UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
GILKA BORGES CORREIA
O AUTOCONCEITO DE ESTUDANTES COM ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NA VIVÊNCIA DA ADOLESCÊNCIA
CURITIBA 2011
GILKA BORGES CORREIA
O AUTOCONCEITO DE ESTUDANTES COM ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NA VIVÊNCIA DA ADOLESCÊNCIA
Tese apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profa. Dra. Araci Asinelli-Luz.
CURITIBA 2011
GILKA BORGES CORREIA
O AUTOCONCEITO DE ESTUDANTES COM ALTAS
HABILIDADES/SUPERDOTAÇÃO NA VIVÊNCIA DA ADOLESCÊNCIA
TERMO DE APROVAÇÃO
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação, Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná, pela seguinte banca examinadora:
Orientadora: Profa. Dra. Araci Asinelli-Luz Setor de Educação - UFPR Dra. Susana Graciela Pérez Barrera Pérez Conselho Brasileiro para Superdotação – RS Prof. Dr. Amadeu Roselli-Cruz Setor de Ciências Biológicas - UFMG Prof. Dr. Gastão Octávio Franco da Luz Setor de Educação - UFPR Profa. Dra. Maria Augusta Bolsanello Setor de Educação - UFPR
Curitiba, 2011
DEDICATÓRIA
Dedico esta tese aos meus frutos, Silvana e Carlos Eduardo, e aos frutos dos meus frutos, pois à árvore é sempre um orgulho o fruto produzido.
AGRADECIMENTOS
Inicialmente agradeço a Deus, pelo dom da vida.
Presto uma homenagem muito especial aqueles que me antecederam nesta
trajetória de vida e, de outra dimensão, continuam presentes como as sementes da
minha inspiração. À minha família – Correia – com carinho, afeto e gratidão pela
proteção recebida de: Leocádio, Lucídio, Arion e Estela.
Um agradecimento especial aos adolescentes que fizeram parte da minha
pesquisa - “os girassóis colhidos no campo florido das AHSD”, pela presteza com
que abriram a sua Caixa de Pandora e se revelaram a mim “nus e inteiros” e que
agora fazem parte do meu coração para sempre. Desejo a todos uma vida
construtiva e feliz!
À Universidade Federal do Paraná, a caminho dos 100 anos com a qual
mantenho um vínculo afetivo desde os idos de 1970, e aos professores que me
encaminharam na senda do estudo, me levando a decidir a buscar o saber e o
conhecimento e a aprendizagem como meu estilo de vida. Difícil citar todos aqueles
que neste percurso contribuíram para os meus conhecimentos.
À Profª Dra. Susana Graciela Pérez Barrera Pérez, que pelos seus
conhecimentos na área da superdotação e pela sua militância na defesa dos direitos
das PAHSD me inspirou na adesão ao foco do projeto de doutorado. Mesmo
distante, se faz presente pelo incentivo e sincronicidade de pensamentos.
À minha Orientadora e também amiga, Profª Dra. Araci Asinelli-Luz, pelo
desafio de aceitar a tarefa de me transformar em “doutora”.
À Profª Dra. Laura Moreira Ceretta, por compartilhar a iniciativa pioneira no
Ensino Superior do atendimento do superdotado com a criação do Núcleo de Apoio
Às Pessoas com Necessidades Especiais (NAPNE) da UFPR.
Às Professoras Denise M. de Matos Pereira Lima e Paula Yamasaki Sakaguti,
a “dupla dinâmica” da Sala de Recursos em AHSD do IEPPEP, pela permissão para
adentrar ao “campo sagrado” do seu trabalho pioneiro.
Aos integrantes da Banca de defesa da tese, pela paciência e orientações, o
meu respeito e agradecimento permanente.
CORREIA, Gilka Borges. O autoconceito de estudantes com altas habilidades/superdotação na vivência da adolescência. Tese de Doutorado. Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Curitiba-Pr-Brasil, em 2011.
RESUMO
Trata de um estudo qualitativo com enfoque metodológico transdisciplinar sobre estudantes adolescentes com Altas Habilidades/Superdotação, com o objetivo de investigar e compreender o processo de construção do autoconceito, durante a vivência do rito de passagem para a adolescência, por meio de procedimentos e estratégias educacionais de apoio psicológico. A tese defendida é que o desenvolvimento do potencial de estudantes com Altas Habilidades/Superdotação depende, em grau significativo, dos contextos social e institucional mais amplo que a sua atividade individual, oportunizando a ressignificação dos conceitos sobre si mesmo. O referencial teórico tem como fundamentos a Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (1984), a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1979) e a Teoria da Superdotação de Joseph Renzulli (1986). Para a composição do grupo de participantes da pesquisa, buscamos localizar estudantes adolescentes com AH/SD, em Salas de Recursos de escolas públicas da cidade de Curitiba-Pr-Brasil. A análise demográfica de treze estudantes inicialmente selecionados indicou famílias com mais de um filho superdotado (dois em cinco casos e três em um caso), com os mesmos pais biológicos, bem como vários outros parentes próximos, com ascendências étnicas e culturais germânica, japonesa e árabe. De acordo com os critérios previstos no projeto de pesquisa, a faixa etária dos participantes foi de doze a dezoito anos, incompletos. A coleta de dados utilizou o instrumento denominado Construindo o Caminho, de autoria da pesquisadora, dividido em dez módulos, contendo procedimentos e técnicas psicodinâmicas e psicodramáticas, com temas relativos à adolescência, estratégias de reflexão sobre a história de vida e sobre o Projeto de Vida. Foram desenvolvidas em vinte e duas Oficinas Educativas de autoconhecimento, no período de maio a dezembro de 2008, tendo em vista a ressignificação dos conceitos sobre si mesmo e prospecção do Projeto de Vida. Após o início da pesquisa, ocorreram fatores intervenientes e o grupo inicial se reduziu, permanecendo, até o final das atividades, seis participantes, sendo uma menina e cinco meninos. Para a análise e interpretação dos dados foram elaborados três núcleos de significação, os quais indicaram que os participantes têm um perfil de personalidade singular e único, mesmo entre irmãos com os mesmos pais biológicos, educados pelos mesmos princípios. A abordagem de Bronfenbrenner contribuiu para a pesquisadora pensar ecologicamente e estabelecer o autoconceito bioecológico dos participantes da pesquisa, construído no processo dos sistemas ecológicos das suas histórias de vida. As dificuldades de adaptação escolar e socialização ocorreram desde o início da vida acadêmica, causando prejuízos no processo de construção do autoconceito. As escolas alocaram os estudantes em classes com idade cronológica superior, obtendo resultados positivos por curto lapso de tempo. Na sequência, os pais foram convidados a transferirem seus filhos (as) para outras escolas, tendo como justificativa o despreparo dos professores para lidar com este tipo de estudante. Os históricos escolares registravam uma série sucessiva de transferências escolares entre os vários participantes da pesquisa, com o máximo de treze em um participante, durante o Ensino Fundamental e início do Ensino Médio. As significativas influências negativas do contexto inadequado das escolas foram sintetizadas nas falas das mães, com o desejo de ajudar para que possam ser felizes e poder penetrar no caramujo onde eles se escondem. Encontramos os dois tipos de superdotação: acadêmica e produtivo-criativa interagindo um com o outro. A interpretação dos dados registrou um método espontâneo da iniciação da leitura precoce, entre dois e meio e três anos, em dois participantes, sem estimulação, bem como a recusa nas atividades de escrita. O gosto obsessivo pela leitura em dois participantes funcionou como mediação entre leitores-autores-personagens, sugerindo a construção de díades, ou tríades como fenômeno de transição, através de fronteiras ecológicas do exossistema, embora em uma só via. As Oficinas Educativas constituíram uma estratégia eficaz no processo de autoconhecimento e ressignificação do autoconceito, permitindo a prospecção do futuro pessoal e profissional, com o auxílio da técnica da contoterapia, adaptada pela pesquisadora. Considerando o processo de adolescer sofrido e inevitável, concluímos que as Oficinas Educativas ofereceram um posto de escuta permanente e acolhedor, com a aceitação incondicional das peripécias e vicissitudes das histórias de vida dos adolescentes “diferentes”, constituindo um plus na relação de apoio e compreensão necessários à assunção prospectiva do Projeto de Vida.
PALAVRAS-CHAVE: Adolescentes com Altas Habilidades/Superdotação. Autoconceito. Projeto de Vida.
CORREIA, Gilka Borges. Self-concept of high ability/gifted students during the experience of adolescence. PhD Thesis. Department of Education of the Federal University of Paraná. Curitiba, Paraná, Brazil, 2011.
ABSTRACT
This is a qualitative study adopting a transdisciplinary methodological approach regarding High Ability/Gifted (HAG) adolescent students with the aim of investigate and understanding the process of building self-concept whilst undergoing the ritual of becoming adolescent by using psychological support procedures and educational strategies. The thesis defended is that the development of the potential of High Ability/Gifted students depends to a significant extent on the broader social and institutional context than on their individual activity, with the opportunity of re-signifying concepts about themselves. The theoretical reference used is based on Howard Gardner's (1984) Theory of Multiple Intelligences, the Bioecological Theory of Human Development (Bronfenbrenner, 1979) and Joseph Renzulli’s (1986) Theory of Giftedness. To make up the group of participants in the study we sought to find adolescent HAG students attending Resource Classes in state schools in the city of Curitiba-PR, Brazil. Of the thirteen students initially selected for the study the socio-demographic analysis of their records indicated families with more than one gifted child, two in five cases and three in one case, with the same biological parents, as well as several other close relatives, suggesting the hypothesis of the genetic origin of giftedness. In accordance with the criteria established in the study project the initial sample was comprised of students aged between twelve and uncompleted eighteen years old. Data collection used the instrument called “Building the Way”, devised by the author of this thesis, divided into ten modules containing psychodynamic and psychodramatic procedures on themes relating to adolescence and with strategies for reflection on their life stories and on the Life Plan, developed during twenty-two self-knowledge Educational Workshops, from May to December 2008, with the aim of re-signifying concepts about themselves and prospecting as to their Life Plans. Intervening factors occurred during the study and six HAG adolescent students, one girl and five boys, from the initial group remained in the study until the end. In order to analyse and interpretation of data, three signification sets were prepared, which indicated that the participants have a unique personality profile, even among siblings with the same biological parents, educated by the same principles. Bronfenbrenner's approach contributed to the researcher's ecological thinking and to establish the bioecological self-concept of the research participants, built in the process of ecological systems of their life stories. Difficulties in school adaptation and socialization occurred since the beginning of the academic life, causing damage in the process of the building self-concept. Schools adopted the strategy of placing the students in classes of older students and obtained positive results for a short period of time. Their parents were subsequently invited to transfer their children to other schools based on the justification that the teachers were not sufficiently prepared and able to cope with this kind of student. Their school records show a successive series of school transfers, with up to thirteen transfers during Primary and Secondary Education and the start of Sixth Form Education. The significant negative influences of the improper context of schools were synthesized in the mothers' speeches with the desire of helping so they can be happy and able to penetrate the snail where they hide. We found the two types of giftedness: academic e creative-productive by interacting with one another. The interpretation of data recorded a spontaneous method of initiation of early reading, between two and three and a half years old, in two participants, without stimulation, as well as the refusal in writing activities. The obsessive love of reading founded in two participants acted as a mediator between readers-authors-characters, suggesting the construction of dyads or triads as a phenomenon of transition, through ecological boundaries of the exo-system, although in only on direction. Educational Workshops were an effective strategy in the process of self-knowledge and redefinition of self-concept, allowing the exploration of personal and professional future with the help of therapy tale, adapted by the researcher. As the process of adolescence is a hard and inevitable one, we conclude that the Educational Workshops offered a permanent and welcoming listening post with unconditional acceptance of the peripeteias and vicissitudes of life stories of the “different” adolescents and are a “plus” in the support and understanding relationship necessary for the prospective taking on of their Life Plans.
KEYWORDS: High Ability/Gifted Adolescents. Self-concept. Life Plan.
ABRAS Associação Brasileira de Superdotação
AGAAHSD Associação Gaúcha de Altas Habilidades/Superdotação
AHSD Altas Habilidades/Superdotação
CAPES Centro de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CEPIGRAD Coordenação de Estudos e Pesquisas Inovadoras na Graduação
CIEE Centro de Integração Empresa-Escola
CIEE-PR Centro de Integração Empresa-Escola do Paraná
CIP Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
CNPq Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONBRASD Conselho Brasileiro para Superdotação
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
G-36 Teste de inteligência geral – 36 situações-problemas
G-38 Teste de inteligência geral – 38 situações-problemas
HC-UFPR Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEPPEP Instituto de Educação do Paraná Prof. Erasmo Pilotto
INV Inventário de inteligência não verbal
ISOP Instituto de Seleção e Orientação Profissional
LDB Lei de Diretrizes e Bases
MEC Ministério da Educação e Cultura
NAAH/SD Núcleo de Atividades de AHSD
NAPNE Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais
OMS Organização Mundial de Saúde
PAH Portador de Altas Habilidades
PAHSD Pessoa com Altas Habilidades/Superdotação
PMK Psicodiagnóstico Miocinético de Personalidade
PNE Plano Nacional de Educação
PPCT Processo-Pessoa-Contexto-Tempo
PRODEQUIM- Programa de Dependência Química do Depto Psiquiatria
PROGRAD Pró-Reitoria de Graduação e Educação Profissional da UFPR
PUC-PR Pontifícia Universidade Católica do Paraná
QI Quociente de Inteligência
QISRAHSD Sala de Recursos para Altas Habilidades/Superdotação
SDP Zona de Desenvolvimento Proximal
SEED Secretaria de Estado da Educação do Paraná
SEESP/MEC Secretaria de Educação Especial do MEC
SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial
TAT Teste de Apercepção Temática de Personalidade
TBDH Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano
TCIE Termo de Compromisso Informado e Esclarecido
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
UNB Universidade Nacional de Brasília
WAIS Escala Weschler – Adultos
WISC Escala Weschler – Crianças
Z-TESTE Teste Projetivo de Personalidade de Zulliger
SUMÁRIO
CAPÍTULO I ........................................ ...................................................................... 14 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14 1.1 JUSTIFICATIVA .................................................................................................. 14 1.2 ENUNCIADO DO PROBLEMA ............................................................................ 21 1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA ............................................................................... 22 1.4 DELINEAMENTO E ESTRUTURA DA PESQUISA ............................................. 23 1.5 DIFICULDADES E ALTERAÇÕES ...................................................................... 25 CAPÍTULO II ....................................... ...................................................................... 27 2 DIALOGANDO COM OS MESTRES - MARCO TEÓRICO ....... ............................ 27 2.1 MESTRES QUE FUNDAMENTARAM ESTE ESTUDO ...................................... 27 2.2 A TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO ................... 28 2.2.1 Os Sistemas e o Modelo Processo-Pessoa-Contexto-Tempo .......................... 31 2.3 A CONCEPÇÃO DE SUPERDOTAÇÃO PROPOSTA POR JOSEPH RENZULLI ......................................................................................... 35 2.3.1 A Concepção de Superdotação dos Três Anéis ............................................... 35 2.3.2 A abrangência das contribuições de Renzulli ................................................... 40 2.4 AS AH/SD, INCLUSÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS .............................................. 42 2.5 FALANDO DA ADOLESCÊNCIA ........................................................................ 47 2.5.1 Papéis Sócio-Sexuais de Gênero ..................................................................... 52 2.5.2 O Adolescente e a Identificação Grupal ........................................................... 53 2.5.3 O Eu e o Outro, Identidade e Autoconceito ...................................................... 55 2.5.4 O Autoconceito Como Constructo .................................................................... 59 2.6 O ADOLESCENTE SUPERDOTADO É DIFERENTE ......................................... 65 2.6.1 Eles Pensam e Sentem Diferentemente ........................................................... 69 2.6.2 Eles Vêem e Sentem o Mundo Com Lentes de Aumento ................................ 73 2.6.3 As Características ao Adolescente com AH/SD ............................................... 75 2.7 AS REDES SOCIAIS DE APOIO: A FAMÍLIA E A ESCOLA ............................... 77 2.7.1 Falando de Família .......................................................................................... 78 2.7.2 Falando de Escola ............................................................................................ 84 CAPÍTULO III ...................................... ...................................................................... 87 3 METODOLOGIA - O COMO E O PORQUÊ DE TUDO ......... ................................ 87 3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA ....................................................................... 87 3.2 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA ................................................................ 88 3.3 CONTEXTO ........................................................................................................ 88 3.4 COMPOSIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA ...................................................... 90 3.5 SOBRE O GRUPO DE PESQUISA ..................................................................... 90 3.5.1 A Constelação Familiar dos Participantes ........................................................ 90 3.5.2 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ......................... 92 3.6 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS .................................................... 93 3.6.1 Encaminhamentos Gerais ................................................................................ 93 3.6.2 Desenvolvimento de Vinculação Afetiva........................................................... 94 3.6.3 Instrumentos Utilizados .................................................................................... 95 3.6.4 Técnicas Utilizadas ........................................................................................ 100 3.7 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS .............................................. 100 CAPÍTULO IV ....................................... ................................................................... 103 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ................ ..................................... 103 4.1 ABRINDO A CAIXA DE PANDORA .................................................................. 103
4.2 A DESCOBERTA DO CAMINHO DA LEITURA ................................................ 107 4.3 A ENUNCIAÇÃO DO AUTOCONCEITO ........................................................... 112 4.4 A PERCEPÇÃO DA SUPERDOTAÇÃO............................................................ 164 4.5 AINDA DIALOGANDO COM AUTORES ........................................................... 166 CAPÍTULO V ........................................ ................................................................... 176 5 O MEU PONTO DE VISTA É A VISTA DO MEU PONTO ..... .............................. 176 5.1 RESPONDENDO AS QUESTÕES NORTEADORAS Á GUISA DE CONCLUSÃO ................................................................................... 176 5.2 CONCLUSÕES APÓS A PESQUISA, SEM PONTO FINAL ............................. 179 5.3 RECOMENDAÇÕES ......................................................................................... 187 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 189 ANEXOS ................................................................................................................. 204 APÊNDICES ........................................................................................................... 213
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CAPÍTULO I
1 INTRODUÇÃO
1.1 JUSTIFICATIVA
Caminhante, são teus rastros o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho, faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho, e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho, somente sulcos no mar.
O poema de Antônio Machado (1998) traduz o tom e o processo de uma
jornada ao redor do tema em foco, na medida em que a questão das pessoas com
as denominadas altas habilidades1, ainda contém uma exigência de redescobertas a
cada passo, sem que se tenham norteadores muito claros, que nos orientem sobre
como e para onde ir. E este é o preço no novo, do até então pouco explorado,
embora relevante e prioritário, ao menos àqueles a quem é afeto.
Tanto no exercício do magistério, como nas funções de orientadora
educacional e de psicóloga clínica, sempre nos preocupamos com os estudantes
ditos “diferentes”, tanto aqueles com dificuldades de aprendizagem, como os que
aprendiam mais rápido e, por esse motivo, eram considerados “problemas”, ficando
à margem do processo educativo. Nesse contexto, iniciamos uma busca de saberes
junto a teóricos da Psicologia e da Educação que dessem conta da compreensão e
de alternativas de atendimento daqueles estudantes certamente diferentes.
Assim, esta tese é um diálogo vivo sobre estudantes diferentes pela falta de
compreensão com que a sociedade em geral e a escola em especial, lidam com a
1 No decorrer do trabalho optamos pela dupla nominação Altas Habilidades/Superdotação, com a sigla AH/SD, seguindo tanto o Conselho Europeu das Altas Habilidades, quanto à resolução do Conselho Brasileiro para Superdotação, respectivamente.
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diversidade, sejam as várias deficiências2, sejam as denominadas Altas
Habilidades/Superdotação (AH/SD). Na caminhada profissional desta pesquisadora,
muitos fatos e situações no trato com esses estudantes foram a tônica que nos
convenceu de que o normal é ser diferente. Em síntese: a busca da compreensão da
diversidade acompanhou os questionamentos em busca da inclusão. Em função dos
questionamentos sobre a área das AH/SD, iniciamos um processo favorável ao
atendimento das necessidades sócio-emocionais que beneficiassem as
potencialidades dos estudantes.
Nas últimas décadas, a experiência vem demonstrando que ambos (os
estudantes com deficiências e os com altas habilidades) apresentam necessidades
educacionais especiais. A vivência nos convenceu de que aqueles que não se
enquadram na média e apresentam comportamentos diferentes são discriminados e
necessitam, juntamente com seus familiares, ao menos um posto de escuta
psicológica para compreensão e apoio.
Na transição para a adolescência se intensificam as inseguranças e os
conflitos da subjetividade e com a tarefa da ressignificação do autoconceito aflora o
que foi dito e o que foi percebido sobre si mesmo desde as primeiras experiências
infantis. E como afirma Freeman (2.010, p. 7): “Nenhum de nós tem a capacidade de
fazer o relógio andar para trás, tanto quanto nós gostaríamos, para editar o
passado.”
Por sua vez, a família e a escola desempenham papéis importantes na
construção de um autoconceito saudável uma vez que respondem pelo fato das
primeiras impressões recebidas na vida serem as mais fortes e ricas em
consequências. Na adolescência, diante da vivência de situações novas, o jovem
passa a ter consciência do continuum da sua história de vida. A memória resgata os
fatos com a possibilidade de uma ressignificação.
A guisa de paradigmas, alguns pressupostos filosóficos acompanham a nossa
visão do desenvolvimento do ser humano, estendidos ao social, psicológico, cultural,
político e espiritual. Assim, parafraseando Paulo Freire (1987), acreditamos que só é
possível trabalhar em Educação numa relação de paixão e de efetivo
comprometimento. Se a sociedade nos possibilitou oportunidades de acesso ao
2 O termo deficiência é utilizado porque a legislação brasileira sobre Educação Especial contempla os estudantes que possuem deficiências físicas, visuais, auditivas ou múltiplas e também os estudantes com altas habilidades/superdotação.
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saber, muitos não o tiveram. Assim, contraímos uma dívida com essa sociedade. A
única maneira de saldar parcialmente essa dívida é devolver em novos saberes, em
Educação, o que recebemos por privilégio.
É consenso que a partir de 1950, configurou-se um novo paradigma
epistemológico, cujo objetivo fundamental consistia numa Psicologia que
abandonasse o comportamentalismo para aprofundar no estudo das potencialidades
cognitivas, nos processos mentais superiores, no estudo do cérebro e nas
Neurociências (MOSQUERA, 2002). A partir desse movimento, em vários países
desenvolvem-se muitos estudos que impulsionam os conhecimentos sobre as
AH/SD, graças a esforços de pesquisa de autores como Gardner (1983); Renzulli
(1978, 1982b; 1986; 2004); Winner (1986); Sternberg (2000; 2003), dentre outros.
No Brasil, novos estudos sobre as AH/SD, além de relevantes por si mesmos,
também o são pela escassez de pesquisas sobre o tema, como se percebem pelos
levantamentos efetivados junto a bancos de dados pertinentes. Embora existam
estudos em outros países desde o final do século XIX, no Brasil a atenção ao tema
ocorre a partir da metade do século XX.
É exemplar o fato do estado de conhecimento sobre a área de AH/SD
registrar no Banco de Teses da CAPES, no período de 1987 a 2011, apenas 12
(doze) Teses de Doutorado com foco direto nas AH/SD, (dois doutores defenderam
suas teses em outros países). Já as Dissertações de Mestrado sobre o tema, têm
um volume maior, com 71 (setenta e uma) produções, conforme o Conselho
Brasileiro de Superdotação (CONBRASD), em dados atualizados em 28 de maio de
2010.
Na dimensão dessa lacuna decidimos investir na produção de conhecimentos
que venham subsidiar a experiência cotidiana e a capacitação profissional, com
práticas educativas na área psicoemocional de estudantes adolescentes com
AH/SD. Propomos oficinas educativas com o objetivo de promover o
autoconhecimento em ações educacionais de apoio psicológico e pedagógico para a
ressignificação do conceito sobre si mesmo e prospecção do projeto de vida com a
inclusão efetiva e produtiva das diferenças.
Buscamos também definições mais específicas na formulação das políticas
que alicercem um corpo teórico e venham a concretizar as prerrogativas legais.
Desde 1988 a Constituição Federal estabelece o direito das pessoas com
necessidades especiais receberem educação, preferencialmente na rede regular de
17
ensino (art. 208, III). Na década de 1990, os movimentos sociais apoiaram os
direitos humanos das pessoas, em relação à diversidade e à inclusão. Essa ampla
discussão disseminou a aceitação do direito de plena participação social e orientou a
reformulação da legislação do sistema educacional do Brasil. Entretanto, os
resultados práticos no campo da educação das Pessoas com Altas
Habilidades/Superdotação (PAH/SD) ainda são escassos.
O investimento em estudos e pesquisas sobre o tema em pauta também
encontra justificativa no nosso posicionamento político na área específica da
Educação para Todos, desde a Conferência Mundial, Jomtien (Tailândia, 1990), de
cuja Declaração o Brasil é signatário, assumindo um conjunto de compromissos que
deveriam ser traduzidos em metas nacionais a serem cumpridas, antes da virada do
século, com os princípios dos Direitos Humanos e a transformação da sociedade
numa construção mais justa e igualitária. Tais compromissos foram até o momento,
apenas parcialmente cumpridos.
Revisitando nossa prática profissional dos últimos trinta anos, constatamos
que estamos envolvidas com as questões educacionais e os avanços das
concepções sobre AH/SD desde sempre. No resgate da práxis como Orientadora
Educacional e Psicóloga Clínica a partir da década de 1970, percebíamos o
encaminhamento de estudantes para avaliação psicopedagógica, acompanhados de
pormenorizada descrição contendo inúmeros distúrbios de conduta e aprendizagem
e já rotulados como “alunos-problema”.
As principais características eram: desadaptação, desinteresse,
desmotivação, desatenção, indisciplina, rebeldia, agitação, tiques, cacoetes,
desobediência, ausências prolongadas da classe, dentre outras. As queixas incluíam
o não-seguimento das normas escolares e dificuldades de socialização com os
colegas de classe. Com rendimento escolar insatisfatório, permaneciam isolados na
sala de aula e assim continuavam no recreio. Eram alvos de apelidos e chacotas
semelhantes a uma situação que na atualidade é denominada bullying.
A avaliação psicopedagógica e o psicodiagnóstico naquela época seguiam o
protocolo do Departamento de Educação Especial da Secretaria de Estado da
Educação do Paraná (SEED-Pr) e era baseado em testes psicométricos e outras
provas específicas para identificar alunos com deficiências visuais, auditivas e
mentais. O objetivo era compor as Classes Especiais. Quando os estudantes não se
enquadravam nas características da Deficiência Mental (ou apresentavam diversos
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distúrbios múltiplos de aprendizagem e condutas), eram denominados de forma
pejorativa pela gíria da época, “bicho-grilo”3, expressão que indicava “esquisitice” ou
pessoas diferentes, que fugiam aos padrões, atraiam a atenção e que irritavam os
professores e colegas.
Entre esses estudantes “esquisitos” estavam os estudantes com AH/SD, que
não sendo avaliados adequadamente, eram excluídos e permaneciam à margem do
processo pedagógico. Por herança dessa época, o senso comum associou a
população atendida pela Educação Especial com estudantes com as várias
manifestações de deficiências, criando mitos e preconceitos que persistem até
nossos dias.
Assim, a trilha percorrida na área da temática desta tese é a Educação
Especial, no campo do processo da constituição da identidade, enfatizando a
construção do autoconceito de estudantes com AH/SD na vivência do processo da
adolescência.
Percebemos que o progresso no atendimento dos estudantes com as mais
diversas deficiências avançou em grande escala, com planejamento especializado
nas escolas da rede pública e com a sensibilização da comunidade em geral.
Entretanto, o atendimento dos estudantes com indicadores de AH/SD ainda não foi
totalmente absorvido pela sociedade e pela escola. Pela desinformação dos
profissionais da Educação e pelo número insuficiente de professores capacitados,
essa parcela de estudantes ainda permanece invisível e desatendida no cotidiano
das escolas.
Permanecendo à margem das atividades normais da escola, não
desenvolvem as suas potencialidades, recrudescendo em ritmo crescente as
dificuldades sócio-emocionais, comportamentais e de socialização que, na maioria
das vezes, inviabilizam a permanência na escola, e provocam uma sequência de
transferências escolares. Em função dessa tradição, persiste no imaginário popular a
crença de que o estudante com deficiência é a única população atendida pela
Educação Especial. Essa é a visão de uma época que se estendeu até o início da
década de 1980.
3 Expressão originada pelo comportamento de Raul Seixas, falecido cantor brasileiro psicodélico dos anos 1970 e 1960, visto por muitos como “maluco”. É dele, inclusive, a origem musical de outra expressão que referenciava alguém que fugia aos padrões: o “Maluco Beleza”.
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No Ensino Médio as Secretarias de Educação de alguns Estados (Rio Grande
do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e do Distrito Federal), iniciaram projetos de
capacitação de profissionais e criação de Salas de Recursos para enriquecimento
curricular.
No Ensino Superior, salvo algumas raras exceções, entre as quais
registramos as iniciativas da Universidade Federal do Paraná, não há projetos
específicos para este fim e muito lentamente começa a surgir um movimento de
sensibilização sobre o tema.
Evidentemente, todos esses avanços contribuíram para despertar o interesse
da academia, da sociedade e da Educação, mas ainda são escassos para
determinarem a informação científica atualizada e subsidiarem a formação de
professores especializados e a oferta de programas educativos.
Com uma população de 190.799.170 (IBGE, 2010), os registros do Censo
Escolar apresentam um total de 55,9 milhões de estudantes matriculados no Ciclo
Básico em todo o País (INEP, 2010). Nas escolas brasileiras a Educação Especial
prioriza o atendimento aos estudantes com deficiências e, dentro do total de
matrículas, os com AH/SD representam um índice de 0,004% (INEP, 2010). O
número deve ser muito maior porque os professores não estão preparados para
reconhecer os indicadores de superdotação em seus alunos e essa situação
continua sendo responsável pelo desperdício de talentos.
Utilizando os índices mais conservadores da Organização Mundial de Saúde
(1993), que atribuem de 3,5 a 5% de pessoas com AH/SD (considerando apenas as
áreas da linguística e a lógico-matemática), os estudantes com AH/SD matriculados
nas escolas atingiriam um número muito maior. Pesquisas recentes (ABSD-RS,
2001; PÉREZ, 2005; GUENTHER, 2006) têm constatado índices que variam de 5%
a 7,78%, dependendo das regiões de estudo contempladas. Entretanto, no cotidiano
escolar o professor ainda tem dificuldade em reconhecer e responder às
necessidades diversificadas dos estudantes com AH/SD e em função disso, uma
parcela de estudantes com altas habilidades/superdotação permanece excluída do
sistema educacional brasileiro. Na virada da primeira década do novo milênio, a
perspectiva da educação para todos, de qualidade e inclusiva, é um grande desafio.
Na atual legislação brasileira o atendimento aos estudantes com as mais
diversas deficiências está bem definido. Contemplados dentro da Educação
Especial, os estudantes que se sobressaem na escola por apresentarem grande
20
facilidade de aprendizagem e dominarem rapidamente conceitos, procedimentos e
atitudes, fazem parte da parcela identificada como com AH/SD e também estão
incluídos pela legislação da Educação Especial, conforme preceito constitucional,
como já foi destacado.
O professor em sala de aula pode legitimar alguns indicadores que são
peculiares a esses estudantes, evidenciados ao mesmo tempo, ou não. Essa
proposição está despertando o interesse de educadores e as escolas vêm adotando
algumas estratégias com práticas educativas com o enriquecimento curricular e
Salas ou Núcleos de Recursos para o atendimento dessa clientela, mas ainda de
forma precária.
Em função das considerações acima expostas, as Políticas Públicas para a
Educação de PAH/SD, propõem incorporar como uma necessidade especial dessa
clientela, estratégias de enriquecimento cognitivo, destacando também o
acompanhamento através de um Programa de Atendimento Psicológico e
Socioemocional como imprescindível para desenvolvimento saudável da sua
personalidade (BRASIL, MEC, 1999).
A nossa participação em estudos e eventos promovidos pelo Conselho
Brasileiro de Superdotação (CONBRASD), também foram decisivos para mobilizar
nosso interesse de aprofundamento de conhecimento sobre as pessoas com AH/SD
e definir o Projeto de Tese de Doutorado para o Programa de Pós-Graduação em
Educação da UFPR, iniciado em março de 2007.
Esta pesquisa igualmente se justifica porque pretendemos resgatar a fala
autêntica dos estudantes adolescentes com AH/SD e para isso não falamos deles,
mas com eles, dando vez, voz e credibilidade aos participantes da pesquisa,
registrando as vivências que causaram sofrimento psíquico nos contextos familiar e
escolar das suas histórias de vida.
O tema das AH/SD é uma fonte inesgotável de questionamentos e, ao final
desta jornada, nos sentimos recompensadas e felizes por este estudo oferecer
perspectivas novas ao mundo da Educação e despertar outros olhares na
continuidade de pesquisas, articuladas aos quatro pilares para a Educação do
século XXI: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver junto, aprender
a ser, acrescentando no dizer de ASINELLI-LUZ (2006), aprender a sonhar. Os
adolescentes com AH/SD têm desejos e sonhos para o seu Projeto de Vida. Cabe
aos profissionais da educação fornecer os mapas deste nosso mundo complexo e
21
agitado e, ao mesmo tempo, “a bússola que permite navegar através dele”
(DELORS, 1999).
Ainda referente à escassez de estudos e pesquisa na área das AH/SD, é
significativo registrar que Relatório da Plenária da Conferência Nacional de
Educação, no Eixo VI (Justiça Social, Educação e Trabalho: Inclusão, Diversidade e
Igualdade), definiu um conjunto de políticas educacionais com a proposição de
temas desafiantes nos vários segmentos da população, mas que se referem
superficialmente à superdotação. Nessa lacuna, foram registradas proposições para
que a CAPES, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq), promovam políticas de incentivo às pesquisas voltadas para essa temática
(CONAE, 2001).
