Brasil, 2010
Numa sociedade individualista,A ESPIRITUALIDADE
É O CAMINHO
Associação Nacional dos Leigos Amigosde Murialdo - ANALAM
Sumário
Apresentação ............................................................................................... 05
Uma palavra inicial ....................................................................................... 06
1. DA CRISE PARA A BUSCA DO SENTIDO .................................................. 07
1.1. Tempos e Vidas Líquidas ................................................................ 07
1.2. Mudança de valores ....................................................................... 10
1.3. Materialidade rica X espiritualidade pobre ....................................... 13
1.4 Ideologia do ter ................................................................................16
1.5. Dialogando em monólogos tecnológicos ........................................19
1.6. Princípios e Valores: uma história em construção ............................. 24
2. EXISTE UMA LUZ NO HORIZONTE .......................................................... 33
2.1. A redescoberta da Espiritualidade – Plenitude da realização humana ....33
2.2. Espiritualidade, alavanca da resiliência ............................................ 37
2.3. Promessa: aliança de compromisso ................................................ 40
2.4. Fontes seguras da espiritualidade ................................................... 43
2.5. A paixão de Deus por nós ............................................................. 44
2.6. A espiritualidade provoca a missão ................................................. 47
2.7. Murialdo: “ne perdantur” ................................................................ 49
3. O CAMINHO SE FAZ CAMINHANDO ...................................................... 51
3.1. Pessoas que contagiam ................................................................. 52
3.2. Pessoas de comunidades .............................................................. 54
3.3. Evangelizar é preciso .................................................................... 56
3.4. Espiritualidade: Fios que tecem rede .............................................. 57
3.5. ANALAM: na espiritualidade solidária .............................................. 59
Considerações finais ......................................................................................... 61
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 5
Apresentação
É com muita satisfação que estamos apresentando mais umsubsídio da Associação Nacional dos Leigos Amigos de Murialdo -ANALAM. Ele vem responder aos anseios do grupo de leigos que sereuniram em Araranguá no X Congresso-Assembleia. Depois de muitareflexão e troca de ideias foi constatada a necessidade de falarmos dotema da espiritualidade. O trabalho de criação do Conselho Formativo é
incansável e eficiente.
Temos a grata satisfação de apresentar a cada um dos leitores e principalmenteaos Leigos Amigos de Murialdo um material profundo e com embasamento em estudose na história construída até o presente momento.
Neste subsídio temos a certeza de que nossas práticas serão fortificadas, porqueele fala não apenas das ações, mas de como se conserva viva a fé que nos move e decomo é importante termos uma fonte que alimente nosso interior.
Em uma floresta vemos árvores que crescem muito acima das outras. Isto écausado pela ânsia de buscar a luz do sol que é fonte de energia e calor para elas. Assimsão as pessoas que possuem espiritualidade. Fazem todo o esforço para buscarem aluz e o calor que está em uma fonte transcendente que as torna transparentes e iluminadasno ambiente onde estão inseridas.
Perceberemos que todo aquele que cultiva a espiritualidade sente-secomprometido com a solidariedade e preocupa-se com seu semelhante, principalmentecom os mais frágeis da sociedade. Uma pessoa espiritualizada tem a clareza de quevivemos uma interdependência na sociedade e que, se quisermos voar, temos de nosabraçar.
Com isso, vemos que nossa instituição, a ANALAM, está fixada em bases sólidase que cultiva a espiritualidade como fim tornando-se assim uma luz de solidariedade quese espalha em nossa sociedade.
Assim, caros leitores, aproveitem todo este material e usem-no como uma dasfontes para alimentar sua espiritualidade, e nunca esqueçam que está em Deus, aqueleque nos criou e nunca nos abandona, o rio que jamais seca e irriga todo nosso interiorcom seu amor.
Boa leitura e reflexão a todos!
Leonel Wasem dos Reis
Presidente
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho
O X Congresso-Assembleia da ANALAM, realizado em 2009, no Balneário Arroio
do Silva (SC) nos deixou um grande compromisso: o de desenvolver o tema “Numa
sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho” para formação e
aprofundamento a seus associados.
Diante do desafio, após muita reflexão, estudo, encontros e reencontros, o
Conselho Formativo coloca à disposição este material. Para entendê-lo, precisamos
relembrar da justificativa que fez com que esse anseio se tornasse necessidade:
1.Estamos vivendo um momento da história chamado por alguns estudiosos
de “tempos líquidos”. A característica desse tempo é o de transformar a existência
em efemeridade. O ser humano contemporâneo é chamado a viver na indiferença, no
desprendimento ao passado e ao outro. Tudo é efêmero e a vida, em seus produtos
e eventos, corre numa velocidade espantosa. O risco é o de se tornar ninguém.
2. Ao falarmos dos adeptos desse novo modelo de vida podemos dizer que
“nossos contemporâneos são pessoas materialmente ricas, mas espiritualmente
empobrecidos, famintos e cansados”(J. Brodsky).
3. A espiritualidade é mais do que uma prática religiosa.Ela é vista como um
conjunto de princípios e valores que norteiam uma vida para posturas de ética, de
cidadania, de convivência fraterna, de solidariedade, de respeito e comprometimento
com a própria raça, de saber cuidar de si, do outro e do ecossistema.
O presente subsídio também resgata parte da história da ANALAM. Olhar o
passado é ir na contramão dos “tempos líquidos”. A ANALAM tem uma história de
lutas, de conquistas e de convicções que foram construindo a história. Lembrando o
passado é possível manter uma direção e um comprometimento com a missão
institucional.
Assim, passamos a ter ainda mais certeza que a espiritualidade alimenta e
fundamenta a solidariedade e que o caminho se faz caminhando... Este não é um
subsídio para ser lido num dia e colocado na gaveta. Ele precisa ser degustado aos
poucos, individual e coletivamente...
Que Deus abençoe a todos e São Leonardo Murialdo continue sensibilizando e
encantando a todos.
Uma palavra inicial
Elo João Back
Coordenador do Conselho Formativo
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Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 7
1.1 Tempos e Vidas Líquidas
“Pense, fale, compre, beba
Leia, vote, não se esqueça
Use, seja, ouça, diga
Tenha, more, gaste e viva”
(Trecho da música “Admirável Chip Novo” de Pitty)
Ao ler este trecho da canção “Admirável Chip Novo”, sugiro que você atenha-
se a este refrão, que está descrito acima. Ele é bastante simples, mas retrata com
clareza as características principais do assunto norteador deste capítulo: Tempos e
Vidas Líquidas.
Este tema é trazido a público atualmente por diversos autores, entre eles o
sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em algumas de suas obras como “Vida
Líquida”, “Amor Líquido” e ainda “Medo Líquido”, publicadas pela Editora
Zahar.
E foi também na música, especialmente da roqueira brasileira Pitty, que
percebemos que “tempos líquidos” também se transformaram em ritmo e melodia.
Pitty, na canção “Admirável Chip Novo”, traduz a modernidade, a pressa, a
impetuosidade, a precipitação, a fugacidade, a dúvida, as agonias, o consumismo,
o desapego, a provisoriedade, o acelerado processo da individualização e, ao mesmo
tempo, a insegurança. Todas essas características são percebidas no estilo de vida
de uma sociedade líquido-moderna.
No período da modernidade as pessoas desejavam e eram movidas pela rapidez
1. Da crise para a busca de sentido
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho8
da informação, consumo permitido e tecnologia avançada. Agora, com a pós-
modernidade o que antes era desejado, passa a ser obrigação para sentir-se vivo
nessa grande selva de pedra que virou o dia a dia de todos nós.
Neste tipo de sociedade, pós-moderna, a vida não fica parada; tudo é temporário;
a data de validade do que é consumido tem prazo curto; as novidades de agora,
daqui a minutos já são de outrora, no tempo e no espaço; não existe o apego ao
humano, o que existe é o apego material, que também é transitório; há uma grande
insatisfação do eu consigo mesmo, as casas são maiores e com mais conforto, mas
as famílias são menores e cada vez mais solitárias; passamos mais tempo nos
aperfeiçoando a nível intelectual, mas entendemos menos ainda dos sentimentos de
nossos semelhantes. Nisso tudo está a liquidez da vida!
“A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de
incerteza constante. As preocupações mais intensas e obstina-
das que assombram esse tipo de vida são os temores de ser
pego tirando uma soneca, não conseguir acompanhar a rapidez
dos eventos, ficar para trás, deixar passar as datas de venci-
mento, ficar sobrecarregado de bens agora indesejáveis, perder
o momento que pede mudança e mudar de rumo antes de tomar
um caminho sem volta. A vida líquida é uma sucessão de
reinícios, e precisamente por isso é que os finais rápidos e
indolores, sem os quais reiniciar seria inimaginável, tendem a
ser os momentos mais desafiadores e as dores de cabeça mais
inquietantes. Entre as artes da vida líquido-moderna e as
habilidades necessárias para praticá-las, livrar-se das coisas
tem prioridade sobre adquiri-las.” (Bauman,2007, P. 8)
Por tudo isso é que Zygmunt utiliza o termo “liquidez”, para caracterizar o
estado da sociedade pós-moderna. Assim como os líquidos, ela se caracteriza pela
________________
Zygmunt Bauman (19 de novembro de 1925, Poznañ) é um sociólogo polonês que iniciou sua carreira na
Universidade de Varsóvia, onde teve artigos e livros censurados e em 1968 foi afastado da universidade.
Logo em seguida emigrou da Polônia, reconstruindo sua carreira no Canadá, Estados Unidos e Austrália,
até chegar à Grã-Bretanha, onde em 1971 se tornou professor titular da universidade de Leeds, cargo que
ocupou por vinte anos. Lá conheceu o filósofo islandês Ji Caze, que influenciou sua prodigiosa produção
intelectual, pela qual recebeu os prêmios Amalfi (em 1989, por sua obra Modernidade e Holocausto) e
Adorno (em 1998, pelo conjunto de sua obra). Atualmente é professor emérito de Sociologia das
universidades de Leeds e Varsóvia.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 9
incapacidade de manter a forma, de
solidificar costumes, hábitos e até mes-
mo verdades. Também se caracteriza
pelo consumo exacerbado onde “o lixo
é o principal, e comprovadamente,
mais abundante produto da sociedade
líquido-moderna de consumo”.
