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  • N SATUREZA AGRADAENSAIOS DE ECOLOGIA HUMANA

    Porque "Natureza Sagrada# e no "Natureza Sangrada#? Estes, so dois modelosclssicos de como pensamos a Ecologia na contemporaneidade: o que restou(sagrado) e o que foi destrudo (sangrado).

    O primeiro nos remete a inmeras situaes que promovem a conservao dabiodiversidade planetria e, destacamos como tese, est associada a uma lgica desacralizao da Ecologia vivenciada pelos grupos humanos desde os primrdios dahumanidade, particularmente os povos e comunidades tradicionais.

    A segunda, nos devolve a sensao de uma banalizao dos sistemas ecolgicos daTerra, usados como objetos, como bens de usos descartveis, como recursos aservio de um projeto civilizacional etno e ecocda.

    "Natureza Sagrada# filho de uma experincia vivenciada na ocasio dooferecimento da disciplina "Subjetividades Contemporneas e Ecologia#, domestrado em Ecologia Humana e Gesto Socioambiental (PPGEcoH), da UNEB-Campus VIII. Trata-se de uma elaborao "nova# na Academia, que buscou analisarcomo os grupos tradicionais pesquisados no PPGEcoH (indgenas, quilombolas,pescadores artesanais, ciganos, fundo de pasto, povos de terreiros, alunos,professores, presidirias, meleiros, atingidos de barragens, reassentados, entreoutros) elaboram a noo de "sagrado# e em que medida estas representaes,simbolizaes, significaes, ligam-se a uma noo de natureza e forjam novossentidos para a Ecologia Humana na contemporaneide.

    OS PRIMEIROS ECLOGOS HUMANOS FORMADOS NO BRASIL,embarcaram nessa fascinante aventura e produziram as preciosidades que podemosver neste livro, que fala-nos de um "segredo sagrado#, cujos fragmentos compem aespinha dorsal da "Ecologia da Alma#, descrito pelos elementos da "Alma daEcologia#.

    Prof. Dr. Juracy MarquesOrganizador

    APRESENTAO

  • P IOVOS NDGENAS

  • Ritual do Prai do Povo Indgena Pankararu/PEFonte: NECTAS, 2012

  • 1 Autores: Ely Estrela - Professora Adjunta da Universidade do Estado da Bahia/CampusVIII; e Doutora emHistria Social .

    Ricardo Dantas Borges -Doutorando em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense/UFF.

    Esta uma homenagem a Ely Estrela, por sua dedicao vida acadmica e nossaUniversidade. Hoje, certamente ela est onde esto todas as Estrelas!

    ( )Juracy Marques - Professor adjunto da Universidade do Estado da Bahia/Campus VIII e da FACAPE; Doutor

    em Cultura e Sociedade; Ps-doutor em Antropologia; e Ps-doutorando em Ecologia Humana.Texto apresentado para compor a Enciclopdia

    dos Povos Indgenas do Brasil.

    in memoriam

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    N T P S R SATUREZA UX`: OVO E EU IO AGRADO1

    Aru qu! Janu qui quru [o rio vinha inundar o local onde viviam].(Fala do Paj Armando, in, SAMPAIO-SILVA, 1997).

    Muito antes de tornaram-se atingidos pela Barragem de Itaparica (inaugurada em1987) e de vivenciarem a experincia do deslocamento compulsrio, os indgenasTux, %%originalmente$$ habitantes do municpio baiano de Rodelas, tiveram suahistria marcada pela expropriao e pela resistncia.

    Os Tux tm um longo histrico de contato com a sociedade inclusiva.Denominavam-se e ainda so denominados de caboclos pelos regionais. Vivendo

    Tux em retomada da Terra Tradicional de Surubabel (MARQUES, 2010).

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  • 2 Fonte: SEI ! Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia. Mapa adaptado por Ely Estrela e Sinthia Batista.

    entre a sede municipal de Rodelas e a Ilha da Viva (principal espao de produo), osTux se tornaram indivduos altamente qualificados, tendo em vista o contextoregional. Desfrutavam dos servios disponveis numa pequena cidade sanfranciscanae suas crianas tiveram acesso escola. Alfabetizados passaram a "exportar#professores, tcnicos agrcolas e chefes de postos da Fundao Nacional do ndio(Funai) para aldeias de outras comunidades indgenas. So reconhecidos pelosdemais indgenas como os responsveis pelos primeiros "levantamentos de aldeia#no estado da Bahia e pela "instruo# de vrios Povos indgenas do Nordeste nabusca por direitos, reconhecimento tnico e pela retomada da "tradio#.

    A presena dos Tux no Vale do So Francisco comprovada desde o final do sculoXVII. Tudo indica que compunha a nao dos indgenas rodeleiros, aldeados peloscapuchinhos franceses na Misso de So Joo Batista de Rodelas, recebendo, pelosAlvars Rgios de 1700 e 1703, rea correspondente a uma lgua em quadra. Esteterritrio, segundo estudiosos, corresponderia as 30 ilhas existentes no rio SoFrancisco, localizadas prximas margem esquerda do referido rio, na altura domunicpio baiano de Rodelas, das quais foram expropriados ao longo dos anos.

    Na atualidade, a experincia dos Tux marcada por uma trade perversa que temdescaracterizado as duas principais Aldeias nas quais vivem este Povo: a ociosidade, osedentarismo e o faccionalismo.

    LOCALIZAO

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    Deslocamento dos Tux depois daRepresa de Itaparica-Bahia :

    Migrao de parte do grupoTUX na dcada de 1980.

    Atual localizao dos grupos.

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  • Antes da represa, a Aldeia Indgena Tux, formada por 211 famlias, encontrava-se nasede municipal de Rodelas/Bahia. Depois da Represa, a Aldeia se dividiu emtrs grupos distintos: 90 famlias ficaram na sede da Nova Rodelas (cidadereconstruda pela CHESF) e 97 foram transferidos para a Fazenda Morrinhos eOiteiros, (municpio de Ibotirama/Bahia) e 9 famlias se deslocaram para aFazenda do Funil (municpio de Inaj/Pernambuco). Quinze famlias tomaramdestinos diversos (GONDIM, s/d, p. 7).

    Os municpios de Nova Rodelas e Inaj esto localizados no Baixo-Mdio SoFrancisco, ambos situados no polgono das secas e recobertos pela Caatinga,rea onde a ecofisionomia destaca-se de algumas regies semiridas, haja vista,sua proximidade com o So Francisco.

    Rodelas fica prximo ao Raso da Catarina, Bahia, uma das regies maisinstigantes do Bioma Caatinga, de uma biodiversidade exuberante comocorrncia de espcies raras de plantas e animais, dos quais destacam-se a arara-azul-de-lear. Esta regio rea sagrada do Povo indgena Pankarar. Dista deSalvador 540 km e mantm ligao mais estreita com o municpio de PauloAfonso, local onde se encontra a Superintendncia Regional da FundaoNacional do ndio (FUNAI).

    Inaj, Pernambuco, cortado pelo Rio Moxot, afluente do Rio So Franciscode curso intermitente. Dista de Recife 396 km. Ambos os municpios tm naagricultura e na pecuria as principais atividades econmicas.

    O municpio de Ibotirama fica situado no Mdio So Francisco, tambm nopolgono das secas e recoberto por uma vegetao complexa, compredominncia de Caatinga e Cerrado. Dista de Salvador 668 km. A economiado municpio est ancorada na agricultura e a pecuria extensiva.

    Alm desses locais, encontram-se agrupamentos de famlias Tux em Jatin eCoit, municpio de Itacuruba -PE, nas agrovilas de reassentamento da CHESFem Pedra Branca, perto do Pambu, todos prximos do So Francisco.Atualmente, registra-se a presena Tux tambm em Banza, municpiolocalizado na regio Nordeste do estado da Bahia.

    Hohental (1960) distingue os Tux dos Aroderas (Rodelas, Rodeleiros)afirmando ser uma tribo "tapuya# que viveu no So Francisco no sculo XVII.Para ele, os Tux foram indgenas encontrados no sculo XVIII nas mediaesda vila Rodelas. Para os atuais Tux, os Rodelas so seus antepassados.

    NOME

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  • 3 A partir da, os ndios mais prximos da costa, aliados dos portugueses, passaram a ser chamados de "caboclo# (Em Tupisignifica retirado da mata). Entrevista do antroplogo Jos Augusto Laranjeira Sampaio. TRIBUNA DA BAHIA, 18/4/1988.

    H vrias verses para a origem do nome "Rodelas#. Segundo Sandro(2006), Tux " porque existia um bravo ndio Rodelas que lutou ao ladodos portugueses e voltou para nossa tribo como o grande heri#. Aspesquisas realizadas sobre esta etnia descrevem a recorrncia ao ndioFrancisco Rodela (LEITE, 1945; FONSECA, 1996; SAMPAIO, 1997,SALOMO, 2007).

    comunidades em que vivem os Tux,encontramos um Povo "separadamente-ligado# que, apesar dos sequenciadosmovimentos de violncias reais e simblicas de que foram vtimas, cominfluncias diretas sobre seus processos identitrios e territoriais, se afirmam,cada vez mais, como Nao Indgena das margens do So Francisco.

    Paj Armando (2006) fala que "antes de sermos Tux,ns ramos ndios rudeleiros#. Fonseca (1996), ao descrever a origem donome "rodelas#, diz-nos ser recorrente as informaes de que FranciscoRodelas usava as rtulas do joelho dos seus inimigos para fazer colarespara serem usados pelos indgenas.

    de 1646 o primeiro registro oficial sobre Rodelas. Trata-se da solicitao deuma sesmaria no local onde estava situada Rodelas, feita por Garcia D$Avila eAntonio Pereira, reivindicando sua descoberta, quando de suas imerses paraa expanso de seus currais nos Sertes (SAMOLO, 2007).

    Por um tempo, os Tux se autodenominavam e ainda assim sodenominados pelos demais habitantes de Rodelas. era o nome dadopelos portugueses aos seus aliados indgenas que viviam nas proximidades dacosta . Posteriormente, o termo passou a designar os %%mestios de brancos endios$$, independentemente do grupo tnico ou tronco lingustico ao qualpertenciam. Entre os Tux, o termo caboclo designa o ndio que, "sob oimpacto da interao sociocultural com a sociedade maior# (CABRAL ENASSER, 1988: 133), mantm algumas das prticas de seus antepassados, sereconhecendo e sendo reconhecido pelos demais membros da sociedadecomo "diferente#. Hoje se afirmam identitariamente com o nome deNDIOS TUX, NAO PROC, DE ARCO FLECHA E MARAC, ousimplesmente POVO TUX.

    Os povos indgenas do Nordeste foram os primeiros a terem contatos com obranco colonizador, do qual decorrem complexas e equivocadas leiturassobre pertencimentos tnicos e fenotpicos, discusso bastante superada naatualidade. Nas mais de trs

    caboclosCaboclo

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    HISTRICO DE OCUPAO DA `REA TRADICIONAL

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    Sabemos do encontro dos Tux e de outros grupos indgenas do Nordeste compovos de descendncia africana. Embora o fato no se constitua novidade, sobretudoem se tratando de indgenas do Nordeste brasileiro, revela, uma vez mais, acomplexidade que envolve as questes identitrias e a pertinncia das discusses emtorno das "fronteiras tnicas$$ (BARTH, 2003), da auto-definio ou do auto-reconhecimento.

