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Page 1: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ CURSO DE COMUNICAÇÂO SOCIAL

HABILITAÇÃO: JORNALISMO

MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS: UMA ANÁLISE DO TWITTER DA LEI SECA E SUAS RELAÇÕES COM A ESTRUTURA TECNOLÓGICA DAS REDES DIGITAIS

Rafael Swoboda de Castro

Rio de Janeiro, Junho/2011

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RAFAEL SWOBODA DE CASTRO

MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS: UMA ANÁLISE DO TWITTER DA LEI SECA E SUAS RELAÇÕES COM A ESTRUTURA TECNOLÓGICA DAS REDES DIGITAIS

Monografia apresentada como conclusão do curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá.

ORIENTADOR: Professora Élida Vaz

Rio de Janeiro, Junho/2011

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

C355 CASTRO, Rafael Swoboda de. Movimentos sociais digitais: uma análise do Twitter da Lei Seca e suas relações com a estrutura tecnológica das redes digitais / Rafael Swoboda de Castro. – Rio de Janeiro, 2011.

54f; 30cm.

Monografia (Graduação em Comunicação Social) - Universidade Estácio de Sá, 2011.

Bibliografia: f. 52-54. Orientador: Élida Vaz.

1. Comunicação social 2.Cultura digital 3. Movimentos sociais 4. Twitter 5. Interatividade I. Título.

CDD 302.23

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“A tecnologia não é boa, nem ruim e também não é neutra.”

Melvin Kranzberg

“Os efeitos da tecnologia não ocorrem aos níveis das opiniões e

dos conceitos: eles se manifestam nas relações entre os sentidos

e nas estruturas da percepção, num passo firme e sem qualquer

resistência. O artista sério é a única pessoa capaz de enfrentar,

impune, a tecnologia, justamente porque ele é um perito nas

mudanças de percepção.”

Marshall McLuhan

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RESUMO

Este trabalho busca compreender alguns dos principais fenômenos sociais

relacionados com o cenário da comunicação digital contemporânea baseado nas redes

digitais da chamada “Web 2.0” a partir das suas relações com as características

estruturais mais marcantes desses novos meios. Como estudo de caso, este trabalho

pesquisa especificamente os fenômenos em torno do uso do Twitter da “Lei Seca”

(perfis do microblog dedicados à troca de informações sobre o trânsito e as blitzes,

especialmente da Operação Lei Seca, em algumas cidades) em suas relações com a

organização informacional em redes descentralizadas, a interatividade e a convergência

de mídias e tecnologias, considerando a forma específica em que tais características se

expressam nesse tipo de rede digital.

Para alcançar esse objetivo, primeiramente o autor percorre a história dos meios

de comunicação eletrônicos com foco nas relações entre o desenvolvimento tecnológico

e as estruturas sociais envolvidas no seu processo histórico; em seguida, são definidos

os conceitos relevantes para o tema, relacionando-os com o fenômeno das organizações

sociais independentes baseadas nas redes digitais, e são traçados os pressupostos

teóricos que orientam o trabalho no que diz respeito às relações entre características

estruturais dos meios e certos fenômenos sociais; por último, é feita uma análise

específica da organização social mencionada, confrontando a realidade empírica

observada nesse contexto com o quadro teórico desenvolvido anteriormente.

Palavras-chave:

cultura digital, movimentos sociais, tecnologia, twitter, lei seca, interatividade,

redes digitais, redes sociais, convergência

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SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................................... p.06 Capítulo 1 – Da Energia Elétrica à Internet................................................................. p.10 1.1 – A Genealogia da Eletrônica.................................................................... p.10 1.2 – A Revolução Elétrica e a Indústria Cultural .......................................... p.14

1.3 – A Revolução da Computação ................................................................ p.20

1.3.1 – A Internet e a Era da Informação ............................... p.25 Capítulo 2 – Fundamentos da Comunicação Digital na Web 2.0............................... p. 29 2.1 – Redes e Descentralização ...................................................................... p.39

2.2 – Interatividade.......................................................................................... p.33

2.3 – Convergência.......................................................................................... p.34 Capítulo 3 – As Redes Digitais e os Movimentos Sociais.......................................... p.38

3.1 – A Operação Lei Seca e o Twitter .......................................................... p.39

3.1.1 – Definições: Operação Lei Seca .............................................. p.39

3.1.2 – Definições: O Twitter ............................................................. p.39 3.1.3 – Análise da Página “Lei Seca” do Twitter e seus Fenômenos

Sociais em suas Relações com as Bases Tecnológicas das Redes Digitais..... p.41

Conclusões .................................................................................................................. p.48 Bibliografia ................................................................................................................. p.52

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INTRODUÇÃO

A expansão acelerada e a rápida absorção das tecnologias digitais de

comunicação pela cultura global vêm transformando as estruturas psicossociais do

homem ocidental moderno a velocidades cada vez maiores. Em Os Meios de

Comunicação como Extensões do Homem, MCLUHAN (1964:10) já observava que

“toda tecnologia gradualmente cria um ambiente humano totalmente novo”. Mas

McLuhan não testemunhou a verdadeira revolução da proclamada Era Eletrônica – que

atualmente passa a ser a Era Digital. As tecnologias e mídias digitais criam

continuamente múltiplos ambientes humanos totalmente novos. Como conseqüência

disso, o indivíduo comum dispõe de cada vez menos tempo, entre cada nova

ambientação, para compreender as influências desses ambientes sobre si mesmo e sobre

a sociedade em que está inserido.

As verdadeiras implicações sociais das novas formas de relacionamento

mediadas pelas redes digitais compõem um tema rodeado por diversas polêmicas e

controvérsias. Enquanto alguns teóricos e pesquisadores acreditam em um potencial

revolucionário dessas novas formas de comunicação para o fortalecimento de laços

comunitários, outros, ao contrário, argumentam sobre um potencial devastador de

empobrecimento da vida social dos usuários dessas tecnologias (CASTELLS, 442-449).

A existência dessa controvérsia dentro do meio acadêmico evidencia uma falta de

consenso sobre o tema, gerando a demanda por novas pesquisas e novas formas de

abordagem ao problema, principalmente em face às novas formas de mídia digitas que

vão surgindo e se disseminando dentro de intervalos de tempo cada vez mais curtos em

nossa sociedade.

Diante disso, este trabalho busca lançar luz sobre o tema das inter-relações entre

sociedade e tecnologia por meio do recorte de uma área específica da relação entre as

novas tecnologias de comunicação e o espectro de fenômenos sociais a elas

relacionados; essa área se trata da emergência e manutenção de movimentos sociais e/ou

formas de organização independentes que possuem como base de comunicação as redes

digitais interativas da chamada “Web 2.0”.

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De acordo com o criador do conceito, a “Web 2.0” se define pela mudança para

uma internet como plataforma em que o fundamento mais importante é o

desenvolvimento de aplicativos que se beneficiam dos efeitos em rede para se

otimizarem cada vez mais na medida em que são usados pelas pessoas, se aproveitando

da “inteligência coletiva”. (O´REILLY1) Dentro desse conceito, nasceram, entre outros, a

Wikipedia, os Blogs, e as redes digitais como Twitter e Facebook, que são a principal

forma de mídia estudada neste trabalho.

Para realizar a análise proposta, o autor inicia o trabalho percorrendo a história

das transformações tecnológicas na sociedade ocidental a partir da Revolução Industrial,

mais especificamente a partir da invenção e disseminação das fontes de energia elétrica,

com uma abordagem focada nas relações entre as diferentes tecnologias –

particularmente, as tecnologias de comunicação - entre e si mesmas e com os principais

fenômenos sociais relacionados a elas.

De início, é importante buscar compreender como a relação entre tecnologia e

sociedade se desenvolveu ao longo do processo histórico da civilização ocidental, e

como as características estruturais das tecnologias, particularmente as tecnologias de

comunicação, se relacionam com os contextos sociais nos quais se inserem,

modificando-os e sendo modificadas por eles. Como veremos no primeiro capítulo, na

Idade Mecânica (MCLUHAN, 1964) – que foi caracterizada pela introdução das novas

relações sociais mediadas pelas tecnologias de industrialização da primeira Revolução

Industrial - a influência da tecnologia sobre a sociedade é bastante evidente. Seja

colocada como causa ou conseqüência – ou como uma relação sinérgica simultânea na

qual causa é também conseqüência e vice-versa – de nova uma nova estrutura social e

mentalidade coletiva, o fato sobre o qual deve existir um consenso é que as relações

entre as novas tecnologias e a sociedade moldaram as bases do novo sistema social da

chamada modernidade; época que foi caracterizada inicialmente pelo êxodo rural e

crescimento explosivo do modo de vida urbano, baseado no trabalho assalariado e na

idéia do cidadão como consumidor e, mais tarde – na chamada “Segunda Revolução

Industrial” ou “Segunda Industrialização” (MORIN, 1984) - pela disseminação das

1 De acordo com artigo de Tim O´Reilly, o criador da expressão “Web 2.0”, disponível em

http://radar.oreilly.com/2006/12/web-20-compact-definition-tryi.html - Acessado em 15/05/2011 (Tradução livre do autor)

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mídias eletrônicas, o nascimento da cultura de massas e da indústria cultural; processos

e conceitos que veremos no primeiro capítulo.

Uma hipótese explorada neste trabalho é a de que as tecnologias digitais de

comunicação introduzem e/ou (considerando a possibilidade já mencionada de relação

sinérgica entre causa e conseqüência) são introduzidas por uma nova mudança histórica

nas estruturas do sistema social da civilização ocidental - que, com os processos de

globalização, se torna cada vez mais unitário, interconectado e global - de proporções

comparáveis às mudanças introduzidas pela industrialização do processo produtivo na

Primeira Revolução Industrial e pela industrialização dos bens culturais através da

mídia de massas na Segunda Revolução Industrial.

Tendo isso em vista, no primeiro capítulo o autor analisa o espectro dos

principais fenômenos sociais relacionados com as duas etapas da Revolução Industrial

que foram descritas, com foco principal naqueles que emergiram a partir da invenção e

disseminação das fontes de energia elétrica até a difusão da televisão; em seguida

analisa o contexto histórico, tecnológico e social em que se deu a emergência dos

computadores modernos e, posteriormente, da internet e das redes digitais interativas,

buscando traçar as principais diferenças estruturais desse “novo” sistema de

comunicação em relação às mídias eletrônicas de massa mais tradicionais.

No segundo capítulo são traçados os pressupostos teóricos que orientam o

trabalho, e são explorados os conceitos envolvidos com as estruturas de organização

informacional das redes digitais em suas principais diferenças em relação aos

tradicionais sistemas de mídia eletrônicos de massa, e em suas relações com a

emergência e manutenção de movimentos sociais e/ ou organizações independentes

(desvinculados de instituições governamentais ou privadas) em geral.

Os pressupostos teóricos são traçados através de uma análise preliminar das

relações entre características intrínsecas dos meios, seus conteúdos e potenciais de uso,

tendo como referências teorias e obras consagradas sobre o assunto, como as de

McLuhan (1964) e Giovannini (1987).

A exploração conceitual é feita a partir da revisão das definições conceituais

mais aplicáveis ao cenário das redes digitais que estamos estudando, tendo em vista as

relações das três características interdependentes escolhidas neste trabalho como

fundamentos centrais da comunicação mediada por tais redes digitais - a estrutura

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informacional em redes descentralizadas, a interatividade e a convergência de mídias e

tecnologias - entre si mesmas e com o fenômeno desses movimentos sociais.

No terceiro capítulo, o autor confronta os resultados das análises histórica e

teórica com fenômenos sociais empíricos observados no atual cenário da comunicação

digital através de uma pesquisa/estudo de caso sobre o fenômeno do Twitter da “Lei

Seca”(páginas o microblog utizadas para troca de informação em tempo real sobre o

trânsito e localidades de blitzes, especialmente da Operação Lei Seca – uma operação

policial com o principal objetivo de reprimir o uso do álcool por motoristas – em

algumas cidades brasileiras, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo).

Essa análise é conduzida tendo em vista a influência das três características

estruturais estudadas no capítulo anterior sobre a formação e manutenção desse

movimento social específico, com o objetivo de compreender as funções da tecnologia –

especificamente as características tecnológicas estruturais que isolamos como

referenciais de fundamentos técnicos da comunicação das redes digitais – nesse

contexto.

Ao final desse processo são apresentadas as conclusões do trabalho, buscando

cobrir as relações entre os temas de cada capítulo em uma síntese lógica que leve o

trabalho a cumprir seu objetivo geral de contribuir para o estudo dos fenômenos sociais

relacionados ao cenário contemporâneo da comunicação digital e, em específico,

contribuir para o estudo das relações entre os fundamentos tecnológicos das novas redes

digitais e a emergência e manutenção de diversos tipos de organizações sociais

independentes, ou seja, formadas a partir de interesses de indivíduos ou grupos isolados

que se apropriam dessas características estruturais das novas tecnologias para se

organizarem coletivamente com diversos propósitos.