(Bauman, 2007, p. 17).
Hoje, tudo ao nosso redor,
emprego, relacionamentos, famílias e até
valores e princípios mostram a tendência
ao fluxo, à mudança, à momentaneidade
e ao ser descartável.
No entanto, para muitos indivíduos este acaba sendo o único projeto de uma
vida inteira: consumir de forma rápida e voraz, como uma grande obrigação diária,
tornando-se até mesmo um grande hábito. E descartar para consumir novamente.
Infelizmente, estes hábitos acabam propiciando a vivência das sensações de angústia,
mal estar e, insatisfação constante. Isto, porque quando não reconhecido socialmente
por suas “conquistas” ou até mesmo por seus “descartes”, o indivíduo manifesta
frustração, solidão e vazio.
Desta maneira, a visão do mundo volta-se cada vez mais a si mesmo e o
tempo acaba por escravizar a rotina e as relações interpessoais. Assim sendo,poucos têm disponibilidade para perceber o mundo que o cerca, com suas
desigualdades e desconfortos sociais.
Também são características da pós-modernidade:
• A idealização sobre o produto; império de ilusões que faz com que os
objetos percam sua função real para se relacionar com a imagem
ilusória da realização.
• A pessoa só está inserida na sociedade se compartilha dos mesmosprodutos que os demais.
• Cultura do efêmero (efêmero apego material, pois se compra sempre;
troca-se facilmente de opinião e necessidade).
• Habitat: shopping centers.
• Discriminação social devido ao valor dos produtos.
• Integração social, pois todos querem comprar.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho10
• Indução do consumidor a pensar que precisa de um determinado produto
através da propaganda (publicidade)
• Principal agente: publicidade que atua por meio do espetáculo, da
excitação.
• Busca pela individualidade, porém sem ser tão diferente do resto (estar
na MODA, mas ser único e melhor).
• Busca por satisfação imediata através das compras.
• Frustração antecede a compra - a vida está ruim, então vou consumir.
• Falência das relações humanas, pois se apega mais a objetos do que a
pessoas.
• Alienação, pois deixa o sistema dominar.
• Reprodução de pensamentos e estilos de vida.
• Falsa promessa de liberdade, pois se acaba escravizado: existem
modelos de celulares para se escolher, porém não se pode optar por ter ou
não celular, o sistema impõe que se tenha, senão somos retrógrados.
• Estilização dos produtos: engrandecimento da dimensão simbólica do
produto baseado nas suas qualidades funcionais.
• Valorização do novo, ideia de ser jovem, todos podem ser jovens
desde que consumam as mercadorias adequadas.
• A cultura de consumo transformou a própria cultura, tradicional e
popular, em objetos de consumo, onde tudo passa a ser mercadoria (cultura
de massa).
1.2 Mudança de valores
“Há, em nós, um cérebro que pensa e também que cria fantasi-
as e valores pessoais. Esta ação abre um espaço muito impor-
tante na pessoa, que é seu imaginário, isto é, o conjunto de suas
fantasias, valores, crenças, ideais e objetivos pessoais. Esta
parte é tão importante como a racional para a vida da pessoa.”
(Teles, 2006, p.81)
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 11
Muito se escreve e se fala sobre como, na sociedade moderna e pós-moderna,
os valores estão mudando num ritmo vertiginoso. Há quem diga também que a
humanidade caminha para uma sociedade sem valores. Os sociólogos
contemporâneos, mediante estudos realizados, indicam uma mudança de valores,
pelo menos no plano coletivo.
“Etimologicamente, valor tem a mesma raiz do verbo latino
valere, que significa “ser forte, vigoroso, eficaz” e também “ter
saúde”; daí o termo enfermo para irrecuperável quando para o
trabalho de “inválido” (“o que não vale”). Valor também pode
ter o sentido psicológico de mérito, quando nos referimos ao
talento de alguém ou à coragem de um valoroso guerreiro:
“valente” é “aquele que vale”. (ARANHA, 2005, p.198)
A disciplina filosófica que estuda os
valores é a axiologia (Teoria dos Valores –
do grego axis: precioso, valioso e logia:tratado). Axiologia vem a ser a teoria crítica
dos valores.
No mundo da linguística há inúmeroscampos em que a palavra valor aparece,tais como na matemática, na física, namedicina, no direito, na música etc. São valores também a justiça, a honestidade, orespeito, a verdade, a beleza.
Valorar ou atribuir valor é uma experiência fundamentalmente humana que seencontra no centro de toda escolha de vida. Fazer um plano de ação nada mais é doque dar prioridade a certos valores positivos e evitar os valores negativos que sãoprejudiciais, tais como a inveja, a preguiça, a injustiça.
O objetivo de qualquer valoração é, sem dúvida, orientar a ação prática. Portanto,diante daquilo que é, a valoração nos orienta para o que deve ser. Por isso, diz-seque os valores surgem das relações que os indivíduos mantêm entre si e com osoutros no meio em que vivem.
Os valores que desenvolvemos nascem da cultura. Essa é a razão pela qualpovos diferentes valorizam realidades distintas.Também é por isso que muitos
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho12
elementos que são valorizados por alguns grupos humanos não o são por outros. Os
valores, portanto não são absolutos, mas condicionados pela cultura espaço-temporal.
Nem todos os valores de antigamente permanecem sendo valores atualmente. Nem
todos os valores para nós, são valores para outros.
Neste sentido a afirmação do professor Manuel Garcia Morente, é muito
pertinente. O autor afirma que nossas relações com a realidade se desenvolvem a
partir de seu significado para nós, ou seja, as coisas não nos são indiferentes.
“Não há coisa alguma diante da qual não adotemos uma posi-
ção positiva ou negativa, uma posição de preferência (...) não há
coisa alguma que não tenha valor. Umas serão boas, outras
más, umas úteis, outras prejudiciais; porém nenhuma absoluta-
mente indiferente”. (Morente, 1967, p. 293/294)
Ou seja, sempre estamos emitindo juízos sobre as realidades. Ou nos
relacionando com elas a partir da valoração que lhes atribuímos. Em síntese, podemos
dizer que aquilo que nos leva a tomar decisões, não é, em primeiro lugar a liberdade,
mas nosso quadro de valores. E este, em grande parte, é determinado pela cultura.
Assim sendo, podemos dizer que viver é fazer escolhas e fazemos escolhas
porque atribuímos valores aos elementos e realidades que circundam nossas vidas,
ou seja, o que nos leva a fazer o bem ou o mal é a capacidade de escolher.
Contudo, mesmo inseridos num mundo “líquido moderno”, há valores que deverão
ser sempre sólidos! Dentre eles destacam-se aqueles valores religiosos e espirituais
tão bem marcados na vida de São Leonardo Murialdo. E, que nós leigos, podemos
transferir para nossa existência através de sua prática cotidiana.
Neste âmbito, os valores passam a ser aquele conjunto de princípios que
norteiam, de forma positiva, a vida humana. Assim sendo, para os cristãos os valores
são imutáveis, porque sempre conservarão em si, o significado de suas essências.
Aqueles valores que se enraízam no coração, entram nas famílias, através de seus
progenitores (os Pais) nossos primeiros mestres. É no seio da família que se vivem
valores como o respeito, a verdade, a responsabilidade, o amor e a solidariedade.
Por isso, para nós Leigos Amigos de Murialdo, valor é uma dimensão da pessoa
humana que busca determinar o nosso jeito de pensar, agir e conviver. Ao valor se
tem um sentimento de estima, de apreço, porque é algo bom e significativo para a
vida. O valor é profundamente carregado de sentido e determina a vida de cada pessoa
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 13
que é única. O valor cristão está sempre em referência ao ser, e não ao ter, indo
assim, na contramão da sociedade líquido moderna que vivemos.
1.3 Materialidade rica X Espiritualidade pobre
Em tempos líquidos, como os que
vivemos hoje, os medos e as incertezas
são comuns na vida de todos os
indivíduos.
Cada vez mais as famílias já não
são tão fortalecidas e com grande
capacidade de proteção como em tempos
atrás. Aliás, há famílias que se tornam
problemas causando uma grande
insegurança aos seus próprios membros.
Já não são lares, são apenas casas
habitadas por membros consanguíneos.
Entretanto é ali que todos se
amedrontam com a violência, com as
mudanças climáticas, com as epidemias, com o terrorismo, com a exclusão e até
com o desemprego.
Em contra partida, é ali também que as pessoas correm atrás de um tempo
para estar sempre atualizado profissionalmente, acumulando conhecimentos e
certificados, vivem em casas com grandes aparatos de segurança, mantêm-se
informados do mundo através de atualizadas máquinas de última geração, compram
o último lançamento de celulares, automóveis, computadores e ipods. Mas conversam
cada vez menos entre si, convivem cada vez menos em espaços públicos, enviam
cada vez mais e-mails, telefonam cada vez menos e, até desconhecem o nome do
vizinho da casa ao lado!
Muitos são “pessoas líquidas”: pobres, miseráveis. Possuem apenas bens
materiais, dinheiro e contas bancárias com bons saldos. Toda pessoa materialista
merece piedade. Ela apenas crê no que toca. Vive em função da realidade que vêm
e que proporciona lucro e prazer para si. Gasta o rápido tempo da sua existência no
pequeno mundo da produção e do consumo. Cria um mundo ao redor de si. É
essencialmente egoísta. Fechada em si mesma, esquece de olhar para cima. O
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho14
mundo tem o limite de suas mãos.
Esta é a realidade líquida que traz uma materialidade rica, mas torna o indivíduo
espiritualmente pobre!