    Vrios estudos socioantropolgicos realizados sobre o Povo Tux (BRASILEIRO,1998; NASSER, 1995) indicam que esta etnia constitui uma sntese de vrios gruposprovenientes da "nao# Prok, que foram submetidos a intensos processos dedesterritorializao, decorrentes das aes colonizadoras da regio do So Francisco.

    Segundo Hohenthal (1960) em 1789, os Tux localizavam-se na aldeia de NossaSenhora do , na ilha de Surubabel, a 10 km da antiga Rodelas, juntamente com osProc e os Pankararu. Como conta Antonio Vieira (2006):

    Nesse perodo, que aparece com muita fora na tradio oral dos Tux, os indgenasque saram da Ilha de Surubabel, migraram para a localidade de Tapera Vermelha edepois para Rodelas, que tambm era uma Misso na poca, sob o comando deFrancisco Rodelas, fundador da Aldeia.

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    Quando a enchente veio e devorou a ilha, ia acabar com tudo, elestrevessaram em ajojo de bananeira, de mamoeiro, aquelas rvore verdeque aboiava. Eram ndios primitivos que vinheram procurando choalto, chegaram aqui encontraram esse cho, isso aqui era uma areia.Acharam isso aqui e aqui ficaram.

    Os processos colonizadores da Casa da Torre, sobretudo, foram responsveis peladisperso dos antigos Povos Indgenas do Nordeste. Esses grupos refugiaram-se nasreas das misses catlicas ou reas de difcil acesso dos grupos colonizadores, partesignificativa delas nas margens do Rio So Francisco.

    O Povo Tux um dos grupos indgenas ocupantes tradicionais das margens do RioSo Francisco. Em meados do sculo XIX, conforme documentao , os ndios Tux5

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    Tux (tuch, tush). Estes ndios foram encontrados juntamente com os Peri, em 1759, no Rio So Francisco, na regioimediatamente oposta confluncia do Rio Paje, o que os coloca nas redondezas de Rodelas. A Residncia do Rio de SoFrancisco, de 1692 a 1694, parece ter sido dividida em duas misses, Aldeia de Rodelas e Aldeia de Oacars. Com as constantesintervenes da Casa da Torre, a misso de Rodelas existiu pacificamente apenas durante uma meia dzia de anos, e, em 1696, ospadres jesutas foram expulsos por essa poderosa famlia de latifundirios. Contudo, os ndios ficaram, e Rodelas eraregularmente povoada por volta de 1702, quando tinha cerca de 600 almas. Em 1852 havia no local 132 ndios, compreendendo33 famlias, cuja economia se baseava na pesca e no cultivo da mandioca. Em 1952 existiam cerca de 200 Tux no Posto indgenade Alfabetizao e Tratamento "Rodelas#. A economia ainda essencialmente baseada na pesca e na agricultura, mas apopulao flutua devido ao fato dos homens procurarem frequentemente trabalhos em outros locais (HOHENTHAL , 1960).O "Mapa# das Aldeias da Bahia, apenso fala do Presidente da Provncia, de 01/03/1861, registra que o patrimnio Tux

    compreendia de fato cerca de trinta ilhas (BRASILEIRO, 1998). Aroderas (Rodelas, Rodeleiros). Uma tribo "tapuia#, que viveuao longo do Rio So Francisco no sculo XVII, segundo PISO e MARCGRAF. Martins comenta em seus Beitrae que essa tribo

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    possuam mais de trinta ilhas na regio, que foram perdidas durante o processo deocupao. Apenas uma dessas reas (a Ilha da Viva) foi reconquistada na dcada detrinta, do sculo passado, vindo a ser submersa, com a construo da hidroeltrica deItaparica pela CHESF. Essa Ilha, referida pelos Tux atuais como uma das principais,era onde faziam suas prticas agrcolas e tambm ritualsticas.

    A Ilha da Viva possua rea agricutvel bastante exgua e, segundo OrlandoSampaio-Silva (1988) em que pese o plantio irrigado numa parte dela, a agriculturaestava voltada para atender o consumo da prpria comunidade . Cultivavam amandioca, o feijo, a batata-doce, o arroz, a cana-de-acar, a melancia, entre outros.Tambm coletavam mel e frutos silvestres, alm de praticarem a caa e a pesca. Asmulheres, at a dcada de sessenta, praticavam a fiao usada no consumo da tribo epara o mercado. A cebola era o principal produto voltado para o comrcio externo. Oproduto era cultivado em regime de parceria com produtores ou comerciantes (no-ndios), consistindo no financiamento de insumos agrcolas, gneros alimentcios einstrumentos de trabalho. De acordo com Sampaio-Silva, a parceria submetia ostrabalhadores indgenas a uma situao de explorao.

    Os Tux so, originalmente, indgenas das canoas, ou sejam, viviam das guas doVelho Chico. Eram e ainda so bons pescadores e dominam, como ningum,complexas tcnicas de pesca: so sbios na ecologia das guas e de diversas espciesde peixes. Portanto, alm da agricultura, os indgenas praticavam e ainda praticam apesca, a caa e o artesanato. Hoje, participam de diversas atividades comerciais emescalas nacionais, como a venda do coco e outros produtos de demanda nacional,alm de atuarem em diversos rgos pblicos como representantes de diversos povosindgenas do Nordeste, a exemplo da Coordenao da Associao dos PovosIndgenas do Nordeste, Minas Gerais e Espritos Santo (APOINME), FUNAI,Secretarias de Educao, entre outros.

    ESPAO DE PRODUO E ATIVIDADES ECONMICAS

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    Esquecidos das inmeras contendas e dos esbulhos de que seus ancestrais foramvtimas, a memria dos Tux tem se fixado na perda da Ilha da Viva, tornando-a umespao cercado de rico imaginrio. Assim, seus 108 (GONDIM, s/d, p. 1) hectaresso lembrados como a terra da prosperidade e da abundncia, conflitante com asinformaes acima apresentadas; um espao mitificado, que, alm da garantia da

    no poderia ser identificada por seu nome, desde que rodela significa simplesmente um ornamento labial em portugus, masBarbosa Lima Sobrinho sugere que esse nome vem de um pequeno escudo de forma circular que usavam os ndios dessa regio.De acordo com Accioli de Cerqueira, os Rodeleiros foram, durante algum tempo, aliados dos Acros, reduzidos pelos Jesutas,em 1751. Os Acros em outros tempos chegaram at a Comarca do Rio de So Francisco. PINTO classifica os Rodelas comoCariri, mas no apresenta justificativa para essa classificao (HOHENTHAL JR., 1960).

    "A produo de gneros alimentcios na ilha da Viva apenas atingia um patamar, que permitia suprir, ainda quedeficientemente, o consumo alimentar da populao aldeada#. (SILVA, 1997, p. 133).

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  • 7 Entrevista concedida a Ely Estrela em Sobradinho, 26/7/2000. Celito Kisternig , convm ressaltar, catarinense e aportouem Rodela como assessor da Diocese de Paulo Afonso. Seu trabalho visava justamente, assessorar os atingidos de Itaparica para"evitar a repetio do desastre que foi Sobradinho#$, conforme salientou na entrevista acima referida.8 Entrevista concedida Ely Estrela por Ceclia Padias. Aldeia Tux de Morrinhos (Itotirama), em 16/10/1999.

    sobrevivncia e da produo de excedentes, possibilitava a manuteno de prticassimblicas que lhes serviam de elementos identitrios diferenciados, em relaoaos demais sertanejos/acaboclados que habitavam o Mdio So Francisco. Era naIlha da Viva que os indgenas praticavam seus rituais, especialmente aquelesvinculados "cincia#, conforme ser observado em seguida.

    A decantada abundncia que vigorava na Ilha da Viva reiterada tambm porum agente pastoral que conviveu com os indgenas um pouco antes dasubmerso de suas terras.

    Eu tive a felicidade de chegar regio do Vale do So Franciscoantes da Barragem de Itaparica e vivi de perto toda a cultura dohomem ribeirinho e de seu relacionamento com o rio. L emRodelas, eu convivi de perto com a Tribo Tux, os ndios Tux, comos agricultores e com os pequenos proprietrios da margem do RioSo Francisco e digo a voc que foi uma das experincias melhoresque eu tive na vida & quando cheguei do Sul e entrei em contatocom a comunidade sem ningum de fora (Ns no viemos emequipe) (...) . Ento, eu sei, porque conheo de perto a afinidade dohomem com o rio. Vrias vezes, eu acompanhei os agricultores natravessia do rio para a gente ir ilha pegar capim, ver uma vaquinhaque ele tinha, tomar o leite de manh cedo (misturado com farinha).Enfim, todo o relacionamento do homem com o rio. Quando eucheguei, dava a impresso que o povo no tinha nada, mas o que euvivi foram dois anos de fartura. No tinha dinheiro, mas tinhamanga, mandioca, o peixe, tinha tudo. Ento, eu conheci emRodelas a fartura. O pessoal dava a impresso de no ter nada, mastinha uma vida feliz e farta.7

    Na maior parte das narrativas do Povo Tux, a Ilha da Viva aparece como lugarde riqueza e de fartura, em suma: "uma me#.

    Destacamos, quo complexo foi a desterritorializao do Povo Tux das reasfrteis das ilhas e margens do So Francisco para reas com solos poucosprodutivos e at estreis, e mesmo, regies mais urbanas, sem possibilidade deenvolvimento da comunidade nas atividades ligadas terra, como o grupo queficou em Rodelas Nova.

    Assim, parte dos Tux, reassentados em exguos lotes situados na sede do municpiode Rodelas (a Nova), tornaram-se "totalmente urbanos#. As condies impostaspelo barramento do Rio So Francisco para a construo de Itaparica, obrigam-nosao sedentarismo e ao distanciamento das prticas agrcolas.

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  • Alguns poucos realizam a condio camponesa atravs do arrendamento de terras deregionais e a maioria vive na mais completa ociosidade. De modo geral, sobrevivem doPagamento de Compensao Financeira Provisria (antiga Verba de ManutenoProvisria - VMT), situao que perdura por mais de 20 anos. Os Tux de Ibotirama,que tambm reclamam da dificuldade de acesso gua e continuem cobrando daCompanhia Hidroeltrica do So Francisco (CHESF) o prometido projeto de irrigao,desfrutam da posseda terra epotencialmentepodem se realizar enquanto camponeses.

    Quando os colonizadores adentraram o Vale do So Francisco, implantando ali asfazendas de gado, encontraram tenaz resistncia desses indgenas. Para aplacar o espritode luta das aguerridas tribos, foram solicitados os prstimos das misses religiosas. Elasforam criadas a partir do sculo XVII, sobretudo nas reas mais frteis e nas ilhas. Narea das Corredeiras do So Francisco, as primeiras Misses Catlicas eram jesutas.Mais tarde esses missionrios foram substitudos pelos capuchinhos franceses eitalianos. Alm dessas ordens, atuaram tambm no So Francisco missionrioscarmelitas e franciscanos. As sucessivas mudanas de ordens missionrias erammotivadas, em geral, por desavenas entre os religiosos e os potentados da Casa da Torre(famlia D$Avila), cujo morgadio se estendia, grosso modo, do litoral norte da Bahia(passando pelo serto setentrional do mesmo estado) ao sul do Piau. Como afirmaGabriela Martin (1998), "a histria dessas misses e de suas lutas contra as poderosascasas da Torre (Garcia D$Avila) e da Ponte (Guedes de Brito) so, possivelmente, oscaptulosmaisdramticosda histria do valedo rio So Francisco#.