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CAPÍTULO 1 – DA ENERGIA ELÉTRICA À INTERNET

Este capítulo explora as bases sociais e tecnológicas que prepararam o terreno

para o nascimento das mídias e cultura digitais no mundo contemporâneo. Para isso, o

autor percorre a história das mídias eletrônicas e seus fundamentos técnicos, tendo

como fio condutor as relações do processo tecnológico com os contextos sociais

envolvidos, buscando tecer uma síntese do cenário de onde emergiram as chamadas

“Eras” eletrônica e digital.

O Capítulo foi organizado numa ordem essencialmente cronológica, e dividido

em três sessões principais, denominadas e abordadas da seguinte forma: A Genealogia

da Eletrônica, voltada para as bases sociais e tecnológicas que precederam e deram

origem à Era Eletrônica a partir da Revolução Industrial; A Revolução Elétrica e a

Indústria Cultural, direcionada para o período de emergência das mídias eletrônicas

mais tradicionais (antes do computador) e dos fenômenos socioculturais que a

acompanharam; e A Revolução da Computação, seção que foi dividida em duas

partes: a primeira, voltada para o contexto social e tecnológico no qual se deu a

emergência dos computadores e, a segunda, da internet e da chamada Era da

Informação.

1.1 – A Genealogia da Eletrônica

Durante a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, séries de descobertas e

experiências científicas tiveram profundos impactos sobre as organizações sociais do

mundo ocidental. Novas formas de relacionamento dos homens entre si, dos homens

com o meio ambiente e dos homens com o trabalho foram definidas em torno do

progresso tecnológico e científico que caracterizou essa época. A mecanização das

indústrias, o surgimento e proliferação de estradas de ferro e locomotivas, as novas

formas de relações comerciais entre nações, a disseminação do motor a vapor e o

surgimento e a expansão das mídias eletrônicas e da cultura de massas são alguns dos

principais aspectos que marcaram esse período Cada um desses aspectos gerou

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complexas redes de conseqüências sociais que se desenrolam até hoje. (BRIGGS &

BURKE, 2006; GIOVANNINI, 1987).

Para o estudo de qualquer uma das mídias eletrônicas em suas relações com a

sociedade contemporânea, a disseminação da eletricidade como fonte de energia e o seu

respectivo cenário social representam um marco importante, que serve como ponto de

partida para a sua contextualização histórica. Antes da introdução das fontes de

eletricidade, os tecidos da cultura ocidental eram costurados a partir da sinergia entre

duas formas básicas de tecnologia de comunicação: o alfabeto romano e o papel,

enquanto a velocidade da transmissão de informações era limitada, em sua maior

expressão de avanço, pela tecnologia do motor a vapor (BRIGGS & BURKE, 2006), tal

como anteriormente fora limitada pelo galopar dos cavalos e pelos pombos-correio. A

partir da disseminação da eletricidade, começam a surgir sucessivamente sistemas de

mídia de grande complexidade e alta velocidade de transmissão de informações,

integrando diversas formas de tecnologia e conhecimentos especializados.

Juntamente com a velocidade de transmissão, esse processo de integração entre

mídias e tecnologias se tornaria uma das principais características do cenário midiático

contemporâneo. Apesar de o moderno conceito da ―convergência de mídias‖ ter surgido

com a ascensão da internet, é possível observar essa convergência como uma

característica intrínseca ao desenvolvimento dos meios de comunicação e tecnologias,

especialmente a partir da ―Era da eletricidade‖, quando nossas mídias e aparatos

técnicos passaram a ser sistemas extremamente complexos, unificando diversos tipos de

conhecimentos técnicos especializados que até então se desenvolviam separadamente.

A energia elétrica se disseminou pelo mundo apenas a partir do início do século

XX, apesar de o processo do seu desenvolvimento ter ocorrido desde o século XVII

através de sucessivas descobertas e experimentos científicos (BRIGGS & BURKE,

2006). Algumas dessas descobertas e experimentos tiveram tal importância para a

subseqüente história das tecnologias e dos meios de comunicação que merecem ser

brevemente descritas neste trabalho.

Foi por volta de 1750 que Benjamin Franklin realizou o famoso e perigoso

experimento no qual canalizou energia elétrica de raios utilizando uma pipa,

demonstrando assim que os raios são fenômenos de natureza elétrica. As descobertas e

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estudos de Franklin são conhecidos como pioneiros na área da eletricidade, além de

terem possibilitado a invenção dos primeiros pára-raios.

A primeira pilha voltaica – tecnologia que utiliza reações químicas para

converter energia química em energia elétrica, e que se tornaria fundamental para os

dispositivos elétricos móveis, muitos dos quais viriam a ter um papel essencial na

comunicação, tais como telefones celulares, câmeras, filmadoras, gravadores, entre

muitos outros – foi inventada por volta de 1800 pelo físico italiano Alessandro Volta. A

invenção da pilha possibilitou pela primeira vez a geração de uma corrente elétrica

estável, representando um marco de grande importância para os futuros estudos do

eletromagnetismo (GIOVANNINI, 1987:156).

O fenômeno da indução eletromagnética – que se tornaria o princípio

fundamental dos geradores, transformadores, motores e da maioria das máquinas que

passariam a ser introduzidas no mundo a partir daí - foi descoberto em 1831 pelo físico

e químico inglês Michael Faraday. Isso ocorreu após o físico dinamarquês Hans

Christioan Oested descobrir, em 1820, a existência de uma relação entre magnetismo e

eletricidade, ao notar que um fio de corrente elétrica exercia influência sob a agulha de

uma bússola; uma descoberta que deu origem à ciência do eletromagnetismo, unificando

duas formas de ciência (eletricidade e magnetismo) que até então vinham se

desenvolvendo isoladamente.

A geração de novas tecnologias possibilitadas por essa seqüência de descobertas

e experiências foram se desenvolvendo paulatinamente até que os geradores se tornaram

as principais fontes de energia empregada na iluminação. Foi então que, em 1876, o

inventor norte-americano Alexandre Graham Bell patenteou uma tecnologia de

comunicação que convertia a energia acústica em energia elétrica e vice-versa, e iria

exercer uma grande influência sobre a sociedade ocidental. Era o telefone, que só

décadas mais tarde se disseminaria pelo mundo como meio de comunicação popular

(BRIGGS & BURKE, 2006).

Em 1880, Thomas Edison desenvolvia a lâmpada elétrica incandescente, e

durante as décadas seguintes até o início do século XX a proliferação de usinas

geradoras levou à consolidação da eletricidade como principal fonte de energia no

mundo ocidental. Dessa forma, estava formada a base tecnológica para a transição de

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um cenário sócio-cultural para outro completamente diferente. A Era do Vapor

começava a dar lugar à Era Eletrônica.

Essa história – contada aqui de forma muito resumida – do surgimento das

fontes de energia elétrica mostra claramente a fusão e interdependência cada vez maior

de diferentes tipos de conhecimentos especializados na medida em que se desenvolvem

novas tecnologias; processo que fica progressivamente mais evidente enquanto

avançamos no estudo das mídias eletrônicas e digitais. Afinal, ―novas tecnologias‖ não

emergem do vácuo, mas são possibilitadas e constituídas por tecnologias precedentes,

da mesma forma que possibilitam e constituem as tecnologias futuras.

É importante observar que todas essas invenções, descobertas e experiências

ocorreram dentro de um contexto social marcado por intensas transformações em

múltiplos aspectos, relacionadas de forma direta ou indireta, como causas ou

conseqüências umas das outras, todas como partes do mesmo processo histórico

conhecido como Revolução Industrial, que foi caracterizado justamente pelas novas

relações sociais mediadas pelas tecnologias. As revoluções nos meios de comunicação

vieram como partes importantes desse processo, conforme observaram Asa Briggs e

Peter Burke:

―[...]a "Revolução Industrial" e a "revolução da comunicação" podem ser vistas como parte do mesmo processo — com a revolução dos transportes em primeiro lugar na seqüência tecnológica que parecia ter uma lógica própria, principalmente depois que a eletricidade substituiu o vapor como nova fonte de energia apesar de ser, no início, ainda mais misteriosa (a palavra "eletrônica" surgiu muito depois). No século XX, a televisão precedeu o computador, do mesmo modo que a impressão gráfica antecedeu o motor a vapor, o rádio antecedeu a televisão e as estradas de ferro e os navios a vapor precederam os automóveis e aviões. A seqüência não manteve um ritmo regular, e cada demora precisa ser explicada. "Uma máquina de voar factível", foco de aspiração de muitas pessoas, teve de esperar a invenção do motor a combustão interna para se tornar uma possibilidade técnica. O telégrafo precedeu o telefone, e o rádio deu início à telegrafia sem fio. Mais tarde, depois da invenção da telefonia sem fio, ela foi empregada para introduzir uma "era da radiodifusão", primeiro em palavras, depois em imagens.‖ (BRIGGS & BURKE, 2006:112)

Ao mesmo tempo em que a energia elétrica se desenvolvia paulatina e

silenciosamente, a cadeia de todo o processo produtivo passava a ser industrial, massiva

e mecanizada, enquanto o planeta passava a ser cada vez mais interligado por ferrovias

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que possibilitavam a distribuição geográfica dos produtos, criando novas formas de

relações comerciais entre nações e uma demanda cada vez maior por mão de obra nas

áreas urbanas. Na Inglaterra - o berço da Revolução Industrial -, a Lei dos Cercamentos

de Terras privatizava, desde meados do século XVIII, as terras onde camponeses viviam

e obtinham seus meios de subsistência (para finalidades como a criação de ovelhas

utilizadas na produção de lã pela indústria têxtil), gerando parte do êxodo rural que

atendia justamente a essas novas demandas das organizações urbanas (grande

quantidade de trabalhadores e mão de obra barata). Esses processos, cada vez mais

globalizados no mundo ocidental industrial, introduziam uma profunda mudança não

apenas na organização das estruturas sociais, mas também nas relações dos homens com

o trabalho, pois, convertendo camponeses em assalariados, essa nova mecânica retirava

da vida desses trabalhadores os frutos – literais e metafóricos - diretos dos seus

esforços. Subitamente, o sentido da vida desses homens do campo era substituído pela

mecânica imposta pelo chamado ―progresso‖ do mundo industrial.1.

Dentro desse cenário, começam a surgir e se proliferar os meios de comunicação

eletrônicos de massa, gerando uma nova forma de indústria (a chamada indústria

cultural) e complexificando ainda mais o processo de transformação social iniciado com

a primeira Revolução Industrial. São esses processos que estudaremos a seguir.

1.2 – A Revolução Elétrica e a Indústria Cultural

O telégrafo elétrico foi ―o primeiro grande avanço da área da eletricidade‖

(BRIGGS & BURKE, 2006:137) e o meio de comunicação que inaugurou a nova

geração de mídias eletrônicas. Foi descrito, em 1889, pelo primeiro ministro britânico,

Salisbury, como:

――[...]uma estranha e fascinante descoberta‖ que tivera influência

direta na ―natureza moral e intelectual e nas ações da humanidade‖.

Ele havia ―reunido toda a humanidade em um grande nível, em que se

podia ver [sic] tudo que é feito e ouvir tudo que é dito, e julgar cada

1 MENEZES, Wellington Fontes. ―Propriedade Intelectual: Das origens agrárias ao capitalismo mundializado‖. Anais do V Colóquio Marx e Engels, CEMARX/Unicamp, 2007. Disponível em: http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt3/sessao1/Wellingt on_Menezes.pdf – Acessado em 12/05/2011

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política no exato momento em que os eventos acontecem‖‖.(BRIGGS

& BURKE, 2006:137)

Embora seja improvável que toda a humanidade estivesse realmente incluída em

tais benefícios, essa descrição evidencia a expectativa de um potencial revolucionário

do meio de comunicação, bem como o reconhecimento imediato do seu poder de uso

político (BRIGGS & BURKE, 2006:137), o que continua sendo um padrão familiar em

relação aos meios de comunicação da atualidade. De fato, a introdução do telégrafo

elétrico geraria uma constelação de efeitos sociais e econômicos, como descrevem Asa

Briggs e Peter Burke em sua obra Uma História Social da Mídia: de Gutenberg à

Internet:

―Como os canais, ferrovias e ligações oceânicas, também o telégrafo

ligou mercados nacionais e internacionais, incluindo bolsas de valores e mercadorias (algodão, trigo e peixe, por exemplo). Também aumentou a velocidade de transmissão de informação, pública e privada, local e regional, nacional e imperial, e essa característica, a longo prazo, foi seu efeito mais significativo. A distância ia sendo conquistada à medida que se transmitiam informações relativas a governos, negócios, assuntos familiares, condições climáticas e desastres naturais ou provocados pelo homem, a maior parte delas como notícias. Agências nasceram para levar as notícias através de fronteiras(...)‖ (BRIGGS & BURKE, 2006:139)

Briggs e Burke seguem descrevendo eloquentemente como a telegrafia elétrica

afetou as operações e planejamentos militares, tendo seu valor consolidado dentro desse

contexto durante a guerra civil dos Estados Unidos, quando mais de 24 mil quilômetros

de linhas de telégrafo estavam sendo usadas e mais de cinco mil pessoas trabalhavam na

operação do sistema, com a Reuters telegrafando do Atlântico e ―muito mais‖. (BRIGGS

& BURKE, 2006:140-141)

Em 1900, o telegrafo já se encontrava bastante disseminado pelo mundo

ocidental, mas em breve seria ofuscado pela ascensão do telefone e do rádio, cujas

histórias se misturam no tempo.

