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    Novas formas de economia cooperativa como

    contribuio para o desenvolvimento sustentvel

    Reflexes sobre a reinsero da economia na sociedade e na natureza

    Reinhard Loske

    Fevereiro 2015

    (Traduo: Tho Amon)

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    Resumo

    Partindo de uma crtica do conceito de "crescimento verde" e da tese de

    que as inovaes tcnicas no tm condies de, sozinhas, efetivar a

    transformao estrutural necessria para um desenvolvimento

    sustentvel, investigam-se diferentes inovaes socioecolgicas quanto ao

    seu potencial de (re)colocar a troca material entre humanos e natureza

    sobre uma base resistente. No centro disso esto a economia do

    compartilhamento (sharing economy), a economia da vida til longa

    (repair economy), a economia da subsidiaridade (regional economy), a

    economia do prossumidor (prosumer economy) e a economia da

    resilincia (resilient economy). As diferentes abordagens so apresentadas

    e discutidas. Como concluso, recomenda-se retomar a pesquisa quase

    esquecida sobre a economia dual e continuar desenvolvendo-a de acordo

    com a atualidade.

    Palavras-chave

    crtica do "crescimento verde"; economia do compartilhamento;

    economia da vida til longa; economia da subsidiaridade; economia do

    prossumidor; economia da resilincia; retomada e desenvolvimento da

    pesquisa sobre "economia dual".

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    Apresentao

    A atividade econmica humana e a proteo do ambiente natural frequentemente so vistas como contrrios dificilmente conciliveis. A explorao das matrias-primas planetrias e a extrao e queima de combustveis fsseis, fundamentos do modelo de desenvolvimento e industrializao que predomina em todo o mundo, resultam em paisagens exauridas e destrudas, poluio do solo, ar e gua, e um incremento na atmosfera de gases residuais que modificam o clima, levando a um aumento da temperatura que, conforme as previses, ter consequncias de grandssimo alcance. O uso da terra cada vez mais intensivo, impulsionado pelo alto e contnuo crescimento da populao e estilos de vida cada vez mais consumidores de recursos, resulta em uma perda de diversidade biolgica, assim como na perda de preciosos espaos naturais e agrrios e na propagao da eroso. Uma situao muito semelhante aplica-se aos mares, que acabam absorvendo grandes cargas de txicos, combustveis e materiais sintticos, sendo tambm ameaados por excesso de acidez e de utilizao, especialmente atravs de pesca excessiva e "minerao martima".1 Nos tempos recentes, os estudos cientficos que descrevem e documentam empiricamente esses desenvolvimentos so legio2.

    A frmula IPAT

    Examinando mais de perto os fatores determinantes por trs dos desenvolvimentos equivocados por parte dos seres humanos, eles so essencialmente trs: o nmero de pessoas no planeta;

    os estilos de vida (a intensidade de recursos e emisses dos mesmos); e

    a tecnologia (empregada por elas).

    Essa dita "frmula IPAT" (Impacto = Populao x Abastana x Tecnologia) serviu como orientao principal para os grandes estudos ambientais dos anos 1970, especialmente para o relatrio do "Clube de Roma" sobre "Os limites do crescimento".3

    Aderindo lgica deveras esclarecedora dessa frmula e tambm metaperspectiva global, todos os trs fatores determinantes apontam para uma direo ainda muito crtica. O nmero de pessoas continua subindo: se em 1960 ainda estava em trs bilhes, em 1987 j eram cinco bilhes, e em 2011, sete bilhes. At 2050, a populao mundial crescer at nove a dez bilhes de pessoas. Quanto

    1Cf. Gershwin 2013.

    2 Quem desejar obter uma viso geral sobre esses fatos deveras inequvocos pode faz-lo nos sites

    do Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente (www.unep.org), do Stockholm Resilience

    Center (www.stockholmresilience.org), da Agncia Europeia do Ambiente (www.eea.europa.eu/de) e

    do Comit Cientfico de Mudanas Ambientais Globais do Governo Federal da Alemanha

    (www.wbgu.de) (todos acessados em 01/07/2014). 3 Meadows et al. 1972

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    ao nvel de riqueza e consumo de recursos per capita, pode-se dizer que o modelo ocidental de desenvolvimento, muito intensivo em recursos, atualmente est se disseminando a uma velocidade vertiginosa, e j no vivido ou almejado apenas pelos habitantes dos pases industrializados, mas tambm pelas ambiciosas classes mdias e altas dos pases em transformao, emergentes e em desenvolvimento.

    A classe global de consumidores

    Essa chamada "classe global de consumidores" distingue-se no apenas por uma forte orientao ao consumo, mas tambm por s conseguir conceber uma maneira de resolver os problemas ecolgicos (isto quando eles chegam a ser levados a srio): atravs do progresso tecnolgico. Portanto, no admira que os debates sobre "crescimento verde", "mercado verde" ou "tecnologia verde" desfrutem de tanta popularidade. Eles jamais questionam a lgica ascendente de "sempre mais, sempre mais rpido, sempre adiante": pelo contrrio, prometem "prazer sem arrependimento" e preferem propagar estratgias segundo as quais (alegadamente) ambos os lados s podem ganhar ("ganha-ganha"), funcionando (segundo eles) conforme o princpio "bom para todos e ruim para ningum". Mas at onde vai essa concentrao exclusiva em inovaes tecnolgicas?

    Abandonemos por ora o metanvel global, o mundo dos nmeros grandes e aparentemente to autoexplicativos. Isso porque essa perspectiva possui fraquezas considerveis: ela no conhece processos de diferenciao, soterrando-os sob si. Ela favorece fantasias globais de manobra, que no enxergam mais as pessoas como sujeitos autnomos, mas como uma massa homognea que deve ser guiada no sentido de sustentabilidade global assim como os ecossistemas e suas dinmicas. Da mesma forma, por meio de deprimentes colunas de nmeros, favorece sentimentos de impotncia, que no ativam, mas desativam; que no encorajam, mas desencorajam. Iniciemos com a diferenciao, portanto.

    Proteo ambiental atravs da riqueza?

    O fato de que a grande maioria dos parmetros ambientais globais continua apontando para danos irreparveis muitas vezes no corresponde nos pases ricos impresso ambiental subjetiva de grandes parcelas da populao, podendo-se tomar a Alemanha como exemplo disso: aqui, a emisso de dixido de carbono e o "consumo" de combustveis fsseis, solos, minerais, minrios ou terras-raras continuam altos (e no seriam absolutamente praticveis se ocorressem nessa mesma medida em nvel mundial); no obstante, a qualidade ambiental daqui melhorou consideravelmente nas ltimas quatro dcadas, e, aps a reunificao de 1989/90, em andamento acelerado tambm nos novos estados da federao. Mediante rigorosas leis ambientais de proteo do ar, da gua e da sade e as tecnologias de limpeza elaboradas de acordo, como filtros, catalisadores e purificadores, a emisso de substncias txicas clssicas das indstrias, usinas,

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    transporte e residncias pde ser gradual e nitidamente reduzida: poeira, dixido de enxofre, xidos de nitrognio no ar, assim como substncias venenosas nas guas servidas tudo isso diminuiu substancialmente. Metas politicamente populares e almejadas, como o "cu azul sobre o (rio) Ruhr", "(poder) banhar-se no (rio) Reno" ou a "separao do lixo", fortemente observada na Alemanha, foram em boa parte atingidas, assim como a delimitao de reas protegidas (sobretudo nos novos estados da federao na parte ex-comunista do pas), cujas reservas de biosfera so um patrimnio natural nico da nao. Tudo isso levou ao aprimoramento da sensao subjetiva acerca da qualidade ambiental na Alemanha, embora problemas como os fluxos crescentes de esterco lquido oriundo da pecuria intensiva, a sobrecarga resultante sobre a gua subterrnea e os rios, as monoculturas agrcolas, com sua alta utilizao de qumicos, a poluio dos mares com lixo plstico, a urbanizao da paisagem ou a poluio dos nossos aglomerados urbanos com poeira e rudo sejam percebidos muito agudamente como problemas. No entanto, uma afirmao como: "Ecologicamente, est tudo sempre piorando" provavelmente s seria confirmada por uma minoria.