    Para a Misso de Rodelas foram diferentes grupos indgenas, portanto, na regio dascorredeiras do So Francisco, este agrupamento caracterizava-se pelas inter-relaesestabelecidas por diferentes grupos tribais remanescentes, com a predominncia dosTux. Hohenthal (1960) diz que os indgenas Tux de Rodelas "tem tradies que noslevam a pensar terem eles vivido, em outros tempos, nas ilhas onde as antigas missesde Assuno e Santa Maria foram fundadas#. Ainda hoje os Truk, aps um intensoprocesso de retomada de seu territrio, vivem na rea que estabelece relaes com aIlha da Assuno.

    Como dito anteriormente, a presena dos Tux no Vale do So Francisco comprovada desde o final do sculo XVII. Tudo indica que compunha a nao dosindgenas dos rodeleiros, aldeados pelos capuchinhos franceses na Misso de SoJoo Batista de Rodelas, recebendo, pelos Alvars Rgios de 1700 e 1703, reacorrespondente a uma lgua em quadra. Esta rea, segundo estudiosos,corresponderia as 30 ilhas existentes no rio So Francisco, localizadas prximas margem esquerda do referido rio, na altura do municpio baiano de Rodelas.

    HISTRICO DO CONTATO E O ESTABELECIMENTO DE MISSESNA REGIO DE RODELAS

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  • O trabalho missionrio sempre esteve na mira dos colonizadores e sua situaotornou-se ainda mais grave, quando o Marqus de Pombal passou a perseguiros missionrios e tentar a extino dos aldeamentos indgenas, usando comoestratgia o estmulo aos processos %%assimilacionistas$$ dos grupos indgenas populao no-indgena.

    Apesar das crises que se seguiro a este perodo, Rodelas ainda permanecercomo aldeamento, passando pela direo de vrios missionrios. Durante aprimeira metade do sculo XIX at sua extino, a Misso de Rodelas alternarlongos perodos sob a gide de missionrios e curtos perodos sem a presena dereligiosos.

    O golpe de morte s misses do So Francisco, ocorreu no sculo XIX, quando ogoverno imperial resolveu estabelecer uma reestruturao fundiria no Brasil, queculminou com a promulgao da Lei de Terras de 1850.

    Alm de colocar a terra sob a gide do capital, a Lei 601 de 1850 estabeleciacritrios para a definio do que seriam as terras devolutas e suas variadas formasde comercializao, a problemtica das ocupaes irregulares, incluindo-se osprocessos de estabelecimento de reservas indgenas e possveis definies denovos povoamentos. Todo esse processo foi muito conflitivo, marcado pelasdisputas de poder e capacidade de influenciar politicamente das elites locais.

    Comea, ento, um longo processo de disputa pela posse das terras entremunicpios, provncias e governo central, provocando indefinies e abrindoespao para o aambarcamento de terras, atravs, sobretudo, do artifcio dagrilagem. Inaugura-se, a partir da, um sistemtico processo de desqualificao dosterritrios indgenas e da afirmao identitria desses Povos. neste perodo quese torna forte a caracterizao dos indgenas como "misturados# e "mestios#,levando o Imprio a ser "convencido# da inexistncia de povos indgenas naregio, acarretando na extino de muitos aldeamentos, sobretudo os que estavamlocalizados nas margens do Rio So Francisco.

    Essa situao deflagrou um intenso processo de tenso entre os indgenas.Objetivando diminuir o estado de conflito, em 1857, o Governador da Provnciaresolveu encaminhar para Rodelas o Frei Luiz Givoli (REGNI, 1988). Esse Freiter um papel decisivo nas aes polticas voltadas para os povos indgenas doNordeste, especialmente, do So Francisco. Aps cinco anos tentando reorganizaro Aldeamento, retorna ao Convento da Piedade em 1862 e, aps relatar aexistncia de "apenas# 130 indgenas, diz serem desnecessrios esforos paracontinuar o trabalho missionrio na regio, propondo que os indgenas sejamincorporados sociedade. Essa posio reforou a deciso do Governo deimplementar uma poltica assimilacionista.

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  • 9 A medida que eram escorraados de suas terras, os ndios se juntavam aos bandos que perambulavam pelas fazendas, procura de um lugar onde pudessem se fixar. No comeo do sculo, vrios desses magotes de ndios desajustados eramvistos nas margens do So Francisco. Alimentavam-se de peixes ou do produto de minsculas roas plantadas nas ilhasinundveis ! nicas cuja posse no lhes era disputada ! e trabalhavam como remeiros e como pees das fazendas vizinhas(RIBEIRO, 1986, p. 56).

    O Decreto 3348 de 1857 d s Cmaras Municipais o direito e o poder devenderem as terras das aldeias extintas, podendo utiliz-las para fundar vilas,povoaes, ou mesmo logradouros pblicos. Em 1887, a lei 338 transfere odomnio das terras das aldeias extintas para as provncias e as Cmaras Municipais,que podem afor-las.

    Com a proclamao da Repblica, a constituio de 1891 transfere a posse dasterras de aldeias extintas para os estados federativos (SALOMO, 2007). Todoesse cenrio intensificou um violento processo de expulso dos indgenas de seusterritrios, comeando, ento, uma nova dispora dos povos indgenas do SoFrancisco. Foi, portanto, esse processo, o responsvel pelas novas configuraesterritoriais dos povos indgenas do Nordeste, entre os quais dos Tux.

    Desse modo, algumas das reas hoje ocupadas ou reivindicadas pelos gruposindgenas, como o caso dos Tumbalal, certamente, formavam, no perodoanterior conquista, uma unidade territorial que foi, ao longo dos anos, solapadapelo esbulho e pelo roubo puro e simples. bem provvel que as vriasetnogneses que se desenvolveram no serto do So Francisco, tanto no perododenominado de primeira "emergncia tnica#, quanto em tempos mais recentes (apartir dos "levantamentos verificados em 1970#), resultem da interao e docontato entre os vrios grupos indgenas aldeados em diferentes momentos daocupao do Vale do So Francisco, formando algo prximo de uma "babeltnica#, para usar expresso cunhada por Andrade (2002).

    Convm salientar que os diversos grupos indgenas que vivem no So Franciscomantm entre si rede de relaes de reciprocidade. Em geral, os Tumball,Tux e Truk remetem sua ancestralidade a uma nao comum, denominada deProc, da repetirem, frequentemente, o bordo "somos todos parentes#(ANDRADE, 2002, p. 3).

    Esses indgenas foram marcados por duas importantes experincias: aexpropriao e a resistncia. E todos os grupos indgenas que habitavam o Baixo-Mdio So Francisco foram sempre muito aguerridos. Nos inmeros confrontos,foi arrancada aos indgenas uma grande parcela de suas terras . Por volta de 1910,os indgenas que viviam na Ilha da Assuno (localizada no rio So Francisco,

    AFIRMAES IDENTIT`RIAS E NOVAS TERRITORIALIDADES

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  • prxima ao estado de Pernambuco) sofreram novo e duro golpe quando esta foireivindicada por um "coronel# local . Se o esbulho, num primeiro momento,desnorteou os indgenas, no momento seguinte, levou parcela deles aempreender resistncia, buscando junto ao Servio de Proteo ao ndio (SPI),direitos e proteo. Ugo Maia Andrade registra que a resistncia foiempreendida, dentre outros, pelos Truk e tudo indica que ela teria dado ensejoao processo tambm conhecido de etnognese desse grupo, reconhecidos peloSPI em princpios de 1950 (2002, p. 148).

    Segundo informaes do Paj Armando (2006) os Tux falavam o troc. Assim, deacordo com pesquisas de Sampaio-Silva (1997) "Proc, Troc e Truk seriam termoscognatos e referir-se-iam a contextos lingsticos e sociais sociologicamenteidentificados entre si#.

    Como a maioria dos grupos indgenas do Nordeste, os Tux estabelecem releescomplexas com a lngua de seus ancestrais, supostamente "perdida#, como em seusrituais. Parte da lngua falada pelos antigos Tux est sistematizada em uma Cartilha,recentemente encontrada pelos indgenas em um Museu localizado em um pais da

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    Para os indgenas, esses processos so vivenciados como , traduzidos,na atualidade, nas lutas polticas desses grupos, conhecidas como "retomadas#. Naregio do submdio e baixo So Francisco, esto em processo de lutas pelosterritrios os Tux, Tumbalal, Truk, Koiupank, Kalank, entre outros. Essesprocessos poltico-organizativos evidenciam o quanto complexa a territorialidadeindgenas na contemporaneidade.

    Os Tux o segundo grupo indgena reconhecido pelo Estado brasileiro na Bahia e oterceiro no Nordeste. Esta comunidade tem uma importncia muito grande para osoutros povos indgenas do Nordeste, haja vista, ter sido a etnia que ocupou um papeldestacado num processo que ficou conhecido como "levantar a aldeia#, ondemestres, lideranas e pajs Tux tiveram um papel estratgico na afirmao e noreconhecimento tnico, em meados do sculo passado, de outros povos indgenas doserto nordestino como os Kiriri, Truk, Atikum, Pankar e Tumbalal (SALOMO,2007). Eles gabam-se de terem ensinado, tambm, aos Kiriri de Mirandela, municpiode Banza (Bahia), a prtica do tor, fato confirmado por inmeros pesquisadores.

    resistncia tnica

    RECONHECIMENTO TNICO

    10 "Consistiu em obter dos ndios licena para construo de uma capela consagrada a Nossa Senhora de Assuno. Essacongregao, registrada posteriormente em cartrio, como doao, serviria de base para a expedio de ttulos de propriedadeem que o vendedor era a Santa Padroeira, representada pelo bispo de Pesqueira, na Bahia (sic), e o comprador, um potentadolocal. Este fez sentir aos ndios a fora de seu ttulo possessrio, obrigando-os a se colocarem a seu servio, pagar foros pelaocupao das terras, ou abandonarem as ilhas como intrusos# (RIBEIRO, 1986, p. 55-56).

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  • Europa . Trata-se de um Povo que se orgulha de seus costumes e da prtica de seusrituais, tais como: o , a ou , a , o , o , culto dosMestres, o Gentio, os Caboclos, (CABRAL E NASSER, 1988: 133; PEREIRA,1988:142; MARQUES, 2008:327,328).

    De acordo com a professora Tux Aldenora Vieira Almeida (2000), emRodelas, existiam manifestaes de preconceito contra os indgenas. Noentanto, outros entrevistados fazem questo de minimiz-lo, ressaltando queos indgenas encontravam-se integrados vida socioeconmica e poltico-cultural do Municpio, possuindo representao na Cmara Municipal emantendo, inclusive, estreitos vnculos com expressivos polticos da regio edo estado da Bahia.