Por volta de 1890, o cientista alemão Heinrich Hertz havia comprovado a

existência das ondas eletromagnéticas, também chamadas de ―ondas hertzianas‖ ou

simplesmente ―ondas de rádio‖. Nessa mesma década foram criados os receptores e

transmissores das ondas hertzianas, e foram feitas as primeiras transmissões de rádio. O

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primeiro sistema de radiodifusão do mundo foi criado em 1893, pelo inventor Theodore

Puskas, em Budapeste, mas foi somente na década de 1920 que vários países – entre

eles o Brasil - começaram a criar sistemas transmissores de rádio.

Enquanto isso, o uso do telefone (que, como vimos, já havia sido inventado

desde 1876) vinha se expandindo lentamente através de um processo histórico

caracterizado por polêmicas, resistências ideológicas e disputas judiciais

(GIOVANNINI, 1987; BRIGGS & BURKE, 2006) para, somente a partir de 1950,

―começar a ser identificado como tendência social importante dos dois lados do

Atlântico.‖ (BRIGGS & BURKE, 2006:154).

A despeito disso, como mencionam Briggs e Burke (2006:147), a revista

Scientific American já havia sugerido, em 1880, que

―[...]o telefone levaria a uma nova organização da sociedade – um estado de coisas em que qualquer indivíduo, mesmo completamente isolado, poderá ligar para qualquer outro indivíduo da comunidade, poupando infindáveis complicações sociais e comerciais, sem necessidade de idas e vindas‖.‖ (BRIGGS & BURKE, 2006:147).

Na década de 1920, a ascensão do rádio levou ao surgimento de grandes redes

transmissoras e da publicidade como principal substrato econômico da mídia,

constituindo um padrão que se consolidaria cada vez mais no cenário da modernidade.

Mas isso ocorreu através de um processo cultural muito polêmico, como observaram

Briggs e Burke:

―A publicidade tornou-se a dinâmica financeira. Criticada por diversos setores da imprensa, também foi atacada em 1922 e 1923 por Herbert Hoover (1874-1966), futuro presidente dos Estados Unidos e então secretário do Comércio: em uma frase notável, ele declarou ser ―inconcebível permitir-se que um grande potencial para uso em serviços, notícias, lazer e educação e em objetivos comerciais vitais fosse afogado por tagarelice publicitária‖. Ele estava errado, e em 1927, quando tornou-se presidente e fez aprovar a primeira lei governamental estabelecendo a Comissão Federal de Rádio (um exercício limitado de regulamentação), ela não falava de ―serviço‖,

mas de ―interesse público, utilidade, necessidade‖. (BRIGGS & BURKE, 2006:164)

Essas primeiras discussões públicas sobre o rádio e o telefone já refletiam

questões que acompanhariam toda a subsequente história da mídia. O papel e os limites

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da publicidade continuam sendo lugar-comum nos atuais debates da mídia de massas, e

a idéia do potencial dos meios eletrônicos para romper fronteiras e facilitar diversos

tipos de relações sociais continua a impressionar a humanidade, gerando idéias e

conceitos de cunho quase profético-mitológico, como a aldeia global de McLuhan

(1964).

Mas, naquela época, a última grande revolução da comunicação antes do

advento da internet ainda estava por vir. Era a tecnologia doméstica de transmissão de

imagens em movimento, fundamentos do que veio a ser a televisão. Em 1872, o inglês

Eadweard Muybridge já havia feito uma demonstração para o governador da Califórnia,

na qual utilizou seqüências de imagens feitas com câmeras fotográficas de modo a

transmitir a impressão de movimento (BRIGGS & BURKE, 2006:168). E, desde o

início do século XX, o cinema estava se expandindo em vários lugares do mundo

industrializado, originando as primeiras ―estrelas de cinema‖ como Charles Chaplin

(1889-1977). Por volta do fim da década de 1920 e início da década de 1930, algumas

das principais grandes corporações cinematográficas já haviam se formado, dando início

à chamada ―era de ouro‖ do cinema, termo que também se aplicaria a outros meios de

comunicação.

Esse período iria coincidir com a comercialização dos primeiros aparelhos de

TV, cuja história das bases tecnológicas e introdução no mundo industrial é descrita por

Asa Briggs e Peter Burke (2006):

―Nenhuma empresa produtora de filmes ou cinejornais via a televisão

como um adversário, em 1927 ou 1933. Na verdade, quase nenhum país possuía regularmente canais de televisão, embora a palavra houvesse sido inventada — em francês — em 1900. Antes disso ela já contava com uma longa pré-história de experiências no século XIX, remontando em geral à data de 1839 (ver p.165), marco de referência na história da fotografia. No rastro das experiências de Edouard Becquerel, Willoughby Smith, um dos engenheiros de telegrafia que supervisionaram a colocação do cabo transatlântico (ver p.132), percebeu em 1873 a correlação entre o comportamento peculiar dos resistores de selênio e a luz do sol. Na mesma década um advogado francês sugeriu que o selênio poderia ser usado em um sistema de varredura. O que ele tinha em mente, no entanto, era a transferência de imagens individuais, instantâneas, mas "fugidias", e não de imagens contínuas em tela; e quando três anos depois o inglês Shelford Bidwell demonstrou a "telegrafia de imagens" — necessariamente de pouca definição — à Sociedade de Física de Londres, ele era um precursor do fax e não da televisão. (BRIGGS & BURKE, 2006:175)

Page 19: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

18

Em Evolução na Comunicação: Do Sílex ao Silício, Giovannini dedica um

capítulo inteiro à descrição detalhada dessa ―longa pré-história‖ da televisão,

enfatizando estágios que já foram explorados neste trabalho, como as descobertas

científicas em torno da eletricidade, da telegrafia e do rádio, em contraste com o ―rápido

desenvolvimento‖ desse meio de comunicação dentro da cultura industrial.

(GIOVANNINI, 1987). Também não deixa de exaltar o fato de a televisão nunca ter

sido um meio realmente ―democrático‖, visto que a transmissão sempre foi privilégio de

pequenas elites sociais:

―Dos quase 35 mil transmissores que existem no planeta, quase

metade (mais de 16 mil) estão concentrados na Europa, e um outro número elevado (4.400), nos Estados Unidos. No seu todo, países desenvolvidos (todas as nações européias, os Estados Unidos, o Canadá, a União Soviética, o Japão, Israel, a Austrália, a Nova Zelândia e a África do Sul: pouco mais de um quarto dos habitantes da terra) detém 95% das estações transmissoras, deixando os restantes 5% para as intermináveis populações de países em desenvolvimento‖

(GIOVANNINI, 1987:254-255)2.

Giovannini segue argumentando sobre o aspecto exclusivista da televisão

ressaltando, também, a restrição do acesso financeiro à tecnologia de recepção nos

primórdios da sua disseminação pelo mundo; restrição essa que se tornaria menor com a

popularização da tecnologia em decorrência dos avanços no processo de

industrialização, mas que, pelas diferenças socioeconômicas entre as nações, seria

mantida até os dias atuais. (GIOVANNINI, 1987:255-256).

Dentro desse contexto, é importante observar que, mesmo que o acesso à

tecnologia de recepção fosse completamente ―democrático‖, isso dificilmente seria

possível em relação à produção e transmissão de conteúdo, pois, devido à natureza

centralizadora desse meio, esse processo sempre esteve e tende a estar em poder restrito

de grandes corporações institucionais.

Após a Segunda Guerra Mundial (1945), o uso da Televisão começa a se

expandir rapidamente pelo mundo, alcançando, por volta de 1950, a chamada ―idade da

televisão‖ (BRIGGS & BURKE, 2006). A partir daí, uma audiência realmente massiva

2 Unesco. Statistical Yearbook 1982. Paris, 1982, pp.897-1235.

Page 20: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

19

começava a nascer, e aquilo que foi chamado de indústria cultural pelos teóricos de

Frankfurt começava a se consolidar, transformando bens culturais em mercadorias

produzidas e comercializadas através da lógica industrial. Era, nas palavras de Morin

(1984:13), ―[...]a ―segunda industrialização, que passa a ser a industrialização do

espírito‖. A cultura que nasceria a partir desse processo seria chamada de ―cultura de

massa‖, tal como define Edgar Morin (1984:14):

―Cultura de massa, isto é, produzida segundo as normas maciças da

fabricação industrial; propaganda pelas técnicas de difusão maciça (que um estranho neologismo anglo-latino chama de mass media); destinando-se a uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas da sociedade (classes, família, etc.).‖

A implicação mais básica teorizada sobre a indústria cultural seria uma espécie

de sabotagem ao potencial criativo do homem, na medida em que, dentro desse novo

sistema, o desenvolvimento da novidade com características singulares que define a

criação de um conteúdo cultural dá lugar à padronização de acordo com uma lógica

exógena relacionada com a mecânica industrial da produção, consumo massivo e os

interesses das grandes corporações envolvidas na produção e transmissão desses

conteúdos culturais. Daí se conclui que indústria cultural e criatividade são

antagonismos inconciliáveis, e que a cultura de massas representa a decadência da

verdadeira produção cultural e artística.

Pesquisadores como Edgar Morin (1984), porém, argumentam que a indústria

cultural opera através desse paradoxo, e depende da criação individualizada justamente

para manter-se viva, pois o consumidor do produto cultural exige sempre um conteúdo

original e novo:

―Existem técnicas-padrão de individualização que consistem em modificar o conjunto dos diferentes elementos, do mesmo modo que se pode obter os mais variados objetos a partir de peças de meccano. Em determinado momento precisa-se de mais, precisa-se da invenção. É aqui que a produção não chega a abafar a criação, que a burocracia é obrigada a procurar a invenção, que o padrão se detém para ser aperfeiçoado pela originalidade. Donde esse princípio fundamental: a criação cultural não pode ser totalmente integrada num sistema de produção industrial. Daí um certo número de conseqüências: por um lado, contratendência à

Page 21: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

20

descentralização e à concorrência, por outro lado, tendência à autonomia relativa da criação no seio da produção‖ (MORIN,

1984:26)

A descentralização e a produção de conteúdo cultural individualizado se

tornariam características definidoras da comunicação digital altamente interativa,

baseada na internet, dos tempos atuais. Nesse sentido, a própria internet pode ser vista

como uma contratendência em relação aos padrões mecânicos e burocratizados de

produção de cultura introduzidos pela indústria cultural. Essa é uma hipótese para a qual

iremos olhar mais adiante, porém, independente disso, o que fica evidente é que, a partir

da ascensão das mídias eletrônicas de massas nascia uma nova estrutura cultural; uma

estrutura cultural baseada na mesma mecânica que caracterizou a Revolução Industrial

em relação ao processo produtivo. Em outras palavras, a produção de cultura agora

precisava seguir as regras e condições impostas pelo capitalismo industrial moderno:

produção em massa, apelo publicitário, interesses de grandes corporações e assim por

diante.

1.3 – A Revolução da Computação

Enquanto a cultura de massas se expandia pelo mundo ocidental tecno-industrial,

a próxima tecnologia de grande impacto social, o computador eletrônico, já estava

sendo idealizada e desenvolvida. Na realidade, a verdadeira origem dos computadores

remonta um período de mais de seis mil anos atrás, no qual povos antigos utilizavam

instrumentos manuais de calcular chamados de ábaco (Figura). Essas ferramentas, que

eram muito simples e aparentemente não tinham nenhuma semelhança com o que nós

conhecemos atualmente por ―computador‖, foram os primeiros protótipos de

instrumentos utilizados para processar dados com maior eficiência do que a mente

humana normalmente é capaz. Por isso, pode-se dizer que esses são os primeiros

artefatos que materializam a mentalidade computacional, ou os primeiros computadores

(STRATHERN, 2000:9). Muitas variações dessas ferramentas foram encontradas em

culturas antigas da Mesopotâmia, China, Grécia, Roma, Egito, entre outras. Mas os

computadores como conhecemos ainda iriam demorar alguns milênios para surgirem.

Page 22: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

21

No decorrer dos séculos XVII e XVIII, protótipos mais complexos de

computadores começaram a surgir. Um dos mais conhecidos deles foi a máquina de

Pascal (Pascaline), cuja criação - atribuída ao físico e matemático Blaise Pascal (1623-

1662) - data da década de 1640, e é considerada a primeira calculadora mecânica da

história (STRATHERN, 2000:15). Trinta anos mais tarde, em 1673, o filósofo alemão

Gottfried Leibnitz criou a ―roda dentada de Leibnitz‖, uma versão aperfeiçoada da

máquina de Pascal, que era capaz de realizar operações ainda mais complexas.

(GIOVANNINI, 1987:285, STRATHERN, 2000:17).

Embora estejam associadas às raízes dos computadores modernos, essas

primeiras máquinas eram apenas calculadoras não-programáveis, e seus potenciais de

uso eram restritos a áreas muito específicas da cultura humana, como continuariam

sendo durante muito tempo antes de se tornarem o tipo de tecnologia onipresente na

estrutura do sistema social que são atualmente.