    Ser que as pessoas esto padecendo de uma percepo errada? No ser correto dizer que estamos vivendo e trabalhando de maneira cada vez mais ecolgica? Neste ponto, temos que fazer uma diferenciao importante: proteo ambiental e sustentabilidade no so a mesma coisa. Quanto questo da qualidade ambiental, a percepo mdia est correta: sim, apesar de problemas persistentes e em parte novos, ela melhorou sensivelmente. Tambm, com a maior riqueza (e prioridades modificadas!), a nossa sociedade pde "permitir-se" mais proteo ambiental tcnica e uma proteo mais generosa da natureza em reservas. Essa perspectiva da riqueza como requisito de uma maior conscientizao ambiental e uma maior competncia de resoluo (tcnica e organizatria) de problemas ambientais que serve-se at mesmo de uma teoria econmica prpria4 arraigou-se com bastante firmeza, razo por qu, em tempos de crises econmicas, no raro surgir o "argumento" de que no podemos mais nos permitir proteger o meio ambiente: primeiro a economia precisa voltar a ir bem, depois se fala novamente em "meio ambiente". Essa filosofia da "proteo ambiental atravs da riqueza" est presente em todo o mundo.

    Abordemos, portanto, a diferena entre proteo ambiental e sustentabilidade. Sustentabilidade significa satisfazer as necessidades dos que vivem hoje aqui de tal forma que as geraes futuras,

    as pessoas em outras partes do mundo e

    as criaturas no humanas

    no sejam privadas de seus elementos vitais bsicos, ou seja: sem sobrecarregar o meio ambiente com gases de escape, guas servidas e resduos; sem explorar excessivamente os recursos, isto , sem exceder seu potencial de regenerao; e deixar espao para os animais e plantas (que no existem "para ns", humanos, mas possuem seus prprios direitos, como demonstrado por Meyer-Abich5).

    4 Stern 2004, p. 1419-1439. 5 Meyer-Abich 1997.

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    Imperativos de reduo: gases de efeito estufa, matrias-primas e reas

    Munindo-se desse critrio, torna-se aparente que especialmente os pases ricos industrializados esto longe de ter uma economia sustentvel. Isso patenteia-se sobremaneira em trs exemplos:

    (1) No tocante emisso de dixido de carbono e outros gases residuais, os pases industrializados operam muito alm do que suportvel climaticamente e possvel de estender para o futuro.6 Ao passo que cada habitante da Terra poderia emitir uma mdia de cerca de duas toneladas de dixido de carbono por ano a fim de mantermos a mudana climtica dentro de limites tolerveis, na Alemanha so liberadas cerca de dez toneladas per capita; nos EUA e no Canad, so cerca de 20 toneladas per capita. Em outras palavras: em relao emisso de gases de efeito estufa, os pases industrializados esto de cinco a dez vezes acima do que seria aceitvel. Portanto, precisa-se de nada menos que uma reduo de 80 a 90 por cento na emisso de dixido de carbono dentro das prximas trs a quatro dcadas. H uma particularidade: ao contrrio dos poluentes atmosfricos clssicos (poeira, dixido de enxofre, xidos de nitrognio), os gases residuais que provocam a mudana climtica no podem ser contidos atravs de tecnologias de purificao posterior ("end of the pipe technology").7 Logo, faz-se necessria uma queima menor real de combustveis fsseis, nas propores citadas.

    (2) Quanto a carvo, petrleo, gs, minerais, minrios e terras raras, o consumo dos pases industrializados (incluindo as consequncias ecolgicas e o chamado "consumo indireto", isto , a transferncia de riscos ecolgicos, que recaem sobre outras partes do mundo ou so transferidos para l) muito alto e, portanto, reduz consideravelmente a disponibilidade de longo prazo dos recursos correspondentes.8 A despeito de se j se alcanou ou no o "pico do petrleo", o "pico do gs" ou o "pico de tudo", e a despeito de se esse mximo de extrativismo ainda poder ser consideravelmente postergado atravs de prticas de extrao de alto risco ecolgico, como o fraturamento hidrulico ("fracking")9, a verdade : os preos da maioria dos combustveis no renovveis subiro mais cedo ou mais tarde, com significativas consequncias econmicas e sociais para os pases dependentes de importao, mormente para os mais pobres e escassos em matria-prima deles. Por isso, tambm em relao aos

    6 Vide www.ipcc.ch/ (acesso em 01/07/2014). 7 Por motivos de custo e aceitao, a esperana de que o dixido de carbono possa ser capturado e

    depois armazenado definitivamente atravs da tecnologia CCS ("carbon capture and storage")

    vacilante. Quanto a isso, cf. http://wupperinst.org/projekte/the-men-online/carbon-capture-and-

    storage/ (acesso em 01/07/2014). 8 Vide www.unep.org/resourcepanel/ (acesso em 01/07/2014). 9 Sobre isso, vide www.postcarbon.org/ (acesso em 01/07/2014).

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    recursos no renovveis, a regra do "fator 5" ou "fator 10"10 deveria ser aplicada aos pases industrializados.

    (3) Em virtude dos seus estilos de vida intensivos em recursos, os pases industrializados do Hemisfrio Norte fazem uso considervel de reas em outras partes do mundo, sobretudo nos pases do Hemisfrio Sul. Isso se aplica no apenas a minas, poos ou jazidas, mas tambm a reas teis agrcolas, que so utilizadas para o cultivo de alimentos, forragem e, cada vez mais, vegetais com potencial energtico. Pases industrializados como a Alemanha, distinguidos por grande populao, alta densidade populacional e alto consumo de carne (e, com isso, de forragem), ocupam o dobro do seu prprio territrio com o cultivo de alimentos em outros lugares do mundo: assim, a "pegada ecolgica" excede consideravelmente a prpria "biocapacidade" territorial, devendo portanto ser reduzida significativamente para poder ser considerada sustentvel em escala mundial.11

    Quanto mais rico, menos sustentvel?

    Provisoriamente, portanto, vale para o tema da sustentabilidade exatamente o contrrio do que vale para a questo da proteo ambiental (primordialmente tecnolgica). Como regra geral, pode-se postular que: quanto mais rico um pas, mais gases causadores de mudana climtica ele emite, mais recursos renovveis e no renovveis ele consome, e mais rea (dentro e fora do pas) per capita ocupada por seus habitantes. Para muitas pessoas do "mundo desenvolvido", difcil aceitar esse paradoxo. Porm, os nmeros e os desenvolvimentos que esto por trs deles no permitem outra constatao que no esta: por meio do progresso tecnolgico impelido por engenhosos engenheiros, mudana na conscientizao ambiental (movimento ecolgico), marco poltico modificado (poltica ambiental) e pela fora de inovao de empresas pioneiras ("first movers"), ns ficamos "mais limpos", mas ainda estamos longe de sermos sustentveis.

    "Tecnologia a resposta!": uma pequena lista de esperanas frustradas

    Enquanto que o debate ecolgico que emergiu mundialmente nos anos 1970

    caracterizou-se inicialmente por anlises e crticas fundamentais da crtica industrializao at ao consumo e crescimento , propondo e exigindo medidas radicais de mudana, nas dcadas seguintes o "debate ambiental" transformou-se, em sua vertente principal, em um debate sobre tecnologia. O motivo para tal parece ser a frmula IPAT citada acima: uma vez que a reflexo crtica sobre o consumo, debruando-se sobre o alto nvel de desperdcio dos nossos estilos de vida, foi posta de lado e o debate sobre o crescimento populacional tornou-se tabu, por ser

    10

    Vide www.factor10-institute.org/ (acesso em 01/07/2014). 11

    Vide www.footprintnetwork.org/de/ (acesso em 01/07/2014).