    Podemos afirmar que a maior discriminao sofrida pelos Tux evidenciou-sequando da construo da Represa de Itaparica. Se no bastasse o violentoprocesso de fragmentao, de desterritorializao e reterritorializao sofridos,h mais 20, ainda amargam um tenso processo de negociao com a CHESFpara a garantia de seus direitos.

    Trata-se de uma manifestao celebrativa de carter cultural e tambm religioso.Em muitas aldeias franciscanas o Tor realizada como uma "dana circular#.Os Tux, porm, realizam esse ritual a partir de duas filas paralelas. Assim, comoo "particular#, os Tux, antes da Barragem, sempre praticavam o Tor, de 15 em

    oculto mesa particular ceia quartinho tor

    PR`TICAS RITUAIS E FESTAS

    O Universo simblico do povo Tux , essencialmente, constitudo pelo cultoaos encantados/mestres, santos, caboclos e gentios. Essa dimenso simblicaest intimamente relacionada s guas do So Francisco, particularmente ascachoeiras, morada dos encantados e de outras foras espirituais que fazemparte da cosmoviso dos Tux. Essas cachoeiras, assim como as ilhas, lugaressagrados para os indgenas, foram destrudas pelas barragens.

    Em relao ao simbolismo e aos rituais dos Tux, sobressaem-se o tor,, conforme j assinalado. O primeiro uma das prticas rituais

    utilizada por todos os indgenas do Nordeste e tem se colocado comoimportante meio de afirmao diacrtica. Ele corresponde a uma espcie defolguedo, "brincadeira de ndio#, que tem funo ldica e de interao social(ANDRADE, 2002, p. 221). Em geral, "brincado# ou "danado# nosmomentos de "levantamento#, em dias festivos, bem como de demonstrao defora poltica, assumindo, muitas vezes, carter pluritnico e multicultural ! naexpresso de Rodrigo Grunewald (2005).

    a mesa ouo particular

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  • 15 dias, alternadamente com o particular, sempre aos sbados. A partir do Tor,fortaleciam sua identidade enquanto Povo Indgena, celebravam, brincavam.Hoje, entretanto, em virtude do processo de desorganizao provocado pela"chegada do estranho#, essa frequncia no tem sido constante como antes.

    Quanto , vale aqui reproduzir o que escreve Andrade sobre aprtica entre os Tumbalal: "consiste num trabalho ritual dirigido aos encantosrealizado em ambiente fechado e que goza de prerrogativa de ser maisconcentrado e estabelecer comunicao mais intensa com o sobrenatural# (2002,p. 220). Durante o ritual, pode assomar o ! entidade sobrenatural !atravs de um "cavalo# ou aparelho, manifestando-se audincia; fazendorevelaes, assertivas e prelaes. Essa dinmica varia entre os povos. Para osTux, os podem estar relacionados tanto a ndios "encantados#, lideranasespirituais, curandeiros e pajs, como indgenas ainda vivos que, de alguma forma,se relacionam com os encantados nos rituais.

    Nessa dimenso dos "encantamentos#, os Tux incluem os ancestrais que viveramnos seus antigos territrios e esto enterrados nos cemitrios sagrados na regioonde ficavam as velhas aldeias. a partir dessa "simbolizao# que os Tux tambmnarram sobre o , parte dos cultos dos indgenas Tux de Rodelas.

    No h registro da ocorrncia da manifestao do gentio entre outras etniasindgenas do So Francisco. Os caboclos so entidades espirituais,indgenas encantados, que "viveram# nas antigas terras imemoriais dasaldeias no So Francisco.

    No ritual dos Ocultos, realizado na Casa de Orao, tambm conhecido como"particular#, acontece de quinze em quinze dias entre os Tux, aos sbados. Inicia-se meia-noite, terminando, geralmente, ao amanhecer do dia, podendo eventualmentese estender at mais tarde, ou mesmo durante dias seguidos (SALOMO, 2007).

    Nosso Tor no s uma dana, mas tambm um ritual religioso. Umaparte dele de preparao espiritual para enfrentar uma situaoconflituosa (UILTON TUX, 2008).

    No Tor tem um segmento do ritual onde os guerreiros masculinosficam ao redor de um tacho da jurema e as mulheres danando ao redor(SANDRO TUX, 2008).

    Neste ritual destaca-se a importncia do malaco, por que a fumaa temuma importncia muito grande no nosso ritual. Usamos para isso ofumo com vrias ervas como a umburana, alecrim, jatob, amescla,entre outros (SANDRO TUX, 2008).

    mesa ou ao particular

    encantado

    mestres

    Gentio

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  • Os ocultos enramar, receber a fora dos nossos antepassados ndiosantigos que voltam para orientar a aldeia (UILTON TUX, 2008).

    Durante o ritual, os indgenas ingerem a jurema, uma bebida feita com a raiz eentrecasca da juremeira, planta sagrada para a maioria dos povos indgenas doNordeste.

    Dentro da "cincia do ndio#, a Ceia um ritual muito pouco comentado. Estrelacionada aos oferecimentos de alimentos para os encantados nos processos deagradecimento por graas alcanadas e pela realizao de novas promessas.

    O "Quartinho# um espao "individualizado# das famlias Tux, construdosgeralmente nas prprias casas e que serve como espao de orao e culto aos"mestres encantados#.

    Entre os indgenas do Nordeste ! fortemente marcados pelo contato intertnico epela interao social ! estes rituais so importantes sinais identitrios, portanto,domin-los e pratic-los um imperativo. Suas prticas marcam o "ser ndio#;evidenciam o uso da "tradio# e do "regime# de uma memria coletiva que deve servivenciada. Deixar de praticar os rituais e a "cincia# sinal de enfraquecimento, deque a aldeia se encontra "aberta#, correndo perigo, portanto, de ser atingida pelas"impurezas#.

    Entretanto, tanto os Tux quanto os demais povos indgenas do Nordeste, no fazemdo "purismo# tnico seu modo de afirmao identitria. Saram e compreenderam acrueldade da "ossificao tnica#. Suas identidades so, antes, estabelecidas, nocampo poltico-organizativo.

    Alm das prticas culturais acima elencadas, os Tux, de acordo com osentrevistados, tinham e ainda tm marcante participao na mais tradicional festa deRodelas ! a festa de So Joo. A festa do padroeiro da cidade compreende um cicloque vai de 15 a 24 de junho. Os festejos de cada noite ficam a cargo de uma pessoa deprestgio da cidade ou de um grupo social: os %%caboclos$$ e os morenos.

    Tradicionalmente, a primeira noite patrocinada pelos ndios caboclos (os Tux).Tudo indica que a devoo dos caboclos a So Joo remonta ao perodo dapresena dos missionrios no Vale do So Francisco. So Joo Batista foi o oragoda aldeia de Rodelas. Contam os mais velhos que a devoo teve incio quando osndios encontraram na mata um "nenm# (a imagem de So Joo). Intrigados coma presena deste "nenm# no local, entoaram cnticos para que ele atendesse aosseus reclamos e viesse at o local onde se encontravam. Em seguida, pegaram aimagem - o nenm - e levaram-na para a igreja de Rodelas, onde ainda hoje seencontra (em Nova Rodelas).

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  • Desde ento, o santo tido como defensor e protetor dos ndios. O culto aSo Joo Batista por parte dos %%caboclos$$ demonstrativo de que entre elesdominam as prticas rituais de contatos intertnicos. Desse modo, So JooBatista se aproxima da representao do encantado mais cultuado da aldeia,em tempos passados: o

    Segundo a tradio, que, logo aps a instalao da aldeia pelo grupo, egressode Surubabel, verificou-se o encontro. Estavam os ndios danando o torquando viram uma criana sobre uma grande pedra que se erguia perto dostio onde se encontravam. Como a dana se desenvolvia no interior da mata,ficaram intrigados e procuraram descobrir quem era a criana. Porm, esteno lhes falou, limitando-se a observ-los. Ento, os ndios resolverampernoitar no local para descobrir o mistrio (outra verso relata quepermaneceram trs dias no stio). noite, realizaram um trabalho na inteno(sic) de saberem quem era a criana. No transcorrer da cerimnia o encantadose apossou de um ndio, dizendo: "Eu sou o mestre Velho K-nenem, dono daaldeia da tribo Tux, as correntes de Velho K#. A partir desse momento, eletornou-se protetor dos Tux (CABRAL E NASSER, 1982: 134) .

    Os preparativos para os festejos comeavam/comeam no ms de maio eocupam grande parcela dos habitantes da aldeia. "Na vspera da festa se notauma excitao geral em toda aldeia. Aqueles que esto trabalhando fora vmespecialmente para a festa, pois ningum pode faltar. "So Joo Batista nosso protetor e ns temos obrigao de vir a festa# .

    A ideia de que a tradicional presena dos Tux nos festejos de So Joo Batistapossa ser encarada como um elemento demonstrativo da integrao do grupo comunidade no indgena de Rodela e da falta de preconceito no encontrarespaldo nos estudos de Cabral e Nasser. Para os pesquisadores, a festa temum significado muito especial para os , tornando-se uma oportunidadede compensarem a opresso e a desvalorizao de que so vtimas nos demaisdias do ano (CABRAL E NASSER, 1982, p. 137). As comunidades nas quaisos Tux vivem atualmente as prticas rituais e simblicas, a "tradio#, osmais velhos reclamam que as novas geraes, alm de no dominarem oconhecimento em relao s prticas agrcolas, desvalorizam asmanifestaes culturais e identitrias de seus antepassados, em detrimento dacultura dos regionais. Os indgenas de Ibotirama no mantiveram a tradiode Rodelas. Os poucos que realizam os festejos juninos no se destacam dosdemais habitantes da localidade.

    K-nenem ou Velho Ka.

    caboclos

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    11 "O dia de festa comea com a alvorada. uma grande queima de fogos, a banda de pfanos, constituda de caixa, bombo e doispfanos, tocando e o pessoal acompanhando. H apenas trs anos os brancos acompanham a alvorada, antes, dela participavamexclusivamente os caboclos. (CABRAL & NASCER., 1988, p.136).

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  • Alm de So Joo, os indgenas mantm relao com diversos outros santos, algunstrazidos por missionrios, outros adotados pelos prprios indgenas, sendoincorporados nos seus processos mgico-religiosos.

    HISTRIA RECENTE: SEPARADOS PELAS `GUAS

    A histria recente dos Tux deve ser dividida em dois grandes momentos: antes edepois da Represa de Itaparica. A referida Represa comeou a ser construda pelaCompanhia Hidroeltica do So Francisco (CHESF) em meados de 1970, sendoinaugurada em 1987. Ela atingiu aproximadamente 10.500 famlias e uma ampla faixade terra formada pelos municpios de Abar, Glria, Chorroch e Rodelas, no estadoda Bahia, e, os municpios de Itacuruba, Floresta, Petrolndia e Belm do SoFrancisco, no estado de Pernambuco. Em Rodelas vivia a comunidade indgena Tux.A submerso de Rodelas e da Ilha da Viva colocou uma vez mais para a comunidadeindgena a perda de seu territrio e a premncia de novo deslocamento.