Um grande passo na direção dos computadores como conhecemos hoje foi a

invenção de sistemas programáveis. A primeira máquina programável foi inventada em

1801 pelo costureiro Joseph Marie Jacquad para realizar cortes automáticos em tecidos.

Foi uma invenção denominada ―tear mecânico‖, que ―revolucionou a indústria têxtil na

Europa no início de 1800‖(GIOVANNINI, 1987:285). Mas sua real importância iria

muito além disso. Embora não tivesse notado a magnitude das suas implicações,

Jacquad havia criado a idéia de programar máquinas, que se tornaria um princípio

básico da computação moderna (STRATHERN, 2000:18).

Durante as décadas de 1820 e 1830, o cientista Charles Babbage desenvolveu

uma serie de projetos que lhe deram o crédito de paternidade do computador moderno

(GIOVANNI, 1987:285; STRATHERN, 2000). Particularmente importante era a sua

―Máquina Analítica‖, inspirada em conceitos anteriormente empregados por Jacquad no

―tear mecânico‖. Sua invenção ―iria ser a primeira máquina analítica: uma máquina cuja

função era controlada por um programa externo.‖(STRATHERN, 2000:22). Mas, apesar

de revolucionário, o projeto de Babbage não foi implementado na prática devido a

limitações técnicas da época, porém suas contribuições teóricas foram de grande

importância para o desenvolvimento dos computadores modernos.

No início do século XX, várias versões de computadores mecânicos começaram

a ser desenvolvidas, ao passo que a energia elétrica e os equipamentos e meios de

Page 23: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

22

comunicação eletrônicos começavam a se expandir pelo mundo ocidental

industrializado, seguindo o processo que já descrevemos nos tópicos anteriores. O

período de emergência dos computadores modernos acompanha todo o contexto da

Revolução Industrial que exploramos anteriormente neste capítulo. Com o passar do

tempo, os projetos de computadores foram incorporando cada vez mais componentes

eletrônicos, até que, em 1936, o engenheiro alemão Konrad Zuse criou o primeiro

computador de mecânica inteiramente elétrica, que era capaz de executar cálculos e

exibir os resultados em uma fita perfurada.

Mas foi somente durante a Segunda Guerra Mundial que os computadores

modernos começaram realmente a surgir. O primeiro computador a válvulas foi o

ENIAC, criado em 1946. Embora seja o protótipo modelo do que veio a ser o

computador, essa máquina ainda não tinha muita semelhança em aparência com os

―micros‖ atuais, já que tinha trinta metros de largura e três metros de altura, contando

com 18 mil válvulas de 16 tipos diferentes. E o seu objetivo era, principalmente, realizar

cálculos balísticos do Pentágono. (GIOVANNINI, 1987:286).

Para que o uso dos computadores fosse além desses ambientes restritos de áreas

culturais especializadas e começasse a atingir o cidadão comum em sua residência, bem

como todas as esferas do nosso sistema social, duas limitações tecnológicas principais

precisavam ser superadas: o alto consumo de energia e as próprias dimensões físicas

que essas máquinas demandavam.

Um grande avanço nessa direção foi dado com a fabricação do primeiro

transistor, em 1948. Tratava-se de ―um dispositivo capaz de realizar funções de

comutação e de amplificação de correntes elétricas que até então só tinham sido

conseguidas com as bem maiores válvulas termoiônicas‖ (GIOVANNINI, 1987:289). A

importância do transistor era justamente permitir a realização das mesmas funções das

válvulas, mas ocupando um espaço menor e demandando um consumo de energia muito

mais baixo (GIOVANNINI, 1987:209). Essa tecnologia é tida como um marco

inaugural da ―segunda geração‖ dos computadores.

Durante os dez anos seguintes, as técnicas de produção dos transistores

progrediram paulatinamente na direção da redução do consumo de energia e de

aparelhos cada vez menores; progressos que foram essenciais para o surgimento dos

computadores domésticos, pois, como observamos, o tamanho daquelas primeiras

Page 24: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

23

máquinas e a energia que demandava seu funcionamento tornavam inviável que fossem

utilizadas dessa forma.

Em 1964, a Fairchild começou a produzir industrialmente o que chamou de

―circuitos integrados‖, que se tornaria a principal característica definidora da ―terceira

geração‖ dos computadores. Esses circuitos eram ―constituídos por alguns transistores

interligados entre si de forma a realizar simples funções lógicas num único

chip.‖(GIOVANNINI, 1987:289). Era o início da computação baseada nos chips, tão

comuns nos dias de hoje. Essa tecnologia reduzia muito o tamanho, custo, e o consumo

de energia dos equipamentos, integrando complexos circuitos eletrônicos em uma

pequena peça, representando assim o início do período de transição entre o uso restrito e

o começo da popularização dos computadores.

No ano seguinte, a IBM lançou a serie 360, uma geração de computadores

construídos por circuitos integrados. Mas os microprocessadores – peças-chave para o

desenvolvimento dos computadores pessoais domésticos – só vieram alguns anos

depois.

Após lançar, em 1971, o primeiro microprocessador produzido em escala

industrial (o 4004, de 4 bits) e perceber que a tecnologia possuía o potencial para

transcender as áreas específicas onde era utilizada até então, a Intel seguiu

desenvolvendo uma série de microprocessadores, que marcaram a transição para a

chamada ―quarta geração‖ dos computadores; aquela caracterizada pelo surgimento dos

primeiros microcomputadores portáteis - os famosos PC´s (Personal Computer).

Os computadores de quarta geração, de acordo com Giovannini (1987), ―[...]são

produtos revolucionários, com um planejamento que os coloca culturalmente num

espaço acima do tradicional mundo EDP, com uma nítida orientação rumo à inteligência

artificial e aos projetos fault tolerant.‖ (GIOVANNINI, 1987:290).

Os PC´s foram introduzidos pela IBM em 1981, inaugurando definitivamente a

Era dos computadores domésticos pessoais e o grande mercado da informática. A partir

daí, começaram a surgir gerações cada vez mais diversas e potentes de ―micros‖ em

intervalos de tempo cada vez mais curtos, e o potencial do seu mercado tornou-se cada

vez mais evidente e expansivo, como continua até os dias atuais.

Page 25: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

24

Observando esses aspectos sob uma perspectiva histórica, Giovannini (1987)

ressaltou uma característica da evolução dos computadores que também segue

perfeitamente aplicável à realidade atual:

―A sequência histórica acompanhou com bastante fidelidade o movimento de uma curva segundo a qual a cada ano a complexidade dos circuitos integrados, medida em termos de número de transistores componentes, seria dobrada, enquanto o preço correspondente diminui exponencialmente‖ (GIOVANNINI, 1987:290)

Desde a década de 70 até os dias atuais, o mercado dos computadores segue

crescendo em ritmo exponencial, e a tecnologia continua integrando cada vez mais

funções em cada vez menos espaço, enquanto os preços dos equipamentos de

informática seguem diminuindo. Dentro desse intervalo de tempo, o computador

penetrou, se consolidou e, associado à comunicação digital mediada pela internet,

passou a ser cada vez mais fundamental para todas as esferas da nossa sociedade.

As principais bases das implicações sociais desse cenário já haviam sido

previstas e descritas por Giovannini (1987), ao observar os fundamentos tecnológicos

da computação:

―O aumento da potência de cálculo e a ampliação contínua das

aplicações do processamento de dados correspondem a uma crescente facilidade de acesso aos computadores, uma difusão cada vez maior dos meios de cálculo, a aproximação da linguagem das máquinas a do homem, o aumento das possibilidades de armazenamento de grandes volumes de informações e de troca de dados a distância a velocidades altíssimas.‖ (GIOVANNINI, 1987:291)

Atualmente, já não existem dúvidas sobre a importância central dos

computadores em praticamente todos os sistemas que compõem a sociedade

contemporânea, desde os relacionamentos interpessoais dos indivíduos até o

funcionamento de órgãos governamentais e empresas privadas. Como observaram

Briggs e Burke (2006): ―Logo que deixaram de ser considerados simples máquinas de

calcular ou úteis acessórios de escritório(...) [os computadores] passaram a fazer com

que todos os tipos de serviços, e não somente os de comunicações, tomassem novas

formas.‖ (BRIGGS & BURKE, 2006:273).

Page 26: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

25

A introdução dos ―micros‖, a partir da década de 1970, marca o início do

período conhecido como Era Pós-Industrial, também chamada de Era da Informação,

que seria consolidada com o advento da internet; fenômenos que estudaremos a seguir.

1.3.1 – A Internet e a Era da Informação

No início da década de 60, em meio ao ápice da Guerra Fria, o governo dos

Estados Unidos sentiu que os seus sistemas convencionais de comunicação e

organização informacional se tornaram muito frágeis diante das ameaças militares. Por

serem baseados em centrais de comunicação, as principais bases desses sistemas

poderiam ser destruídas em ataques inimigos estratégicos, fragilizando justamente as

organizações militares, que eram extremamente dependentes dessas tecnologias. Nesse

contexto, foram empreendidas séries de pesquisas com o objetivo de criar, para

propósitos militares, sistemas de comunicação mais seguros do que os convencionais

meios da época, baseados principalmente em telecomunicação. Assim, em 1969, foi

criado um sistema denominado ARPANET (Advanced Research Projects Agency

Network) , que conectava computadores em rede. Dessa forma, o armazenamento das

informações passavam a ser descentralizado e, assim, tais informações não seriam

facilmente perdidas no caso de ataques de inimigos em locais específicos.3 Esse projeto

foi a matriz do que hoje é a internet, mas certamente seus criadores não tinham a menor

idéia dos efeitos revolucionários do gatilho que estavam puxando.

No início da década de 1980, o desenvolvimento do protocolo TCP/IP

(Transmission Control Protocol / Internet Protocol), que ainda hoje é o protocolo padrão

para troca de informações na internet, começou a aumentar a abrangência da rede, até

que, em 1990, a ARPANET foi transformada em NSFnet (National Sciences

Foundation Network) conectando várias outras redes de centros de pesquisas e

universidades do mundo inteiro.4 Nascia assim a internet, primeiramente como uma

3 MONTEIRO, Luís. A Internet como Meio de Comunicação: Possibilidades e Limitações, 2001. Disponível em http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/4714/1/NP8MONTEIRO.pdf - Acessado em 15/05/2011. 4 MONTEIRO, Luís. A Internet como Meio de Comunicação: Possibilidades e Limitações, 2001. Disponível em http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/4714/1/NP8MONTEIRO.pdf - Acessado em 15/05/2011.

Page 27: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

26

ferramenta essencialmente militar e, mais tarde, como uma ferramenta essencialmente

acadêmica.

A característica estrutural desse novo meio que o difere radicalmente dos outros

veículos tradicionais está nas formas pelas quais a informação é tratada, tanto em termos

de armazenagem como de transmissão e recepção. Embora não pudessem prever os

tipos de usos que seriam possibilitados pela evolução de uma tecnologia dessa natureza,

os seus aspectos estruturais básicos eram partes centrais da ideologia dos seus criadores,

conforme descrevem Briggs e Burke (2006):

―[...]era de importância crucial, tanto de imediato quanto a longo prazo, que a "arquitetura do sistema" (termo empregado com freqüência) diferisse daquela construída para a rede telefônica. Os responsáveis pelo sistema se orgulhavam disso. Qualquer computador podia se ligar à Net de qualquer lugar, e a informação era trocada imediatamente, em "fatias" dentro de "pacotes". O sistema de envio quebrava a informação em peças codificadas, e o sistema receptor juntava-a novamente, depois de ter viajado até seu destino. Esse foi o primeiro sistema de dados empacotados da história.‖ (BRIGGS &

BURKE, 2006:301)

A explosão da internet como veículo de comunicação popular começou em

meados dos anos 90, a partir da popularização da WWW (World Wide Web), onde se

cristalizou o sistema de navegação por meio dos tradicionais navegadores (ou

―browsers‖). A World Wide Web foi criada em 1990 pelo cientista inglês Tim Berners-

Lee, no CERN (Conselho Europeu para Pesquisa Nuclear), sendo

―[...]concebida como uma ferramenta de troca de informações mais amigável que as interfaces ―somente-texto‖ então utilizadas. Baseado

no conceito de hipertexto (que veremos adiante), Tim desenvolveu uma linguagem de programação (chamada HTML, ou HyperText Markup Language) que permitia ao usuário – utilizando um mouse e um software chamado ―browser‖ (navegador), desenvolvido

especialmente com esta finalidade – acessar diversas informações de modo não-linear, indo de um documento (fosse ele texto, imagem ou som) a outro através de ligações entre eles, mesmo que estivessem em computadores remotos.‖5

5 MONTEIRO, Luís. A Internet como Meio de Comunicação: Possibilidades e Limitações, 2001. Disponível em http://galaxy.intercom.org.br:8180/dspace/bitstream/1904/4714/1/NP8MONTEIRO.pdf - Acessado em 15/05/2011.