Por todas essas razões (e outras aqui não nominadas), de ordens pessoal,
profissional, de comprometimentos ético e político, este estudo se justifica,
apoiando-se em Paulo Freire (1978) quando afirma que só é possível trabalhar em
Educação numa relação de paixão; não um apaixonamento fútil e estéril do
sonhador utópico, mas numa relação efetiva de comprometimento ético.
1.2 ENUNCIADO DO PROBLEMA
É reconhecido que a pessoa com AH/SD se sente diferente de colegas e
amigos da sua faixa etária e se angustia ao questionar-se sobre a sua presumida
normalidade. Esses sentimentos levam-na a um sofrimento psíquico que influencia o
processo saudável da construção da identidade, do autoconceito e da auto-imagem.
A falta de habilidades sociais promove a desadaptação no ambiente (família e
escola) e dificuldades generalizadas de socialização. Em alguns casos essa
situação influencia negativamente o processo de construção do autoconceito e
determina uma trajetória paralela ao desenvolvimento saudável da personalidade.
As atividades de apoio dirigidas às crianças com AH/SD, quando existentes,
privilegiam a dimensão cognitiva, ficando ao desamparo as dimensões afetiva e
sócio-emocional (FLEITH, 2001). Estamos conscientes da necessidade no
desenvolvimento no autoconceito das pessoas com AH/SD, especialmente no
período do desenvolvimento humano que envolve a transição da infância para a
adolescência, inevitável e sofrida. Em função disso, tentamos oferecer um plus de
22
compreensão e apoio psicológico que suavize essa transição. Investigamos as
influências significativas que influenciaram o processo de construção do
autoconceito e analisamos e interpretamos a reflexão para a ressignificação do
autoconceito.
Diante das considerações acima, a questão que constitui o eixo norteador da
pesquisa é: Como ocorre o processo de construção do autoconceit o em
estudantes com AH/SD, no rito de passagem para a ad olescência?
1.3 OBJETIVOS DA PESQUISA
O objetivo geral da pesquisa foi o de investigar e compreender o processo de
construção do autoconceito de adolescentes com AH/SD, durante a vivência do rito
de passagem para a adolescência, através de estratégias educacionais de apoio
psicológico para o desenvolvimento das potencialidades e prospecção de Projeto de
Vida.
Os objetivos específicos foram:
a. Investigar o processo de construção do autoconceito nos contextos
familiar e escolar.
b. Identificar as influências significativas no processo de construção do
autoconceito, no tempo.
c. Analisar e interpretar a ressignificação do autoconceito.
As questões norteadoras que fundamentaram este estudo foram as seguintes:
a. Qual o autoconceito de estudantes adolescentes com AH/SD na
vivência do rito de passagem para a adolescência?
b. Quais os aspectos que influenciaram o processo de construção do
autoconceito dos estudantes adolescentes com AH/SD?
c. O autoconceito pode ser ressignificado no contexto, espaço e tempo?
d. As expectativas sobre o futuro e o projeto de vida são influenciadas
pelo autoconceito?
23
1.4 DELINEAMENTO E ESTRUTURA DA PESQUISA
A pesquisa, de cunho qualitativo, está inserida no campo das Ciências
Humanas do Programa de Pós-Graduação, Doutorado em Educação, do Setor de
Educação da (Universidade Federal do Paraná UFPR), na área temática Cultura e
Processo de Ensino-Aprendizagem, linha de pesquisa Cognição, Aprendizagem e
Desenvolvimento Humano, em Curitiba.
O documento de tese está dividido em capítulos, descritos a seguir:
CAPÍTULO 1 – INTRODUÇÃO - Informa de onde viemos e a quê viemos, com
a definição da trilha percorrida na caminhada profissional enquanto Orientadora
Educacional e Psicóloga Clínica. Revisitando a história de vida profissional,
percebemos a intersecção das áreas de Psicologia e Educação. Resgatando a
práxis profissional, percebemos o envolvimento no atendimento às pessoas
diferentes, o que motivou a decisão de aprofundar os estudos em AH/SD.
Apresentamos a justificativa do estudo com a somatória dos conhecimentos e
saberes adquiridos no caminho percorrido, a área temática, a modalidade e a
questão da pesquisa, os objetivos e as questões norteadoras. Registramos alguns
pressupostos à guisa de paradigmas que orientam a nossa caminhada, como já
demonstrado.
CAPÍTULO 2 – DIALOGANDO COM OS MESTRES - MARCO TEÓRICO –
Realizamos um diálogo com os mestres que foram os mentores desta pesquisa, seja
na Psicologia, seja nas temáticas referentes às questões sobre inteligência,
superdotação, desenvolvimento humano, adolescência e autoconceito. Privilegiamos
autores contemporâneos que representam os avanços nos estudos nos diversos
campos do saber. Apresentamos uma visão geral do rito de passagem da infância
para a adolescência. Em função da extensão de conteúdos sobre o tema, trazemos
no bojo o processo de construção da identidade, gênero e autoconceito, foco deste
estudo. Registramos os fenômenos vivenciados na passagem para o mundo adulto,
bem como as dificuldades das interações familiares e sociais. Abordamos os
24
obstáculos enfrentados pelos adolescentes superdotados e pontuamos a
importância do apoio psicoemocional para o desenvolvimento das suas
potencialidades e prospecção do Projeto de Vida – a tese que sustentamos.
CAPÍTULO 3 - METODOLOGIA – Neste capítulo apresentamos o
delineamento metodológico da pesquisa, com a opção pela modalidade da pesquisa
qualitativa, a mais adequada no campo das Ciências Humanas para conhecer,
compreender e interpretar os processos que constituem os fenômenos psicológicos
superiores que são os objetos de investigação. Descrevemos o local e o contexto
onde foi desenvolvida a pesquisa e apresentamos a caracterização do grupo de
participantes, os aspectos éticos de pesquisa que envolvem seres humanos, bem
como os procedimentos, instrumentos e técnicas da coleta de dados. O ponto
central da coleta de dados (que esteve calcado em oficinas educativas, com a
utilização de dez módulos denominados Construindo o Caminho) é abordado assim
como os pré-indicadores os indicadores e os núcleos de significação.
CAPÍTULO 4 - APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS – Nesta parte
apresentamos os resultados dos procedimentos utilizados e a análise dos dados.
Procedemos à articulação entre os indicadores aglutinados e estabelecemos 3 (três)
núcleos de significação:
1. a enunciação do autoconceito;
2. influências significativas no processo de construção do autoconceito,
dificuldades e obstáculos no contexto escolar e emergência de
ressignificação;
3. expectativas frente ao futuro e prospecção do Projeto de Vida.
Fizemos a interpretação dos dados buscando a compreensão global do
autoconceito dos estudantes adolescentes com AH/SD, com a elaboração de
sentido e significado do autoconceito frente às expectativas para o futuro com a
prospecção do Projeto de Vida.
CAPÍTULO 5 – CONCLUSÕES - Apresentamos o nosso ponto de vista após
esta caminhada, respondemos às questões norteadoras e registramos algumas
conclusões. Ressaltamos os depoimentos dos participantes da pesquisa que nos
pareceram significativos por terem determinado intenso sofrimento psíquico.
25
Apresentamos reflexões, comentários e recomendações e encerramos sem ponto
final. De tudo ficaram duas coisas: a certeza de que estamos apenas começando, e
a certeza de que é preciso continuar. È o tempo da travessia, fanzendo da
interrupção um caminho novo.
1.5 DIFICULDADES E ALTERAÇÕES
Pretendíamos compor um grupo de 20 (vinte) participantes, com a idade na
faixa etária de 12 a 18 anos, estudantes adolescentes identificados com AH/SD
conforme Projeto de Pesquisa encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do
Setor de Saúde da UFPR. Procuramos localizar os participantes em Salas de
Recursos de escolas da Rede Pública Estadual, na cidade de Curitiba. Tivemos
dificuldades em identificar essas escolas porque poucas possuem Sala de Recursos
o que fez com que ficássemos limitadas a somente uma escola, a qual mantinha, há
quase três anos, uma Sala de Recursos com alunos da própria instituição e que
também aceitava a matrícula de estudantes de outras escolas das Redes Municipal
e Estadual de Curitiba e Região Metropolitana.
Analisamos as ficha de matrícula e sócio-demográfica da sala de recursos da
escola, selecionamos estudantes superdotados adolescentes a partir de doze anos
de idade, selecionando 17 (dezessete estudantes). Decidimos considerar a idade
preconizada pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) para compor o grupo
que ficou reduzido a 13 (treze) participantes.
Após a reunião com os pais em maio de 2008, outras dificuldades de horário
e local de trabalho impediram a participação dos selecionados, pois vários tinham
compromissos com atividades extracurriculares. Outro fator limitante foi o fato de a
escola que mantinha a sala de recursos, apesar de ser de grande porte, ter seus
ambientes com máxima ocupação e, a Sala de Recursos, em função disso,
enfrentava dificuldades de local mais adequado, utilizando um pequeno recinto
contíguo ao pátio interno da escola. Assim, somente seria possível a realização das
oficinas educativas, agendando dia e horário que não coincidissem com as outras
atividades da Sala de Recursos.
Definido o local, a próxima dificuldade foi agendar dia e horário para a vinda
dos estudantes, planejando a possibilidade dos pais em trazer e buscar seus filhos.
26
Assim sendo, definimos as quartas-feiras, com início às 18h00 e término previsto
para as 21h00.
Iniciadas as atividades, outras variáveis intercorrentes ocorreram causando
outras desistências em relação ao grupo inicial. Permaneceram até o final das
atividades, constituindo o grupo de informantes qualificados, 6 (seis) participantes.
27
CAPÍTULO II
2 DIALOGANDO COM OS MESTRES - MARCO TEÓRICO
2.1 MESTRES QUE FUNDAMENTARAM ESTE ESTUDO
A revisão da literatura, com a pretensão de abordar uma temática
relativamente complexa em suas interconexões, passa pela interface da Psicologia e
com a Educação, abordando o desenvolvimento das concepções sobre a
inteligência, estudos sobre altas habilidades e superdotação, bem como o
desenvolvimento humano, a adolescência, o processo de construção da identidade e
autoconceito. Sob esta perspectiva, três são os referenciais teóricos básicos que
embasam as reflexões desta pesquisadora no que se refere ao tema: a Teoria das
Inteligências Múltiplas de Gardner; a Teoria dos Três Anéis de Superdotação, de
Renzulli e a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner,
cujas sinopses podem ser assim apresentadas:
a. Howard Gardner e a Teoria das Inteligências Múltiplas (1983, 1999,
2001, 2005) considera a inteligência parcialmente originada pela
genética, multidimensional e subordinada aos fatores sócio-ambientais.
Sua abordagem dar-se-á nos limites de sua complementaridade às
concepções de inteligência de Renzulli.
b. Joseph Renzulli - fundamentado em investigações sobre a natureza
das habilidades humanas e estudos de casos, propôs uma concepção
de superdotação que denominou de Concepção de Superdotação dos
Três Anéis (1978; 2004), complementada em 1986, quando apresenta
as principais dimensões do potencial humano para a criatividade,
concebendo o comportamento de superdotação na interação dos três
fatores: habilidades gerais ou específicas acima da média, elevados
níveis de comprometimento com a tarefa e elevados níveis de
criatividade.
28
c. Urie Bronfenbrenner- oferece um referencial para a compreensão do
processo do desenvolvimento humano com a sua Teoria Bioecológica
do Desenvolvimento Humano (1979; 1992; 1995; 2002; 2005), que
focaliza a importância da visão do contexto histórico e sociocultural na
compreensão das relações homem-mundo. Concebe o
desenvolvimento humano como uma mudança duradoura na maneira
pela qual uma pessoa percebe e lida com o seu ambiente enquanto
sistemas (microssistema, exossistema, mesossistema e
macrossistema), numa série de estruturas encaixadas, uma dentro da
outra, como um conjunto de bonecas russas4.
2.2 A TEORIA BIOECOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Segundo Bronfenbrenner, as sementes das concepções ecológicas sobre o
desenvolvimento humano haviam sido plantadas há muito tempo na sua mente
(2002, vii). Quando o jovem pesquisador viu abaladas as suas convicções sobre o
rigor do laboratório e dos métodos psicométricos alargarem-se seus horizontes,
tanto para o poder da fenomenologia quanto do contexto social. O ambiente é
concebido como ele é percebido e não conforme poderia existir na realidade
objetiva.
“A ecologia do desenvolvimento humano localiza-se num ponto de convergência entre as disciplinas das ciências biológica, psicológica e social, conforme elas se relacionam à evolução do indivíduo na sociedade”. (BRONFENBRENNER, 2002, p.12)
O autor destaca a convergência de pensamento dos teóricos do
desenvolvimento com a ênfase na crítica aos psicólogos tradicionais que até então
atribuíam a construtos fixados ao desenvolvimento – traços, capacidades,
habilidades, destrezas e impulsos motivacionais. Defende que a ênfase deveria ser
sobre as interações concretas da criança em suas atividades cotidianas.
4 Por ser russo de nascimento, Bronfenbrenner se vale das matrioshkas como metáfora, para ‘materiealizar’ seu modelo de sistemas aninhados.
29
Quando Bronfenbrenner (1979) apresentou suas idéias, afirmou que não
continham conceitos novos, mas incorporava conhecimentos da Filosofia
Fenomenológica, da Psicologia, da Sociologia e da Antropologia Cultural, numa
perspectiva de abordagem de interações e interconexões do desenvolvimento
humano. Após apresentar sua teoria (1979) veio reformulando e reestruturando suas
idéias devido ao seu olhar crítico, até chegar à Teoria Bioecológica do
Desenvolvimento Humano.
Sobre o conceito de ambiente a teoria bioecológica importa a visão
fenomenológica da teoria de Kurt Lewin. Valoriza o princípio clássico da teoria de
campo que afirma que o comportamento evolui em função da interação entre a
pessoa e o ambiente e sugere que se queremos mudar os comportamentos
precisamos mudar os ambientes (LEWIN, 1917, 1931, 1935, 1938). Assim, afirma
que o desenvolvimento humano encontra seus efeitos principais nas interações,
sendo afetado pelos eventos que ocorrem em ambientes nos quais a pessoa nem
sequer está presente. Além das idéias de Kurt Lewin, enfatiza as idéias de Jean
Piaget como são apresentadas em A construção da realidade na criança (1954),
focando a natureza e o alcance do desenvolvimento da realidade na criança. A
concepção proposta se apóia fortemente nas idéias de Piaget
(BRONFENBRENNER, 1979, 2002, p.9).
O desenvolvimento humano conforme é percebido por Bronfenbrenner,
emerge e se amplia na sua consciência através de seu ativo envolvimento com o
meio físico e social, num progressivo processo de mútua acomodação. Durante o
curso da vida o ser humano em crescimento incorpora as propriedades dos
ambientes imediatos nos quais vive, num processo em que é afetado pelas relações
entre estes ambientes e os contextos maiores nos quais está inserido.
Bronfenbrenner publica em 1992 um capítulo no livro Seis teorias de
desenvolvimento da criança: formulações revisadas e temas atuais, onde enuncia a
sua Teoria dos Sistemas Ecológicos. Assim como Valsiner, Bronfenbrenner também
se fundamentou nas idéias de Lewin, Piaget e Vygotsky para esboçar alguns de
seus conceitos teóricos. Ao publicar seu livro A Ecologia do desenvolvimento
humano (1994), não se referiu ao mesmo como sendo uma teoria de
desenvolvimento, preferindo denominar suas idéias como:
O estudo científico da acomodação progressiva e mútua entre um ser humano ativo em crescimento e as propriedades em mudança dos
30
ambientes imediatos nos quais a pessoa em desenvolvimento vive e como esse processo é afetado pelas relações entre aqueles ambientes, e pelos contextos mais amplos nos quais os ambientes estão envolvidos. (BRONFENBRENNER, 1979, p.9).
Das suas proposições de Teoria dos Sistemas Ecológicos (1992), evoluiu
para a ampliação do entendimento do desenvolvimento considerando quatro
componentes inter-relacionados: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo. As
alterações deste modelo levaram ao Modelo Bioecológico do Desenvolvimento
Humano e atualmente, à Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano. Um dos
principais conceitos que ganha importância na evolução das idéias de
Bronfenbrenner é a de processo proximal, considerado o primeiro mecanismo
produtor de desenvolvimento humano.
Outro conceito importante é atividade recíproca, originalmente inspirada em
Vygotsky (BRONFENBRENNER, 1995, p 613). A teoria de Bronfenbrenner pode ser
apresentada em duas partes que, pela sua própria natureza, não podem ser
tomadas separadamente. A primeira refere-se às propriedades da pessoa numa
perspectiva ecológica e, a segunda, refere-se aos parâmetros do contexto numa
abordagem desenvolvimentista.
Bronfenbrenner não inclui em sua teoria uma relação específica das
características individuais, como por exemplo, inteligência, caráter, etc., que foram
amplamente discutidas em outras teorias do desenvolvimento. Entretanto, esse
silêncio temático não deve ser tomado como uma negligência, pois ele próprio
admite concordar com outros autores que tratam desses temas (KREBS, 1995a).
Bronfenbrenner (2002) alerta que todas as características individuais não podem ser
interpretadas sem uma perspectiva ecológica, ou seja, sem estabelecer a relação
entre as características do ser humano, ativa em desenvolvimento em seus
respectivos contextos e entendida como ambientes dinâmicos em constantes
transformações. Para designar as propriedades da pessoa, Bronfenbrenner (1997)
usou, inicialmente, o termo competência como potencial genético.
Em relação à avaliação dessas competências, nas quais está incluída a
cognição (KREBS et al., 1997), destaca uma variada gama de testes para a
avaliação da inteligência, da personalidade, dos estágios do desenvolvimento
cognitivo e moral, etc. Tais medidas baseiam-se em padrões de respostas
experimentais em situações laboratoriais. Para ele essas medidas não têm dado a
31
devida consideração ao status real dessas capacidades, nas situações de vida
cotidiana da pessoa em desenvolvimento.
Isso significa atribuir certas competências à pessoa em função de seu
contexto social, como por exemplo: um professor, pelo seu status, receberia uma
avaliação superior a de seus alunos em competência cognitiva. Esse nível de
avaliação é denominado como competência em função do status pessoal. Outra
maneira de se avaliar competência em contexto é pelo julgamento da capacidade da
pessoa de solucionar satisfatoriamente os problemas relativos ao contexto.
Voltando ao exemplo do professor e seus alunos, nesse tipo de avaliação, o
mais competente, independente do status, é quem obtiver mais sucesso na solução
de problemas inerentes ao contexto da aula. Esse segundo nível de avaliação é
denominado de competência avaliada dentro do ambiente Nesses dois níveis de
avaliação, a competência é vista em termos mais pragmáticos.
Para definir um terceiro tipo de avaliação de competência, Bronfenbrenner
estabelece relações com a visão de Vygotsky, que ressalta ser a espécie humana a
única que cria e elabora seu próprio ambiente em forma de cultura. Assim, esse
terceiro nível é denominado de competência como uma maestria culturalmente
definida. Nesse último caso, a avaliação de competência não se limita ao status da
pessoa, nem a sua competência limitada a um contexto específico, mas, considera a
competência como um fator relacionado a toda a cultura que permeia os contextos
em que a pessoa esteja inserida, desde os mais imediatos até aos mais abrangentes
(KREBS, 1997). Assim, vale dizer que o ser humano é único quanto ao fato de
conviver com dois ambientes e deles ter consciência: um intrínseco (interno) e outro
extrínseco (o mundo exterior em que está inserido).
2.2.1 Os Sistemas e o Modelo Processo-Pessoa-Contexto-Tempo
Em relação aos parâmetros do contexto, Bronfenbrenner propõe um modelo
sistêmico em que os ambientes em que a pessoa em desenvolvimento participa
ativamente e que lhe constituem as dimensões tanto mais imediata, quanto
mediatas, nomeados como microssistema, mesossistema, exossistema e
macrossistema. Com isto, Bronfenbrenner (2002) proporciona a compreensão de
vários sistemas de influência, desde os mais distais até os mais próximos, que
32
acabam por formar o entorno ecológico do indivíduo. Um aspecto marcante dessa
concepção é que o importante para o desenvolvimento é o ambiente na maneira
como é percebido pelo indivíduo, e não como ele existe na realidade objetiva.
Portanto, conforme o autor, os aspectos do meio são os mais importantes no curso
do crescimento psicológico sendo aqueles que têm significado para a pessoa numa
dada situação. Estes ambientes são analisados em termos de quatro tipos de
sistemas que guardam uma relação inclusiva entre si, como já citada.
O microssistema é o sistema bioecológico com nível mais interno com o
ambiente imediato que contém a pessoa em desenvolvimento. Compreende um
conjunto de relações entre a pessoa em desenvolvimento e seu ambiente mais
imediato, como por exemplo, a família, a escola, a vizinhança, a igreja e o clube
social. Quando a criança sai de um microssistema conhecido, como por exemplo, a
família para integrar um novo microssistema como a escola, dizemos que houve um
fenômeno de movimento no espaço ecológico, ou melhor, uma transição ecológica,
ou transição bioecológica (KOLLER, 2004).
O mesossistema requer que olhemos além dos ambientes simples e para as
relações entre eles. Refere-se ao conjunto de relações entre dois ou mais
microssistemas dos quais a pessoa em desenvolvimento participa de maneira ativa:
as relações família-escola, ou escola-igreja, por exemplo. Essas transições
ecológicas ocorrem durante toda a vida.
Exossistema é o terceiro ambiente ecológico que nos leva mais longe e
invoca a hipótese de que o desenvolvimento da pessoa é profundamente afetado
por eventos que ocorrem em ambientes nas quais a pessoa nem sequer está
presente, como por exemplo, as influências das condições de trabalho dos pais. É a
terceira força de influência no desenvolvimento e compreende aquelas estruturas
sociais formais e informais que, mesmo que não contenham diretamente a pessoa
em desenvolvimento, influenciam e delimitam o que acontece no ambiente mais
próximo: a família extensa, as condições e as experiências de trabalho dos adultos e
da família, as amizades, a vizinhança do bairro em geral.
O macrossistema é o sistema mais distante do indivíduo, incluindo os valores
culturais, as crenças, as situações e acontecimentos históricos que definem a
comunidade onde os outros três sistemas estão inseridos e podem afetá-los: assim
são exemplares os estereótipos e preconceitos de determinadas sociedades, os
períodos de grave situação econômica dos países, a globalização. Descreve a
33
existência de um fenômeno pertencente aos ambientes em todos os três níveis de
ambiente ecológico acima exposto: dentro de qualquer cultura ou sub-cultura, os
tipos de ambientes tendem a ser semelhantes, ao passo que entre as culturas elas
são distintamente diferentes. É como se houvesse em cada cultura, uma planta, um
molde, um esquema para a organização de cada tipo de ambiente.
Bronfenbrenner (2002, p.5) afirma que “Essas interconexões podem ser tão
decisivas para o desenvolvimento quanto os eventos que ocorrem num determinado
ambiente”. Como exemplo, mencionou a capacidade de uma criança aprender a ler
que pode depender tanto de como ela é ensinada, quanto da existência e natureza
de laços entre a escola e a família.
Um tema constante em toda a obra de Bronfenbrenner diz respeito à pesquisa
em desenvolvimento humano. Suas críticas não poupam os delineamentos
reducionistas que tentam investigar o desenvolvimento humano numa perspectiva
não-ecológica. Essas pesquisas foram classificadas por ele como de
desenvolvimento, mas sem contexto. Ele também criticou aqueles delineamentos
que investigam as características do contexto sem considerar a pessoa em
desenvolvimento, como um ser ativo, capaz de interferir em seus próprios contextos.
Essas pesquisas o autor denominou como de contexto, mas sem desenvolvimento.
Em 1995, desenvolvendo suas idéias para oportunizar um avanço nas
pesquisas de desenvolvimento humano, Bronfenbrenner integra duas propostas de
seus modelos em uma só composta pelos elementos pessoa-processo-contexto-
tempo, conhecida como PPCT (2005). Esse modelo integra as características
biológicas e sociais (pessoa), as mudanças que foram ocorrendo ao longo da vida
(processo), as características físicas, políticas, econômicas, culturais, etc. dos
ambientes (contexto) e os eventos de ordem biológica e sócio-cultural que tiveram
impacto na vida da pessoa (tempo). Esses elementos todos constituem o que
Bronfenbrenner propõe como Paradigma Bioecológico. Embora nunca tenha
proposto uma operacionalização de um método de pesquisa para adotar seu
modelo, o pesquisador deve delinear a pesquisa e sua análise a partir dos quatro
elementos-chave (PPCT) para uma maior exploração (BRONFENBRENNER;
EVANS, 2000). As características dos elementos do modelo PPCT são:
a. Processo – O desenvolvimento humano acontece quando se
estabelece um padrão de interação estável e recíproco entre pessoas e
seus ambientes através de longos períodos de tempo denominadas de
34
processos proximais. Essas interações incluem o investigador e sua
equipe.
b. Pessoa – O ser humano é um ente biológico e psicológico que interage
constantemente com seu contexto e é produto deste processo de
interação numa concepção de espiral, multicausal e processual.
c. Contexto – O ambiente tem papel decisivo no desenvolvimento
humano e difere entre as pessoas em extensão e tipo de
consequências. Atua como uma fonte de informações com a qual a
pessoa interage em vários níveis de complexidade, delineando os
quatro níveis de interação (microssistema; mesossistema; exossistema
e macrossistema), como já informado.
d. Tempo – Quando afirma que o desenvolvimento ocorre através de
processos proximais, Bronfenbrenner deparou-se com a questão do
tempo e sua influência natural no desenvolvimento humano. Observou
que num ciclo de desenvolvimento de um ser humano as interações
duradouras entre as pessoas se alteram ao longo dos anos
(BRONFENBRENNER, 1979; 1996).
Posteriormente, o autor apresenta exemplos de processos proximais
afirmando a necessidade de regularidade de tempo para que ocorra um
desenvolvimento saudável e estabeleça vínculos. Entre os protagonistas de
processos proximais cita as interações entre pais, filhos e avós, irmãos, vizinhos,
professores e alunos, colegas e amigos (BRONFENBRENNER, 2005).
Ceconello e Koller (2003) propõem uma metodologia que sistematiza os
quatro aspectos do modelo Processo-Pessoa-Contexto-Tempo (PPCT). Denomina
Inserção Ecológica, método que tem o objetivo de avaliar os processos de interação
das pessoas com o contexto no qual estão se desenvolvendo. Contrapõem-se aos
estudos psicológicos que enfatizam apenas as características dos indivíduos, sem
valorizar o contexto, ou apreender o processo de desenvolvimento. O ambiente tem
neste tipo de investigação um papel chave, já que é nele que as interações e os
processos proximais acontecem (pessoas, objetos e símbolos).
Valemo-nos dos conhecimentos sobre a Teoria Bioecológica do
Desenvolvimento Humano (2002) porque apresentam uma perspectiva nova na
concepção da interação da pessoa em desenvolvimento com o ambiente e participa
das concepções da Psicologia Sócio-histórica com as quais compartilhamos.
35
2.3 A CONCEPÇÃO DE SUPERDOTAÇÃO PROPOSTA POR JOSEPH RENZULLI
Com o avanço dos estudos sobre a inteligência surgiram várias teorias que
tentavam conceituar e medir as diferenças da inteligência, até chegar a Howard
Gardner (1983, 2000) com a Teoria das Inteligências Múltiplas, que a considerou
parcialmente originada pela Genética, multidimensional e subordinada aos fatores
ambientais, sociais e afetivos. Abordando os fatores emocionais e sociais da
inteligência, Goleman (1995) lança a obra Inteligência Emocional, um bestseller na
época, mas pouco citado pelos teóricos, provavelmente, por ter sido a única obra
sobre o tema.
Nos Estados Unidos a história do interesse pela educação para superdotados,
de maneira ampla surgiu no final da década de 1960, principalmente como resultado
da corrida espacial, do sucesso do lançamento do Sputnik e do Relatório Marland
(1972), que teve muita influência e se tornou um ponto de encontro dos educadores
e formuladores de políticas interessados no tema. À medida que o movimento
crescia em tamanho e influência, a comunidade em torno da educação para
superdotados se engajava numa quase desesperada busca para estabelecer uma
identidade que mostrasse como a educação para superdotados diferia da educação
geral. De fato, o termo diferenciação qualitativa surgiu como um dos principais e
mais duradouros slogans da área. Esta busca pela identidade continua até hoje: “e
eu ainda sustento firmemente, o desafio lançado no prefácio do livro original sobre o
Modelo Triádico” (RENZULLI, 1977, p. ii; 2004).
2.3.1 A Concepção de Superdotação dos Três Anéis
Renzulli chegou à Concepção de Superdotação dos Três Anéis após uma
ampla gama de pesquisas realizadas sobre a natureza das habilidades humanas
(RENZULLI, 1978, 1982b, 1986), assim como de numerosos estudos de caso sobre
pessoas com realizações incomuns (jovens e adultos), que não teriam sido
identificadas ou atendidas em programas especiais se fossem considerados
somente os escores de testes de capacidade cognitiva. Em 1986 afirmava que as
altas habilidades/superdotação são um comportamento biopsicosocial de causas
genéticas e ambientais, que reflete uma interação entre três grupamentos básicos
36
dos traços humanos - sendo esses grupamentos habilidades gerais e/ou específicas
acima da média, elevados níveis de comprometimento com a tarefa e elevados
níveis de criatividade. (RENZULLI,1986)
Estas observações também o levaram a outra conclusão sobre a natureza
temporal e situacional da superdotação produtivo-criativa e, especialmente, sobre
dois dos três componentes da Concepção de Superdotação dos Três Anéis:
criatividade e comprometimento com a tarefa. Enquanto a superdotação acadêmica,
que é principalmente contemplada no anel da capacidade acima da média da
concepção, tende a permanecer estável no decorrer do tempo; as pessoas nem
sempre mostram o máximo de criatividade, ou comprometimento com a tarefa. As
pessoas altamente criativas e produtivas têm altos e baixos no rendimento de alto
nível. Metaforicamente, expressa um comentário dizendo que algumas pessoas têm
altos e baixos e que os vales são tão necessários quanto os picos, porque permitem
a reflexão, a regeneração e a acumulação das entradas (inputs) para os esforços
subseqüentes:
Com base nas afirmações acima o autor oferece historicamente reflexões
sobre o seu pensamento no caminho percorrido em vinte e cinco anos de trabalho
(1999, p.3-54. Em artigo traduzido por Pérez (2004), reafirma sua concepção sobre
o comportamento do superdotado, o Modelo Triádico de Enriquecimento e o Modelo
de enriquecimento para toda a Escola, concentrando-se no referencial teórico que
sustenta cada modelo e inclui aplicações práticas em diversas situações escolares e
as pesquisas subjacentes, que não considera modelos acabados, mas admite
possíveis modificações no futuro desenvolvimento dos modelos. Assim, sustenta as
suas idéias e reafirma a concepção de superdotação:
O comportamento superdotado consiste nos comportamentos que refletem uma interação entre três grupamentos básicos dos traços humanos – sendo esses agrupamentos habilidades gerais ou específicas acima da média, elevados níveis de comprometimento com a tarefa e elevados níveis de criatividade. As crianças superdotadas e talentosas são aquelas que possuem, ou são capazes de desenvolver este conjunto de traços e aplicá-los a qualquer área potencialmente valiosa do desempenho humano. (RENZULLI, 1978, p. 261)
O autor destaca que “o grifo não está no original, mas talvez deveria ter
estado” (1999). É citado por Pérez (2004, p. 85) expressando o desejo de que assim
o autor favorecesse a compreensão de suas idéias.
37
A habilidade acima da média pode ser geral ou específica, em qualquer área.
A habilidade geral refere-se aos altos níveis de pensamento abstrato, raciocínio
verbal e numérico, relações espaciais, memória e fluência verbal, bem como a
capacidade de se adaptar a novas situações. A habilidade geral consiste na “[...]
capacidade de processar informações, integrar experiências que resultam em
respostas adaptativas em situações novas e de envolver-se no pensamento
abstrato” (RENZULLI; REIS, 1997, p.13; 1978, p. 261).
Na avaliação escolar, geralmente é a habilidade mais valorizada,
representada por alto nível de desempenho no raciocínio verbal, abstrato e
numérico, fluência verbal, memória visual e auditiva. Entre os dois tipos de memória
geralmente há um desempenho superior em uma delas e, nas relações espaciais,
não são todas as crianças e adolescentes que apresentam melhor desempenho
geralmente aquelas com maiores facilidades em visualizar objetos no espaço após
sofrerem um movimento de rotação ou deslocamento. A inteligência procura verificar
o raciocínio lógico apresentando situações de adaptação e readaptação seletiva de
figuras em posições e situações novas, com o processamento da lógica na
apresentação do problema.
A habilidade específica é a capacidade de desempenho em uma ou mais
atividades especializadas, dentro de uma série de habilidades. “Estas habilidades
específicas são definidas de uma forma que representam as maneiras como os
seres humanos se expressam em situações da vida real” (id. ibid). Em situações
espontâneas, de preferência, como habilidade para a música, o desenho, o balé, a
arte (desenho, pintura, escultura) e mesmo nas disciplinas do currículo acadêmico
como a Matemática, a Física, a Química ou a produção de textos. Essas habilidades
específicas não podem ser medidas por testes, mas são informadas pelos pais e
professores e devem ser avaliados por outras técnicas. A habilidade específica
consiste na aplicação de diversas combinações das habilidades gerais em uma área
do conhecimento especializado ou áreas de desempenho humano. Dentre as
habilidades específicas, podemos citar como exemplo, a fotografia, que ainda pode
ser mais específica, como é o retrato fotográfico, a astrofotografia, a fotografia
jornalística entre outros (id. ibid).
O comprometimento com a tarefa é outro parâmetro a ser considerado que
envolve traços marcantes de perseverança, dedicação, esforço, autoconfiança e
uma crença na própria capacidade para executar um trabalho importante.
38
Caracteriza-se pela demonstração de níveis elevados de interesse e envolvimento
num contexto particular, área de estudo ou forma de expressão (RENZULLI; REIS,
op. cit).
