo-se, muito em particular, s

    semelhanas, no relativo ao processo de criao natura naturans.

    Almada Negreiros autor que aqui chamei para contextualizar convocou a

    etimologia da palavra, de modo a corroborar a sua ascendncia arquetpica sobre as

    demais artes, estando-lhes subjacente uma cumplicidade esttica quanto cultural.

    Na obra do artista portugus encontra-se uma concatenao entre expresses

    artsticas, ganhando-lhes coerncia e completude. Desde 2009 que esses rastos de

    sobreposionalidades boas se consolidam. Os rastos traduzem-se/mostram-se quer nos

    1Almada Negreiros, "Arte e Artistas", Textos de Interveno, Lx, INCM, p.842Idem, ibidem, p.84

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    contedos temticos, quer nas formalizaes, direcionados e ampliados nas produes

    concretizadas. Atendendo s sries desenvolvidas, verifica-se o questionamento:

    a) de modelos de apresentao/suporte das peas tridimensionais: peanhas,

    plintos, bases, pedestal;

    b) de contedos semnticos das obras, na transversalidade de expresses e nas

    suas tipologias;

    c) de procedimentos e processos conceituais e criativos; estratgias e tcnicas

    artsticas

    d) da formao/ensino artsticono que concerne a prtica de exerccios para

    aquisio de destreza tcnica e na tradio do virtuosismo

    As formas dos elementos de suporte adquirem autonomia, isentas e alheias aos

    objetos habitualmente suportados. Convertem-se em peas escultricas, obrigando oespetador a reconhecer-lhes plasticidade, modelao, volumetriaou seja,

    constatando-lhes esteticidade isolada. Idnticas morfologias habitam as cenas

    modeladas nos vdeos e se plasmam em desenhos e pinturas.

    So abordados contedos semnticos e iconogrficos, contemplando variantes sobre

    estruturas geomtrico-abstratas, paisagens e naturezas-mortas. a vida secreta dos

    materiaisquer os orgnicos, quer os produzidos

    As estruturas geomtrico-abstratas remetem para autorias pictricas dos 2 lados do

    atlntico, revendo de forma rigorosa e atravs de uma metodologia que implicaprofunda reflexo e acuidade: Mira Schendel, Geraldo de Barros e, por outro lado,

    Fernando Lanhas e ngelo de Sousa (entre outros nomes). Acontecem em pinturas e

    em objetos/esculturas.

    As paisagens so vislumbradas atravs da sua janela e reconstrudas, a partir de

    efabulaes estticas em propsitos bi e tridimensionais. Denotam o conhecimento da

    tradio, quanto sua explanao e no respeitante ao escopo que a legitima na cultura

    ocidental. Ficam resolvidas e abrem novas interrogaes relativamente ao seja a sua

    presena na arte atual.

    Os procedimentos e processos conceituais e criativos, mediante os quais se

    corporalizam os tpicos anteriormente citados, revigoram estratgias e tcnicas

    artsticas. Alinhados/associadosneste questionamento - desmontagem de prticas

    e exerccios (metodologias de ensino artstico) propugnando por uma excelncia da

    tekne procurando a maior qualificao virtuosa.

    Numa incidncia que se quer concomitante, h a considerar uma fundamentao

    conceitual que est subjacente: territrios espaciais incluindo cartografias e

    mapeamentos; territrios de tempo e memrias entre o individuado e o societrio;

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    ironias alegricas da historiografia da arte ocidental e abarcando os conhecimentos da

    arte brasileira (a partir de 2010).

    No relativo s temticas que glosam o espao, as situaes diversificam-se consoante o

    enfoque que Tiago Mestre direciona. A constituio das camadas espaciais nos vdeos

    que resultam da modelao animada, instituem uma certa clausura e definio de

    campo. Nesta definio se inscrevem os tpicos paisagsticos, insinuados em uma

    maioria de casos de fechamentode valncia intimista, onde se visibiliza a articulao

    a um mundo interno, consequncia da concatenao de reas e superfcies traduzidas

    da memria e da lembrana. Space between (ttulo da mostra no Centro Cultural

    Srgio Porto, Rio de Janeiro, 2012, em parceria com Flvia Vieira) integra elementos

    bidimensionais, objetos e dispositivos audiovisuais que mapeiam, no apenas o espao

    especfico da galeria (em termos de montagem), quanto so pequenssimas e sbiaspontuaes identitrias do autor. Assim, se externaliza uma massa criativa que agrega

    a praxis e as ideias vividas e refletindo um olhar analtico-crtico sobre referncias

    iconogrficas.

