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RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 1.175.650/PRRECORRENTE: MILTON ANTÔNIO DE OLIVEIRA DIGIÁGOMORECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ RELATOR: MINISTRO ALEXANDRE DE MORAESPARECER AJC/SGJ/PGR Nº 370386/2019

CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. RECURSOEXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVILPÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADEADMINISTRATIVA. USO DE COLABORAÇÃOPREMIADA EM ÂMBITO CIVIL. POSSIBILIDADE.DESPROVIMENTO DO RECURSO.1. Recurso Extraordinário leading case do Tema 1043 dasistemática da repercussão geral: “A utilização dacolaboração premiada no âmbito civil, em ação civil públicapor ato de improbidade administrativa movida pelo MinistérioPúblico em face do princípio da legalidade (CF, art. 5º, II), daimprescritibilidade do ressarcimento ao erário (CF, art. 37,§§4º e 5º) e da legitimidade concorrente para a propositura daação (CF, art. 129, §1º)”.2. Proposta de tese de repercussão geral: Há de seradmitido o uso da colaboração premiada em ação civilpública por ato de improbidade administrativa movidapelo Ministério Público.‒ Parecer pelo desprovimento do recurso e fixação datese sugerida.

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Egrégio Plenário,

Trata-se de recurso extraordinário com agravo representativo do

Tema 1043 da sistemática da Repercussão Geral, referente à possibilidade de

utilização da colaboração premiada no âmbito civil, em ação civil pública por

ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público.

Na origem, o Ministério Público do Estado do Paraná propôs ação

civil pública por ato de improbidade administrativa contra o ora recorrente e

mais 24 pessoas físicas e jurídicas.

Referida demanda originária é um dos desdobramentos cíveis das

investigações realizadas no âmbito da denominada “Operação Publicano”,

relacionadas à prática de diversos crimes, sobretudo contra a Administração

Pública, tais como falsidades documentais, corrupção ativa e passiva,

lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e organização criminosa.

No curso das apurações, entre os vários delitos, identificou-se a

existência de “complexa organização criminosa estruturalmente ordenada e

caracterizada pela divisão de tarefas, que tinha o objetivo comum de obter, direta ou

indiretamente, vantagem patrimonial, por meio de acordos de corrupção com grandes

empresários sujeitos à fiscalização tributária da 8ª Delegacia Regional da Receita

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Estadual de Londrina e outras Delegacias Regionais, que culminaram na prática de

atos de improbidade administrativa”.

O Ministério Público requereu, em caráter liminar, a

indisponibilidade de valores e de bens móveis e imóveis dos demandados; e,

ao final, a imposição das sanções previstas na chamada Lei de Improbidade

Administrativa (Lei 8.429/1992).

O órgão ministerial, em relação aos réus Luiz Antônio de Souza,

Edmundo Odebrecht Neto e Odebrecht Indústria e Comércio de Café Ltda.,

pleiteou apenas o reconhecimento da prática dos atos de improbidade, sem a

imposição das penalidades correspondentes, em razão de termo de

colaboração premiada firmado com as referidas pessoas, conforme disposto

no art. 4º, §4º, da Lei 12.850/2013 c/c os arts. 16 e 17 da Lei 12.846/2013.

O Juízo da 2ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Londrina

proferiu, então, decisão, determinando que fossem notificados os

demandados para apresentar manifestação, e decretou a indisponibilidade

dos bens de vários réus, entre os quais os do ora recorrente, nos limites

postulados pelo Ministério Público.

Dessa decisão, foi interposto agravo de instrumento para o Tribunal

de Justiça do Estado do Paraná, argumentando-se que a utilização da

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colaboração premiada em ação de improbidade não é admitida pelo

ordenamento jurídico e a decisão impugnada estaria, portanto, baseada em

acordo ilegal e inconstitucional.

A Corte estadual negou provimento ao recurso em aresto cuja

ementa ficou assim redigida:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PORATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECRETOCAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS.DESDOBRAMENTOS CÍVEIS DA OPERAÇÃO PUBLICANO.RECEITA ESTADUAL. COLABORAÇÃO PREMIADA.UTILIZAÇÃO EM PROCESSO CÍVEL. POSSIBILIDADE.PRAZO EM DOBRO. LITISCONSORTE COM DIFERENTESPROCURADORES. INCIDÊNCIA DO ART. 191 DO CPC/1973.DECRETO CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENSFUMUS BONI IURIS. PRESENÇA. INDÍCIOS DEMATERIALIDADE E AUTORIA. COMPLEXO ESQUEMA DESUPOSTOS ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA,TRIBUTÁRIOS E LAVAGEM DE ATIVOS, QUE GERARAM AUM SÓ TEMPO, ENRIQUECIMENTO ILÍCITO DE AGENTESPÚBLICOS E VULTUOSO PREJUÍZO AO ERÁRIO DOESTADO, EM DECORRÊNCIA DA SONEGAÇÃO DETRIBUTOS ESTADUAIS. PERICULUM IN MORA.PRESUNÇÃO. 1. Aquele que presta importante colaboração na investigação deve tera pena diminuída, atenuada, ou até mesmo ser aplicado o perdãojudicial, de acordo com a participação no ato de improbidadeadministrativa.

