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  • DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO ESTADO DE S. PAULO

    SECRETARIA DA EDUCAO

    NOES DEPALEOGRAFIA

    POR

    UBIRAJARA DOLCIO MENDES

    SSo Paulo

    1953

  • NOES DEPALEOGRAFIA

    MM

  • DEPARTAMENTO DO ARQUIVO DO ESTADO DE S. PAULO

    SECRETARIA DA EDUCAO

    NOES DEPALEOGRAFIA

    POR

    UBIRAJARA DOLCIO MENDES

    So Paulo

    1953

  • DO MESMO AUTOR

    ""A Guerra Qumica" Publicado em "Armas em Revista" (S. Pauioj n^s. de agosto e setembro de 1938.

    "O decrscimo nos coeficientes de natalidade no Estado de So Paulo" Publicado no Boletim do Departamento Estadual de Estatstica abril de 1942.

    "Aproveitamento econmico do Rio Tiet" Departamento Estadualde Estatstica dezembro de 1947.

    "Produzir mais : remdio contra a inflao" Conselho de ExpansoEconmica abril de 1948.

    "Breve Histrico do Arquivo" Departamento do Arciuiv. do Estado(S. Paulo) fevereiro de 1952.

    "Evoluo das Escritas Tipos Caligrficos" Departamento do Ar-

    quivo do Estado (S. Paulo) fevereiro de 1953.

    "Material da Escrita" Departamento do Arquivo do Estado (S. Pau-lo) fevereiro de 1953.

    "A Paleografia e suas dificuldades" Departamento do Arquivo doEstado (S. Paulo) fevereiro de 1953.

    "A F.E.B., Embaixada de amizade" Departamento do Arquivo doEstado (S. Paulo) setembro de 1953.

    Em colaborao

    :

    "Depoimento de Oficiais da Reserva sbre a F.E.B." {com mais 15oficiais) 3." Edio Ed. Cobraci 1952.

    ^'Verbos Ingleses" (com Carlos Kehdy) Ed. Brasil setembro de1952.

  • NOTA PRVIA

    Em fins de 1952, quando na direo do Departamentodo Arquivo do Estado, o autor dste trabalho, dr. UbirajaraDolcio Mendes, realizou um Curso Livre de Paleografia,contando integralmente com o aplauso de todos aqules quese interessam pelo assunto. Ns estvamos entre stes. Sa-bemos das dificuldades encontradas, das lutas que teve deenfrentar para levar a cabo to til quo necessrio empre-

    endimento. Os resultados, porm, foram plenamente com-pensadores; o xito ultrapassou mesmo as melhores expecta-

    tivas, pois o curso obteve mais de duas centenas de inscries

    e uma frequncia mdia de 170 alunos.

    Tal sucesso, raro, rarssimo mesmo, em se tratando de

    uma especializao to pouco conhecida e estudada em nosso

    meio e, tambm, levando-se em conta a falta que nos fa-zem bons palegrafos induziu-nos a pensar em novo curso,

    desta vez, porm, dando-lhe as caractersticas de avanado,

    isto , dedicando-o queles que j tenham algumas noes

    da matria. E, para no limitar as inscries apenas aos

    que acompanharam e concluram o primeiro, o Departamen-

    to do Arquivo resolveu dar a lume ste trabalho, que tem

    por escopo servir de base elementar aos alunos que se ini-

    ciam no interessantssimo estudo da Paleografia.

    So Paulo, outubro de 1953.

    Jos Soares de Souza

    Diretor.

  • APRESENTAOO autor deve confessar, antes de mais nada, que no

    deseja o. ttulo de palegrafo. A paleografia, a seu ver, uma arte que demanda prtica constante e ateno quaseexclusiva. Para isso, preciso que o estudioso dessa espe-cialidade dedique a totalidade de seu tempo ao servio com-parativo de letras, anlise de tipos caligrficos e ao cons-tante manuseio de documentos antigos. Tendo de tratar,paralelamente, de atividades outras, evidente que o autorno poder, jamais, ser um palegrafo, na acepo do trmo.

    Porque, ento, se abalanou a escrever ste trabalho?perguntar-se-.

    E o autor responder:Mero desejo de juntar a sua modesta colaborao para

    que os estudos de histria, em nossa terra, se baseiem cadavez mais nos originais dos documentos antigos.

    Se lhe fsse permitido adotar uma classificao de tom

    jocoso, evidentemente sem desrespeito a ningum, diria oautor que h dois tipos de historiadores: os de primeira eos de segunda gua. Os de primeira gua seriam aquelesque se vo abeberar nas fontes verdadeiras: os documentosantigos, cuidadosamente conservados pelos arquivos e biblio-

    tecas. Os de segunda gua seriam os historiadores que, ba-

    seados nas afirmativas dos de primeira gua, repetem os con-

    ceitos exfMDstos por stes ou, vista do exp>endido por les,

    tiram novas concluses.

    Ora. O sr. Jos da Silva um grande historiador. Con-ciencioso, cuidadoso e profundo. Pesquisa sempre, revolve

    os arquivos, busca constantemente estar bem amparado por

    7

  • documentao fidedigna. Tem dezenas de trabalhos publi-cados e seu nome citado aqui e no exterior como o de um

    mestre. E, nessas condies, as suas obras so usadas como

    fonte para a feitura de outros volumes de histria.

    Mas o sr. Jos da Silva historiador de primeira gua no Deus. No infalivel, portanto. Embora cuida-doso, embora meticuloso em seus estudos, poder ocasional-mente se ter enganado na leitura de um documento. Umaletra "s" que tomou por "f", um Paulo que leu Saulo, e suas

    concluses j no correspondem inteiramente verdade. Poroutro lado, ainda lendo corretamente o documento, podert-lo interpretado imperfeitamente. Nem por isso, claro,deixar de ser o mestre venerado. E, como todo verdadeiro

    homem de cincia, descoberto o rro, procurar corrigi-lo,sem que com isso perca em autoridade ou dignidade.

    Acontece entretanto que, at perceber-se o engano, ste

    j foi repetido por dezenas de outros historiadores os de

    segunda gua e concluses outras se basearam no rro.Consequncia: o rro acaba sendo considerado verdade his-trica.

    Os historiadores conhecem inmeros casos desses. Porvezes, at, para desfazer um engano simples, milhares de p-

    ginas tm de ser escritas. E nem sempre se consegue comsucesso repr as coisas nos seus devidos lugares.

    Meramente para citar um exemplo: certo historiador

    por sinal muito respeitado entre os pesquisadores de nossahistria ptria cr que em documento existente no arquivode uma congregao religiosa se possa ler a palavra "S. Pau-

    lo", referindo-se nossa cidade, em data anterior a 1554.

    Outros historiadores analisaram o documento e concluiramque a palavra ali existente no "S. Paulo". Mas a dvidaficou e, s vsperas do 4. centenrio da fundao da cidade,ainda se discute se S. Paulo foi realmente fundada ou noem 25 de janeiro de 1554.

  • Muitas dvidas histricas no surgiriam, ou morreriamno nascedouro, se maior nmero de historiadores se valessedos preciosos arquivos que possumos.

    Mas a s meno de papel velho, bichado ou amareladopelo tempo, assusta muita gente e j produz comiches psi-colgicos. Decifrar cdices e cartapcios com efeito can-sativo. No , porm, to difcil ou complicado como geral-mente se pensa.

    E essa a finalidade precpua dste livro. Procurarmteressar nossa gente na leitura dos nossos papis velhos,buscando mostrar, ao mesmo passo, que no h necessidadede "decifr-los". Com prtica, a leitura dos documentos an-tigos passa a ser quase corrente. E um mundo de perspec-tivas interessantes se abre para os historiadores ao consul-

    tarem os cdices muitos dles ainda no publicados

    conservados nos arquivos, quer pblicos quer particulares.

    Com a mesma finalidade dste livro, criou o Departa-mento do Arquivo do Estado um "Curso Livre de Paleogra-

    fia", cujas aulas estiveram a cargo dos srs. Drs. Amrico deMoura, Tito Lvio Ferreira, Antnio Paulino de Almeida,

    Bueno de Azevedo Filho, Phillipe Wolff, Carlos da Silveira,Lvio Gomide e Affonso E. Taunay. O autor teve a honrade dar tambm a sua apagada contribuio.

    O xito dsse curso, com mais de 200 inscries, mos-trou o intersse que a Paleografia pode despertar. E foiexclusivamente o que encorajou o autor na feitura destaobra. Pouco ou nada haver de original neste trabalho.

    Tudo o que aqui se expe pode ser encontrado nos tratadosda matria, citados na bibliografia do fim do volume. Se

    algum mrito puder ter o autor do presente livro ser apenas

    o de haver procurado sintetizar o que pde encontrar sbre o

    assunto, porque a sua contribuio pessoal ter sido, se no

    nula, provavelmente de pouca ou nenhuma valia.

    So Paulo, setembro de 1953

    U.D.M.

    _ 9 _

  • IPALEOGRAFIA DEFINIO E GENERALIDADES

    Pela etimologia da palavra tm-se de imediato o seusignificado: paleos == antigo; graphein = escrever. Paleo-grafia , portanto, escrita antiga, ou seja, o estudo da escritaantiga.

    Os autores, com variantes apenas na maneira de expora idia, bsicamente definem a paleografia como sendo a de-cifrao dos documentos antigos. Assim, Maurice Prou dizque:

    "Paleografia a cincia das antigas escritas, que tempor objeto a decifrao dos escritos da Antiguidade e daIdade Mdia".

    D. Jesus Munoz y Rivero define a paleografia comosendo:

    "A cincia da decifrao dos manuscritos, tendo em con-siderao as vicissitudes sofridas pela escrita em todos os s-culos e naes, seja qual fr a matria em que ela aparea".

    Salomon Reinach diz:

    "A Paleografia a cincia da decifrao dos manus-critos".

    E Agustin Millares Carlo:"Paleografia a cincia que trata do conhecimento e

    interpretao das escritas antigas e que estuda as suas ori-gens e evoluo".

    A nosso ver poderamos simplesmente dizer que: "APaleografia a arte de ler documentos antigos". Esta de-finio, conquanto mais curta, no tem limitaes e, dssemodo, abrange tudo quanto se refere matria. Na arte deler o documento antigo estariam englobados a capacidadede superar as vicissitudes sofridas pela escrita, a interpreta-o desta, o conhecimento de sua origem, evoluo e poca.

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    -

  • Paleografia e epigratia

  • Dizem les que a Paleografia estuda apenas os carac-teres extrnsecos dos documentos: as letras com que so escri-tos. A Diplomtica estuda o contedo. A Paleografia l,decifra o documento; a Diplomtica interpreta-o e julga so-bre a sua autenticidade e veracidade. Chega-se a dizer que"a paleografia estuda o corpo do documento; a diplomtica,a alma".

    Entendemos que isso no passa de exagro de especia-lizao. No possvel, lendo um documento, separar-se asua parte extrnseca, as letras com que foi escrito, do seu teorintrnseco: a idia. Grande nmero de vzes o palegrafo,para poder decifrar o documento, se vale de textos seme-lhantes, para comparao; do sentido provvel da frase; dasequncia natural de um trecho; de frmulas comuns a de-

    terminadas pocas. As letras, e o pensamento por elas trans-

    mitido, so pois inseparveis.