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    politicamente "delicado" (pois desnecessariamente provocativo para os pases emergentes e em desenvolvimento), o caminho do progresso tcnico ("tecnologia"), to familiar nossa civilizao, acabou prevalecendo como a nica e exclusiva "estratgia de resoluo". At hoje, os incontveis malogros e decepes no conseguiram mudar quase nada dessa ideologia de "tecnologia a resposta". A pequena lista de exemplos a seguir talvez ilustre o que queremos dizer. Esperana n 1: A mudana para a sociedade de servios como impulsionador de

    uma alterao ecolgica estrutural rumo a mais sustentabilidade era uma ideia favorita de muitos economistas e cientistas polticos nos anos 1980 e 1990. Eis a tese: na medida em que o setor primrio (agropecuria, extrativismo) e o setor secundrio (indstria) da economia nacional carem em importncia relativa e a proporo do setor tercirio (servios) no produto interno bruto subir, seremos mais "limpos" e a criao de valor ir "desmaterializar-se" pouco a pouco.12 Esta esperana no se realizou. Se ela se verificasse, os Estados Unidos da Amrica, com quase 80% de participao dos servios na atividade econmica nacional, seriam o pas mais sustentvel do mundo, o que absolutamente no o caso, como todos sabem.13 As razes so bvias, sendo simplesmente mal-avaliadas pelos representantes da equao "terciarizao da economia igual a ecologizao da sociedade". Essencialmente, pode-se mencionar dois motivos por que uma maior proporo de servios no produto interno bruto de maneira nenhuma leva automaticamente a maior sustentabilidade. Em primeiro lugar, muitos servios so em si muito intensivos em recursos, por exemplo: transporte, comunicao e turismo. Alm das transferncias para outros pases com mo-de-obra mais barata, a terciarizao origina-se de maior aplicao de capital, de forma que trabalhos que antes pertenciam indstria ou desapareceram totalmente, ou so reformulados como trabalho de escritrio, sendo que a produo industrial em si no diminui, mas torna-se mais produtiva. Em segundo lugar, os setores da indstria e de prestao de servios so intimamente entrelaados, praticamente condicionando um ao outro, podendo-se tomar como exemplo o comrcio, a logstica e o setor financeiro. possvel que aqui e ali haja efeitos ecolgicos "incidentais" em funo da mudana estrutural da economia em direo sociedade de servios: no entanto, dizer que eles conseguiram deslocar a economia inteira na direo da sustentabilidade praticamente por si s pura especulao, no encontrando nenhum amparo nos nmeros.

    Esperana n 2: A mudana para a sociedade da informao como impulsionador de uma mudana estrutural ecolgica em direo a mais sustentabilidade. Essa esperana propagada sistematicamente desde os anos 1990 pelos mentores e protagonistas da "digitalizao verde" ("green IT"). Segundo eles, assim como a tecnologia da informao e da comunicao, em geral, e a Internet, em

    12 Para uma representao e discusso crtica inicial dessa tese, vide IW 1987. 13 Dados precisos sobre a proporo dos servios nas diferentes economias nacionais podem ser encontrados em: www.welt-in-zahlen.de/laendervergleich.phtml?indicator=68 (acesso em 01/07/2014).

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    especfico, so um meio de liberdade, participao, conexo no hierrquica e transparncia, elas tambm oferecem opes infinitas para atingir as metas do desenvolvimento sustentvel.14 Conforme essa tese, a viso do "escritrio sem papel" entraria no campo do possvel, assim como a viso da "substituio dos trfegos fsicos pelos eletrnicos", do trabalho em casa ("home office") e da "smart efficiency", isto , do comando inteligente da climatizao, dos aparelhos eletrnicos, dos processos produtivos agrrios e industriais, e de qualquer objeto possvel ("a Internet das coisas"). Com a impressora 3D, at mesmo a produo de manufaturas acabaria na estrutura descentralizada por assim dizer, na "home factory". Nesse nterim, a euforia acrtica quanto Internet furtou-se a uma avaliao mais realista. Assim como a Internet claramente um meio no apenas de liberdade de informao e de participao, mas tambm de controle e de influncia dirigida, torna-se cada vez mais ntido que no somente um meio potencial para a obteno de metas sustentveis, mas tambm possui elevado potencial no sustentvel: do altssimo consumo de recursos dos aparelhos permanentemente renovados at o altssimo consumo de eletricidade da rede, que, entre outros, impulsionado pelo estmulo e pela presso social da acessibilidade total. Tudo isso possui consequncias materiais "l fora", no mundo real, fsico. Por conseguinte, aqui tambm verifica-se o seguinte: apesar de ser indubitvel que a Internet pode dar contribuies ecolgicas eventuais, ilusrio aceitar o automatismo segundo o qual se percorrermos o caminho da sociedade da informao com energia e coerncia suficientes, a sustentabilidade se instalar quase que sozinha. Tambm isso revela ser um desejo que no se sustenta empiricamente!

    Esperana n 3: A desvinculao de crescimento econmico e consumo de recursos pode ser atingida atravs do "crescimento verde" o que diz uma tese apreciada em toda parte e que ultimamente ganhou ares de uma nova ideia norteadora poltico-industrial na Alemanha. Precisaramos apenas crescer de forma mais inteligente e mais verde: com isso, o crescimento econmico quase automaticamente no causaria mais problemas, mas os resolveria.15 verdade, que nas ltimas dcadas verificou-se um relativo desacoplamento entre desenvolvimento do produto social e consumo de energia. Por exemplo: desde os anos 1980, na Alemanha (Ocidental), o consumo primrio de energia permaneceu constante, ao passo que a produo industrial cresceu fortemente. Isso foi alcanado, sobretudo, mediante uma contnua melhoria da eficincia energtica dos processos de produo como na indstria de qumicos, mquinas, instalaes fabris, automveis e usinas e produtos mais econmicos. Essa orientao voltada eficincia, que pertence essncia do sistema econmico capitalista o que gera custos racionalizado ou utilizado com mais eficcia pode ser ainda mais intensificada em relao energia e

    14

    Para uma representao acrtica do admirvel mundo novo da "TI verde", acesse www.green-it-

    wegweiser.de/ (acesso em 01/07/2014). Para uma viso diferenciada, acesse

    www.oeko.de/files/aktuelles/application/pdf/fakten_green_it.pdf (acesso em 01/07/2014). 15 Vide Paqu 2010, assim como (porm de outra maneira) Fcks 2013.

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    recursos, por exemplo, atravs de sinais de preo mais fortes (por meio de reduo de subsdios, impostos ecolgicos, comrcio de emisses e outros instrumentos econmicos); a questo, porm, se essas inovaes tcnicas induzidas de tal forma sero suficientes para possibilitar uma desvinculao absoluta (e no somente relativa) entre produto social e consumo de energia e na dimenso citada de 80% a 90% de reduo nas prximas trs a quatro dcadas. O principal argumento a obstaculizar o teor de realidade dessa esperana o chamado "efeito rebote" (rebound effect, em ingls), que descreve a canibalizao dos ganhos em eficincia por parte dos efeitos do crescimento. At o momento, a relao simples: sim, temos carros mais econmicos, mas temos cada vez mais carros; dispositivos eletrnicos mais eficientes, mas cada vez mais aparelhos eltricos; menos necessidade energtica para climatizao por metro quadrado residencial, mas cada vez mais rea residencial per capita; cada vez mais energia renovvel, e ainda assim emisses continuamente altas de dixido de carbono. Em outras palavras: o que se ganha no lado da eficincia e tecnologia perde-se (de certa forma, canibaliza-se) no lado do crescimento e abastana. O progresso tcnico e a mentalidade da eficincia precisariam ser consideravelmente radicalizados a fim de se atingir a reduo necessria de consumo energtico, da ordem de 5 a 10 vezes com crescimento permanente. Contudo, uma radicalizao tal da mentalidade da eficincia um desenvolvimento possvel e desejvel, afinal? Isso passvel de srias dvidas, do ponto de vista tanto fsico quanto sociopoltico.