Hoje o mundo se encontra mergulhado numa crise profunda. Poder-se-ia dizer
como Leonardo Boff que o contexto é dramático, perigoso e esperançador. As notícias
são diárias, constantes e descrevem atos de violência que degradam a raça humana,
de outro lado, respostas da natureza que chocam a humanidade através de enchentes,
terremotos, maremotos, tornados e tufões. Estamos assistindo atônitos a uma história
que parece nos fugir por entre os dedos e sobre a qual não temos o menor controle.
A “liquidez” da vida está expressa num sem número de acontecimentos que ainda
não passaram pela assimilação das pessoas e já nos deparamos com um outro
ainda mais assustador.
As várias crises pelas quais passou a humanidade em sua construção históricaindicam momentos conturbados pelos quais passa o ser humano. E as crises nada
mais são do que resultados da situação interior em que vivem as pessoas na sua
individualidade e que tem repercussão na coletividade. Podemos dizer, então, que é
a pessoa que vive em crise e não a realidade. Quando dizemos que o dia “está chato”
estamos afirmando que existe uma “chatice” dentro de nós.
Os dias são sempre iguais, com sol ou com chuva. Mas a
percepção do dia é que tem a ver com a nossa situação
interior.
Estamos num momento crítico porque estamos
vendo que se passou um século dos estudos e descobertasda modernidade e vivemos agora em tempos de labirintos e
equívocos. E nos encontramos na pós-modernidade como
vítimas de um materialismo que se radicalizara como a
expressão máxima do exercício da felicidade das pessoas.
Bastava ter bens para ser feliz. Poucos conseguiram os bens
e nem eles, nem os que não os conseguiram se sentem
felizes, mas para todos em geral, o pêndulo da balança se
fixava no “ter”.
Quando se estuda história costuma-se ouvir a
afirmação de que o século XIX, dos anos oitocentos, foi a era
do materialismo. Nele aconteceram formidáveis conquistascientíficas e tecnológicas, avanços artísticos, ciências vitais,
porém a lógica industrialista empobreceu a concepção de
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 15
ser humano trabalhador, acenderam-se as competições e ganhou força a agressividade
da vida social. Século de grandes realizações e de grandes decepções. É preciso
lembrar ainda que este foi um século de espírito secularista e antirreligioso.
O século passado, o XX, herdou tudo isso do anterior. Aconteceram aí as duas
grandes Guerras Mundiais. O mundo passou a ser visto como matéria neutra a serviço
da manipulação e exploração humana. Foi aquela arrogância humana que fez a
humanidade desembocar no atual alerta ecológico. E dizem os estudiosos da ecologia
que quando o ser humano se desarmoniza do cosmos ele desperta em si energias e
forças destrutivas. O lucro e a corrida pelo dinheiro rompem o equilíbrio do ser humano
com a natureza. Ele se torna mero explorador dela.
Costuma-se analisar a humanidade do século XX como extremamente
materialista até os anos 60. Foi quando ela entrou num cansaço materialista. A partir
de então surge um novo pensamento que afirma a importância da transcendência e
da presença de Deus na história. Como consequência nasce uma nova mística, que
é cheia de confusões. Há uma volta a um novo tipo de sagrado. É preciso lembrar
que na sociedade tradicional, o sagrado cumpria a função normativa e constitutiva da
sociedade. Ele é que dava as diretrizes de comportamento social para as pessoas.
Agora de uma religião surgem brotos para todos os lados como o pentecostalismo
católico, as novas e estranhas seitas protestantes que se multiplicam, as mais
variadas influências orientais. Regis de Morais chega a afirmar que vivemos hoje
“essa orgia mística feita de muita confusão” (Espiritualidade e Educação, p. 28).
Ainda é essa a experiência mística que vivencia a humanidade hoje. Talvez a melhor
síntese é esta apresentada pelo jesuíta J.B. Libanio:
“Cada vez mais se faz freqüente que alguém recolha na sua
cesta espiritual ritos de diversas lojas religiosas e construa seu
próprio cardápio. De uma religião oriental retira a contemplação
com seu ritual, de uma religião do livro – Cristianismo ou
Islamismo – deleita-se com leituras espirituais, de certas
celebrações católicas guarda o esplendor simbólico social,
como o matrimônio, etc. Em nenhum dos casos o fiel compro-
meteu-se socialmente com o caráter normativo da religião.
Esse coquetel religiosos pode ser ainda mais plural.”
(J.B. Libanio. Ser cristãos em tempos de nova era, p.16)
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho16
Ora, o que ficou claro para a pessoa do início do século XXI é que chegamos
a uma virada da história onde não é nada difícil perceber o sem sentido e a ineficácia
do materialismo, todavia ainda estamos mergulhados num caminho místico cheio de
confusões ou, até, contradições. Vivemos uma religiosidade fragmentária, que pega
um pouco de tudo e segura quase nada de tudo.
Os dias atuais são de incomum sensibilidade ao espiritual. Quando esse tema
é referido em palestras, encontros, seminários... desperta interesse fora do comum.
Volta o desejo da transcendência. A disposição religiosa não é mais coisa apenas de
padres e freiras, de beatas ou pastores, mas é interesse de cientistas, de médicos...
Existe uma busca de espiritualidade ainda por encontrar um caminho coerente com
a fé. Ela deverá ser mais do que conjunto de exterioridades superficiais ou ritualismos
mágicos resolvidos com uma vela que se acende para um santo ou uma caminhada
que se faz para pagar promessa. As manifestações de gestos de fé parecem indicar
para atitudes mais profundas que fazem a pessoa voltar-se para o outro e o mundo;
trata-se de um cotidiano vivido com o interesse pelo bem comum e pautado nos
frutos da solidariedade e da justiça garantidora da paz.
1.4 Ideologia do ter
“Nem só de pão vive o homem” e também não só de espírito se vive. Nós
não somos apenas espírito nem somente matéria, mas uma junção dos dois. Assim
precisamos alimentar nosso corpo físico tanto quanto precisamos nutrir nossa alma.
Qualquer desequilíbrio, seja num lado ou no outro, é causador de problemas.
Atualmente a própria medicina tem reconhecida a necessidade de se manter
uma mente tranquila e harmoniosa a fim de
propiciar um organismo saudável. Já está
comprovado como um estado mental positivo,
com bom ânimo e alegria, pode, senão curar ao
menos facilitar a cura de muitas doenças.
Segundo a OMS (Organização Mundial da
Saúde) a definição de saúde é: “um estado de
completo bem-estar físico, mental e social…”.
A inter-relação entre físico e mental é
inquestionável, já é fato comprovado. O fator
social acaba sendo consequência do fator
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 17
mental, mas não só dele. Vivemos em uma sociedade capitalista “líquida” onde épreciso comprar aquilo de que necessitamos para viver: comida, roupas, casa, porémo ser humano está em detrimento do “ter humano”. Isso é real!
E neste sentido acaba-se comprando o que também não necessitamos. Criam-se necessidades a todo o momento. Precisamos estar bem mentalmente, para issocompram-se as leituras de autoajuda! Ou apela-se para a compra de um antidepressivo!
Se o humor está em baixa, vamos ao shopping! Ou seja, a inovação de hoje devesolucionar muitas destas necessidades!
“A busca por prazeres individuais articulada pelas mercadorias
oferecidas hoje em dia, uma busca guiada e a todo tempo
redirecionada e reorientada por campanhas publicitárias
sucessivas, fornece o único substituto aceitável – na verdade,
bastante necessitado e bem-vindo – para a edificante solidarie-
dade dos colegas de trabalho e para o ardente calor humano de
cuidar e ser cuidado pelos mais próximos e queridos, tanto no
lar como na vizinhança.” (Bauman, 2008, p.154).
Vivemos tempos líquidos em que o permanente como essência da vida deulugar ao modismo da atualidade. Em tempos líquidos o ato de consumir é o norteador
da ação humana. As práticas dos indivíduos estão sempre articuladas com o ato deconsumir. É uma vida de consumo. Tudo é projetado como objeto de consumo, masas coisas já perdem seu valor e poder de sedução a partir do momento em que sãousadas; são líquidas, já não valem mais, já são passado. E precisam ser substituídas.
“Assim como o tempo, o dinheiro é um incrível quantificador de
valor. O que compramos com ele mostra aquilo que é importan-
te para nós. A maneira como compramos representa o nosso
caráter, a nossa disciplina e o valor que depositamos em
nossos relacionamentos com aqueles que estão envolvidos no
planejamento de nossos gastos. O modo como gastamos e o
motivo pelo qual gastamos afetam muito a qualidade da nossa
vida e dos nossos relacionamentos, bem como a herança que
deixamos para os nossos filhos, não só em termos de valor
monetário, mas também em termos de caráter, tino financeiro e
habilidade de lidar de forma positiva com assuntos dessa
natureza.” (Merrill, 2004, p. 218)
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho18
Atualmente a busca pela felicidade nos faz criar algumas inverdades. São osmitos do ter: “um salário maior resolveria boa parte dos meus problemas”, “uma casamaior, com mais espaço e mais conforto, traria mais felicidade”, “um carro novo nosproporcionaria mais segurança no percurso da casa para o trabalho”, “uma roupanova mostraria minha maior capacidade para o trabalho” e poderíamos enumerarmuitas outras inverdades.
Mas, reflita por um momento sobre a forma com que você lida com essassituações descritas acima e que são muito comuns no meio em que vivemos. Comovocê faz para não se deixar contaminar por falsas conquistas no seu dia a dia? Ecomo você está fazendo para mudar a mentalidade de seus filhos? Ou daqueles queo cercam?
Os meios de comunicação detêm um poder enorme sobre nossas escolhas,nos iludem facilmente. Somos o alvo fácil, sem proteção alguma. São outdoors,propagandas, gente magra, jovem e bonita, carros modernos, casas bonitas, cartõesde crédito com muitas facilidades, tudo que imaginamos trazer plenitude de felicidadee satisfação, porém, tudo fugaz! Amanhã terão novos comerciais, novas pessoas,novos carros e nós continuaremos infelizes e insatisfeitos outra vez.