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2. Os dispositivos processuais da LIA podem ser perfeitamentecomplementados pelo Código de Processo Civil e, da mesma forma,supridos pelo estatuto processual quando aquela lei apresentar lacunas.3. Uma vez presente a fumaça do bom direito consubstanciado na práticade ato ímprobo, a decretação da indisponibilidade de bens do agravanteera medida impositiva, com intuito resguardar o ressarcimento ao Erário,nos termos do art. 7º e parágrafo único da Lei nº 8.429/1992.4. A medida constritiva de indisponibilidade de bens não estácondicionada à comprovação de que o réu esteja dilapidando seupatrimônio, pois o periculum in mora é presumido pela meraexistência de fundados indícios de responsabilidade na prática de atode improbidade que cause dano ao Erário.RECURSO NÃO PROVIDO.

Daí o recurso extraordinário, interposto com fundamento no art.

102, III, a, da Constituição Federal, em que se alega ofensa ao art. 37, caput e

§§4º e 5º, do texto constitucional.

O recorrente sustenta que o acórdão questionado violou o princípio

da legalidade, pois haveria norma expressa que veda transações, acordos e

conciliações no contexto da ação de improbidade.

Afirma que a revogação do art. 17, §1º, da Lei de Improbidade pela

Medida Provisória 703/2015 não subsiste, tendo em vista que esta norma teve

sua vigência encerrada em 29.5.2016.

Diz que, não obstante seja permitido o uso da delação premiada no

âmbito penal, tal perspectiva encontraria óbice nas ações de improbidade

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administrativa, uma vez que tais demandas envolvem interesse público e

indisponível. Ressalta, ademais, que a Constituição conferiu ampla e irrestrita

proteção à pretensão de ressarcimento pelos danos oriundos de ato de

improbidade administrativa, de modo que a negociação nessas hipóteses

implicaria transação do próprio patrimônio público.

Argumenta, ainda, que as concessões propostas pelo Parquet quanto à

devolução dos recursos desviados e à indenização dos danos causados ao Estado

afrontam o previsto no art. 37, §4º, da Constituição Federal, no sentido de que “os

atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda

da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário”.

Defende que o dispositivo constitucional que estabelece a

imprescritibilidade do ressarcimento ao erário (art. 37, §5º) proíbe atos que

importem na disposição do patrimônio público pelo órgão ministerial.

O Ministério Público apresentou suas contrarrazões, requerendo o

não conhecimento do recurso e, se conhecido, o desprovimento do apelo e a

manutenção do decisum impugnado.

O recurso extraordinário foi inadmitido na origem e, interposto o

respectivo agravo, subiram os autos ao Supremo Tribunal Federal.

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Submetido o feito ao Plenário Virtual, decidiu a Suprema Corte por

apreciar conjuntamente os recursos de agravo e extraordinário e, entendendo

que ambos preenchiam os requisitos de admissibilidade, passou à análise da

matéria debatida na origem para reconhecer a existência de repercussão geral

da controvérsia e delimitar o tema a ser examinado neste leading case.

Respectivo aresto ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. RECURSOEXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICAPOR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.UTILIZAÇÃO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. ANÁLISEDA POSSIBILIDADE E VALIDADE EM ÂMBITO CIVIL.REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. 1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, §3º, daConstituição, a questão acerca da utilização da colaboração premiadano âmbito civil, em ação civil pública por ato de improbidadeadministrativa movida pelo Ministério Público em face do princípioda legalidade (CF, art. 5º, II), da imprescritibilidade do ressarcimentoao erário (CF, art. 37, §§4º e 5º) e da legitimidade concorrente para apropositura da ação (CF, art. 129, §1º).2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art.1.035 do CPC.

Na sequência, vieram os autos à Procuradoria-Geral da República

para parecer.

Eis, em síntese, o relatório.

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II

Conforme relatado, o tema delimitado para exame sob a sistemática

da repercussão geral nestes autos diz respeito à utilização da colaboração

premiada no âmbito das ações de improbidade administrativa.