    Talvez possamos caracterizar as esperanas tecnolgicas frustradas ou em vias de se frustrar da seguinte forma, no tocante ao seu potencial de desenvolvimento sustentvel: mesmo sendo indubitvel que determinados servios, determinadas formas de digitalizao ou determinadas estratgias de eficincia podem contribuir para o desenvolvimento sustentvel, portanto devendo ser perseguidos, ainda assim enganosa a esperana de que a atuao centrada em tecnologia poderia por si s implementar com sucesso a estratgia de fator 10 (ou mesmo de apenas 5) com orientao de crescimento contnuo.16

    Prticas de economia cooperativa como inovao social de sustentabilidade

    Mas o que isso significa? Significa que seria preciso uma verdadeira guinada poltica para se atingir as metas extremamente exigentes de proteo ao clima, aos recursos e s reas. Isso no envolveria apenas as metas de poltica ambiental em sentido mais estrito (metas de reduo das emisses de gases efeito estufa, da utilizao de matrias-primas e reas, por um lado; metas de crescimento em eficincia de energia e matrias-primas, assim como energia renovveis, por outro lado) e os instrumentos correspondentes (acordos de direito internacional, leis, impostos ambientais, padres): seria necessrio repensar o controle da economia pelo capital em prol de mais governana poltica e metas polticas que reduzissem a

    16

    Sobre isso, tambm: Jackson 2011; Miegel 2010; Paech 2012; Seidl, Zahrnt 2010.

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    presso e a imposio do crescimento, a reordenao do regime de (tempo de) trabalho, da previdncia social, das finanas estatais e, acima de tudo, dos mercados financeiros. Sem mais poltica, isso certamente no vai dar certo, reduzindo possivelmente a governana no micronvel e aumentando a governana no nvel macro17. No entanto, a experincia ensina que "a poltica" tende a se curvar aos poderosos interesses do presente e a agir com muita cautela e retraimento quando o assunto sustentabilidade o que inadequado para essa guinada, portanto. No preciso adotar a viso de que no se pode esperar mais nada da "poltica formal"18 para chegar percepo de que, no momento, os impulsos mais interessantes para um desenvolvimento passvel de se estender ao futuro vm da prpria sociedade.

    Como seriam ento as novas formas de atividade econmica cooperativa? Que potencial para o desenvolvimento sustentvel elas poderiam oferecer, e como a poltica pode contribuir para tir-las de seu nicho e lev-las vertente principal da sociedade? No temos a pretenso de tratar de todas as inovaes19 e formas de participao20 ecolgicas, apenas daquelas que possuem uma dimenso econmica e tambm de recursos e sustentabilidade. Trata-se de cinco conceitos-chave: economia do compartilhamento (sharing economy), economia da vida til longa (repair economy), economia do prossumidor (prosumer economy), economia da subsidiariedade (regional economy) e economia da resilincia (resilient economy), sendo que todos tm um nexo interno direto ou indireto.

    A economia do compartilhamento: poupar recursos atravs de formas coletivas de utilizao

    A utilizao coletiva de recursos por grupos de pessoas no um fenmeno econmico realmente novo. Seja comer em grupo os alimentos abatidos ou coletados coletivamente nas sociedades arcaicas de caadores e coletores, o cultivo coletivo das glebas comuns nas sociedades agrcolas originais, o relaxamento coletivo nas termas da sociedade feudal romana, o emprstimo de livros nas bibliotecas pblicas da sociedade urbana moderna ou o "compartilhamento" de programas gratuitos na sociedade da informao, em todas as pocas houve e h essas formas de uso e consumo "colaborativo" de bens e servios. A chave e sempre foi: acesso ordenado e coletivo e no atravs do "mercado", mas por arranjos sociais.

    Na esteira do desenvolvimento capitalista, da formao da sociedade de consumo e da crescente individualizao do homem moderno, essas formas coletivas de utilizao foram reprimidas ou, dito de outra forma, involuram. Elas no so levadas em considerao pela vertente principal da teoria econmica, sendo no mximo

    17 Sobre isso, cf. Loske 2014. 18 Vide, p. ex., Welzer 2013. 19 Sobre isso, consulte os trabalhos do Institut fr Soziale Innovationen: www.institut-fsi.de (acesso em

    01/07/2014). 20 Sobre isso, cf. Loske 2013, p. 19-29

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    vistas como resduos histricos ou anacronismos a serem superados, pois no so compatveis com seus axiomas centrais: o "homo oeconomicus", que no conhece nada alm da multiplicao do seu proveito individual, teme que o uso coletivo dos recursos leve a um superaproveitamento de todas as possibilidades, a um comportamento "free rider" abominvel. Este perigo s pode ser combatido aferrando-se aos direitos de propriedade. Sob essa perspectiva, nada de economicamente bom pode nascer das formas coletivas de utilizao, mesmo que a sensao de pertena o "capital social" seja acrescida. Pelo contrrio: "compartilhar" atrapalha o processo "sem atritos" de acumulao e crescimento do capitalismo.

    Todavia, h bastante tempo estamos passando por uma renascena das formas coletivas de utilizao, sobretudo nos espaos urbanos: de jardins comunitrios at residncias comunitrias, de compartilhamento de automveis (car sharing) at o "couch surfing", de centrais de carona at o emprstimo de aparelhos. A isso se juntam interessantes inovaes da atividade econmica coletiva, como o leasing de qumicos na indstria ou o "crowdfunding" para o financiamento de projetos. Algumas dessas formas de cooperao (por exemplo, no ramo do transporte) so no comerciais (como os automveis do bairro), outras so semicomerciais (por exemplo, oportunidades de caronas para viagem) e ainda outras esto se desenvolvendo em atrativos "modelos de negcio" (aluguel de automveis e bicicletas, viagens intermunicipais de nibus). No momento, estamos lidando com uma mescla diversificada de atividades econmicas cooperativas que no fcil de sistematizar. O que se pode dizer que h trs fortes fatores a promover esses processos, especialmente entre os jovens: uma grande conscincia ambiental e de responsabilidade; uma conscincia maior de custos; e uma perda de importncia da propriedade como smbolo de status. Pode-se assumir que a tendncia de "usar coletivamente em vez de possuir individualmente" se fortalecer. Onde estar a contribuio da "economia do compartilhamento" para o desenvolvimento sustentvel, e em que grau devemos avali-la?21 A desonerao dos recursos atravs do compartilhamento situa-se muito alta na esfera da plausibilidade: se, em vez de cada casa possuir uma furadeira, um cortador de grama ou um automvel, vrias casas por vez compartilharem esses objetos utilitrios, o consumo de recursos pode cair significativamente. A carga de trabalho (e, com isso, o consumo de energia) das mquinas aumentam por unidade de tempo, mas ao mesmo tempo menos mquinas precisam ser produzidas, o que poupa matrias-primas de todo tipo. Falando em termos econmicos: aparelhos intensivos em recursos so substitudos por uma cooperao mais inteligente e menos intensiva em recursos. Os produtores de mquinas e aparelhos perdem em faturamento, mas possivelmente podem obter maior fidelidade dos clientes atravs de servios de manuteno e novos modelos de negcio (por exemplo, locao ou comodato), assim compensando todo ou parte do faturamento ausente.

    Em que medida os potenciais de sustentabilidade da "economia do compartilhamento" realmente podem ser concretizados depende acima de tudo da

    21

    Para uma avaliao de potencial, cf. Leismann et al. 2012. Para uma crtica da "sharing economy",

    compare Hank, Petersdorff 2013.