O comprometimento com a tarefa é descrito como uma forma acentuada de
determinação sistematicamente encontrada nas pessoas criativas e produtivas. A
pessoa coloca grande energia em relação à realização de metas eleitas em uma
área específica ou tarefa. Associa ao seu comportamento à perseverança, a
dedicação, grande esforço e paciência, autoconfiança. É um dos comportamentos
frequentemente apresentado pelas pessoas com AH/SD em diversas circunstâncias,
isto é, os comportamentos superdotados têm lugar em determinadas pessoas (não
em todo o mundo), em determinados momentos e em determinadas circunstâncias
(não todo o tempo).
Esse comprometimento com a tarefa foi observado como determinante na
biografia de pesquisadores e inventores que se destacaram por descobertas, ou
produção em alguma área. É conhecido o comportamento bizarro de Thomas Edison
que, após muitas tentativas frustradas, quando a lâmpada não se apagou, ou
queimou, ficou mais de vinte e quatros horas sentado à sua frente, olhando-a
fixamente.
É importante ressaltar que esses traços deverão ter uma certa frequência,
intensidade e consistência ao longo do tempo. Renzulli (1988, p.20) afirma que não
há garantias de que uma definição de altas Habilidades/Superdotação seja uma
rotulação definitiva desse sujeito, pois são inúmeros os fatores que podem intervir na
manifestação e desenvolvimento dos comportomentos de superdotação.
O comprometimento com a tarefa mantém alto grau de motivação, sendo um
desafio imposto a si mesmo. Geralmente, são pessoas que sintonizam canais de
informação importantes e estabelecem altos padrões de exigência para o seu
trabalho, buscando a qualidade e a excelência. O comprometimento com a tarefa
envolve uma natureza afetiva e chama a atenção para o fato de a superdotação ser
um processo multifacetado e que ainda coloca em questão a noção de que boa
dotação intelectual é condição suficiente para alta produtividade na vida (ALENCAR;
FLEITH, 2001).
A criatividade é o terceiro anel de Renzulli e diz respeito à fluência de idéias,
flexibilidade, originalidade do pensamento e curiosidade. O indivíduo está aberto ao
novo e diferente, disposto a correr riscos no pensamento e na ação, apresentando
39
sensibilidade à estética das idéias e das coisas, sendo capaz de deixar de lado a
convenção e o estabelecido quando apropriado (RENZULLI; REIS, op. cit).
Renzulli (2004) comenta que nos primeiros documentos sobre a superdotação
tentou esclarecer o conceito, pretendendo evitar dificuldades semânticas e
interpretações errôneas, acrescentando uma representação gráfica na forma de
intersecção de três círculos – Diagrama de Venn – que pretendia transmitir
graficamente as propriedades dinâmicas do conceito; ou seja, aquelas propriedades
de movimento, interação, mudança e energia contínua e não um estado fixo e
estático. O modelo gráfico procurava transmitir a idéia da interação na forma de três
anéis superpostos cujo principal propósito era representar o tipo de relação
interativa.
Ao se referir aos estudantes candidatos ao atendimento educacional
especializado (AEE), a intenção de Renzulli com o diagrama de Venn era transmitir
a idéia de que os candidatos ao atendimento especial não precisam manifestar
todos os três grupamentos, mas apenas serem identificados como capazes de
desenvolver esses traços e aplicá-los a qualquer área potencialmente valorizada no
desempenho humano (RENZULLI, 2004, p. 85).
Tanto os fatores de personalidade quanto os ambientais, influenciam a
manifestação dos comportamentos de superdotação (RENZULLI; REIS, 1997).
Destacamos que as pessoas com AH/SD apresentam, ou são capazes de
desenvolver, estes três grupamentos de traços, habilidade acima da média,
comprometimento com a tarefa e criatividade, embora não necessitem ter o mesmo
tamanho, nem a mesma intensidade. O mais importante é que os três traços de
grupamentos estejam interagindo para que o desempenho produtivo-criativo possa
emergir (RENZULLI, 1986; 2004).
Pérez (2008, p.39) cita Renzulli (1986, p.16) e apresenta três certezas quanto
aos grupamentos de criatividade e comprometimento com as tarefas:
a. a primeira certeza é que os anéis são mais variáveis do que
permanentes e podem ter diversos graus e intensidade e não podem
ser avaliados da mesma forma que a habilidade acima da média,
especialmente, porque as pesquisas com as pessoas têm constatado a
existência de períodos de intensa manifestação e períodos de
inatividade tanto da criatividade quanto do comprometimento com a
tarefa;
40
b. a segunda certeza é que eles podem ser desenvolvidos e incentivados.
Algumas pessoas são mais influenciadas por determinadas situações
do que outras e é impossível predeterminar a resposta de uma pessoa
a determinado estímulo;
c. a terceira certeza é que esses dois grupamentos quase sempre se
estimulam mutuamente; tanto a ideia criativa pode acionar o
comprometimento com a tarefa, como esse desenvolvimento pode
disparar o processo de solução criativa de problemas.
Extreminiana (2000) pontua que cada um destes três agrupamentos
apresenta uma série de características. A habilidade acima da média envolve, entre
outros aspectos, o vocabulário avançado, memória privilegiada, facilidade de
aprendizagem, capacidade de fazer generalizações e abstrações com facilidade. O
comprometimento com a tarefa abrange intenso envolvimento nas tarefas e
problemas de interesse, necessidade de pouca motivação externa, alto níveis de
energia, perseverança na execução de projetos entre outros. Salienta a autora que
os professores devem prestar atenção para o compromisso com a tarefa, referindo-
se ao entusiasmo e perseverança que estão implícitos quando os estudantes se
envolvem em situações-problemas, atividades, temas e projetos de seu interesse. A
autora salienta também, que a criatividade envolve a curiosidade inusitada em vários
temas, fluência, flexibilidade e originalidade, entre outros traços.
2.3.2 A abrangência das contribuições de Renzulli
Como a Teoria da Superdotação dos Três Anéis não se restringe aos
aspectos cognitivos em seus estudos, Renzulli (1986) propõe a diferença entre duas
categorias de superdotação, numa tipologia com dois tipos de perfil de superdotados
igualmente importantes, que contribuem para a heterogeneidade entre as pessoas
com AH/SD. Os dois tipos são: a superdotação acadêmica e a superdotação
produtivo-criativa. Ambas devem ser encorajadas, possuem as suas características,
tem a mesma importância e, geralmente, interage uma com a outra, sendo que
algumas pessoas apresentam características de um ou outro tipo ou características
dos dois tipos.
41
A superdotação do tipo acadêmico é a mais facilmente identificada por pais e
professores por poder ser avaliada nos Testes de Quociente de Inteligência (QI), ou
outros testes padronizados que mensuram habilidades cognitivas. Renzulli (1986)
afirma que essas pessoas representam de 3% a 5% de qualquer população. É a
superdotação mais valorizada na sociedade em geral e em especial na escola
tradicional. Utilizando testes de QI e outros testes, explica porque é a mais
facilmente diagnosticada na seleção de estudantes para o ingresso em programas
educacionais especiais.
Como se apresentam em diferentes graus, a escola deve fazer esforços para
fazer modificações curriculares apropriadas para atender a estes estudantes.
Costumam apresentar bom desempenho escolar com notas ou conceitos altos em
todas as disciplinas da avaliação escolar e com destacado desempenho em
atividades que envolvam raciocínio verbal e lógico-matemático, permanecendo
estáveis ao longo do tempo (RENZULLI, 1978). Em função disso, se adaptam
melhor ao ritmo da sala de aula. O autor pontua algumas características específicas
(p.75-91):
a. apresentam competências especialmente nas habilidades linguística e
lógico-matemática, com competências mais analíticas do que criativas
ou práticas;
b. enfatizam a aprendizagem dedutiva, a aquisição, o armazenamento e a
recuperação de informações desenvolvem o treinamento estruturado
no desenvolvimento dos processos do pensamento;
c. apresentam alto desempenho escolar com notas altas em todas as
disciplinas, e quando fora da escola, costumam superar o desempenho
esperado pelo contexto sendo interessados em consumir
conhecimento.
A observação tem mostrado que os educadores estão mais familiarizados
com os que apresentam a superdotação no modelo dedutivo (NOVAES, 1979;
PÉREZ, 2004b, p. 96):
O modelo dedutivo é aquele com o qual os educadores estão mais familiarizados e é o que tem orientado a esmagadora maioria dos acontecimentos nas salas de aula e em outros lugares nos quais a aprendizagem formal é o objetivo. Simplificando, o modelo dedutivo é aquele cujo objetivo é introduzir no repertório dos alunos o conteúdo e as habilidades quase sempre oferecidas através de lições determinadas,
42
apresentadas com roteiros pré-estabelecidos para chegar ao que os alunos normalmente percebem como sendo a resposta certa. [...]
A superdotação do tipo produtivo-criativa abrange aspectos da atividade
humana e do envolvimento, nos quais se incentivam idéias, ou trabalhos originais
elaborados propositalmente para ter um impacto sobre uma ou mais platéias-alvo. O
papel do estudante passa a ser o de produtor de conhecimento, no qual faz uso das
informações, onde os processos de pensamento são integrados e direcionados para
a resolução de um problema real (RENZULLI, 2004).
Os estudos e pesquisas de Renzulli deram origem a várias teorias sobre
AH/SD, tais como o Modelo Diferenciado de Superdotação e Talento de GAGNÉ
(1991); o Modelo de Monks (1993); a Teoria pentagonal e o Modelo Wisc –
Sternberg (2002); Gallagher (1979) é um teórico que tem como contribuição
importante chamar a atenção para o fato de o conceito de superdotação estar ligado
à cultura.
2.4 AS AH/SD, INCLUSÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Pode-se constatar que na Constituição Federal (1988), nos Artigos 206 e 208,
a Educação é direcionada em função de todos os alunos. Está previsto que o ensino
seja ministrado com base nos princípios da igualdade de condições para o acesso e
a permanência na escola. O dever do Estado com a Educação será efetivado
mediante o acesso dos alunos aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da
criação artística, segundo a capacidade de cada um.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (1993), estima-se que em torno de
10% da população têm necessidades especiais. Se esta estimativa se aplicar
também ao Brasil, teremos cerca de 15 milhões de pessoas com necessidades
especiais. Estas podem ser de diversas ordens: visuais, auditivas, físicas, mentais,
múltiplas, distúrbios de conduta e também quanto às AH/SD.
Por sua vez, o conhecimento da realidade brasileira é ainda bastante
precário, porque as estatísticas mais confiáveis contemplam os estudantes que
apresentam as diversas deficiências. O número de superdotados, pela dificuldade e
43
desinformação sobre estratégias de indicadores e identificação, pode ser muito
maior do que os dados apresentados pelo Censo Escolar (INEP, 2010).
A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96,
Capítulo V, sobre a área da Educação Especial, define-a como modalidade de
educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
pessoas com necessidades educacionais especiais. É considerada como um
conjunto de recursos educacionais e de estratégias de apoio que estejam à
disposição de todos os alunos e estabelece diretrizes para a educação desses
alunos.
Neste documento assegura que as instituições devam garantir a matrícula
para todos os alunos, estabelecer atendimentos específicos às necessidades de
cada um (artigos 58, 59 e 60). Como é de conhecimento público de que o sistema
não possui um número suficiente de professores capacitados, o referido documento
também estabelece que as instituições devam prover ações destinadas à
capacitação dos recursos humanos envolvidos no atendimento educacional
(BRASIL, 1996).
Assim sendo, perpassa transversalmente todos os níveis de ensino, da
Educação Infantil ao Ensino Superior. Através da LDB/96, temos a compreensão de
que é necessário aos sistemas de ensino que assegurem a essa população-alvo da
Educação Especial, currículos, recursos educativos e organizações específicos,
inclusive prevendo a aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar.
Também assegura a formação de professores com especialização para o
atendimento especializado, bem como professores do Ensino Regular capacitados
para identificar, reconhecer e integrar esses alunos nas classes comuns (BRASIL,
1996).
O Parecer do Conselho Nacional de Educação (2001, CNE/CEB nº 17/2001)
alerta para o fato de que os alunos superdotados e talentosos fazem parte das
comunidades excluídas que permanecem à margem do sistema educacional. Esta
população necessita de motivações específicas e não aceitam a rigidez curricular
bem como os aspectos do cotidiano escolar e acabam rotulados como desmotivados
e indisciplinados.
O estudante que foge ao padrão da classe, quase sempre é um desafio para
o professor. Quando percebe um rendimento abaixo da média da classe, logo é
identificado como aquele que necessita de estratégias de ensino especiais que
44
favoreçam o seu desenvolvimento. Porém, quando apresentam um desempenho
acima da média, se sobressaem em alguma área, têm uma grande motivação ou
interesse, são criativos e/ou possuem habilidades de liderança, na maioria das
vezes, têm apenas o reconhecimento de “que é um ótimo aluno”, além de alguns
mitos como a certeza de que este aluno terá um futuro brilhante (ALENCAR;
FLEITH, 2001).
O Plano Nacional de Educação (PNE) (Lei no 10.172/2001) reconhece que a
Educação Especial se destina às pessoas com necessidades especiais no campo da
aprendizagem, originadas quer de deficiência física, sensorial, mental ou múltipla, ou
com características de altas habilidades, superdotação, ou talentos (2001, p.124),
que forem identificados durante o processo educacional por apresentarem grande
facilidade de aprendizagem que os leva a dominar rapidamente conceitos,
procedimentos e atitudes e orienta a plena integração dessas pessoas em todas as
áreas da sociedade. Entre os objetivos da educação dos estudantes com altas
habilidades/superdotação, menciona:
[...] assegurar inclusão, no projeto pedagógico das unidades escolares, do atendimento às necessidades educacionais especiais de seus alunos, definindo os recursos disponíveis e oferecendo formação em serviço aos professores em exercício [...] Implantar gradativamente, a partir do primeiro ano deste plano, programas de atendimento aos alunos com altas habilidades nas áreas artística, intelectual ou psicomotora. (2001, p. 129-130).
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2008), traduz em seus objetivos e diretrizes a garantia do acesso
à escolarização na sala de aula comum do ensino regular, e a oferta do atendimento
educacional especializado complementar, aos alunos com deficiência, transtornos
globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. (destaques da
pesquisadora)
O documento legal objetiva orientar os sistemas de ensino para promover o
acesso, a participação e a aprendizagem dessa clientela nas escolas regulares,
acrescentando que, os estudantes com altas habilidades superdotação “[...]
demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou
combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de
45
apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de
tarefas em áreas de seu interesse”. (SEESP, 2008, p. 9).
O atendimento educacional especializado deve ser organizado em salas de
recursos multifuncionais ou centros de atendimento educacional especializado, no
contra turno do ensino regular, disponibilizando recursos pedagógicos e de
acessibilidade que eliminem as barreiras para a participação e aprendizagem,
considerando as necessidades específicas dos estudantes, conforme Decreto n°
6.571, de 17 de setembro de 2008. O Decreto Legislativo nº186, de 9 de julho de
2008 que ratifica com status de emenda constitucional a Convenção da ONU sobre
Os Direitos das Pessoas com Deficiência, traz em seu artigo 24 que os estados-
parte devem assegurar sistemas educacionais inclusivos em todos os níveis.
Em abril de 2010, realizou-se a Conferência Nacional de Educação e o
Relatório da Plenária, no Eixo VI (Justiça Social, Educação e Trabalho), inclusão,
diversidade e igualdade, foi definido um conjunto de políticas educacionais com
proposições de temas desafiantes nos vários segmentos da população, referindo-se
superficialmente à superdotação. Pela escassez de pesquisas na área estão
registradas proposições para que a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas
de Nível Superior (CAPES), e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), promovam políticas de incentivo às pesquisas voltadas para
essa temática.
O Conselho Federal de Psicologia5 (CFP) se fez presente na CONAE 2010
com o documento Cartilha de Contribuições da Psicologia à CONAE (2010) que
sintetiza um conjunto de proposições que o Sistema Conselhos de Psicologia,
composto por dezoito Conselhos Regionais e o Conselho Federal, também no Eixo
VI, reafirma seu compromisso com a construção da Educação para Todos, com a
oportunidade inestimável de diálogo com outras categorias profissionais e atores
sociais que têm sido protagonistas do debate educacional.
Destacando a contribuição da Psicologia – como ciência e profissão – na luta
pela consolidação de uma educação para todos, defende que o psicólogo
estabeleça interlocução entre as diversas instâncias e setores, considerando os
saberes acumulados para o atendimento de públicos específicos, como por
exemplo: pessoas com deficiências, sofrimento mental, etc.;. Propõe que o psicólogo
5 Disponível no site do Conselho Federal de Psicologia – CFP: http://www.pol.org.br
46
atue como mediador nas tensões e conflitos produzidos nas relações entre os atores
da escola, junto com a equipe pedagógica, no desafio de operar num sistema que
está constantemente produzindo exclusão. Entretanto, citam o atendimento às
deficiências, mas não citam ações e estratégias para serem desenvolvidas pelos
psicólogos no atendimento aos estudantes com AH/SD.
Como podemos perceber nas duas últimas décadas as políticas públicas
procuram vencer os desafios na perspectiva de educação para todos, reforçando a
inclusão com maior qualidade. Para alcançar essa meta é preciso criar estratégias
de atendimento diferenciado aos alunos com AH/SD alcançando méritos na tentativa
de uma educação igualitária para todos (PÉREZ, 2010). Para isso, é necessária a
preparação da comunidade, formação dos professores sobre a temática, recursos
físicos e financeiros para que as propostas possam ser colocadas em prática
conforme planejadas (PÉREZ, 2010, p. 11).
Como essas deliberações perpassam todos os níveis de ensino, com certeza
irão desembocar no Ensino Superior. Assim é que, por exemplo, para consecução
dessa meta, a Universidade Federal do Paraná (UFPR), a partir de 2006, lidera um
movimento de sensibilização da comunidade universitária com a criação do Núcleo
de Apoio às Necessidades Especiais (NAPNE). Para tanto, iniciou pesquisas para o
mapeamento dos estudantes do Ensino Médio e acadêmicos da instituição com o
objetivo de criar um programa de atendimento especializado. Buscou parcerias com
Secretarias de Educação das Redes Públicas Estadual e Municipal e outras
universidades estaduais e criou grupos de estudos, realizou cursos de extensão e
promoveu eventos para sensibilizar os profissionais da Educação para a
necessidade de capacitação específica para trabalhar com AH/SD.
Com o mesmo objetivo, a Secretaria de Educação do Estado do Paraná
contempla ações e serviços de apoio ao estudante com AH/SD e capacitação aos
professores da rede, tendo como meta o desenvolvimento da potencialidade do
estudante. Mediada pelo Departamento de Educação Especial e Inclusão
Educacional, oferta em algumas escolas Salas de Recursos no Ensino Fundamental,
com atendimento educacional especializado desde 2004, acumulando experiências
nesse campo. Em setembro de 2008, em iniciativa pioneira no país, pelo Decreto nº
6.571 estendeu esse atendimento ao Ensino Médio.
O rompimento com o paradigma tradicional da escola e dos professores é um
processo longo. Envolve desprendimento no que se refere à mudança na forma de
47
agir e nas concepções do fazer pedagógico. Essa situação pode explicar porque
apesar de há mais de uma década os dispositivos legais garantam o atendimento
aos estudantes com AH/SD, eles ainda permanecem desatendidos e à margem do
processo educacional.
Iniciativas em Secretarias de Educação de alguns Estados brasileiros
oferecem a uma minoria o atendimento especial para o desenvolvimento das suas
potencialidades, com diferenciação curricular, enriquecimento e aprofundamento dos
conteúdos garantidos por lei. Concordamos plenamente que todas essas ações são
oportunas e necessárias, constituindo um desafio para a Educação. Mas também
registramos que a exclusão da população de estudantes com AH/SD ainda persiste
e é preocupante porque não sendo identificados e estimulados, podem vir a se
adaptar ao contexto rotineiro das escolas e, frustrados e desinteressados,
prejudicarem o desenvolvimento das suas potencialidades
2.5 FALANDO DA ADOLESCÊNCIA
O adolescente sai da gruta,
farejando o vento” (QUINTANA, 1961).
A puberdade (do lat. pubescere = cobrir-se de pelos) é o fenômeno biológico
que dá início ao processo da adolescência (RIBEIRO, 1977), que se caracteriza por:
a. ser o marco inicial constituído pelo processo de maturação hormonal e
de crescimento físico:
b. resultar da estimulação da hipófise e do eixo hipotálamo-talâmico;
c. determinar eventos biológicos que culminam com a plena maturidade e
capacidade reprodutiva do ser humano;
d. instalar e evoluir, durante um período variável, com o estirão do
crescimento físico da adolescência, aliada mais à idade fisiológica do
que à cronológica.
A sequência do aparecimento e evolução dos caracteres sexuais secundários
é descrito por Tanner (1962) com tabelas que acompanham o crescimento físico e o
estado puberal, havendo uma variabilidade individual, no que se refere à idade do
início aos eventos pubertários e sua evolução (RIBEIRO, op. cit).
48
Por sua vez, adolescência (do lat. adolescentia = mocidade, idade de
mancebo) (HOUAISS, 2001), indica a fase de transição entre a infância e a idade
adulta, que ocorre após a puberdade e se estende até o início da idade adulta
(CORREIA, 1997). Corresponde ao período do desenvolvimento com a maior taxa
de produção hormonal, determinando o amadurecimento físico e o estágio da
capacidade reprodutiva. A explosão da sexualidade na adolescência é como uma
represa que se rompe e inunda tudo, tão mais perigosa quanto mais tempo contida;
tão mais difícil de conter quanto maior o apelo sexual e as facilidades concedidas.
O corpo é o adolescente que se exterioriza, é o que o liga aos outros e ao
mundo. É o meio pelo qual expressamos e tomamos consciência de nós mesmos.
Entretanto, na sociedade atual, a adolescência tem um significado sócio-cultural que
vai muito mais além do amadurecimento físico, iniciado pela puberdade e com a
capacidade reprodutiva.
Vários teóricos da adolescência, como Bock (2002) e outros, registram que
esse espaço de tempo vem se ampliando nas últimas décadas em consequência
das dificuldades sociais e culturais que prorrogam o período de formação
profissional para o ingresso no mercado de trabalho que vai garantir a subsistência e
independência financeira.
As transformações anatômicas e fisiológicas por que passa o adolescente
possuem profundo significado emocional. A puberdade é um fenômeno da natureza
enquanto a adolescência é um fenômeno da ordem cultural (ABERASTURY;
KNOBEL, 1981). O rito da passagem do mundo infantil (conhecido e protegido) para
o mundo adulto (desejado e temido) é um marcador que significa para o adolescente
a perda definitiva da sua condição de criança. Sendo uma etapa decisiva no
processo de desenvolvimento que começou com o nascimento, é sempre um
desafio para o jovem (CORREIA, 1977)
Até o século XIX as investigações tinham como foco apenas a criança. Vários
teóricos estudaram o desenvolvimento humano nos seus aspectos físico-motor,
intelectual, afetivo-emocional e social, desde o nascimento até a idade adulta.
Nenhum estudo especial em relação a esse período do desenvolvimento humano
em que o sujeito não é mais criança, mas ainda não é adulto.
Somente a partir do século XX a adolescência começou a ser considerada e
estudada como um período especial no desenvolvimento humano, com
características próprias. Os estudos sobre a infância e a adolescência sob diferentes
49
perspectivas se construíram em diferentes teorias sobre o desenvolvimento humano.
Podemos citar Freud e a Teoria Psicosexual; Erikson e a Teoria Psicossocial; Piaget
e a Teoria Cognitiva; Kohlberg e a Teoria Moral; Mosquera e a Teoria Existencial;
Bronfenbrenner e a Teoria Ecológica, entre outros (BOCK et al, 2002).
Esses diferentes enfoques permitem entender o desenvolvimento humano de
maneira integral, incorporando corpo e mente. Embora o crescimento e o
desenvolvimento orgânico, mental, emocional e social ocorram simultaneamente a
diferença de um ou dois anos faz mudar o comportamento. Podemos reconhecer as
características comuns de cada faixa etária observando e interpretando os
comportamentos (CORREIA, op. cit.).
No aspecto cognitivo, Piaget (1962) descreve o desenvolvimento mental como
uma construção contínua, que se caracteriza pelo aparecimento gradativo de
estruturas mentais. A atividade mental vai se organizando e se aperfeiçoando. O
pensamento mágico irá sendo substituído por maior noção de realidade até que se
desenvolva e atinja um estado de equilíbrio quanto aos aspectos da inteligência, da
vida afetiva e relações sociais. Na etapa operatória formal apresenta a capacidade
de abstração e de raciocínio, através de hipóteses e do pensamento dedutivo. Essa
situação leva o adolescente à instabilidade emocional que irrompe em
comportamentos de impulsividade e ambivalência. Algumas dessas estruturas
mentais mantêm-se durante toda a vida em desenvolvimento. Assim, existem formas
diferentes de perceber, compreender e se comportar diante do mundo, próprias de
cada idade.
Passar da infância para a adolescência e adentrar no território do mundo
adulto, não é tarefa fácil para nenhum adolescente. Não sendo mais criança e ainda
não assumindo a posição do adulto, o adolescente sente-se num território inóspito,
desejado e temido. Busca conquistar um espaço no desconhecido (CORREIA,
1999). O mundo adulto não acolhe o adolescente, mas impõe e o confronta com
suas fragilidades. A dimensão sócio-cultural coloca obstáculos para a transição do
adolescente no mundo adulto, cada vez mais complexo e competitivo. A
compreensão e o acolhimento nem sempre ocorrem sem superação de desafios.
A fala do poeta feita pela voz do adolescente, expressa a percepção ao
adentrar ao mundo adulto:
Quando eu cheguei, eles já estavam lá e sabiam de tudo... Só me restava inventar o futuro. Não me dão chance. Até parece que têm medo. Como se
50
eu estivesse vindo para tirar o lugar de alguém. Logo eu que só quero aprender, e quem sabe ensinar alguma coisa. Como se eu fosse cego, como se eu fosse menor. Nenhum deles se dá ao trabalho de me olhar bem nos olhos e ouvir o que tenho a dizer (LEMINSKI, 1985).
O adolescente se sente ambivalente: nega a infância e procura um status de
adulto. Essa situação constitui em essência o processo psíquico pelo qual passa o
adolescente. No vértice dessa dificuldade surgiu a expressão “crise adolescente”,
uma, entre outras crises vitais necessárias para a evolução de uma nova
estruturação do indivíduo. A Antropologia descreve-a como semelhante ao “ritual de
passagem”, onde há expectativas de cumprimento de tarefas necessárias para a
aceitação no mundo adulto (ERICKSON, 1968).
Aberastury, (1978) psicanalista argentina, é uma teórica clássica nos estudos
sobre a adolescência. Pontuou que as dificuldades desenvolvimentistas dessa fase
se concentram na elaboração de três lutos na vivência de perdas fundamentais: a
perda do corpo infantil; a perda dos pais infantis e a perda do sexo infantil. Embora
essa vivência constitua a normalidade na adolescência caracteriza o que denominou
a crise da adolescência.
Outeiral (1994, p. 68) é outro teórico da adolescência que contribui para as
nossas reflexões quando afirma: “o novo corpo é habitado por uma nova mente. O
adolescente recebe influências e se funde com os seus pares, personagens do
mundo intelectual, artístico, esportivo, político, aqueles heróis fantasiados, os
professores significativos e figuras parentais, todos importantes alvos de
identificações”. Surge alguém novo, com rupturas na sua história passada, mas que
sem dúvida estão inscritas na sua biografia. Portanto, a identidade de um sujeito é
constituída por tudo o que viveu no seu íntimo tanto quanto no contexto histórico da
sua cultura. Esse processo não é estático, mas é dinâmico e continua ao longo da
vida.
Em concepções recentes, Stanley Hall (2002) polariza a concepção de
identidade como um conjunto original de características fixas e imutáveis para o pólo
oposto propondo uma concepção cultural de identidade como o resultado de uma
construção cultural e social produzida pela linguagem. Assim sendo, a identidade do
sujeito sociológico é fragmentada e mutável, construída pela história de vida e na
interação com outras pessoas significativas. Na interrelação entre essas pessoas
significativas serão mediados os princípios, as crenças e os valores.
51
Woodward (2002) pontua que a identidade é fundamentalmente relacional,
marcada pela diferença que envolve aspectos simbólicos, sociais e materiais. Assim
sendo, é impossível definir similaridades entre duas pessoas ou dois grupos, porque
o que as sustenta é a diferença. Num estudo de caso a história de vida pode
possibilitar ao pesquisador a tentativa de explicar porque as pessoas assumem
determinadas posições de identidade e identificação. Partindo desse pressuposto de
que a identidade é múltipla (HALL, 2000; WOODWARD, 2002), é difícil caracterizar
um perfil das pessoas com AH/SD. Uma das facetas afeta as demais, além de que
as diferentes oportunidades do contexto social e das histórias de vida impossibilitam
a identificação em relação a gênero, etnia, classe social e outras possíveis posições
do sujeito diante da realidade e dos obstáculos que a sociedade lhes apresenta.
Como já afirmamos, a sociedade tem limitações para lidar com adolescentes
com AH/SD. Há uma superposição de dificuldades em relação à crise normal da
adolescência nos âmbitos familiar, escolar e social que não aceitam, não
reconhecem e não valorizam essas diferenças (FLEITH, 2007). O que ocorre, na
verdade, é um distanciamento entre a teoria psicológica e as abstrações sobre a
realidade descrita nos livros e os fenômenos vivenciados pelo adolescente.
Enquanto discutimos o tema cientificamente, o adolescente vive o fenômeno. É difícil
encontrar o limite e o ponto de equilíbrio entre o pensamento racional do cientista e
o desejo do educador em encontrar empaticamente o adolescente.
Se o rito de passagem do adolescente é complexo, aqueles com AH/SD
enfrentam maiores dificuldades ainda pela representação cultural ambivalente
apresentada pela sociedade e a pela mídia. A escola privilegia o estudante tido
como normal e preconiza o ideal da homogeneidade dirigindo o esforço pedagógico
somente para essa massa crítica.
O estudante que se destaca na sala de aula por altas habilidades é um
desafio para o poder e o saber do professor. Pode representar inclusive, uma
ameaça à sua identidade e à sua segurança, no seu posto de representante
hierárquico de autoridade escolar. Essa percepção que o estudante com AH/SD vem
verificando desde o início da vida escolar, acentua a conscientização da diferença e
pode minar a reedição sadia de sua identidade.
Bronfenbrenner (2002) salienta a importância dos modelos das díades
relacionais do microssistema nas transições ecológicas subsequentes. Os
adolescentes desenvolvem sua história de vida identificando-se com os modelos
52
oferecidos no microssistema, seguidos pelos oferecidos pelos professores, pelos
pais das outras crianças e mesmo amigos mais velhos, experimentando e
escolhendo modelos identificatórios.
A partir da adolescência irão rever esses modelos no exossistema e
macrossistema para se integrarem nos novos papéis sociais. Descobrem que
pensam diferente de seus pais em muitas coisas e se dão conta de que o corpo
mudou muito; na fantasia infantil, sempre pensaram em ser bailarina ou bombeiro e
agora pensam em se profissionalizar na área da Saúde ou da Comunicação.
Entretanto, ainda permanece parte da realidade fantasiosa que não procura
dar maior importância a fatores concretos como cursos de formação e oportunidades
de trabalho na sociedade atual. Preocupam-se com a realização financeira,
influenciados pela mídia da sociedade consumista, sem perder de vista a satisfação
pessoal.
Ciampa (1987) apresenta uma concepção de identidade psicossocial
destacando a dimensão de processo. Afirma que a identidade tem o caráter de
metamorfose, pois está em constante mudança. Ela se apresenta estática, como
não-metamorfose e escamoteia sua dinâmica real de permanente transformação
(como a passagem da infância para a adolescência), no surgimento de
oportunidades sociais e de acesso a bens culturais, como a possibilidade de viajar,
aprender uma língua estrangeira ou fazer um curso superior, ou de pós-graduação
no exterior. Para esclarecer melhor este aspecto, o autor utiliza o poema de João
Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina demonstrando que ao dar nome a
alguém, torno esse alguém determinado, substantivo.
2.5.1 Papéis Sócio-Sexuais de Gênero
Se a Biologia se encarrega do sexo genético e das diferenças anatômico-
fisiológicas da sexualidade, a cultura constrói o sexo de gênero, com os valores,
normas, crenças e estereótipos que caracterizam o masculino e o feminino. A
criança imediatamente após o nascimento é inserida no universo simbólico
sociocultural da sua constelação familiar e inicia a construção da sua identidade.
Leva no bojo a consciência de ser menino ou menina e segue com a aprendizagem
53
dos papéis sócio-sexuais que a sociedade espera para o masculino e o feminino.
Essa aprendizagem se confunde com a sua história de vida (CORREIA, 1997).
A identidade sexual (a consciência íntima de ser menino ou menina) surge por
volta dos três ou quatro anos. Inicialmente, a sexualidade e o comportamento de
gênero é um universo a conhecer. Na medida em que cresce e se desenvolve, esse
mundo passa a ser um universo a investigar. Na fase da adolescência é o mundo
infinito de um universo a conquistar (CORREIA, 1999).
O gênero determina os jeitos de viver a sexualidade no universo do masculino
e do feminino. A educação familiar faz cumprir o seu mandato, no papel da
manutenção dos estereótipos e mitos sobre a feminilidade e a masculinidade, depois
seguidos pela escola. A escola como instituição sub-rogada da sociedade, recebe o
legado da discriminação e do preconceito que exclui as diferenças e os diferentes.
É, pois, na escola que a criança toma consciência e aprende o significado de ser
“eficiente” ou “diferente”. Os apelidos não poupam nem os deficientes e nem aqueles
que se sobressaem e podem chegar até a vida adulta. A tarefa da ressignificação
das suas experiências negativas faz parte de um sofrido processo de
conscientização. Terá que lutar pela igualdade sempre que a diferença a discrimine;
e a lutar pela diferença sempre que a igualdade a descaracterize.
O adolescente, para definir o futuro precisa não só definir quem ser, mas
definir o que fazer, e fundamentalmente, quem não ser. Entrelaça vivências e
experiências num processo dinâmico que carrega as marcas e os sofrimentos entre
o real e o ideal.