    O prprio palegrafo obrigado anlise e crticadaquilo que l. Se assim no agir, far face, por vzes, a

    trechos incompreensveis ou absurdos. No h dvida que,

    aps lido um documento, possvel a crtica do teor do mes-

    mo por outrem, que no o palegrafo. sse outrem, eviden-temente, no estaria fazendo paleografia. Estaria fazendo a

    crtica luz da histria, luz da lgica, ou por comparao

    com outros textos. Mas nada mais que isso porque, sem re-

    correr ao documento original, sem fazer paleografia portanto,

    no pode o crtico saber se o rro se rro houver in-

    trnseco no documento, se rro de leitura, se rro de inter-

    pretao. sse simples trabalho crtico no deve compor-

    tar um nome to pomposo Diplomtica e ser conside-

    rado cincia aparte. Acrescente-se que o verdadeiro critico

    tem de valer-se do original, se quiser ter certeza do que afir-

    ma, at mesmo quando sua finalidade seja a verificao da

    autenticidade do documento. Nessas condies, a nosso ver. o

    13

  • mais que se pode aceitar, dando crtica documental um

    nome diferente, a existncia de uma paleografia diplom-

    tica.

    Paleografias nacionais

    Costumam os autores denominar a leitura dos manus-critos antigos segundo as naes ou povos que deram origemaos documentos. Teriamos assim:

    1 Paleografia grega.

    2 Paleografia latina.

    3 Paleografias orientais.

    4 Paleografias francesa, espanhola, italiana, portu-

    guesa, etc.

    Entre ns, com referncia aos documentos dos primei-

    ros sculos de nossa colonizao, deveriamos ter uma Paleo-

    grafia Brasileira.

    No so dessa opinio alguns dos mais assduos leitoresdos nossos documentos antigos, entre os quais podemos citaro historiador Afonso E. Taunay e o genealogista Carlos da

    Silveira. Alegam stes que nossa documentao ainda

    muito recente, e de relativamente fcil leitura, para merecer

    o nome de Paleografia Brasileira. No discutiremos. Mas,considerando em primeiro lugar que certas caractersticas

    dificultantes da leitura (traas, amarelido do papel, descora-

    mento da tinta, etc.) so, nos nossos documentos, iguais s

    que se oferecem aos europeus, e, em segundo lugar, como

    meio de identificao dos nossos cdices, separando-os dos

    de outra origem, somos pela denominao Paleografia Bra-sile:rc.

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  • Relaes entre a paleografia e outras cincias

    Relaes entre a Paleografia e a Histria As rela-es so evidentes. Da leitura de documentos antigos quederiva a Histria. A prova dos fatos, tais como se deram, constituda por uma carta que ficou, uma escritura de terras,um relatrio apresentado, um comunicado feito, um inven-trio. A Paleografia ler sses documentos; a Histria nlesencontrar as bases, os porqus e o encaminhamento de cadasucesso histrico. Sem a Paleografia, a Histria seria apenasum amontoado de suposies ou um desfiar enorme de nar-rativas transmitidas pela tradio oral.

    Relaes entre a Paleografia e a Filologia Ao estu-dar-se uma lingua, suas caractersticas hodiernas, sua sintaxe

    atual, no podemos deixar de lado a indagao de como che-gou a lngua ao estado presente. Faz-se necessrio, ento,

    voltar atrs, no tempo, afim de descobrir as vrias transfor-

    maes por que passou aquele idioma. E a entra a Paleo-grafia, auxiliando o fillogo a decifrar as mltiplas particula-

    ridades da escrita, possibilitando assim o estudo dos vrios

    estgios da lngua, com as variaes sofridas por cada pala-

    vra, com as alteraes no sentido das frases, com o cambia-

    m^nto paulatino da sintaxe. Acreditamos poder afirmar

    com segurana que, sem a Paleografia como auxiliar, dificil-

    mente se compreenderia a existncia da Filologia.

    Relaes entre a Paleografia e o Direito Tais rela-

    es so facilmente deduzveis quando se trata de investigar

    a histria das leis. O Direito Romano, tronco robusto detda a legislao atual, s pde ser estudado atravs da do-

    cumentao deixada. E o palegrafo foi chamado a intervir

    na decifrao dos textos.

    Mas, independentemente da histria das leis, mltiplos

    casos h em que a paleografia vem em auxlio do jurista:

    leitura de testamentos antigos, direitos herana, registro

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  • de terrenos, feitos h sculos mas que entram hoje em lit-gio, etc. Foi graas leitura de documentos existentes noArquivo do Estado de S. Paulo que se decidiram as questesde limites entre S. Paulo e Minas.

    Relaes entre a Paleografia e as Cincias em geral

    Desde Hipcrates, ou mesmo antes dle, as tentativas decura das vrias molstias, os medicamentos usados e os re-sultados obtidos vm sendo anotados em documentos espar-sos; os antigos alquimistas tomavam nota de suas experin-cias; a astrologia conservava, por escrito, as observaes efe-

    tuadas. Buscando aproveitar o que, de bom, foi feito pelosantigos, e evitar os rros cometidos, assim progridem as cin-

    cias. A paleografia, com a decifrao dos documentos dei-xados, contribue dsse modo para o progresso da humanidade.

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  • II

    EVOLUO DAS ESCRITAS

    Desde que o homem um animal gregrio, v-se obri-gado a todo o momento a transmitir suas idias a seus seme-lhantes. E isso se deu, bem de ver, desde os primrdiosda existncia da humanidade.

    A princpio, os primeiros ancestrais do homo sapienstero transmitido seus pensamentos atravs do grito, do gru-nhido, do ronco. Sons stes que, em breve, se transforma-riam na palavra articulada. Mas a palavra falada apenascomunicava as idias aos presentes, isto , aos semelhantesque se encontravam nas proximidades e no instante mesmoda emisso da voz. Como transmitir a idia aos ausentes,isto , aos que no se encontravam nas cercanias? E comopreservar a palavra, de modo que a idia resistisse ao tempo?

    Ter sido, talvez, por observao direta da prpria na-tureza que o ente humano teve a idia de como fixar no tem-po o seu pensamento. Quando um animal, ou o prprio ho-mem, passava por um terreno mole, deixava impresso no

    slo plstico o seu p. O barro secava pela ao do calorsolar. E a pegada ali permanecia por muito tempo, sm-bolo mudo, mas eloquente, da passagem do ser vivo pelolocal.

    Aquela pegada impressa no barro endurecido e que

    subsistia por muito tempo deu ao homem a idia inicial decomo deixar gravadas suas idias. Seus primeiros desenhos,

    rsticos ainda, imperfeitos, foram traados no barro, matria

    fcil de ser encontrada, riscvel at com o dedo. S mais

    tarde, aos poucos, que o homem primitivo passou a dese-nhar sbre materiais mais duros, mais resistentes ao tempo,

    como a madeira, os ossos, a pedra.

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  • Mas, voltando ainda pegada, humana ou de animal,impressa nc barro. Essa pegada no era o homem, no erao animal. Mas, sem embargo disso, representava-o. Indi-

    cava, ou, mais que isso, era a demonstrao evidente de sua

    passagem pelo local.

    Dsse modo, se o barro j tinha dado ao homem primi-tivo a idia da representao pictrica das coisas, a pegada

    em si lhe ter sugerido a possibilidade de representar um

    ser por apenas uma das suas partes. Em vez de desenharum homem inteiro, bastaria a mo, ou um p, para simbo-liz-lo.

    Assim tero nascido, por certo, os smbolos grficos. evidente que a coisa no se passou to simplesmente como

    se poder imaginar pelo que foi dito at aqui. Os sculos e,mesmo, os milnios tiveram de passar por sbre o ser hu-

    mano, antes que ste alcanasse ao atual estgio de sua es-

    crita.

    Embora parea paradoxal, um grande auxiliar do pro-gresso humano a preguia. ela que sugeriu ao homema utilizao dos animais, de modo a transferir para stes oesforo fsico que suas tarefas exigiam; ela que ps fer-

    mento na imaginao do homo sapiens, dando-lhe a idia daroda, da alavanca, das mquinas, sempre com o fito de pou-par trabalho; a ela que se deve a simplificao dos dese-

    nhos primitivos, possibilitando a escrita atual.

    Os desenhos do homem das cavernas, medida que aprtica do desenhista aumenta, tendem a aperfeioar-se emdois sentidos: ou evolue no espao, isto , desenvolve-se tri-

    dimensionalmente e nesse caso tm incio as representa-es escultricas; ou aperfeia-se no plano, com duas dimen-

    ses apenas, e busca em breve a simplificao para eco-

    nomia de esforo. Dessa simplificao que resulta que

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  • um touro, por exemplo, se reduz a umas poucas linhas: o cor-po, 4 pernas, a cauda e os chifres.

    (fig. 1)

    Um homem acaba simbolizado unicamente pela cabea,tronco, braos e pernas, em traos simples, tal como as crian-as o desenham:

    Assim se originaram os sistemas de escrita. O desenhoprimitivo, integral, se vai simplificando, ou, melhor dizendo,

    se vai desgastando, dando em resultado uma representaosimblica j suficiente para a expresso de idias.

    Exemplo disso nos tempos atuais o alfabeto japons,que ainda conserva muito dos desenhos primitivos que lhe

    deram origem. Meramente a ttulo ilustrativo, vejamos osmbolo representativo de mulher, em japons (on):

    evidente que sse desenho no tem semelhana al-guma com um ser humano do sexo feminino. Mas, conhe-

    cido o fato de que as japonesas costumam usar, com seu ves-turio tradicional, um penteado sui-generis, no qual espetam

    um ou mais grandes grampos:

    (fig. 2)

    (fig. 3)

  • Com um pouco de imaginao pode-se perfeitamentesupor que tenha sido esta a origem do ideograma on, atra-vs de lento mas constante desgaste:

    (fig- 5)

    Caminho idntico seguiu o alfabeto.O nosso alfabeto originrio do Egito. Foi nesse pais

    do Mediterrneo que surgiu a escrita hieroglifica, constituda

    de ideogramas. Mais tarde, ainda no prprio Egito, j ha-via duas escritas paralelas: a hieroglifica na sua forma pura,

    ou na sua forma cursiva a hiertica usada apenas pelos

    sacerdotes, e a que se intitulou demtica, utilizada pela mas-

    sa dos que sabiam escrever. Esta j era simplificada e maiscorrente. E ela que, atravs variaes adicionais feitaspelos semitas e pelos gregos, chega finalmente a ns, trans-

    formando-se no alfabeto ocidental moderno.

    guisa de ilustrao, para verificarmos como o desgastepelo uso ou a simplificao pela preguia altera len-

    tamente os desenhos, podemos lembrar o caso da letra M.Esta nasceu da representao integral de uma coruja oumocho que, no egpcio antigo se dizia mulak. E, por con-

    tnuo desgaste, resultou no nosso M, atravs do grego

    (que se l mu). Quem tenha um pouco de imaginao ain-da pode ver, no nosso M atual, resqucios do desenho inicialdo mocho egpcio.

    Desgastes dessa espcie sofreram todas as letras. A pe-dra de Roseta, hoje no Museu Britnico, decifrada por Cham-pollion, serviu de base ao estudo dessas alteraes. O sbiofrancs nela descobriu que uma guia representava o A, umaperna e um p representavam o B, uma serpente com cor--nichos o F, ua mo o T, um frango o U, e assim por diante.