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    questo de se haver realmente desonerao do balano ecolgico ou se os meios poupados (atravs do compartilhamento) sero realocados em novas opes de consumo. No ltimo caso, as opes de compartilhamento no seriam nada alm de mais uma possibilidade na sociedade das mltiplas opes. Entretanto, se a menor necessidade de financiamento (atravs do compartilhamento) para aparelhos e mquinas for investida em atividades menos intensivas em materiais (por exemplo, educao, arte, regenerao das pessoas e da natureza) ou for verdadeiramente poupada (por exemplo, exercendo menos trabalho remunerado e/ou trabalhando mais para si mesmo), so de se esperar considerveis efeitos de desonerao de recursos.

    A poltica tambm determinar em que medida eles ocorrero, por exemplo, atravs de normas tributrias (como incentivos fiscais para utilizaes coletivas), determinaes regulatrias (como estacionamento privilegiado para veculos compartilhados na via pblica ou privilgios urbansticos para projetos residenciais coletivos) ou regulamentaes sociais.

    A economia da vida til longa: poupar recursos com qualidade de produto e uma nova cultura de conserto

    Durante muito tempo, era algo evidente na nossa economia que, alm da funcionalidade, a vida til dos bens de uso (assim como sua possibilidade de manuteno e conserto) tambm era um atributo de qualidade de um produto (era o que o "Made in Germany" representava). No entanto, o mercado se dividiu em produo barata em massa e produo cara de qualidade, e assim essa percepo da alta qualidade dos produtos foi sobrepujada (na Alemanha tambm) pelo sentimento de se viver em uma sociedade de consumo e descarte. Alm disso, a distncia entre fabricao e venda levou ao produto descartvel: no se prev mais que calados e roupas (que, em sua maior parte, h muito no so mais fabricados na Alemanha) sejam remendados ou solados novamente portanto, aos primeiros sinais de desgaste, ele no so mais levados ao sapateiro ou costureira, mas "coleta de reciclveis"; celulares e smartphones so descartados a cada ano ou dois, pois a prxima gerao de aparelhos invade o mercado e no se quer ficar por fora dos pretensos avanos; esses aparelhos no podem ser atualizados, e nem consertados, na maioria das vezes, em caso de defeito. O fabricante j dificulta isso, pois elementos internos frequentemente so ligados de forma inseparvel, o que impede o reparo ou substituio das peas.

    Esse desenvolvimento industrial-social um enorme impulsionador do desperdcio de recursos. Trs razes podem ser citadas: o interesse da economia em que os produtos envelheam e se desgastem rapidamente no novidade Vance Packard j pesquisava a respeito nos anos 1950. Desde ento, esse assunto emergiu novamente na pesquisa como "obsolescncia programada"; a acelerao de ondas de moda, que j esto se sucedendo em um ritmo de doze ou at dez meses com a consequncia de que a produo de certas cadeias de moda foi transferida de volta Europa, a fim de evitar os demorados fretes. Tambm h a contribuio da

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    desqualificao da nossa sociedade no quesito de tcnicas culturais ou tambm "habilidade manual", um fenmeno praticamente ignorado que sempre se faz notar em pocas de crise: quando a eletricidade cai, preciso voltar agenda de papel ou ficha do cliente no banco para autorizar um saque.

    Como tendncia contrria cultura do descarte, em vrias cidades esto surgindo "cafs-conserto", onde as pessoas se ajudam em reparos; em diversas escolas de turno integral, artesos aposentados ensinam as crianas a consertar mveis; leiles de artigos usados atraem clientes que ou tm pouco dinheiro, ou esto em busca de autenticidade, de coisas "legtimas"; designers de moda esto criando a "upcycling mode", conscientemente baseada em materiais j existentes, distinguindo-se por resistncia e elegncia em igual medida; entre os arquitetos, muitos esto retornando conservao das edificaes;22 nos crculos de troca, trocam-se aulas de msica por trabalhos de marcenaria, lies de equitao por consertos de automveis. Em face da j citada necessidade de poupar recursos, esse parece ser um caminho para uma infraestrutura mais estvel de recondicionamento e de troca de produtos de segunda mo.

    Como se pode incentivar uma nova "cultura de conserto"? Em primeiro lugar, certamente preciso uma reapropriao de competncias quotidianas de conservao, manuteno e conserto, e uma nova avaliao do campo da reproduo. Uma disciplina como "Trabalhos Manuais" deveria ser to corriqueira na escola quanto Artes no jardim de infncia; os manuais de instruo deveriam obrigatoriamente conter tambm instrues de manuteno e reparo; instituies de capacitao, como oficinais comunitrias, escolas tcnicas e tambm instituies paroquiais deveriam fazer do aprendizado de habilidades manuais (produo e conserto) um componente bsico do seu currculo. Igualmente, os municpios deveriam fomentar, o mximo possvel, atividades como "cafs-conserto", leiles de peas ou reforma de imveis.

    preciso que o pblico tome conhecimento de prticas escandalosas como "obsolescncia programada" ou "irreparabilidade" atravs de publicaes contnuas sobre estas. Para tal, cabe um papel importante s organizaes independentes de proteo do consumidor, que deveriam ter uma dotao financeira proporcionalmente mais robusta. Uma economia voltada a durabilidade e responsabilidade sobre o produto deve tornar-se uma meta, a proporo de produtos descartveis precisa cair e a proporo de servios de conservao, manuteno e conserto deve crescer proporcionalmente, o que de forma alguma precisa vir em prejuzo da criao de valor. Seria desejvel que a lgica do mundo econmico se desenvolvesse na direo de ciclos fechados de material e responsabilidade , seja por razes de motivao intrnseca (tica de produo), preferncias diferenciadas dos consumidores (mudana de valores) ou por causa dos preos crescentes da energia e dos recursos.

    Contudo, j que improvvel que isso se d sozinho em extenso suficiente para atingir as metas necessrias de sustentabilidade, o legislador precisa atuar nisso de forma reguladora. Deve-se dar um estmulo irresistvel vida til longa dos produtos

    22

    Sobre isso, www.reduce-reuse-recycle.de/ (acesso em 01/07/2014).

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    por exemplo, por meio de disposies sobre responsabilidade e direitos de devoluo (que de fato j existem para uma srie de aparelhos), pontos embutidos de ruptura predeterminada devem ser denunciados publicamente assim que descobertos a fim de dar aos fabricantes um forte estmulo para evit-los, e a publicidade deve ser fortemente limitada (sendo totalmente vedada na programao infantil da televiso, de qualquer forma).

    A economia do prossumidor: poupar recursos desfazendo a alienao

    A separao entre produo e consumo e a sua alienao um do outro so caractersticas definidoras da economia moderna. A diviso do trabalho em que todos os processos so desmembrados em competncias parciais e s se assume responsabilidade pela prpria esfera de competncia alcanou uma extenso que indissocivel da globalizao. A separao entre produo e consumo e a alienao recproca entre produtores e consumidores que dela decorre tornou-se tambm uma separao que se estende entre continentes: os consumidores no veem, ouvem ou cheiram como e em que circunstncias se produz no h lugar para feedback, que s ocorre excepcionalmente por via de reportagens-escndalo. Porm, um desenvolvimento sustentvel teria de pressupor esse conhecimento a fim de possibilitar uma produo "sistmica", "integrativa" e "orientada a processos".