Page 28: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

27

Essa seria a base da programação utilizada até hoje nos conteúdos da internet. A

partir daí, começamos a assistir a uma crescente e intensa criação, proliferação e fusão

de mídias digitais e aparatos tecnológicos integrados à rede, formando o que hoje é o

nosso mais complexo sistema de comunicação. Com as novas tecnologias digitais e a

rede mundial de computadores baseada na World Wide Web, começou a se desenhar

um cenário completamente novo na cultura global. Dava-se início à chamada Era da

Informação, uma revolução cujo cerne:

―[...]refere-se às tecnologias da informação, processamento e comunicação. A tecnologia da informação é para esta revolução o que as novas fontes de energia foram para as revoluções industriais sucessivas, do motor a vapor à eletricidade, aos combustíveis fósseis e até mesmo à energia nuclear, visto que a geração e distribuição de energia foi o elemento principal na base da sociedade industrial.‖

(CASTELLS, 1999:68)

Além disso, Castells (1999:69) também observou que o que realmente

caracteriza essa revolução em torno das tecnologias da informação não é apenas o papel

central dos conhecimentos e informação em si mesmos, mas:

―[...] a aplicação desses conhecimentos e dessa informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso. [...] O ciclo de realimentação entre a introdução de uma nova tecnologia, seus usos e seus desenvolvimentos em novos domínios torna-se muito mais rápido no novo paradigma tecnológico. Consequentemente, a difusão da tecnologia amplifica seu poder de forma infinita, à medida que os usuários apropriam-se dela e a redefinem. As novas tecnologias da informação não são simplesmente ferramentas a serem aplicadas, mas processos a serem desenvolvidos. Usuários e criadores podem tornar-se a mesma coisa. [...] Há, por conseguinte, uma relação muito próxima entre os processos sociais de criação e manipulação de símbolos (a cultura da sociedade) e a capacidade de produzir e distribuir bens e serviços (as forças produtivas). Pela primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um elemento decisivo no sistema produtivo.‖ (CASTELLS, 1999:69)

Isso é bastante evidente no cenário atual, onde a comunicação interativa

individualizada das redes digitais adquire dimensões massivas, chegando a ditar pautas

para a imprensa tradicional e alterar seus padrões de operação, e onde o

desenvolvimento dos potenciais usos das tecnologias digitais de comunicação cada vez

Page 29: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

28

mais se caracteriza como um processo contínuo moldado por usuários que se apropriam

constantemente dos padrões estruturais de funcionamento desses sistemas para os seus

próprios propósitos de uso, e cada vez menos como um processo limitado pelas

intenções iniciais dos seus criadores.

Como observam Briggs e Burke (2006), as implicações do novo cenário que

começava a se desdobrar com a difusão da internet eram, desde o início – como são até

hoje – motivo de polêmicas e controvérsia entre diversos pesquisadores da área:

―Havia abordagens muito contrastantes sobre o futuro da internet. Assim como nas ferrovias, ela reuniria estranhos: você nunca sabia quem iria encontrar. Semelhante à mídia — e pela mídia —, ela oferecia informação, entretenimento e educação. Ao contrário de tudo isso, porém, cresceria a partir de baixo, sem direcionamento por parte do governo. Isso era um atrativo, mesmo para os críticos. Mas poderia a Internet continuar assim? Para Benjamin Parker, escritor norte-americano com uma autodeclarada "paixão pela democracia", estavam surgindo novos titãs das telecomunicações, ansiosos para exercer "controle monopolístico, não somente sobre bens materiais, como carvão, petróleo, aço e ferrovias, mas sobre os instrumentos essenciais de poder de uma civilização baseada em informação". (BRIGGS & BURKE, 2006:303)

Essas questões continuam sendo bastante debatidas atualmente, com opiniões e

teorias muito divergentes. Tendo em vista esse problema, um dos objetivos deste

trabalho é, justamente, avaliar até que ponto e de que forma aquilo que foi chamado de

―arquitetura do sistema‖ (BRIGGS & BURKE, 2006:301), ou seja, as características

basais desse meio desde o seu início, estão favorecendo e/ou influenciando grupos

sociais desvinculados de governos ou grandes instituições lucrativas, já que, com o

advento da chamada ―Web 2.0‖ a partir da década de 2000, especialmente as chamadas

―Redes Sociais‖, é notável a emergência de diversos grupos que se unem por interesses

em comum através dessas redes digitais para realizar diversos tipos de ações com

propósitos políticos e/ou sócio-culturais.

Page 30: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

29

CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA COMUNICAÇÃO DIGITAL NA

WEB 2.0

Para os propósitos deste trabalho, assumimos que a compreensão do potencial de

sistemas altamente complexos, como é o caso da comunicação digital mediada pela

internet, depende do estudo de cada uma das suas principais características não apenas

isoladamente, mas em suas relações umas com as outras e dentro do contexto do

conjunto unitário da qual fazem parte, conforme postula o princípio sistêmico

estabelecido por Edgar Morin1 para a abordagem de sistemas complexos de diversas

naturezas.

Partindo desses pressupostos teóricos, iremos explorar neste capítulo a relação

entre alguns dos principais fundamentos conceituais da comunicação digital,

especificamente expressos na Web 2.0, analisando suas relações com a emergência e

manutenção de diversas formas de ativismos organizados desvinculados de instituições

lucrativas e/ou governos. No próximo capítulo, confrontaremos o resultado dessa

análise teórica com o estudo de caso realizado.

2.1 - Redes e Descentralização

Conforme observamos no capítulo anterior, a organização informacional em

redes descentralizadas é parte central da arquitetura da internet desde o seu início,

fazendo parte da ideologia central dos seus criadores. Esse, de fato, é um dos seus traços

definidores mais marcantes, e que a diferencia radicalmente das mídias eletrônicas

anteriores a ela.

Embora a palavra “rede” também seja usada para classificar os sistemas de

televisão e rádio, na internet ela adquire um significado especial, pois, como observou

Lucia Santaella (2004:38), “ela não se constrói segundo princípios hierárquicos, mas

1 MORIN, Edgar. “Da Necessidade de um Pensamento Complexo”. In: MARTINS, F. M.; SILVA, J. M (Org.). Para navegar no século XXI – Tecnologias do Imaginário e Cibercultura. Disponível em http://www.uesb.br/labtece/artigos/Da%20Necessidade%20de%20um%20Pensamento%20Complexo.pdf – Acessado em 20/05/11

Page 31: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

30

como se uma grande teia na forma do globo envolvesse a terra inteira, sem bordas nem

centros.”.

Como também já observamos no capítulo anterior, a centralização hierárquica do

poder de comunicação, que resulta na formação de monopólios e oligopólios

hegemônicos, é uma característica reforçada pela estrutura dos tradicionais sistemas de

comunicação de massas, tais como as redes de televisão e rádio. Com isso, os conteúdos

da comunicação veiculados por tais meios não podem ser outra coisa senão produtos de

uma negociação entre os interesses dos usuários e os interesses dos grupos que detém o

controle desses sistemas. Dentro dessa mecânica, os interesses dos usuários nunca se

sobrepõem aos interesses dessas organizações, visto que estas têm de prezar pela sua

própria existência acima de tudo. Dessa forma, se estabelece um limite aos benefícios

que os usuários podem obter através desses meios; é o limite em que tais benefícios

passam a confrontar-se com os interesses dos grupos hegemônicos que controlam direta

ou indiretamente esses sistemas de comunicação.

A noção que estamos explorando aqui postula que esse cenário é diferente nas

redes digitais. Por causa da própria natureza estrutural do sistema, conforme

assinalamos, o conteúdo da internet é descentralizado, não estando sob propriedade ou

controle hegemônico de uma organização ou um grupo de organizações. Isso não

significa que essas organizações e seus interesses não estejam presentes nas redes

digitais – o que, obviamente, não é verdade (muito pelo contrário) -, mas que não

controlam e não podem controlar o conteúdo da internet, pois, como assinalou Castells

(1999:441): “a arquitetura da rede é, e continuará sendo aberta, sob o ponto de vista

tecnológico, possibilitando amplo acesso público e limitando seriamente restrições

governamentais ou comerciais a esse acesso [...]”.

Isso produz uma situação em que os interesses dos indivíduos, de grupos, de

governos e de grandes instituições competem, sob certa ótica, livremente no

ciberespaço. Embora a causa desse fenômeno seja muito atribuída à ausência de regras,

legislações e/ou outras formas impositivas de controle como resultado de uma

introdução muito recente da tecnologia na sociedade (argumentos seguindo a linha de

que a internet parece ser tão “livre” porque as instituições sociais ainda estão

começando a lidar com ela), o aprofundamento no estudo dos padrões estruturais dessa

tecnologia tem mostrado que esse aspecto também é reforçado por características da

Page 32: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

31

própria tecnologia, da mesma forma que os padrões hierárquicos e hegemônicos tendem

a ser reforçados pelas características estruturalmente centralizadoras das mídias de

massa tradicionais.

No entanto, é importante observar que essa situação pode ter suas exceções em

casos extremos, como foi na recente Revolução Egípcia (2011), quando o ameaçado

governo do Egito simplesmente derrubou a internet no país para tentar frear a onda de

manifestações que se alastrava com ajuda das Redes Sociais, especialmente o Facebook,

que foi amplamente utilizado nesse contexto, tendo sido considerado um ponto central

da emergência dos conflitos no país2.

Porém, essa situação crítica e excepcional acaba por reforçar o suposto potencial

da internet e suas redes digitais de servir aos interesses de indivíduos ou grupos

independentes de governos ou instituições a partir da sua característica intrínseca de

organização informacional em redes descentralizadas. Pois, o que ficou bastante

evidente nessa situação é que o governo egípcio precisou derrubar a internet porque não

podia controlar seu conteúdo. Esse é um fenômeno que dificilmente aconteceria com

meios como a televisão ou o rádio.

Ainda dentro do contexto dos ativismos, tem sido observado que a estrutura das

redes digitais tem dificultado ou até impossibilitado aos órgãos hegemônicos de

controle social a identificação das origens ou pontos de partidas das manifestações que

emergem nesses contextos, como foi o caso nos recentes conflitos na Tunísia e na

Revolução Egípcia de 20113.

Por um lado, a instantaneidade e a difusão multidirecional de informações

proporcionada por essas redes dificulta o trabalho de repressão das instituições de

controle ao dificultar a identificação dos pontos causadores ou iniciais das

manifestações e, por outro, essas mesmas características fazem com que a própria

repressão seja alvo de uma espécie de dispositivo panóptico popular, ou um potencial

contínuo de vigilância por parte da população, que utiliza tecnologias convergentes de

fácil acesso (celulares com câmera e internet, por exemplo) para colher e disseminar

informações sobre abusos de poder por parte das instituições de controle. Essa situação

2 SILVA, Tarcísio Torres: Mobilidade e Ativismos: Novas Estratégias na Luta Contra o Estado Hegemônico. Revista Geminis ano 2 – n.1 p.53-55 – Disponível em http://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/39/36 - Acessado em 14/06/2011 3 Idem

Page 33: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

32

introduz uma nova tensão entre população e estado - ou entre indivíduo e instituições de

controle social - na medida em que se fortalecem cada vez mais as veiculações com

caráter de denúncia contra muitas dessas instituições.

Por fim, cabe observar que organização em redes descentralizadas vem sendo

considerada por muitos teóricos como a forma mais eficaz de interação entre elementos

em sistemas de diferentes naturezas. O micologista Paul Stamets (20054), por exemplo,

acredita que

“essa estrutura da Internet é simplesmente uma forma arquetípica, uma conseqüência inevitável de um modelo evolucionário previamente provado, que é também visto no cérebro humano; diagramas de redes de computadores carregam semelhanças tanto com matrizes miceliais quanto neurológica nos cérebros dos mamíferos. Nossa compreensão das redes de informações em suas muitas formas levará a um salto quântico no poder computacional humano.” (STAMETS, 2005)

Stamets enfatiza a profunda a sensibilidade e capacidade de resposta que um

fungo pode ter em relação a diversos tipos de flutuações ambientais como conseqüência

da alta interatividade bioquímica que ocorre através da sua arquitetura micelial em rede,

fazendo analogia com o fenômeno da internet no nível social. Nesse contexto, a

arquitetura em redes descentralizadas é entendida como uma estrutura que facilita ou

potencializa a interatividade (conceito que estudaremos a seguir) entre os elementos que

fazem parte dessa rede, gerando um maior potencial de articulação desse sistema em

relação ao seu contexto.

Castells (1999) enfatiza esses aspectos das redes no âmbito social, indo além da

Internet propriamente dita, ao observar que o padrão em redes descentralizadas que ela

simboliza está cada vez mais consolidado como modelo organizacional de todos os

setores da sociedade contemporânea, sejam sistemas econômicos, empresariais,

governamentais e/ou socioculturais. Dentro desse ponto de vista, a Internet e as redes

digitais podem ser vistas como aspectos sociais que reforçam o padrão das redes

descentralizadas que já faz parte tanto da sociedade humana quanto da natureza.

4 STAMETS, Paul. Mycellium Running: How Mushrooms Can Help Save the World. Ten Speed Press, 2005 – Extraído do excerto disponível em: http://www.booklounge.ca/catalog/display.pperl?isbn=9781607741244&view=excerpt Acessado em 21/05/2011 (Tradução livre do autor)

Page 34: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

33

2.2 - Interatividade

Além da arquitetura em redes descentralizadas, outro aspecto estrutural da

comunicação digital que pode ser isolado como característica definidora e

diferenciadora em relação aos outros meios de comunicação, e explorado em seu

potencial de reforçar grupos sociais independentes é a interatividade.