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  • H trabalhos que mostram as sucessivas alteraes por quepassaram os antigos hierglifos at que fsse alcanado o es-tado atual de cada letra de nosso alfabeto. Ex.:

    A 2^ ^ A AHierglifo Hiertico Fen c- Grego Romaiio Coluna Trajano-

    (4500-500 A. C.) (900-600 A. C.) '800-300 A. C.) (700 A.Cj (114 da nossa(200 D.C.) era)

    (Hg. 6)

    Em resumo, pode-se dizer que todas as letras passarampor trs estgios, na sua formao:

    1. O estdio do ideograma.

    Neste estgio, a escrita se compe de figuras inteiras,a princpio cpias mais ou menos fiis dos objetos represen-tados. Lentamente, as figuras evoluem, simplificando-se,

    mas sempre lembrando o desenho inicial. Os ideogramaspodero ser, tambm, formaes pictricas, com o fim desugerir idias abstratas. Um crculo rodeado de traos irra-diantes poder representar o sol, a luz, ou o brilho; uma cruz

    poder indicar o ob.jeto concreto ou simbolizar o sofrimento,o martrio ou a f. Entre ns tais smbolos no se usam na

    escrita comum. Mas em outros povos ainda se encontram

    exerhplos de idias abstratas representadas por ideogramas.

    A idia de cu em japons (s-l) tem como smbolo gr-fico um desenho perfeitamente explicvel:

    (fig 7)

    Tudo indica, a, a inteno de simbolizar-se uma rvore

    sbre uma linha horizontal (o slo). E, l em cima, o trao-

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  • de cobertura: a abbada celeste. Autores h que acreditamque vrios dos caracteres da numerao romana no passamde antigos ideogramas: I, II, III poderiam ser consideradoscomo a representao dos dedos, indicando as quantidades.

    O V seria, possivelmente, a simplificao da figura formadapela mo, com os quatro dedos juntos e o polegar afastado.O IV e o VI seriam a mo, com a diminuio ou acrscimode um dedo. Ainda hodiernamente se encontram aplicaesde ideogramas. Exemplos: os smbolos usados para repre-sentar os planetas e signos do Zodaco; os sinais de igualdade

    ( ), multiplicado por (x), dividido por (-^) e outros mui-tos, utilizados na matemtica; os sinais de pontuao como? e ! (interrogao e admirao); os sinais das placas dotrnsito, indicando "lombada", "cruzamento", "curva em de-clive"; o simbolismo mdico para indicar "macho" ou "ga-meta masculino" ( P ) e "fmea" ou "gameta feminino"( 9 ); etc.

    2. O estgio do onograma.O fonograma pode ser considerado como uma quase

    consequncia lgica da evoluo do ideograma. Assim comoste se simplifica com o tempo, tambm os sons por le re-presentados se podem abreviar. Dsse modo, o ideogramaque representasse a palavra casa, por exemplo, acabaria sen-

    do usado para simbolizar apenas a primeira slaba dessa pa-lavra. Supondo-se que o mesmo acontecesse com os ideo-

    gramas representativos de remo e gato, fcil seria escrever-

    mos a palavra carrega, reunindo-se os ideogramas de casa,remo e gato. Os ideogramas, simplificados por certo, j no

    representariam ideias mas apenas os sons iniciais das pala-

    vras. Teriam passado, portanto, a fonogramas. O fono-grama , pois, a representao de um som. A taquigrafiamoderna usa sinais que, em vez de representarem as letrasisoladas, como na escrita comum, representam slabas ou

    sons. Tais sinais so verdadeiros fonogramas, portanto.

    22

  • Certas abreviaturas atuais poderiam, por extenso ideolgi-ca, ser consideradas fonogramas: S. equivalente a So; S/equivalente a seu, sua; Pg. (p no lugar de pa e g no lugarde go); q. = que (abreviatura muito usada pelos estudan-tes, ao tomarem notas de aula); R = rua.

    OBSERVAO:nem todas as abreviaturas, entretanto poderiam

    ser consideradas fonogramas. C/C, por exemplo, no sentido de "ContasCorrentes", CIF cash, insurance e freigh), A/C (=aos cuidadosde) e outras muitas, no representam sons e, sim, palavras completas,com dois e mais sons. Mas, ainda por extenso ideolgica (pois nose trata de desenhos, mas j letras definidas), poderiam classificar-seentre os ideogramas.

    3. O estgio da letra. o captulo final da evoluo da escrita. De sinttico

    que era o desenho, representando o objeto por inteiro, re-duz-se o seu simbolismo apenas primeira slaba, a um som,para finalmente passar representao dos sons elementares,com os quais se podem formar as palavras. o final anal-tico. a letra. As letras do alfabeto so, pois, fonogramasque, aps longo processo de desgaste, chegaram a um extre-mo de simplificao, tanto na frma como no valor.

    Alm do desgaste, outros fatores colaboraram para oatual aspecto de cada letra: o material usado na escrita, odesejo de escrever mais depressa e a fantasia dos copistas.

    O material usado influiu no arredondamento e no sen-tido do tracejado das letras. Quando se escrevia com umestilete, sobre matrias duras como os metais, madeira oumrmore, os traos retos predominavam, pela maior facili-dade de sua escavao no material rijo. Quando o papiro,o pergaminho e o papel substituem aquelas bases da escritae o estilete cede lugar pena, as letras comeam a arredon-

    dar-se, os traos curvos se sucedem aos retos. Alm disso,sendo a pena biselada e fendida para maior fluidez da tmta

    sobre o papel, as letras so mais facilmente escritas puxan-

    do-se a pena, isto , fazendo-se os riscos de cima para baixo

    fato que vem colaborar para a alterao da frma das letras.

    23

  • o desejo de escrever mais depressa provoca o no le-vantamento da pena de sbre a superfcie do papel. Dssemodo as letras se vo, aos poucos, ligando umas s outras naescrita cursiva. E mudando de frma, consequentemente,por lhe serem adicionados os traos de ligao.

    Finalmente, a fantasia dos copistas tambm imprimiualteraes de vrios tipos no desenho das letras. Com ainteno de embelezar a cpia feita e assim valorizar o seutrabalho, cada escriba enfeitava as letras acrescentando-lhe

    caudas inteis, pontas recurvadas, floreios, alas, sinuosida-

    des, etc. Isso tudo influiu, com maior ou menor intensida-de, na frma das letras, dando em resultado o estado atualde cada uma delas.

    24

  • III

    TIPOS CALIGRFICOS

    Sob o ttulo de "tipos caligrficos" (de Kalos = beloe Graphein '= escrever) ou de "tipos de escrita" podemosenglobar o estudo das vrias modificaes por que foi pas-sando a escrita, dando em resultado o sistema hoje correnteentre ns. Certo que, para uma anlise acurada, deve-ramos retrogradar nossa pesquisa at o alfabeto grego ouo fencio. Levando em conta, entretanto, que os atuais al-fabetos ocidentais derivaram da frma latina, neste pontoque iniciaremos o nosso estudo.

    O alfabeto latino provio do grego e constava de apenas21 letras, sendo o X a ltima delas. As letras J e U noexistiam. O I representava os sons de I e J; e o V os sonsde U e V. Pela poca de Cicero (106 a 46 A.C. ) a intro-duo de vrias palavras gregas tornou necessria a adoo

    das letras Y e Z, o que elevou a 23 o nmero de smbolosliterais do alfabeto. S mais tarde que sse nmero passaa 25, quando da criao do U e do J. Os mais antigos do-cumentos latinos de que se tem notcia apresentam as letras

    todas de tamanho idntico. E como tais letras foram, pos-

    teriormente, usadas apenas no incio das frases, ou na parte

    superior dos escritos, intitularam-se capitais (de caput, ca-

    pitis = cabea). No desenho das letras capitais, as linhas

    verticais faziam ngulo reto com as horizontais, razo pela

    qual sse tipo de escrita hoje intitulado de escrita capital

    quadrada. Era, outrossim, cpia fiel do tipo de escrita usa-

    da nos monumentos e nos dsticos escavados na pedra. Da

    o ser conhecida, tambm, pelo nome de escrita capital qua-

    drada lapidaria.

    25

  • Exemplo de escrita capital quadrada:

    (ig. 8)

    A frma dessas letras, como se v, no mais mudou.Para as nossas maisculas hodiernas, que chamamos "tipode imprensa", so ainda as antigas capitais quadradas lati-

    nas que vigoram. Existem nos museus europeus muitosexemplares de papiros e, principalmente, pergaminhos escri-tos com a caligrafia capital quadrada, todos les com datas

    que se podem situar entre os sculos 2. A.C. e 3. D.C.De notar-se, entretanto, que os escribas, buscando escrevermais correntemente, comearam insensivelmente a alteraros caracteres da capital quadrada, encurvando os traos edesobedecendo preciso do encontro de linhas em ngulosretos. Resultou da uma escrita que se denominou capitalrstica. Ex.:

    ljUI\'AQVI>fOjnaVAl5ACIiOfUACDGI(Testaturque deos iterum se ad proelia cogi)

    (fig. 9)

    O tracejado j no to rgido indica por certo a tendn-cia ao arredondamento dos tipos. E isso que se vem adar, efetivamente, produzindo em resultado, j por volta do

    4. ou 5. sculo cristo, uma escrita que se intitulou uncial,

    em virtude supe-se de o arredondamento de certas le-

    26

  • tras se assemelhar unha (ungua, em latim) (1). Hquem creia, tambm, oue tal nome derive de uncia (= po-legar), havendo nesse caso aluso ao tamanho excessivamen-te grande dsse tipo de letras, nos manuscritos. Ex.:

    ReS ro Y^O(fig. 10)

    Os autores costumam realar o fato de que, afra oarredondamento das letras, a escrita uncial ainda quasetotalmente formada de maisculas, provenientes da capitalrstica. Fazem exceo o h e o q, com hastes acima eabaixo do lineamento geral, hastes que indicam pertenceremtais letras j a uma frma minscula. Realmente caracte-rsticas da escrita uncial so apenas as letras a, d, e e m:

    \ e T)Cfig. 11)

    na escrita uncial que se comea a observar a influn-cia da escrita cursiva. Chama-se cursiva a escrita corrente,

    que hoje diramos "manuscrita", em contraposio "de for-ma". A capital quadrada, a capital rstica e a uncial eramusadas para os documentos importantes e para a cpia de

    livros. Constituiriam a letra "de frma", da poca. A cur-siva era a comumente empregada em documentos de menor

    importncia, cartas, notas, etc. Ter sido do cursivo que a

    escrita uncial retirou o seu 0. E fcil compreender qual

    (1) Tratando da escrita uncial, E. M. Thompson, em sua "Pa-leografia", diz: "As palavras de S. Jernimo, tantas ve/.es citadas

    "uncialibus, ut vulgo aiunt, litteris" no prefcio do livro de J, jamaisforam completamente explicadas. No h nenhuma dvida com respeito frma da escrita uncial, mas a etimologia da palavra desconhecida".