Está na hora de darmos um basta em situações como estas. Mais do quenunca, este é o momento da mudança! Algumas pesquisas identificam que são osproblemas financeiros (saldo negativo no banco, dificuldade de pagar as dívidas emdia, perda de bens por falta de pagamentos, falta de crédito no mercado) os grandesvilões das doenças, dos suicídios, das faltas ao trabalho, do baixo desempenhoprofissional e até mesmo do divórcio.
A verdade é que saber administrar o dinheiro com sensatez e sabedoria tornou-se artigo de primeira necessidade, imprescindível e necessário em tempos líquidos.
“O bom de tudo isso é que, como o dinheiro se inter-relaciona
com todos os outros elementos constitutivos da vida, uma
melhoria na habilidade de administrá-lo se refletirá, de maneira
significativa em todos os outros aspectos da nossa vida.
Portanto, aprender a gerenciá-lo com sensatez- gastar menos
do que ganhamos, economizar para um momento de necessida-
de e investir em vez de consumir – corresponde a um fantástico
maximizador em todas as áreas do equilíbrio de vida, porque
nos ajuda a fortalecer o nosso caráter e os nossos relaciona-
mentos, a aumentar a nossa eficácia como trabalhadores e
melhorar a nossa vida pessoal e familiar.” (Merrill, 2004, p. 219)
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 19
1.5 Dialogando em monólogos tecnológicos
Com certeza a nossa
sociedade atual não seria a mesma
se tivesse mantido o mesmo ritmo
impresso até a metade do século
passado, momento em que os
avanços tecnológicos dispararam e
tomaram conta de nossa existência.
Esse avanço fez com que
estivéssemos, a bem pouco tempo,
com um pé no passado e com a
cabeça no futuro; uma dualidade
constante. As mudanças foram tão
rápidas e tão grandiosas que nossas
vidas não conseguiram acompanhar. Tivemos de nos adaptar para que pudéssemos
conviver com a nova realidade. Com o advento das gerações que nasceram e, estão
crescendo, ficamos atônitos diante das novas tecnologias, e também por não sabermos
como manter uma relação saudável entre ambas.
As alterações em nossas sociedades e as formas como elas se estruturaram
com o crescimento das cidades e da população fizeram com que fosse necessária
uma adequação a esta situação que se apresenta. A experiência de assaltos e
violência tornou mais conveniente poder se relacionar sob a proteção dos muros do
lar. Para os que evitam sair em qualquer horário por causa do medo, a internet
representa um renascimento social. Na nova era a solidão é ficar sem acesso.
Aproximou-se pessoas e permitiu reencontros entre amigos a distância, a
hipertrofia das relações digitais também favoreceu uma atrofia dos laços íntimos. As
relações são muito numerosas e pouco profundas: “um imenso mar com água pela
canela”. Hoje vemos uma geração que não possui nenhum amigo no bairro ou no
condomínio onde mora, mas, soma 40 no MSN e 120 no Orkut, muitos dos quais
nunca viu. Com isso o esvaziamento das relações se acentua e a cultura do
individualismo toma conta.
Preferimos ao sair de casa, quando saímos, ir direto para o shopping. Lá
quanto mais superlotado, abarrotado de gente e atravancados os corredores estiverem,
melhor. Aí fica difícil o diálogo e a atenção que muitas vezes o outro necessita, mas
não estamos dispostos a oferecer-lhe. Assim de uns tempos para cá, os shoppings
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho20
passaram a funcionar como símbolos de consumo, estilo e lazer com segurança.
Símbolos de uma época.
O que chama a atenção é o gosto pelo burburinho, pelo gargarejo, contudo o
que se vê é o afunilamento, o que revela uma opção de lazer indiferente, a confusão
geral, basta observarmos as praças de alimentação dos grandes shoppings. Fica a
questão em nossa mente: será o avanço da sociedade e de seus símbolos que
levaram a este tipo de lazer?
Outras formas de lazer, sempre existiram. Talvez fossem menos luminosas,
mais tranquilas, mais discretas, capazes de estimular a imaginação e os encontros.
Onde ficaram aqueles momentos do deixar-se estar embaixo de uma árvore a ruminar
sobre a vida, algo de uma utilidade profunda, ou uma boa conversa com nossos
queridos, alternativas às quais a cultura de nossos dias tenta imprimir a marca da
perda de tempo? Afinal, o bate-papo pode se dar por meio do computador, não é
mesmo? Lazer, portanto, que hoje está mais pobre, apressado e confinado.
Estamos passando por uma transição nesta última década. As crianças hoje
possuem um mundo de informações na tela do computador, o pai e o professor
deixaram de ser os detentores do conhecimento. Um novo drama surgiu para o adulto:
acompanhar o ritmo das crianças, constituírem-se como autoridade de uma nova
maneira, descobrir como criar limites em um mundo que os explodiu. Temos crianças
de 12 anos que em nossos dias são os patriarcas das incursões da família pela
WEB.
O professor Osvino Toillier afirma:
“Hoje acontece de a criança ter o conhecimento, e não o adulto.
Muitos pais e professores chegam à conclusão de que não tem
mais o que fazer. Isso gerou angústia. É preciso reconfigurar,
aprender a usar novas ferramentas, servir de mediadores,
aprender o máximo que pudermos com nossos filhos, ou
seremos apenas o vovô e a vovó de outro tempo.”
(Toiller 2009 – Jornal Zero Hora p. 6 – 27/12/09)
Outra opinião importante é a do psicanalista Alfredo Jerusalinsky que avalia
que neste decênio, a infinita massa de informações disponível gerou também uma
ilusão enganosa de sabedoria. A falsidade dessa impressão reside em que as
ferramentas para dar sentido aos dados não são oferecidos pelo computador, mas
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 21
pelas vivências de cada um – justamente as que foram para um segundo plano
depois que uma parte da vida migrou para os meios digitais. A internet, assim, favoreceu
a objetivação e contribuiu para empobrecer a subjetividade. Para ele, houve impacto
até mesmo na ética:
“Na internet, produzem-se atos que a consciência normalmente
não aceitaria: videogames racistas, pedofilia, promiscuidade
sexual. Essas ações, vistas como sem consequência por
ocorrerem no mundo virtual, na verdade corroem aos poucos a
relação ética do sujeito com a realidade.”
(Jerusalinsky, 2009 – Jornal Zero Hora p. 6 27/12/09)
Estamos vivendo uma era dos amigos quase anônimos e dos amores
descartáveis, nos quais se entra e dos quais se sai como quem acessa e-mail. Hoje
ninguém suporta a frustração. Diante da dificuldade, rompe-se e parte-se para outra.
Perde-se emocionalmente, porque as relações ficaram fracas.
Por serem os mais envolvidos com estas mudanças tecnológicas, nossos jovens
são os mais afetados por elas, que deixam pais atônitos e especialistas divididos.
Há os que garantem que esses garotos estão se isolando, voltando-se cada vez
mais para si mesmos. Já outros, defendem que, graças à tecnologia, esses mesmos
adolescentes estão mais inteligentes e bem informados. De toda forma, a única
coisa de que se tem certeza até agora, com unanimidade entre as correntes de
pensamento, é que os riscos e os benefícios dessas práticas podem coexistir. Sendo
assim nos deparamos com algumas doenças que afetam a humanidade e são
potencializadas com os avanços tecnológicos de nossos dias:
ANSIEDADE – Os acontecimentos da vida não se desenvolvem na velocidade
de um clique e isto pode angustiar os usuários.
ISOLAMENTO – Os adolescentes podem limitar seus relacionamentos a
conversas virtuais, ignorando os encontros “ao vivo”.
OBESIDADE – Um jovem sedentário, que passa o dia inteiro em frente ao
computador, corre sérios riscos de ficar obeso.
VISÃO E AUDIÇÃO PREJUDICADAS - O excesso de exposição à tela do
computador pode causar problemas de visão. Horas de uso e volume excessivo de
tocadores de MP3 e iPods podem levar a surdez.
Alguns podem ser vítimas de golpes aplicados via internet. Pedófilos e
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho22
sequestradores usam a rede para atrair as crianças e os adolescentes e, também,
obter informações para golpes financeiros.
Assim preferimos nos transportar para saídas construídas por este mundo
tecnológico que nos oferece até uma segunda vida, muitas vezes completamente
diferente daquela que vivemos em nosso mundo real. Algumas reportagens publicadas
em revistas de circulação nacional comprovam isso conforme o transcrito:
“Segundo os estudiosos, o isolamento físico é o principal risco
do vício tecnológico. É o caso da jovem Sabrina Pinheiro, 18
anos, de São Paulo, que sai do cursinho todos os dias às
12h30min e, ao chegar em casa, ingressa num universo parale-
lo. A pequena garota de cabelos castanhos é tímida, detesta
maquiagem e usa óculos, mas Brina Enzo, seu personagem no
jogo virtual Second Life, é loira, alta, produzida e tem um corpo
“violão” – além de ser superextrovertida. Sabrina tem poucos
amigos, mas Brina é a alma de qualquer festa. O personagem
só sai de cena quando a estudante é obrigada a dormir para
encarar a realidade do dia seguinte. “Já saí várias vezes com
meus amigos e me arrependi de não ter ficado em casa jogan-
do”, revela. O paulistano Daniel Clemente, 19 anos, outro fã do
jogo, concorda. “É bem mais interessante do que a vida real.
“Lá a gente pode voar, correr riscos e encontrar uma novidade
a cada dia, defende.”
(Revista Isto É, Edição nº 2001 de 12/03/08)
Sendo assim, as tecnologias nos ajudam a melhorar nossa qualidade de vida,mas nos privam de momentos solidários e reais que podem mudar uma realidade em
que estamos inseridos, mas preferimos nos manter a margem e nos sentirmosdescompromissados com a sua construção.
Com isso, podemos relatar que os avanços tecnológicos podem ser altamentenocivos a uma sociedade que se constrói na contra-mão da realidade que se apresenta,mas não podemos negar que seu crescimento trouxe muitas vantagens aos nossosdias. Podemos citar algumas que fazem renovar a esperança de que, se bem usadas,poderemos construir um mundo muito melhor para deixarmos para as novas gerações.