Ao fundamentar a existência de repercussão geral da matéria, o

Relator apontou a relevância dos temas discutidos porque em jogo,

especialmente: “(I) a potencial ofensa ao princípio da legalidade, por se admitir a

colaboração premiada na ação de improbidade sem expressa autorização legal e com

vedação normativa à realização de transação pela LIA (CF, art. 5º, II); (II) os limites à

disponibilidade de bens e interesses públicos, face a imprescritibilidade da ação de

ressarcimento ao erário (CF, art. 37, §§4º e 5º); (III) os efeitos de eventual colaboração

premiada realizada pelo Ministério Público em relação às demais ações de

improbidade movidas pelos mesmos fatos, em virtude da existência de legitimidade

concorrente (CF, art. 129, §1º)”.

Assim posta a controvérsia, demonstrar-se-á a seguir a inexistência

de possível inconstitucionalidade quanto àqueles preceitos.

Para tanto, serão levadas em consideração as seguintes premissas,

(i) quanto ao princípio da legalidade: as inovações trazidas ao ordenamento

processual brasileiro, sobretudo pelo Código de Processo Civil de 2015; a

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natureza jurídica da colaboração premiada como negócio jurídico processual;

e os avanços na instrumentalidade negocial do direito sancionador; (ii)

quanto à indisponibilidade do interesse público, em face da

imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário: a celebração de

acordos de colaboração em ações de improbidade como forma de efetiva

preservação do interesse público; e (iii) quanto aos efeitos de eventual

colaboração premiada realizada pelo Ministério Público em relação a outras

ações de improbidade, tendo em vista a legitimidade concorrente: a

promoção da ação civil pública por ato de improbidade pelo Ministério

Público como desempenho da própria missão constitucional do órgão de

proteção do patrimônio público e da probidade administrativa.

III

1 Ausência de ofensa ao princípio da legalidade

1.1 As inovações trazidas ao ordenamento processual pelo Código de Processo Civilde 2015 e a cláusula geral de negociação sobre o procedimento

Sabe-se que a Lei 8.429/1992 tem caráter e sanções afetos ao âmbito

civil, enquanto o instituto da colaboração premiada volta-se,

predominantemente, à esfera criminal.

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Também não se desconhece o teor do art. 17, §1º, da referida lei,1 no

sentido de que são vedados a transação, o acordo ou a conciliação nas ações

de improbidade administrativa. Tal dispositivo chegou a ser revogado pela

Medida Provisória 703/2015 que, entretanto, não foi convalidada pelo

Congresso Nacional e perdeu sua eficácia, de forma a restabelecer a vigência

da norma de proibição.

Outrossim, é iterativo o entendimento jurisprudencial no sentido de

que é possível aplicar-se subsidiariamente o Código de Processo Civil nas

ações de improbidade administrativa, apesar da ausência de norma expressa

na Lei 8.429/1992.

Por outro lado, o processo civil contemporâneo tem na

autocomposição um dos seus principais pilares. O papel do juiz, como

harmonizador natural dos interesses sociais, é o de atuar na busca da

conciliação das divergências. Para alcançar a pacificação das controvérsias da

melhor maneira possível, há o julgador de propiciar espaços de diálogo entre

as posições contrapostas, visando a melhor solução do conflito.

1 “Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pelapessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.§1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput. […]”

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Reforça essa ideia a edição do Código de Processo Civil de 2015

que, já em seu art. 3º, §§2º e 3º, positivou verdadeira valorização da solução

consensual dos conflitos por meio da inserção de diretrizes principiológicas

que se irradiam por todo o regramento processual brasileiro. A doutrina bem

assinalou essa inovação:

A valorização das formas alternativas de solução dos conflitos já édemonstrada no art. 3º do Novo Código de Processo Civil. Nostermos do §2º, o Estado promoverá, sempre que possível, a soluçãoconsensual de conflitos, enquanto o §3º prevê que a conciliação, amediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverãoser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membrosdo Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.2

Dessa maneira, o diploma processual de 2015 tem, entre as suas

premissas, o estímulo à utilização de métodos autocompositivos para a

resolução de conflitos, além da valorização da consensualidade.

E o enfoque à consensualidade no processo não se limitou à

composição sobre o objeto litigioso, mas atingiu também o procedimento em

si. Robustecendo o poder de autorregramento das partes e propiciando maior

abertura e flexibilidade aos procedimentos jurisdicionais, o atual Código de

Processo Civil, conforme dispõe o seu art. 190, conferiu aos litigantes o poder

2 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. Salvador: JusPo-divm, 2017. p. 61.

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de ajustar o procedimento, moldando-o às peculiaridades da causa, bem

como de dispor sobre suas situações jurídicas processuais.

Eis o teor do dispositivo:

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitamautocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipularmudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causae convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveresprocessuais, antes ou durante o processo.Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará avalidade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhesaplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva emcontrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifestasituação de vulnerabilidade.