Conforme descreve Lucia Santaella (2004), o termo “interatividade” foi

difundido com um espectro de significados tão amplo que é necessário redefini-lo de

uma forma mais estrita para que se possa tratar das especificidades dos fenômenos da

comunicação digital que nos interessam. Dessa forma, nos esquivaremos dos

relativismos e adotaremos neste trabalho aquela definição que, no ponto de vista do

autor, melhor expressa o tipo de comunicação interativa que se caracteriza na Web 2.0,

especialmente nas redes sociais que estamos estudando:

“Um produto, uma comunicação, um equipamento, uma obra de arte

são de fato interativos quando estão imbuídos de uma concepção que contemple complexidade, multiplicidade, não-linearidade, bi-direcionalidade, potencialidade, permutabilidade (combinatória), imprevisibilidade, etc., permitindo ao usuário-interlocutor-fruidor a liberdade de participação, de intervenção, de criação.” (SANTAELLA, 2004:154, apud SILVA, 2000:105).

Dentro do cenário das redes digitais, a comunicação abrange precisamente todas

essas características, sendo multidirecional (pode ser tanto de um para todos quanto de

um para um), de conteúdo múltiplo (pois estes são regidos pelos interesses dos próprios

usuários), não-linear (pois sua difusão se estrutura em forma de redes descentralizadas),

envolvendo permutabilidade (as mensagens são transformadas pelos participantes

durante o processo de comunicação), imprevisibilidade (o alcance das mensagens

frequentemente toma dimensões não previstas e inesperadas), e se construindo através

da participação livre do usuário-interlocutor-fruidor.

Diante disso, seria mesmo redundante afirmar que essas redes sociais digitais

altamente interativas favorecem a formação de grupos independentes por afinidade. Isso

já está praticamente implícito na própria idéia de interatividade em uma definição de

limiar elevado (SANTAELLA, 2004) como a que adotamos neste trabalho. Facilitando

e potencializando a troca bi-direcional de informações de múltiplas naturezas através de

Page 35: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

34

uma estrutura não-linear e descentralizada, bem como incitando a participatividade do

usuário no seio dos fenômenos em torno dos quais a comunicação gira, a interatividade

como é definida aqui pode ser considerada um potencial catalisador da coletividade,

independente de quais sejam os seus propósitos aplicados.

Conforme observa Lucia Santaella (2009), devido a essa forma de interatividade

específica das redes digitais, “as tecnologias do ciberespaço potencializam a pulsão

gregária, agindo como vetores de comunhão, de compartilhamento de sentimentos e de

religação comunitária.” (Lemos, 2002:92, apud SANTAELLA, 2009:172).

Como observamos no tópico anterior, a interatividade do mundo digital se

relaciona diretamente com a arquitetura em redes descentralizadas. Em grande parte dos

casos – possivelmente todos - em que essa arquitetura compõe um determinado meio, a

interatividade interna desse meio é potencializada. Se isso não é uma regra geral,

certamente é uma regra para os meios de comunicação, como evidencia a internet e as

suas redes sociais digitais. De fato, ao menos no caso da internet a interatividade pode

ser vista como característica, conseqüência ou subsistema da estrutura informacional em

redes descentralizadas, da mesma forma que essas redes descentralizadas são uma

característica, subsistema ou conseqüência da própria internet. Ainda, seguindo essa

lógica, a emergência das redes digitais de comunicação que estudamos aqui também

pode ser vista como uma característica, conseqüência ou subsistema dessas novas

formas de interatividade emergentes a partir da Web 2.0, e a formação, através delas, de

grupos sociais de diversos tipos, como uma característica, conseqüência ou subsistema

dessas redes sociais digitais.

Convergência

Convergência, no contexto dos sistemas de informação, pode ser definida

simplesmente como “integração de tecnologias”5. No primeiro capítulo, observamos

que a convergência é uma característica do desenvolvimento tecnológico desde o seu

início, embora a larga utilização desse conceito esteja relacionada com a ascensão da

internet. A evolução do desenvolvimento tecnológico sempre ocorreu a partir de 5 SERRA, Ana Paula Gonçalves. Convergência Tecnológica em Sistemas de Informação. Disponível em ftp://www.usjt.br/pub/revint/333_47.pdf - Acessado em 20/05/2011

Page 36: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

35

tecnologias precedentes, num processo contínuo de complexificação exponencial, que

fica particularmente evidente a partir das tecnologias elétricas, conforme exploramos no

primeiro capítulo.

Além disso, todos os nossos meios de comunicação são, em si mesmos,

manifestações dessa convergência tecnológica, como já observava McLuhan (1964), ao

enfatizar que:

“[...]o conteúdo” de qualquer meio ou veículo é sempre outro meio ou

veículo. O conteúdo da escrita é a fala, assim como a palavra escrita é o conteúdo da imprensa, e a palavra impressa é o conteúdo do telégrafo. Se alguém perguntar, “Qual é o conteúdo da fala?”,

necessário se torna dizer: “É um processo de pensamento, real, não

verbal em si mesmo.” (MCLUHAN, 1964:22)

Além de evidenciar o processo de convergência implícito na própria evolução

dos meios de comunicação, essa formulação de McLuhan postula o conteúdo último (ou

primeiro, dependendo do ponto de vista) de qualquer comunicação como um “processo

de pensamento”, implicando na idéia de que todos os nossos meios são diferentes

formas de “codificação” ou processamento desses sistemas de pensamento. Dessa

forma, teoricamente o processo de convergência de mídias implica em um potencial

cada vez mais expandido para a codificação ou processamento de sistemas de

pensamento. Em outras palavras, a partir da convergência emergem formas cada vez

mais sofisticadas e eficazes de comunicação em potencial.

Manuel Castells (1999) enfatizou os potenciais efeitos sociais desse aspecto no

cenário contemporâneo, ao dizer que a integração entre vários modos de comunicação

implica na:

“[...]formação de um hipertexto e de uma metalinguagem que, pela primeira vez na história, integra no mesmo sistema as modalidades escrita, oral e audiovisual da comunicação humana. O espírito humano reúne suas dimensões em uma nova interação entre os dois lados do cérebro, máquinas e contextos sociais.[...] A integração potencial de textos, imagens, sons no mesmo sistema – interagindo a partir de pontos múltiplos, no tempo escolhido (real ou atrasado) em uma rede global, em condições de acesso aberto e de preço acessível – muda de forma fundamental o caráter da comunicação. E a comunicação, decididamente, molda a cultura, porque, como afirma Postman “nós

não vemos ... a realidade ... como “ela” é, mas como são nossas

linguagens. E nossas linguagens são nossos meios de comunicação.

Page 37: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

36

Nossos meios de comunicação são nossas metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa cultura”. Como a cultura é

mediada e determinada pela comunicação, as próprias culturas, isto é, nossos sistemas de crenças e códigos historicamente produzidos são transformados de maneira fundamental pelo novo sistema tecnológico e o serão ainda mais com o passar do tempo.” (CASTELLS,

1999:414)

Se essa formulação parece abstrata, pode ser útil buscar imaginar o potencial da

introdução da linguagem articulada em termos de moldar a cultura dos hominídeos pré-

históricos, ou o potencial da escrita e, posteriormente, da imprensa, em termos de

moldar as culturas da história humana. Todo meio ou veículo de comunicação introduz

novas formas de interação que trazem consigo um espectro de fenômenos psicossociais

relacionados com suas próprias características estruturais, como se os indivíduos e/ou

sociedades usuários desses meios fossem “contaminados” com seus aspectos mais

marcantes. Por isso McLuhan, (1964) que explorou exaustivamente esse fenômeno,

dizia que “o meio é a mensagem”, ressaltando o potencial de transformação pessoal e

social dos meios em si mesmos em oposição a seus “conteúdos”.

No contexto da comunicação digital, a convergência de tecnologias reforça e é

reforçada pelos outros dois aspectos que analisamos anteriormente. A arquitetura da

internet e seu conseqüente potencial de interatividade favorecem tanto quanto são

favorecidos pela sua integração com diversos outros meios e tecnologias. Evidências

desse fenômeno e dos modos pelos quais ocorre podem ser encontradas no contexto

contemporâneo, no qual a integração entre meios e tecnologias como a telefonia celular

e a internet é favorecida pela alta interatividade imprimida e possibilitada por veículos

como as Redes Sociais.

A convergência de mídias possui um papel fundamental para as novas formas de

ativismos baseados nas redes digitais. Pois são aparatos como telefones celulares

populares com acesso à internet, integrados com as redes digitais e equipados com

câmeras fotográficas e de vídeo que permitem uma ampla, rápida e eficiente

disseminação de informações dos mais variados tipos, desde imagens e vídeos que

Page 38: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

37

causam choque e revolta na população, catalizando revoltas foi o caso dos protestos do

Egito em 20116.

Conforme analisaremos no próximo capítulo, o uso do Twitter, acessado por

meio de telefones celulares por uma parte substancial da população, especialmente das

cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, para driblar a Operação Lei Seca nessas cidades

é um dos exemplos em que essa sinergia tecnológica pode ser explorada em

profundidade no seio de um movimento social independente, assim como no fenômeno

da divulgação ampla e instantânea na Rede de vídeos e/ou imagens de denúncias feitos

por cidadãos comuns por meio aparelhos portáteis de amplo acesso, com ajuda de

ferramentas, também amplamente acessíveis, do mundo digital, como o Youtube e o

Facebook.

Dessa forma, no próximo capítulo vamos analisar um dos movimentos sociais

que emergem a partir desse contexto da comunicação digital e se apropriam ou se

apropriam das redes digitais como principal suporte das suas atividades comunicativas,

buscando avaliar as formas pelas quais opera o suposto papel diferenciado que essas

redes desempenham na formação, manutenção e organização das ações promovidas por

esses grupos, tendo em foco as características estruturais do meio que estudamos neste

capítulo.

6 SILVA, Tarcísio Torres: Mobilidade e Ativismos: Novas Estratégias na Luta Contra o Estado Hegemônico. Revista Geminis ano 2 – n.1 p.53-55 – Disponível em http://www.revistageminis.ufscar.br/index.php/geminis/article/view/39/36 - Acessado em 14/06/2011

Page 39: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

38

CAPÍTULO 3 – AS REDES DIGITAIS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS

Uma noção central que estamos explorando neste trabalho é a de que certos

aspectos da comunicação digital mediada pela internet, especificamente expressos nas

redes sociais da chamada “Web 2.0”, favorecem ou reforçam o potencial de diversas

formas de ativismos e movimentos ou formas de organização sociais que não eram

favorecidos pelas estruturas das nossas mídias mais tradicionais. Para avaliar essa

hipótese e suas principais formas de operação, no capítulo anterior exploramos

conceitualmente esses aspectos estruturais em suas relações uns com os outros, tendo

em vista a emergência e manutenção desses movimentos em geral.

Conforme mencionado anteriormente, neste capítulo o autor analisa em

específico um dos diversos tipos de organizações e movimentos sociais independentes

que estão em ascensão com ajuda das redes digitais interativas da Web 2.0, como

Twitter, Orkut e Facebook. O autor escolheu o fenômeno em torno do Twitter da “Lei

Seca” – utilizado por muitos usuários para troca de informações sobre blitzes e sobre o

trânsito em geral - como objeto de estudo de caso por expressar características

particularmente esclarecedoras em relação aos aspectos estruturais das redes digitais que

estudamos no capítulo anterior. Dessa forma, após definirmos nossos objetos, vamos

confrontar os fatos observados empiricamente no cenário desse movimento com o

quadro teórico desenvolvido no capítulo anterior, fazendo uma análise das formas pelas

quais as características estruturais que abordamos influenciaram a sua emergência e

manutenção, bem como de qual tem sido realmente a efetividade e o seu potencial

impacto social a partir disso.

Para produzir esta pesquisa, o autor monitorou sistematicamente a página do

Twitter “Lei Seca RJ” (www.twitter.com/leisecarj) - a mais importante e utilizada das

páginas do microblog destinadas a esses propósitos – durante os dois meses que

antecederam esta publicação, em um período localizado entre o início de abril e o início

de junho de 2011. Dentro desse período, foram analisados, em média, 50 “tweets”

(nome das mensagens postadas no twitter) por dia.

Além da própria imersão pessoal do autor no contexto pesquisado, o objetivo

dessa pesquisa foi classificar os principais padrões de conteúdo das mensagens

Page 40: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

39

veiculadas na página, com o propósito de identificar as suas principais formas efetivas

de utilidade (que, como veremos adiante, são rodeadas de polêmicas e controvérsias).

Feito isso, o autor analisa os resultados da pesquisa em paralelo com fenômenos sociais

relacionados ao seu uso, traçando as suas relações com as características das redes

digitais que estudamos no capítulo anterior, buscando compreender qual tem sido a

função dessas características no contexto do movimento pesquisado.