Se traçarmos um paralelo apenas entre os últimos dez anos podemos ver
como a tecnologia nos ajudou a evoluir.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 23
Em 1999 os desktops dominavam as vendas e muitos eram montados com
peças contrabandeadas. Hoje os PCs têm isenção parcial de impostos e há uma
elevada venda de computadores legais no Brasil e explode a demanda por notebooks.
O videocassete, a dez anos, ainda era a principal opção para assistir a um filme em
casa, embora os DVDs já existissem. Em nossos dias o sucessor do DVD, o blu-
ray, ideal para filmes de alta definição, começa um processo de popularização no
Brasil.
Na década passada no Brasil, só estavam à venda máquinas com filme. Hoje o
domínio passou a ser das câmeras digitais. No campo de bate-papo, na rede em
1999, o software mais popular de troca de mensagens instantâneas era o ICQ versus
ao que vemos hoje que trás a consolidação do hábito de bater papo pela rede, sendo
o MSN o programa mais usado.
Temos um rol de benefícios que trazem tranquilidade para os jovens e para
todos os que estão incluídos no aproveitamento das novas tecnologias, podemos
ressaltar:
Informação: A tecnologia aumenta o acesso a informação, tanto é que muitas
escolas adotaram o computador como ferramenta de trabalho.
Economia de tempo: Os sites de busca diminuem o tempo gasto com
pesquisas escolares. Sobram mais horas para os jovens exercer outras atividades.
Cultura: Os tocadores de MP3 e iPods ampliaram os acessos as músicas e
filmes estrangeiros. E o contato com outras línguas favorece o aprendizado de outros
idiomas.
Socialização: Utilizados como complementos de interação social, o Orkut e
o MSN podem ampliar a rede de amizade.
Criatividade: Jogos eletrônicos podem estimular a criatividade. Os blogs e o
YouTube permitem que pessoas de qualquer idade produzam conteúdos.
Os jogos eletrônicos produzem alguns fatores benéficos como a concentração,
senso de espaço, coordenação motora, memória visual, cognição. Eles estimulam
habilidade com resolução de problemas, perseverança, reconhecimento de padrões,
testes de hipóteses e gerenciamento de recursos. Por serem divertidos eles relaxam
e aliviam o estresse da rotina. Podem ser uma válvula de escape do dia-a-dia.
A tecnologia abre territórios fascinantes, e ameaça nos controlar: se pensarmos
um pouco, sentiremos medo. O que mais vem por aí? Quanto podemos lidar com
essas novidades, sem saber direito quais são positivas? Quanto servem para promover
progresso ou a um toque de botão por algum demente no poder tudo será exterminado?
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho24
Viramos homens e mulheres pós-modernos, sem saber o que isso significa: somos
cibernéticos, somos twitteiros e blogueiros, mas não passamos disso. E, se não
formos muito equilibrados, vamos nos transformar em hackers.
Para as crianças, esse universo extenso e invasivo pode ser uma grande escola,
um mestre inesgotável, um salão de jogos divertidos em que elas imediatamente se
sentem à vontade, sem limites dos adultos, mas pode ser a estrada para pedófilos,
a alcova dos doentes, ou a passagem sobre o limite do natural e lúdico para o
obsessivo e perverso.
“Estimulante, múltiplo, tão rico, resta saber o que vamos fazer
nesse novo mundo – ou o que ele vai fazer de nós. Quando
soubermos, estaremos afixados nele como borboletas presas
com alfinete debaixo da tampa de vidro ou vaga-lumes em potes
de geleia vazios, naquelas noites de verão quando a infância
era apenas aquela, inocente, que ainda espia sobre nossos
ombros.” (Lya Luft, 2010 – Revista Veja p. 18 – 17/02/10)
1.6 Princípios e valores: uma história em construção
Constatamos que a sociedade líquida se organiza e faz com que todos estejam
preocupados muito mais com o possuir, com o ter coisas que logo estão obsoletas.
Esta mesma sociedade fortalece a ideia de que os valores de solidariedade e
fraternidade são conceitos ultrapassados e que não possuem mais espaço, porque o
que vale hoje amanhã já está ultrapassado, pois o que vale é ser feliz.
No entanto, um sinal de esperança, parte das instituições que assumem seus
valores e constroem suas histórias firmes e voltadas para a justiça, a fraternidade e
a solidariedade apesar dos tempos líquidos. Muitos são os exemplos que nos animam
e fazem acreditar que é possível acreditarmos no futuro. Mas aqui, queremos citar e
analisar um exemplo muito próximo de nós Leigos Amigos de Murialdo.
Se passarmos para o prisma histórico de uma instituição como a ANALAM
nos deparamos com a realidade que norteia nossos pensamentos atuais. Ao estarmos
diante dos tempos líquidos, nada melhor do que concordar com o provérbio que
afirma que: “Águas passadas não movem moinhos”.
Porém, precisamos estar dispostos a ir nacontramão da realidade e reforçarmos
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 25
a história da ANALAM
lembrando que para uma
construção ser sólida
precisa iniciar com a
fixação de seus alicerces
em solo firme. Assim foi
com a ANALAM que
precisou fixar seus
alicerces em pessoas que
possuíam suas ações
guiadas por uma mística
que os levava a empreender,
convencer e dedicar-se na multiplicação dos valores em que acreditavam.
Os princípios de luta e as convicções dos fundadores da ANALAM construíram
uma história digna de orgulho e que serve de exemplo para os que precisam enfrentara forma rápida com que as coisas perdem seu valor nos nossos dias. No início não
foi nada fácil enfrentar as dificuldades e permanecer firmes, com os olhos fixos natransformação da sociedade para que a mesma entendesse que o mais precioso
nela são as crianças. Estar preocupado com as crianças é com certeza ter uma
opção forte por um princípio cristão. As crianças não produzem e ainda se transformam
em um “custo fixo” para a sociedade, pois além de não contribuírem para gerar
riqueza no capitalismo ainda geram despesas para sanar suas necessidades básicas
e sua educação.
A história da ANALAM tem início na cidade de Londrina, Paraná. Começou
com um grupo de casais. Lá se procurava uma Congregação que trabalhasse com
meninos e meninas pobres, foi então que apareceu os Josefinos de Murialdo, em
1976, porém foram as crianças e adolescentes que impulsionaram a participação
leiga com os Josefinos.
A mística é vivida 24 horas por dia, em todo e qualquer lugar. Trabalhar com
crianças e adolescentes empobrecidos é consequência de uma mística.
No ano de 1992, onde se iniciam os primeiros passos da organização desta
instituição, podemos destacar algumas pessoas que fizeram história dentro do grupo
de apoio de Londrina: Pe. Antonio Lauri de Souza e Pe. Esvildo Valentino Pelucchi
eram os religiosos que acompanhavam o grupo de apoio.
Coordenava o grupo o casal Dirceu e Palmira de Souza, também compunham
I Congresso Nacional - Londrina (PR) 22-24.05.1992
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho26
o grupo os seguintes casais:
Aderaldo e Adelina Ribeiro, Álvaro e Lourdes Rodrigues, Edmar e Leonor
Piacentini, Joaquim e Maria Ângela Oliveira, José e Maria de Lourdes de Bortoli,
Juvaldir e Maria José Bilhão, Milton e Carolina Ortega, Moacir e Joice Veras, Wilson
e Leni Volpini, Juracy e Dirce Barra, Luis Eduardo e Sandra Maria Padilha.
Mas toda semente lançada é fecunda e, transforma-se em frutos. Esta semente,
regada pela mística de São Leonardo Murialdo e alimentada pela opção da defesa
dos direitos das crianças, adolescentes e jovens empobrecidos, já estendia seus
brotos. Em Caxias do Sul, cristãos liderados por Pe. Bruno Barbieri, também formavam
seu grupo e já pensavam que é necessário unir forças para frutificar. As lideranças de
Tadeu e Neila Zulian, Ari e Iolanda Scussiato, Jonas e Terezinha D’Agostini, Avelino e
Maria Zilma dos Santos estavam dispostos a unirem suas forças com os demais
leigos do restante do Brasil para formar com Josefinos de Murialdo uma instituição
que, em primeiro lugar, cultivasse a mística de São Leonardo Murialdo no seu dia a
dia e fosse um sinal de esperança nos ambientes onde estivessem inseridos.
Capitaneados pela liderança do Pe Geraldo Boniatti, então provincial dos
Josefinos, Dirceu e Palmira de Souza, de Londrina e Tadeu e Neila Zulian, de Caxias
do Sul e, embasados pela experiência já existente na Itália, iniciou-se os primeiros
passos para organizar e estruturar a ANALAM.
Desta forma no dia 22 de maio de 1992 na Escola Profissional e Social do
Menor de Londrina (EPESMEL) aconteceu o 1º Congresso Nacional dos Leigos
Amigos de Murialdo. Estiveram presentes nesse Congresso:
• Planaltina: Ricardo Barletos, Celsa Soares, Deusimar Pereira da Silva e
Margarida da Silva.
• Orleans: Otavio Bertoncini e Wanda Schimidt.
• Araranguá: Célio da Silva, Valda da Silva, Adalberto Gomes e Nilza Gomes.
• Porto Alegre: Walter e Ana Trindade.
• Caxias do Sul: Ary e Iolanda Scussiato, Tadeu e Neila Zulian, Avelino e Maria
Zilma dos Santos.
• Ana Rech: Valter Susin, Maria Isabel Susin, Gervasio Gasparim e Dosalina
Gasparim.
• Fazenda Souza: Delfino Cechetto e Beatriz Cechetto.
• Londrina: Todo o grupo citado anteriormente como grupo de apoio dos
Josefinos na EPESMEL.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 27
Estiveram presentes os religiosos Pe. Geraldo Boniatti (Provincial), Pe. Joacir
Della Giustina (Caxias do Sul), Pe. Agustinho Vidor (Porto Alegre), Ir. Celeste Roman
(Araranguá), Pe. Marcial Pivatto (Ana Rech), Pe. Antonio Lauri de Souza (Londrina).