A inovação aconteceu porque, como aponta a doutrina, a existência

de conflito a respeito do direito material não se traduz necessariamente em

desacordo das partes quanto às situações processuais, mostrando-se possível

uma comunhão de vontades sobre os meios de resolução do conflito, tanto no

âmbito cível patrimonial quanto no direito processual sancionador.3

3 Nesse sentido: TAVARES, João Paulo Lordelo Guimarães. A aplicação do instituto da co-laboração premiada nas ações de improbidade administrativa. In: 5ª CÂMARA DE CO-ORDENAÇÃO E REVISÃO, CRIMINAL. Coletânea de artigos: avanços e desafios no combateà corrupção após 25 anos de vigência da Lei de Improbidade Administrativa. Brasília: MPF, 2018.p. 28-51. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/publicacoes/05_18_coletanea_de_artigos.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019.

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O referido art. 190 do CPC deixa evidenciado que, em processos

sobre causas que admitam autocomposição, as partes podem pactuar

mudanças no procedimento judicial, de forma a ajustá-lo às especificidades

da demanda.

A negociação acerca do procedimento, em verdade, também tem

fundamento nas diretrizes principiológicas de consensualidade e cooperação

processual, de forma a estimular a colaboração entre os sujeitos processuais e

propiciar melhor solução da controvérsia.

As possibilidades de acertos processuais vão desde a fixação de

obrigações e sanções até o estabelecimento de calendário para a prática de

atos processuais. Há, pode-se dizer, uma introdução da autonomia privada

na esfera processual, o que, mais uma vez, evidencia o intuito da nova lei

processual de proporcionar um procedimento de autorregramento, de forma

a dar às partes liberdade para adequar o procedimento às suas pretensões.

Pode-se concluir, desse modo, que o atual Código de Processo Civil,

por meio do previsto em seu art. 190, estabelece verdadeira cláusula geral de

autorregramento das partes, flexibilizando o procedimento, para permitir a

ampla realização de negócios processuais atípicos, podendo os litigantes

convencionar sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.

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1.2 Natureza jurídica da colaboração premiada como negócio jurídico processual

Embora não tenha inovado quanto à existência do instituto no

ordenamento jurídico brasileiro,4 coube à Lei 12.850/2013 traçar de maneira

mais detalhada a chamada colaboração premiada. A possibilidade de

cooperação da parte e a respectiva contraprestação foi assim prevista naquele

ato normativo:

Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdãojudicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdadeou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaboradoefetiva e voluntariamente com a investigação e com o processocriminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dosseguintes resultados:I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organizaçãocriminosa e das infrações penais por eles praticadas;II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas daorganização criminosa;III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades daorganização criminosa;IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito dasinfrações penais praticadas pela organização criminosa; V – a localização de eventual vítima com a sua integridade físicapreservada.§1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta apersonalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a

4 De fato, a possibilidade de colaboração premiada encontra previsão em diversos diplo-mas legais, a exemplo dos seguintes: Lei 8.072/1990 (art. 8º, parágrafo único); Código Pe-nal (art. 159, §4º); Lei 8.137/1990 (art. 16, parágrafo único); Lei 7.492/1986 (art. 25, §2º); Lei9.613/1998 (art. 1º, §5º); Lei 9.807/1999 (art. 13) e Lei 11.343/2006 (art. 41).

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gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia dacolaboração.§2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o MinistérioPúblico, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos doinquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderãorequerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial aocolaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto naproposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Leinº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).§3º O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativosao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses,prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidasde colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.§4º Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderádeixar de oferecer denúncia se o colaborador:I – não for o líder da organização criminosa;II – for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos desteartigo.§5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá serreduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime aindaque ausentes os requisitos objetivos.§6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partespara a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre odelegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação doMinistério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público eo investigado ou acusado e seu defensor.

Assim, em síntese, pode-se dizer que a colaboração premiada

consiste em acordo firmado entre a autoridade policial ou o Ministério

Público e o investigado, por meio do qual o Poder Público admite conceder

benefícios penais ou processuais penais ao colaborador em troca de

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informações capazes de viabilizar a identificação de coautores do delito, a

prevenção de infrações penais, a localização de vítima com sua integridade

física preservada, dentre outras hipóteses.

Percebe-se, desse modo, que a colaboração premiada acontece

quando, de um lado, o Ministério Público ou o delegado de polícia (com a

participação do Ministério Público) e, de outro, o acusado externam suas

respectivas vontades de celebrar o “acordo de colaboração”.