    Para levar a termo a construo da Represa, a CHESF lanou mo de todos os meiospara persuadir os atingidos da necessidade de sua transferncia. Aos Tux fezinmeras promessas:

    De acordo com narrativa das principais lideranas indgenas Tux, antes que tivessemcontato com a CHESF vigorava na Aldeia de Rodelas harmonia e "bem-querena#. Opoder estava centrado nas figuras do cacique Manoel da Cruz Oliveira e do PajArmando Gomes, no havendo, portanto, espao para o faccionalismo, uma das maiscruis conseqncias do barramento do Rio So Francisco. Dois depoentes citados nosautos da Ao Civil Pblica fazem referncia a um capito , mas no o nomeia (p.21).

    [...] Que naquela poca a CHESF prometeu que quando sassem daaldeia velha, e viessem para a aldeia nova j teriam um projetofuncionando, para os ndios trabalharem, que no prazo de seis meses iriaestar pronto, para dar as mesmas condies da Ilha da Viva, e que osndios no iriam sofrer nada; Que a CHESF ainda falou que iriamreceber mantimentos e rao para os animais, e que seriamrecompensados mais do que as outras pessoas, porque eram ndios; Quea CHESF se comprometeu ainda a resolver todos os problemas dacomunidade; Que prometeu a dar dois salrios mnimos e meio a ttulode Verba de Manuteno Temporria, mas que nunca pagou esse valor,pagando sempre menos; (...) Que o projeto prometido pela CHESFtinha alm da irrigao dos lotes, e tambm casa de farinha, casas, prdioescolar, caminho, assistncia sade, assistncia tcnica aos projetosde irrigao, veculos para o transporte da produo, condies de pescae outros benefcios [...] (Joo Padilha, citado nos autos da Ao CivilPblica. Ministrio Pblico Federal, 1999, p. 10).

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    12 "A patente introduzida pelos missionrios, designava, nas aldeias, um ndio nomeado pelo governador da provncia, paraexercer o papel de intermediar junto sociedade colonial#. (MINISTRIO PBLICO FEDERAL, 1999, p. 3).

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  • Aos primeiros contatos com os agentes da Chesf e eminncia do deslocamentosurgiram os conflitos. Estes ocorreram em funo, sobretudo, da escolha do novolocal da Aldeia.

    Desde o princpio da construo da Represa, os Tux se viram diante de duas alternativas:permanecer na Nova Rodelas, onde a perspectiva de assentamento, de acordo comalgumas avaliaes, era desfavorvel, ou se deslocarem para outra regio. Surgiram, ento,as divergncias. Instalou-se, entre os Tux, um prejudicial modo de tensionamento entreparentes, que tem se acentuado ano aps ano, em face do descaso da Chesf e daprocrastinaoemcompens-losdasperdasmatriasereparar-lhesassimblicas.

    Tornada invivel a conciliao da comunidade Tux, cerca de noventa (90) famliasoptaram por se estabelecer em Nova Rodelas, confiantes nas promessas dereassentamento da CHESF, esperando definio quanto ocupao da fazendaRiacho do Bento . Noventa e sete (97) famlias, lideradas por Manuel Novais da Silva! que, desde o momento do rompimento da unidade, assumiu a condio de caciquedo grupo dissidente !, optaram pela transferncia . A dispora da Aldeia de Rodelasatingiu tambm os indgenas Tux que viviam em Itacuruba (PE). Estes foramtransferidos para a Fazenda do Funil, municpio de Inaj (PE). Esta compreende reade 150 hectares (GONDIM, s/d, p. 12), localizada margem direita do Rio Moxot.Alm de insuficiente para o grupo, a rea motivo de pendncia entre a CHESF e oDepartamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS). Diante dos reclamosdos Tux de Inaj, a CHESF alega que j implantou projeto de irrigao e "que nolhes cabia responsabilidade pelo rio Moxot haver secado# (Ministrio PblicoFederal, 1999, p. 27), fato refutado pela percia tcnica e antropolgica realizada pelaFunai, por requisio do Ministrio Pblico Federal.

    A transferncia dos Tux para a Fazenda Morrinhos e Oiteiros, municpio deIbotirama (Bahia), sob a liderana do Cacique Manuel Novaes da Silva, deu-se depoisde muitas idas e vindas. A transferncia para Ibotirama foi cercada de clamores etemores. Afinal, os Tux deixavam, alm dos parentes e relaes de amizade, todauma vivncia construda no ir - e -vir entre a cidade de Rodelas e o espao deproduo e de manifestao das prticas simblicas ( a Ilha da Viva.

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    A Fazenda Riacho do Bento compreende rea de mais de 4 mil hectares, localizada a 25 km a oeste de Nova Rodelas, teria sidodesapropriada com vistas a reassentar os Tux, mas estudos tcnicos apontaram sua infertilidade e a inviabilidade do cultivo dosolo. Entrevista concedida autora por Manuel da Cruz Oliveira, em Rodelas, 21/1/2000. Em fins de 1990, a comunidade Tuxde Rodelas voltou a aventar a possibilidade de ocupar a referida fazenda e estudos foram feitos para reavaliar a possibilidade desua ocupao. Pelos estudos, somente pouco mais de 621 hectares estavam aptos implantao de projeto irrigado, medianteadoo de uma srie de procedimentos de carter corretivo. As negociaes para levar a efeito os procedimentos para airrigao, segundo os termos da Ao Civil Pblica, estavam em bom termo, quando o Gerpi passou a adi-las (MINISTRIOPBLICO FEDERAL, 1999, p. 43).

    Inicialmente, os Tux dissidentes pensavam em se deslocar para rea do projeto Massangano, em Petrolina (PE), mas, segundoconsta, tiveram sua pretenso rechaada pela poderosa famlia Coelho.

  • Eu no sou daquiE nem sou de MirandelaNs viemos desabrigadosDa Barragem de RodelasPeregrinos, vou-lhes pedirCom dor no coraoPelo amor de So FranciscoTenha de ns compaixoA barragem de ItaparicaNos fez esta ingratidoTirando de nossa terraNos deixou na solidoCom os olhos cheios de lgrimaJ cansados de chorarSem saber como que passoSem nossa aldeia TuxA nossa Ilha da VivaO grande lago inundouEra nosso patrimnioHeranas dos meus avsQuando eu olho o rio So Francisco

    Me d vontade de chorarPorque as guas que aqui passamEm Rodelas vo passarEsta nossa longa histriaNo futuro eu vou contarVou sentir tanta saudadeDe tristeza vou chorarJ no posso mais cantarPois sinto grande emooA saudade dos parentesE das festas de So JooSomos ndios de RodelasRecentes nesta cidadeDesejamos ter amigosFazer novas amizadesJ cantamos nossa triboInda tornemos cantarViva So Joo BatistaPadroeiro dos tux(CPPIO, 1995, p. 52).

    A linha do tor, em geral, tirada em demonstrao pblica na cidade de Ibotirama,quando um visitante "importante# chega aldeia ou como forma de expressopoltica revela os dissabores e os temores dos Tux em relao nova situao que,doravante, enfrentariam em terras desconhecidas e talvez hostis a sua presena. Nomomento em que solicita "compaixo# dos habitantes de Ibotirama, denuncia o malque lhes causou a Represa de Itaparica.

    As Fazendas Morrinhos e Oiteiros (municpio de Ibotirama) constituem rea de2.019 hectares e abrigam, atualmente, 212 famlias indgenas, totalizando mais oumenos 1.200 pessoas. A sede da aldeia dista aproximadamente 15 km da sede domunicpio de Ibotirama e conta com pequeno comrcio, escola, Posto da Funai, umposto de sade e alguns poucos aparelhos de telefones pblicos. Conta tambm comIgrejas Evanglicas, com um templo da Igreja Catlica e um espao edificado emforma de oca - Igreja Encantada - onde uns poucos indgenas podem praticar osrituais de contato/fronteiras, sob a regncia de um jovem paj.

    Alm de terras, a CHESF prometia aos indgenas desabrigados um projeto deirrigao e de custeio, entre outras coisas. Pressionada, a estatal acordou que,enquanto no ocorresse o reassentamento dos indgenas e a total implantao dosprojetos, pagaria s famlias indgenas cadastradas (no caso da Aldeia deMorrinhos so 95 ) a Verba de Manuteno Temporria15 (VMT), no valor de dois

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    15 Em 1997, atravs de acordo firmado entre a Chesf e as lideranas indgenas de Ibotirama, a estatal se comprometeu a cumprirum leque de medidas. Destaca-se a incluso de 41 famlias entre os beneficirios da VMT, comprometendo-se a analisar tambmalguns casos pendentes e controversos. (MINISTRIO PBLICO FEDERAL, 1999, p. 36).

  • salrios mnimos e meio. Embora no pague o valor acordado quando dodeslocamento, o recurso no valor de dois salrios mnimos continua sendodesembolsado pela CHESF, mas para reclamos dos indgenas, os projetoscontinuam engavetados. Desde ento, a estatal tem sido pressionada a resolverdefinitivamente a pendncia com os indgenas e a implementar o que sedenominou de "Programa Tux#.

    Quando o governo federal cogitou a privatizao da CHESF, em meados de1990, criou o Grupo Executivo para Concluso do Projeto de Reassentamentodas Populaes da Usina Hidreltrica de Itaparica (GERPI) voltado paraequacionar os compromissos da estatal junto aos atingidos. Segundo os autos daAo Civil Pblica, aps a criao do Grupo Executivo, a CHESF passou adesconsiderar os termos do acordo anteriormente firmado com as lideranasindgenas. Dando prioridade s solues rpidas, o GERPI teria sinalizando aosndios a inviabilidade do chamado Programa Tux, acenando-lhes, atravs demeios obscuros, com a possibilidade da indenizao em espcie. Esta foirejeitada pelas velhas lideranas Tux, ganhando adeptos entre os mais novos. Ainterferncia do GERPI, segundo depoimento citado nos autos da Ao CivilPblica, acirrou ainda mais a diviso entre as comunidades. Embora aprivatizao da CHESF no tenha sido levada a efeito, a estatal continuouprotelando suas obrigaes em relao s demandas dos Tux edesconsiderando os acordos firmados pouco antes. Em face disso, apossibilidade de indenizao em espcie tem ganhado mais e mais adeptos entreos indgenas. Segundo Gilvan Barros, algumas lideranas Tux, sob alegao deque no acreditam no cumprimento do TAC, esto fazendo gestes paraaditarem ao acordo clusula que possibilite o recebimento da indenizao emdinheiro. Em tempo, as lideranas continuam reivindicando a extenso dobenefcio do Pagamento de Proviso Temporria de Subsistncia (substituta daVMT) s famlias constitudas aps a assinatura do TAC e o pagamento daindenizao aos vivos e vivas, antes da formalizao do inventrio, uma vezque os indgenas que deram entrada ao processo, segundo Gilvan Barros, foramlogrados pelo seu representante legal.