    27

  • o caminho seguido, atravs dos tempos, pelo antigo E capi-tal, em virtude do desejo dos copistas de escrever mais de-pressa :

    L E e e e e(fig. 12)

    Tambm se pode retraar a passagem do H maisculoat o uncial e o minsculo cursivo:

    H H W M h k(fig. 13)

    v cx

    Os mais antigos documentos escritos em tipo uncial de-vem situar-se por volta do 4. sculo D.C. E a escrita un-cial se manteve em uso at o sculo 8. de nossa era. Convmnotar que nem sempre os documentos foram desenhados emestilo puro. muito comum encontrarem-se pginas nas quais,de mistura com o uncial, o copista entrosou letras do tipocapital. Alm disso, com o tempo, o cursivo vai cada vezmais influenciando a escrita que diramos "documental" ou

    "livresca", por serem usadas nos documentos e livros. Ecomea a surgir, a partir do 5 ou 6. sculo cristo um tipo

    que j no era uncial, mas ainda no era cursivo. sse tipo

    E o mesmo com a letra A:

    (fig. 14)

    28

  • de escrita se denominou semi-uncial. E foi muito usadoprincipalmente para anotaes marginais ou interlineares,em virtude de poder traar-se em caracteres menores. Decerto modo, para a adoo deste tipo de letra influa tambma crescente dificuldade na obteno de matria base da es-crita: papiro ou pergaminho. Escrevendo com letra menoro copista aproveitava mais o material de que dispunha:

    (fig. 15)

    A partir do 8. sculo comeam a surgir tipos caligri-cos a que se convencionou chamar nacionais, embora todosderivados da escrita latina. Os museus e arquivos europeusguardam enorme cpia de documentos com a classificaode escritas merovingia, longobrdica, visigtica, irlandesa,

    inglesa, pontifcia, etc. Todas elas de maior importncia

    local que geral, considerando que os pases, na poca, bus-

    cavam isolar-se uns dos outros. Importante, entretanto, foi

    o renascimento das letras sob o reinado de Carlos Magnaste renascimento trouxe consigo uma reforma na caligrafia,surgindo ento a chamada minscula carolina ou carolingia

    (de Carolus = Carlos) que grandemente influenciou as de-

    mais escritas nacionais. Considerada elegante, adotou for-

    mas simples e, de certo modo, graciosas; e foi aos poucos

    sendo adotada gradualmente ao ponto de alijar as demais

    escritas. o tipo carolngio que, com pequenas variaes,subsiste valentemente como escrita "livresca" ou "documen-

    tal" at a criao da imprensa. A sua variante principal foi

    a escrita gtica, que surgiu por volta do sculo XII.

    29

  • Exemplo de escrita carolngia

    :

    (quaerere divinum cogitur auxilium)

    (fig. 16)

    Exemplo de escrita gtica

    :

    zattu h lutabit(Pravus homo vitabit)

    (fig. 17)

    Quanto escrita cursiva, no se pode dizer que tenhaformado tipos. A mo mais ou menos prtica do copista,ou a sua fantasia, podiam alterar grandemente a escrita.Alm disso, o cursivo naturalmente se foi modificando con-forme o material da escrita. Quando os documentos tinhampor base uma tboa, e o tracejado era feito a estilete, eraforoso que a frma fosse mais geomtrica, os ngulos firmes.Passando para o papiro e, mais tarde, para o pergaminho, tra-adas as letras com uma pena de ave, as linhas naturalmen-

    te vo tomando formas curvas, os ngulos vo desaparecendoe surge a tendncia para as ligaduras. Apenas para escla-recer nosso pensamento, vejamos um exemplo de cursivaromana, do Sc. I

    :

    (Censiest nam noster)

    (fig. 18)

    30

    /

  • As letras so bem separadas, os traos no tm flexibi-lidade. J no sculo VI as letras so mais unidas, o trace-jado quase todo curvilneo:

    I

    (huius splendedissimae urbis)

    (fig. 19)

    Finalmente no sculo XVI todas as letras so ligadas:

    (fig. 20)

    Os manuscritos apresentavam formas variadas paracada letra, de modo que s a prtica do palegrafo os podedecifrar. Estudaremos mais adiante, ao tratarmos das difi-culdades da leitura paleogrfica, vrios exemplos de cursivo.

    Cabe aqui uma nota a respeito do comprimento dasfrases, nos livros antigos. Como os copistas fossem pagospor linha, fcil era o clculo do preo quando se tratava deversos. Copiando trabalhos em prosa, todavia, cada escribapodia distribuir as letras de modo a obter um maior rendi-mento. Para evitar sse perigo estabeleceu-se o uso de se-

    rem os trabalhos copiados tomando por base o comprimento

    de um verso homrico de tamanho mdio. Isso equivalia a

    aproximadamente 36 letras, ou seja, mais ou menos 16 sla-

    bas. As linhas escritas dentro dessa medida eram chamadas

    31

  • versus ou, em grego, stichoi, donde a denominao de estico-metria a tal sistema de medida. Muitos escribas costuma-vam numerar os stichoi ou versus afim de facilitar a conta-

    gem final para efeito de pagamento do trabalho. Os copis-tas posteriores, ao re-copiarem a obra, j no se preocupa-vam em medir as linhas. Copiavam o texto livremente,acrescentando apenas, nos devidos lugares, os nmeros jempregados pelo escriba do original. Tal numerao, almdsse lado prtico, oferecia ainda a vantagem de permitir acitao precisa do texto: os captulos do livro ficavam divi-didos em versus.

    At hoje certos livros clssicos conservam tal sistemade numerao. A Bblia um exemplo disso, dividida que em livros, captulos e versculos. Mais tarde, os escribaspassaram a numerar os versus apenas de dez em dez ou decem em cem. As poesias passaram a ter numeradas apenasas estrofes, desde que todas tivessem o mesmo nmero deversos. Com a imprensa, afastado o trabalho manual docopista, ficou tambm afastada a necessidade da numeraodas linhas. Hoje, as citaes se fazem atravs da numera-o das pginas, indicando-se a edio da obra.

    32

  • IV

    MATERIAL USADO NA ESCRITA

    No desejo de transmitir a outrem suas idias, o homemutilizou-se a princpio dos materiais que pde encontrar mais

    mo. J vimos, mesmo, que o barro deve ter sido o pri-

    meiro material de que se valeu. S com o tempo que foi

    descobrindo, ou criando, materiais outros com o mesmo fim.

    Estudando sses materiais, entretanto, verificamos ca-

    berem les em duas classes principais: o material destinado

    a permanecer, a conservar a idia exposta, e o material que

    se poderia considerar acessrio, cuja permanncia no entra

    em linha de conta o que servia para gravar a idia. O

    primeiro dles poderemos intitular de base da escrita; o se-

    gundo ser o impressor da escrita.

    Tendo em vista que os trs reinos da natureza foram

    utilizados pelo homem na transmisso de suas idias, englo-

    bemos num quadro sintico, para facilidade de estudo, todos

    os materiais que serviram para a escrita:

    33

  • MATERIAL

    BASE

    Argila, barro

    Terracota, tijolos

    Folhas

    Osso, marfimPedras, mrmore

    f PreciososMetais !

    INo preciosos

    LinhoTabuinhas enceradasCouro

    Papiro

    PergaminhoPapel

    MATERIAL

    IMPRESSOR

    CO+-'

    c

    h

    Graphium (estilete)ClamoPincel

    Grafite (desde o Sc. XI)Pena de ave

    Pena metlica

    Caneta tinteiro

    Caneta esferogrfica

    Preta

    VermelhaOutras cores

    Crisografia

    34

  • 1 Material base

    Como se v por essa chave, foi com a argila como sesupe que o iomem iniciou a descoberta de materiaispara a escrita ou mesmo a descoberta da possibilidade detransmisso da sua idia. A tradio bblica de que o ho-mem foi feito de barro , de certo modo, simblica: teriasido na argila que o esprito humano primeiramente deixouuma impresso definitiva. No barro so deixadas as pri-meiras manifestaes do homo sapiens voluntria, expressa-mente feitas para seus semelhantes. Um machado de silexabandonado numa caverna algo casual, meramente aciden-tal e no deliberadamente deixado pelo homem para marcara sua passagem pelo lugar. Ao passo que os desenhos que

    fazia na argila j tm essa finalidade. J constituem o em-

    brio da idia de se fazer notado pelos semelhantes ou pelos

    psteroS;

    Assim comeou o homem a usar o barro, retirando umaparcela dle do local onde o encontrasse para fazer os seus

    desenhos. Dentro em breve, porm, foi verificando certas

    alteraes na argila utilizada. Por exemplo: assim que trans-

    ferisse para ela um sinal ou desenho, deixando-a no interior

    de sua caverna, aquele pedao de argila secava. Observou

    que o barro sco mantinha por mais tempo o desenho efe-

    tuado, apesar das rachaduras produzidas pela secagem. evidente que lhe surgiu logo no crebro a idia de procurar

    a secagem de toda a argila na qual tivesse desenhado algo.

    Talvez por casualidade, ter deixado algum pedao de barro

    ao sol. Verificou assim que o sol secava mais rapidamente

    a massa e lhe dava um endurecimento maior. O hoim-m

    primitivo ter dsse modo descoberto o cosimento, ao sol, da

    argila. S muito mais tarde que veio a descobrir o que

    hoje chamamos terracota, ou seja, terra cosida: depois da

    descoberta do fogo, claro. Ter descoberto (]ue o barro

    cosido ao fogo, ou ao forno, obtinha uma dureza muito maior.

    35

  • Assim, pois, lentamente, por experincias acidentais

    ou provocadas, que o homem vai adicionando ao seu cabedaljnovos materiais de escrita.

    As folhas de rvore foram tambm utilizadas como ma-terial base para a escrita. No constituem elas matria degrande resistncia ao tempo. Mas foi encontrado no Nepalum manuscrito em folhas, com vrias centenas de anos. AtJioje alguns povos orientais costumam gravar em folhas depalmeiras alguns de seus sortilgios e oraes.

    Das folhas ter o homem passado ao uso da casca des-tacvel das rvores. Os desenhos eram feitos pelo lado in-terno, no liber, porquanto o lado externo normalmente rs-tico. Do nome latino liber derivou o portugus livro.

    Depois disso, comeou o homem a experimentar tam-bm materiais mais resistentes, mais duros. O homem dascavernas, nas suas lutas contra as feras afim de obter ali-

    mento, observava que, aps nutrir-se com carne do animal

    abatido, ficava de posse dos ossos. Os ossos lhe servirampara muitas utilidades. Utilizaram-nos como armas (pu-nhais, tacapes, ponta de flexas), transformaram-nos em ins-

    trumentos (agulhas, espetos, flautas), usaram-nos guisa de

    totens (caveiras, tibias cruzadas), aplicaram-nos mesmocomo enfeites (batoques, penduricalhos, como indgenas dafrica ou de certas ilhas do Pacfico ainda usam). E resol-veram tambm fazer a experincia de representar suas idiassbre os ossos. No importa que fossem ossos chatos ou ci-lndricos, pois ambos serviam igualmente. E nles rabisca-vam. Provavelmente com qualquer pedao de silex de ponta

    aguada.

    Posteriormente verificaram que podiam riscar nas pe-dras soltas, ou nas existentes no fundo de suas covas. E essaa razo pela qual hoje se encontram, nas paredes das caver-nas remanescentes dos perodos paleo e neoltico, desenhos

    ieitos pelo homem dessas pocas.

    36

  • Mais tarde as civilizaes que chegaram a criar sistemasde escrita buscaram materiais outros sbre que pudessemdeixar gravadas suas idias.

    Na antiga civilizao egpcia o homem usou o linho,como base para a escrita. Encontraram-se mmias en\oi-tas em tiras de pano, nas quais havia desenhos pintados.

    Os assrios escreveram em tijolos de terracota empre-gando o alfabeto cuneiforme. Mas sse material era exces-sivamente pesado. No podia ser facilmente transportado.

    Em face disso, natural que o homem procurasse des-cobrir bases de escrita, ou seja, materiais sbre os quais es-crevesse, mas que fossem de fcil obteno e relativamenteleves, de maneira que a idia nles impressa pudesse sertransportada para outro lugar com facilidade. Se o homemj tinha escrito em folhas e cascas de rvores, o passo se-guinte era quase lgico: a utilizao da prpria madeira darvore, talhada em pedaos o menos espessos possvel. Esbre sses pedaos experimentou escrever com qualquerinstrumento duro de extremidade aguada.

    quando entra em cena o graphium, ou estilete.. A gravao com estilete sbre a madeira, no s deman-

    da certo esfro fsico, como no permite grande preciso notrao, tornando a escrita imperfeita. Alguma pessoa tertido a idia de cobrir a madeira com outra matria qualquer,

    mais facilmente gravvel. Nossos psteros tero experimen-

    tado, qui, at mesmo o prprio barro, em camada poucoespssa espalhada sbre a madeira. Que outras tentativastero feito, no poderemos saber. Mas t-las-o feito in-

    meras, por certo. At que algum descobriu que podia dar

    s chapas de madeira um banho de cra. Cra comum, cra

    de abelhas. E foi assim que surgiram as "tabuinhas ence-

    radas". Os latinos as chamavam tabulae ou tabellae cera-

    tae. Em grego: deltos, deltion ou deltidion. Interessante

    37

  • notar que as tabuinhas enceradas foram de uso comum du-rante muito tempo e usadas extensivamente.