2.5.2 O Adolescente e a Identificação Grupal
O grupo é considerado pelos teóricos que estudam a adolescência, como a
melhor modalidade de abordagem da subjetividade (OUTEIRAL, 2003). O trabalho
de grupo move uma equivalência com o trabalho de análise, embora não seja a
análise o que se pretenda nessa prática, mas apenas a decifração de algumas
demandas e acting-outs de alguns adolescentes.
O adolescente busca a identificação no grupo de iguais e, em função disso,
para a coleta de dados decidimos utilizar o procedimento do grupo de reflexão em
oficinas educativas com técnicas psicodramáticas. Assim sendo, as oficinas
54
educativas na modalidade de grupo de reflexão seguiram os passos de uma sessão
psicodramática em grupo, do grupo e pelo grupo, envolvendo três momentos
sucessivos: o aquecimento, a representação propriamente dita e o
compartilhamento.
Por outro lado, as técnicas psicodramáticas, com a representação por meio
do “como-se dramático”, oferece a oportunidade de testar previamente atitudes e
reações frente a eventuais emergentes grupais. O devir permite o confronto com as
vicissitudes da tarefa, sem a sobrecarga ansiogênica da realidade factual.
Osório (2003) tem empregado essa técnica nos programas de Educação
Médica Continuada. Prefere a designação de Grupo de Reflexão, baseado em
Dellarossa (1979), psicanalista argentino, muito ligado à prática da Psicoterapia
Analítica de Grupo. Trata-se de uma técnica grupal que, como o próprio nome
indica, visa a induzir que os integrantes do grupo desenvolvam a capacidade de
refletir acerca dos fenômenos relacionais reais e/ou inconscientes. A capacidade
para a reflexão implica simultânea desenvoltura das capacidades para perceber,
sentir, pensar, agir e, especialmente, aprender a aprender. Os grupos de reflexão
podem ser utilizados em diversas áreas, como a Educação, a Pedagogia, as
vivências familiares, recursos humanos e instituições, dentre outras.
No âmbito desse trabalho, alguns conceitos psicanalíticos são utilizados em
função da necessidade de compreensão da subjetividade do adolescente, como o
conceito de transferência, menos enquanto repetição de um laço a uma pessoa e
mais como um laço ao significante que, dirigido ao Outro/analista, carrega uma
significação, um saber inconsciente, tal como acontece com o sintoma. Assim, como
diz Miller (1987), a transferência é a atualização da realidade do inconsciente do
Outro que constitui o sujeito enquanto rede de significantes que orientam o seu
desejo.
Para melhor delimitá-la, Lacan no Seminário XI (1979), Os quatro conceitos
fundamentais da psicanálise (1964/ 1979), formula a noção de sujeito suposto saber,
inédita em Freud. Afirma que o conceito de transferência “é determinado pela função
que tem numa práxis” (p.120) e “nenhuma práxis mais do que a análise é orientada
para aquilo que, no coração da experiência, é o núcleo do real” (p.55). Ancora a
definição de transferência na função do Sujeito Suposto Saber, que surge como uma
consequência estrutural do dispositivo da análise: situação em que alguém se
submete à regra fundamental da Psicanálise, ou seja, à associação livre.
55
A função do Sujeito Suposto Saber emerge quando, obedecendo aos
princípios próprios da linguagem, o que é falado retorna ao sujeito com uma nova
significação, cuja prerrogativa é do ouvinte. Assim, ao falar para o Outro, o que é
dito adquire outro sentido. A transferência surge então como fruto desse
endereçamento, e é deste lugar que o analista pode atuar para mover significações
cristalizadas (sintoma) e assim operar.
Dentre as contribuições clínicas da Psicanálise, pensamos que o trabalho
com a transferência ganha, nos grupos de reflexão, um lugar privilegiado e
fundamental. Entendemos o conceito de transferência, no âmbito deste trabalho,
menos enquanto repetição de um laço a uma pessoa e mais como um laço ao
significante que, dirigido ao Outro/analista, carrega uma significação, um saber
inconsciente, tal como acontece com o sintoma.
Assim, como diz Miller (1987), a transferência é a atualização da realidade do
inconsciente do Outro que constitui o sujeito enquanto rede de significantes que
orientam o seu desejo. Como já observava Freud, trata-se da instauração de um
lugar (dimensão do simbólico), lugar de autoridade como definiu na sua conferência
sobre transferência (Freud, 1916-17/1972).
2.5.3 O Eu e o Outro, Identidade e Autoconceito
Antropólogos, psicanalistas e educadores (BRANDÃO, 1986; GREEN, 1981;
CIAMPA, 1987; OUTEIRAL, 1994: ERIKSON, 1976; GOFFMAN, 1982; CORREIA,
1977, 1999, entre outros, reconhecem que a construção da identidade parte da
consciência do eu separado de outros eus, no momento em que o sujeito se
diferencia e se reconhece. Essas propriedades (constância, continuidade, e
reconhecimento), descrevem um determinado momento da identidade do sujeito,
mas não são capazes de acompanhar o processo de sua produção e de sua
transformação.
No dizer de Correia (1977, 1999), a criança inicia a consciência do eu com a
percepção do seu ser separado do outro nas relações parentais, instigada pela
curiosidade que conduz a atividade infantil. A memória registra a vivência de fatos e
situações significativas, tanto as positivas quanto as negativas. A criança inicia a
investigação sobre o mundo que a rodeia e procura um lugar e um significado para
56
sua presença na família. Em seu debate com o mundo, busca a verdade de si
mesma, e sua grande tarefa é construir a identidade. Mesmo antes de constituir-se
como ser-de-fala já está inserida no simbólico, aonde irá construir a estrutura do eu,
sua única morada na vida.
Como a identidade de uma pessoa está ligada à sua história de vida, é
inegável a influência no processo das vivências das relações parentais e das díades
formadas no microssistema. As identificações formam outras díades num processo
simbiótico, onde o sujeito não diferencia o eu - sujeito e o eu - objeto e o eu e o outro
- como me vejo, como sou visto e como vejo o outro. A consciência do eu está
estabelecida em torno de três anos de idade, quando diante do espelho começa a
perceber a sua identidade (CORREIA, 1977, 1999).
A consciência do eu é o centro da construção da identidade onde o sujeito
tem a tarefa de responder aos questionamentos iniciados anteriormente e que
acompanham a sua história de vida. A Psicologia constituiu o conceito de identidade
para compreendermos o processo de produção do sujeito, que lhe permite se
apresentar ao mundo e se reconhecer como alguém único. É um processo de
construção permanente, em contínua transformação, desde o nascimento e durante
toda a vida.
Nessa mudança, o novo – quem é agora – funde-se com o velho – quem foi
ontem, e projeta-se no quem desejo ser no futuro. É este o fio condutor que tece a
trama da história de vida de cada um. Na aparência, é difícil discernir por trás do que
se apresenta no presente, o que vem do passado e o que se projeta para o futuro.
Um olhar atento, mais além das aparências, pode conseguir perceber o antigo
presente no novo e fundamentar o autoconceito.
O fio condutor da história de cada um, mesmo que na aparência, seja difícil
discernir por exemplo está presente, por trás do pai extremamente severo de hoje o
adolescente rebelde. Por trás das aparências e dos preconceitos é possível
perceber que o antigo está no novo. Algumas vezes esse processo de mudança
ocorre de modo intenso, confuso e com muita angústia e dor. É quando podemos
falar de crise de identidade. São momentos ou períodos importantes com maior ou
menor grau de consciência dessa crise, como ocorre quando busca redefinir ou
ratificar seu modo de ser e estar no mundo, isto é, sua identidade para si mesmo e
para os outros.
57
Nesse processo de diferenciação, as figuras significativas que surgem no
relacionamento afetivo familiar e social funcionam como modelos de identificação. O
sujeito vai se apropriando de algumas características para a construção da sua
identidade: o que eu sou e o que quero ser. Sendo o que quero ser – no futuro – já
está presente no que é - no presente. O conjunto de experiências ao longo da
história de vida permite a cada um ir construindo o seu próprio modelo do que
pretende ser no futuro, como homem ou mulher, como profissional, como cidadão –
seu Projeto de Vida.
O sujeito compõe um amálgama de características embarcado por intensa
turbulência interna, correspondente “às mudanças do corpo que correspondem a
mudanças em sua subjetividade” (OUTEIRAL, 1994). Várias pessoas, mulheres ou
homens que foram importantes para ele, pais, professores, heróis de romances da
literatura, são modelos com os quais o sujeito se identifica e vai procurando construir
sua identidade. Como a história de vida vai se desenvolvendo com experiências com
novas pessoas, esse modelo pode ser alterado.
Assim sendo, não temos controle sobre as figuras de identificação que atuam
sobre o sujeito, mas as figuras parentais que compõem o microssistema de cada
sujeito representam um papel fundamental na construção da identidade e na história
de vida do adolescente. Surgem questionamentos: alguém é sempre igual a si
mesmo? Há a possibilidade de mudança de identidade? Essas questões colocam
em destaque a idéia fundamental de que a identidade é algo mutável, em
permanente transformação.
Na adolescência, o Ser do ser superdotado e não superdotado vai se
constituir numa síntese do sujeito funcional (passado, presente e futuro), que vai
influenciar toda a ação da vida adulta, transcendendo a dimensão da determinação
biológica e buscando uma adequação social que permitirá transformar o mundo.
O interesse e a investigação sobre o autoconceito, segundo Sherif (1972)
estavam no domínio da Psicologia e da Sociologia, no período compreendido entre
1890 e 1940, período da prevalência da Psicologia Comportamental de Wundt e
Watson (BURNS, 1982). É nesse contexto, dominado por concepções monolíticas,
que a perspectiva de William James acerca do eu, ressurge com a sua proposta de
analisar o autoconceito de um ponto de vista psicológico.
Assim, em 1890, William James procura se afastar das posições filosóficas
anteriormente assumidas e apresenta sua obra emblemática The principles of
58
psychology, um modelo que poderemos considerar atual (L’ECUYER, 1978;
BURNS, 1982). Identifica quatro componentes no autoconceito, denominados: self
espiritual, material, social e corporal, em importância decrescente.
Para a autoestima do indivíduo, propõe uma estrutura multidimensional e
hierárquica para o conceito de si. Realça sua natureza eminentemente social, seja
no nível estrutural, seja no nível dinâmico, prefigurando os estudos da dimensão
social do eu, no âmbito do interacionismo simbólico (BURNS, 1982). Para este autor,
o eu de um indivíduo estaria dividido em The I e The me, sendo o primeiro The I, o
eu enquanto conhecedor, isto é, o aspecto do eu que organizaria e interpretaria, de
forma subjetiva, a experiência do indivíduo (eu-como-sujeito), enquanto que o
segundo, The me, representaria o eu enquanto conhecido (eu-como-objeto), que
seriam constituídas pelas características materiais (corpo, família, bens), pelas
características espirituais (estados de consciência, faculdades psíquicas) e pelas
características sociais (relações, papéis, personalidade), características que
conferem ao sujeito a sua individualidade (MARSH; SHAVELSON, 1985).
Willian James também influenciou, de alguma forma, o ressurgir do interesse
pelo autoconceito por James Mark Baldwin, que acentuou a perspectiva
interacionista no desenvolvimento do Eu. Para ele, o Eu e o Outro nasceram juntos
(BYRNE, 1986). Entre os autores que se interessaram pelos aspectos ligados à
interação social no desenvolvimento do Eu, podemos referir, também, os sociólogos
Cooley e G. H. Mead. O primeiro destes sociólogos - Cooley, que foi bastante
influenciado por Baldwin, refere-se ao caráter dialético da vida social para sublinhar
que o indivíduo e o grupo são dois aspectos de uma mesma realidade, pois as
“pessoas e os grupos só existem uns para os outros na medida em que são
concebidas na mente, por isso as suas interações apenas têm lugar na mente”
(ANGELL, 1992, p.379).
Esta idéia de que é apenas na mente que ocorre a diferenciação entre o Eu e
o Outro não é partilhada por Mead, “mind arising in communication” – a mente é
decorrente da comunicação, enquanto que para Cooley, com um ponto de vista
totalmente oposto, “communication arising within mind” - a comunicação é
decorrente da mente, isto é, surge na mente (L’ECUYER, 1978, p. 80).
Ao introduzir a noção de interação simbólica, para explicar de que forma o ser
humano atribui significado à comunicação partilhada com outrem, Mead acentua
ainda mais o papel da interação na construção da identidade do sujeito (BURNS,
59
1982). Propõe, assim, a noção de role-taking, que se define como a capacidade que
o indivíduo vai adquirindo para se colocar, mentalmente, no papel dos outros, à
medida que com eles interage (id. ibid.).
Assim, seria através dessa interação que se desenrolaria todo o
desenvolvimento e construção do Eu (que para Mead é uma estrutura social) como
resultante das relações pessoais que o indivíduo mantém dentro do processo de
experiência e atividade sociais. Esta estrutura social, fruto da interação social, é
particularmente semelhante ao aspecto social da faceta The Me em Willian James, o
social me, que sublinha a importância das reações dos outros na percepção que o
indivíduo tem de si próprio (BURNS, 1982). Em suma, o autoconceito de um
indivíduo, embora seja influenciado pela comunidade na qual o sujeito vive, é,
essencialmente, uma decisão pessoal, o que faz com que não seja previsível
(MARSH; SHAVELSON, 1985).
Assim, percebemos que a origem social do autoconceito, e sua importância
para o funcionamento é o bem-estar do indivíduo, e do seu papel central, enquanto
regulador e mediador do comportamento, percepções e expectativas pessoais.
2.5.4 O Autoconceito Como Constructo
Gecas (1982) em sua definição, afirma que “o autoconceito é o conceito que o
indivíduo faz de si próprio como um ser físico, social e espiritual ou moral” (p.152).
Já Serra (1986) refere que o autoconceito é um constructo psicológico que permite
ter a noção da identidade da pessoa e da sua coerência e consistência. E
acrescenta que é um constructo teórico que:
a. esclarece sobre a forma como um indivíduo interage com os outros e
lida com áreas respeitando as suas necessidades e motivações;
b. leva a perceber aspectos do autocontrole, porque certas emoções
surgem em determinados contextos ou porque é que uma pessoa inibe
ou desenvolve determinado comportamento e;
c. permite compreender a continuidade e a coerência do comportamento
humano ao longo do tempo.
Ainda no preâmbulo da definição do autoconceito geral, Burns (1982) refere
que uma vasta gama de designações (autoimagem, autodescrição, autoestima, etc.),
60
tem vindo a ser utilizada para referenciar a imagem que o indivíduo tem de si,
contudo, em sua opinião, estes termos são designações excessivamente estáticas
para uma estrutura dinâmica e avaliativa como é o autoconceito, o qual, na sua
perspectiva, engloba uma descrição individual de si própria (enquanto auto-imagem)
e uma dimensão avaliativa (autoestima).
Admitindo estas deficiências terminológicas e a grande multiplicidade de
conceitos, Shavelson e Bolus (1982) apresentam uma definição operacional na qual
entendem que o autoconceito se poderá definir como um constructo hipotético, cujo
conteúdo seria a percepção que um indivíduo tem do seu Eu, percepção essa que
se formaria por intermédio de interações estabelecidas com os outros significativos,
bem como através das atribuições do seu próprio comportamento.
Para além do aspecto salientado na definição estrutural proposta por
Shavelson e Bolus (1982), o autoconceito tem determinadas características que, na
opinião destes mesmos autores, são fundamentais para uma definição mais precisa.
Assim, o autoconceito possui múltiplas facetas, é estável, avaliativo, diferençável, e
tem capacidade para se desenvolver e se organizar hierarquicamente. A
estabilidade que se observa no topo da hierarquia, ou seja, quando o autoconceito é
encarado na sua globalidade, diminui à medida que as suas facetas se tornam mais
diferenciadas, mais específicas de uma determinada situação.
O aspecto avaliativo do autoconceito permite que o indivíduo se autoavalie, o
que lhe possibilita a realização de uma retrospectiva dos seus comportamentos em
face de uma determinada situação, averiguando quais são os mais adequados e daí
retirar informação que lhe seja útil em novas situações (id. ibid.).
No que se refere ao aspecto organizativo do autoconceito, e de acordo com
Shavelson e Bolus (1982), o indivíduo, ao receber informação acerca de si próprio,
vai estabelecer categorias que se refletem nas diferentes facetas, tornando o
autoconceito multifacetado, ou multidimensional. O autoconceito possui, assim, uma
organização hierárquica das suas diferentes facetas. Isto é: as diferentes
percepções que o indivíduo tem de si próprio vão sendo orientadas a partir da base
da hierarquia, onde se encontram as facetas mais diferenciadas, para o seu topo,
onde se encontra o autoconceito geral.
Relativamente ao aspecto desenvolvimentista do autoconceito, Marsh e
Shavelson (1985) consideram que este se torna cada vez mais específico e
diferenciado à medida que a idade avança. Um último aspecto, referido pelos
61
autores, é que o autoconceito é diferençável, isto é, o autoconceito pode facilmente
diferenciar-se de outras variáveis (por exemplo, estado de saúde) permitindo
compará-las entre si, de forma a averiguar possíveis relações.
Na opinião de alguns autores (BYRNE, 1986; MARKUS; WURF, 1986), uma
das razões dos progressos verificados, nas últimas décadas, no que concerne ao
desenvolvimento da investigação científica no autoconceito, se prende com o
aparecimento deste modelo hierárquico e multidimensional, contudo, referem que,
neste novo modelo, as ligações do autoconceito geral com as restantes facetas, são
bastante complexas, salientando-se a relação com os pais, à qual estão ligados,
quer o autoconceito não-escolar, quer os autoconceitos escolares. Consideram
assim existir um autoconceito acadêmico e um autoconceito não-acadêmico. Numa
cadeia interligada, verificamos que ao autoconceito acadêmico se encontram ligadas
áreas muito específicas como a Geografia, a Matemática, a História, entre outras.
Por seu lado o autoconceito não-acadêmico pode ainda ser dividido, tal como
o faz Serra (1986), em autoconceito físico (aptidões e aparência física). Os vários
teóricos referem-se ao autoconceito como sendo a imagem que fazemos de nós
mesmos, ás crenças e atitudes internas que temos a nosso próprio respeito, sendo
altamente influenciado pela percepção que temos dos outros sobre nós. Assim
sendo, significa as várias visões do si mesmo, incluindo os vários papéis que
assumimos e os atributos que fazem parte da nossa vida.
O autoconceito exerce um papel fundamental no processo de construção da
identidade. Duas condições externas são importantes nesse processo: a segurança
psicológica de ser aceito como ele é - sujeito singular e único - e a compreensão
empática, quando é visto a partir do seu próprio ponto de vista e assim aceita e
compreendida.
Se considerarmos que o significado do termo autoconceito tem variado em
função do quadro de referência dos autores, é fácil concluir que a investigação
teórica, nesta área se caracteriza por uma grande imprecisão da terminologia e
discordância das definições. Contudo, Berne (1986) refere que apesar da literatura
não revelar uma definição operacional clara, concisa e universalmente aceite, existe
certa concordância em torno da definição geral do autoconceito como sendo a
percepção que o indivíduo tem de si.
Dentre os muitos conceitos disponíveis por diferentes autores apresento a
seguir alguns deles citados em Virgolim et al (2008, p.22):
62
“Autoconceito consiste em crenças que o indivíduo tem a respeito de si mesmo, nos quais ele baseia suas expectativas e, à luz desses, os seus atos e realizações.” (PERES, 1966, p.22).
“Autoconceito é composto por todas as crenças e atitudes que o indivíduo mantém sobre si mesmo, e que determinam quem você é, e o que pensa que é, e o que você pensa que pode se tornar.” (CANFIELD; WELLS, 1976, p.22).
“Autoconceito diz respeito á imagem subjetiva que cada pessoa tem de si mesma e que passa a vida tentando manter e melhorar. Ele é formado pelas crenças e atitudes que a pessoa tem a respeito de si próprio, sendo altamente influenciado pela sua percepção do que os outros pensam dela. Constitui um determinante importante da pessoa que somos; determina ainda o que pensamos a respeito de nós mesmos, o que fazemos e o que acreditamos que podemos fazer e alcançar.” (ALENCAR, 1993, p. 22).
“Autoconceito se refere a quem e o que, conscientemente e inconscientemente achamos que somos – nossas características físicas e psicológicas, nossos pontos positivos e negativos, e, acima de tudo, nossa autoetima. A autoestima é a disposição para experimentar a si mesmo como alguém competente para lidar com os desafios básicos da vida e ser merecedor de felicidade” (BRANDEN, 1991, 1995, p.22).
Observamos que todos os conceitos possuem uma linha condutora única,
embora ressaltem as percepções, valores, olhares, amores, reprimendas,
pensamentos e atitudes que, por ser determinantes num momento, desencadeiam
as atitudes e comportamentos em relação a si mesmo, em relação aos outros e ao
mundo. Utilizamos neste estudo o conceito de Branden (1991, 1995) por considerá-
lo mais completo e abrangente, incluindo a autoestima, a competência e a
autoeficácia e uma positivação da vida e do ser merecedor de felicidade.
Como podemos perceber pelas exposições teóricas, o autoconceito se
constrói desde os primeiros anos da criança (microssistema) e acompanha o
processo de desenvolvimento durante todas as etapas da vida emergindo a partir
das aprendizagens que realiza na interação com as outras pessoas e o que introjeta
sobre o que os outros dizem sobre ela, como qualidades e defeitos que são
percebidos e comunicados.
Assim sendo, apresentamos um autoconceito ecológico , em consonância
com a Teoria Bioecológica de Bronfenbrenner, em que o desenvolvimento humano
depende dos sistemas ecológicos e vivencia inúmeras transições ecológicas, numa
construção que se prolonga por toda a vida, levando na trajetória da vida, diante das
oportunidades tudo o que carregou no bojo das “bonecas russas”, para ressignificar
o seu autoconceito, agora reeditado.
63
Na vivência do processo da adolescência, o jovem passa pelas modificações
fisiológicas da puberdade e se soma ás vivências e relações escolares, com os
comentários verbais e percepções de novos amigos, incluindo as expectativas do
seu papel de gênero e de sua forma de ser. Alguns rótulos, tidos pelo adolescente
com AH/SD como verdades absolutas, que os levam ao sofrimento psíquico e a
questionamentos, são negados, ou aceitos sem questionar.
Teoricamente, essa avaliação pode acontecer tanto nas relações e atitudes
de rejeição como nas de superproteção, que distorcem a realidade e não permitem o
desenvolvimento do discernimento e da autocrítica de forma adequada. O
autoconceito vai passar por uma reedição a partir do início das manifestações da
puberdade e da adolescência, promovendo a oportunidade de reflexão. Nessa fase
da vida, o adolescente está enfrentando, na maioria das vezes, problemas pessoais,
conflitos e frustrações, quiçá infelizmente, como a sina de crianças e adolescentes
que diariamente são massacrados pelo sistema educacional tradicional e repressivo.
Esses sentimentos só podem ser alterados se passaram para a consciência e
forem reelaborados. Como o autoconceito é fundamental para a tomada de qualquer
decisão frente ao futuro, uma atitude distorcida sobre si mesmo pode tolher o
desenvolvimento das potencialidades. Os professores exercem grande influência na
constituição do autoconceito e na formação da personalidade. As primeiras
impressões recebidas na vida são as mais fortes e as mais ricas em consequências.
Ficam indelevelmente gravadas como imagens no psiquismo e assim permanecem
durante grandes períodos da vida, às vezes para sempre. Para provocar a alteração
do autoconceito devemos torná-lo consciente das sensações, dos sentimentos e
idéias que compõem esse núcleo de conteúdos latentes.
Esses conteúdos com forte carga afetiva constituem a subjetividade de cada
pessoa, e estando em estado latente, necessitam passar a manifestos e ser alvo de
um trabalho de resignificações. Em suas palavras: viver conscientemente significa
querer estar consciente de tudo o que diz respeito as nossas ações, nossos
propósitos, valores e objetivos – ao máximo de nossa capacidade, qualquer que ela
seja – e comportar-nos de acordo com aquilo que vemos e conhecemos
(BRANDEN, 1995, p.98).
A autoconsciência é um processo que demora a se configurar no
desenvolvimento do estudante adolescente, pois enquanto a construímos,
aprendemos. Até os três anos, quase tudo fica no nível do inconsciente; a partir de
64
três ou quatro anos, ocorre um movimento significativo em termos de consciência de
si próprio, quando ela passa a utilizar o pronome eu. Até então podemos observar a
criança utilizar o pronome ela para referir-se a si mesma, imitando como é referida
pelos outros.
Segundo Alencar e Virgolim (1993), ao ingressar na escola o estudante
adolescente carrega consigo conceitos sobre ele mesmo, aos quais vai agregando
as novas percepções advindas desse novo contexto social. A construção de um
autoconceito consistente e positivo, portanto, também é tarefa da família e da escola
e um aspecto importante para a formação da personalidade. Conscientemente ou
não, os pais e professores influenciam na formação do autoconceito dos
adolescentes.
Com base em todos os conceitos apresentados um autoconceito saudável e
positivo é fundamental para que as potencialidades possam vir a se desenvolver e
embasem as ações de um futuro pessoal e profissional produtivo.
A literatura corrente que trata da educação inclusiva, enfatiza que existe uma
significativa relação entre o que o educando é capaz de elaborar nas diversas fases
do desenvolvimento e da construção da sua história de vida. Novas aprendizagens
mantêm estreita ligação com os conhecimentos anteriores do estudante adolescente
e os educadores, que representaram figuras significativas, enquanto mediadores do
conhecimento. Trazem ao contexto da relação pedagógica compreensões e
elaborações próprias, pois as interpretações dos professores contribuem no
processo da construção saudável do autoconceito.
Dessa forma, é importante que o estudante adolescente tenha consciência do
seu próprio autoconceito, pois sabemos que é um processo que se aprende no
decorrer do desenvolvimento e a atitude de viver conscientemente é um dos pilares
que constituem a nossa autoestima. Em suas palavras:
...viver conscientemente significa querer estar ciente de tudo o que diz respeito a nossas ações, nossos propósitos, valores e objetivos – ao máximo de nossa capacidade, qualquer que ela seja – e comportar-nos de acordo com aquilo que vemos e conhecemos (BRANDEN, 1995, p. 98).
65
2.6 O ADOLESCENTE SUPERDOTADO É DIFERENTE
Sentindo-se diferentes e assim sendo vistos, os adolescentes com AH/SD
ainda são alvo de mitos e preconceitos presentes na sociedade, situação que
provoca intenso sofrimento psíquico. Pérez (2002) localiza a origem do sentimento
de amor/ódio desde o Renascimento, quando as pessoas que se destacavam por
suas habilidades superiores eram motivo de curiosidade, independentemente de
quando, ou em que campo do conhecimento o ser humano se destacava.
Dependendo do ambiente sócio-cultural, desde aquela época ocorre um movimento
ambivalente de reação, seja de interesse, seja de aceitação, desconfiança, ou
antipatia.
Desse modo, uma parcela de adolescentes com AH/SD constrói na infância
um autoconceito distorcido, vindo a confirmar no imaginário social as crenças, mitos
e estereótipos. Entendemos por mito uma ”representação coletiva muito simplista e
muito estereotipada, comum a um grupo de indivíduos” (RUSS, 1994, p.187).
Os mitos representam uma tentativa de compreensão, mas em função da
ignorância, constroem concepções errôneas e equivocadas. Surgem em
determinadas circunstâncias históricas e sócio-culturais para explicar, de forma
ilusória, alguns mistérios de natureza física, ou sobrenatural. Aceitos pelas pessoas
como ‘verdades’, influenciam de maneira significativa o comportamento. Utilizados
pelo senso comum, acabam se transformando em preconceitos e transmitidos de
geração a geração pelo imaginário social.
Em função disso, segundo Pérez (2002, p.47):
É necessário (re) construir a imagem que se tem da Pessoa com Altas Habilidades, baseada nas crenças e mitos que povoam o imaginário popular, nos estereótipos de ‘aluno nota 10 em ‘tudo’, ‘pessoa insociável´, ‘pessoa egocêntrica ou egoísta, ‘gênio, ‘riqueza do país e na suposta proveniência de classes sócio-econômica privilegiadas, entre outros.
Nesta pesquisa-intervenção a Psicanálise se faz presente subliminarmente,
como referencial teórico para pensar sobre o processo psíquico da adolescência e
suas implicações específicas com relação ao social, o que também remete à função
desempenhada pelos grupos nesse processo. Entendemos que a adolescência
envolve um novo encontro com o Outro da cultura, que exige um trabalho subjetivo
66
por parte do jovem de reconhecimento do seu lugar e das suas possibilidades de
ação no universo social do qual faz parte. O Outro na adolescência é uma questão
fundamental, como observa Alberti (2005), pois o trabalho da adolescência se
inscreve na elaboração do binômio alienação-separação frente ao Outro, que
coincide com a elaboração da falta no Outro, ou seja, da condição de separação
inevitável à subjetivação humana.
Tal trabalho, por outro lado, implica suportar o fato humano de que somos
necessariamente alienados ao Outro (simbólico), mas podemos tirar conseqüências
absolutamente singulares desta alienação e assim nos servir dela. Isto se refletirá
obviamente na transferência do adolescente à psicóloga-pesquisadora, que oscila
entre ocupar o lugar de um Outro a quem ele está alienado (professor, pai, mãe, por
exemplo), o que é muitas vezes demandado explicitamente, e um Outro frente com
quem ele pode e deve se posicionar de maneira singular, apropriando-se daquilo
que justamente o constitui.
Nos grupos de reflexão, pelas condições que o próprio dispositivo coloca ao
ser aplicado em contextos institucionais, é interessante observar o investimento
transferencial dirigido aos coordenadores justamente como a expressão deste
encontro inovador com o Outro que se dá na adolescência, Outro a quem dirigem
questões sobre si e sobre o mundo. "O que você acha de nós?" (pergunta dos
participantes da pesquisa, logo no primeiro encontro do grupo de reflexão).
Assim, retomamos a definição lacaniana da transferência dirigida à psicóloga-
pesquisadora no lugar do suposto saber, enquanto promessa de significação,
transferência do sem sentido à busca de significação (MILLER, 1987). Sentido este
que só pode ser dado pelo próprio sujeito que o demanda, seja individualmente, seja
em grupo. Como nesta modalidade de pesquisa não ficamos isentas, da mesma
forma, fomos intensamente investigadas pelos participantes da pesquisa com
‘ensaios de pareceres e diagnósticos psicológicos’.
Não há um perfil único de pessoas com AH/SD, e da mesma forma também
não há um perfil de adolescentes com altas habilidades. O desenvolvimento da
personalidade é construído com bases genéticas e influências de fatores ambientais,
assim como qualquer outra pessoa. Em cada personalidade estão presentes todas
as dificuldades e conflitos da adolescência, acrescidas das características de
AH/SD.
67
Vygotsky (1997, p. 233) afirmou que essa população é heterogênea como
qualquer outra população, e que “[...] a superdotação geral distribuída em todos os
aspectos da personalidade de forma uniforme não existe”. As crianças superdotadas
pensam e sentem de forma diferente das demais e assim continuam nos
adolescentes. Desde muito pequenas sabem como manter a atenção dos adultos e
distinguir entre o bem e o mal. Em geral apresentam uma alta capacidade intelectual
e de comunicação, grande criatividade e são originais. Possuem uma fina
sensibilidade, são competitivos e independentes, assim como muito determinados
para superar obstáculos.
Entretanto, quando o superdotado não é reconhecido como tal, não se levam
em conta as suas necessidades especiais, tanto educativas como psicológicas e não
se encontram em ambientes que lhes permitam desenvolver todo o seu potencial,
podem apresentar desajustes, problemas de fracasso escolar ou a busca do
isolamento social e intelectual. Como o fenômeno está recheado de mitos e
estereótipos provocam nos pais e profissionais muitas dúvidas como tratar desses
jovens. Dessa situação decorre a importância da família e da escola no
desenvolvimento dos superdotados.
Tendo a tarefa de compor a sua identidade o adolescente com AH/SD tem
que encontrar seus próprios modelos, porque a nossa sociedade é carente de
referências construtivas e saudáveis. Essa situação dificulta a reedição da
identidade e, como mecanismo de defesa, aprendem a ocultar sua condição ou a
desenvolver paciência e tolerância com os “outros”, numa tentativa de se tornarem
iguais e aceitos.
A estrutura da família patriarcal e a moralidade judaico-cristã repressiva da
sociedade ocidental mantiveram a mulher numa posição de subordinação passiva e
distante da expressão ativa na vida social, científica, artística e política.
A representatividade reduzida do gênero feminino entre os estudantes
avaliados com AH/SD na Sala de Recursos nos levou a questionar a discriminação
da mulher na Ciência, na Educação e na Cultura até o início do movimento de
emancipação feminina, a partir da metade do século XX. Uma tese de doutorado
defendida por Cruz (banco de teses da CAPS 2007) pesquisou por dez anos (1996-
2007) a representação da mulher na Ciência para entender a mulher cientista como
fenômeno que se modifica através do tempo e os fatores intervenientes nesse
68
processo de mudança. Entre Ciência e senso comum, a representação da mulher
tem se metamorfoseado.
Na década de noventa as mulheres cientistas eram entrevistadas pela mídia e
enfocavam sua vida doméstica, ressaltando o duplo sentido de pertencimento
privado e público. Atualmente têm o mesmo teor das entrevistas com cientistas do
sexo masculino, focando apenas o seu trabalho. Entretanto o cientista independente
do gênero é apresentado como um ser incomum e superdotado o que reforça o
estereótipo já presente no imaginário social. Os adolescentes superdotados
questionam: “o que vou fazer como adolescente superdotado? Como vou ser
produtivo e explorar minhas habilidades?”
Concordamos com eles e fazemos eco às suas preocupações e angústias,
pois a experiência nos demonstrou que se não forem orientados e apoiados
emocionalmente, as potencialidades poderão se perder!
A busca da ressignificação da identidade leva a uma fase de transição. Uma
nova maneira de encarar o mundo exige que o adolescente com AH/SD “passe a
limpo” seu psiquismo e reedite sua personalidade. Em busca de si mesmo,
questiona, critica e busca novas soluções. Muitas vezes, aparecem exacerbados
nessa crise, sendo necessária uma cautela com antecipação de rótulos ou
diagnósticos, pois podem aparecer como anormais aos adultos. Tanto é assim, que
a psiquiatria clínica não faz diagnóstico definitivo na adolescência, embora com
sintomas e evidências, recomenda a observação e o acompanhamento próximo.