Justamente por ter como suporte fático a vontade exteriorizada

pelas partes, tem a doutrina defendido que a colaboração premiada detém

típica natureza de negócio jurídico, figurando como elemento nuclear de sua

existência a manifesta disposição dos litigantes em negociar e definir a

entrega e o correspondente benefício pela cooperação do acusado.

As partes externam suas vontades em firmar a colaboração e, a

partir dos limites estabelecidos em lei, são definidas as vantagens a serem

concedidas ao colaborador. O juiz, como expressamente dispõe a norma, não

é parte no negócio e atua apenas em momento posterior, no juízo de

homologação do acordo, dando eficácia ao termo de colaboração.

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Didier e Bonfim lecionam, nessa linha, que a colaboração premiada

prevista na Lei 12.850/2013 é, efetivamente, um negócio jurídico. Fazem, no

aspecto, as seguintes considerações:

A vontade, portanto, não é apenas pressuposto fático do ato jurídico,mas ela também atua no âmbito de sua eficácia, no âmbito da escolhade categoria eficacial e de seu conteúdo, sempre dentro dos limitestraçados pelo sistema. Cuida-se, pois, claramente, de um negócio jurídico. A natureza negocial da colaboração premiada é reconhecida,corretamente, pela própria lei, que se vale de expressões como“negociações”, “acordo de colaboração”, “voluntariedade”,“homologação de acordo”. Os termos utilizados são indicativos deque o sistema deixou, aqui, espaço para o exercício doautorregramento da vontade (não se pode esquecer que o sentidoliteral possível é o início do processo de interpretação). O fato de as consequências serem permitidas legalmente não retira acaracterística negocial do ato. Ao contrário, o permissivo expresso àcriação de tais situações jurídicas em razão da atuação da vontadedas partes é, justamente, a atribuição de poder negocial para que aspartes possam celebrar o negócio de colaboração.5

A chamada colaboração premiada constitui, destarte, negócio

jurídico formado pela exteriorização das vontades de acusado e acusador,

com consequências jurídicas de caráter material e processual.

5 DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A colaboração premiada como negócio ju-rídico processual atípico nas demandas de improbidade administrativa. A&C – Revista deDireito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 17, n. 67, p. 112, jan./mar.2017.

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O Supremo Tribunal Federal, aliás, também já adotou

entendimento no mesmo sentido, assentando que a colaboração premiada é

um negócio jurídico processual, tendo em vista que seu objeto é a cooperação

do acusado para a investigação e para o processo criminal.

Referido entendimento foi exposto no julgamento do HC 127.483 e

o voto condutor do acórdão, nesta parte, fez as seguintes considerações:

A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vezque, além de ser qualificada expressamente pela lei como “meio deobtenção de prova”, seu objeto é a cooperação do imputado para ainvestigação e para o processo criminal, atividade de naturezaprocessual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeitosubstancial (de direito material) concernente à sanção premial a seratribuída a essa colaboração. Dito de outro modo, embora a colaboração premiada tenharepercussão no direito penal material (ao estabelecer assanções premiais a que fará jus o imputado-colaborador, seresultar exitosa sua cooperação), ela se destina precipuamentea produzir efeitos no âmbito do processo penal. […]Note-se que a Lei nº 12.850/13 expressamente se refere a um“acordo de colaboração” e às “negociações” para a suaformalização, a serem realizadas “entre o delegado de polícia,o investigado e o defensor, com a manifestação do MinistérioPúblico, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e oinvestigado ou acusado e seu defensor” (art. 4º, §6º), aconfirmar que se trata de um negócio jurídico processual. Dentre os relevantes efeitos processuais do acordo de colaboração,destacam-se os previstos no art. 4º da Lei nº 12.850/13: i) “o prazopara oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao

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colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveispor igual período, até que sejam cumpridas as medidas decolaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional” (§3º);ii) “o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se ocolaborador não for o líder da organização criminosa ou for oprimeiro a prestar efetiva colaboração” (§4º); e iii) “nos depoimentosque prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor,ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer averdade” (§14). Além disso, nos termos do art. 5º da Lei nº 12.850/13, o acordo decolaboração judicialmente homologado confere ao colaborador odireito de: i) “usufruir das medidas de proteção previstas nalegislação específica”; ii) “ter nome, qualificação, imagem e demaisinformações pessoais preservados”; iii) “ser conduzido, em juízo,separadamente dos demais coautores e partícipes”, e iv) “participardas audiências sem contato visual com os outros acusados”. Indubitável, portanto, tratar-se de um negócio jurídicoprocessual. [Relator Ministro Dias Toffoli, DJe de 4 fev. 2016 – grifosnossos.]

O acordo de colaboração premiada é, portanto, negócio jurídico

formado pela comunhão de vontades do acusado em colaborar, oferecendo

informações sobre a investigação, e do acusador em conceder, nos limites da

lei, tratamento especialmente protegido ao colaborador.