    Quando o texto que se desejasse escrever no coubessenuma s tabuinha, juntavam-se duas ou mais delas forman-do uma espcie de volume, costumando-se lig-las pelas bor-das, como hoje fazemos com as pginas dos livros. Quandoduas tabuinhas enceradas eram assim unidas, eram intitula-

    das de dptica. Se fossem trs, trptica. Quatro ou mais,polptica.

    Segundo parece, a trptica deve ter sido a forma de usomais comum das tabuinhas enceradas. Segundo alguns au-tores, as tabuinhas enceradas foram usadas para os servios

    ordinrios da vida, para contas, cartas, apontamentos, exer-ccios escolares, etc. e foram utilizadas at uma poca rela-tivamente recente. Ao que parece, at mesmo nos sculosXI ou XII da era atual ainda tiveram aplicao.

    Entre os romanos o marfim foi algumas vezes emprega-do em lugar das tabuinhas enceradas. Sendo que, neste caso,

    lavores esmeradssimos eram esculpidos sbre o material

    que, assim valorizado, se conservou para os tempos atuais.

    Tambm os metais foram experimentados como basepara a escrita: e no s os preciosos, como o ouro e a prata,

    como tambm os no-preciosos, como o cobre, o chumbo, oestanho ou ligas (bronze, p. ex. ). ste tipo de base de es-crita apresentava os mesmos inconvenientes que j vimosem outros: pso excessivo e dificuldade de ser esculpido.

    Alm da dificuldade de obteno ou preo oneroso. Razespor que foi abandonado.

    Dos documentos escritos em ouro e em prata, em vir-

    tude do seu valor como metais nobres, poucos restaram. Te-

    ro sido fundidos e transformados em jias ou moedas. So

    mais comuns, nos museus epigrficos europeus, os documen-tos escritos em chumbo e bronze.

    38

  • Paralelamente ao uso das tabuinhas enceradas, de ex-tensa aplicao no continente europeu, desenvolveu-se aoSul do Mediterrneo no Egito um outro material basepara a escrita: o papiro.

    O papiro era feito com o caule de uma planta {Cype-rus papyrus) que crescia s margens do Nilo, na regio doDelta e hoje ainda existente na Nbia e na Abissnia. OCyperus papyrus uma espcie de junco, cuja haste alcanacrca de dois metros de altura e coroada por eleganteumbela.

    No se sabe, com preciso, como era feito o papiro. Anica noo que se tem a dada, de modo mais ou menosobscuro, por Plnio. Segundo a descrio por le feita, pa-rece que o mtodo de fabricao era relativamente simples.Cortada a planta, dela se separava a haste. Esta era des-

    feita (aps se lhe extrair a casca) por intermdio de uminstrumento cortante, em lminas longitudinais muito finas

    chamadas phiiyrae ou scissurae. Vrias philyrae eram pos-tas lado a lado sbre uma prancha inclinada at alcanarem

    a largura desejada. Umedecia-se tudo com a gua lodosa

    do Nilo. Transversalmente, colocava-se nova camada de

    philyrae e se submetia o conjunto a uma prensa. Aps isso,

    secava-se ao sol, raspava-se com carapaas speras de mo-

    luscos as irregularidades do lado em que se ia escrever e

    alisava-se com uma esptula de marfim. Estava pronta a

    plagula, ou pgina, de papiro.

    Na utilizao do papiro evidente que, s vezes, o

    assunto exposto poderia demandar mais que o espao ofe-

    recido por uma s plagula. Nesse caso, eram reunidas duas

    ou mais. Surgia a uma dificuldade: como manusear o todo

    formado pelas vrias plagulae? E a questo foi solucionada

    mediante o enrolamento do papiro, para o que eram adicio-

    nados bastes cilndricos, de madeira ou osso, s duas extre-

    midades. Cada basto intitulava-se, em latim, umbilicus e

    39

  • sua finalidade, afora a de facilitar o enrolamento do papiro,era proteger ste material, sabidamente frgil. Nenhumumbilicus chegou at ns, mas aparecem em desenhos dapoca.

    Do Egito, o uso do papiro expandiu-se por todo o mundoocidental. No h documentao a respeito mas, ao queparece, foi introduzido na Europa por volta do sculo III denossa era.

    Vrias eram as vantagens que o papiro apresentava so-bre as tabuinhas enceradas: 1. mais leve que as tabel-lae; 2 mais facilmente manusevel; 3. de mais fcilescrita (pena em vez do estilete); 4. de melhor legibi-lidade (tinta escura sbre fundo claro). Nada mais natural,portanto, que as tabuinhas enceradas fossem, aos poucos,

    caindo em desuso ao ponto de, mais ou menos pelo sculo

    XIV D . C.

    , terem sido completamente abandonadas.

    O papiro contudo, sendo importado do Egito, ficavacaro. Era de difcil obteno. Houve, ento, tentativas no

    sentido de transplantar o seu cultivo para a Europa. Consta

    que um viajante rabe, l pelos fins do sculo X, teria vistoluxuriantes plantaes de papiro nas vizinhanas de Paler-

    mo. Mas tal cultura, j por volta do sculo XV, com a dre-nagem dos rios e pntanos da ilha, desapareceu completa-mente.

    Um outro material que tambm foi usado durante al-gum tempo foi o couro. claro que, abatido um animal eno comida a parte externa, ou seja, a sua pele grossa, serviaela como base para a fixao do pensamento humano. Maso homem no tinha conseguido ainda meios de preservarconvenientemente o couro. De modo que ste ressecava ouapodrecia. Se ressecava, partia-se; se apodrecia, no con-

    vinha t-lo guardado por motivos bvios. Mas aos poucos,no se sabe como, ter o homem descoberto os meios de con-servar sse material, ter descoberto o tanino, extraindo-o

    40

  • de frutos, de cascas de rvore, de nozes, e ter ido, aos pou-cos tambm, melhorando o processo de conservao das pe-les: o curtimento. Entretanto, j por sse tempo o papirohavia tomado o lugar de material precpuo na escrita e con-sequentemente o homem abandonou as tentativas de escre-ver em couro.

    Acontece porm que, pelos arredores do ano 200 A.C.,Ptolomeu, rei do Egito, com cimes da sua biblioteca de Ale-xandria, e temendo que outras bibliotecas lhe pudessem fa-zer sombra, resolveu proibir a exportao de papiros do Egi-

    to para a Europa. Diz a lenda, ou histria, que em Prgamo,o rei da poca, Eumene II, decidiu descobrir um substituto,

    para o papiro, que no era mais importado. E atravs deseus sbios ou pessoalmente no se pde saber ao cer-

    to (2) ter descoberto o meio de conservar couros finos,

    criando assim o pergaminho (de Prgamo). O pergaminhoaos poucos consegue alijar o papiro como material bsico da

    escrita, em virtude das vantagens que apresentava sbre o

    papiro:

    1.a O pergaminho resistia mais ao manuseio cons-tante do que o papiro. ste, com a repetio do ato de en-

    rolar-se e desenrolar-se acabava partindo-se ou esfoliando-se,

    o que no se dava com o pergaminho;

    2.^ O pergaminho era mais resistente ao tempo e s

    intempries. A umidade, embora pudesse fazer deteriorar

    a escrita e auxiliar o ataque dos fungos matria base, era

    no entanto muito menos prejudicial ao pergaminho que ao

    papiro;

    3 a o pergaminho podia ser usado por ambas as suas

    faces, redundando isto numa economia de espao. Um tex-

    (?) "No exato que o pergaminlio fosse invcnlado cmPcrgamo

    porquanto o hbito de escrever sbre peles de animais era j aiUigona

    Prsia e na Jnia", S. Reinacl. - Manne!

  • to que demandasse dois metros de papiro poderia ser escritonos dois lados de um s metro de pergaminho;

    4.^ O pergaminho podia ser reaproveitado. Umtexto julgado j intil era raspado e, sbre le, reescrevia-se.Um pergaminho assim re-utilizado intitulava-se palimpsesto(em grego: escrito de novo) ou codex rescriptus.

    A manufatura do pergaminho desenvolveu-se por todaa Europa. E os fabricantes dsse material foram descobrin-do meios de cada vez melhor-lo. Os pergaminhos de me-lhor qualidade eram os fabricados com pele de carneiro. E,

    entre stes, havia ainda os chamados "pergaminhos non-na-tos", finssimos, para cuja fabricao era usada a pele decarneirinhos ainda no nascidos, ou recem-nascidos.

    Depois, tal como aconteceu com o papiro, que foi sendo

    alijado medida que o pergaminho se firmava, tambm opergaminho comeou a desaparecer por volta do sculo 15,para dar lugar a novo elemento: o papel (3).

    O papel, segundo se diz, foi descoberto na China e del trazido por viajantes para o mundo ocidental. Nos seusprimrdios, o papel era fabricado de trapos. S mais tarde que se vem a descobrir o processo de aproveitamento da

    polpa dos vegetais, isto , da celulose. Era natural que o

    papel afastasse o pergaminho pois que, ao lado das mesmasqualidades dste, era-lhe superior em vrios pontos:

    1. O papel mais leve que o pergaminho;2. ^ menos espesso que o pergaminho, de modo

    que os livros so menos volumosos e melhor manuseveis;3. Pode ser fabricado em todas as espessuras, ta-

    manhos e cres que se desejarem;4. A matria prima para a fabricao do papel

    de muito m.ais simples obteno;

    (3) Ao que parece, a primeira fbrica europia de papel, segundoo mtodo chins, foi fundada em Fabriano (Itlia) no ano de 1340.

    42.

  • 5. mais fcilmente costurvel que o pergaminho;e a cola (quer a vegetal, quer a animal) adere melhor aopapel.

    Alm do mais, cem a descoberta da imprensa, verificou-se que o papel se adaptava melhor ao trabalho em srie.As mquinas necessitavam sempre de um material estandar-dizado, de tamanho e espessura fixos, o que no podia dar-secom o pergaminho, pois ste tinha sempre as dimenses doanimal que lhe tivesse dado origem.

    Assim que o papel vai alijando o pergammho. steentretanto manteve-se em uso durante muito tempo, consi-derado como um material mais elegante, mais nobre. Tanto

    assim que as bulas papais (4), at h bem pouco tempo,ainda eram escritas em pergaminho. Diz-se mesmo que as

    bulas continuam sendo escritas em pergaminho at hoje.Acontece porm que j no se trata mais do pergaminhoverdadeiro, ou seja, extrado de carneiro, mas, de pergaminho

    vegetal. ste pergaminho vegetal no passa de papel, quesofre processos especiais, transformando-se em similar do

    vero pergaminho.

    O pergaminho foi igualmente usado, durante muito tem-po, para a feitura de diplomas. At hoje se costuma dizer

    que um homem, quando completa um curso e obtm o do-

    cumento comprobatrio disso, "tem pergaminho". Hoje, to-

    davia, os diplomas no mais so feitos em pergaminho e.

    sim, em papel: papel grosso, cartolina de boa qualidade ou.

    no mximo, pergaminho vegetal.