    A superao da alienao entre produo e consumo eleva o conhecimento sobre as coisas e a estimativa de valor. Conhecimento e estimativa de valor, por sua vez, so fortes impulsionadores do desenvolvimento sustentvel. Hoje em dia, percebem-se desenvolvimentos sociais que se distinguem pela superao da alienao produto/consumidor e pela formao de redes de prossumidores23:

    A gerao prpria de energia oriunda de fontes renovveis por parte de cidados, cooperativas de energia e usinas urbanas est gradualmente levando a uma descentralizao e "reinsero" social do abastecimento de energia, derrubando os muros entre geradores e consumidores de energia.24

    Na rea rural, encontramos a agricultura orgnica, comunidades de produtores e consumidores, encomendas de cestas de verduras, e cidades de interior ecolgicas, que ainda constituem apenas um nicho, porm.25

    Enquanto que j h relativamente muitas pessoas que se perguntam onde e como sua energia eltrica gerada e onde e como seus alimentos so produzidos, ainda so bem poucos os que se perguntam: "O que o banco realmente faz com o meu dinheiro?". Tambm nessa rea esto ocorrendo transformaes notveis, com cada vez mais pessoas querendo usar seu dinheiro apenas como meio de moldagem social e com "bancos ticos"26 conseguindo

    23

    Para a compreenso original do conceito de prossumidor, que foi consideravelmente alterado ao

    longo do debate ecolgico sobre a sustentabilidade, cf. Toffler 1983. 24

    Cf. www.die-buergerenergiewende.de/ (acesso em 01/07/2014).

    25

    Cf., p. ex., www.bio-berlin-brandenburg.de/ (acesso em 01/07/2014). 26

    Nesse ponto, interessante o estudo sobre social banking recentemente publicado pela Alanus Hochschule fr Kunst und Gesellschaft: www.alanus.edu/alanus-studium/fachbereiche-und-gebiete/f

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    expandir sua base atravs de uma prtica comercial voltada a sustentabilidade, solidariedade social, transparncia e proximidade ao cliente, rejeitando negcios eticamente duvidosos e, com isso, tornando-se um "padro moral" para os bancos convencionais.

    A transformao energtica"27 e a "transformao agrria28 na Alemanha evidenciaram que a poltica pode favorecer a expanso de prticas sustentveis dos nichos para a vertente principal quando h vontade poltica para tal e quando h um ensejo para mudar de direo que seja plausvel para toda a sociedade (no caso, a catstrofe atmica de Fukushima ou a crise da vaca louca na agropecuria). Assim, o estmulo produo prpria e a reconexo dos produtores com os consumidores e da economia com a regio so fundamentos centrais para novas percepes e para a reduo dos custos ambientais mediante menor intensidade de transporte e reconquista de possibilidades de governana.

    O principal ganho, porm, reside na reinsero: a alienao e o feedback interrompido (entre produtores e consumidores) so dois fortes impulsionadores da no sustentabilidade. Vista dessa maneira, a globalizao econmica , acima de tudo, uma "extirpao" da economia de seus laos sociais e naturais regionais, assim como a acelerao da alienao entre produtores e consumidores. Por conseguinte, a reintegrao das esferas da gerao e do consumo um elemento essencial de qualquer estratgia de sustentabilidade.

    A economia da subsidiariedade: poupar recursos desglobalizando

    Deve ter ficado claro que compartilhar e utilizar coletivamente os bens, aumentar a durao da vida til dos produtos, aprimorar a reparabilidade dos bens de uso e reintegrar produo e consumo trazem consigo uma tendncia imanente rerregionalizao das estruturas de produo e consumo. Os mritos ecolgicos desse desenvolvimento so aparentes: primeiramente, dizem respeito sobretudo a uma menor intensidade energtica e de transporte da economia, mas tambm a uma intensificao das ligaes entre consumidores e produtores. Se possvel ou mesmo racional que as sociedades industriais devoradoras de recursos retornem completamente a uma economia de subsistncia primordialmente regional no fcil de responder, tendo em vista as condies econmicas em um mundo que hoje tem mais de sete bilhes de pessoas (e logo ter nove ou dez bilhes).

    Por isso, a orientao geral pela ideia norteadora da "subsistncia" faz menos sentido para mim do que pela ideia norteadora da "subsidiariedade" e num sentido duplo. Assim como, politicamente, entende-se por subsidiariedade o fato de que no

    achbereiche-und-gebiete-wirtschaft/fachbereiche-und-gebiete-wirtschaft-aktuelles/aktue lles-details/details/social-banking-markt-mit-16-millionen-kunden/ (acesso em 01/07/2014).

    27

    A deciso, tomada pelo governo alemo aps a catstrofe de Fukushima em 2011, de fechar

    todas as usinas nucleares at 2022 e aumentar consideravelmente a produo de energia solar e

    elica. (Nota do Editor) 28

    Aps o surgimento da epidemia da encefalopatia espongiforme bovina (doena da vaca louca) na

    Alemanha, no final de 2000, o governo alemo deu incio a uma mudana poltica na direo de

    uma agropecuria mais ecolgica e benfica para o consumidor. (Nota do Editor)

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    preciso ser regulamentado em nvel superior o que pode ser regulamentado melhor ou to bem quanto em nvel inferior, economicamente seria o caso de que os bens devem ser produzidos na rea espacialmente mais prxima, sempre que isso for possvel em termos prticos e racionais em termos econmicos. 29

    No caso de bens que, por motivos climticos ou geolgicos, no podem ser produzidos ou extrados na Alemanha (frutas ctricas, madeiras nobres, petrleo, gs, terras-raras etc.), em uma estratgia voltada sustentabilidade surge a questo de se esses produtos podem ser substitudos ou no. Em caso negativo, devem ser elaborados arranjos de sustentabilidade em nvel superior (Unio Europeia, Organizao Mundial do Comrcio) sob a forma de acordos comerciais e ecolgicos ou normas fiscais que fixem padres socioeconmicos para todos (e tambm os apliquem).

    Compreendida dessa forma, portanto, subsidiariedade significa duas coisas: preferncia por produo regional e descentralizada e regulamentao com orientao sustentvel dos fluxos internacionais de bens com o objetivo de assegurar a equidade competitiva e preos "ecologicamente verdadeiros". Esse caminho seria preferencial a uma estratgia de regionalizao orientada puramente ao desacoplamento.

    Assim sendo, uma "economia da subsidiariedade" fortalece o mercado regional perante o global, e o setor informal da economia perante o formal. A poltica deve contribuir para o fortalecimento das economias regionais incluindo o transporte internacional martimo e areo de forma consequente nos regimes de tributao ecolgica e proteo ambiental, tambm garantindo que padres e direitos de proteo sejam empregados contra a explorao da mo-de-obra nos pases emergentes e em desenvolvimento.

    Hoje em dia, ningum deveria temer a censura de estar querendo "reverter a globalizao". Na verdade, s foi possvel levar a diviso do trabalho da economia mundial to longe assim porque as rendas tm uma distncia enorme entre si e os custos dos direitos de proteo cultural, social e ecolgica nas localidades de produo so menores do que na Alemanha.

    A economia da resilincia: poupar recursos com autonomia robusta

    Nos ltimos tempos, foi feita por diversas partes a tentativa de tornar o conceito de resilincia frutfero para o debate da sustentabilidade. 30 Resilincia entendida

    29

    Essa percepo no nova, tendo sido formulada pelo grande John Maynard Keynes j em 1933

    (no ensaio intitulado "National Self-Sufficiency", traduo: "Autossuficincia nacional") como segue:

    "Ideias, conhecimento, arte, hospitalidade, viagens tudo isso so coisas que, por sua natureza,

    devem ser internacionais, mas que os bens sejam produzidos no pas sempre que isso seja racional

    e possvel do ponto de vista prtico [...] No sou da convico de que os sucessos econmicos da

    diviso internacional do trabalho atual sejam de alguma maneira comparveis aos antigos" (Keynes

    1984, p. 154). 30 Para o exemplo de Rob Hopkins, vide http://band1.dieweltdercommons.de/essays/rob- hopkins-resilienz-denken/ (acesso em 01/07/2014).

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    como a capacidade de um sistema ecolgico de manter-se estvel durante pocas de transformao.