3.1 – A Operação Lei Seca e o Twitter

3.1.1 – Definições: Operação Lei Seca

Baseadas na Lei Nª 11.705, de 19 de junho de 2008, que, dentre outras

definições, estabelece alcoolemia 0 (zero) para condutores de veículos, as atividades da

Operação Lei Seca consistem na montagem de blitzes policiais em locais estratégicos,

quase sempre à noite e, em geral, com maior abrangência nos finais de semana, com o

objetivo central de flagrar motoristas que estejam conduzindo veículos sob efeito de

álcool. O modelo padrão considerado de maior sucesso desse tipo de operação foi

implementado no Estado do Rio de Janeiro por meio de política pública do Governo do

Estado.

3.1.2 – Definições: O Twitter

O Twitter foi criado em 2006, inspirado na idéia de interação em tempo real

entre mensagens de celular do tipo SMS e a internet1. Em termos operacionais simples,

é uma rede digital de interação em forma de microblog (o número dos caracteres de

cada mensagem é limitados a 140), onde usuários e/ou organizações criam seus perfis e

compartilham o seu conteúdo com todos aqueles que escolhem “segui-los”, ou seja, que

fazem parte da sua rede de contatos “seguidores”.

1 De acordo com o Co-Criador do microblog, Jack Dorsey, em entrevista disponível em: http://www.jornaldoempreendedor.com.br/destaques/a-historia-do-twitter-contada-por-jack-dorsey-seu-co-fundador - Acessado em 8/08/2011

Page 41: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

40

Sob o ponto de vista dos seus aspectos estruturais, em uma perspectiva teórica

mais profunda, de acordo com Renata Lemos (2010:2282), o Twitter se trata de:

“[...] uma mídia social que, unindo a mobilidade do acesso à temporalidade always on (PELLANDA, 2007), possibilita o entrelaçamento de fluxos informacionais e o design colaborativo de ideias em tempo real, modificando e acelerando os processos globais de inteligência coletiva. Retomando a questão “O que é o Twitter?” é

possível classificá-lo como uma verdadeira ágora digital global: ambiente de aprendizagem, clube de entretenimento, “termômetro”

social e político, instrumento de resistência civil, palco cultural, arena de conversações contínuas.”

A definição acima, além de fornecer uma perspectiva bastante abrangente sobre

o Twitter, postula a mobilidade e a temporalidade como seus principais fundamentos

operacionais. São justamente essas características que permitem a forma de uso que

estamos estudando neste trabalho. Afinal, se a comunicação nessa rede não pudesse

acontecer em “tempo real” e por meio de dispositivos móveis, as páginas da “Lei Seca”

no Twiter não funcionariam com eficiência ao que se propõe.

Sobre a questão “para quê serve o Twitter?”, a partir dessas características

estruturais, Lemos (idem) responde que:

“[...]este atua como um meio multidirecional de captação de informações personalizadas; um veículo de difusão contínua de ideias; um espaço colaborativo onde perguntas que surgem a partir de interesses dos mais microscópicos aos mais macroscópicos podem ser livremente debatidas e respondidas; uma zona livre – pelo menos até agora – da invasão de privacidade que domina a lógica do capitalismo corporativo neoliberal que invade tudo, até mesmo o ciberespaço.”

Com seu funcionamento em tempo real, sua auto-gestão e progressiva

otimização da qualidade informacional através dos próprios usuários, sendo usada por

civis muitas vezes com propostos de resistência a certas estruturas sociais impostas, a

página da “Lei Seca” é um perfil do microblog que exemplifica com perfeição todas

essas funções e características estruturais, conforme veremos a seguir.

2 LEMOS, Renata. Qotd, por @umairh: a inteligência coletiva no Twitter. Revista Galáxia, São Paulo, n. 19, p. 226-239, jul. 2010. Disponível em http://revistas.pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/2507/2207 - Acessado em 03/06/2011

Page 42: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

41

3.1.3 – Análise da Página “Lei Seca” do Twitter e seus Fenômenos Sociais

em suas Relações com as Bases Tecnológicas das Redes Digitais

Como mencionamos, a Operação Lei Seca tem produzido interessantes

fenômenos sociais em torno do cenário da comunicação digital que estamos explorando

aqui. Isso porque o Twitter têm sido largamente utilizado para “driblar” as operações

das blitzes, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Na prática, o que acontece é que muitos usuários da Rede acessam uma página

do microblog (www.twitter.com/leisecarj no caso da cidade do Rio de Janeiro; e

www.twitter.com/leisecasp no caso de São Paulo) para colher informações sobre as

localidades das operações que estão ocorrendo na sua cidade no momento do acesso.

Essas informações são postadas no veículo pelos próprios usuários do microblog, que

geralmente acabaram de passar pelos locais das blitzes. Grande parte desses usuários

acessa – e publica - as informações através de aparelhos de telefone celular com acesso

à internet, pois é comum aos interessados estarem em movimento ou fora de suas

residências, visto que o principal uso da ferramenta é direcionado justamente para a

locomoção.

Com o passar do tempo, as informações vão sendo confirmadas ou desmentidas

por outros usuários que eventualmente passam nos locais referidos, e os organizadores

frequentemente sintetizam em resumos todos os locais onde se tem informações

confirmadas sobre a ocorrência das blitzes, tal como nos exemplos abaixo3:

LeiSecaRJ #ResumoBOLS (1) até 3h Gavea (Puc sent Barra), Barra(A Senna Saida da praia em direcao ao Cebolao), Ricardo de Albuquerque(Cemiterio) LeiSecaRJ #ResumoBOLS (2) até h Lagoa (E Pessoa alt. Joana Angélica), Leblon(Delf Moreira, saida da Niemayer), Niteroi(Túnel São Fran. sent. Icaraí) LeiSecaRJ #ResumoBOLS (3) NAO CONFIRMADA, só 1 informe! Gloria (Hotel Gloria) NAO SABEMOS O SENTIDO! Evitem Ambos! #LeiSecaRJ2Anos

3 Exemplos colhidos em 15/06/2011 às 16:17

Page 43: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

42

O que se tem, então, são relatórios atualizados em tempo praticamente real

mapeando os locais das blitzes. A velocidade da interação entre os usuários que ocorre

nesse meio é tão alta que geralmente as informações estão na rede antes mesmo das

blitzes estarem completamente montadas, como foi possível constatar acompanhando a

página do microblog em diversas noites de fins de semana dentro do período que

pesquisamos. Mensagens muito comuns seguem o padrão dos exemplos a seguir:

Dom 22:04 CONFIRMEM! RT @LeiSecaRJ: RT @Fastdeeper: montando #BOLS início vieira solto sent leblon

RT @fillsoares: #BOLS sendo montada Av. Radial Oeste, dois sentidos, em frente a est. Sao Cristovao do metro4

O uso dessa tecnologia tem provocado uma cascata de efeitos sociais, que vão

desde alterações na organização do trânsito das cidades, com motoristas modificando

constantemente suas rotas tradicionais, até contra-estratégias policiais para driblar a

artimanha tecnológica. Foi o que aconteceu em São Paulo, onde o Comando de

Policiamento da Capital revelou que diminuiria o tempo de permanência das blitzes em

um mesmo local por causa das evasões propiciadas pelo uso da ferramenta, fato que foi

amplamente divulgado pela imprensa5.

Além disso, o uso dessa tecnologia levantou um problema de dimensões morais,

que também é parte importante do seu espectro de efeitos sociais. Pois, logo que a

ferramenta começou a se disseminar, passou a ser muito comum a proposição de que

esta forma de uso da tecnologia é “incorreta” ou um “desserviço” à população, já que

buscaria facilitar um comportamento de risco (dirigir alcoolizado). Chegou-se a discutir

a possibilidade de proibir a ferramenta, o que para os administradores dos referidos

perfis é um absurdo, tendo em vista o direito livre à emissão e recepção de informações

4 No contexto do Twitter, a sigla “RT” (retweet) significa que o usuário que postou essa informação não é

o seu criador original, mas está apenas repassando-a, enquanto “BOLS” é a sigla para “Blitz da Operação

Lei Seca”. Exemplos colhidos em 6/06/11 às 00:50 na página do Twitter da Lei Seca do Rio de Janeiro (www.twitter.com/leisecarj) 5 Conforme noticiado no portal do R7 em 09/05/2010, disponível em http://noticias.r7.com/sao-paulo/noticias/twitter-faz-pm-mudar-blitze-da-lei-seca-em-sp-20100509.html - Acessado em 9/06/2011

Page 44: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

43

garantido pela Constituição Brasileira e a Declaração Universal do Direito do Homem

de 19486.

A proibição não ocorreu, mas o debate está longe de ter um fim. As novas

tecnologias de comunicação trazem cada vez mais à tona questões controvertidas e de

grande relevância social. Em face ao novo cenário tecnológico, devemos rever nossa.

Constituição e legislações? Essa suposta revisão deve buscar traçar limites muito bem

definidos para o uso da tecnologia por meio de mecanismos de repressão ou, ao

contrário, deve ser uma revisão buscando adequar as nossas rígidas estruturas sociais e

jurídicas ao cenário tecnológico que já se impõe de forma determinante em nosso

cotidiano? O problema divide radicalmente opiniões entre os especialistas, evidenciando

que o novo cenário tecnológico possivelmente forçará a revisão de diversas esferas da

nossa estrutura social.

Os administradores da página alegam ainda que a ferramenta não estimula a

prática de dirigir alcoolizado, e que, atualmente, a Operação Lei Seca é apenas um dos

tópicos abordados pelo perfil do microblog, que hoje se configura muito mais como um

serviço de utilidade pública geral sobre o trânsito e outros. De fato, através do

monitoramento feito no decorrer desta pesquisa o autor pôde verificar que essa utilidade

é notável no cotidiano da página do microblog, conforme mostram alguns exemplos

colhidos durante o período de um único dia de monitoramento do microblog7:

Ter 21:44 RT @FlaviAnjinha: trânsito bom na brasil ate viaduto lobo junior. Atenção pista molhada. #LeiSecaRJ2Anos

Ter 21:36 RT @ou7break: @amplaenergia Grande parte da Av Central sem luz, a energia piscou varias vezes antes de faltar.

Ter 21:35 RT @garciaenloc: 3 veic 1 no meio da pista e 2 no acost, parados LV alt Infraero sent Dutra, devido a colisao. Cuidado!!!

RT @JoannaGamaps: TER 20:06 Av.Brasil sent ZO#FreeWay + com muiita chuva no caminho ATENÇÅO 30 min até Bangu Ter 20:31 RT @moskow_unico: Perimetral parou geral indo pra Av Brasil meeeeeeega engarrafamento. #transitorj 20h30

6 Conforme declaração dada ao “Jornal da Tarde”, disponível em http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/pm-usa-twitter-para-pegar-fujoes-da-lei-seca/ - Acessado em 9/06/2011 7 Exemplos colhidos em 14/06/2011 às 22:07.

Page 45: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

44

RT @jrgshanks: TER 18:27 Ônibus enguiçado na pista lateral Av. Americas sent São Conrado alt. do nº 209 causa retenção.

Mesmo em curtos períodos de tempo, constantemente podem ser observadas

muitas postagens com essas características. Não seria necessária uma análise estatística

com grande quantidade de dados para se constatar que esse tipo de conteúdo é um

padrão na página, e está tão presente quanto as informações sobre blitzes. O perfil do

Twitter da Lei Seca do Rio de Janeiro chegou a receber uma homenagem (a Medalha

Pedro Ernesto da Câmara de Vereadores, a mais importante do município) de

reconhecimento dos vereadores do Rio pelo serviço prestado à população durante as

enchentes que atingiram a cidade em fevereiro de 20108.

Embora com menor freqüência que os tipos descritos anteriormente, também é

possível observar constantemente postagens com aspectos ainda mais gerais e distantes

do suposto objeto central da página, tal como nos exemplos a seguir:

Ter 21:07 RT @lulinah: Tão ouvindo tiros redondezas do Caio Martins em Icaraí, Niteroi? Eu estou! #socorro! #falaniteroi #niteroi #icarai TER 15:11 STAFF? RT @fmacedo: Helicóptero sobrevoando em circula a mangueira e aredores de Benfica - Alguém sabe?

De acordo com todos esses exemplos - que representam os principais padrões de

postagens da página - pode-se concluir que o que eles possuem em comum, em termos

operacionais, é o fato das informações girarem em torno de acontecimentos pontuais

que possuem algum tipo de influência imediata sobre o cotidiano local de algum ponto

da cidade. Logo, essa pode ser identificada como a definição mais geral sobre as

utilidades da ferramenta, que então pode ser entendida como um análogo aos boletins de

trânsito e cidades de veículos como o rádio ou a televisão.