Atualmente, de acordo com a Política Nacional (BRASIL, 2008) os alunos com
altas habilidades/superdotação,
[...] demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas do seu interesse (SEESP, 2008, p. 9).
Os comportamentos de gênero, com a aceitação e a internalização de uma
imagem corporal positiva, integram uma das tarefas desenvolvimentistas da
adolescência, elaboradas, muitas vezes, a duras penas. Com muito sofrimento
psíquico nenhuma argumentação real pode demover um adolescente das certezas e
69
sentimentos que acredita possuir como verdadeiros e acredita que os outros têm
dele.
A representação cultural da PAH/SD é discriminatória e a facilidade no
domínio cognitivo leva a associações com figuras depreciativas com apelidos de
‘nerd’, ‘professor Pardal’’, ‘cientista louco’, ou ‘esquisitão’. Em relação à imagem
corporal, a mídia atual alimenta estereótipos como ‘modelos’ de adolescentes, tanto
masculinos como femininos, com a imposição de serem seguidos por todos.
A sensibilidade exacerbada dos indivíduos superdotados é referida por
Piechowski (1991) como a intensa resposta à estimulação do meio ambiente. Essa
superexcitabilidade, segundo o autor, ocorre de cinco maneiras: psicomotora, que é
vista como capacidade de ser ativo e enérgico; sensorial, advinda dos sentidos e a
admiração do belo; intelectual, avidez pelo conhecimento, compulsão pela leitura;
imaginativa, com o uso freqüente de metáforas, facilidade para fantasiar e imaginar,
pensamento mágico; emocional, tendo como característica a intensidade das
emoções.
Como a escola pertence à rede social próxima do adolescente é nesse
microssistema que a discriminação e o preconceito que excluem as diferenças e os
diferentes vai se manifestar frequentemente. É, pois, na escola que a criança vai
tomar consciência e aprende o significado de ser eficiente, ou diferente.
Goffman (1982) possui uma obra clássica sobre o estigma em que concebe
como atributos carregados de um valor negativo para a maioria das pessoas e
determinam para o sujeito um destino de exclusão, podendo se perpetuar para a
vida toda (BOCK et alli, 2002 p.128). Os apelidos não poupam nem os deficientes,
nem aqueles que se sobressaem e podem chegar até a vida adulta. Podem levar a
atitudes de bullying e atitudes de violência.
2.6.1 Eles Pensam e Sentem Diferentemente
Segundo Fleith (2007), diversos autores têm chamado a atenção para o fato
de que as crianças com AH/SD pensam e sentem de forma diferenciada de seus
colegas da mesma faixa etária (HOROWITZ, 1987; ROEPER, 1982; SILVERMAN,
1993a; WINNER, 1996). Também salientam ser comum ocorrer uma assincronia no
desenvolvimento dessas crianças, que podem apresentar uma disparidade entre seu
70
desenvolvimento cognitivo e maturidade física, ou emocional. Não são poucos os
casos relatados de desenvolvimento cognitivo avançado e habilidade motora fina
pobre, com letra irregular, ou ainda crianças que dominam conceitos complexos em
diferentes campos do saber e apresentam atitudes emocionais de idade anteriores
(FLEITH, 2007).
Extremiana (2000) apresenta o termo assincronismo como tendo sido
cunhado pelo francês Terrasier, para designar a ocorrência de fenômenos em
tempos diferentes. Segundo Pérez (2008, p.64), essa carência de sincronização nos
ritmos de desenvolvimento intelectual, afetivo e motor em relação ao
desenvolvimento considerado “normal” podem causar problemas de desempenho
escolar, desajustes sociais e problemas de personalidade (SÁNCHEZ; AVILÉS,
2000; EXTREMIANA, 2000). Sentindo-se diferentes das demais, na sua forma de
pensar, sentir ou agir:
O assincronismo escolar-social é constatado pela defasagem entre os interesses e assuntos e na profundidade e complexidade que eles têm que abordar na escola. Representa uma carência de sincronização nos ritmos de desenvolvimento intelectual, afetivo e motor, que pode ser de nível interno. Essa falta de sincronização é exemplificada em crianças, visto que as mudanças físicas, psicológicas e afetivas, parecem ser mais acentuadas e foram mais estudadas. (EXTREMIANA, 2000, p. 68)
Citado por Pérez (2010) no nível de funcionamento interno, Sanchez e Avilés (2000) e Extremiana (2000) assinalam:
a. o assincronismo afetivo-intelectual apresenta situações em que
algumas crianças e adolescentes com AH/SD apresentam em nível de
funcionamento interno uma falta de sincronicidade sobre eventos
descritos como característicos em determinadas fases do
desenvolvimento humano. A diferença de ritmo no amadurecimento em
diversos aspectos e dimensões dificulta ainda mais a sua
compreensão.
b. o assincronismo intelectual-psicomotor é tido como o desequilíbrio
entre o nível intelectual e o desenvolvimento psicomotor pode refletir-
se, por exemplo, entre a aprendizagem precoce da leitura e a
dificuldade psicomotora da escrita (letra disforme).
71
c. o assincronismo da linguagem e do raciocínio pode se manifestar pela
compreensão, por exemplo, um processo matemático, mas não
conseguem explicar com palavras o seu procedimento.
No nível de funcionamento externo, é mencionado o assincronimo criança-
escola, ou assincronismo escolar-social, característico dos estudantes que dominam
mais as informações e cujo ritmo de aprendizagem é superior ao de seus colegas e
o assincronismo nas relações familiares ou assincronismo familiar, com um
desequilíbrio entre o desenvolvimento intelectual e afetivo. Os seus interesses
incomuns não são compreendidos pelos pais e os filhos acabam assumindo
condutas infantis numa ambivalência com os raciocínios adultos apresentados.
Segundo Pérez (2010, p. 19): “ Muitas vezes, a família pode reconhecer as
AH/SD, mas não tem condições culturais, intelectuais ou econômicas para enfrentar
os problemas derivados dos possíveis desajustes afetivo-intelectuais da criança” .
Outras características acompanham esses assincronismos como a
preferência para trabalhar sozinhos, a independência, o perfeccionismo, a
autonomia, grande capacidade de observação, liderança e gosto por jogos que
exijam estratégias e desafios e humor refinado (PÉREZ, 2010, p.19-20). Entretanto
embora essas características gerais estejam entre as mais comuns em
personalidades de pessoas superdotadas estão sujeitos a intervenção de fatores do
contexto sociocultural e podem influenciar a identificação dos indicadores da AH/SD.
Landau apud Fleith (2007) explica metaforicamente essa assincronia, quando
afirma:
Em algumas situações, vejo a criança superdotada como um atleta que corre longas distâncias. À frente de outras crianças, no entanto apenas intelectualmente ou em campos específicos. Se não nos mantivermos ao seu lado, para ensiná-la a vencer o intervalo entre o desenvolvimento emocional cronológico e o intelectual, mais adiantado, ela se sentirá dividida, solitária e usará toda a sua energia para tentar equilibrar esses extremos de sua personalidade (FLEITH, 2007, p.45).
Segundo Silverman (2002), essa assincronia pode gerar estresse social e
emocional e, por isso, recomenda-se a inclusão no contexto educacional de serviço
de aconselhamento psicológico a essa clientela, visando combater e prevenir
problemas emocionais, ou comportamentais que esses estudantes possam vir a
apresentar.
72
Dessa falta de sincronicidade entre as várias dimensões da personalidade,
decorrem comportamentos ambíguos e ambivalentes. Embora essa característica
esteja presente em todo o período da adolescência como tal, a maior evidência é
observada na área afetivo-intelectual, sendo por isso mesmo denunciado e exaltado
pelos pais e professores como críticas ao pretenso uso de direitos de adulto. No
nível de funcionamento externo, o assincronismo se evidencia nas relações do seu
microssistema criança-adolescente-contexto familiar, onde ela causa situações
críticas na condução da educação familiar; e na área criança–adolescente-escola-
sociedade, onde o ritmo acelerado de aprendizagem em relação aos seus pares e a
falta de adaptação social com as normas e regras da escola causa desmotivação, e
muitas vezes, indisciplina. É a principal queixa dos professores e o motivo primordial
das convocações dos pais pela direção da escola.
As pessoas com AH/SD vivenciam desde a infância o sofrimento de sentirem-
se “diferente” entre colegas da escola e amigos da sua faixa etária. Silverman
(1993a, p. 81) assinala que: “crianças superdotadas enfrentam a tarefa de ter
que viver em uma cultura que rejeita suas diferença s” (grifo da pesquisadora).
Assim, é essencial programar estratégias na família e na escola que ofereçam a
oportunidade de ajustamento social, maturidade emocional e apoio sócio emocional
que proporcione o desenvolvimento de um autoconceito saudável.
A forma original de raciocinar e apresentar propostas e soluções faz com que
sofra pressões internas que o torna mais suscetível às críticas do ambiente, e muitas
vezes, vai ter que superar frustrações por sentir-se diferente e excluído. Somente
aqueles resilientes não incorporam os apelidos e mantém a coragem de ser
superdotados e conseguem se impor a um mundo de ‘normais’. Transformam essa
vivência num trampolim para grandes realizações: reorganizam a personalidade da
mesma forma que um adolescente sem altas habilidades, mas com certeza com um
“plus”, porque de maneira desafiante, se defronta com todos os sofrimentos vividos
até este momento de reedição do seu autoconceito e da sua personalidade.
O grande desafio desse momento de vida é o de integrar sua bagagem de vivências passadas às capacidades e habilidades que foram construídas a partir das alterações biológicas, cognitivas, emocionais e sociais durante seu desenvolvimento, e, em especial, com a entrada na puberdade. Precisa definir-se como sujeito de seus projetos de vida, e que esses tenham continuidade e coerência com sua história, possibilitando-lhe direcionar-se no sentido de sua auto-realização (COSTA, 2006, p. 198).
73
A diferença está evidenciada em adolescentes com AH/SD e vai exigir maior
investimento emocional para fazer frente às expectativas do meio. Bom suporte
afetivo, compreensão, oportunidades e orientação adequadas são instrumentos
essenciais para definir o grau de ajuste psíquico e emocional que o estudante
adolescente com AH/SD atingirá na interação com o contexto real do mundo.
2.6.2 Eles Vêem e Sentem o Mundo Com Lentes de Aumento
Piechowski (1991), já referido, salienta que esses elevados níveis de
excitabilidade dos adolescentes com AH/SD não desaparecem na vida adulta. Eles
ficam suscetíveis a serem mal compreendidos e considerados alienados por aqueles
que não têm informações ou possuem informações equivocadas acerca de quem é o
indivíduo com altas habilidades (O’CONNOR, 2002).
Muitos adolescentes (e os superdotados em especial) olham o mundo através
de lentes de aumento e, por serem diferentes da maioria, enfrentam dificuldades em
se adaptar a um mundo que não foi feito para pessoas como eles. Outros procuram
diminuir a expressão do seu talento, procurando ficar mais parecidos com o grupo e
isso pode acabar gerando apatia e desmotivação. O resultado são pessoas adultas
que desperdiçam potencial intelectual por dificuldade de se relacionar com o mundo
exterior.
A conclusão de diversos estudos na área da criatividade, tais como Torrance
(1966), Torrance; Safter (1999), Sternberg; Grigorenko, (2001), Wechsler, (1998),
Munford (2001), Cropley, (2000), Alencar (1986) e Eysenck (1999) apontaram uma
série de características que seriam comuns nas pessoas criativas.
Em Fleith (2003, p. 89-92) estão em destaque: fluência e flexibilidade de
idéias; pensamento original e inovador; alta sensibilidade interna e externa; fantasia
e imaginação; inconformismo e independência de julgamentos; abertura a novas
experiências; uso elevado de analogias e dominações incomuns; idéias elaboradas
e enriquecidas; preferência por situações de risco e ousadia; alta motivação e
curiosidade; elevado senso de humor; impulsividade e espontaneidade; confiança
em si mesmo com autoconceito positivo e sentido de destino criativo.
Muitas crianças superdotadas passam por dificuldades no relacionamento
social e procuram a companhia de pessoas mais velhas, na tentativa de encontrar
74
parceiros com o mesmo nível intelectual, ou o mesmo tipo de interesses. O medo de
não ser aceito, especialmente na adolescência, pode levá-lo à ansiedade e a um
maior envolvimento com atividades individuais. Por outro lado, algumas crianças
superdotadas precisam ficar sozinhas, mais do que as outras crianças, para
satisfazer seus interesses pessoais. Os pais precisam compreender e aceitar essa
necessidade, desde que ela não se transforme num isolamento total (PÉREZ, 2010).
A resistência em aceitar regras é normal entre os superdotados, pois muitas
vezes eles não as consideram justas nem necessárias, ou não compreendem o seu
objetivo. Os pais devem analisar os limites que estão impondo e explicar ao filho os
motivos dessa conduta.
Outra dificuldade que a família costuma enfrentar é a falta de tolerância do
superdotado, principalmente com os seus pares. Ela deve ajudá-lo no processo de
autoconhecimento, fazendo-o perceber que a convivência em sociedade exige
esforço e compreensão de todas as pessoas. A enorme curiosidade faz com que as
pessoas com AH/SD procurem campos pouco explorados pelos outros,
apresentando interesses menos usuais à média das pessoas. Isso pode acarretar
dificuldades operacionais para a família (PÉREZ, op. cit.).
A solução é conversar com a criança, ou adolescente e explicar quais são os
limites de tempo, financeiros, por exemplo, que se apresentam. Como podem ser
extremamente exigentes com seu desempenho, e igualmente criativos, talvez
encontrem dificuldades de relacionamento, preferindo trabalhar sozinhas. Entretanto,
frequentemente não criam sentimentos de presunção, ou superioridade porque logo
percebem que são situações desfavoráveis à sua socialização e para protegerem-se
da rejeição dos seus pares camuflam a sua condição negociando, sendo explorados,
ou beneficiando seus colegas nas tarefas e provas escolares.
Os comportamentos bizarros e excêntricos associados aos superdotados
como o tipo físico, vestes e comportamentos, levam a serem denominados de ‘nerd’,
podem constituir um estigma, dificultando ainda mais a socialização e a aceitação
entre seus pares. Esses atributos carregados de um valor negativo para a maioria
das pessoas podem constituir um estigma e um destino de exclusão.
75
2.6.3 As Características do Adolescente com AH/SD
Nas últimas décadas, em vários países pesquisadores apresentaram modelos
educacionais de atendimento aos estudantes com AH/SD (ALENCAR apud FLEITH,
2007) relata que muito se tem discutido acerca de estratégias de enriquecimento
curricular, bem como das práticas pedagógicas diferenciadas com vistas a atender
às necessidades intelectuais e acadêmicas dessa população: (EYRE, 1977, 2004;
GUENTHER, 2000; HELLER et al., 2002; BRASIL, 2001, 2005; VAN TASSEL-
BASKA, 1998).
Entretanto, poucas são as pesquisas sobre as características sócio
emocionais dessa população que são alvo desses modelos educacionais. Além
disso, segundo Moon (2002a), educadores, psicólogos e pais têm poucas
informações sobre estratégias que favoreçam o desenvolvimento. Assim sendo,
consideramos que:
Um desenvolvimento emocional saudável é claramente tão importante quanto uma realização acadêmica, porém ele não tem sido, atualmente, suficientemente valorizado de forma a gerar um tipo de ambiente no qual o desenvolvimento emocional possa ser cultivado (SILVERMAN, 1993, p. 23).
Outro aspecto que merece ser destacado entre os adolescentes AH/SD é o
desenvolvimento do raciocínio moral. Vásquez (1999, p.37) define a moral como
“ um conjunto de normas e regras destinadas a regular as relações dos indivíduos
em uma comunidade social” . Esta concepção de moral parte da compreensão do
indivíduo como ser histórico e social e dessa perspectiva é vista como complexa,
multideterminada e constituída por elementos afetivo-cognitivos, intrinsecamente
ligados tais como os valores, sentimentos, as virtudes, os julgamentos morais e os
motivos que mobilizam o indivíduo para agir.
A família tem um papel fundamental na constituição da moral do indivíduo,
sendo os pais o primeiro modelo de transmissão de mensagens morais por meio de
discursos ou práticas sociais, seguidos pelos professores e educadores. De modo
geral, podemos dizer que o desenvolvimento moral das crianças com AH/SD
constitui-se da mesma forma que para as outras crianças, entretanto o alto nível
intelectual é um diferencial que promove um raciocínio moral superior ao de outras
pessoas (KARNES; BROWN, 1981; TAN-WILLMAM; GUTTERIDG, 1981). Essa
76
apropriação, contudo, a nosso ver, não ocorre de maneira passiva; ao contrário, a
criança recria os significados morais do que lhe foi transmitido, com base nos seus
próprios referenciais (FORTES-LUSTOSA, in FLEITH, 2007, p. 67-74).
Assim sendo, raciocinam sobre as normas, regras, crenças e valores
transmitidos pela família e as submetem ao seu próprio julgamento. Permanece a
controvérsia entre os vários autores sobre a relação entre raciocínio moral e
moralidade e não podemos generalizar porque os superdotados não constituem um
grupo homogêneo. Registramos no grupo de participantes investigados grandes
preocupações com questões éticas em vários segmentos da sociedade, com
interesse em julgamento moral e senso de justiça nos relatos de fatos na
comunidade e história de vida, especialmente na vida acadêmica.
Os depoimentos dos participantes investigados em nossa pesquisa
demonstraram sensibilidade moral frente a questões mundiais e humanitárias, como
a desigualdade social, as questões ecológicas de preservação do planeta, a
preocupação com a superpopulação e os princípios universais de amor ao próximo e
justiça social. Na prospecção do futuro os adolescentes deixaram claro o seu desejo
de contribuir para a melhoria da sociedade, ainda em fantasia, com realizações
efetivas para um mundo mais igualitário e mais justo.
Diante das constatações dos depoimentos dos adolescentes da nossa
pesquisa consideramos como importante a educação moral como fator de incentivo
à evolução moral, espiritual e auto aperfeiçoamento desenvolvendo o discernimento
e o livre arbítrio. ( FORTES-LUSTOSA, 2004) já citada, considera que a Psicologia
não tem reconhecido a importância das emoções, desvinculando-as dos processos
cognitivos, deixando de considerar o indivíduo de maneira global e em todas as suas
dimensões cognitivas, sociais, afetivas, emocionais e espirituais.
Na sequência apresentamos aspectos sócio emocionais de sujeitos com
AH/SD que como resultado da veiculação de ideias falsas possibilita a criação de
mitos. Um maior conhecimento pode vir a favorecer a compreensão tanto no
contexto familiar como no escolar. Como já foi referido não é possível estabelecer
um perfil psicológico para esses indivíduos (ALENCAR apud FLEITH, 2001;
FREEMAN e GUENTHER, 2000; SILVERMAN, 1993a; WINNER, 1996).
Entretanto, podemos destacar algumas características mais freqüentes
conforme descrições de Alencar e Virgolim (1999); Lovecki (1993); Neihart et al
(2002) e Silverman (1993), citados em Fleith (2007, p.67-74).
77
1. boa dotação intelectual;
2. idealismo e senso de justiça;
3. desenvolvimento moral avançado;
4. compreensão complexa de situações e fatos;
5. perfeccionismo com autoimposição de padrões de desempenho altos e
rígidos;
6. alto nível de energia envolvido na realização de atividades;
7. senso de humor desenvolvido como meio de lidar com incongruências do
dia-a-dia;
8. independência de pensamentos e valores;
9. potencial superior de defesa de suas idéias;
10. adoção de postura ativa;
11. paixão por aprender, com interesse por novas idéias, palavras e relações;
12. perseverança, envolvendo grande concentração e desejo de superar
obstáculos;
13. multipotencialidade, habilidade para obter êxito em diferentes áreas, o que
pode dificultar a escolha profissional;
14. não-conformismo, com a tendência a questionar regras e autoridades;
15. tendência a introversão, expressa pela preferência em trabalhar sozinha;
16. reserva um tempo para si mesmo para desenvolver tarefas e talentos do
seu interesse;
17. consciência aguçada de si mesmo, levando-a a se perceber como
diferente dos outros; grande sensibilidade e intensidade emocional, que
possibilita um conhecimento aprofundado de si mesmo e do ambiente ao
seu redor.
2.7 AS REDES SOCIAIS DE APOIO: A FAMÍLIA E A ESCOLA
Embora não sejam o foco direto deste estudo, a família e a escola
representam uma função importante na constituição do sujeito e no processo de
construção do autoconceito. Não podemos deixar de registrar o seu papel
determinante como rede social de apoio e educação dos estudantes adolescentes
superdotados e não superdotados. Registramos algumas considerações pertinentes
78
sobre as transformações por que passa o conceito de família nos tempos atuais. A
ação educativa complementar da escola será abordada brevemente.
2.7.1 Falando de Família
A família faz parte da rede social de apoio e tem uma função fundamental na
educação de adolescentes superdotados e não-superdotados. Em especial, no caso
dos adolescentes com AH/SD, essa função é determinante na história de vida na
constituição do Eu e do autoconceito. Se tradicionalmente a família era vista como a
unidade social gerada por consanguinidade e mantida por laços de dependência
afetiva e econômica, onde ocorria a primeira experiência de convívio social. Na
modernidade observamos diferentes configurações, com famílias que reúnem pais
separados com novos companheiros e filhos das relações anteriores; outros arranjos
familiares, pai sozinho, mãe sozinha, pais formados por casais homo afetivos, com
filhos biológicos de um dos parceiros, ou com a adoção de filhos.
Diante dessa diversidade de configurações familiares é difícil definir qual seria
a dinâmica ideal para a formação da criança em desenvolvimento, pois sob o ponto
de vista psicológico, a família é uma unidade de personalidades interatuantes
(CORREIA, 1997). Tendo a função de socializar e estruturar os filhos como seres
humanos, o contexto familiar constitui um centro de gravitações onde cada pessoa
ao se modificar, provoca alteração do equilíbrio total do sistema. Cada elemento tem
uma posição que pressupõe certas atuações e desempenhos de papéis, carregados
de expectativas, regras, normas, tanto do próprio sujeito como outros em relação a
ele. Tudo ocorre num contexto dinâmico de ação e reação em que os pontos de
referência testam continuamente os seus limites (CORREIA, 1997, 1999).
A transformação da concepção tradicional de família como sustentáculo da
sociedade vem ocorrendo juntamente com as mudanças econômicas e
socioculturais do contexto onde está inserida. No dizer de Weber (2008, p.21-35) a
família tradicional patriarcal com grande número de filhos, veio desaparecendo,
sendo transformada, principalmente nos centros urbanos, na família nuclear
composta por pai, mãe e poucos filhos. A partir do momento em que a mulher
começou a participar da economia familiar, o pai não é mais a autoridade máxima. A
79
sociedade atual apresenta diferentes configurações de família e novos arranjos
familiares desvinculados da união legal.
Ariés (1981) relata que na evolução da dinâmica familiar, ela deixou de ser
um conjunto de sustentação material para tornar-se um grupo afetivo. Entretanto,
todos os teóricos concordam que a socialização da criança tem suas bases no
relacionamento familiar, independente da sua configuração.
A família, em qualquer configuração que se apresente, continua
representando um papel relevante na história da pessoa, sendo o continente aonde
a criança inicia o processo da construção do autoconceito. Carrega para a sua
história de vida as vivências e introjeções significativas, sejam positivas ou
negativas. Constitui um “sistema complexo composto por subsistemas integrados e
interdependentes, estabelecendo uma influência mútua (DESSEN, 2007, p. 15).
O adolescente espera dos adultos certos parâmetros para confrontá-los e
alimentar as suas ponderações e reflexões. “Tenho que seguir as ideias de meu pai
e minha mãe? E se eu não concordar com eles?” Em educação, a maior dificuldade
dos pais e educadores quando os filhos vão crescendo é ir alargando os limites com
compreensão, amor e carinho.
Muitos pais se sentem mal-informados sobre as características e
necessidades de seus filhos com AH/SD e confusos acerca de como lidar com eles.
Sendo assim, grupos de aconselhamento e orientação constituem uma alternativa
para que possam reconhecer a apoiar suas habilidades. Quando dizemos propiciar
condições adequadas implica estarmos atentos às suas necessidades intelectuais e
afetivas. A importância do papel dos pais no desenvolvimento emocional do filho (a)
superdotado é referido por diversos autores citados em síntese por Fleith (2007,
p.48):
apoiar os seus interesses sem pressioná-lo, valorizar seus esforços criativos, ouví-lo, discutir com ele estratégias e resolução de problemas, ser responsivo às suas necessidades apoiar suas aspirações profissionais (em vez de pressioná-lo a seguir carreiras consideradas de maior prestígio social, demonstrar amor pelo trabalho e pela aprendizagem (atuando como modelo para seu filho) ajudá-lo a construir uma rede de apoio socioemocional e monitorar seu progresso na escola(FLEITH, 2007, p.48).
O adolescente com AH/SD (como outro adolescente qualquer) reivindica o
direito de errar, o que na realidade faz parte do processo de amadurecimento e
80
aprendizagem. A maneira como a família concebe as AH/SD, a história familiar dos
pais, os sentimentos e crenças, os valores e as expectativas em relação aos seus
filhos (as) influenciam a maneira de lidar com os filhos diferentes (CHAGAS, 2008;
SOLOW, 2001).
Quando os pais se defrontam com o “filho (a) diferente”, surge uma angústia
na família com sentimentos de insegurança e preocupações sobre o futuro,
momento em que há maior necessidade de família estruturada e saudável. Seu
papel adquire maior complexidade porque o despreparo e a desinformação
generalizada sobre as altas habilidades/superdotação dos filhos dificultam a sua
aceitação e compreensão.
Alencar e Fleith (2007) afirmam que muitos pais de crianças com AH/SD
desenvolvem sentimentos de medo e insegurança frente ao futuro. Buscam
informações sobre recursos, bem como programas e serviços de atendimento
educacionais especializados disponíveis. Sentimentos contraditórios dificultam a
busca da rede de apoio para o desenvolvimento de seus filhos.
Estudos destacam o relevante papel dos pais no desenvolvimento dos filhos
com AH/SD, pois suas concepções e interpretações sobre as características e
comportamentos integram uma dinâmica circular onde influenciam e são
influenciados reciprocamente (SOLOW, 2001; CHAGAS, 2008). No processo de
construção do autoconceito, as identificações vivenciadas no microssistema incluem
crenças, valores que decidem a maneira de investir numa rede de apoio ao
desenvolvimento das potencialidades. Entre as necessidades verificadas podem
estar incluída o atendimento psicológico para ambos, pais e filhos.
É importante conhecer as implicações decorrentes das modificações da
família atual porque ainda é o local aonde se desenvolvem as inter-relações
primárias, na educação dos filhos, superdotados ou não. Na família pós-moderna o
impacto de um membro superdotado acrescenta um complicador a mais. Novaes
(2008, p. 83-84) assim se expressa:
Na família pós moderna, alternativa, não linear, sujeita a tantas transformações advindas da mudança do pater poder, da independência feminina, da concepção planejada dos filhos, muitas vezes tardia, da multiplicidade de parceiros, acontecem relações vazias, descartáveis e momentâneas. Tais conseqüências afetam a dinâmica familiar, provocam mais conflitos, turbulências, transgressão da ordem familiar com a busca de alternativas e de novas formas de parentalidade e conjugalidade, bem como da família mosaico. O importante é que a família continue a ser desejad a
81
e reinventada para se manter o princípio fundador d o equilíbrio entre “um”, o “outro” e o “múltiplo” (Grifos da pesquisadora).
Silverman (2007) afirma que são as mães que procuram informações com
profissionais e recorrem aos serviços especializados de atendimento educacional,
pois são as primeiras a perceber a “diferença”. O atendimento de apoio psicológico e
sócio-emocional dos adolescentes com AH/SD estendido aos pais, pontua o
atendimento de forma integral, não só nas suas necessidades físicas, mas também
nas suas necessidades sociais, psíquicas, espirituais e sociais.
Devemos respeitar o espaço e a luta pela busca de independência e da auto-
suficiência e acompanhá-los numa atitude de solicitude, “nem atrás, podem não
conseguir acompanhá-los, nem à frente, porque podem não ser um bom guia, mas
caminhar junto, lado a lado” (HEIDEGGER, 1981, p.18), simbolizando um porto
seguro para compartilhar uma escuta carinhosa para desejos, expectativas,
decepções e desalentos.
A cada passagem de um estágio de vida para outro vivenciamos crises
(ERIKSON, 1976) e temos de mudar uma estrutura de proteção. Ficamos por um
período maior ou menor, expostos, fragilizados e vulneráveis. Mas voltamos ao
equilíbrio e somos capazes de nos entendermos e de nos aceitarmos de forma
diferente. O adolescente tem presente a tarefa de tentar responder a questões vitais
como estas: Quem sou eu? O que significa ser homem ou mulher? Como devo me
comportar? O que eu quero para minha vida? Será que valeu a pena tudo que fiz até
agora? Qual o curso superior que vou escolher? Como será meu futuro profissional?
Diante de muitos fatores que participam dessa complexa diversidade em
relação ao papel da família no processo de construção do autoconceito, podemos
pontuar a sua importância, mas é inconsistente afirmar qual a dinâmica da “família
ideal”, pois não existem estudos e pesquisas, dentro de num lapso considerável de
tempo, que possam trazer elementos confiáveis. Pelo exposto percebemos que pela
transformação que vem sofrendo, o fundamento da concepção de família, na
atualidade, é a vinculação afetiva (WEBER, 2008).
A análise da perspectiva histórica do conceito de infância e de família
demonstra que tradicionalmente asseguram o cuidado, o amparo e o
acompanhamento. Podem estimular o desenvolvimento global, mas não garantem
melhor adaptação ao seu meio ou uma atmosfera agradável e saudável. Muitos
82
outros fatores participam dessa complexa diversidade, sendo inconsistente afirmar
qual a dinâmica da “família ideal”, pois não existem estudos e pesquisas, dentro de
num lapso considerável de tempo, que possam trazer elementos confiáveis.
Observamos que a família passa por um grande processo de transformação, e
busca uma reorganização. Consideramos duas questões primordiais nos estudos e
pesquisas a serem desenvolvidas e acompanhadas sobre a família contemporânea:
a. a primeira questão é tentar investigar o sentido das figuras que
assumem o papel materno e paterno para os filhos (as) e a significação
na subjetividade psíquica da figura que assume a função de mãe e de
pai, independentemente da vinculação biológica;
b. a segunda questão é tentar compreender porque em alguns modelos
de família prevalece uma convivência aonde ocorre a cooperação, a
reciprocidade, a cumplicidade e a solidariedade entre os gêneros e as
gerações, e em outros modelos emergem a estranheza, o
distanciamento, a indiferença, ou prevalecem conflitos, disputa,
competição e inveja.
Constatamos a incapacidade de sobrevivência do ser humano pela
incompletude com que chega ao mundo. A socialização primária é primordial no
acolhimento e nos cuidados essenciais para o seu desenvolvimento normal e
saudável. Essa tarefa é dos pais (mãe/pai). Pela complexidade do processo da
educação, a função ainda prevalece centrada nos pais, o papel de alteridade e a
fonte de todos os saberes. Envolve a transmissão de conhecimentos, hábitos,
valores e vínculos entre as gerações. Na falta dos pais surgem figuras substitutas
que assumem o seu papel.
O importante é que essa convivência esteja vinculada ao amor, com
compreensão, aceitação, proteção e que possibilite ações efetivas para um
desenvolvimento ajustado e produtivo na convivência social. Na nossa concepção:
ser mãe, ser pai, ser educador, é a missão e a arte de se tornar dispensável e
permanecer disponível.
Embora as teorias sobre a família apresentem divergências, todas
consideram a importância das relações familiares, em maior ou menor intensidade,
no desenvolvimento afetivo dos filhos. Consideramos como família um conjunto de
pessoas que se unem pelo desejo de estarem juntas, de construírem algo e de se
complementarem. É através dessas relações que as pessoas podem se tornar mais
83
humanas, aprendendo a viver o jogo da afetividade de maneira adequada. Para que
essa adequação ocorra é preciso que haja referências positivas, os pais são
encarregados de estabelecer os limites necessários ao desenvolvimento de uma
personalidade emocionalmente equilibrada. Para os filhos, as referências são os
exemplos de pessoas, palavras, gestos, atitudes, que vão proporcionar a formação
da identidade.
O desenvolvimento biospicossocial da criança desde o seu nascimento tem
sido objeto de estudos psicológicos e psicanalíticos a muitas décadas. O papel da
família é primordial na função de sociabilizar e estruturar os filhos como seres
humanos. Vários estudos e pesquisas têm demonstrado que jovens que apresentam
problemas são fruto de famílias que, independentemente do nível socioeconômico,
não lhes ofereceram afetividade suficiente. A família é o microssistema em que a
criança vive suas maiores sensações de alegria, felicidade, prazer e amor; o campo
de ação no qual experimenta tristezas, desencontros, brigas, ciúmes, medos e
ódios.
Na família se aprende a linguagem mais complicada da vida: a linguagem da
afetividade, amor acompanhado de medo, raiva, ciúme... Numa família sadia, os
momentos prazerosos de amor são alternados com momentos de conflitos que
serão reparados através do entendimento. Essas experiências são necessárias para
a aprendizagem do viver adequadamente como cidadãos sociáveis.
Convém ressaltarmos que, se educar é fundamentalmente uma tarefa difícil,
acompanharmos adequadamente crianças que apresentam necessidades
educacionais especiais é extremamente difícil. Jovens que estabelecem vínculos
harmoniosos nos seus momentos de frustração, recebendo amor e compreensão,
desenvolverão uma identidade sadia, conseguindo suportar as frustrações e
aguardar o momento adequado para realizar seus desejos. Educar é uma tarefa que
exige envolvimento e compromisso (CORREIA; 1996; 1999). Pais mais conscientes
podem redefinir os propósitos de suas vidas, em termos de bem-estar, alegria de
viver e crescimento biopsicossocial em ambiente saudável para seus filhos (DELOU,
2003).