    Aplicando-a a pases industriais como a Alemanha, surgem diversas questes: o transporte, a produo industrial e as residncias continuam fortemente dependentes do petrleo, que temos que importar na proporo de 100% o que acontecer se as fontes secarem, o abastecimento for interrompido ou os preos dispararem? Se a nossa agricultura, nossos recursos hdricos e nossa moradia baseiam-se em um clima estvel, ao qual nos adaptamos ao longo de sculos o que acontecer se esse clima se alterar de uma hora para outra? A (relativa) estabilidade dos nossos sistemas de segurana social, dos nossos mercados de trabalho e das nossas finanas estatais depende do crescimento econmico permanente o que acontecer se ele no se verificar por um perodo dilatado ou mesmo permanentemente, e ns tivermos que lidar com gesto do encolhimento (ao menos em algumas regies)?

    Hoje, as respostas a essas perguntas so deixadas de lado pela economia, pela poltica e pela sociedade, pois significam uma dolorosa troca de estratgia: por isso, no ramo poltico aposta-se quase tudo na descoberta de novas fontes de energia e recursos, renovveis ou no; afora isso, espera-se o crescimento econmico, seja convencional ou verde, quantitativo ou qualitativo, muito embora essas estratgias tenham limitaes que logo so atingidas. A abordagem da resilincia faz o caminho inverso e pergunta como se pode reduzir a dependncia da economia em relao ao suprimento externo de recursos e ao crescimento permanente e fortalecer sua capacidade de resistncia a distrbios. Economia de energia e fontes energticas renovveis conteriam a mudana climtica,31 alimentos regionais e sazonais reduziriam os transportes intensivos em energia, e ciclos rurais dariam o suporte para tal; ligaes inter-regionais de produo e consumo ajudariam a obter estabilidade e maior capacidade de governana, portanto uma espcie de "autonomia regional"; moedas complementares protegeriam contra crises financeiras e monetrias, assegurando um grau mais alto de "autonomia financeira"; as atribuies estatais e a seguridade social seriam protegidas mediante impostos e criao simultnea de reas subsidirias de reproduo, sendo desvinculadas do crescimento da economia.

    No se trata de autonomia como objetivo (ou mesmo autarquia), mas sim de um grau maior de robustez por meio de mais independncia em relao a fluxos suprarregionais de materiais, bens e finanas, isto , o fortalecimento e imunizao sucessiva da regio em contraposio grande dependncia em relao ao exterior. Assim, o conceito de resilincia est aberto "troca de ideias, arte, conhecimento, hospitalidade e viagens" (para citar John Maynard Keynes), e tambm a uma certa medida de comrcio de artigos de luxo; contudo, o comrcio global de produtos massificados em uma estrutura de diviso ilimitada do trabalho, que, na busca contnua de novos mercados compradores, otimizao de custo, e potenciais de crescimento e eficincia, carece de qualquer possibilidade de governana e, afora

    31 Nesse ponto, Scheer 2005 continua sendo recomendvel.

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    algumas prsperas regies ganhadoras, cria cada vez mais regies perdedoras e com eroso social, no teria lugar nessa economia.

    A estratgia da resilincia est em contradio com iniciativas que pretendem levar adiante o aprofundamento da diviso mundial do trabalho e acelerar o fluxo global de produtos e servios (o acordo transatlntico de livre comrcio TTIP apenas o exemplo mais recente disso).32 A vulnerabilidade, a fragilidade da nossa complexa economia cresce, e cada crise aponta para a necessidade de estratgias de resilincia. Mas deve-se mesmo preferir uma "change by disaster" a uma "change by design", isto , preferir uma mudana por causa de uma catstrofe em detrimento de uma mudana por planejamento prprio?

    A poltica ocupa-se de planejamento, e nos gabinetes dos ministrios e seus servios cientficos criam-se planos para "haver mais segurana para o futuro". Porm, a imagem do futuro precisa ser reformulada, o paradigma da globalizao foi exaurido, a fragilidade a crises torna necessrio que se volte a pensar em responsabilidade e governana regionais. Medidas de resilincia devem ser tomadas e apoiadas, como j faz o movimento mundial "transition town", que est encontrando incentivo em cada vez mais cidades.33 Trata-se de iniciativas legtimas dos moradores das cidades que advm da preocupao com a capacidade e qualidade de (sobre)vida da prpria cidade e da prpria regio. Quando "(pre)ocupao consigo mesmo" e "preocupao com o mundo como todo" se unem, de se prever que a atuao em prol do desenvolvimento sustentvel tenha mais capacidade de se impor e ter efeito do que no caso de motivaes puramente egostas ou puramente idealistas. Logo, preciso fomentar esse movimento tambm na Unio Europeia.

    A nova ideia norteadora: a economia inserida

    Partindo-se do juzo fundamentado de que uma estratgia econmica centrada puramente em tecnologia, concorrncia e crescimento no nos tira do beco sem sada da insidiosa destruio do meio ambiente, assemelhando-se mais a uma autoiluso, ficou claro que deve ocorrer uma guinada no pensamento e na prtica a fim de se obter uma diminuio relevante do consumo de recursos e da natureza por vias pacficas e sem catstrofes. Nesse caminho, j existe uma srie de inovaes sociais que podem atuar como novas diretrizes da atuao poltica: o incentivo do compartilhamento de bens e do "consumo colaborativo", a elevao dos requisitos de qualidade a respeito da vida til dos produtos e de programas de "facilitao de reparos", o "prossumo" e a superao da alienao gerador/consumidor, assim como a orientao da economia na direo de subsidiariedade e capacidade de governana atravs de conexes regionais, resilincia e um grau maior de autonomia.34

    32 Sobre isso, criticando: www.campact.de/ttip/; concordando: http://ec.europa.eu/trade/policy/ in-focus/ttip/ (ambos acessados em 02/07/2014). 33 Vide http://transitionculture.org (acesso em 02/07/2014).

    34

    Desenvolvi as primeiras reflexes a respeito do nvel local em Loske 2013 b.

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    As inovaes sociais aqui discutidas tm condies de reduzir de 5 a 10 vezes a taxa de consumo material e energtico das sociedades industriais e sua emisso de gases causadores de mudana climtica at a metade do sculo? Dificilmente sero possveis respostas taxativas a essa pergunta. Elas devem forosamente ser especulativas.

    Mesmo que hoje parea pouco provvel que as orientaes e prticas descritas consigam se impor na extenso necessria e na velocidade necessria para atingir os objetivos requeridos de sustentabilidade a ponto de atenuar ou mesmo impedir as consequncias da mudana climtica, elas podem ser vistas, no parecer de uma srie de representantes dessa tese, como a "construo de botes salva-vidas"35 para os tempos aps o "grande colapso"36 ou como preparao para uma "civilizao verdadeiramente humana", surgindo dos escombros da runa do sistema de industrialismo e consumismo.37

    Protagonistas menos apocalpticos da sustentabilidade sublinham a possibilidade de unio entre "eficincia e suficincia", ligando-as aditivamente, por assim dizer. A combinao de inovaes tcnicas e sociais, de eficincia, base material modificada (renovvel) e estilos de vida suficientes traz em sua soma a desonerao necessria do ecossistema. Essa estratgia de "melhor, diferente, menos"38 possui vantagens substanciais, mas tambm abriga diversas dvidas.

    A pergunta decisiva talvez seja se a "cultura da eficincia", com uma orientao de dinmica inovadora, acelerao e alta intensidade competitiva, pode coexistir pacificamente com uma cultura de suficincia, em cujo centro esto vida til longa dos produtos, desacelerao e alta intensidade de cooperao.39 Tambm aqui a resposta no de nenhuma maneira inequvoca, mas duvidoso se a ligao puramente aditiva de eficincia e suficincia, de inovao tcnica e mudana de estilo de vida de fato realista ou se ocorrem certos efeitos exclusivos. Motivaes polticas oportunistas talvez proponham a tese de que possa haver "conciliao" de tudo (em vez de "segregao"), mas se isso realmente se sustenta j uma questo bem diferente.