Também vale lembrar os animadores musicais que foram: Fr. Carlos Alberto Wessler
(Teólogo), Fr. Geraldo Luiz Canever (Teólogo), Fr. Renato Fantin (Teólogo).
Uma grande certeza é de que através dos valores cultivados é que podemos
medir a dimensão de uma instituição. A ANALAM pode ser avaliada pelos seus valores
que são destacados nas palavras do Sr. Dirceu de Souza que, em 1992 exercia a
função de coordenador do grupo de apoio que recebia os congressistas deste primeiro
encontro.
O Sr. Dirceu de Souza acolheu os congressistas, dando as boas vindas a casa
que desde o seu nascimento teve a idealização, as pedras fundamentais e o corpo
crescido pelo esforço dos leigos. Em seu pronunciamento o presidente traçou um
histórico da participação eclesial do leigo na Igreja e da vida na Congregação.
“A semente que agora plantamos deverá germinar como fruto
de uma organização leiga, que permita aos Josefinos de
Murialdo, nossa congregação, tornar concreta o ideal histórico
de São Leonardo Murialdo: “Para que nenhuma criança se
perca”. Somos participantes da missão deixada por São Leonar-
do Murialdo e comprometeríamos o nosso ser cristão se
abdicássemos da missão.”
(Livro de atas ANALAM – Folha 002 - verso)
Para que as palavras do presidente não ficassem no vazio e para que ações
geradas a partir deste primeiro congresso fossem construídas com a colaboração de
todos os seus membros foi motivado um trabalho de grupo que teve as seguintes
questões para serem discutidas:
1. O que deverá caracterizar a vida dos leigos amigos de Murialdo nas obras
que estão inseridos? O que fazer concretamente nas mesmas?
2. O que fazer para garantir a continuidade da organização dos colaboradores
leigos amigos de Murialdo?
3. Qual deveria ser a estrutura organizacional do movimento de leigos amigos
de Murialdo: Quanto ao Estatuto? Quanto à diretoria? Quanto aos Congressos?
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho28
Como podemos ver nas questões que foram discutidas desde o início foi impresso
um caráter de seriedade para a sequência da instituição que ora nascia. Assim foram
tomadas as seguintes deliberações:
- Foi fundada oficialmente a Associação Nacional dos Leigos Amigos de
Murialdo (ANALAM);
- Eleita a 1ª Diretoria Provisória dos Leigos Amigos de Murialdo, assim
constituída:
PRESIDENTE: Dirceu de Souza
VICE-PRESIDENTE: Tadeu Zulian
SECRETÁRIA: Ana V. Trindade
TESOUREIRO: Célio H. N. da Silva
ASSESSORES: Pe. Antonio Lauri de Souza e Pe. Joacir Della Giustina
Ficou determinado que esta diretoria manteria seus poderes vigentes até o
próximo congresso que realizar-se-ia em Caxias do Sul no mês de abril de 1993. Até
lá a mesma deveria apresentar um projeto de estatuto.
Como a história não pode parar, nos dias 23, 24 e 25 de abril de 1993 os leigos
comprometidos em construir a base de sustentação da ANALAM voltaram a se reunir
em Caxias do Sul. Se formos ler o relatório deste encontro veremos um relato poético
e emocionado que se inicia com estas palavras:
1ª Diretoria Nacional - 25.04.1993
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 29
“Era 23 de abril de 1993.
Com um leve friozinho e, o sol querendo chegar para aquecer
mais ainda a grandiosidade do evento que estava por aconte-
cer, começaram a chegar pessoas de vários cantos do país.
Pessoas que têm um coração afetuoso e sabem querer bem;
que arregaçam as mangas para o trabalho; que, com muita
coragem, querem começar... que são amigas de Murialdo e,
mais ainda, das crianças, adolescentes e jovens empobrecidos.
Sim, essas pessoas vieram de muitos lugares, cada um com
sua realidade, cada um com seus pequenos , sua história, sua
caminhada... Londrina, São Paulo, Rio de Janeiro, Araranguá,
Porto Alegre, Fazenda Souza, Ana Rech,
Caxias do Sul, Napoli (Itália).”
(Livro de Atas da ANALAM - Folha 009)
No transcorrer do Congresso foram dirigidas palavras do presidente e vice dadiretoria provisória que apontavam para onde a ANALAM estava direcionada e, comose transformaria em sinal de esperança para que hoje tivéssemos a certeza de que épossível construir história sem deixá-la escorrer por entre os dedos.
Dirceu explicou porque acompanhamos os Josefinos, fundamentando que emLondrina existe toda uma história que iniciou com um grupo de apoio formado poralguns casais. Lá se procurava uma Congregação que trabalhasse com meninos emeninas pobres. Apareceram os Josefinos de Murialdo, era 1976, mas foram ascrianças e adolescentes que impulsionaram a participação leiga com os Josefinos. Amística é vivida 24 horas por dia, trabalhar com as crianças e adolescentesempobrecidos é consequência de uma mística.
Já, Tadeu deixou claro que os leigos esperavam que os Josefinos nos dessemum acompanhamento mais forte. Pediu que houvesse mais interesse da parte dealguns Josefinos e que dessem mais acompanhamento aos leigos. Que sejamcobradas ações dos Amigos de Murialdo e que venha deles o apoio espiritual. Tambémdeixou um desafio para que cada obra da congregação dos Josefinos de Murialdoabrisse espaço para um grupo de Leigos Amigos de Murialdo.
Foram dados os primeiros passos para a expansão e para o compromissomútuo entre leigos e religiosos.
Mas, como a ANALAM é uma construção conjunta, os participantes do
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho30
Congresso foram convidados a participar discutindo nos grupos de trabalho as
questões:
1. O que os Josefinos de Murialdo podem e devem oferecer aos leigos?
2. Como amar concretamente as crianças e adolescentes?
3. Como e onde ser apóstolos do Amor de Deus em nossas cidades (na vida
diária)?
Assim foram encaminhadas decisões importantes e decisivas para que hoje
pudéssemos dizer que estamos formando a Família de Murialdo.
Estavam presentes neste congresso as irmãs Murialdinas, que expressaram a
intenção de formar grupo de leigos em suas obras e formar uma Associação conjunta
com a que começava a engatinhar junto aos Josefinos. Prontamente foram acolhidas
e, a partir daí, temos a presença e ação dos leigos e das religiosas Murialdinas
realizando o sonho de Murialdo de formar uma grande e bem unida família.
Também foi apresentado um esboço do estatuto que sofreu as modificações
necessárias e foi votado e aprovado em sua redação final.
Outra determinação da Assembleia foi a realização dos Encontros Regionais
alternados com os Congressos Nacionais. Os regionais ficaram definidos naquela
época da seguinte forma: Regional 1: Londrina, Maringá, Castelo Branco, São Paulo,
Rio de Janeiro e Brasília. Regional 2: Araranguá e Orleans. Regional 3: Porto
Alegre, Caxias do Sul, Ana Rech e Fazenda Souza.
Neste congresso e, com a aprovação do estatuto, foi criado um elemento
fundamental para que a ANALAM se estruturasse e se mantivesse firme no carisma
proposto. Nele foram escolhidos os membros do Conselho Formativo que se tornou
uma das colunas mestra desta instituição.
Fizeram parte deste primeiro grupo: Valter Trindade (Porto Alegre); Gilson
Pozenato (Caxias do Sul); Elisabet Tonezer (Caxias do Sul); José Limongi (Porto
Alegre).
Foi aprovada, por unanimidade, a chapa apresentada para a primeira diretoria
definitiva da ANALAM que deveria exercer o cargo por dois anos conforme rege o
estatuto. Ficou assim constituída a Diretoria Nacional:
PRESIDENTE: Dirceu de Souza (Londrina)
VICE-PRESIDENTE: Tadeu Zulian (Caxias do Sul)
PRIMEIRO SECRETÁRIO: Valter Susin (Ana Rech)
SEGUNDO SECRETÁRIO: Ana V. Trindade (Porto Alegre)
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 31
PRIMEIRO TESOUREIRO: Avelino A. dos Santos (Caxias do Sul)
SEGUNDO TESOUREIRO: Jonas C. D’Agostini (Caxias do Sul)
CONSELHO FISCAL: Nevio Damiani (Araranguá)
Célio de Souza (Araranguá)
Adelar Mazzochi (Fazenda Souza)
Após quase vinte anos de história e entre tantas realizações importantes é
importante destacar também a efetivação da Promessa de diversos leigos, que se
comprometem a viver mais forte o carisma de São Leonardo Murialdo, tão necessário
para a realização de nossas ações. Realizações como a edição de dez subsídios de
formação, circulação do jornal “O Sementeira” quatro vezes por ano, realização de
dez Congressos-Assembleias, encontro internacional de Leigos em Fazenda Souza
e tantas outras realizações que, em algum momento oportuno, serão relembradas.
Participantes do X Congresso-Assembleia NacionalBalneário Arroio do Silva (SC) - 31/07 a 02/08 de 2009
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho32
Nestes anos todos temos a certeza,
observando tantas e tantas crianças,
adolescentes e jovens que foram recebidos,
atendidos e tiveram seu coração educado, de
que as palavras do Sr Dirceu de Souza
proferidas em 22 de maio de 1992 ecoam viva
em nossa instituição:
“A semente que agora plantamos deverá
germinar como fruto de uma organização
leiga que permita aos Josefinos de Murialdo,
nossa congregação, tornar concreto a o ideal
histórico de São Leonardo Murialdo: ‘Para
que nenhuma criança se perca’.”
(Livro de Atas ANALAM Folha 002 – Verso)
Para Conversar:
1) Como identificamos a nossa realidade?
2) Por que a humanidade está tão sedenta de Deus? Onde ela consegue saciar
esta sede?
3) Como conseguimos lidar com a tecnologia, sem perder os valores e princípios
morais?
4) Para você, quais foram os fatos, pessoas e reflexões que mais marcaram
na caminhada da ANALAM?