Concluímos que a vinculação afetiva constitui a concepção de família na
atualidade. Mas ainda não há estudos e pesquisas suficientes para que possamos
afirmar qual seria a dinâmica ideal para a família contemporânea.
84
2.7.2 Falando de Escola
Como afirmamos no início deste item, a escola tanto quanto a família fazem
parte da rede social de apoio fundamental no atendimento dos adolescentes
superdotados, ou não. No caso dos adolescentes com AH/SD, em função das suas
características cognitivas e sócio emocionais essa importância toma proporções
maiores. É na escola que, pela primeira vez, a criança vai se defrontar em situação
de igualdade com outras crianças da sua faixa etária e continuar a construção do
autoconceito. Em outro microssistema diferente do contexto familiar não será mais o
centro da atenção dos pais. Na escola, inicia novas interações aonde enriquece o
processo de autoconhecimento iniciado com a questão quem sou eu e pode
perceber como sou vista pelo outro, que complementa a construção do autoconceito.
Para Vygotsky (1989a), o contexto sócio-cultural influencia a dinâmica e o
desenvolvimento das interações sociais que fundamentam o processo de
desenvolvimento. Assim sendo, cada sujeito é singular, único e só pode ser
compreendido dentro do seu contexto sócio-histórico-cultural. Ao nos referirmos a
uma personalidade saudável e produtiva de adolescentes superdotados,
entendemos um desenvolvimento pleno e integrado do ser, do pensar, do sentir, do
querer e do fazer, na dimensão dos aspectos físicos, intelectuais, emocionais, sócio-
culturais e espirituais, na perspectiva do ser humano integral. E é na escola que
essas percepções se fazem mais claras.
É importante incentivar a participação da família nas atividades da escola, na
interação com professores, com outros estudantes e suas famílias. A inclusão,
socialização e adaptação, constituem uma das dificuldades dos estudantes com
AH/SD. A formação e manutenção de grupos de apoio são medidas fundamentais
conforme indicam estudiosos e pesquisadores:
A parceria de pais, professores e das próprias crianças é essencial para forçar a mudança de políticas administrativas, bem como para a realização dessas políticas em ações concretas. Muitas Associações têm surgido, em vários países, algumas com notável influência na formação de opinião e incorporação de políticas educacionais de atendimento ao bem-dotado e talentosos (FREEMAN; GUENTHER, 2000, p.159).
85
Acompanhamos nas últimas décadas o aumento do interesse pelo estudo e
apoio às pessoas com AH/SD em países de primeiro mundo. No Brasil, as políticas
públicas têm apresentado esforços, priorizando o estudo, o desenvolvimento de
ações concretas na área da superdotação.
Para assegurar a efetivação dessas propostas educacionais, o MEC vem
sugerindo o investimento na capacitação de professores, condição necessária para
a identificação e atendimento aos estudantes com AH/SD (Alencar, 2007).
O envolvimento das famílias, das autoridades escolares e governamentais, bem como das organizações civis de toda sorte existentes na comunidade, será mais genuíno, e mais duradouro se o projeto educacional crescer realmente de raízes lançadas no seio da própria comunidade (FREEMAN; GUENTHER, 2000, p.170).
Como nos referimos no Capítulo I, as Secretarias de Educação de alguns
Estados (Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e do Distrito Federal)
iniciaram o desenvolvimento de ações práticas procurando a formação especializada
de professores e enriquecimento curricular, mas ainda poucos profissionais da
educação estão preparados para identificar e promover o desenvolvimento de
estudantes com AH/SD. As experiências com estudantes que se destacam no
Ensino Fundamental, com a criação de Salas de Recursos e alternativas de
enriquecimento curricular, analisam a possibilidade de aceleração da escolaridade
desses estudantes especiais. Entretanto, difundido no ensino básico, esse apoio
cessa à medida que avançam na escolaridade.
No Ensino Superior a UFPR (2006) com uma iniciativa pioneira no Brasil criou
o Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Especiais (NAPNE)
e, nesse espaço de tempo, vem incrementando ações de sensibilização da
comunidade universitária, divulgando e implementando atividades na área, como
cursos de extensão, pesquisas e seminários.
Em função da importância da família e da escola no desenvolvimento da sua
plenitude entendemos que significa dar atendimento as suas necessidades
intelectuais e afetivas. Para isso, segundo Fleith (2003), escola, família e sociedade
devem empreender um trabalho de parceria e considerar “a superdotação não como
um problema a ser resolvido, mas um desafio a ser cultivado” (COLANGELO, 1997,
P. 362). Nas palavras de Robinson et al. (2002, p. 286):
86
Uma sociedade em que todos os cidadãos devem ser respeitados e acolhidos pelo que são e pelo que podem contribuir para os outros, respeito pela individualidade e recursos apropriados devem ser fornecidos aos jovens superdotados e talentosos, bem como para outros jovens.
No dizer de Schuler (2002) citado em Fleith (2003) o perfeccionismo,
característica das AH/SD pode ser visto como força capaz de gerar altos níveis de
ansiedade e frustração (perfeccionismo neurótico) quanto intensa satisfação e
contribuição criativa (perfeccionismo saudável), dependendo de como é canalizado.
87
CAPÍTULO III
3 METODOLOGIA - O COMO E O PORQUÊ DE TUDO
3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA
Esta é uma pesquisa de abordagem qualitativa sobre o processo de
ressignificação do autoconceito de estudantes adolescentes com AH/SD. Seus
depoimentos na vivência da passagem para a adolescência constituem o corpus da
pesquisa para análise e interpretação.
Segundo Sampieri et al (2006), o método qualitativo é individual e procura
captar experiências na linguagem dos próprios participantes, estudando-os em seus
ambientes naturais. Não mede numericamente os fenômenos estudados, nem
realiza análise estatística. Não tem a finalidade de generalizar os resultados da
pesquisa. Por conseguinte, seu método de análise é interpretativo, contextual e
etnográfico.
Segundo Trindade (2007), todo conhecimento torna-se, devido à necessária
vinculação do indivíduo ao seu próprio contexto, um autoconhecimento. O mundo
social é construido por pessoas nas vivências e interações cotidianas, onde
constroem o seu mundo real. Esta perspectiva encontra suporte na teoria de
Bronfenbrenner, segundo a qual a pesquisa sobre o desenvolvimento humano
concebe a pessoa em desenvolvimento em interação com o seu ambiente. Ou seja:
o sujeito é modificado pelo meio ao qual pertence, ao mesmo tempo em que
modifica-o dentro de um novo contexto.
Considerando que a questão norteadora do delineamento metodológico da
pesquisa (como os estudantes com AH/SD ressignificam o autoconceito de na
vivência do rito de passagem para a adolescência?), entendemos que se trata de um
estudo exploratório (SAMPIERI et al, 2006), onde procuramos, além de responder a
questão da pesquisa, também dar vez, voz e credibilidade aos depoimentos dos
adolescentes com AH/SD, com o objetivo de falar com eles, e não deles e/ou sobre
eles.
88
3.2 ASPECTOS ÉTICOS DA PESQUISA
Os psicólogos trabalham para desenvolver um corpo confiável de
conhecimento científico, baseado em pesquisa aplicado ao comportamento humano
em diferentes contextos. Assim sendo, procuramos entrar em contato com a Direção
Geral da instituição de ensino escolhida para a coleta de dados, tendo em vista
esclarecer sobre a pesquisa a ser realizada, de acordo com protocolo elaborado
pela pesquisadora no início do ano letivo de 2008, para o que recebemos
autorização formal.
Elaboramos o Projeto de Pesquisa para encaminhamento ao Comitê de Ética
do Setor de Saúde da UFPR junto ao Ministério da Saúde, em Brasília, de acordo
com as normativas éticas preditas pela Resolução nº 196/96, do Ministério da Saúde
(MS). Atendendo os preceitos recomendados, elaboramos o Termo de
Consentimento Livre e Informado, de acordo com a Resolução do Conselho
Nacional de Saúde nº 196/96 afim de obter o consentimento formal dos pais dos
participantes da pesquisa. Neste documento, informamos sobre a natureza da
pesquisa e sobre a liberdade para, em qualquer tempo, desistir no decorrer do
estudo. Recebemos a aprovação com o parecer favorável, considerando que o
projeto de pesquisa atendia integralmente as normativas éticas preditas Resolução
acima citada, bem como as demais instruções emanadas daquele Comitê (vide
anexo 1).
A seguir entramos em contato com a Coordenadora da SRAH/SD e
apresentamos a proposta de pesquisa considerando o local indicado para o
desenvolvimento do estudo. Após esses procedimentos iniciamos a pesquisa de
campo e a coleta de dados.
3.3 CONTEXTO
Para a composição dos participantes da pesquisa em sua fase de campo,
buscamos localizar estudantes adolescentes com AH/SD em escolas das Redes
Públicas Estadual e Municipal, em Curitiba-Pr. Como resultado das consultas
informais feitas junto ao sistema público de Educação, fomos informadas de que
uma escola da Rede Estadual de Ensino mantinha, há cerca de três anos, o
89
funcionamento regular de uma Sala de Recursos para Estudantes com AH/SD e que
nela as atividades eram dirigidas por duas professoras que, além de pertencerem ao
Conselho Brasileiro de Superdotação, também realizavam estudos e pesquisas
sobre o enriquecimento curricular. As várias atividades eram então oferecidas no
contraturno escolar, com a demanda prioritária de alunos da própria instituição,
seguidos por estudantes da comunidade, tanto de escolas públicas, quanto de
particulares.
Outro aspecto que nos levou a eleger a instituição aqui descrita enquanto
espaço pedagógico para a implementação do plano de pesquisa, deveu-se ao fato
da mesma oferecer atendimento educacional especializado através de três
programas, sendo dois destinados a estudantes do Ensino Fundamental (1ª a 4ª
séries) e o terceiro, a estudantes de 5ª a 8ª séries, totalizando o atendimento a
aproximadamente 65 (sessenta e cinco) alunos, na faixa etária de seis a dezessete
anos, atendidos no contraturno das suas atividades escolares.
O planejamento do enriquecimento curricular atendia às áreas de interesse
dos estudantes, desenvolvendo atividades de acordo com a preferência e a
motivação dos mesmos. Segundo relato das coordenadoras da SRAH/SD, os
objetivos do atendimento perpassam os seguintes aspectos:
a. interesses e habilidades dos estudantes;
b. identificar e fomentar a produção de novos conhecimentos por meio de
enriquecimento curricular;
c. envolver/buscar trabalho conjunto com a comunidade, pressupondo
parcerias com empresas, universidades e outros setores da sociedade;
d. incluir as famílias no planejamento, efetivação, acompanhamento e
avaliação das atividades ofertadas ao estudante com AH/SD.
Outra variável que nos levou àquela instituição para a coleta de dados deveu-
se à facilidade de acesso aos estudantes e seus pais/mães, na medida em que se
trata de uma escola de localização central na cidade. Não menos significativo e
simbólico é o fato de havermos trabalhado na referida escola durante vários anos.
Todo o material necessário para a realização das oficinas educativas foi de
responsabilidade da pesquisadora, incluindo material de consumo e alimentação,
pois alguns participantes se locomoviam de município da Região Metropolitana de
Curitiba.
90
3.4 COMPOSIÇÃO DO GRUPO DE PESQUISA
Os critérios para compor o grupo dos participantes da pesquisa foram os
seguintes:
a. Adolescentes de ambos os sexos, com idade entre 12 e 18 anos
incompletos, de acordo com o que apregoa o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA).
b. Terem sido identificados formalmente com AH/SD.
c. Estarem regularmente matriculados e frequentando uma escola no
Ensino Fundamental, ou Médio.
d. Serem autorizados pelos seus pais ou responsáveis para participar.
e. Disporem de tempo para desenvolver as atividades propostas.
Apresentarem o Termo de Consentimento Informado e Esclarecido
assinado pelos pais.
3.5 SOBRE O GRUPO DE PESQUISA
3.5.1 A Constelação Familiar dos Participantes
A análise da ficha sócio-demográfica indicou a constelação familiar dos
participantes com as seguintes características:
a. Dois irmãos do sexo masculino de uma família inter-racial de etnia de
ascendência japonesa, estruturada em primeiro casamento, atuantes e
participantes na educação dos filhos.
b. A participante (a única do sexo feminino) provinha de família em
segundo casamento, em que o pai é ausente e não assumiu a
paternidade. Vive com a mãe, o padrasto, um irmão mais velho do
primeiro casamento da mãe e um irmão mais novo, em cidade da
Região Metropolitana de Curitiba.
c. Participante que é filho único de uma família composta pela mãe e uma
amiga a quem chama de tia. O pai não assumiu a paternidade, é
ausente e não participou da educação do filho.
91
d. Participante oriundo de família de origem étnica de ascendência
germânica, com pais divorciados. Vive com a mãe e irmão mais novo.
O pai é presente na educação do filho e participa de todas as decisões.
A mãe tem planos de mudar-se para um país estrangeiro onde têm
familiares, para tentar uma oportunidade de melhoria de vida.
e. Participante pertencente a uma família de segundo casamento da mãe,
atualmente divorciados. Vive com a mãe, a avó materna e uma irmã
mais velha do primeiro casamento da mãe. O pai é ausente e não
participa da educação do filho. Após novo casamento afastou-se
porque a nova companheira não permite que visite o filho.
Com constelações familiares diversificadas, os participantes da pesquisa
convivem harmoniosamente a sua realidade de família.
O nível educacional dos pais varia entre Ensino Médio, Ensino Técnico e
Ensino Superior. Os pais com presença efetiva informam que estão sempre
procurando participar de eventos ligados ao tema.
Investigamos informalmente o nível econômico das famílias dos participantes
da pesquisa e constatamos uma renda familiar média variável, de dez Salários
Mínimos Regionais. Em alguns, casos ambos os pais trabalham possibilitando renda
mais alta, outros pais desenvolvem atividades comerciais na sua área de formação.
A busca da identificação da superdotação dos seus filhos surgiu pelas
reclamações vindas das escolas. Por desinformação e incompreensão, essa
situação causou extrema angústia entre as mães. Todas as mães buscaram
informações sobre o tema nas redes de apoio, procurando médicos, pediatras,
neurologistas, professores especializados, psicólogos e iniciaram leituras sobre o
tema, hábito que mantêm até hoje. Dentre os seis participantes da pesquisa, cinco
frequentavam atividades extracurriculares e de lazer, como esportes, cursos de
línguas estrangeiras, teatro e canto e projetos oferecidos pela SRAH/SD da escola.
92
3.5.2 CARACTERIZAÇÃO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Por motivos éticos assumidos com os adolescentes e seus pais conforme o
contido no Termo de Consentimento Informado e Esclarecido, os participantes da
pesquisa não são identificados, o que nos levou a não utilizar nomes fictícios, mas
sim a composição em números e letras, da seguinte maneira: a idade do participante
na época da pesquisa, seguida da primeira letra do seu gênero e o número
sequencial na ordem geral dos participantes. Apresentamos a seguir, de maneira
sintética, a caracterização dos seis participantes da pesquisa:
QUADRO Nº 01 - ELEMENTOS DE CARACTERIZAÇÃO GERAL DO S PARTICIPANTES
SUJEITOS PECULIARIDADES GERAIS
16F01
Natural de uma cidade da Região Metropolitana de Cu ritiba -Pr. Pertence a uma família composta por três filhos, sendo o mais velh o do sexo masculino, oriundo do primeiro casamento da mãe. Na época da p esquisa cursava a 2ª. série do Ensino Médio numa escola pública estadual da sua cidade. No seu histórico escolar constam 13 (treze) transferências .
14M02
Natural da cidade d e Curitiba -Pr. É filho único, des cendente de uma família da etnia árabe. Foi registrado e criado somente pela m ãe porque o pai não assumiu a paternidade. Segue a religião cristã orto doxa. Frequentava a 1ª. Série do Ensino Médio, numa escola particular aonde trabalha como monitor. No seu histórico escolar constam 5 (cinco) transfer ências de escolas.
14M03
Natural da cidade de Curitiba -Pr. Os pais têm ascendência da etnia germânica. Tem um irmão cinco anos mais moço. Embora separados legalmente, o pai mantém bom relacionamento com a família. A mãe tem projeto de mudar-se para um país estrangeiro com os filhos. A decisão d epende da concordância do pai. Frequentava a 8ª. Série de uma escola parti cular de Curitiba.
14M04
Natural da cidade de Curitiba -Pr. É primogênito de um casamento interracial, o pai é de ascendência japonesa e a mãe brasileira. O pai possui nível superior, é engenheiro elétrico de uma multinacional e a mãe voltou a estudar fazendo curso superior na área da educação. Frequentava a 2 ª. Série do Ensino Médio numa escola particular de classe média alta em Curi tiba.
12M05 Natural da cidade de Curitiba -Pr. É irmão mais novo do participante 14M04, Frequentava a 6ª. Série de uma escola pública estad ual. A ficha de identificação indica que possui AH/SD do tipo produ tivo-criativo. Possui três transferências de escola.
13M06
Natural de Curitiba -Pr. Frequentava a 7ª. Série do Ensino Fundamental d e uma escola pública de Curitiba. A mãe é separada do pri meiro casamento e a sua família é composta pela mãe, a avó materna e uma ir mã mais velha, de outro relacionamento da mãe. O relacionamento da mãe com a pesquisadora foi sempre por e-mail.
93
3.6 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS
3.6.1 Encaminhamentos Gerais
Após o recebimento do parecer e autorização do Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos (Vide Anexo 01) iniciamos os procedimentos de
coleta de dados na instituição de ensino utilizando vários instrumentos e técnicas
individuais e grupais. Buscamos um levantamento psicossocial sobre o processo de
construção do autoconceito na vivência da adolescência, com o objetivo de
ressignificação e prospecção do Projeto de Vida.
Elaboramos um arquivo de observações colhidas ao longo de todo o tempo
da pesquisa, tendo em vista a triangulação de dados na interpretação das outras
atividades propostas. Realizamos uma entrevista afetiva individual com os
participantes e suas mães (Vide Apêndice A) com roteiro adequado aos
adolescentes, envolvendo aspectos da sua história de vida familiar e escolar. Essas
entrevistas foram gravadas, posteriormente degravadas e anexadas num dossiê de
participante, para posterior análise e interpretação.
Para uma reunião preliminar encaminhamos uma carta-convite aos pais ou
responsáveis dos estudantes da SRAH/SD, realizada em maio de 2008, com o
comparecimento de 29 (vinte e nove) pais6, alguns deles acompanhados dos seus
filhos (as). Inicialmente apresentamos nossas credenciais; em seguida, discorremos
sobre os objetivos do projeto de pesquisa, formalizando o convite para que seus
filhos participassem.
Na ocasião, ressaltamos os benefícios esperados em autoconhecimento,
reflexão sobre o autoconceito e o futuro profissional, com a prospecção do Projeto
de Vida dos estudantes com AH/SD, um tema relevante e muito pouco estudado.
Sugerimos que discutissem a proposta com os filhos antes de uma resposta final, e
colocamo-nos á disposição para contatos e quaisquer outros esclarecimentos.
A seguir realizamos uma dinâmica de integração grupal para estabelecer um
vínculo afetivo entre os participantes e pesquisadora. (Vide Apêndice B).
6 Por motivos já expostos, o número de jovens participantes ficou reduzido a 6 (seis).
94
Em seguimento apresentamos a proposta de autobiografia para os
adolescentes participantes e paralelamente para suas mães, com consignas
específicas. (Vide Apêndice C)
Utilizamos nas oficinas educativas a técnica de Contoterapia (CORREIA,
2009), de autoria da pesquisadora, com a interpretação de textos de contos da
literatura universal e mitologia grega, para associação com tarefas, provas e
determinação dos heróis no alcance das metas. (Vide Apêndice D)
As escolas de procedência dos estudantes adolescentes foram as seguintes,
quanto às redes às quais pertencem:
a. Escolas Públicas Estaduais – 03 (três)
b. Escolas Públicas Municipais: 01 (um)
c. Escolas particulares – 02 (um)
Elaboramos o calendário da pesquisa e, em comum acordo com os
participantes, elaboramos o cronograma das sessões, prevendo 22 (vinte e duas)
oficinas educativas, no período de maio a dezembro de 2008, com intervalo de 15
(quinze dias nas férias de julho).
3.6.2 Desenvolvimento de Vinculação Afetiva
Durante aproximadamente trinta dias os adolescentes participantes e suas
mães foram atendidos para esclarecer dúvidas. Consideramos esse espaço de
tempo fundamental para o estabelecimento de vinculação afetiva que favoreceu a
aderência e a aceitação das tarefas propostas para a coleta de dados da pesquisa.
(Vida Apêndice B)
Observamos a formação de díades (pesquisadora-adolescente e
pesquisadora-mãe) e tríades (pesquisadora-adolescente-mãe), ocasião em que
fomos intensamente investigadas sobre nossa vida pessoal e profissional, o que
propiciou que nos conhecêssemos mutuamente. Foi solicitada às mães uma
autobiografia sob consigna (Eu, como mãe de um superdotado), buscando conhecer
as suas experiências na trajetória de identificação, compreensão e educação dos
filhos com AH/SD e as dificuldades de adaptação escolar.
Com isso, recebemos a demanda das mães para tratarmos do tema através
de um questionamento formal: Você não vai tratar da angústia das mães? Por não
95
fazerem parte do foco da presente pesquisa, esses depoimentos constituíram um
artigo em separado e foi o tema de palestra no evento no IV Congresso do Conselho
Brasileiro de Superdotação (CONBRASD), IV Seminário sobre Altas
Habilidades/Superdotação da UFPR e I Congresso Internacional sobre Altas
Habilidades/Superdotação realizado em Curitiba-Pr, de 13 a 15 de setembro de
2010.
Como as atividades previstas nas oficinas educativas envolviam uma reflexão
sobre a subjetividade dos participantes da pesquisa em busca do autoconceito,
investimos no desenvolvimento do vínculo afetivo. Fizemos um convite para
embarcar numa viagem pelo seu universo interior, em busca de si mesmos, no
presente e num salto de uma prospecção para o futuro. Para tanto, foram
sensibilizados com técnicas de relaxamento e meditação, iniciando a narração da
sua história de vida, de modo a poderem “mergulhar” em sua subjetividade. O
objetivo era responder as seguintes questões pontuais: Quem sou eu? Como sou
eu? Como sou visto pelos outros? Essas reflexões foram dirigidas por estratégias
diversificadas (inventário autobiográfico, auto-apresentação, complementação de
frases, entre outras).
3.6.3 Instrumentos Utilizados
a) Questionário sócio-demográgica (Vide Anexo 02)
Este questionário contém dados sobre o participante e a situação civil de seus
pais, relacionamentos anteriores e outros filhos, ou adultos que vivem na mesma
casa e são responsáveis pela educação participantes da pesquisa. Registra a
escolaridade e situação ocupacional de todas as pessoas da família.
b) Ficha de requerimento de matrícula na SRAH/SD (vide Anexo 03)
A instituição utiliza esta ficha para a solicitação de matrícula nas atividades da
SRAHS onde constam campos para a indicação das Necessidades Educacionais
Especiais para Altas Habilidades/Superdotação. Através de perguntas fechadas,
pede informações complementares sobre as necessidades especiais do candidato,
preferência sobre atividades e horários disponíveis.
96
c) Ficha de cadastro de atualização de dados da SRAH/SD. (Vide Anexo 03)
Este documento registra o nome completo do aluno, de seus pais e
endereços para contato, escola de origem e atividades complementares que
participa.
d) Roteiro de entrevista com participantes e suas mães (Vide Apêndice A)
Elaboramos um roteiro de entrevista semiestruturada (TRIVIÑOS, 1987) com
perguntas abertas que possibilitassem maior liberdade e espontaneidade de
expressão. As entrevistas aplicadas, preliminarmente com 2 (dois) participantes e
suas mães, configuraram-se como estudo-piloto para adequação das questões.
Em seguida, as entrevistas foram agendadas e, após o rapport inicial, tiveram
a duração aproximada de uma hora, sendo que foram realizadas em ambiente
reservado da própria escola. Os dados foram gravados e posteriormente registrados
em documento próprio para análise do seu conteúdo.
e) Dinâmica de grupo de integração com adolescentes e suas mães (Vide
Apêndice B)
Apresentamos a descrição sucinta da técnica utilizada na sessão de dinâmica
de grupo de integração, adaptada para este grupo de participantes, com as
seguintes particularidades:
� Título: A teia da vida.
� Objetivo: propiciar a oportunidade interação e conhecimento intergrupal.
� Material: um rolo de barbante; cadeiras dispostas em círculo.
Procedimento: pedir para todos ficarem em pé em círculo. O coordenador
inicia o jogo lançando o rolo do barbante aleatoriamente e um participante que esteja
no círculo em local oposto ao seu formula uma pergunta sobre a identidade, ou vida
pessoal. Esta pessoa deve responder a pergunta e enrolar firmemente a ponta do
barbante em seu pulso, lançando o rolo para outro participante, procedendo da
mesma maneira descrita anteriormente, e assim sucessivamente até que todos
tenham recebido o rolo de barbante e respondido as perguntas dos participantes.
Desta forma, no chão do centro do círculo forma-se uma teia com os fios do
barbante lançados pelos participantes. Ao último participante pede-se para
abandonar o rolo de barbante no chão, todos devendo sentar-se em suas
respectivas cadeiras. Após, inicia-se o compartilhamento da experiência vivida, com
97
a tônica lúdica proporcionada por meio de comentários sobre o aumento da
interação interpessoal e do conhecimento mútuo necessário para o desenvolvimento
de uma tarefa em comum. Desta forma foi possível observamos identificações e
trocas afetivas entre participantes e suas mães.
f) Roteiro de Entrevista Afetiva Individual (Vide Apêndice A)
Após a integração do grupo com os procedimentos citados anteriormente
realizamos uma Entrevista Afetiva Individual onde os adolescentes puderam falar
livremente sobre a sua história de vida infantil e as dificuldades enfrentadas na sua
vida familiar, escolar, na socialização com colegas e amigos. Verificamos que as
situações enfrentadas tinham muitas semelhanças, o que motivou um clima de
descontração com sentimentos de alteridade e pertencimento. Foram investigados
os conteúdos afetivos nas seguintes áreas:
� estrutura familiar;
� escolaridade e rendimento escolar;
� socialização;
� hábitos de estudo;
� atividades extraclasses;
� lazer.
g) CONTOTERAPIA (Vide Apêndice D)
Desenvolvida pela pesquisadora a técnica da Contoterapia (CORREIA, 2009)
é derivada da prática psicodramática e foi utilizada nos grupos de reflexão. Os
conteúdos continham textos selecionados sobre autoconhecimento e autoconceito,
poemas de autores intimistas consagrados, pesquisas biográficas de vultos célebres
da ciência e da arte. Todos apresentam exemplos de determinação e
comprometimento com as suas metas e projetos de vida. A Contoterapia consiste na
analise de contos da literatura internacional com a interpretação da trajetória dos
principais heróis da mitologia grega (CAMPBELL, 1987). Motivou os adolescentes a
apreender o sentido do texto e associar com a maneira como aqueles heróis lidaram
com as tarefas, provas e emoções na trajetória enfrentada para vencerem
obstáculos e alcançarem as metas.
Os resultados foram surpreendentes porque os participantes adquirem
desenvoltura na linguagem oral, aprendem a resumir e argumentar; descobrem a
98
importância da simbologia do enredo, desenvolvem o gosto pela pesquisa, a
criticidade e a criatividade na busca de novas soluções. Muito apreciada pelos
adolescentes, resgatou o ato milenar de contar histórias, ajudando a se conectarem
aos seus sonhos, com a prospecção do futuro e do amor à vida, despertando a
conscientização sobre os valores universais para a construção de um mundo
melhor. Ajudando a clarificar sentimentos e validar emoções, por identificação
possibilitaram a aplicação a alguma situação, dificuldade ou acontecimento pessoal,
da sua história de vida. Todas as dificuldades que causaram sofrimento psíquico
foram confrontadas e integradas como o passo inicial da ressignificação.
Citada em Fleith (2007, p.46-47), esta técnica encontra similar nos Estados
Unidos com a denominação de biblioterapia envolvendo a utilização de livros infanto-
juvenis na compreensão de problemas que afligem os superdotados. Promoveram a
aprendizagem de como lidar com os problemas e as emoções (HÉBERT, 1991, p.
207-209; RIZZA, 1997, p 6-8; SILVERMAN, 1993, p.51-78). Na mesma linha, outra
estratégia utilizada nos Estados Unidos seleciona filmes que retratem situações
vivenciadas pela criança com altas habilidades, denominada cinematerapia (MOON,
2002, p.213-222).
Os participantes adquirem desenvoltura na linguagem oral, aprendem a
resumir e argumentar; descobrem a importância da simbologia do enredo,
desenvolvem o gosto pela pesquisa, a criticidade, a criatividade na busca de novas
soluções. Apreciada pelos adolescentes resgata o ato milenar de contar histórias,
ajudando a se conectarem aos seus sonhos. Com a prospecção do futuro e do amor
à vida, despertaram a conscientização sobre os valores universais fundamentais
para a construção de um mundo melhor. Ajudaram a clarificar sentimentos e validar
emoções, por identificação, possibilitaram a aplicação a alguma situação, dificuldade
ou acontecimento pessoal, das histórias de vida. Todas as dificuldades que
causaram sofrimento psíquico foram confrontadas e integradas como o passo inicial
da ressignificação.
Algumas tarefas que envolviam a prospecção do futuro e do projeto de vida
foram complementadas com pesquisas sobre cursos e profissões, entrevistas com
familiares e profissionais. Ao final de cada oficina educativa, as ideias eram
compartilhadas com o grupo.
99
Cada participante tinha um portfólio onde suas tarefas eram arquivadas, e
passaram a constituir o corpus da pesquisa, analisado à luz dos teóricos que
fundamentaram o estudo.
A experiência da pesquisadora como Psicóloga Clínica favoreceu a condução
dessas oficinas, oportunizando a emergência da conscientização de conceitos sobre
si mesmo, com o aproveitamento das potencialidades. As habilidades e
experiências, nas várias áreas de atividades dos participantes foram estendidas às
perspectivas e expectativas de futuro na prospecção do Projeto de Vida.
O instrumento na metodologia de módulos utilizou a técnica da Psicologia
Clínica, na modalidade de Grupos de Reflexão. Composto por módulos foram
aplicados em oficinas educativas semanais. O conteúdo dos módulos apresentava
sugestões de estratégias e técnicas de autoconhecimento, roteiros de inventário
autobiográfico, pesquisa sobre a origem do nome, inventário de hábitos e valores,
qualidades e defeitos, pesquisas temáticas, entrevista com profissionais, entre
outras técnicas. Nas primeiras oficinas, investimos na construção do vínculo afetivo
a fim de motivar o relato das histórias de vida: composição familiar, vida escolar e a
repercussão na família no momento da identificação das AH/SD.
As técnicas de Grupos de Reflexão utilizam dinâmicas psicodramáticas, com
introdução de reflexão, sensibilização, treino de autor relaxamento e meditação.
Foram realizadas vinte e duas sessões, com a periodicidade semanal e com a
duração máxima média de três horas.
A investigação sobre o autoconhecimento e o autoconceito foi realizada pelo
conjunto de dez módulos sequenciais desenvolvidos nas oficinas educativas
contendo atividades diversificadas e distribuídas, seguindo um planejamento de
temas. As reflexões favoreceram a ressignificação do autoconhecimento.
100
3.6.4 Técnicas Utilizadas
As técnicas utilizadas nos procedimentos são apresentadas no quadro abaixo:
QUADRO Nº 02 - SOBRE AS TÉCNICAS UTILIZADAS
TÉCNICA FONTES ALVO
a- Entrevista Semi-Estruturada TRIVIÑUS (1987) Mães e adolescentes
b- Entrevista de Grupo Focal COSBY (2003) Mães e adolescentes
c- Entrevista Afetiva Focal COLANGELO e ASSOULINE (2000) Adolescentes
d- Dinâmica de Integração SIMIONATO (2001) Mães e adolescentes
e- Contoterapia CORREIA (2009) Adolescentes
f- Solilóquio ALMEIDA (1990) Adolescentes
g- Relaxamento SANDOR et al (2001) Adolescentes
H- Meditação YUKTESWAE (2006) Adolescentes
3.7 PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS DADOS
Os dados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo
(BARDIN, 1977) com abordagem qualitativa, com a interpretação a partir do registro
de observação individual, constante do portfólio de cada participante.
Os depoimentos dos participantes foram interpretados através de análises
sistemáticas das comunicações, de mensagens que permitiram a inferência de
conhecimentos relativos à classificação e categorização. que levaram à descrição
das características relevantes do conteúdo pesquisado, à luz dos teóricos que
orientaram a revisão de literatura. Entendemos que pensar em “sentido” numa visão
psicanalítica (NAMURA, 2004) remete ao sentido latente dos conteúdos psíquicos,
e, enquanto latente, liga-se ao inconsciente. Estes seriam os “desejos” que registram
a singularidade de cada ser humano e, por conseguinte, de cada participante da
pesquisa.
Os passos sequenciais dos procedimentos de análise dos dados foram os
seguintes:
a) Organização do material
101
No primeiro momento organizamos todo o material separando por módulo,
tema e participante, com a transcrição dos depoimentos e tarefas para posterior
verificação de semelhanças e similitudes.
b) Leitura repetida dos depoimentos e tarefas
Com o objetivo de penetrar na subjetividade revelada na abertura da Caixa de
Pandora dos participantes (prevista metaforicamente num dos módulos), realizamos
a leitura repetida e em tempos diferentes para absorver a linha de pensamento, os
sentimentos expostos nos depoimentos e tarefas realizadas na tentativa de costurar
com fios invisíveis a teia que possibilitasse a verificação desses achados, à luz dos
teóricos pesquisados. Foram realizadas em quatro etapas.
c) Seleção de pré-indicadores
Foram reunidos os pensamentos, idéias, sentidos e significados recorrentes,
através da repetição de termos e palavras, separados por temas apresentados nos
depoimentos e tarefas realizadas.
d) Aglutinação de indicadores temáticos
A presença de várias características, isoladas, ou em grupos, de forma diluída
e identificadas nos depoimentos, serviram de base para a lista de pré-indicadores e,
em seguida, aglutinadas nos indicadores temáticos. A classificação dos temas dos
depoimentos surgiu do levantamento do conjunto dos depoimentos e comunicações.
e) Constituição de 3 (três) núcleos de significação
Inicialmente foram constituídos 5 (cinco) núcleos de significação, depois
compactados em 3 (três), diretamente focados nos objetivos do estudo.