    Passados dois decnios da construo da barragem, os Tux tm muitas queixas emrelao CHESF e ainda aguardam o cumprimento das promessas da estatal. Em1999, o Ministrio Pblico Federal reconheceu as demandas dos Tux, entrando naJustia Federal com uma Ao Civil Pblica, com pedido de liminar contra a estatal.Na Ao, o Ministrio solicitava reparo dos danos sofridos pelos indgenas, aps oseu desalojamento, e reconhecia-lhes o direito "ao produto da explorao econmicadas mesmas [terras], desde o incio da explorao comercial da Hidreltrica deItaparica, at que lhes sejam restitudas todas as condies anteriores# (p. 79);requerendo da CHESF, em suma, a obrigatoriedade de cumprir todas as condies

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    O impetrante da Ao Civil Pblica explicita nos autos o princpio utilizado para calcular os valores devidos aos Tux pela Chesf."Os valores devidos aos ndios corresponde ao percentual das terras tradicionais indgenas em relao ao lago da barragem. Ou seja, a participao das suas terras tradicionais em relao ao empreendimento como um todo. As terras tradicionais dos Tux (umalgua em quadra) somam 123 km2, e representam 14,7482% da superfcie total do lago (834 km2). (p. 79). Mais adiante, completa:"Note-se, desde logo, que a lei fala em %produto$e no em %lucro$. Assim, eventual sentena dever considerar toda a receita bruta dabarragem, eno a receita lquida# (MINISTRIO PBLICO FEDERAL,1999,p. 79).

    Reza o termo que os projetos de cada comunidade deveriam ter reserva de 20% para atender a expanso da populao indgena e"ao usufruto coletivo da comunidade indgena, de acordo comsuas tradies#.(MINISTRIO PBLICO FEDERAL,1999,p. 3).

    para prover aos indgenas auto-sustentao. Na mesma petio, o MinistrioPblico Federal solicitava reparao por dano moral coletivo. "A comunidadeindgena caracterizada por uma vivncia comum de seus pares, que a singulariza dosrestantes dos nacionais. Quando a dor atinge a todos indiscriminadamente, temos umdano moral coletivo, que fere cada um daqueles indivduos justamente porpertencerem ao mesmo grupo# (p. 80).

    Por fim, a Ao solicitava que a VMT (Verba de Manuteno Temporria) fosse estendidade imediato s famlias formadas aps o deslocamento das terras originais (MinistrioPblicoFederal,1999,p.87).Emdecorrnciadasentenaemtramitao,em2004, firmou-se entre as lideranas indgenas, a CHESF e o Ministrio Pblico Federal (com aintervenincia da Funai, do Ministrio das Minas e Energia e da Secretaria Especial deDireitos Humanos) Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC), atravsdo qual, a empresa se comprometia, entre outras medidas, a implantar, nas trscomunidades ocupadas pelos Tux, projeto agrcola no valor de sessenta e um milhes,quatrocentos e dezoito mil reais , dotando cada famlia de 15 hectares , sendo 12 em readesequeiroouextrativistae3 irrigados, tendoaCHESF prazode5anosparaprovidenciara irrigao. Pelo compromisso, a companhia ficava responsvel ainda pelo Pagamento deCompensao Financeira Provisria s famlias Tux no valor de nove milhes, seiscentose setenta e cinco mil reais, distribudo da seguinte forma: 31 mil reais para as 195 famliasconstitudas antes do deslocamento; e 5 mil para as 242 famlias constitudas aps odeslocamento. Estes ltimos receberiam ainda uma casa a ser entregue at junho de 2005,no caso de j terem moradia, rezava a sentena que receberiam a ttulo de compensao ovalor de dez mil reais, a ser pago na mesma data anteriormente citada (Ministrio PblicoFederal, 1999, p. 4). O compromisso diz ainda que o no cumprimento do prazo paraimplantao do projeto agrcola ensejaria "a incluso de novas famlias indgenas que,eventualmente, tenham sido constitudas entre a data da assinatura do termo e dadisponibilizao da gua de irrigao no lote do beneficirio# (Ministrio Pblico Federal,1999, p. 3). O referido termo extinguiu a Verba de Manuteno Temporria, criando oPagamento de Proviso Temporria de Subsistncia, rezando que o mesmo ser extintodois anos depois de implantada a irrigao nos lotes dos "beneficirios# (MinistrioPblicoFederal,1999,p.5).

    A partir da fala de Uilton Tux (2007), liderana jovem desse Povo e atualcoordenador da APOINME, podemos ter uma noo dos novos passos dados nessalonga negociao dos Tux com a CHESF, que completou 20 anos:

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  • 18 Em depoimento Sesso Memria, promovido pelo I Encuentro Latino Americano de Ciencias Sociales y Represas e o IIEncontro de Cincias Sociais e Barragem, o jovem Dipeta (Aldeia de Rodelas) chamou ateno para a trade que, segundo ele,marca atualmente o cotidiano das duas Aldeias Tux.

    Estamos hoje, h vinte anos praticamente, lutando na justia parareaver um novo territrio. Nesse perodo, participamos de vriasrodadas de negociao com a CHESF e agora, em 2004, conseguimosamarrar um acordo judicial com a participao das lideranasindgenas Tux, que em funo da Barragem est subdividida em trscomunidades: Rodelas, Ibotirama, no Oeste da Bahia, e Inaj, emPernambuco. Ento nessa negociao ficou-se firmado que cadafamlia Tux receberia uma compensao pelos danos causados pelabarragem no valor de R$ 115.000,00 (cento e quinze mil reais), o qualseria repassado em trs parcelas, inclusive em dezembro de 2006. Oano passado, a CHESF cumpriu parte desse acordo. Ela j liberouuma parte dessa compensao. Foi um valor de R$ 70.000,00 (setentamil reais) por famlia, faltando uma ltima parcela no valor de R$45.000,00 (quarenta e cinco mil) e, tambm, a continuidade da VMT,(Verba de Manuteno Temporria) para cada famlia que dependiamda agricultura e com a perda do nosso territrio no podemos maisfazer o cultivo de produtos agrcolas para o auto-sustento. Ento essaVMT ser estendida at o ano de 2011, que o prazo limite que aCHESF estabelece para garantir a aquisio de uma outra rea parapoder assentar o Povo Tux. Ento estamos aguardando porque essadefinio surgiu de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC),firmado em 2005, e estamos aguardando que a CHESF possa,finalmente, finalizar a aquisio do nosso territrio. H tambm umaperspectiva que ns discordamos que do repasse do recurso paraque a FUNAI execute a aquisio da rea. O povo Tux, em especial acomunidade de Rodelas, se recusa que seja a FUNAI a responsvelpela compra do nosso territrio e que tambm tome posse desserecurso. A gente no acha correto, at porque no foi a FUNAI queinundou nosso territrio, foi a CHESF. Ento a CHESF comoprincipal responsvel, ela que deve assumir a responsabilidade decomprar uma outra rea para reassentar a nossa comunidade.

    Todos os indgenas entrevistados e os demais com quem tivemos contato tmum "discurso pronto# no sentido de creditar o marco zero da desunio Tux aosprimeiros contatos com a Chesf, em princpios de 1980, fato confirmado pelosdepoimentos colhidos na Ao Civil Pblica. Todas as narrativas convergempara culpabilizar a estatal pela situao na qual vivem: ociosidade, separao e"perda# das tradies . H, inclusive, aqueles que insinuam que a diviso teriasido estimulada pela CHESF, uma vez que interessava a estatal enfraquec-lospara melhor desconsiderar suas demandas. Alguns lembraram as aes doGrupo Executivo para Concluso do Projeto de Reassentamento dasPopulaes da Usina Hidreltrica de Itaparica (GERPI), voltadas para estimulara opo pelo pagamento em espcie, como abordaremos adiante, como agenteinstigador do dissenso.

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  • As narrativas das principais lideranas Tux sinalizam entendimentos diferenciadosem relao s motivaes da dispora. Da parte do cacique de Ibotirama, a divisoteria ocorrido porque as lideranas de Rodelas no desejavam se desligar dasoligarquias locais; eles estariam muito entranhados na poltica de Rodelas para poderse transferir dali, mesmo que a condio da permanncia fosse das mais precriascomo acabou ocorrendo. Em contrapartida, o cacique de Rodelas (na poca daentrevista) expressa, nas entrelinhas de sua narrativa, que houve por parte daliderana da Aldeia de Ibotirama precipitao, insinuando que a unio poderia sermantida caso a proposta de transferncia para a localidade fosse recusada por todos.Um entrevistado ponderou que, talvez, a vivncia rural-urbana tenha dificultado odeslocamento, pois para os Tux era muito difcil encontrar em outro local ascondies que se apresentavam em Rodelas. Na sua perspectiva, vivendo h anospraticamente em transumncia (entre Rodelas e a Ilha da Viva), os Tux temiamenfrentar condies diferentes em outra localidade; apostaram que uma outrasoluo que contemplasse a permanncia prxima Nova Rodelas fosse encontrada.No obstante ter demonstrado preocupao em mostrar equilbrio e ponderao emsua anlise, o mesmo entrevistado no poupa crticas CHESF, responsabilizando-apela situao em que vive a comunidade indgena de Rodelas. Na sua concepo, osTux foram os grandes prejudicados com a construo da Barragem de Itaparica ecom o deslocamento compulsrio. Por fim diz, no sem uma ponta de mgoa:"ningum entendeu muito bem o que aconteceu, por que os Tux no foramatendidos, quando os demais atingidos receberam tudo que solicitaram#.

    No obstante reconhecer sentido na matriz discursiva culpabilizadora da CHESFpor tudo que teria ocorrido comunidade indgena ps-barragem de Itaparica, cabeperguntar se realmente a estatal pode ser a nica responsvel pela situao dos Tux.Qual o papel da Funai em todo o processo da dispora Tux? Por que a comunidadeindgena no conseguiu se articular aos demais atingidos a ponto de fazer valer ointeresse da Aldeia? Quais fatores interferiram?

    Embora Maria Madalena Lacerda de Azevedo afirme que durante a resistncia haviadenncia dando conta de que a FUNAI no agia em benefcio dos ndios Tux,Pankararu e Pankarar, estes ltimos, tambm atingidos (1991, p. 138), nenhumentrevistado expressou com todas as letras reclamos em relao ao rgo. Nasentrelinhas de suas narrativas, veem-se censura em relao omisso da Fundao aoqual estavam vinculados pela tutela e que era responsvel pela sua assistncia.Reconhecidos formalmente como comunidade indgena h mais de sessenta anos, osTux, segundo argumento de um entrevistado, confiaram demais no poder deintermediao da FUNAI junto CHESF, no sentido de atendimento de suasdemandas, e esta teria falhado no papel que lhe era creditado.

    O rgo teria "cruzado os braos# diante das negativas da CHESF, no se esforandopara fazer valer os interesses dos indgenas.

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  • 19 Em que pese todas as crticas que se possa fazer Funai (e os indgenas, de modo geral, tm muitas) no se pode negar que atutelagem, aos olhos dos regionais - pobres e como os indgenas tambm %%acaboclados$$ -traziam benefcios aos indgenas, vistopelos primeiros como privilgios.

    Confiantes na tutelagem, as lideranas acreditavam que "no seriamdesamparados#, o que, talvez, no os motivou a unir foras aos demaisatingidos. Tampouco foram por eles procurados. Por que o Plo Sindical,principal agente de mobilizao em favor do assentamento dos atingidos, noprocurou os indgenas e vice-versa? Em que medida o litgio envolvendosindicatos membros do Plo Sindical e os Pankararu ( integrante da rederelaes dos Tux e do seu grupo de reciprocidade ( influenciou noisolamento dos indgenas? Maria Madalena Lacerda de Azevedo no aborda ofato, creditando o isolamento dos Tux das negociaes lideradas peloreferido Plo Sindical to somente por questes trabalhistas. Paulo Pontes daSilva (1990, p. 172) tambm deixa entrever que o Plo Sindical atuava numalgica somente a privilegiar os atingidos sindicalizados.