    Convm agora lembrarmos a questo referente forma

    dos livros.

    (4) Denominao orRn;iria

  • Ao escrever em folhas, em ossos ou na pedra, o homemusou tais materiais com a forma que lhes deu a me natura.Com relao ao barro j o mesmo no acontece. O homosapiens pode dar-lhe um formato a seu bel prazer. Opta,naturalmente, pela forma paralelepipdica, modelando tijo-los de argila, que pe a secar. Os assrios deixaram documen-tada sua histria (atravs do alfabeto cuneiforme) em pla-cas argilosas, em cilindros e em tijolos prismticos, de base

    hexagonal ou octogonal. Os metais tambm permitem aohomem a adoo de formas ad-libitum. Mas le se decidenormalmente pelo formato plano, dispondo os metais emplacas ou chapas de espessura e dimenses variveis.

    As bases da escrita comeam a fixar-se em formas de-finitivas a partir das tabuinhas enceradas. J falmos queestas eram, muitas vezes, reunidas em grupos de duas, trs

    ou mais, atravs de ligaduras feitas numa das bordas. Era

    costume, tambm, deixar pendente a ponta do fio da liga-dura e, neste, prender um pedao de couro ou madeira, no

    qual se dava uma indicao do que existia escrito naquelevolume, O fio pendente assemelhava-se a uma cauda. Daa denominao que os volumes assim caudados receberam

    de caudex ou codex. E essa razo do nome cdice que sed hoje aos volumes antigos, ainda mesmo quando no feitosde tabellae ceratae.

    O papiro no acompanhou o sistema usado nas tabui-nhas enceradas, como sabemos. Para le foi adotada a for-

    ma cilndrica, em rolo. Lia-se um papiro desenrolando-o de

    um dos umbilicus e, ao mesmo tempo, enrolando-o no outro.

    Dizia-se volvere e evolvera ou plicare e explicara para a

    ao de enrolar e desenrolar o papiro para a leitura. Rotu-

    lus axplicitus equivalia a rolo lido. Da dizer-se, por exten-so, quando o texto facilmente compreensvel, que o mes-mo explcito. Tambm se usam os termos explicar uma

    44

  • lio, desenvolver um tema, lembranas evidentes do expli-care e do evolvere latinos.

    Quando surgiram os pergaminhos, seus utilizadores ini-ciais no se decidiram de imediato quanto frma a lhesser dada. Encontram-se pergaminhos, datando dos primei-ros tempos de sua aplicao, quer sob o formato de rolo,como os papiros, quer sob o formato de cdices, como as ta-beliae. Considerando que, ao contrrio do papiro, o perga-minho permitia a escrita sobre ambas as suas faces, era evi-dente que a frma de codex apresentava maior facilidadepara leitura. Consequentemente, foi o sistema que acabouvigorando e que se transmitiu, mais tarde, para o papel. Os

    nossos livros atuais so os herdeiros, pois, da frma iniciadacom as antigas tabuUae ceratae.

    Pormenor interessante, tambm, o que diz respeito sdimenses dos volumes em pergaminho. ste no podia termedidas precisas porquanto dependia do tamanho do animal

    de que fosse originrio. Para facilitar o manusio, dobra-

    vam-no em dois e isso se chamava um folium. O assunto aescrever-se podia exigir mais de um folium e, nesse caso, v-

    rios eram reunidos e costurados pela dobra, formando volu-

    mes de duas ou mais iolia. Razo por que dizemos atual-

    mente que os nossos livros tm folhas. Quando o volumese compunha de duas folia intitulava-se binio. Se de trs

    folia, ternio; quatro, quaternio; cinco, quinternio; e assim por

    diante. Os mais comuns foram os quaternios, que deram

    origem aos nossos cadernos. As folia reunidas davam em

    resultado volumes chamados in-folium de grandes di-

    menses. Para maior manuseabilidade, dobravam por vezes

    cada folium ao meio. Ora, se ste j possuia uma dobra, ou

    seja, duas lminas, da segunda dobra resultavam quatro. Os

    livros assim feitos chamavam-se, ento, in-quarto. Senova

    dobra era efetuada com o fim de tornar menor ovolume,

    tinham-se ento os cdices in-octavo. Os editores da atuali-

    -- 45

  • dade conservaram tais denominaes para os livros de papel.Quando dizem que um volume in-quarto, in-octavo ou in-dezesseis (avos), esto referindo-se ao nmero de folhas delivro que cada lmina de papel, tal como veio da fbrica,produziu.

    2 Material impressor.

    a) Instrumentos

    claro que quando o homem comeou a utilizar-se dobarro, ou das tabuinhas enceradas, s poderia escrever sobre

    sses materiais, ou desenhar sobre les, usando algo de pon-ta dura porquanto, no fora assim, no conseguiria gravar o

    que desejava. E assim que surge o graphium, ou estilete,com o qual o homem traou seus primeiros desenhos ou,mais tarde, as letras. Descobrindo entretanto o papirocomo material de escrita, verificou que o estilete perdera sua

    utilidade. No era possivel escrever com o graphium sbrelia matria macia, delicada, como era o papiro. Consequen-temente, teve de criar um instrumento diferente. Ter ex-perimentado o pincel, a princpio, mesmo porque o pincel jservira, por certo, como instrumento de escrita dos antigos

    egpcios, quando traavam seus desenhos primitivos sbre olinho que envolvia as mmias.

    Mas o homem precisava encontrar um instrumento demais fcil obteno e de mais simples manufatura que o pin-

    cel. Alm disso, sbre o papiro, a escrita tinha de ser feitacom um material qualquer que deixasse impresso o desenho:

    a tinta, portanto. O instrumento devia ser, pois, no s ogravador da escrita mas tambm, ao mesmo tempo, o trans-portador da tinta. Surge ento o clamo. O clamo eranada mais nem menos do que um canio, espcie de junco,cuja ponta era recortada em bisel. Mergulhado na tinta,conservava na sua parte interna, por capilaridade, uma pe-

    46

  • quena quantidade dela. E era assim que a tinta, ao passar-se a ponta do canio, ou clamo, sbre o papiro, escorriapara ste deixando, marcada a impresso escrita.

    Mais tarde, descoberto algo tambm de fcil obten-o, e de maior durao que o clamo, e que vem a ser apena das aves. Aves existiam em quantidade e em qualquerlugar. As penas maiores podiam ser recortadas da mesmafrma que o canio, dsse modo servindo de instrumentopara a escrita. Certo que, com o tempo, criaram-se pro-

    cessos de melhoramento dessas penas de ave, dando-lhes ba-

    nhos de gua fervente, ou mesmo fazendo-as receber umaespcie de tmpera, ao fogo ou dentro de um forno, de ma-

    neira que ela se tornasse mais dura. Tal como hoje fazemos nossos caipiras com os chifres de boi para lhes dar for-

    mas bizarras. A pena, como se sabe, ua matria crnea,semelhante ao chifre.

    Pena de ave, usada para cscre\cr

    (fig. 21)

    A pena de ave prolongou seu uso at quase os dias

    atuais, porquanto, se ela servia para o papiro, serviu tam-

    bm para o pergaminho e para o papel. Todas estas baseseram matrias delicadas, de modo que a pena, tambm de-

    licada, deslizava sbre elas sem as rasgar. Apenas h cerca

    de um sculo que a pena de ave foi sendo substituida pelo

    instrumento metlico que, por semelhana, se veio intitular

    tambm de pena: a pena metlica.

    Hoje, as penas de metal alcanaram um estado de aper-

    feioamento to grande ao ponto de existirem penas espe-

    47

  • cializadas para cada tarefa: penas para desenho, para letrei-ros, para escritas de vrios tipos e grossuras.

    J pelo dealbar deste sculo comeou a ter grande usoa caneta-tinteiro, que no passa de um tipo especial de penametlica, considerando-se o instrumento de escrita propria-mente dito. O seu suporte, ou seja, a caneta que passoupor um aperfeioamento que a torna no mais um simplescabo para a pena, mas ao mesmo tempo um recipiente paraa tinta. Quase poderamos dizer que a caneta-tinteiro umclamo modernizado porque, como o clamo, transporta tintano seu interior e a distribue por capilaridade pelo papel,

    medida que a pena sbre le desliza.

    Hoje, finalmente, e por sinal de mui recente entrada nomercado, temos a caneta esferogrfica. Esta, em sntese,constitui-se apenas de um tubo, carregado de tinta pastosa, extremidade do qual se adapta uma minscula esfera met-lica. Deslizando o aparelho sbre o papel, a esferazinhavai girando em seu receptculo, dsse modo transportandoa tinta do tubo para o papel.

    A caneta esferogrfica tem suas vantagens e desvanta-gens. Por enquanto os nossos tabelies no reconhecem as

    firmas feitas com canetas esferogrficas, em virtude de queestas no do talhe s letras. E como o talhe um dos ca-ractersticos mais importantes e pessoais da escrita, a canetaesferogrfica reduz as possibilidades de individuao das le-

    tras e firmas. Em todo o caso, como um instrumento quese poderia considerar mais prtico que a caneta-tinteiro oua pena comum pela simplicidade da fabricao, preo m-dico e por possibilitar as cpias a carbono, vir a ter, talvez,

    um uso muito mais extenso do que a pena, ou a prpria ca-neta-tinteiro atual. S o futuro nos poder dizer algo a res-peito.

    possvel, entretanto, que a esferogrfica venha a tero mesmo destino das chamadas "penas japonesas", que eram

    48

  • estiletes cnicos, geralmente de vidro, com uma srie de ca-naletas ao seu redor, convergindo para a extremidade. Eram"penas" que, como a esferogrfica, tambm no produziamtalhe. So hoje quase desconhecidas, pelo menos entre ns.A atual gerao talvez nem tenha, jamais, ouvido falar em"penas japonesas".

    Os estudiosos de paleografia acham s vezes curioso ofato de os trabalhos da especialidade aludirem quase que ex-clusivamente histria da pena, parecendo esquecer o nossomuito til e comunssimo lpis.

    Mas, o lpis tambm teve o seu lugar. A grafite, oua mina de chumbo, foi usada mais ou menos desde o sculoXI da nossa era. Descobriu-se que seu uso se iniciou como tracejado das pautas para sbre estas a pena poder escre-ver em linhas retas.

    Nenhum documento importante, entretanto, foi escritocom a grafite. Isso porque esta facilmente apagada. Dssemodo, quanto mais importante fsse um documento, corriamaior risco de ser alterado ou de desaparecer. Essa a razopor que a escrita a lpis menos considerada.

    Hoje a manufatura do lpis se encontra muito aperfei-oada. As fbricas produzem-no aos milhes. Na sua fa-brica, entretanto, no mais se usa a grafite pura e, sim,

    a massa especial que forma a chamada mina dos lpis.

    Por vezes, principalmente no que se refere aos lpis-de-

    cr, a massa nem ao menos contm grafite e, sim, uma mis-

    tura de diferentes materiais corantes para uso pelos dese-

    nhistas.

    interessante notar que, de certo modo, poderamosconsiderar a caneta esferogrfica como um meio trmo entre

    o lpis e a caneta-tinteiro. Por>que, se bem que escreva

    com tinta (embora uma tinta especial), tem a mesma faci-

    lidade de escrita do lpis, e, como ste, permite cpias a car-

    bono e no deixa talhe.

    49

  • b) Tintas.

    As tintas mais antigas de que se tem conhecimento sopretas ou vermelhas. A tinta preta se encontra entre osmais antigos documentos egpcios, da mesma frma que ospergaminhos mais remotos tambm possuem texto escritocom essa cr.