    O ponto de vista qui mais interessante sobre o problema da eficincia/suficincia envolve o conceito de economia dual. Nele feita uma distino entre o setor formal e o setor informal da economia, sendo que o primeiro compreende a esfera da economia de mercado capitalista e o setor pblico, ao passo que o segundo regido pela orientao a necessidades, autodeterminao e autogesto. Eventualmente, efetua-se a distino de ambos os setores tambm em

    35 Como exemplo disso: Bahro 1987. 36 Diamond 2005. 37 Nesse sentido, Jrgen Dahl fala de "otimismo do fracasso" (Dahl 1994). Minha resposta tese de Jrgen Dahl: Loske 1994. 38 Em contribuies anteriores, eu tambm propaguei a estratgia do "melhor, diferente, menos", que se ilustra de forma aparentemente muito harmnica no campo da poltica energtica,

    exatamente onde vale a estratgia dos trs EE eficincia energtica, energias renovveis e

    economia de energia; cf. Loske 1996.

    39 Sobre isso, Loske 2012, especialmente p. 25 ss.

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    torno dos conceitos de setor "produtivo" e "reprodutivo", ou "economia monetria" e "economia de subsistncia". Desde o incio dos anos 1980, os mentores de uma "economia alternativa"40 socioecolgica argumentam que os vultosos ganhos de produtividade e progressos tcnicos do setor formal (mormente os da indstria) devem ser devolvidos populao trabalhadora no apenas na forma de salrios maiores, mas tambm na forma de horrios de trabalho reduzidos, melhores condies de trabalho e lazer, e uma renda bsica incondicional que permita que todos os cidados tomem parte no produto social gerado coletivamente. Segundo a tese, esse mecanismo possibilitaria restringir gradualmente a importncia do setor formal e elevar de acordo a do setor informal.

    Portanto, por um lado os setores so compreendidos como opostos que seguem valores completamente diferentes; por outro lado, contudo, a produtividade (eficincia) alta e crescente do setor formal vista como requisito para que a importncia do setor informal e do tempo livremente disponvel possa gradualmente crescer. Assim, em terminologia marxista, de certa maneira trata-se de limitar e humanizar o "reino da necessidade" e ampliar e promover o "reino da liberdade".

    Crticas a esse ponto de vista eram feitas j no seu auge, nos anos 1980. Sobretudo a ptica feminista e socialista advertia sobre uma idealizao do setor informal ou reprodutivo. Pensar que os homens, com menos tempo trabalhando por remunerao, iriam ento se dedicar com gosto ao trabalho para si ou para a famlia (cuidar dos filhos, tratar dos idosos, cuidar da casa, plantar, fazer as compras etc.) seria pura fantasia, sem nenhum embasamento emprico; por outro lado, rejeitava-se a deduo de que as mulheres tambm se submetiam ao estresse produtivo: o motivo subjacente no era a integrao desejada na mquina de trabalho capitalista, mas a obteno de maior autonomia atravs da prpria atividade remunerada. Alm disso, segundo uma outra crtica, o olhar nostlgico ao trabalho reprodutivo (supostamente to valioso) seria uma fuga para a "comodidade", oriunda do medo dos rigores da "sociedade de risco". No entanto, o fato de que essa esfera reprodutiva representava e representa um significativo mundo alternativo era propositadamente negligenciado, sendo, quando muito, admitido literariamente como agradveis recordaes da infncia.

    Porm, no fim no foram essas crticas que fizeram com que, desde o incio dos anos 1990, tenha-se feito muito menos barulho em torno da ideia da economia dual, mas desenvolvimentos polticos: o fim da "concorrncia dos sistemas", a liberao politicamente impelida do comrcio mundial e a ascenso dos pases emergentes aumentaram enormemente a presso competitiva global e enfraqueceram as estratgias sindicais para a implementao de redues de horrio de trabalho, assim como as ideias de desvinculao entre trabalho remunerado e seguridade social

    40 Aqui, devem ser citados especialmente Andr Gorz (sobretudo suas obras "Adeus ao proletariado", de 1980, e "Os caminhos do paraso", de 1983), Joseph Huber (sobretudo suas obras

    "Quem deve mudar todas as coisas as alternativas do movimento alternativo", de 1980, e "As duas

    faces do trabalho", de 1984) e Ivan Illich (sobretudo suas contribuies sobre o "trabalho nas

    sombras" e a "colonizao do setor informal", de 1980).

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    bsica (renda bsica); no se chegou ao "fim da sociedade do trabalho" (Andr Gorz) pelo contrrio, hoje cada vez mais grupos populacionais so empurrados para o mercado de trabalho, pois o trabalho rende cada vez menos. Em uma rara concordncia, a poltica, a indstria e as feministas esto lutando para que tambm as mulheres se entreguem de corpo e alma ao trabalho remunerado e deixem seus filhos o mais cedo possvel em creches; em contrapartida, homens trabalhando em meio turno ou com licena-paternidade mais longa ainda so a exceo.

    Quando se examina com sobriedade esses desenvolvimentos, no possvel constatar que o setor informal tenha ganhado diante do setor formal a importncia prevista ou almejada. Ao invs disso, a tendncia principal vai direo da comercializao e economizao de mais esferas da sociedade humana. Porm, ao mesmo tempo desenvolve-se uma resistncia a essa tendncia generalizada de desautonomizao e germinam novas formas de "coletivizao", algumas das quais tendo sido descritas aqui. Assim, possivelmente faz sentido refletir novamente sobre a ideia da economia dual sob as condies atuais e iniciar um dilogo sobre seu fomento poltico.

    indubitvel que o sistema econmico-tcnico da sociedade industrial capitalista no capaz de extrair de si mesmo estratgias de sustentabilidade satisfatrias. Decerto pode-se assumir que a virtude especfica desse sistema, a garantia da mxima eficincia de mercado, tambm pode levar (mediante uma regulamentao correta, como sinais de preo ecologicamente motivados) a uma melhor eficincia de utilizao dos produtos naturais, mas a lgica de crescimento imanente ao capitalismo vai sempre garantir que os ganhos em eficincia sejam consumidos pela expanso, havendo pouco ganho para a natureza no fim das contas.

    No devemos assumir que desenvolvimentos como a sociedade de servios, a sociedade da informao ou o "crescimento verde" nos levaro praticamente por si s ao caminho da sustentabilidade. Ainda no temos a resposta pergunta sobre como a economia pode ser reinserida sustentavelmente na sociedade, e como esta, por sua vez, pode ser reinserida nos elementos vitais bsicos naturais. Essa tarefa de reintegrao da nossa economia necessria para evitar a superutilizao dos nossos elementos vitais bsicos naturais.

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    Sobre o autor

    Reinhard Loske professor titular para Poltica, Sustentabilidade e

    Dinmica da Transformao da universidade de Witten/Herdecke. De

    1998 a 2007 foi deputado federal pelo Partido Verde e de 2007 a 2011

    Secretrio Estadual de Meio Ambiente e Transporte do Estado de Bremen,

    na Alemanha.

    O artigo foi publicado anteriormente na revista Leviathan

    Loske, Reinhard 2014. Neue Formen kooperativen Wirtschaftens als

    Beitrag zur nachhaltigen Entwicklung - berlegungen zur

    Wiedereinbettung der konomie in Gesellschaft und Natur, em:

    Leviathan, 3/2014, p.463-485.

    Disponvel em: http://www.nomos-

    elibrary.de/index.php?dokid=375501&tid=1072919

    http://www.nomos-elibrary.de/index.php?dokid=375492

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    Expediente

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    Rua da Glria, 190/701 Glria 20.241-180.

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    Telefone. +55 21 3221 9900

    Texto: Reinhard Loske

    Traduo: Tho Amon

    Publicado em http://br.boell.org em fevereiro de 2015

    Mais informaes: [email protected]

    http://br.boell.org/mailto:[email protected]