    Estas so questes que merecem estudos mais detalhados, haja vista, aindahoje, as relaes sindicalistas e as lutas dos povos indgenas andarem porcaminhos "apartados#, como observamos na luta atual dos Tumbalal e osatingidos pelas Barragens da CHESF, que encontram-se assentados emterritrio indgena e so assistidos por afiliados do Plo Sindical do Sub-mdio So Francisco.

    bem provvel que, naquele momento (no esquecer que o pas ainda dava osprimeiros passos na chamada "abertura democrtica#), faltava maturidadepoltica tanto para os atingidos indgenas quanto para no indgenasvislumbrarem a possibilidade da mobilizao conjunta. Alm do mais, osindgenas, h anos tutelados pela FUNAI, eram vistos com um misto dedesconfiana e de "preconceito# pelos regionais .

    Sem a efetiva tutelagem da FUNAI e isolados, os ndios no tiveram meios deimpor CHESF a procura de outras alternativas diviso que se pronunciava,quando do deslocamento compulsrio e, especialmente, quando a mudanapara a Fazenda do Bento teria sido descartada pelos tcnicos, sob alegao deque seu solo no reunia condies para a agricultura e a proposta datransferncia para Ibotirama foi colocada como definitiva.

    Enfraquecidos pela falta de apoio e pela desunio, os Tux teriam sidodesprezados pela CHESF. A estatal, na argumentao dos entrevistados, passoua gastar suas energias com o Plo Sindical, o principal agente de presso dasreivindicaes do atingidos. Tambm a FUNAI no teria se importadosuficientemente com o destino da comunidade indgena, atitude que, segundoos entrevistados, acirraria a diviso e o facionalismo que se instaurou na aldeia.

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  • A relao entre indgenas e Sindicatos da regio do Sub-mdio So Francisco, aexemplo do papel da FUNAI no processo da dispora dos Tux, requer pesquisasmais apuradas, que contemplem, inclusive, consulta aos arquivos da Funai emPaulo Afonso e ou em Braslia. Adotar tal procedimento, de forma alguma, devesinalizar preferncia pelas fontes escritas, mas elas podem trazer elementosoutros que teriam escapado s percepes dos indgenas, enriquecendo o debatee evidenciando outras nuanas das relaes quase sempre tensas entre o rgo eas comunidades indgenas.

    Se as razes da diviso, aos olhos dos entrevistados, pareciam mais ou menosclaras, uma questo ainda est em suspenso: Qual a razo para o constanteadiamento do cumprimento do chamado Projeto Tux? Qual o papel da CHESFno processo do pagamento da Verba de Manuteno Temporria? Na percepode alguns entrevistados, a VMT amoleceu os indgenas e grande parte da lutados Tux, aps o reassentamento ! em condies de improviso, no caso daAldeia de Rodelas - se concentrou na cobrana de extenso da remunerao aosatingidos que ficaram fora da primeira lista (menores de idade, ausentestemporrios, vivos e outros), colocando em segundo plano a luta pelaaplicao do referido Programa. O pagamento da verba, ainda que no fosse ocombinado, conforme salientam os indgenas, teria funcionado como fator decooptao e poltica de amortecimento da resistncia. Um outro fator seria aprpria desunio das Aldeias. Embora jogasse a favor da desunio, segundo osindgenas, a estatal, quando instada a se pronunciar sobre o cumprimento dochamado Programa Tux, sempre alegava (e alega) a necessidade de unio entreos indgenas; frisando que os indgenas deveriam ter uma nica proposta;insinuando junto s lideranas mais prximas, especialmente no perodo deatuao do GERPI, preferncia pelo pagamento em espcie. Hoje, atentos sconsequncias do desagrupamento Tux causados pela interveno da CHESF,as lideranas indgenas tm reestabelecidos os contatos, desejando ofortalecimento do Povo Tux.

    Analisando a situao das trs comunidades nas quais se dividiram os Tux apsa cons t r uo da Re presa de I t apa r i c a , pe rcebe - se que e l a sempreenderam/empreendem, cada uma a seu modo, resistncia incria daCHESF em relao s suas demandas e aos acordos firmados e corroboradospela justia. Essas demandas se consubstanciam, principalmente, no que dizrespeito extenso do Pagamento de Compensao Financeira Provisria atodos os indgenas atingidos; ao acesso a terra e gua, condies sem as quais,os Tux no veem probabilidade de reproduo da sua condio de

    RESISTINDO PELAS `GUAS E O SONHO DO MILAGRE

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  • indgenas/camponeses. Alm da resistncia, a experincia dos Tux estmarcada pela diviso entre os mais

    A gua para esses grupos, alm de ser um bem natural, pensada como morada dasforas espirituais que cultuam, que estruturam sua cosmoviso, seus processosidentitrios cotidianos. As agresses sofridas pelo Rio, tambm uma ameaa aoprocesso de reproduo fsica, cultural, social e simblica dos grupos indgenassanfranciscanos "remanescentes# e resistentes. A destruio das cachoeiras e quedasd$gua de Sobradinho, Itaparica, Paulo Afonso e Xing, por exemplo, interpretadopelos indgenas como "a destruio das moradas das foras dos encantados#(SANDRO TUX, 2006).

    Comentando esse fato, Arruti (2004), analisando os processos identitrios do PovoPankararu, diz que: "o dilema mais dramtico do ponto de vista da identidade tnica o fato desse sistema est ameaado em sua reproduo#, como pode ser observadona fala de um dos indgenas:

    velhos, marcados pelo saudosismo, cujosolhos esto sempre voltados para o passado mitificado, no qual a Ilha da Vivaera extensa, provedora e "me#.

    A construo da Represa de Itaparica representou oferta de energia edesenvolvimento para o Nordeste; para os Tux foi "a besta fera# que lhes roubou aIlha da Viva e os separou do Velho Chico e do So Joo ! o velho Ka(nenm deseus Encantados. Por tudo isso, nos versos da linha de tor acima disposta, o"tirador# enquanto pede acolhimento ao povo de Ibotirama e denuncia a aoofensiva da Represa de Itaparica, confessa o choro contido e a saudade de tudoquanto representava Rodelas antes da submerso.

    Embora reconheam a diviso e seus impactos sobre a "tradio# Tux ou do"regime#, os indgenas mais velhos manifestam laivos de esperana em relao fixao num territrio suficiente o bastante para abrigar a todas as comunidadesTux. Sobre isso, diz Ceclia Padias: "viver tudo junto de novo. Era um milagre#.Milagre que as lideranas Tux sabem que no se cumprir, sobretudo, porque aproposta de compensao em dinheiro, a cada ano tem ganhado novos adeptos,incluindo velhas lideranas, cansadas, certamente, das demandas e das promessas nocumpridas e ciente tambm das readaptaes que tero de lanar mo as lideranasmais jovens para voltarem a viver a condio camponesa/beradera.

    Em sntese, podemos inferir que todos os povos indgenas que habitam s margensdo Rio So Francisco foram, direta ou indiretamente, afetados com as construesdas barragens do complexo CHESF.

    A cachoeira era um lugar sagrado onde ns ouvia gritos de ndio,cantoria de ndio, berros, gritos. O encanto acabo porque o governo qu

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  • assim n [...] Eu acho que se o governo quizesse acabar com osndios dentro de 24 horas ele acabava. Ele no acaba por causados direitos humanos, por causa dos direito mundial do ndio edo ser humano, porque seno j tinha acabado [...]. Olha, essacachoeira, quando ela zuava, tava perto dela chover ou de umndio viajar. E a cachoeira no zuou mais, chove quando qu [...]Acabou-se o encanto dela. Ento esse era todo o lugar sagradoque a gente pediu pra preservar, mas. a fora maiorcombatendo a menor... Era uma grande cachoeira, de um granderio, que a gente ouvia os cantos, das tribos indgena, vrios cantosde tribos indgenas cantando junto que nem numa festa. Mas hojeem dia no se v mais nada... Aquele encanto acabou (JOO DEPSCOA, in ARRUTI, 2004).

    Se no bastasse tamanha violncia cometida contra os povos indgenasresistentes e todos os outros povos e comunidades tradicionais das reasalagadas pelas Barragens do So Francisco, esto planejados novos projetosque incluem, ainda, construo de vrias outras grandes barragens noVelho Chico, a exemplo de Riacho Seco, Pedra Branca, Areias, Po deAcar. No podemos esquecer o Projeto de Transposio do SoFrancisco e os projeto de usinas nucleares, entre outros. Todos afetaro,sobremaneira, os povos indgenas da Bacia do So Francisco, colocando emrisco sua sobrevivncia e retirando-lhes seu pleno direito aos territriosque tradicionalmente oculpam.

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    Forma cotidiana da resistncia camponesa.

    e nao em dois movimentos de resistncia aBarragens: Mxico e Brasil.

    FONTES ORAIS

    37

  • De acordo com registros histricos das civilizaes e culturas que se sucederam emnosso Planeta, o ser humano comeou a utilizar as plantas, imitando os animais,guiados por instintos, e depois, passou a usar empiricamente, associando ao podercurativo destas prticas, magia, misticismos e rituais, em um processo de seleocontnua (MING, 1994).

    O sistema de saberes tradicionais consiste num inventrio dos bens naturais, que seorganizam a partir da proximidade e compreenso do ambiente circundante, que, noentanto, se assenta em uma concepo no utilitarista desses conhecimentos.

    A produo de tais conhecimentos possui mltiplas dimenses referentes prpriaorganizao do trabalho, indo alm dos elementos tcnicos, e englobando o "mgico,o ritual, e enfim, o simblico# (CASTRO, 2000). Existe uma co-relao entre a vidasocial do grupo, onde a produo faz parte da cadeia da sociabilidade e a elaindissociavelmente ligada.

    A partir dos conflitos ntimos dos seres humanos surge a magia, como ferramenta nabusca de respostas para as inquietaes ou indagaes da alma. E, assim, configura-se

    claro que um saber to sistematicamente desenvolvido no pode estarem funo da simples utilizao prtica (...) as espcies animais evegetais no so conhecidas na medida em que sejam teis; elas soclassificadas teis ou interessantes porque so primeiras conhecidas(LVY ! STRAUSS, 1976).

    2

    A C P MR S P I T

    R B B

    ONEXO DE LANTAS EDICINAIS NO

    ITUAL AGRADO DO OVO NDGENA UX` DE

    ODELAS ! AHIA ! RASIL1

    02

    1

    2

    Autores: Nilma Carvalho Pereira - Mestre em Ecologia Humana e Gesto Socioambiental pela Universidade do Estado daBahia/Campus VIII; e Graduada em Licenciatura Plena em Cincias com Habilitao em Biologia pela UNEB/Campus VIII([email protected]).