Como o seu conteúdo é produzido e publicado por qualquer cidadão com acesso

às tecnologias necessárias, o potencial de cobertura desse meio é muito maior do que os

outros que mencionamos, visto que existem muito mais cidadãos comuns com acesso a

esse tipo de tecnologia circulando nas ruas do que jornalistas de grandes veículos

designados a cobrir esses acontecimentos. 8 Conforme notícia disponível em http://www.clicapiaui.com/geral/3484/twitter-da-lei-seca-recebe-medalha-pedro-ernesto-da-camara-do-rio.html - Acessado em 9/06/2011

Page 46: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

45

Por outro lado, surge a questão da confiabilidade dessas informações postadas

pelos próprios usuários, muitos dos quais podem ser despreparados para exercer uma

função de comunicador, enquanto outros podem estar intencionalmente buscando

confundir o sistema. Esse aspecto invoca aquilo que provavelmente é a maior

controvérsia dentro do contexto da Web 2.0, que se caracteriza por sistemas auto-

geridos através da participação dos usuários, como já observamos. A capacidade desses

usuários - representados por cidadãos comuns - para exercerem a função que estão

exercendo é questionada, e por isso veículos como a Wikipedia são vistos com

desconfiança por muitos pesquisadores da área.

No entanto, a realidade empírica observada nesses veículos desafia a teoria. A

Wikipedia, por exemplo, foi comparada com a enciclopédia Britânica em uma pesquisa

realizada pela revista Nature em 20059, que concluiu que a quantidade de erros em

ambas é muito semelhante. E a Wikipedia, por ser digital, tem a vantagem do potencial

de correção instantânea, enquanto uma enciclopédia impressa como a Britânica carrega

seus erros para sempre nas edições que são lançadas antes da identificação dos mesmos,

podendo corrigi-los apenas em edições futuras.

O que fica claro através da análise do nosso objeto é que esse aspecto das

correções/atualizações/otimizações constantes compensa o potencial de incapacidade ou

de intenções duvidosas dos usuários-comunicadores. Quando se argumenta sobre a falta

de confiabilidade desses veículos por causa da incapacidade ou intenções obscuras dos

usuários-comunicadores, deixa-se de lado o fato de que o conteúdo desses veículos é

gerido coletivamente, em um processo contínuo que tem como princípio a sua própria

otimização constante. Dessa forma, não se tratam apenas de sistemas de produção

indiscriminada de conteúdo, mas também de sistemas de monitoramento e

aperfeiçoamento contínuo desses conteúdos.

No Twitter da Lei Seca isso torna especialmente evidente porque ele possui uma

função central muito prática. E, se existe algum consenso sobre esse assunto, é o de que

a ferramenta funciona ao que se propõe. Não poderia existir uma evidência maior disso

do que as mudanças de estratégias das operações das blitzes que, conforme já

observamos, foram bastante documentadas pela imprensa.

9 Conforme notícia disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u19402.shtml

Page 47: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

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Além dos padrões de conteúdos que já observamos, um outro padrão que pode

ser observado, com menor freqüência do que os outros que analisamos, mas também

com regularidade, refere-se às postagens com conteúdo explicitamente político10:

RT @drigo_teixeira: #professoresrj realizam passeata na Candelária - Sexta 17/06-10hs DE LUTO PELA EDUCAÇÃO, VAI TBM! #GrevenaeducaçaoRJ RT @_Carlah: VERGONHA! BOMBEIRO O GOVERNADOR PRENDE!/ @cbnrio O desaparecimento da engenheira Patrícia Amieiro completa três anos hoje. http://ow.ly/i/cVyT Cabral, o povo quis saber hj no O GLOBO onde e exatamente aplicada a Taxa de Incêndio. Ta esquentando o negocio.. Rt @matedolouco: Ouça Ricardo Boechat dando uma lição de moral no Governador Cabral http://migre.me/53tVC #voltaboechat.

Aqui uma outra funcionalidade do veículo pode ser observada, que é servir como

nódulo de “propaganda” contra instituições governamentais ou seus representantes.

Embora esse seja claramente um aspecto secundário dos conteúdos do perfil, ele aponta

para um potencial caráter de ideologia política por trás da sua existência. Associado a

isso, a funcionalidade de “fuga” das blitzes, sob esse ponto de vista, pode ser vista como

parte de uma política contra instituições hegemônicas ou de controle – não mais apenas

como uma ferramenta com certas utilidades práticas.

O fenômeno relacionado com o uso do Twitter para driblar a Operação Lei Seca

se torna possível devido à sinergia entre as três características que estudamos no

capítulo anterior. Conforme já observamos, a estrutura informacional em redes

descentralizadas, caracterizada no Twitter pela sua arquitetura em redes digitais,

favorece o alto grau de interatividade, que é uma condição necessária para o

funcionamento efetivo desse sistema. É o nível de interatividade possibilitado pela

estrutura tecnológica do Twitter que permite o alto grau de trocas de informações dentro

de curtos intervalos de tempo, possibilitando uma atualização constante sem a qual não

seria possível atingir os propósitos do sistema.

Finalmente, a convergência tecnológica, apesar de já estar implícita em qualquer

sistema complexo de tecnologia ou meio de comunicação, conforme observamos no

primeiro capítulo, se expressa com grande relevância nesse caso, pois, se tratando de 10 Exemplos colhidos em 12/06/2011 e 15/06/2011

Page 48: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

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uma ferramenta voltada para estratégias de locomoção, ela encontra sua melhor forma

de uso por meio de aparelhos de telefones celulares conectados à internet. Como já

mencionamos, grande parte dos usuários dessa tecnologia recebem ou enviam as

informações por meio de celulares enquanto estão se locomovendo pelas cidades. Essa

integração com os aparelhos de telefone celular é fundamental para a interatividade em

tempo quase real que acontece nessas páginas do Twitter, e que é indispensável para a

eficiência dessa ferramenta para o que se propõe.

Page 49: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

48

CONCLUSÕES

Através do estudo da história dos meios de comunicação relacionados com suas

bases tecnológicas e os contextos sociais envolvidos, é possível observar que esses

meios fazem parte de grandes transformações sociais, ao ponto de poderem ser isolados

como marcadores do início de diferentes “Eras” da humanidade. No decorrer do

primeiro capítulo, observamos esse aspecto apenas sob a ótica dos meios eletrônicos

que são o foco do presente trabalho, pois uma contextualização envolvendo todos os

meios de comunicação da nossa história demandaria um grau de pesquisa e

aprofundamento que seria inviável para esse propósito, muito embora tal

contextualização pudesse ser muito útil, já que as bases da história da comunicação se

encontram muito além da tecnologia elétrica. Um estudo aprofundado sobre o impacto

social de determinado meio deve compreender também a influência dos meios que o

precederam e formaram sua base, pois o conteúdo de um meio é sempre outro meio

(MCLUHAN, 1964).

Além do fato de o surgimento de todas essas mídias ter ocorrido em períodos

marcados por intensas transformações sociais, o que se conclui, de uma forma geral, a

partir do processo histórico, é que o intervalo entre as revoluções na comunicação – e,

consequentemente, nas organizações sociais do homem - tendeu a ser cada vez menor

no decorrer do processo (GIOVANNINI, 1987:337-338). Do surgimento da linguagem

articulada à Era da escrita manual correram-se milênios; daí até a disseminação do

alfabeto com a revolução da prensa gráfica, passaram-se cerca de 2 mil anos; da prensa

até os primeiros meios eletrônicos, cerca de quatrocentos anos; e entre o telégrafo e a

internet passaram-se apenas cerca de um século, com todos os outros meios eletrônicos

surgimento nesse pequeno intervalo (GIOVANNINI, 1987). Quando chegamos à

internet, as revoluções na comunicação continuam acontecendo em períodos de tempo

cada vez mais curtos, até chegarmos na “Web 2.0” e nas redes digitais de comunicação

que são nosso objeto de pesquisa.

Ainda no primeiro capítulo, observamos que as primeiras mídias eletrônicas de

massas, especialmente a televisão e o rádio, possuem uma estrutura centralizadora no

que diz respeito à produção e transmissão de conteúdo, reforçando padrões

Page 50: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

49

hegemônicos de monopólios ou oligopólios. Dessa forma, essas mídias tendem a

funcionar de acordo com um sistema excludente, hierárquico e burocratizado, não sendo

particularmente favoráveis, sob a ótica das suas características estruturais intrínsecas,

aos propósitos dos usuários dessas tecnologias. A difusão dessas mídias eletrônicas de

massas implicaram na emergência cenário da indústria cultural e da cultura de massas

que exploramos no primeiro capítulo.

Através das características estruturais das redes digitais estudas no segundo

capítulo, observamos um potencial de contratendência em relação aos padrões

hierárquicos e burocratizados que caracterizam a mídia de massas e a indústria cultural.

Concluímos, pela análise teórica, que a comunicação multidirecional instaurada pelo

padrão informacional em redes descentralizadas que caracteriza essas novas mídias

favorece a interconexão entre indivíduos e/ou grupos de uma forma geral e não-seletiva,

ou seja, independentemente de quais sejam seus interesses específicos ou suas posições

nas hierarquias sociais.

Tendo em vista essas características, concluímos que a estrutura informacional

em redes descentralizadas facilita a interatividade entre os diferentes elementos que

fazem parte de um sistema, observando que isso não acontece apenas nas redes digitais

de comunicação, mas também em sistemas biológicos (STAMETS, 20051) e sistemas

sociais de diversos tipos (CASTELLS, 1999).

Concluímos também que as complexas formas de interatividade envolvidas nas

redes digitais da Web 2.0 tendem a incitar os usuários a um maior grau de

participatividade no seio dos fenômenos sociais envolvidos nessas formas de

comunicação, favorecendo o desenvolvimento de valores comunitários, conforme Lucia

Santaella (2009:172) já havia assinalado.

Observamos que a convergência se trata de um processo intrínseco ao

desenvolvimento da tecnologia desde os seus primórdios, sendo que todos os meios de

comunicação expressam em si mesmos essa convergência, conforme McLuhan

(1964:22) já havia observado sem chegar a utilizar o conceito. Concluímos que a

convergência de mídias cria formas cada vez mais complexas de comunicação em

1 STAMETS, Paul. Mycellium Running: How Mushrooms Can Help Save the World. Ten Speed Press, 2005 – Excerto disponível em: http://www.booklounge.ca/catalog/display.pperl?isbn=9781607741244&view=excerpt Acessado em 21/05/2011 (Tradução livre do autor)

Page 51: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

50

potencial, reforçando e sendo reforçada pelos outros dois aspectos estruturais – a

arquitetura das redes e a interatividade – que estudamos.

Dentro do contexto da pesquisa realizada no Twitter da “Lei Seca”, foi possível

observar o funcionamento e a interação entre todos esses aspectos estruturais da

comunicação digital no seio de um movimento social independente carregado de

questões controvertidas e polêmicas. Através dessa pesquisa, confirmamos as teorias

desenvolvidas anteriormente e observamos como usuários se apropriam dessas

características estruturais para os seus próprios propósitos, ignorando filtros morais e

interesses hierárquicos que, em outras mídias de massas como a televisão ou o rádio,

poderiam comprometer o funcionamento do sistema. Concluímos que as características

estruturais das redes digitais que estudamos neste trabalho favorecem potencialmente a

emergência, organização e manutenção de movimentos com as características daquele

que pesquisamos. Essas características foram definidas por meio das análises dos

padrões de conteúdos do veículo pesquisado, e englobam tanto formas de manifestações

populares contra estruturas de poder em geral quanto serviços de utilidade pública que

dependem de uma comunicação eficiente e em tempo real envolvendo grande número

de pessoas, como é o caso do Twitter da Lei Seca.

Através do estudo de caso foi possível concluir - e observar como isso acontece

no caso estudado – que tecnologias com as características estruturais que abordamos,

dentro do conceito da Web 2.0, trazem inúmeras discussões e fenômenos sociais a partir

do confronto com padrões de ideologias morais ou de formas de organização social

instituídas. Isso pode ser entendido como uma tendência, catalisada pelas características

da tecnologia, à revisão dos principais valores que orientam a nossa atual sociedade.

Dito isso, este trabalho não teve pretensões de adentrar nos julgamentos dessas

questões, mas de compreender – ao menos em parte - os processos tecnológicos que

favorecem sua emergência. Não cabe ao autor deste trabalho decidir se o Twitter da Lei

Seca é “bom” ou “ruim” para a sociedade; ao invés disso, buscamos compreender os

fundamentos por trás da sua funcionalidade e os processos relacionados à constelação

de fenômenos sociais que se agregam a essa tecnologia. As opiniões sobre a polêmica

moral em torno do seu uso não altera esses processos; por outro lado, a simples

existência dessa polêmica se torna importante como um sintoma de transformações

socais catalisadas pela tecnologia.

Page 52: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

51

Por fim, como resultado da pesquisa e também da contínua experiência de

imersão no mundo das redes digitais, o autor conclui que o sentimento de se estar no

centro de ação participativa de um sistema descentralizado é, além de uma característica

que diferencia o novo cenário da comunicação digital daquele cenário da cultura de

massa introduzido pela indústria cultural e pelas mídias eletrônicas de massa, o

verdadeiro motor da Era Digital que se inicia. As redes digitais interativas, pelas suas

características intrínsecas, tendem a trazer de volta o indivíduo para o drama da sua vida

real, onde ele é o personagem principal e, dessa forma, possui muito mais autonomia do

que teria sendo um mero espectador. E é a partir dessa inversão de papéis entre

espectadores e personagens no nível da percepção de si-mesmo que emergem e se

mantém os diversos tipos movimentos sociais que já podem ser vistos como

característicos da Era Digital.

Page 53: MOVIMENTOS SOCIAIS DIGITAIS

52

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