O acerto envolve, assim, situações de natureza jurídica material e

processual e, por isso, pode ser concebido como negócio jurídico processual

atípico e, nos termos do mencionado art. 190 do Código de Processo Civil,

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possibilita que Ministério Público e acusado pactuem e convencionem a

colaboração nas ações de improbidade administrativa.

1.3 A Lei de Improbidade Administrativa e os avanços na instrumentalidadenegocial do direito sancionador

Mostra-se importante lembrar que a Lei de Improbidade

Administrativa foi editada em momento de menor abertura à solução

consensual no processo e que, posteriormente à edição daquele diploma,

houve vários avanços normativos na previsão de instrumentos de justiça

negociada.

A vedação prevista na Lei de Improbidade, na época de edição da

norma, correspondia, em verdade, ao cenário jurídico-normativo do próprio

direito penal, que percebia qualquer ajuste como potencial afronta ao

princípio da indisponibilidade da ação e do processo penal.

O cenário de criação da norma e a evolução jurídico-normativa do

direito sancionador foram bem delineados pela doutrina:

À época da edição da Lei nº 8.429/1992, o sistema do Direito Penalbrasileiro era avesso a qualquer solução negociada. Não por acaso,falava-se em indisponibilidade da ação penal e em indisponibilidadedo objeto do processo penal.

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Sucede que, a partir de 1995, com a Lei nº 9.099/1995, instrumentosde justiça penal negociada começaram a ser previstos no Direitobrasileiro. Desenvolveram-se técnicas de justiça penal consensual.São exemplos a transação penal (art. 76, Lei nº 9.099/1995) e asuspensão condicional do processo penal (art. 89, Lei nº 9.099/1995).Em ambos os casos, há negociação que produz consequências noâmbito do Direito Penal material. O processo penal também sofreu transformações com a ampliação daspossibilidades de negociação entre autor e réu. A “colaboraçãopremiada”, negócio jurídico material e processual previsto emalgumas leis (embora prevista em diversas leis, a regulamentaçãomais completa está na Lei nº 12.850/2013) é o principal exemplodesse fenômeno. Ao lado da “colaboração premiada”, surgeminstitutos de compliance das empresas envolvidas, como é o caso doacordo de leniência (Lei Anticorrupção, Lei nº 12.846/2013). A proibição de negociação prevista na Lei de ImprobidadeAdministrativa era, na verdade, um reflexo da proibição noâmbito penal. Não havia sido admitida na improbidade emrazão do princípio da obrigatoriedade para o MinistérioPúblico e da visão que a tutela do interesse público eraabsolutamente indisponível, não admitia graus de tutela. Seagora é possível negociar as consequências penais, mesmo nasinfrações graves, não haveria razão para não ser possívelnegociar as sanções civis de improbidade. Pode-se estabelecera seguinte regra: a negociação na ação de improbidadeadministrativa é possível sempre que for possível anegociação no âmbito penal, em uma relação de proporção. A interpretação literal do comando do §1º do art. 17 da Lei nº8.429/1992 levava a uma situação absurda: seria possível negociarsanções tidas como mais graves pelo sistema porque decorrente daprática de crimes (por definição, o ilícito mais reprovável), mas nãoseria possível negociar no âmbito de uma ação de improbidadeadministrativa. Além de absurda, a interpretação desse texto

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ignoraria completamente a diferença entre os contextos históricos dapromulgação da lei (1992) e de sua aplicação.6 [Grifos nossos.]

Assim, também por isso, há de se afastar a vedação constante do

art. 17, §1º, da Lei 8.429/1992, reconhecendo-se que tal proibição parece

ultrapassada e em dissonância com a instrumentalidade negocial dada ao

próprio sistema sancionador brasileiro.

2 Ausência de inconstitucionalidade por suposta afronta ao princípio daindisponibilidade de bens e interesses públicos, em face daimprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário

2.1 A celebração de acordos de colaboração em ações de improbidade administrativacomo forma de efetiva preservação do interesse público

A utilização dos acordos de delação no âmbito da ação civil por

improbidade poderia, em princípio, evidenciar afronta aos limites da

disponibilidade de bens e interesses públicos, em face da imprescritibilidade

da ação de ressarcimento ao erário, causando aparente choque entre as

diretrizes constitucionais de indisponibilidade do patrimônio público e de

combate à corrupção e proteção da probidade administrativa.

6 DIDIER JR., Fredie; BOMFIM, Daniela Santos. A colaboração premiada como negócio ju-rídico processual atípico nas demandas de improbidade administrativa. A&C – Revista deDireito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte, ano 17, n. 67, p. 105-120, jan./mar.2017.