    . Fbio Pedro Souza de Ferreira Bandeira - Professor Dr. do Programa de Ps-graduao em Antropologia da UFBA e do Programa de Ps-graduao em Modelagem Ambiental e Cincias da Terra daUEFS; Colaborador dos Programas de Ps-graduao de Ecologia Humana e Gesto Socioambiental da UNEB e de Botnicada UEFS.Entre o corpo x alma; esprito x matria; doena x morte; morte x vida; doena x sade; mente x corpo.

    Alzen de Freitas Tomz - Graduanda em Direito; Coordenadora do LAPEC/NECTAS(Laboratrio de Cartografia Social do Ncleo de Estudo e Pesquisa em Povos e Comunidades Tradicionais e AesSocioambientais) UNEB/Campus VIII

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  • no imaginrio, os mitos, os ritos e as entidades divinizadas, habitando num universosacralizado, responsvel por tudo (CAMARGO, 2006).

    Ainda segundo Camargo (2006) os saberes de um xam, de um pai ou me-de-santo,de um benzedor que reza para curar, so atribudos a um dom divino que lhes coubepor ordens superiores, cujos poderes transcedem ao nosso entendimento. Ainda deacordo com o autor esse saber se fortalece no mito, no rito e na expectativa de fdaqueles que recorrem a esses trabalhos. Desse modo, todos os instrumentosmateriais e imateriais usados por essas pessoas "escolhidas#, tornam-se sagrados einvestidos de poder.

    Dentre estes instrumentos, esto as plantas medicinais usadas no ritual, denominadasde plantas sagradas. A utilizao desses vegetais amplamente difundida em todas aspartes do mundo e, em especial, entre os africanos e indgenas. O Povo Indigena Tuxde Rodelas faz uso de plantas consideradas sagradas em seus rituais de cura, como noTor e na Mesa da Cincia Particular.

    Desse modo, importante destacar que as populaes indgenas articulam conceitosde natureza distintos daqueles que caracterizam a cultura ocidental (BENITES;SANGALLI; RODRIGUES, 2010). Ainda para os autores, os indgenastransformam a riqueza desta diversidade em benefcios para manuteno da sade ebeleza, isto est relacionado ao "uso tradicional" das plantas.

    As culturas indgenas norteiam-se pela busca coletiva de se compreender e respeitar alinguagem da natureza, na certeza de que a sobrevivncia humana depender muitomais dessa compreenso do que da capacidade de domnio ou de transformao(BRAND, 2001).

    E assim, o conhecimento botnico desenvolvido pela sociedade indgena alia mitos,divindades, espritos, cantos, danas e ritos, havendo perfeita interao entre osimblico, o natural (botnico) e o cultural, onde o natural e sobrenatural fazem partede uma nica realidade (ALMEIDA, 2003).

    De acordo com Posey (1997), para compreendermos os conceitos de sade edoenas em determinadas comunidades tradicionais, de extrema importncia aexplorao de mitos e rituais, pois, estes elementos so tidos como codificaes deconceitos-chave que transmitem conhecimento ecolgico e princpiosconservacionistas entre geraes, ou seja, so repositrios de conhecimentosprticos, e o modo de explorao do mundo vegetal, pelas comunidades indgenas,encontram-se diretamente expressos nos mitos e rituais dos grupos.

    Desta forma, a medicina tradicional fundamentada numa viso de coerncia einterao do homem-cosmo-natureza, baseada numa viso mstica ou mgico

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  • religiosa, ou seja, um ato de f e equilbrio do ser humano, natureza e cultura. ParaMota (2007), no h separao entre mente e corpo e a doena socialmenteconstruda por causa da desordem da dualidade mente-corpo, que umacaracterstica essencialmente humana.

    Para Amorozo (1996), nas sociedades tradicionais os sintomas de doenas fsicas soexplicados de forma a no separar a natureza do sobrenatural, o mundo social domundo natural e indivduo de sua matriz social. Existindo, portanto, umainterdependncia entre natureza e sobrenatural, sociedade e indivduo. Taiscomunidades tradicionais possuem uma vasta farmacopia natural, proveniente, emboa parte, dos recursos vegetais encontrados nos seus ambientes naturais oucultivados em locais antropicamente alterados.

    A medicina tradicional se fundamenta em um corpo de conhecimento que sofremudanas espaos-temporais e que possui um modo de transmisso essencialmenteoral e gestual. Comunica-se atravs de instituio mdica, mas, por intermdio dafamlia e da vizinhana, pois, segundo Amorozo (1996), o conhecimento (o saber)est sempre ligado ao aspecto prtico (o fazer). Os saberes esto interligados a umaconvivncia, a uma interferncia real no ambiente que a comunidade ocupa, sendo,muitas vezes, essa ao o fator de origem e surgimento de novos saberes.

    Os povos indgenas tm um profundo conhecimento de sua flora medicinal, e delaretira variados remdios que emprega em diferentes formas. As prticas curativasesto profundamente relacionadas com a maneira que o ndio percebe a doenas esuas causas. Neste contexto, este trabalho aborda a relao do Povo Indgena Tux deRodelas - Bahia com a flora medicinal em conexo com seus ritos sagrados.

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    Iconografia de desenhos da flora do Povo Tux (Cartografia Social/2008).

    3 Conjunto de informaes que retratam a nomeclatura das substncias, dos medicamentos bsicos (BRASIL, FarmacopiaBrasileira, 2010).

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  • O USO DAS PLANTAS MEDICINAIS PELO POVO TUX`

    Planta medicinal todo vegetal que contm em um dos seus rgos, ou em todaplanta, substncias que podem ser empregadas com fins teraputicos. Que possuauma propriedade real ou imaginria, aproveitada pela comunidade para um ou maisfins especficos de cura. E empregada na preveno, tratamento, na cura de distrbiofsico ou espiritual. (AMOROZO & GELY, 1998).

    As Caatingas so ambientes que possuem uma rica diversidade de plantas medicinais,compostas por vrias espcies endmicas, ou seja, que s existe neste bioma. Porm,este ambiente encontra-se bastante alterado, devido ao mau uso desses bens naturais,tais como: queimadas, desmatamento, substituio da mata nativa por rea de cultivoe pastagens, que trazem como consequncias irreparveis perdas para essepatrimnio gentico. A exemplo, da barana e aroeira

    encontram-se na lista de espcies ameaadas de extino.

    Baseados em estudos realizados junto aos povos indgenas na Amaznia, Posey(1997) observou que as informaes referentes aos complexos ecossistemas e aomodo de explorao dos bens naturais encontram-se direta ou indiretamenteexpressas nos mitos e rituais dos grupos indgenas da regio. No caso Tux, no diferente. Sua cultura

    (chinopsis brasiliensis)

    (Myracrodruon urundeuva)

    vivenciada numa relao simbitica entre a natureza dasCaatingas e suas prticas ritualsticas.

    Ao longo de sua histria, os Povos Indgenas do Rio So Francisco se desenvolveramnesta interao junto aos ecossistemas. Adquiriram tcnicas de uso e manejos da floramedicinal. Aprenderam a conviver com o ambiente e sua diversidade biolgica eecolgica. E estas relaes de conexo com a natureza garantiram-lhes o domnio doconhecimento do patrimnio gentico vegetal.

    O Povo Indgena Tux, situado margem direita do Submdio So Francisco, emRodelas na Bahia ! Brasil, viveu envolvido com um ambiente favorvel entre o Rio eas Caatingas do Semirido. Adquiriu a cincia da flora e fauna desses ecossistemas econstruiu um modo de vida transmitido ancestralmente.

    Segundo Mark Plotkin (2008), ningum entende melhor os segredos das plantas doque os xams indgenas ! homens e mulheres pajs, que tem desenvolvido umimenso conhecimento desta biblioteca que se chama flora, que so verdadeiras"farmcias vivas# para curar os seus males, tanto fsico como espiritual. Mas, como asprprias florestas, o conhecimento destes mgicos da botnica est rapidamentedesaparecendo, devido ao desmatamento e a transformao cultural profunda entreas geraes mais jovens. E a construo dos barramentos hidreltricos, em nome dodesenvolvimento, gerou, para o Povo Indgena Tux, mudanas sociais, culturais,

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  • econmicas e ambientais, causando profundos prejuzos; submergindo as suas ilhas emargens, interrompendo atividades agrcolas, religiosas e culturais, como no caso deplantas medicinais, navegao, caa e pesca que faziam parte da constituio de suaidentidade tnica. Sobre isso, atesta o Paj Armando Tux, referindo-se a perda deseu territrio tnico:

    que esses conhecimentos consistem num aparato cognoscitivoextremamente complexo e ressalta.

    Almeida (2003) ressalta que o conhecimento botnico desenvolvido por qualquersociedade, alia mitos, divindades, espritos, cantos, danas e ritos, havendo perfeitainterao entre o simblico, o natural (botnico) e o cultural, onde o natural esobrenatural fazem parte de uma nica realidade. Esses elementos constitutivos daidentidade Tux, so comprometidos com o impacto negativo dessas obras.

    Identificando-se como "Tribo Tux, Nao Prok, Caboclo Arco e Flecha e Marac#,constitui-se uma das ltimas etnias reunidas a partir do sculo XVII nas vriasmisses que se estabeleceram ao longo do curso do Submdio So Francisco. Filhosdos antigos ndios rodeleiros que viveram naquela regio, h muitos anos, suapopulao atual de 995 indivduos, divididos em 214 famlias, sendo que apopulao est de acordo com o gnero em 507 homens e 488 mulheres(MARQUES, 2008).

    Tivemos perda da nossa sabedoria, das explicaes perdidas da fonteque transmitia toda verdade. Toda cincia para ns era aquela ilha(Surubabel). Com essa mudana ns perdemos muitas coisas, pois foi londe foi gerado os nossos antepassados. Era por l que eles passavamtodos os dias. L era onde a gente vivia e tinha toda fora e todo poder:no p da juremeira, do juazeiro, umbuzeiro, nos ps de paus, onde agente enterrava os cachimbos no p da jurema. (PAJ ARMANDOapud MARQUES, 2008).

    Eles no se restringem a um mero repertrio de ervas medicinaltampouco consistem numa listagem de espcies vegetais, elescompreendem as frmulas sofisticadas, o receiturio, e os respectivosprocedimentos para realizar transformaes, respondem as indagaesde como determinada erva coletada, tratada e transformada em umprocesso de fuso. (ALMEIDA, 2004).

    Os Tux, como afirma Marques (2008), so conhecidos por outros Povos Indgenascomo "conhecedores da cincia#, porque possuam grandes sabedorias dos segredossagrados da religio indgena e de seu ambiente. Alfredo Wagner Berno de Almeida(2004) aborda

    O POVO TUX` NA CONEXO COM O SAGRADO E OS RITUAIS DECURA

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  • Mapa do Territrio Tux (Cartografia Social/2008)

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  • O Povo Tux resistiu ao extermnio e a penetrao pecuarista no Nordeste,sendo que viviam em mais de 30 ilhas no rio So Francisco. A construo dabarragem da hidreltrica de Itaparica em 1988, inundou sua aldeia, e foramtransferidos para trs reas distintas: Nova cidade de Rodelas, Ibotirama e Inaj(SAMPAIO-SILVA, 1997). A perda de seu territrio tnico ocorresistematicamente, desde os processos de colonizao, perpassando por vriosconflitos de domnio territoriais por parte de grandes latifndios, seguindo pelaconstruo dos g