A classificação e a categorização presentes nos núcleos de significação
levaram à descrição das características relevantes do autoconceito, possibilitando a
inferência em seu processo de ressignificação e reedição, que resultaram na
interpretação dos dados.
f) Análise e interpretação dos núcleos de significação
Os núcleos de significação são apresentados a seguir:
102
NUCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 01 - Eu no espelho: quem sou? Como me
vejo? Como sou visto? - o autoconhecimento e a necessidade especial de uma
relação de ajuda psicológica; O autoconceito e o sentido subjetivo de pessoa com
AH/SD “ser diferente”. A realidade que angustia: sou diferente, sou superdotado, sou
normal?
NUCLEO DE SINGNIFICAÇÃO 02 - A coragem de ser superdotado no
contexto escolar: a incompreensão de professores e colegas. A desadaptação aos
métodos de ensino da escola. A dificuldade de socialização. Peripécias e
vicissitudes na reedição do autoconceito.
NÚCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 03 - Um olhar para o futuro: estudo e profissão.
Expectativas, alternativas, possibilidades e oportunidades. A prospecção do Projeto
de Vida.
Após a definição e ordenação das categorias e subcategorias, os
depoimentos foram classificados de acordo com os núcleos de significação e
descritas as características relevantes da totalidade dos depoimentos.
A síntese interpretativa foi elaborada a partir dos dados obtidos nos núcleos
de significação e na observação sistemática.
g) Finalizações e conclusões.
As conclusões e finalizações apresentadas na síntese interpretativa são
decorrentes da análise comparativa entre os dados obtidos nos depoimentos dos
participantes da pesquisa à luz dos teóricos da revisão da literatura, acrescidas das
percepções da experiência profissional da pesquisadora.
103
CAPÍTULO IV
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
4.1 ABRINDO A CAIXA DE PANDORA
Neste capítulo respondemos à pergunta que norteou esta pesquisa: Como
ocorre o processo de construção do autoconceito em estudantes com AH/SD, no rito
de passagem para a adolescência?
De acordo com os objetivos propostos, foram estabelecidos três núcleos de
significação como categorias de análise, conforme descrito no capítulo 3, item 3.6.
No desenvolvimento da pesquisa, registramos uma interação bioecológica
com a formação de díades (adolescente-pesquisadora), e tríades (adolescente-
mães-pesquisadora). Embora não constituíssem o foco da pesquisa, consideramos
o registro importante porque facilitaram e enriqueceram a investigação, bem como a
compreensão da subjetividade dos participantes da pesquisa.
No dizer de Asch (1977, p. 21 e 77):
Se deseja entender os seres humanos, não é suficiente analisar as suas capacidades individuais; é necessário estudar os homens em seu ambiente, isto é, a sociedade, e observar as forças exercidas, sobre eles, pelas condições sociais [...] Há provas de importância fundamental para a teoria da motivação, de que, além das condições internas, o caráter fundamental do ambiente afeta o curso da motivação, de maneira decisiva e de acordo com leis específicas.
Nessa afirmação, percebemos a ligação com os conceitos da Psicologia
Sócio-Histórica e as idéias de Bronfenbrenner, que fundamentaram este estudo
quando afirmam que cada pessoa é singular e única, somente sendo possível
conhecê-la a partir do seu contexto histórico e sócio-cultural. Em função disso, a
integração com os participantes e as mães enriqueceu a compreensão da sua
subjetividade.
104
Por outro lado, é importante reafirmar que as PAH/SD apresentam a mesma
diversidade, não sendo possível estabelecer um perfil psicológico único (ALENCAR;
FLEITH, 2001; FREEMAN; GUENTHER, 2000; SILVERMAN, 1993a; WINNER,
1996), embora, segundo Fleith (2007), algumas características são mais
frequentemente associadas a essas pessoas (ALENCAR; VIRGOLIM, 1999;
LOVECKY, 1993; NEIHART et al., 2002; SILVERMAN, 1999b).
A partir das pesquisas sobre os principais teóricos acima citados elaboramos
uma síntese dessas características, indicadas a seguir, sem nenhuma ordem de
prioridade:
a. grande nível de energia e comprometimento na realização de
atividades;
b. tendência à introversão : o adolescente reserva um tempo para si e
prefere trabalhar sozinho em tarefas do seu interesse, ou associa-se a
pessoas mais velhas com as quais tenha identificação;
c. percepção e consciência sobre si mesmo e as suas diferenças em
relação a colegas e amigos da mesma idade;
d. nível intelectual superior , apresenta potencial e habilidade para obter
êxito em diferentes áreas do conhecimento, sendo muitas vezes
excelente estudante em todas as disciplinas;
e. interesse elevado em aprender coisas novas , idéias, palavras e
relações;
f. desenvolvimento moral envolvendo a compreensão clara das
situações e fatos, num julgamento pouco comum para sua idade;
g. postura ativa e dinâmica na defesa de suas idéias e posições,
demonstrando independência de pensamentos e valores;
h. perseverança, comprometimento e concentração em atividades do
seu interesse com capacidade de superar obstáculos;
i. perfeccionismo com auto-imposição de padrões elevados e rígidos de
desempenho, muitas vezes, segundo Schuler (2002), irrealistas. Ele
salienta: “ Meninas superdotadas apresentam maior tendência ao
perfeccionismo do que os meninos, e essa tendência aumenta quando
elas passam do ensino fundamental para o médio” (SCHULER, 2002,
p. 71-79).
105
j. senso de humor, ironia e sarcasmo em relação às suas próprias
dificuldades do dia a dia, no julgamento de acontecimentos e situações,
o que irrita as pessoas;
k. grande sensibilidade, com intensidade emocional , promovendo
maior conhecimento de si mesmo e das situações do seu entorno,
provocando, algumas vezes, intenso sofrimento psíquico;
l. atitude questionadora com não-conformismo, submissão a regras e
autoridades consideradas tolas e pífias;
m. grande idealismo e senso de justiça , que se refletem na
preocupação dos adolescentes da pesquisa, em abraçar causas
humanitárias que promovam igualdade e justiça social na sociedade
em que convivem, assim como no mundo;
Todas essas características sócio-emocionais descritas pelos teóricos acima
citados apareceram manifestas e diluídas na linguagem oral, nas tarefas escritas e
nos depoimentos dos participantes da pesquisa, confirmando a afirmação da
pesquisadora de que os adolescentes com AH/SD pensam e sentem diferentemente
e vêem o mundo com lentes de aumento.
No dizer de Fleith (2007, p. 41-48), como já foi referido anteriormente, muito
pouco se conhece e se tem pesquisado sobre as características sócio-emocionais
das PAH/SD, em todas as faixas etárias.
Assim sendo, educadores, psicólogos e pais tem pouco acesso às estratégias
que favoreçam o desenvolvimento afetivo, o crescimento pessoal e social desses
alunos (MOON, 2002a). No nosso entender, essa condição é fundamental para o
apoio necessário à reedição de autoconceito saudável e personalidade produtiva,
tanto nos microssistemas familiar e escolar, quanto na vivência da adolescência e na
passagem para a vida adulta. A consistência da tese defendida neste estudo, como
já referimos, é reforçada pela citação abaixo:
Um desenvolvimento emocional saudável é tão importante quando uma realização acadêmica, porém ele não tem sido, atualmente, suficientemente valorizado de forma a gerar um tipo de ambiente no qual o desenvolvimento emocional possa ser cultivado. (SILVERMAN (1993a, p. 23). (Grifo da pesquisadora).
106
Para a análise dos dados, os depoimentos, observações e tarefas realizadas
nas oficinas educativas foram classificados de acordo com os núcleos de
significação, e descritas as características relevantes da totalidade das mensagens.
Diante das características presentes nos depoimentos que constituíram os núcleos
de significação, iniciamos a síntese interpretativa, reunindo os depoimentos dos
adolescentes e a correlação com os teóricos.
NUCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 01 - Eu no espelho: quem sou ? Como me vejo? Como sou visto? - O autoconceito e o sentido subjetivo de pessoa com AH/SD de “ser diferente”. A realidade que angustia: sou diferente, sou superdotado. Sou norma l? Eis a questão!
Selecionamos as idéias prevalentes e recorrentes no processo de construção
do autoconceito, apresentadas na primeira pessoa do singular de cada um dos seis
participantes e iniciamos uma síntese comparativa com as características indicadas
pelos teóricos pesquisados.
Como todos os participantes possuem nível intelectual superior,
apresentamos no quadro abaixo as características gerais dos adolescentes
participantes da pesquisa, bem como os interesses pouco usuais na sua faixa de
idade, presentes na totalidade das atividades realizadas:
QUADRO Nº 03 - CATEGORIAS DE ANÁLISE DOS PARTICIPAN TES DA PESQUISA
CATEGORIAS DE ANALISE
CARACTERÍSTICAS
Habilidade cognitiva avançada
• Alfabetização precoce, com dois e meio e três anos de idade em dois participantes, sem estimulação.
Conscientização da “diferença”
• Sentir-se diferente – Ser visto como diferente. • Auto-apresentação com frases metafóricas. • Camuflar o rótulo de superdotado. • Desqualificar a superdotação. • Verificar vantagens de ser superdotado.
Imagem corporal • Preocupação em fugir dos padrões impostos pela mídia. • Busca de uma imagem personalizada.
Socialização
• Dificuldades de socialização e adaptação. • Ser excluído pelos colegas das equipes de jogos. • Intolerância com colegas ‘patricinhas’ e tolas. • Crítica à massificação da mídia e aos modismos. • Atitudes de liderança censuradas. • Falta de aceitação de pensamentos e comportamentos
107
padronizados. • Busca de contatos e convivência com pessoas mais velhas. • Sensibilidade e busca de afetividade, identificação e empatia. • Identificação com problemas semelhantes aos seus. • Busca de resolução de problemas pessoais. • Curiosidade e senso crítico com colocação de “apelidos e
designações” para as mediocridades. • Senso de humor com capacidade de ironia e sarcasmo. • Prazer em apontar incoerências.
Interesses acima da idade
• Leitura de jornais estrangeiros - Le Monde e Le Figaro. • Leitura de literatura russa. • Literatura brasileira intimista: Clarice Lispector e Graciliano
Ramos. • Habilidade para a leitura e interpretação de textos da literatura
clássica mundial. • Civilizações e culturas clássicas, mitologia e crenças de outros
povos. • Língua e cultura francesa. • Busca de identificação em cientistas e artistas. • Filósofos, pensadores, literatos, cientistas e artistas • Conhecimento do idioma e cultura francesa. • Vocabulário muito acima da faixa etária • Compulsão pela leitura como fuga e refúgio • Desenho, charges, canto, teatro, artes marciais, oratória e
produção de textos.
Domínio de idiomas estrangeiros
• Fluência no idioma Inglês e francês, aprendido pela internet e leitura de jornais estrangeiros.
• Desejo que dominar vários idiomas.
Escolha curso e profissão
• É difícil escolher um curso ou profissão pelo interesse sobre muitas áreas de estudo.
• Dificuldade de analisar e escolher um curso superior e profissão.
Ideais sociais e humanitários
• Otimismo - solidariedade social. • Desejo de colaborar com o melhoramento da sociedade. • Intenção de deixar uma contribuição positiva. • Capacidade para compreender e analisar situações do contexto
social mundial.
(Adaptado de Fleith, 2007, p. 44).
4.2 A DESCOBERTA DO CAMINHO DA LEITURA
A habilidade cognitiva avançada possibilitou a alfabetização precoce, em
torno dos dois e meio a três anos, em dois participantes da pesquisa. Sem nenhuma
estimulação, ou tentativa de ensino, causaram espanto na família e na escola
infantil.
108
A grande curiosidade e a oportunidade de manuseio diário de livros de
histórias infantis e jornais no microssistema dos participantes 16F01 e 14M02,
provavelmente, foram responsáveis pela precocidade na compreensão da linguagem
e no aumento do vocabulário.
Segundo Benito Mate (1999, p. 108), “as crianças superdotadas leitoras
precoces aprendem a ler de uma forma incidental, não regrada, e é a curiosidade o
que os leva a aprender e aprendem, a partir de uma leitura funcional: conhecimento
de determinados logotipos e anagramas”.
A participante 16F01 relata:
Minha mãe relata que a minha alfabetização se deu por eu gazear aulas no maternal. Eu fugia da minha sala e gostava da sala do pré que iniciava a alfabetização pelo Projeto Araucária. Como eu era muito elétrica gostava de passear na escola e a diretora "negociava" comigo a permanência em sala.
A mãe de 16M01 se surpreendeu com a leitura precoce quando foi
comunicada pela Diretora da Escola:
Sua filha está lendo fluentemente...
Quando minha mãe percebeu eu já estava lendo... Logo após entrar na Educação Infantil eu era levada pela Diretora da Escola para o seu gabinete e ela pedia para eu ler em voz alta o jornal da cidade... Pois eu não ficava na sala de aula, saia passear pela escola e conversar com as inspetoras e pessoal da limpeza. Era mais interessante que ficar na sala de aula. Ler o jornal do dia em voz alta eu achava melhor. Foi o jeito que a Diretora encontrou de me entreter.
Ela conta que eu entrei no maternal com dois anos e meio e mais ou menos depois de vinte dias de aula eu já ordenava as letras do alfabeto e relacionava quantidades e representação até 20.
Passados mais uns 30 dias, comecei a ler inclusive as dificuldades ortográficas.
Mas eu não gostava de escrever, aliás sempre detestei qualquer atividade motora, diferente assim das crianças da minha dela.
Quando cheguei no pré, mudei de escola e a diretora pediu para que procurasse uma avaliação, pois achava que eu não obedecia o "padrão" da idade.
Na primeira série, minha mãe foi chamada na escola, porque eu lia e não escrevia , além de outros problemas políticos. Foi daí que começou a mina via cruxis que começou com a avaliação.
109
Minha mãe disse que ela começou a busca pela "escola perdida". Na maioria das vezes as professoras diziam que onde eu estava não era o suficiente. Em outras tratavam de pedir para que eu ficasse quieta, pois eu atrapalhava os outros... Aí fui eu quem começou a ficar intolerante...
O participante 14M02 lembra que:
O início da vida escolar decorreu de uma dificuldade pontual para buscar um
recurso criativo à sobrevivência da família (mãe, filho e amiga-tia). Com o filho
pequeno, sua mãe não via possibilidade para um trabalho fora de casa. Teve a idéia
de oferecer-se como cuidadora de crianças pequenas, de um a três anos, em sua
própria casa. Organizou na sala uma série de brinquedos simples e muitos livros de
história, recebendo pagamento de outras mães que não tinham aonde deixar seus
filhos. Assim, estava sempre próxima do seu filho, que convivia com outras crianças
da sua idade. Afirma que sobreviveu por um tempo com essa iniciativa.
Entretanto, o resultado inesperado e não planejado foi o contato e o interesse
do filho sobre os livrinhos de história e os desenhos, que fizeram emergir a sua
precocidade para a alfabetização. Foi quando começou a observar o interesse do
filho sobre as historinhas e os desenhos dos livros infantis e a atenção dispensada
na observação ficando completamente entretido com o mundo das letras e desenhos
dos livrinhos.
O participante lembra como ocorreu essa descoberta e o grande significado
que essa descoberta representou para ele:
Foi a descoberta de um novo mundo que me encantava...
Eu observei e descobri nos livros de história como algumas palavras eram escritas e guardei a pronuncia… Ficava muito intrigado procurando outras palavras que tivessem o mesmo som e assim descobria como escrever outras palavras.
Lembro da satisfação quando descobri o som do “lh” e “nh”. Assim eu ia lendo... ‘decifrando’ as histórias nos livros. Quando a mãe pensou que eu estava apenas ‘olhando as figuras’ eu já estava lendo. O maior problema era escrever, eu não tinha coordenação motora e a letra era “enorme e horrível”, uns garranchos. Até hoje eu não gosto da minha letra..., ela é enorme e até ultrapassa as linhas do caderno.
Vygotsky (1989b, p. 71-72) descreve empiricamente o processo descrito
abaixo o que pode ser compreendido pelo relato do caso de 14M02.
110
Quando uma palavra nova é aprendida pela criança, o seu desenvolvimento mal começou: a palavra é primeiramente uma generalização do tipo mais primitivo; à medida que o intelecto da criança se desenvolve, é substituída por generalizações de um tipo cada vez mais elevado – processo este que acaba por levar à formação dos verdadeiros conceitos. O desenvolvimento dos conceitos, ou dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas funções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar Vygotsky (1989b, p. 71-72):
A mãe de 14M02 descobriu que o filho estava muito entretido observando os
livros de histórias e tentando reproduzir as letras:
Eu não queria acreditar no que estava vendo!
Segundo Delou (2007c, p. 133), “Essas crianças precoces, autodidatas ou
talentosas realizam atividades distintas, como ler ou desenhar, sem grande esforço,
mostrando prazer e satisfação nas atividades do seu interesse particular”.
A participante 16F01 relata como realizava a leitura do jornal do dia com um
noticiário variado e, por sua extrema curiosidade sobre os fatos, desenvolveu, além
da leitura fluente, o domínio de conceitos expressos pelas manchetes do jornal,
quando perguntava para a diretora o que seu significado:
Eu sempre surpreendia as pessoas com as minhas perguntas e questionamentos e com a insistência em adquirir conhecimento.
A facilidade com que a criança desenvolve a oralidade, com frases completas
e com a conjugação verbal correta, surpreende os adultos e indica um elevado nível
intelectual, aprendido na oportunidade do convívio com os adultos com bom nível.
A precocidade na alfabetização não é apontada pela literatura específica
como uma característica geral nas crianças com AH/SD, tanto que os outros
participantes da pesquisa foram alfabetizados facilmente, antes da entrada na
escola formal, mas sem maior precocidade, em torno de quatro anos.
A dificuldade na apresentação da escrita observada em vários participantes
da pesquisa, com alguns frequentando fonoaudióloga, com uma suposta dislexia,
má apresentação da escrita com letra disforme, denota uma desarmonia entre o
funcionamento cerebral e o funcionamento instrumental.
Procuramos investigar qual o sentido de escrever para esses adolescentes e
como se deu a apropriação da escrita, em seus passos iniciais. A grande vivacidade
111
intelectual e a imaturidade manual do início da escrita permanecem nos anos
subsequentes, quando a coordenação motora fina já está estabelecida. De um lado,
um funcionamento cerebral excelente em ideias e formação de conceitos e, de outro,
um funcionamento instrumental diminuído.
Inferimos que a escrita é vista como simples instrumento a serviço do
pensamento e, por isso, com menos valor - em função disso, investigamos o sentido
que pode se revestir o fato de escrever.
Percebemos a descrição da primeira etapa da escrita. Quando começavam a
escrever, reproduziam as letras do alfabeto, desenhando a sua forma com uma
apropriação figurativa por associação de semelhança e som. Pouco a pouco a letra
vai adquirindo um estatuto simbólico e torna-se um signo que remete sempre a um
som. Procuramos investigar qual o sentido de escrever para esses adolescentes, na
fase da apropriação precoce da escrita em seus passos iniciais e solicitamos a
descrição do processo na sua primeira etapa.
Segundo Du Pasquier e Schnaidt (2010, p. 33-37),
[...] perceberam a letra sozinha não era nada e não quer “dizer” nada. A letra só começa a dizer algo na mão da criança quando ela a associa a outras para constituir uma palavra. A associação das letras torna-se algo significante. Nesse processo associativo, de ligação. Cada letra em sua inscrição vai sofrer um trabalho de transformação. Combinando sua grafia à das outras, ela modifica sua figuração primeira. Quando se escreve não se traçam letras alfabéticas umas ao lado das outras, mas conjunto de signos fonéticos associados entre si para constituir uma palavra. De certa maneira, pode-se dizer que a letra se perde na palavra, ela se perde tornando-se parte integrante da palavra. É somente então que ela adquire de maneira completa seu estatuto de símbolo escrito. Pode-se dizer, nesse sentido, que o gesto produtor do traço escrito, ao se organizar em um objetivo funcional, participa também de um movimento de simbolização. Essa simbolização se revela na qualidade do traço, o qual é sempre projeção do corpo.
O participante 13M06, por exemplo, apresenta uma letra ilegível, motivo de
constantes reclamações da escola, pois os professores informavam à sua mãe que
não conseguiam corrigir seus trabalhos e provas escolares. As letras são mal
diferenciadas, em diversos tamanhos e mal ajustadas, muitas vezes não separadas,
configurando um rastro do escrito. A manifestação de sofrimento na sua esfera
familiar em seus depoimentos revela um grau de tensão permanente, mais ou
menos visíveis e discretas, mas sempre presentes.
112
Du Pasquier e Schnaidt (2010, p. 33-37), relatam que a “má escrita” pode
informar a dificuldade em atingir o estágio de símbolo e não mostra qualquer
incapacidade real no campo instrumental, espacial e práxico que poderia justificar a
desordem da sua escrita: “Poder-se-ia dizer: seu mal estar corporal... Em resumo,
elas estão incômodas, seu corpo em sofrimento”. Para os autores:
É preciso também sublinhar que, no entorno da criança, o “quadro” que ela apresenta com a dificuldade de escrever praticamente jamais é percebido em sua dimensão psíquica, e a má escrita jamais é vista em princípio como reveladora de um sofrimento (DU PASQUIER; SCHNAIDT, 2010, p. 39).
Os participantes 16F01 e 14M02 também se interessam em escrever textos
cifrados, ou com senhas, substituindo o alfabeto, formando endereços eletrônicos,
com associações de nomes que não têm a ver com os seus verdadeiros nomes, não
sabendo explicar o motivo da ligação, ou com senhas substituindo o alfabeto.
Participante 16F01
Afirma com ansiedade:
A leitura para mim é uma obsessão... Não sou comedida. Eu nunca consigo dizer tudo que eu penso...
Participante 14M02
Comenta sobre atos que não sabe explicar:
Eu crio endereços de e-mails com o acréscimo de outros nomes que não tem nada a ver com o meu... E eu não sei explicar direito o porquê... Parece uma coisa meio sobrenatural.
4.3 A ENUNCIAÇÃO DO AUTOCONCEITO
Iniciamos a análise dos depoimentos pelo registro da enunciação do
autoconceito - Quem sou eu? Como me vejo? Como sou visto? – porque na técnica
de interpretação da linguagem oral, os conteúdos imediatamente emergentes, após
a consigna, trazem percepções emocionais, com menos probabilidade de
interferências da racionalização.
Imediatamente surgiu a busca de uma constatação com o questionamento da
dimensão que se aproxima da subjetividade, na sua relação contraditória do
113
cognitivo, do afetivo, do emocional e do simbólico. Os adolescentes se questionaram
demonstrando a preocupação com sua realidade e com a relação da superdotação e
a normalidade.
No dizer de Namura (2003, p.185):
A análise da relação do sentido com a palavra mostrou que o sentido de uma palavra nunca é completo, é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência. [...] o sentido da palavra é inesgotável porque é contextualizado em relação á obra do autor, mas também na compreensão do mundo e no conjunto da estrutura interior do indivíduo.
A participante 16F01 é a única do gênero feminino. Muito comunicativa,
possui várias características de personalidade citadas como próprias das pessoas
com AH/SD. Seu comportamento é especial, com opiniões próprias. É muito crítica
quando fala sobre seu autoconceito, porque já sofreu muitas incompreensões desde
a sua entrada na escola, pelas suas características questionadoras e de liderança.
Depois de refletir por um momento inicia dizendo:
Quem sou eu? Como eu sou?Sou uma pessoa de temperamento muito forte que busca viver intensamente. Como vejo meu próprio talento? Considero um presente de Deus o privilégio de ter esse dom. Muitos me criticam dizendo que sou ousada demais, que reinvento as interpretações clássicas. Sou mesmo! Por que ser comedida?
Segue, na sua avaliação de autoconhecimento:
Tenho um sério complexo de oposição. Não me diga o que não posso fazer. Sou firme em minhas convicções e meus princípios. Sou honesta comigo mesmo e nunca tenho duas caras, embora os outros não sejam assim. Não preciso muito para ser feliz. Não é preciso passar por cima dos outros para conseguir o que quero. Sou filósofa, feminista e socialista. Não consigo dizer tudo o que penso! Queria ter a minha tão sonhada independência.
Continua relatando o seu autoconceito, valorizando as qualidades que
considera como positivas em sua personalidade. Sobre a origem do seu nome,
encontrou o significado na mitologia grega:
Adoro o meu nome... Tem uma origem mitológica... Eu já pesquisei muito na mitologia grega... Pesquisei também em outras origens e mitologias de outros povos, com histórias, horóscopos e crenças interessantes... Encontrei muitas coisas interessantes nos mitos escandinavos, por exemplo...
114
Eu tenho uma personalidade firme, mas neutra... Sempre deve haver equilíbrio nas situações. Mas não me tirem do eixo. Tenho humor obscuro. Interesses góticos ou similares.
Excesso de leitura; oratória razoável; gosto das coisas atípicas de garotas “normais”.
Amante da filosofia, física e astronomia. Não sei o que é a vida sem ter pelo menos um debate filosófico, mesmo sendo infrutífero.
Sou filósofa, feminista e socialista. Eu adoro lugares lúgubres que lembram a morte. Eu sou viciada em jogos como resident evil e facial fantasy. Sou detalhista; aprendizagem rápida; idealista; Interesse pelo mundo.
(longa pausa)
E... Amo doces!
O comentário após a pausa, depois de reflexões filosóficos e sociais,
evidencia, tipicamente, uma assincronia comum nos adolescentes com AH/SD. Ao
ser questionada sobre motivo do encaminhamento para avaliação e para a Sala de
Recursos, faz uma pausa e depois é lacônica, objetiva e direta na resposta:
... Curiosidade em excesso...
Continua sua auto-avaliação, dizendo:
Vou relacionar em primeiro lugar as qualidades físicas, depois as outras.
Meus olhos parecem holofotes.
Meu nariz no formato ideal para óculos.
O tamanho grande da cabeça (por causa do cérebro).
Braço, nariz, pescoço, mão, barriga e cérebro.
Força física (da qual nem tenho muita noção).
As outras qualidades?
Moderação no quesito finanças.
Oratória razoável.
Detalhismo.
Persistência.
Objetividade.
Mania de leitura.
115
Autocontrole (de vez em quando).
O excesso de curiosidade, a grande vitalidade e energia, são característica
das crianças com AH/SD, apontadas por Winner (1998). No caso desta participante,
associada às “outras qualidades” que ela atribui a si mesma, é responsável por
questionamentos que muitas vezes causaram conflitos no meio familiar.
Às vezes me consideram feminista e reclamam que eu deveria me enfeitar mais e que sou meio relaxada em relação a minha aparência. Falta de atenção quanto à aparência... Eu não ligo, mas vivem me dizendo para eu me arrumar mais. Por isso detesto meu bumbum (por causa dele recebo “elogios” que considero inadequados.
Seu gosto por situações desafiantes é uma característica típica entre as
pessoas com AH/SD, como relata a seguir:
Não valorizo a vaidade excessiva e o culto ao corpo com um feminismo exagerado.
Não me identifico com as minhas colegas e vivo criticando, pois, só falam futilidades e pensam em casar e viverem à custa do marido o resto da vida.
Moda em cabelo... Tenho muita raiva da moda e da mídia e raiva exagerada do consumismo.
Numa das sessões, foi pedido para fazer uma produção poética sobre si
mesma. Escreveu sobre o seu autoconceito:
Reclames de uma mente.
Difícil de compreender.
A maneira diferenciada de viver.
Fica mexendo em tudo o que achar.
Não tem espaço para a mídia maçante
Enfiar na cabeça a moda repugnante.
A participante 16F01 faz referência, numa das sessões, sobre suas crises de
ausência diagnosticada como epilepsia (petit mal), que a fizeram sofrer muito por se
achar muito doente, além de já ser diferente.
Afirma:
Se sou assim tão diferente, por que fui nascer? Seria melhor não ter nascido!
116
Diante das perguntas interessadas dos participantes do grupo, explica
detalhadamente o funcionamento e a fisiologia cerebral, dando uma aula sobre
neurologia, informando como ocorrem as crises de ausência. Como já tinha
explicado cientificamente toda a situação, comenta:
Pesquisei tudo pela Internet. Depois que eu entendi o que se passava comigo eu aceitei o tratamento. Tomei Carbamazepina 200 mg.
E... Agora estou curada. Está tudo bem.
Às vezes acho que tenho memória curta, intolerância, ansiedade, força (não dá para ter noção).
Não conseguir falar TUDO o que eu penso.
O participante 14M02 responde assim, à enunciação do autoconceito:
Quem sou eu? Sou apenas mais uma pessoa no mundo, mas uma pessoa que visa seu bem e o bem dos seus iguais e que para isso, quero fazer algo para o mundo. Eu espero poder fazer algo de bom pelo mundo... Eu acho que todos nós nascemos com uma missão... Gostaria de saber a minha...
Informa sobre a origem do seu nome, contada pela mãe:
O meu nome é de origem cigana. Minha mãe escolheu por causa de uma novela da época.
Eu gosto muito de computador e de manter contatos pela Internet. Eu crio endereços de emails com o acréscimo de outros nomes que não tem nada a ver com o meu...
E eu não sei explicar direito o porquê... Parece uma coisa meio sobrenatural.
E continua afirmando os pontos positivos da sua personalidade:
Vejamos... Posso dizer: beleza, inteligência, astúcia; jeito de ser, carisma, olhos, mãos, pernas, sinceridade.
Este participante é muito desenvolvido na sua parte física, para a sua idade.
Com a altura de mais de 1,80 m, parece um rapaz mais velho. Apresenta-se muito
sério e compenetrado. Participou de todos os Concursos Vestibulares das
Universidades de Curitiba, tendo sido aprovado em todos, em diversas opções.
Como ele não foi orientado para fazer aceleração, o problema agora é
administrativo.
117
A literatura informa que as pessoas AH/SD têm dificuldade de socialização.
Os dados da pesquisa apontam que todos se referem às dificuldades em fazer
amizades e vínculos afetivos com outras pessoas que compartilham a mesma idade
cronológica. Preferem pessoas mais velhas em função do nível de compreensão e
nível intelectual. Constatada essa realidade no depoimento abaixo:
Eu sempre me senti diferente. Parece um estigma. E não é bom se sentir assim. Sempre fui muito grande para a minha idade e então sempre era o último da fila. Detestava ser o ultimo. Queria ficar na frente e ser o primeiro da fila e nunca me deixaram. Na sala de aula queria sentar na primeira carteira, mas a professora mandava sentar na ultima porque senão os outros não podiam enxergar.
Hoje estou com 1,83... Acho que já chega de crescer, mas penso que ainda vou crescer mais um pouco. Pela minha idade...
A busca de uma auto-imagem surge nesse comentário:
O que eu não gosto em mim mesmo... Vejamos...: o pé, irritação, sorriso, a letra,... É muito grande!
Realmente, sua letra é muito grande, ultrapassa a linha, mas é perfeitamente
legível. Ele demonstra atenção concentrada em todas as tarefas, pois em várias
atividades dos módulos que levou para responder em casa, fez a correção
assinalando nos textos pequenas incorreções, ou as falhas de digitação, como falta
de acentos, ou cedilhas que foram corrigidos a lápis. Note-se que a referência à letra
está na memória desde a época da sua alfabetização precoce.
O que gosto de fazer na vida? Olha... Abraham Lincoln disse: “As pessoas são tão felizes quanto se predispõem a ser”. Busco o autoconhecimento e tenho outras qualidades e talentos, não sei...
Raciocínio lógico. Humor aguçado. Ser extrovertido. Saber controlar a situação. Ser calmo. Ter autocontrole. Gostar do que faz. “Não penso pequeno, eu identifico em mim outras qualidades, mesmo como passatempo: ler, falar, escrever, observar, intuir, gravar letras de músicas, “energia extra”, astúcia”.
As citações de vultos famosos são constantes nos seus depoimentos, decorrentes da intensa leitura que influenciou o seu vocabulário elaborado, o interesse e admiração por pessoas significativas da história da humanidade. As suas atividades de “passatempo” são pouco usuais na sua faixa etária.
Como avalio meus hábitos? Bons hábitos. Maus hábitos. Estudar... Acho que tenho muitos tocs (transtornos obsessivos compulsivos).
Escrever. Usar a internet. Ler. Fazer muitos downloads. Dormir tarde... Ver o Jô até a madrugada e ver novelas.
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Na escola que busca a homogeneização, algumas vezes, a Educação Física
procura desenvolver a média de um aluno padrão, e aqueles que escapam à regra
são alvos de discriminação. Este participante comenta:
Detesto educação física, não gosto de futebol, mas gostava de vôlei...
Não gosto de competir e parece que os outros só jogam para ganhar. Eu queria brincar com a bola sem precisar seguir regras e passar para os outros...
Não sou competitivo. Aí ficava um desajustado que não sabia jogar e fui pegando uma intolerância com a educação física.
Ainda sempre era alvo de chacota dos outros porque não sabia jogar... Então achava melhor ficar de fora...
Umas vezes em que jogamos de brincadeira e ninguém sabia jogar era legal e a brincadeira era gostosa. Não me sinto bem para “jogar o jogo” na escola como os outros.
Comenta sobre a história da sua família:
A história da minha família é interessante. Meu bisavô com os irmãos vieram para o Brasil no começo do século XX. Eram árabes, de uma próspera família síria libanesa. Uma família árabe tradicional muito apegada à sua cultura. Minha mãe contou que tinham recursos financeiros muito bons e aqui montaram alguns comércios que foram muito prósperos. Todos os meus tios estão muito bem de vida, mas meu avô perdeu tudo com jogo e amantes e minha avó ficou com necessidades. A família ficou meio dividida quando ele casou com uma brasileira e não com uma de descendência árabe. Mas eu fui criado dentro da cultura árabe, desde que eu me conheço por gente é comida e tudo influenciado pela cultura árabe. Casou com minha avó aqui no Brasil.