    O processo de fabricao da tinta preta variava muito.Mas parece que o sistema preferivelmente usado era o dejuntar negro-de-fumo (fuligem) a gordura dissolvida. Adi-cionavam-lhe por vezes uma pequena quantidade de vinagre,

    de modo a afastar os insetos que se pudessem interessar pelagordura. Os romanos usaram tambm a secreo de certosmoluscos as cibas. A escrita produzida por esta secreo,entretanto, no era completamente negra. Tinha uma tona-lidade diluida que hoje se denomina spia (de ciiba).

    Durante a Idade Mdia muitas outras formas de prepa-rao de tintas foram tentadas. A cola, vegetal ou animal,foi adicionada tentativamente. Por vezes juntavam com-posio pequena quantidade de vitrolo, com fim duplo: como

    fixador e como inseticida. Provavelmente ste o motivopor que muitos documentos, hoje existentes pelos arquivos,sofreram corroso ao longo do tracejado da escrita. Taisdocumentos se transformaram em verdadeiras rendas cujas

    Exemplo de documento danificado por tinta corrosiva

    (Arquivo do Estado)

    (fig. 22)

    50

  • franjas so as bordas das letras que o antigo escriba traou.So documentos que no resistem ao manuseio e que nemsempre se tornam elegveis para um trabalho de restaurao,perdendo-se portanto.

    A tinta vermelha, menos empregada que a preta, eraentretanto muito frequentemente usada para dar realce acertos textos, para desenhos guisa de enfeite, ou para .escrita das iniciais. As matrias primas para a tinta dessacr eram o cinbrio (sulfeto de mercrio) e o mnio (xidosalino de chumbo). Os copistas da Idade Mdia costuma-vam ornar as iniciais dos captulos com delicados desenhosem cres, entre as quais sobressaa o vermelho. Nasceu daa arte da miniatura, derivando sse_ trmo de mnio, substn-cia por certo preferida pelos copistas na feitura da tinta ver-melha que usavam.

    Alm do preto e do vermelho, outras cres foram usa-das. H em Orlans uma carta de Felipe I escrita com tin-ta verde. Outros documentos apresentam tintas de cr azul,violeta e amarela. E encontram-se manuscritos grafados emouro e prata. A arte de escrever em ouro ou prata intitulou-se crisograia. Consta que Nero mandou escrever suas v-rias poesias em um s volume, com letras de ouro. O maisconhecido documento dsse tipo, porm, o Evangeliriode Carlos Magno, datando dos fins do sculo 8., que se en-

    contra na Biblioteca Nacional, de Paris. Para escrever em

    prata era necessrio primeiramente corar de vermelho o

    pergaminho, a fim de dar maior visibilidade escrita. Omais afamado manuscrito dsse gnero o "Codex Argen-

    teus", contendo a traduo da Bblia, que se encontra na

    Universidade de Upsala.

    Mais tarde, e at os tempos modernos, combinaes v-

    rias foram sendo experimentadas, inclusive as de base vege-

    tal, que incluam o tanno e o ferro. Sabe-se, por exemplo,

    que a tinta "nankim" chinesa feita base de cola vegetal

    51

  • '6 negro-de-fumo produzido pela queima de caroos de ps-sego. Nessas condies, poderamos talvez classificar as tin-tas segundo o seu componente principal, ou quantitativamen-te mais importante. Teramos, dsse modo:

    vegetais ( base de tanino, corantes vegetais, etc.)animais (ciba, negro-de-fumo proveniente da quei-

    Tintas ! ma de matrias animais, etc.)minerais (ouro, prata, combinaes qumicas mo-

    dernas)

    provvel que, na antiguidade, cada escriba preparas-se sua prpria tinta, segundo frmula de sua criao ou apren-dida do mestre. Hoje usamos tintas manufaturadas emquantidades inconcebveis por fbricas especializadas. Astintas antigas, de fabrico rudimentar, atravessaram os s-

    culos. Faro o mesmo as nossas tintas atuais? A dvida natural, pois sabido que muitas tintas, principalmente as

    de cr azul, descoram luz com muita facilidade. Pode-ramos dar de ombros questo ao nos lembrarmos de queisso no problema nosso, mas dos palegrafos do porvir. sempre prudente prevenir, porm, a possibilidade de osnossos documentos atuais no sobreviverem de muito aosseus rabiscadores. Caso se apaguem com o tempo, contudo,esperemos que a qumica do futuro venha a descobrir meiosJibeis de fazer reviver com segurana a escrita desaparecida.

    52

  • VCONSERVAO DE DOCUMENTOS

    Qualquer documente manuscrito, antigo, pode ofereceralgum valor para o palegrafo e para os historiadores. En-tretanto, sse documento pode apresentar-se to estragadoque dificulte ou mesmo de todo impea a sua leitura peloestudioso. Disso ressalta desde logo a necessidade de con-servar os documentos e de restaur-los, quando possvel.

    O que conservar

    O problema da conservao envolve uma questo im-portante: O que se deve conservar e o que se deve inu-tilizar?

    A resposta a essa pergunta no fcil de ser dada, poisnunca se pode saber quais os papis que iro ter valor nofuturo. Por outro lado, de admitir-se que nenhum indivi-duo ou organizao deseja ou pode preservar todos os do-cumentos referentes atividade na qual esteja envolvido.

    A necessidade de destruio de papis evidente nostempos atuais. H cinco sculos atrs, talvez uma pessoaem cada milhar sabia escrever; hoje a instruo obrigat-ria para todos, multiplicando-se dsse modo a quantidade deindivduos potencialmente capazes de deixar documentos de

    importncia. Alm dessa difuso das possibilidades de es-crita, o preo irrisrio do papel (em comparao com o quecustava o pergaminho) e os processos de duplicao (car-

    bono, mimegrafo, impresso) facilitam na atualidade a pro-

    duo de documentos a tal ponto que at mesmo os mais

    convictos advogados da conservao no interesse histrico

    comeam a acreditar que, ao pesquizar dentro de nosso pe-

    53

  • Todo, o historiador do futuro ser submergido numa verda-deira mar de documentos.

    Destruir os documentos inteis sempre que possvel ,pois, uma necessidade vital. Mas o que destruir e o quepreservar tem sido o quebra-cabeas mais srio de tdas as

    organizaes arquivsticas.

    De um modo geral pode-se dizer que todo e qualquerpapel cuja finalidade foi, precisamente, o de anotar fatos deefmera importncia, podem ser desde logo destrudos; domesmo modo podem ser inutilizados os documentos de quese saiba existir cpia obrigatoriamente conservada em outro

    lugar.

    No obstante tais normas gerais, ainda a dvida podepairar com respeito destruio de papis porquanto estes

    possuem, como bem o exps uma publicao do Arquivo daInglaterra, "trs fases distintas de possvel utilidade: 1.^

    Quando so requeridos para referncias correntes; 2.^ Quando no se espera que sejam desejados mas podem, ines-peradamente, ser necessitados; 3.^ Quando no so maisutilizveis para os propsitos para os quais foram original-

    mente feitos, mas podem ser de valor cada vez maior parareferncias histricas ou de carter geral".

    Por exemplo: contas, cartas e memorandos recebidosso de valor primrio, ao tempo em que chegam a nossas

    mos; so de importncia secundria uma dezena de anos

    depois, porquanto podem vir a ser exigidos para propsitoslegais; um ou vrios sculos aps, quando at as finalidadeslegais j no entram em conta, podero ser de valor para o

    estudo de nveis de preos, da posio ocupada por determi-

    nada pessoa num determinado tempo, ou por qualquer uma

    das inmeras razes que dizem respeito histria econmica-ou social, ou a quaisquer outros ramos da pesquisa.

    54

  • Em face de tal raciocnio devemos, ento, conservar to-das as cartas, contas e memorandos que nos dirijam? Claroque no. Mas isso tambm no significa que consideraesde possvel futura utilidade de um documento devam seipostas de lado. Assim, pois, o problema de quais os papisa destruir fica sempre de p, desafiando a sagacidade doarquivista.

    A publicao do Arquivo da Inglaterra a que nos refe-rimos pouco atrs procurou dar normas para a eliminao

    de papis, evitando que os arquivos se encham de materialintil. Acreditando que, de um modo geral, as normas pre-conizadas so as que mais se coadunam com a previsibilida-de atual, iremos aqui reproduzi-las, sintetizando sempre que

    possvel

    :

    A) Sempre que a inteno fr apenas ade deixar uma evidncia suficiente das atividades

    e mtodos de ao de uma certa pessoa, famlia,

    corporao ou instituio, uma razovel elimina-

    o dos papis deixados tarefa relativamente f-

    cil. Desde que seja feita logo (de regra, a nica

    coisa que torna difcil destruir cartas antigas

    apenas a sua antiguidade) e por algum que te-

    nha tido relaes com os negcios que produzi-

    ram os documentos.

    Comumente, bastar preservar um certo n-

    mero de documentos-chave e selees representa-

    tivas de sries que se conservam regularmente e

    de documentos que se repetem rotineiramente.

    Alguns espcimes devem ser selecionados mais por

    seu carter representativo, para ilustrar a estrutu-

    ra da organizao ou do negcio do que por um

    intersse ocasional como, por exemplo, o casual

    encontro de um autgrafo conhecido. Tal inte-

    55

  • rsse, entretanto, no deve ser excludo e, entredois ou mais espcimes igualmente ilustrativos,aqule que traga o nome do personagem importan-te poder ser escolhido. Espcimes provenientes deintervalos regulares durante um certo nmero deanos tambm podem ser de grande interesse, in-clusive sob o ponto de vista estatstico, se o do-

    cumento envolver nmeros.B) Quando o objeto que se tem em mira

    preservar documentao referente a assuntostcnicos, os quais so tambm conservados por ar-quivos individuais ou de outras instituies damesma espcie, a tarefa se torna mais difcil por-

    que envolve o problema de se estabelecer o graude importncia de cada Organizao, ou seja:

    1 Se ela pertence a uma categoria de Ins-

    tituies ou Organizaes cujos arqui-vos raramente foram preservados;

    2 Se ela pertence categoria de muitoimportante, em relao a outras da

    mesma espcie;

    3 Se pertence categoria de organiza-

    es cuja histria e desenvolvimento se-jam de grande importncia e apenaspossam ser traados mediante o uso de

    documentos coletivos.

    Dois cuidados a serem tomados:

    Primeiro preciso que, tanto neste casocomo no precedente, no cometamos o rro de con-

    fundir a falta de sucesso com a falta de importn-

    cia. Negcios que se no materializaram, propos-

    tas no aceitas, inventos no aproveitados, ne-

    56

  • nhuns lucros, tudo isso pode ter algum valor paraa histria do indivduo, associao ou ramo de ati-vidade em que tiverem lugar.

    Segundo H um valor extra que se obtmpela conservao de dados com regularidade, epelo espao de tempo e variedade de atividadespor les cobertos: um Dirio profissional, ou umasne de dados contbeis ou lanamentos, seme-lhantes em tudo a centenas de outros do mesmotipo, podem fornecer documentao fora docomum ou mesmo nica, apenas em virtude do es-pao de tempo por les coberto ou pelas circuns-tncias em que foram feitos.