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 33
2.1. A redescoberta da ESPIRITUALIDADE - plenitudeda realização humana
“Para onde fugirei longe de teu sopro? Para onde fugirei longe
de tua presença? Se subo aos céus, tu aí estás. Se me deito no
abismo, aí te encontro. Se levanto voo para as margens da
aurora, se emigro para os confins do mar, me alcançará tua
esquerda, e tua direita me sustentará.” (Sl 139, 7-10)
A humanidade faz um novo caminho
Vamos partir da ideia de em nenhuma época da história falou-se tanto em crise
como nas últimas em que estamos vivendo. Ela invadiu os campos da economia, da
política, da cultura, da religião, do social e do existencial.
A humanidade chegou no final do século XX percebendo-se derrotada por ter
acreditado que vinha fazendo um caminho seguro e iluminado. Acreditava na capacidade
das ciências e das novas tecnologias para a solução dos seus problemas. Acreditava
que a vida encontrava sentido na produção e uso de bens. Importava ter. A qualidade
de vida da humanidade era o que mais importava e ela estava ligada diretamente às
novas descobertas científicas. Numa sociedade regida por normas capitalistas
neoliberais o mercado passou a ser visto como o grande valor. Ele é o ídolo da
modernidade e os shoppings centers aparecem como seus templos maiores, mas é
2. Existe uma LUZ no horizonte
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho34
preciso lembrar que todo ídolo é o deus que exige
sacrifícios de vidas humanas, que não se importa com
a dor dos que sofrem. É assim que o lucro se mantém
nos “altares”.
Esse modelo econômico trouxe a ideia de que
as pessoas valem pelo que consomem, valem pelo
que “tem” e não pelo que “são”. E as relações humanas
são engolidas pelas relações econômicas, são de
interesses, frias, descartáveis como os produtos.
Para Leonardo Boff, a humanidade está situada
num momento dramático da história embalada
especialmente pelos “mitos da exterminação da
espécie, da liquidação da biosfera, da ameaça do futuro comum, da Terra e da
humanidade.” (In: Espiritualidade: um Caminho de Transformação. Ed. Sextante, 2006,
p. 9) Segundo o autor, é em momentos assim que o ser humano mergulha na
profundidade de seu ser e se coloca questões básicas sobre o mundo, os seres e a
sua existência.
Percebemos que vem crescendo o número de pessoas insatisfeitas. A pessoa
contemporânea vive essa ânsia de encontrar um significado convincente para sua
existência. Anseia um espaço onde possa fazer a experiência de Deus. A crença
quase absoluta no poder do homem afogou-se em frustrações. As pessoas se viram
vítimas de um “vazio interior”. “Há um buraco vazio profundo, um buraco imenso
dentro do seu ser, suscitando questões como gratuidade e espiritualidade, futuro da
vida e do sistema-Terra. Esse buraco existencial é do tamanho de Deus. Por isso só
Deus é capaz de preenchê-lo.” (L. Boff. Ibidem, p. 10)
Como nunca na história as pessoas começam agora a realizar uma busca pelo
sentido mais profundo de suas vidas. Mais do que ouvir falar de Deus, cresce o
número dos que desejam sentir Deus. Alguns chamam a esse momento de “crise do
sentido”. A saída vem sendo apontada pelo desejo de uma “espiritualidade” como
desejo de levar o ser humano a mergulhar no Mistério do Divino, para encontrar ali o
sentido de sua vida. A humanidade toda vem apresentando grande demanda por
valores não materiais, por uma redefinição do ser humano como um ser que busca
um sentido plenificador. As pessoas correm atrás de valores que inspirem
profundamente suas vidas.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 35
Afinal, o que é Espiritualidade?
A primeira associação que nos vem
à mente é a experiência do Absoluto. A
espiritualidade para o cristão é, pois, a
experiência do Absoluto. Já Gustavo
Gutiérrez define a espiritualidade cristã
como “um modo de ser cristão”. E ser
cristão nada mais é do que ter em Jesus
a referência para a vida.
Aqui cabe lembrar que Jesus Cristo,
a plena revelação do Pai, revela-se como
humano e divino, encontra-se inserido nas
tramas da história e comprometido com
a transformação da sociedade. Daí é que
surge uma espiritualidade vivida
concretamente na realidade histórica.
Também fomos aprendendo que a
mística e a espiritualidade são dois termos com mútua relação. Toda pessoa que vive
determinada espiritualidade é iluminada de uma mística, que dá sentido à sua vida.
O místico, vale lembrar, é aquele que se deixa envolver pelo mistério de Deus e
busca um relacionamento profundo com ele. Nasce da percepção de que Deus está
presente no mais profundo de cada ser humano. Ele envolve, penetra e mora em
cada homem e mulher. E na simplicidade de cada dia, da pessoa pode fazer essa
experiência. Além disso, todo lugar pode ser lugar da experiência de Deus. Santa
Tereza dizia às monjas de sua Ordem religiosa: “Precisamos descobrir Deus também
em meio às panelas.” “Hoje diríamos que Deus pode ser experienciado tanto nas
ruas barulhentas da cidade grande como em meio ao silêncio e à beleza da paisagem
do campo; tanto na Igreja como no ponto do ônibus. Isso porque, onde estiver o ser
humano, ali estará Deus.” (L. Boff, ibidem, p. 20)
É necessário também lembrar que a espiritualidade não é monopólio das
religiões, mas uma dimensão que está em cada ser humano. Essa dimensão que
cada um tem se revela na capacidade de diálogo consigo mesmo e com o próprio
coração, se traduz pelo amor, pela sensibilidade, pela compaixão, pela escuta do
outro, pelo respeito à história do outro, pela responsabilidade com a vida e pelo
cuidado como atitude fundamental. É alimentar um sentido profundo de valores pelos
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho36
quais vale sacrificar tempo, energias e, no limite, a própria vida. A espiritualidade nos
coloca frente a essa certeza de que existe uma causa pela qual vale a pena viver.
As ciências se rendem à fé
É bem verdade que a Medicina analisou seus problemas usando apenas dos
recursos das ciências, que a Psicologia analisou os problemas existenciais apenas
à luz dos conhecimentos da ciência, que a Sociologia, a Jurisprudência e a Economia
fundamentaram suas análises apenas em constatações científicas. Hoje, os peritos
começam a se render para as análises na perspectiva espiritual. Angustias e doençaspassam a ser vistas como consequência da dimensão espiritual e esse novo campo
é capaz de apresentar saídas para os dissabores da vida e das relações humanas.
Dentro de cada pessoa existe a chama sagrada coberta ainda, é verdade,
pelas cinzas do consumismo, da busca desenfreada pelos bens materiais, dedistrações em coisas que não são essenciais. Numa sociedade marcada por relações
intimistas e individualistas é preciso remover essas cinzas para que se desperte achama sagrada da caridade que nestes tempos atuais se traduz em solidariedade,
compaixão, ternura e caridade.
Por fim, a espiritualidade é essa chama que se reaviva no fracasso de uma
sociedade extrovertida, aquela que precisa da extroversão para vender e consumir.Basta perceber que os valores da sociedade de consumo são todos exteriores. Ela
vive de aparências: o corpo, o status, o automóvel, o apartamento, a grife, a festa, osalão. E sem possibilitar pausas para reflexão; porque é preciso preencher o tempo,
preencher a vida que cada vez mais se esvazia. A espiritualidade aparece nesse novocontexto histórico para apresentar um caminho novo, de transformação. Num universo
como o nosso, carregado da proliferação das farmácias e dos medicamentos, a paz,o bem estar, a alegria, a virtude da sabedoria e a musicalidade da harmonia nas
relações nascem da relação direta da pessoa humana com a divindade. A experiênciado transcendente é o remédio.
Mas não é possível encontrarmos espiritualidade cristã sem oração. Para ocaminheiro da fé, a oração é tão necessária quanto o ar que respira. Os momentos
de intimidade com o absoluto alimentam a mística e dão o sentido para os gestos decuidado, da harmonia, de solidariedade. Além de encontro com Deus é oportunidade
de encontro consigo mesmo, de fazer feedback e de projetar a vida. Os santos
conseguiram ser homens e mulheres de oração.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 37
2.2. ESPIRITUALIDADE: alavanca da resiliência
“Não andeis buscando o que comer ou o que beber; não fiqueis
pendentes disso. Tudo isso são coisas que as pessoas do
mundo procuram. Quanto a vós, vosso Pai sabe que essas
coisas vos fazem falta. Basta que busqueis o reinado dele, e o
resto vos será dado por acréscimo. Não temais, pequenino
rebanho, porque vosso Pai decidiu dar-vos o reino.” (LC 12, 29-
32)
Resiliência: origem na Física
“Resiliência” não é uma palavra comum. Na
linguagem portuguesa ela é uma novidade das
últimas duas décadas. Passou a ser utilizada
especialmente no campo da educação como forma
de estudar e encorajar crianças e adolescentes que
tem sua história comprometida pelos efeitos da
pobreza, da violência doméstica, do alcoolismo dos
pais, ou mesmo, das dificuldades de viver e crescer
de uma forma sadia e promissora.
Em francês e espanhol a resiliência é
utilizada como terminologia da engenharia com a
única ideia de descrever a capacidade de um
material para recuperar sua forma original, depois
de ser submetido a uma deformação sob pressão.
O inglês usa a palavra para descrever qualidades
humanas aproveitando-se do conceito da engenharia. E é em cima deste conceito
que queremos tratar nesta abordagem.
“A resiliência é uma abordagem teórica de um conceito extraído da Física e
muito usado pela engenharia e que representa a capacidade de um sistema de superar
o distúrbio imposto por um fenômeno externo inalterado.” (Celso Antunes, Resiliência
– A construção de uma nova pedagogia para uma escola pública de qualidade. Ed.
Vozes. Petrópolis, 2003, p. 13) Pode-se dizer ainda que a resiliência é a capacidade
de retornar à forma original após ter sido submetido a uma deformação ou que é a
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho38
capacidade de se redobrar ou de se readaptar à má sorte, às mudanças.