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A solução em casos assim há de passar pela ponderação dos valores

envolvidos, em nome do princípio da unidade da Constituição. A atuação do

Estado como agente acusador e sancionador dos atos de improbidade

administrativa há de ser equacionada com os demais ditames constitucionais,

sobretudo com a busca pela satisfação do verdadeiro interesse da sociedade,

pelo efetivo combate à corrupção e pela tutela da probidade administrativa.

Sabe-se que a ratio da norma contida no art. 17, § 1º, da Lei

8.429/1992, que veda a formalização de transação, acordo ou conciliação nas

ações de improbidade, encontra fundamento teórico no princípio da

indisponibilidade do interesse público.

No entanto, importante avaliar qual é a verdadeira extensão desse

princípio e do dever estatal de preservação dos interesses da sociedade, a fim

de se concluir se a celebração de acordos no âmbito das ações de improbidade

administrativa desfavorece o interesse público ou, ao revés, constitui maior

proteção à tutela da probidade administrativa e, portanto, vai ao encontro

daquele preceito.

O ato de improbidade administrativa traduz-se em inegável ofensa

ao patrimônio público, à moralidade e aos demais princípios norteadores da

Administração Pública. Por outro lado, não se pode negar a contribuição dos

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acordos de colaboração para o desmantelamento de fraudes e atos de

corrupção perpetrados contra o Estado, sendo certo que tais acordos são

firmados na defesa do interesse público e objetivam, sobretudo, a cessação,

responsabilização e prevenção de atos de corrupção.

Dessa forma, entendendo que o interesse público corresponde,

principalmente, à concretização de uma atividade administrativa proba e

lícita, a pactuação de acordos cooperativos em ações de improbidade não

importa em esvaziamento ou mitigação à tutela do patrimônio público.

Ressalte-se, aliás, que o próprio Supremo Tribunal Federal, ao

julgar o Tema 897 da sistemática da Repercussão Geral e fixar a tese de que

“são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato

doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa”,7 manifestou ser

necessário o aperfeiçoamento do combate à corrupção, bem como o cuidado

do legislador constituinte em estabelecer códigos de conduta ao

administrador, privilegiando o combate à improbidade administrativa.

Assim, considerando que a busca pela verdadeira satisfação do

interesse público há de conduzir as ações de todos aqueles que lidam com a

coisa pública, parece mais consentâneo com o princípio da indisponibilidade

7 RE 852.475/SP, Relator Ministro Alexandre de Moraes, DJe de 25 mar. 2019.

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do interesse público que, ao Estado, seja permitido valer-se de institutos que

favoreçam o combate à corrupção e a melhor preservação do patrimônio

público.

Há, destarte, de se afastar a aparente contradição entre a

possibilidade de se firmar termos de colaboração e a tutela da probidade

administrativa.

De fato, fica claro que a busca pela colaboração dos investigados,

em troca de benefícios quanto a sanções, não implica abdicar da tutela da

probidade, mas, ao revés, resulta em alcançá-la de modo mais eficiente.

Confere-se, com o uso do instituto, maior efetividade ao sistema

normativo e aos mecanismos de controle da improbidade, com a

possibilidade de colocar a atuação repressiva do Estado em condições de mais

igualdade com estruturas de poder bem organizadas.

A pactuação de acordos em ações de improbidade administrativa

não significa, portanto, mitigação ou enfraquecimento da tutela ao

patrimônio público. Ao contrário, a utilização da ferramenta processual tem

como finalidade a efetiva preservação do interesse público.

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Ressalte-se, aliás, que a celebração de acordos não ocorre

exclusivamente no interesse do réu. Para que o Ministério Público formalize o

termo de delação há a clara necessidade de que as condições pactuadas sejam

aptas a alcançar um resultado útil para a sociedade.

Este é o fundamento da interpretação que possibilita compatibilizar

o uso da colaboração premiada nas ações de improbidade administrativa com

o princípio da indisponibilidade do interesse público, compreendendo o

referido preceito como alicerce que não pode servir de óbice para a satisfação

do verdadeiro interesse da sociedade.

Significa dizer que o emprego da colaboração premiada, na esfera

da responsabilização por improbidade administrativa, não resulta livre

disponibilidade do interesse ou patrimônio público, mas sim o exercício de

uma discricionariedade restrita, condicionada aos limites da lei e à busca pela

maior eficiência e efetividade na atuação repressiva estatal.