    C) O mais difcil problema de todos quando se deseja ir ao encontro das necessidadespotenciais do futuro pesquisador. Na verdade impossvel pre-estabelecer condies que evitem adestruio daquilo que, mais tarde, possa vir a tervalor, porque no h limite para os assuntos cujadocumentao seja de possvel encontro em arqui-vos. E, de certo modo, tais possibilidades so im-previsveis, porque cada gerao cria novos inte-

    resses, nos quais as geraes anteriores no ha-

    viam cogitado. Pode-se apenas sugerir certas nor-mas de proceder para dar uma relativa segurana,

    ao mesmo tempo que se consegue uma certa eli-

    minao:

    1 Faamos constantes operaes de lim-

    peza, eliminando regularmente os documentos

    absolutamente efmeros e isso o mais breve poss-

    vel. No esperemos pela congesto. Documentos

    que no tiveram nenhuma utilidade para um ne-

    gcio, de regra no tm mais nenhum valor, mes-

    mo como documentao de outros assuntos, apos

    57

  • alguns dias. Por outro lado, convm verificar seles tm, realmente, um carter nitidamente ef-

    mero.

    2 Entre os documentos efmeros deve-seincluir, na maior parte das organizaes moder-nas, o enorme acmulo de papis de pura rotina. necessrio, por exemplo, manter uma verifica-o horria, diria, mensal ou durante outros pe-rodos quaisquer de tempo, com relao a servios

    ou pessoas. Os documentos resultantes dessas ve-rificaes, sob a frma de notas, fichas, livros deregistros, ou outros, no passam de papis de ro-tina na administrao. Sero importantes, talvez,

    se indicarem condies anormais; mas perfeita-

    mente dispensveis em condies normais, assim

    que tiverem servido a seus fins.

    3 Documentos referentes apenas admi-

    nistrao interna ou rotina do servio podem,de regra, na sua quase totalidade, ser destrudos.E nisto se incluem os papis que aludem a pessoas.Mas mesmo aqui a seleo depende da naturezada organizao. Devem-se distinguir as organiza-

    es que existem apenas para efetuar negcios ex-

    ternos (firmas comerciais, por exemplo) das quetm unicamente servios internos (tais como es-colas e museus). Neste segundo caso, a organiza-o interna obviamente a mais importante e s-

    mente os papis muito repetidos e de assuntos

    formais que podem ser destrudos sem grandesconsideraes. Por exemplo: no caso das escolas,

    o livro de ponto dos estudantes e professores esta-

    ria entre os documentos de maior importncia; ao

    passo que os livros de ponto de uma firma comer-

    58

  • ciai no tm nenhum valor arquivstico passadosalguns mses.

    4 Como critrio de carter geral, a res-peito do possvel valor para tda a espcie de in-tersses no perfeitamente definidos, deve-se ve-rificar se o documento ou uma srie dles, trata,nomeia ou tem relao com um grande nmero epessoas e /ou coisas e/ ou assuntos. Se tanto pes-soas ou coisas estejam envolvidas em quantidade,o papel , provavelmente, candidato preserva-o; se apenas pessoas, ou s coisas, o caso precisaser particularmente estudado; se nem umas nemoutras, ponhamos fora o papel.

    5 Com relao a qualquer documento so-bre o qual se tenha dvida se se deve ou no con-servar, o arquivista deve perguntar-se: A in-formao aqui contida consta nalgum outro arqui-vo? Ou nalgum outro lugar, ainda que sse lu-gar no seja um arquivo? Qualquer lista de no-mes, por exemplo, que tenha sobrevivido a pocasanteriores pode ter valor, desde que a mesma no

    conste de outra, impressa, da mesma poca (no-bilirquicas, policiais, telefnicas, etc).

    6 Um documento no , tambm, obriga-toriamente sem valor apenas porque se saiba dle

    tenham sido tiradas muitas cpias, por meios me-

    cnicos, e largamente distribudas. Qualquer des-

    tas cpias, em virtude de notas adicionais ou pelo

    lugar e circunstncias de sua preservao pode ter

    adquirido uma significao totalmente diferente

    das restantes. Exemplo: qualquer livro, ainda

    que sem nenhum valor literrio particular, que te-nha pertencido a Rui Barbosa, pode ser precioso

    59

  • agora, em virtude de alguma anotao marginalnle feita pelo grande jurista.

    7 Para os propsitos que ora se discutem,

    poder muitas vzes ter valor a conservao deum ndice ou REGISTRO, mesmo quando ospapis a que les se refiram tenham sido destru-dos. De fato, a simples existncia de um registropode s vzes tornar possivel a destruio de mui-tos papis cuja nica funo fazer volume.

    A essas sete normas oferecidas pelo Arquivo ingls, nsacrescentaramos uma Oitava:

    8 Levando em considerao os modernos mtodosde micro-fotografia existentes, tda a vez que razovel d-vida se levantar quanto destruio ou conservao de um

    documento, resta-nos o recurso de micro-fotograf-lo, des-

    truSndo-o depois. Assim, o papel no teria sido de todo

    destrudo: ficou dle uma cpia fiel mas que ocupa um es-

    pao muitssimo menor. Esta seria uma espcie de soluo

    intermediria, at que, em definitivo, se verificasse que o

    prprio microfilme podia ser destrudo.

    Documentos que, a nosso ver, devem SEMPRE serconservados ou CONSIDERADOS DIGNOS de conserva-o, no Brasil:

    1 Documentos com data anterior a 1900;

    2 Mapas ou planos, feitos a mo, anteriores a essa

    mesma data;

    3 Outros documentos que, por lei, tenham de ser

    conservados (por exemplo: os tales de registros de casa-

    mentos, nascimentos, bitos e de imveis);4 Documentos de quaisquer Corporaes, Irmanda-

    des Eclesisticas, Autoridades Pblicas, Comisses, Assem-

    blias Legislativas, Fundaes Beneficentes, Emprsas de

    Utilidade Pblica ou Organizaes de Servios Sociais e que,

    60

  • por acaso, se encontrem sob custdia particular. Nenhumdocumento desta espcie deve ser destrudo sem um parecerde pesquisadores;

    5 Documentos referentes ao Servio Pblico, casoem que no pode haver destruio sem um acurado estudo;

    6 Escrituras e outros documentos que se refiram aposse de terras;

    7 Correspondncia privada e Dirias ou notas, semantidos com excepcional regularidade ou em circunstnciasanormais, ou por pessoas de posio excepcional.

    8 Jornais impressos (especialmente os do local) que,por sua natureza, forma ou quaisquer outros motivos, tenhama probabilidade de no ser conservados em outro local ouque, nesse outro local, corram risco de se oerder.

    Alm dsses, de OBRIGATRIA conservao nos ar-quivos brasileiros segundo nosso parecer, os arquivos podem,

    entretanto, conforme as necessidades, circunstncias ou con-

    venincias, preservar documentos outros. Jamais esquecer,

    entretanto, que a finalidade do arquivo preservar coisas

    teis para a posteridade.

    Como conservar

    Vimes at aqui a questo de o que se deve e o que se

    no deve conservar. Selecionados os documentos que se

    pretendem preservar para o futuro, resta-nos o problema de

    como conserv-los, isto , quais os mtodos a usar para que

    les se mantenham ntegros, impedindo que se deteriorem.

    Para uma efetiva conservao dos documentos devem-se

    levar em conta:

    a) O local que serve de depsito.b) A iluminao.c) O arejamento.

    61

  • d) A qualidade e acessibilidade das estantes.e) A proteo contra umidade.f) A proteo contra parasitas.g) A proteo contra fogo.h) A proteo contra a poeira.i) O pessoal habilitado.

    Estudemos sucintamente cada um dsses tpicos,

    a) O local

    A antiga noo de arquivo correspondia a qualquer lu-gar onde se amontoassem papis, sem ordem nem higienealguma. Era quase sempre um canto de escada, uma salados fundos, um corredor escuro, uma passagem inaprovei-

    tvel.

    Consequncia dessa errnea maneira de ver era a inuti-lizao dos documentos ali depositados. A umidade, os in-setos e os ratos ali se instalavam. E no dia em que se ne-cessitasse de algum dos velhos papis ali postos, ia-se encon-tr-lo corrodo, mofado ou empastado. Isso, supondo que oencontrassem, no meio da vasta desordem.

    Hodiernamente, verificada a necessidade e utilidade da

    conservao de documentos, quer por motivos histricos, quer

    por motivos outros, inclusive os de ordem econmica, pro-curam-se locais amplos, arejados e resistentes. A amplidoresponde necessidade de espao para as novas remessas de

    material, alm de facilitar a constante limpeza; o arejamentodificulta a infestao por parasitas; a resistncia possibilita

    a constante recepo de novos papis sem perigo de ruina

    do prdio, com o consequente dano para os documentos.

    Uma flha de papel, por muito leve que seja, se reunidaa milhares ou milhes de outras, corresponder a um psoextraordinariamente grande. Pode-se calcular que, para um

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  • grande arquivo, a resistncia mdia dos pisos no devemenor que 400 a 450 quilos por metro quadrado.

    b) A iluminao

    A luz solar combate o mfo e afasta os insetos daninhosque, como se sabe, so na sua maioria fotfobos. Entretanto,a luz solar direta e constante tambm perniciosa para osdocumentos no s porque resseca ou queima os papis, ama-relando-os, como tambm porque descora as tintas. Assim,pois, a luz ideal para os arquivos a luz difusa, branda esuave.

    c) O arejamento

    O ar age benficamente para a conservao dos do-cumentos. Age como elemento mecnico, varrendo a umida-de sempre que esta se torne excessiva. Age tambm comoelemento qumico, permitindo oxidaes que dificultam a ins-talao do mfo. Age ainda como antisstico, atravs dapequena quantidade de ozona que possa possuir.

    d) A qualidade e acessibilidade das estantes

    As antigas estantes de madeira eram terreno propicio

    para habitao de uma srie de insetos destruidores, papir-

    fagos. Por vzes acontecia que um cdice infestado era

    colocado numa estante e os insetos se passavam para a ma-

    deira. Da por diante, retirado embora o cdice atacado, to-

    dos os outros papis que se pusessem naquela prateleira aca-

    bavam infestando-se tambm.

    Hoje tal perigo obviado mediante o emprego de pra-

    teleiras de ao, que tm as vantagens adicionais de: 1." po-

    derem desmontar-se com facilidade em caso de mudana:

    63

  • 2. permitirem os reajustes de alturas, de acordo com o ta-manho dos papis arquivados; e 3. serem imunes ao fogo,dsse modo dando menos aso aos incndios.

    Convm lembrar, entretanto, que as estantes de ao somenos aconselhveis nas localidades situadas beira-mar emvirtude da possibilidade de corroso, devida maior umida-de atmosfrica e ao iodo e cloro em dissoluo no ar. Nesse

    caso, prefervel o emprgo da prpria madeira, desde queconvenientemente tratada por processos qumicos, muitos d-les base de creosoto.

    Alm da inatacabilidade pelos insetos, as prateleiras pre-cisam ser acessveis. O velho processo de se usarem todosos cantos disponveis dificultava a classificao nas estantes;

    o sistema de divises altas, ocupando as paredes at o teto,obrigava ao uso de escadas e a adoo de serventes para a

    movimentao dos pacotes guardados no alto. A isso seacrescia que a limpeza, nesses casos, deixava muito a desejar.

    Preferem-se hoje as estantes dispostas em linhas para-lelas, que facilitam a classificao; e de altura que no ul-

    trapasse dois metros, evitando as escadas e os serventes. Alimpeza pode ser mantida com menor dificuldade.

    e) A proteo contra umidade

    Independentemente do mfo, a umidade pode, confor-me sua intensidade, produzir o descoramento dos papis,

    manchas pela dissoluo das tintas, ou o empastamento dasfolhas. Se o descoramento prejuzo de relativamente pou-ca monta, o mesmo j no se pode dizer das manchas quedificultam ou de todo impedem a leitura do documento

    e do empastamento que produz a ad


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