Aplicando-se o conceito à vida humana, a resiliência ou a faculdade de
recuperação é a capacidade de uma pessoa para fazer as coisas bem apesar das
condições de vida adversas. Para Stefan Vanistendael a resiliência faz parte da vida
humana desde o início de sua história. Basta compreender que esta tem sido a única
forma de sobrevivência dos pobres e oprimidos. (Como crecer superando los percances.
Secretariado Nacional para La Família, Buenos Aires, 1998) A resiliência, voltada
para a vida humana e animal, é essa capacidade de resistência a condições duríssimas
e persistentes; dessa forma, diz respeito à capacidade de pessoas, grupos ou
comunidades não só de resistir às adversidades da vida, mas utilizá-las em seus
processos de desenvolvimento pessoal e crescimento social.
Uma capacidade de superação
Adotamos aqui a definição de Stefan Vanistendael que nos parece mais
convincente e que mais se identifica com a proposta deste subsídio. Ou seja, a
resiliência é a capacidade de uma pessoa ou de um sistema social de viver bem e
desenvolver-se positivamente, apesar das condições difíceis da vida, e isso de maneira
socialmente aceitável. Ou ainda, de uma forma mais simples. É a capacidade de
fazer bem as coisas e de forma socialmente aceitável, em circunstâncias adversas.
Ela tem sua teoria composta por dois pilares sustentadores:
a) resistência frente à destruição, isto é, a capacidade de proteger a própria
integridade, quando sob pressão;
b) Além da resistência, a capacidade de construir uma conduta vital positiva,
em que pesem as circunstância adversas.
A terminologia passou a ser estudada não mais como referência para a vida de
crianças e adolescentes e se estendeu também ao mundo adulto. Seus conceitos
passaram a fazer parte também de estudos sobre comportamentos e atitudes do
mundo adulto, de famílias, de comunidades e, mesmo, de sociedades.
Podemos fazer uma análise comportamental sobre os moradores das periferias,
das favelas, dos sem teto que perambulam pelas ruas das nossas cidades. São
muitos os fatores de risco e adversidades que enfrentam. À alimentação precária que
sofrem se somam aos riscos persistentes da violência, do abuso sexual, das perdas,
da carência em vestir e morar, das discriminações, do desrespeito, do desemprego,
das inúmeras doenças e que, a despeito de tudo, não apenas sobrevivem, mas ainda
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 39
conseguem se organizar, construir momentos autênticos de alegria, construir projetos
de futuro e sonhar com transformações. Assemelham-se às árvores, aparentemente
frágeis, que se curvam diante da força impiedosa das tempestades, mas rapidamentesuperam esses desafios e voltam a colocar-se de pé.
Uma pessoa, um grupo ou uma organização resiliente apresenta harmonia emreceber a adversidade, revela poder de análise crítica e reforça laços de solidariedade
encontrando possíveis saídas.
Pode-se chamar um pai ou uma mãe de resiliente, um operário ou um professor
de resiliente, uma empresa de resiliente ou dizer que um aluno é resiliente. O importanteé lembrar que a cultura resiliente pressupõe princípios de auto-organização,
mutabilidade, confiança, liderança e criatividade. A pessoa se vê desafiada, nuncaderrotada. A resiliência desenvolve o senso de confiança; esperança e sonhos se
fundem para encontrar as estratégias de saída porque a autoestima e a automotivaçãosão instigadores da mudança. Ela é a arte de transformar toda energia de um problema
em uma solução criativa.
Mas, o que tem a ver a espiritualidade com a resiliência? Tudo a ver. Existe
uma visão cristã para a resiliência e esta pode torná-la uma ferramenta ainda maispoderosa para superar os percalços que a vida oferece. Os ideais cristãos do amor,que desencadeiam os gestos da caridade, da solidariedade e da fraternidade são
indicadores das possibilidades da mudança. Se a resiliência por si só já é uma forte
aliada para a superação das pressões que a vida, as pessoas, a sociedade ou mundo
podem oferecer, imaginemos essa qualidade de algumas pessoas somada à força
transcendente da espiritualidade!
Jesus Cristo: o amor resiliente
Por outro lado a proposta de Jesus Cristo indica que, no fim, aconteça o queacontecer, a vida é mais forte que a morte, que as feridas podem se transformar
numa vida nova, que a esperança é fundamento existencial para conquistar assuperações. Jesus Cristo é um exemplo vivo da resiliência. Atravessando os
dissabores da perseguição, da injuria, do sofrimento, da incompreensão, resiste àmorte que aponta para um fim: existe a vida após a morte. Ele leva a experiência da
ressurreição ao indicador que supera qualquer fatalismo. Nasce um compromisso deesperança total no futuro. A morte não deforma sua missão, suas convicções e desejos
de ser causa de mais vida para todos. Pelo contrário, faz dela uma alavanca a maispara a sua missão.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho40
O amor na experiência cristã é uma força latente do cotidiano que transmite a
dimensão de transcendência da história humana. A experiência do amor de Deus
interferindo de fato na vida dos seus filhos se soma às capacidades humanas de
superação de obstáculos. Então a fé reforça as potencialidades humanas e lhes dá
uma nova dimensão. Existe uma força maior, escondida no coração da pessoa, que
faz acontecer o milagre. A certeza de que estar nas mãos de Deus é estar em boas
mãos” vem dar novo significado aos qualificativos da resiliência. Ou seja, com Deus
por perto, com Deus em nós, somos ainda mais fortes, podemos resistir mais aos
dissabores. Aumenta a capacidade de superação porque a esperança tem razões
transcendentais, mas não só, a força da espiritualidade, a fé, iluminam o caminho
para encontrar novas saídas.
2.3 PROMESSA: a aliança de compromisso
“Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti, e tua raça depois
de ti, de geração em geração, uma aliança perpétua, para ser o
teu Deus e o de tua raça depois de ti.” (GN 17, 7)
A Promessa é aliança
A Promessa é uma reposta. Não é uma iniciativa. A iniciativa parte do outro
sujeito que parece fazer um convite. O outro
apresenta uma proposta. Por isso, a Promessa
é uma resposta. Da harmonia entre a proposta e
a resposta surge a aliança.
A aliança, por sua vez, é um pacto, uma
espécie de juramento, de selo de fidelidade. Não
é possível fazer pacto sozinho. Ela acontece entre
duas partes. É marca de comprometimento com
o outro ou com sua causa. Fazer aliança com
alguém é criar laços fortes de relações que se
baseiam na confiança. Surgem então relações
que também transmitem segurança.
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho 41
A Promessa também se expressa como uma relação forte de parceria. A
parceria só tem sentido quando as duas partes ganham. Cada parceiro ou cada parte
está comprometido com resultados que beneficiem os dois parceiros. Fora dessa
simbiose o que aparece é a exploração, ou seja, uma das partes se beneficia em
detrimento dos prejuízos da outra.
A Promessa entrou na vida e nos princípios sustentadores da mística da
Associação Nacional dos Leigos Amigos de Murialdo a partir do ano de 2001, no
Congresso-Assembleia de Maringá - PR que aprovou o “Roteiro de Formação para a
Promessa”. Expressão de uma vida comprometida com o Reino de Deus e a proposta
de Jesus Cristo, aparece inicialmente como algo estranho à vida dos leigos. Os
núcleos criaram uma distância entre algo que parecia divino demais para a cotidiano
de sua vidas. A primeira impressão era de que aquilo era coisa para padres ou
religiosos. Se é verdade que caminho se faz caminhando os Leigos Amigos de Murialdo
foram percebendo que também a eles pertence o convite à santidade e que a Promessa
pode ser uma ferramenta a mais para se colocar no compromisso com o projeto de
Jesus Cristo. E daí foi nascendo a convicção de que a Promessa não afasta nem
complica a vivência da fé. O resultado de tantas discussões nos diversos núcleos foi
conduzindo os leigos à realização das mesmas e foram se espalhando aqui e acolá
os cursos de formação para a mesma. E aquilo que parecia estranho tornou-se
importante escola de formação.
Deus promete e faz pacto de amor
Segundo a Bíblia a promessa é um compromisso que Deus assume de conferir
bens a pessoas, grupos ou instituições. Ele o faz livremente, por iniciativa pessoal.
Mantém a mesma graças ao seu poder e a sua fidelidade. A promessa é expressão
do amor de Deus e se volta para o fim de despertar a fé no coração das pessoas.
Expressas como grandes juramentos de Deus podem indicar não apenas bênçãos,
mas também maldições e desgraças.
As promessas divinas descritas no livro sagrado estão ligadas à ideia de aliança
ou de pacto. E Deus aparece sempre como muito fiel as suas promessas mesmo
que os herdeiros não cumpram com as exigências da aliança proposta. O primeiro
depositário da Promessa na Bíblia foi Abraão, a quem é garantida uma descendência
numerosa e a posse da terra de Canaã (Gn 17,1-9). Estabelece-se aí uma nova
relação entre Criador e criatura após o pecado original. As exigências da promessa
se estendem, por meio da lei, de Abraão a todos os do povo de Israel (Ex 19,1-6). Por
Numa sociedade individualista, a espiritualidade é o caminho42
sua vez, os profetas de Israel são chamados por Deus para trazer viva à memória do
povo a promessa de Deus. Em virtude do não cumprimento da promessa, Israel é
ameaçado com o juízo de Deus. E quando tudo parece perdido Deus continua
despertando a fé de seu povo com novas promessas. E se mostra sempre fiel, apesar
da infidelidade humana. É através dos profetas que as promessas se espiritualizam.
Eles propõem uma nova relação interior da pessoa com Deus e a expectativa da
vinda de um Salvador.
O Novo Testamento vai apresentar Jesus como a palavra empenhada. Ele é o
Messias prometido e o anunciador de novas promessas (Mt 1,1-17). Para João ele é
a presença viva das promessas de Deus (Jo 5,39). Já tanto Paulo quanto Lucas têm
a certeza de que a promessa já está realizada com a vinda do Salvador.
Podemos dizer que o esquema promessa-cumprimento é o esquema que
permeia toda a história da salvação apresentada nos relatos bíblicos. Alguns teólo