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3 Ausência de inconstitucionalidade em face dos efeitos da colaboraçãopremiada realizada pelo MP em relação às demais ações deimprobidade movidas pelos mesmos fatos

3.1 A promoção da ação civil pública por ato de improbidade pelo MP comodesempenho da própria missão constitucional do órgão de proteção dopatrimônio público e da probidade administrativa

Como apontou o Relator no acórdão pelo qual reconhecida a

repercussão geral, importante examinar os efeitos de eventual colaboração

premiada realizada pelo Ministério Público em relação a possíveis outras

ações de improbidade movidas pelos mesmos fatos, tendo em vista a

existência de legitimidade concorrente, nos termos do art. 129, §1º, da

Constituição Federal.8

Nesse ponto, tem-se que, embora a celebração do acordo de delação

não impeça a busca da responsabilização em outras esferas, importante que,

em relação às condutas objeto da ação em que firmado o termo, tenha o

colaborador a garantia de que os benefícios concedidos pelo Parquet e

homologados pelo Juízo competente serão estendidos a outras demandas que

tenham o mesmo objeto, viabilizando-se um alinhamento institucional que

vise à consolidação do acordo como instrumento de utilidade estratégica no

8 “Art. 129. […] §1º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a deterceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei. […]”

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combate à corrupção, bem como para a preservação da confiança dos

colaboradores quanto à legitimidade autônoma do Ministério Público para

firmar a colaboração.

Isso porque, embora a Lei 8.429/1992 preveja que a ação de

improbidade será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica

interessada – o que denota a legitimidade ativa concorrente entre o Parquet e

o ente público interessado na repressão da conduta ímproba –, existem

diferenças no interesse e na atuação jurisdicional dos legitimados que

justificam a outorga ao MP da discricionariedade para o uso do acordo de

colaboração premiada, bem como que respaldam que os termos do possível

acordo de colaboração sejam observados pela pessoa jurídica interessada.

É que a promoção da ação civil pública por ato de improbidade

pelo Ministério Público tem previsão constitucional9 e corresponde, pode-se

dizer, ao desempenho da própria missão constitucional do órgão de proteção

do patrimônio público e da probidade administrativa, traduzindo-se em

verdadeira tutela de interesse público primário.

9 “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:[…] III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público esocial, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; […].”

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Já a pessoa jurídica interessada, embora detenha inegável

legitimidade ativa ad causam e interesse na apuração das irregularidades, tem

a previsão de sua legitimidade restrita à lei e age, essencialmente, na busca

pelo ressarcimento do prejuízo ao seu patrimônio, na defesa de interesse

público secundário.

Tais nuances evidenciam que a ratio legis, não obstante a legitimação

concorrente, há de ser no sentido de que detém o Ministério Público atuação

preponderante nas ações civis públicas por ato de improbidade

administrativa, sendo adequado propiciar ao órgão o exercício de sua

legitimidade autônoma para firmar acordos de colaboração no âmbito das

demandas de improbidade.

Desse modo, também aqui há de se fazer a exegese que melhor

atenda à unidade constitucional e represente efetiva satisfação do interesse

público e proteção aos valores da atividade administrativa proba,

reconhecendo-se a importância da colaboração como ferramenta de efetiva

preservação do interesse público.

IV

As transformações ocorridas no ordenamento jurídico brasileiro,

com o robustecimento do autorregramento e da consensualidade processual,

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aliadas à compreensão de que a colaboração premiada detém nítido caráter

de negócio jurídico processual, somam-se a inegável contribuição do instituto

para o combate à corrupção e para a satisfação do interesse público,

conduzindo à conclusão de que a vedação prevista no art. 17, §1º, da Lei

8.429/1992 revela-se ultrapassada e em descompasso com o atual contexto

jurídico-constitucional de efetiva tutela da probidade administrativa.

Há de admitir-se, assim, a celebração de acordos de colaboração

como negócios jurídicos atípicos no processo de improbidade administrativa,

nos termos do disposto no art. 190 do Código de Processo Civil c/c o art. 4º da

Lei 12.850/2013, não evidenciando tal entendimento inconstitucionalidade em

relação (i) ao princípio da legalidade; (ii) à indisponibilidade de bens e

interesses públicos; ou (iii) aos efeitos em relação às demais ações de

improbidade movidas pelos mesmos fatos, dada a legitimidade concorrente

para a demanda.

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V

Em face do exposto, opina a PROCURADORIA-GERAL DA

REPÚBLICA pelo desprovimento do recurso extraordinário e, considerados a

sistemática da repercussão geral e os efeitos do julgamento deste recurso em

relação aos demais casos que tratem ou venham a tratar do Tema 1043, sugere

a fixação da seguinte tese:

Há de ser admitido o uso da colaboração premiada em ação civilpública por ato de improbidade administrativa movida peloMinistério Público.

Brasília, data da assinatura digital.

Augusto ArasProcurador-Geral da República

Assinado digitalmente

ARE 1175650-Tema 1043-colaboração premiada em ação civil por improbidade [VCM]

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