    Em At the Museum (2011),amemria dos lugares materializa-se em gesso, includas

    personagens que deambulam em museus que sejam imaginrios pensando nas

    reflexes de Andr Malraux e interrogando as nuances de compreenso para as obras

    de arte - e como delas nos apropriamos, falseando os seus fundamentos

    epistemolgicos e/ou gnoseolgicos gerando ilusrias percees internas eefabulaes que instauram remodelaes intelectuais. A personagem, algo cabisbaixa

    e pesarosa, parece transportar o peso da existncia contempornea, talvez buscando

    uma redeno nesse confronto com as pinturas coloridas que pontuam as paredes do

    Museu. Assim, essa figura interpela-nos, enquanto espetadores, talez que sejamos

    personagens verdicas, emergindo da visitao em galerias e locais afins. Ns os

    espetadores emancipados que somos portadores de mitologias, representaes e

    dogmas, mesmo agora, nesta atualidade.

    Verifica-se, pois a pregnncia da sua remisso em se propulsionar at uma arqueologia

    scio-histrica e poltica, caso da proposta apresentada, em 2009, na XV Bienal de

    Cerveira: Arqueologia centra-se no papel das Instituies enquantorepresentaes do Poder institucional. Reflecte sobre o modo como aArqueologia e a prpria Histria de Arte vinculam uma leitura do passadoe do presente dos povos e pases e no modo como as instituies(museus, centros culturais e centros de artes) se assumem comomediadores formais de uma Cultura Oficial e Erudita.(Tiago Mestre)

    Considere-se a validao de escala, onde a insero de elementos de pequeno

    formato, demonstrativa de um olhar detalhista e minucioso. As partculas objetuaispertencem a um posicionamento temporal prospetivo a ao desenrola-se a partir

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    de um olhar situado em 2509 em que a amnsia e um ponto de vistanecessariamente subjectivo e parcial apresentaro erros, imprecises e ambiguidadesnuma leitura que se apresenta como verdadeira. (Tiago Mestre) Esta arqueologia dofuturo contrasta com a reviso quase iconoclstica da matria historiogrfica sobre opatrimnio artstico.

    Magnetic yellow (2009, Munique) projeto de vdeo e fotografia, aparece quaseadivinatrio. O protagonista esse lpis amarelo que conduz a ao como se fosseuma espcie de maestro. Deambula entre espao e tempo, visionando-se aafirmatividade da mo do artista, empunhando esse lpis que condutor de vises eideias at atingir talvez - uma dimenso que ultrapassa, decididamente, ointermedial.O tempo , pois, trabalhado em mltiplas e outras acees, sendo de valnciaprimordial, designado no jogo entre instantaneidade e durao em determinadaspeas da sua videografia.Numa aceo de tempo que quase congela seres, coisas e arquiteturas, parece

    estarmos nos domnios de quase naturezas-mortas convertidas de retratos e paisagenstambm. As formas mostradas em Memria so, a ttulo de exemplo, cortinas(desenhadas e tridimensionalizadas). Mas tambm, como antes de referiu, TiagoMestre confronta-nos a elementos simblicos que participam das encenaesmuseolgicas e do display em galerias de arte Projecto Pedestal (PlataformaRevolver, Lisboa, 2010). Esta concretizao, que uma evidncia arquitetural,encontra-se associada a Ornamental Program (2010) e Ornamento #2 (Espao Avenida,Lisboa, 2010. A plenitude dos elementos tridimensionais tanto mais exaltada nosdesenhos, adquirindo-lhes uma autonomia e exaltao que no mais da ordem dodecorativo: ontolgica, plasmada em austeridade de conceito.

    Os dimensionamentos, mais diretamente arquiteturais, residiram em propostas comoThe Commision Lunds Konsthall SUCIA (2011). A planificao de uma imaginriadesenhada rigorosamente, expe a possibilidade de erigir edificaes imaginrias e/oureais que podem (ou no) ausentar o humano. Esta oscilao entre presenas eausncias do humano est metaforizada em diferentes nveis, sendo transversal entida, ao longo da obra de Tiago Mestre.

    Maria de Ftima Lambert