Hoje me dizem que eu sou aquele que mais se parece com um árabe. É só olhar para mim que todo mundo reconhece um árabe. Só falta usar o turbante...
Sempre brinquei muito sozinho... Adorava brincar de teatro e fazia as minhas novelas com bonecos, bonecas e bichinhos de pelúcia... Eles eram os meus personagens.
Desde que entrei na escola tive dificuldade de socialização e isso fez com que não querer ir à escola. Eu já sabia ler e escrever e fazer contas quando entrei no primeiro ano. Depois aconteceram, na metade do ano problemas de doença na família e eu aproveitei a oportunidade para me negar a voltar para a escola. No ano seguinte fiz me submeti a uma avaliação e entrei no segundo ano. Foi a minha primeira aceleração...
Sabe como eu me sentia na infância sendo reconhecido como superdotado?
Hoje refletindo sobre as experiências negativas que vivenciei posso comparar com a situação de um socialista russo convicto vivendo num país
119
capitalista do primeiro mundo, como os Estados Unidos, no período da guerra fria.
A percepção da superdotação na escola é responsável por experiências
negativas em todos os relatos de adolescentes e de suas mães. Criaram
dificuldades ao ponto de levar no sentido negativo em todos os relatos, criando
barreiras de adaptação e inclusão. Influência da escola
Continua:
Hoje estou no Ensino Médio e a dificuldade de socialização continua a mesma. Mas aprendi a conviver com essa situação. Verifiquei que a escola é um lugar para aprende e não para fazer amigos.
Consegui bolsa integral no instituto Cervantes e meia bolsa na aliança francesa. Sou apaixonado pela cultura francesa. Eu digo que conheço Paris muito melhor do que muito curitibano conhece a nossa cidade. Tudo pela internet. Não sei de onde vem essa minha paixão pela cultura francesa e pela França... Quando conheci o idioma me apaixonei e deixei de lado o inglês...
Adoro ler e os meus autores preferidos são aqueles em que eu acompanho o enredo e vou vivendo junto com os personagens... É assim que me inspiro para a minha história e os meus personagens. Gosto de enredos subjetivos que permitem viajar junto, por exemplo, adoro a Clarice Lispector.
Gosto de enredos policiais como o livro do Jô Soares, Xangô de Baker Street, em que a gente vai seguindo a leitura e imaginando quem poderá ser o criminoso ou o vilão. Não gosto de livros que já mostram tudo muito claro. Não dão oportunidade para a imaginação. A fórmula de misturar realidade e ficção foi genial, temperada com grandes doses de humor.
Estava participando de um programa para superdotados numa instituição de ensino superior por três anos fazendo a analise de personagens de novelas da TV que tinham grande projeção no imaginário social faziam... O último que fiz foi o personagem Juvenal Antena vivido pelo... Dei-me muito bem com a professora de comunicação que me orientava na análise do personagem, mas não me dei bem com o novo estagiário de psicologia de 2008. Mas para participar do projeto eu tinha que fazer terapia com um estagiário do curso de Psicologia. Nos dois anos anteriores eu me dei muito bem com uma psicóloga.
Em 2008 não me identifiquei com o novo estagiário que me julgou
desinteressado e desmotivado porque não falava nas sessões. Mas ele sempre
perguntava as mesmas coisas:
-Tudo bem? Como passou a semana?
E eu... Respondia? Tudo bem.
E o diálogo acabava aí... Ele não falava nada e eu também não. Acabaram
me comunicando que eu estava suspenso do atendimento por causa do relatório
120
dele. Minha mãe ficou muito braba e discutiu com a professora responsável pelo
atendimento.
Ele comenta que:
É difícil que os seus amigos entendam que você goste de ler Graciliano Ramos e Clarice Lispector...
Fiquei impressionado quando li a biografia do Graciliano Ramos e como ele conseguiu dar a volta por cima nas suas dificuldades. Quando li o livro Infância publicado em 1945 que é uma autobiografia pude perceber que ele somou elementos pessoais com os sociais. Revela o quanto foi árdua a sua experiência de criança, nos fins do século XIX e início do século XX, vivida praticamente no interior de Alagoas. Primogênito de um casal sertanejo de classe média cresce em meio a uma prole numerosa, distanciado de pequenos gestos de afeto, aventuras e estripulias infantis. Fiquei pensando como foi possível para uma criança, viver, sobreviver e tornar-se um dos escritores brasileiros dos mais expoentes.
Para interpretarmos os depoimentos desse participante fomos reler as obras
dos autores citados por ele. Percebemos a identificação com as memórias de
Graciliano Ramos que o levou a refletir que uma família constituída (diferente da sua
situação), com muitos irmãos também não garante experiências afetuosas em
família. Ele relata um ambiente familiar árido, onde só encontra indiferença, injustiça,
ingratidão...
O primeiro aspecto que chama a atenção é a descrição de Graciliano como
uma criança oprimida e humilhada, pois é um ser fraco diante de adultos mais fortes.
Este é um dos cernes de sua visão de mundo: a opressão. Quem tem poder,
naturalmente massacra, sufoca. O menino Graciliano utiliza uma enorme lente de
aumento na dureza das travessias da vida. Dominou sozinho o inglês e o francês
para poder ter acesso a vários autores proeminentes. Ele não se torna leitor e
escritor por acaso e naturalmente, mas somente em função da resiliência: usa dor
da falta de justiça no mundo.
Graciliano Ramos e Clarice Lispector, sem dúvida, não são a leitura preferida
de adolescentes. O estilo da escrita de Clarice é muito peculiar, especialmente pelos
temas que desenvolve e pela construção de suas narrativas. Ela escreve sobre
temas intimistas que envolvem a vida e a existência, com questões que permeiam a
subjetividade. Os seus textos são densos, intrigantes, misteriosos e reflexivos
porque não narram fatos, mas tudo está centrado nos dramas existenciais dos
personagens enquanto significação do ser e do mundo.
121
Nos textos de Clarice Lispector uma fonte rica de conhecimento e
subjetividade, cujo foco é o autoconhecimento, em que observamos claramente a
interação e a busca de significados pelo leitor, bem como pela própria autora
comenta. Esse gosto peculiar justifica a procura de textos de Clarice Lispector deste
participante. As narrativas interpelam aquele que lê e o conduzem para o mundo da
reflexão, do questionamento, do saber íntimo, bem como para uma significação para
os enigmas existenciais. Nos textos em que se manifesta o ato criativo, ela se coloca
de corpo inteiro na escrita e obriga o leitor a participar de sua criação, tornando-o
cúmplice do vivido, co-autor. Estas características surgem no conto de sua autoria
enviado para meu conhecimento e apreciação.
Recluso em si mesmo, incompreendido, com poucas oportunidades de lazer e
amigos (fato comum aos adolescentes comuns), a leitura se torna significativa no
momento em que o objeto de leitura e o sujeito-leitor estabelecem relações.
Apoiado em Freud, a Psicanálise afirma que o prazer estético da identificação
com personagens, cenas, questões de ordem existencial, do tipo “quem sou eu”,
possibilita participarmos de experiências alheias sem que soframos na mesma
intensidade. A partir do paradigma da Psicanálise, o texto literário pode instigar
conteúdos recalcados no inconsciente, bem como questões relacionadas ao desejo.
A leitura é potente, neste sentido, quando desestabiliza, tumultua, remexe, provoca;
enfim, quando cutuca as lembranças secretas e íntimas do leitor. O valor da leitura
emerge justamente quando causa estranhamento, dúvida, abrindo possibilidades.
Dessa forma, a leitura constitui um dispositivo para a transformação do
sujeito. O ato de ler pode produzir a modificação de sentidos cristalizados,
apontando para novas configurações de sujeito. Ou seja: a subjetividade envolvida
na leitura ultrapassa os diversos sujeitos e sentidos, tanto na atividade de escrita,
quanto na atividade da leitura, pois ambas constituem-se na e pela linguagem,
enquanto significação do ser e do mundo.
Deparar-se com o texto de Clarice é como tentar decifrar um enigma, uma
obra de arte abstrata. O texto não se entrega facilmente, às vezes parece confuso.
Entretanto, ao tentar compreendê-lo, o leitor pode ficar fascinado. O conhecimento
que nasce dessa interação é tão sutil e íntimo que sensibiliza, questiona e
desconstrói o mundo subjetivo, colocando-o na posição de criador. A leitura é
proveitosa, principalmente porque faz refletir, pensar em questões da vida, valores e
atitudes, o que indica que o texto literário, enquanto arte faz o leitor olhar para si e
122
para sua realidade, perceber-se, autoconhecer-se. Ao afirmarmos que o texto faz
“parar para pensar”, ou “dar-se conta de”, queremos dizer que geralmente as
pessoas não têm o hábito de pensar sobre esses temas e associar o texto com as
suas vidas.
Os participantes 16F01 e 14M02 demonstram atribuir importância ao ato de
refletir e pensar sobre sua própria existência. As questões de vida/morte interpelam
esses sujeitos e os efeitos ecoam, produzindo sentidos, revelando a subjetividade ao
relatarem, por exemplo, as experiências de dor diante da doença e da morte, os
sentimentos de perda, as vivências religiosas, o medo da violência, a insegurança e
a dúvida, bem como a crise ética de valores.
Verificamos que os mediadores da leitura nem sempre estão enraizados nos
meios familiares, ou nos professores das escolas. Muitas vezes, é em meio a outras
situações, culturalmente significativas, que o sujeito encontrará no garimpo de si
mesmo o alimento para o seu autoconhecimento.
A participante 16F01 define o seu gosto por livros como “obsessivo” e
mantém uma forte interação emocional com os personagens marcantes dos livros da
literatura russa.
O participante 14M02 se enreda e se implica com os bonecos e bichos de
pelúcia das suas histórias, substituindo a falta de colegas e amigos para as
brincadeiras e interage com eles, como personagens vivos na sua imaginação.
Em ambos os casos, criaram um mundo particular que constituiu o lazer e o
refúgio prediletos.
Participante 14M02
Relata que:
Desde muito pequeno eu gostava de brincar com bonecos e bichos de pelúcia, mas eles eram os personagens das histórias que eu inventava... Eu conversava com eles como se estivesse escrevendo uma história...
Refletindo sobre as situações acima descritas, elaboramos a possibilidade de
considerar, segundo a teoria de Bronfenbrenner, a formação de uma díade leitor-
autor, ou quiçá, tríades, leitor-personagens.
Participante 14M03
Enuncia o seu autoconceito:
123
Eu me acho normal, não tenho problemas, mas ainda não decidi o que pretendo fazer no futuro. Acho que é porque não sei muito bem ainda definir quem sou eu, minhas características principais. Sou inteligente, gosto de estudar, tenho amigos e me dou bem com as pessoas, meus pais são legais enfim, eu não tenho problema nenhum...
Continua comentando:
Eu penso que quem sabe convivendo em outro país eu possa pensar mais e descobrir o que quero fazer... Por enquanto é um branco na minha cabeça. Eu não me vejo fazendo alguma coisa ou profissão. Eu tenho muita imaginação e gosto de desenhar...
A mistura de características físicas, interesses por jogos de vídeo game e
televisão, aparecem no autoconceito, envolvidos pelo apetite e gulodice,
característica dessa faixa etária. Inicia uma reflexão sobre si mesmo e faz um
solilóquio:
Quem sou eu?
Eu sou louro, tenho olhos azuis, 1,66 m, 56 quilos, 14 anos de idade
Gosto de jogar jogos de videogame, ver TV. Jogar SPORE, HALF LIFE 2, PORTAL,
Comer salgadinho, batata frita, hambúrguer...
Gosto também de comer doces e comida saudável...
Dizem que sou guloso e comilão... Será?”
Sou meio encabulado.
De cabeça baixa, afirma:
Só tem uma coisa que eu sei sobre mim...
Sabe? Eu me acho bonito... As pessoas dizem...
A minha mãe vive me dizendo que eu preciso ser mais humilde...
Pausa:
Hum... E eu também acho...
Participante 14M04
Ao responder a questão, assim se expressou:
Quem sou eu?
124
Eu sou um cara inteligente e decidido. Nunca tive problemas na escola e nem tenho reclamações, como meu irmão que vive mudando de escola. Tenho boas notas e nunca reprovei. Sei o que quero e busco a maneira de conseguir.
Este participante reconhece e afirma a sua superdotação e apresenta um
comportamento amadurecido para a sua idade. É determinado nas suas atitudes e
respostas. É o filho mais velho de um casal inter-racial (mãe brasileira e pai da etnia
japonesa). Observo que a sua aparência física não apresenta nenhuma
característica de ascendência japonesa. Seu irmão mais novo, participante 12M05,
tem todas as características físicas da etnia.
Observamos uma rivalidade entre os irmãos, confirmada pela mãe que
orientou a vinda para as sessões dos dois irmãos em horários diferentes por causa
das dificuldades de relacionamento. Demonstrou, nas suas primeiras tarefas,
extrema irritação e intolerância com o irmão mais novo referindo-se a ele com o que
mais o incomoda. O adolescente disse:
O mais chato na minha família é ter que aguentar meu irmão dois anos mais novo. Ele é um saco!
Tem dificuldades em se comprometer emocionalmente com os outros, pois
nas suas decisões, a razão predomina sobre a emoção e não se detém muito tempo
sobre um fato já conhecido, inclusive enfrentando os pais e convocando-os para
uma atuação educativa.
Um acontecimento após o término da sessão de grupo veio demonstrar suas
atitudes decididas, inclusive com o enfrentamento dos pais. Ocorreu que ele foi
incumbido de vir buscar o irmão mais novo (participante 12M05), no horário previsto.
Já estava me preparando para deixar a escola, quando ele me procura e informa
que não estava localizando o irmão. Visivelmente irritado, informou que já tinha
percorrido por várias vezes, por todas as salas da escola e outros locais possíveis,
como cantina, banheiros, biblioteca, sem resultados.
Também procuramos informações com os inspetores, inclusive o guarda que
controlava a saída da escola, e todos informaram que, com certeza ele não tinha
saído da escola e iniciaram um auxílio na busca. Percebendo que estavam todos
preocupados, o irmão comenta comigo:
Ele tem mania de se esconder... É um saco! Não se preocupe, ele aparece de repente... Já ficou de castigo e até apanhou por causa disso... Vou
125
telefonar para a mãe e dizer que ela venha aqui procurar por ele porque eu vou embora...
Decididamente, faz uma ligação para casa no seu celular e fala de maneira
irritada e autoritária com a mãe. Quando ela o atende diz:
Mãe... Olha... O fulano (nome do irmão) sumiu!
A mãe deve ter pedido uma explicação e ele responde:
Como assim? Sumindo... ora... Você já sabe como ele é... Já procurei por tudo... Perguntei para o guarda e ele não viu ninguém sair pelo portão principal. Também já começou a vistoriar todas as salas novamente... Cantina, banheiro e biblioteca.
Eu não vou esperar e nem procurar mais! Estou indo embora... Avise o pai...
E venham vocês aqui procurar ele...
Estou indo... Tchau.
Momentos mais tarde, o guarda da escola veio informar que o aluno estava
no terceiro andar da escola numa sala de aula conversando com uma antiga
professora.
Participante 12M05
Faz a enunciação do seu autoconceito:
Quem sou eu?
Eu sou um cara alegre e legal, sou divertido e amigo de todos e não crio problemas para ninguém.
Mas não abuse...
Este estudante é o irmão dois anos mais moço, do participante 14M04
apresentado anteriormente. Em sua ficha de informações da Sala de Recursos da
escola, consta que ele possui o tipo de AH/SD denominado por Renzulli como
criativo-produtivo . Essa informação vai fornecer as explicações sobre os seus
comportamentos e atitudes pouco convencionais, como também pode explicar a
falta de paciência do irmão mais velho.
É pouco desenvolvido, com baixa estatura para a idade com diferença para o
irmão dois anos mais velho com porte de rapaz. Nos seus depoimentos utilizava
126
vários mecanismos de defesa em resposta às frustrações que o mundo lhe externo
impõe.
Segundo a literatura, o princípio da realidade, na medida em que se
desenvolve, impõe ao ego obedecer, mas o princípio do prazer persiste na sua
manifestação. Em vista disso, no psiquismo se desenvolvem mecanismos de defesa,
destinados a proteger dos afetos que causam angústia. As ameaças podem vir de
sentimentos de inferioridade e do receio da crítica social. Os mecanismos de defesa
têm funções protetoras e alguns deles são utilizados na vida cotidiana.
A literatura especializada refere mais de trinta mecanismos de defesa, em sua
grande maioria, inconscientes. Entre eles, citamos alguns comportamentos deste
participante:
Compensação - é o mecanismo de defesa pelo qual sujeito procura
compensar algo que percebe como insatisfatório em si mesmo. Este participante
procura chamar a atenção, embora com atitudes inadequadas, que revertem em
castigos, como por exemplo, brincar de se esconder e deixar os outros preocupados.
Projeção – é o processo mental pelo os atributos não aceitos pela pessoa,
são imputados a outrem, como por exemplo, quando diz:
Sou pequeno e magro, mas assim posso comer bastante que não engordo como outros que eu conheço... E posso “zoar” bastante com o meu irmão, pois quando eu o provoco e ele me bate todos fixam contra ele... Ele é repreendido porque é grandalhão e eu sou menor e magrinho... (risos)
Racionalização – é uma tentativa de explicação consciente, visando justificar
impulsos e afetos pelo ego. Não percebe seus sentimentos de hostilidade e procura
utilizar argumentos lógicos.
Por exemplo, quando diz:
Eu não provoco o meu irmão... Apenas me defendo... Adoro ver ele furioso... Às vezes até apanho, mas vale à pena! Eu gosto de provocar os outros... (risos).
Minha mãe briga mais comigo... Ela é mais braba comigo... (risos)
No dia marcado para a sua primeira entrevista, deveria vir acompanhado pela
mãe, mas chega com grande antecedência, provavelmente com a intenção de poder
conversar individualmente comigo. Dirige-se a mim, apresenta-se e inicia uma
conversa informal, como se soubesse quais seriam as minhas perguntas. Demonstra
127
ser comunicativo, educado, simpático, alegre e brincalhão. Aproveita a oportunidade
para criticar a mãe comentando que ela sempre chega atrasada nos compromissos.
Embora ainda não tivesse conhecimento detalhado sobre o roteiro da
entrevista, como que intuindo o tema do assunto a ser tratado, inicia a sua fala
espontaneamente e me surpreende com um comovente relato repleto de mágoas e
queixas subliminares.
Sem nenhum estímulo, inicia focando diretamente a sua trajetória pelas
escolas:
Desde que eu entrei na escola para a alfabetização eu era mandado pelas professoras para a sala da Diretora todos os dias... Elas diziam que eu era indisciplinado, hiperativo, mal educado, desatento, dispersivo, desorganizado, desmotivado, desinteressado... Uma vez uma professora até me chamou de delinquente escolar!
Afirma laconicamente e faz uma pausa, aguardando um comentário.
Aí eu mudei de escolas várias vezes... Agora na escola que eu estou vou menos para a Sala da Direção..., mas ainda vou... Pelo menos uma vez por semana.
Ele frequentava a 6ª série do Ensino Fundamental, após três sucessivas
transferências de escolas por reclamações diversas e desadaptação. O seu
autoconceito foi muito marcado pelas avaliações pejorativas e rótulos do seu
contexto escolar. Embora em processo de ressignificação, ainda demonstre muita
mágoa e ressentimento subreptício ao seu depoimento.
Perguntamos:
Por que você está me contando isso agora? Nós acabamos de nos
conhecer... Você gostaria de saber alguma coisa sobre mim?
Ele sorriu e não respondeu, continuando a me fitar.
Como ele se referiu ao passado (“elas diziam que eu era”), trouxe-o para o
aqui e agora e contra-argumentamos:
E agora, na sua escola nova o que as professoras dizem sobre você?
Ele sorriu e respondeu:
Agora eu vou menos para a Sala da Direção...
Mas ainda vou!
Perguntamos:
128
E o que você acha de você mesmo?
Ele responde:
... Eu me acho um cara legal! Sou um bom amigo, podem confiar em mim, não brigo com ninguém e procuro ajudar os outros.
Só brigo com meu irmão.
Fica pensativo, olhando a distância e faz um solilóquio:
Minha mãe reza junto comigo todas as noites... Acho que é para eu melhorar...
A gente reza:
Meu Anjo da Guarda,
Meu amiguinho
Me leve sempre
Para o bom caminho.
E continua:
Lá em casa é tudo invertido. Era eu que lia livros de histórias para os meus pais... Eles diziam que era o jeito de eu ficar quieto...
Continua falando sobre suas qualidades:
Meus pontos fortes são psicológicos
Valores,
Amizade e união
Respeito (conheço, mas não uso)
Meus pontos fracos são:
Barriga
Canela
Pé
E mão.
Na perspectiva do processo de desenvolvimento que ocorre durante todo o
curso da vida, este participante estava trazendo num primeiro contato com uma
129
pessoa desconhecida, a carga de vivências de um passado de mais de seis anos,
desde o início da sua vida escolar, (uma vez que frequenta a 6ª. Série do Ensino
Fundamental), ainda muito presentes e causa de sofrimentos expressos com
evidente mágoa na sua fala.
A ambivalência sobre o autoconceito pela visão das professoras e a tentativa
de ver-se como legal, demonstra o início de um movimento sadio de elaboração de
vivências negativas. Nesse momento provavelmente iniciava o movimento de
elaboração e transformação do autoconceito com a questão:
E como será que ela me vê?
Intuitivamente, verificamos que se instalara um laço afetivo através de uma
comunicação empática. Talvez nesse momento iniciasse uma parceria (díade) para
poder checar qual a verdadeira situação do conceito sobre si mesmo. Ele continuava
a me observar, abrindo, um largo sorriso quando nesse exato momento a sua mãe
chega e interrompe esse diálogo. Inicio a entrevista com eles.
O participante continuou a frequência regular nas sessões de grupo,
geralmente chegando mais cedo e garantindo uma conversa individual com a
comunicação de novidades. Sua participação era ativa e responsável, embora fosse
calado nas sessões de grupo, mas demonstrando uma atenção concentrada.
Parecendo alheio, ficava olhando na distância como que refletindo. Este participante
gosta de ocupar-se desenhando super-heróis durante as atividades regulares das
sessões. Eu concordei com essa atitude depois de sua explicação, quando informa:
Pode ficar sossegada... Eu estou prestando atenção em tudo o que você diz.
Eu presto atenção assim mesmo... Consigo fazer as duas coisas... Sempre faço várias coisas ao mesmo tempo! Desenho e escuto música. Faço tarefas e vejo TV. Assisto aulas e escuto música.
Refletindo sobre este comentário, temos a certeza de que dificilmente um
professor tradicional de uma escola conservadora iria concordar e permitir que um
estudante se ocupasse de uma atividade paralela, mesmo com a afirmação de que
estava acompanhando a aula. Entra em questão a hierarquia e o poder do professor
e a rotina maçante das escolas, aonde o aluno não pode se expressar livremente e
não tem vez e nem tem voz.
130
Este estudante adolescente é um exemplo de atenção flutuante e
participativa. Fala pouco, tem um jeito brincalhão, mas demonstra estar sempre
“muito ligado” a tudo o que se passa em seu entorno.
Participante 13M06
Enuncia o seu autoconceito a partir da impressão causada no microssistema
(família e escola) a partir dos comportamentos inadequados:
Quem sou eu?
Minha mãe desde muito pequeno me via como hiperativo. Um dia ela leu um artigo no jornal falando sobre as características da superdotação. A lista devia ter mais de dez sintomas. De todos os dez sintomas que estavam escritos lá, eu tinha todos.
Abaixa a cabeça e após uma pausa reflexiva inicia sua fala dizendo:
Parece que eu tenho tudo de ruim.
Este participante apresenta uma visão muito negativa de si mesmo,
provavelmente influenciado pelos comentários que ouviu no contexto do
microssistema, principalmente pela maneira como a sua mãe reconheceu os seus
indicadores de AH/SD.
Num breve relato indica os motivos que o levaram para a SRAH/SD ele
afirma:
Eu tinha hiperatividade, desatenção e tudo o que estava escrito no jornal...
Este participante nunca falou de si mesmo e não soube responder as
questões sobre o autoconceito. Sempre se esquivava e falava dos outros na sua
história de vida e sempre com comentários negativos acerca deles.
Demonstra ter uma noção equivocada sobre a função das AH/SD na sua
história de vida. Associa altas habilidades e as diferenças em relação aos outros,
com sintomas de disfunções e doenças. O autoconceito é muito prejudicado. Parece
sentir-se pressionado por uma realidade desfavorável e sem figuras significativas
que o estimulem. Envolvido e preso a uma rotina pouco estimulante, não consegue
pensar positivamente sobre si mesmo.
Não apresenta possibilidade de resiliência para tentar superar os obstáculos e
pensar positivamente num futuro melhor. Em decorrência de circunstâncias
131
familiares, este participante apresenta uma carência afetiva e um sentimento de
desamparo, frente às suas necessidades materiais e afetivas.
Os seus micros sistemas e mesos sistemas não favorecem uma equilibração
emocional. Vivencia uma sofrida transição para a adolescência e numa fase
existencial muito importante; não se vincula afetivamente com nenhuma das figuras
parentais.
A mãe, apesar de ausente com a justificativa de excesso de trabalho, ainda é
a referência. Várias perdas afetivas marcam a sua história de vida. Entretanto,
apresenta sentimentos ambivalentes indicando conflito íntimo em relação às figuras
da sua família (pai, irmã e avó materna). Demonstra ansiedade e preocupação com
o futuro que sintetiza pontuando situações de rejeição e desamparo por parte do pai
e descaso da mãe:
Meus pais são separados e a nova mulher dele não deixa ele nos procurar. A gente só fala com ele de vez em quando... Ela não gosta de nós... Agora a minha mãe está namorando e disse que vai casar em janeiro do próximo ano. Vamos ter que mudar de casa...
Este participante é o único que questiona as vantagens de ser reconhecido
com altas habilidades. Ao se referir a si mesmo como possuidor de AH/SD, expõe
suas dúvidas e questiona as possíveis vantagens:
Se sou assim... “diferente” não vi ainda nenhuma vantagem... Só cobranças...
Sem oportunidades e principalmente sem grana não se consegue nada...
Você conhece outras pessoas assim como nós que se deram bem na vida?
Questionado sobre o significado que ele atribuía a se dar bem na vida,
percebo que relaciona com a garantia de riqueza e sucesso, embora não saiba
muito bem explicar maiores detalhes.
Aproveitamos a oportunidade e informamos que conhecemos várias pessoas
como ele, com AH/SD que são bem sucedidas, dependendo do que se propuseram
a fazer uma vez que, a inteligência ajuda a vencer alguns obstáculos, mas não é
garantia de sucesso e riqueza.
Proporcionamos a oportunidade para a reflexão sobre a questão, expondo
histórias de vida de pessoas bem sucedidas, que estudaram, venceram obstáculos,
132
trabalham nas suas áreas de interesse e estão satisfeitas consigo mesmas, com
suas escolhas e com sua vida. Porém, nada na vida é garantia de sucesso.
O ser humano tem o livre arbítrio, sendo fundamentais o equilíbrio emocional
e bom senso em suas atitudes. Cada um é responsável por suas escolhas. Citamos
o exemplo da aprendizagem na escola, em que a inteligência auxilia a compreender
com mais facilidade, mas não substitui a frequência e a atenção nas aulas, a
dedicação aos estudos e esforços na realização das tarefas...
Ponderamos que se isto aconteceu é porque correram atrás dos seus sonhos
e não ficaram esperando um milagre. A inteligência não é mágica para conseguir o
que se deseja. É necessário construir um projeto de vida e buscar alcançar os seus
objetivos.
Este estudante demonstra sentir-se bem no contato com os colegas do grupo.
Comparece assiduamente, mesmo sem os cuidados da mãe em vir trazê-lo, ou
buscá-lo. Fala sobre sua família de maneira um tanto sarcástica. Revela pouca
afetividade e certa agressividade, com raiva contida em relação à vida que leva.
Percebemos que se sente muito só e que as reuniões com o grupo preenchem
parcialmente uma lacuna de falta de apoio.
Sobre a composição do seu contexto familiar relata:
A minha família tem: A mãe
Minha avó... Que deve ter mais de cem anos, sei lá qual é a idade dela, só sei que é muito velha, acho que mais de setenta anos...
Minha irmã tem 21 anos
O pai que casou de novo
Ainda tem mais... Um galo garnisé, galinha e três pintinhos
Mais galinhas...
Uma gata
Duas cadelas
Macho lá em casa só eu e o galo garnisé.
Na descrição de sua família, cita um grande número de animais e apenas três
pessoas, com ele incluído. Os animais assumem uma posição de destaque em sua
história de vida e fica evidenciada a falta de figuras significativas como modelos
133
positivos para o autoconceito. Convive somente com mulheres e pontua que
inclusive os animais são do sexo feminino.
Comenta, com lástima:
Na minha família a pessoa que se destacou em alguma coisa foi o meu avô que chegou a general..., mas já morreu!
Este participante é vulnerável às críticas feitas pelos outros e sobre ele
mesmo, concordando. Podemos inferir que vivenciou sentimentos de rejeição e
isolamento, expressos nos depoimentos sobre a família e, principalmente, pelo
afastamento do pai. Sente-se entediado em sua casa, permanecendo o tempo todo
sozinho, pois não participa de atividade extraclasse, a não ser a Sala de Recursos.
Apresenta um não-conformismo com a situação econômica da família que
não permite gastos com jogos de vídeo game. Oscila quando fala sobre si mesmo e
seus interesses, com uma fala confusa e incoerente. Tem uma atenção difusa em
relação às tarefas propostas. Não podemos afirmar que possui autoconceito
negativo porque não houve nenhuma evidência de expressão; podemos afirmar que
não possui um autoconceito.
Demonstra dificuldade para lidar com a auto-imagem na interação com o sexo
oposto. Assim se expressou sobre si mesmo:
Nunca consigo ganhar uma garota...
Consideramos que este participante necessita de atendimento psicoterápico
para poder construir seu autoconceito e orientação para a sua mãe. Ser considerado
normal é uma questão prevalente entre todos os participantes da pesquisa e suas
famílias, em maior ou menor intensidade.
A busca intensiva de uma explicação, ou um diagnóstico (rótulo) que desse
conta dos comportamentos evidenciados, levou, no caso do participante 13M06, à
busca de patologias, com a justificativa de que, quando não compreendemos e
explicamos alguma situação, a tendência generalizada é patologizar o
comportamento questionado.
134
NÚCLEO DE SINGNIFICAÇÃO 02 - A coragem de ser super dotado no contexto escolar: a incompreensão de professores e colegas. A desadapta ção aos métodos de ensino da escola. A dificuldade de socialização. Peripécias e vicissi tudes na construção do autoconceito. A realidade que angustia: sou diferente, sou superdot ado... Sou normal? Eis a questão!
A criança se apresenta “diferente” no contexto da família desde o seu
nascimento: é comparada com as outras, com irmãos, parentes e conhecidos. Uma
dúvida se instala na constelação familiar. Atentas às reações e comportamentos
nunca vistos, as mães saem em busca de explicações e iniciam uma peregrinação
por especialistas das áreas da Saúde e Educação para encontrar as respostas.
Depois de esgotados todos os “palpites e receitas empíricas” para essa
compreensão, encontram informações sobre os indicadores das pessoas com
AH/SD, um tema até aqui desconhecido para elas. Desde o início da caminhada, a
angústia é o sentimento prevalente entre as mães.
A criança também sofre pela percepção de ser vista “diferente” das demais, e
repreendida, excluída, rotulada, mas raramente compreendida e aceita. Não sendo
atendidas as suas necessidades educacionais especiais, essas crianças iniciam a
construção da identidade com distorções. Não possui, entretanto, no momento atual,
bagagem verbal para expressar os seus sentimentos, o que apenas poderão fazer
certamente bem mais tarde.
Participante 16F01
Fala sobre a sua vida afetiva e sobre as vantagens de se sentir aceita e
compreendida ao encontrar uma pessoa com quem sente afinidade. Assim comenta:
A partir de 2007 quando comecei a namorar tudo começou a melhorar e eu comecei a me compreender melhor... O namoro já dura dois anos. Ele é apenas um ano mais velho e já cursa o primeiro período de Ciências da Computação na UFPR. Nós temos muita afinidade. Minha mãe acha que ele é uma boa companhia porque conversamos muito e trocamos muitas idéias... Ele me acompanha, às vezes, nas viagens para Curitiba.
A participante se refere mãe do namorado, dizendo:
Eu pretendo mudar a maneira dela ser e de pensar. Ela está sempre muito preocupada ele tem que estar avisando a toda a hora onde está... Eu combato essa situação... Por isso até trouxe ele comigo para ver se conversa com uma psicóloga de cabeça aberta. Foi a primeira que eu encontrei na minha vida... Ele já está na UFPR no primeiro semestre do curso de Física... (risos) e achando muito difícil... Estava acostumado com aquela moleza do Ensino Médio... Eu acho que ele também é superdotado...
135
Por isso nos entendemos tão bem... Mas é muito dependente da mãe... Eu combato muito isso! Vou acabar com essa situação. Eu combato esse comportamento da mãe dele.
Convidei para vir comigo e vou levar algumas dessas tarefas para ele começar a refletir... Seria muito bom para ele conviver com uma psicóloga para “ele se desligar um pouco da mamãe!”
Foi oferecida a possibilidade de o namorado participar das sessões, mas ele
não foi assíduo porque tinha outros compromissos com o curso na universidade.
Sobre sua família, tem opiniões concretas e as expõe:
Minha mãe é esforçada pra caramba. Voltou a estudar, está fazendo um pós sobre educação especial... Agora está ás voltas com a elaboração da monografia... É a pessoa que eu mais admiro!
Eu amo minha mãe!
Sobre seu irmão mais velho, comenta:
Meu irmão mais velho também tem altas habilidades. Ele se destaca nas relações interpessoais, trabalhando como vendedor. E o meu irmão mais novo, de 10 anos, também foi avaliado e identificado com AH/SD. Minha mãe, na ocasião falou: “Depois dos problemas que tive com você nas escolas, a última coisa que eu queria no mundo era mais um filho superdotado”... (risos). Acho que já incomodamos demais e também nós já sofremos muito juntas... Acabamos nós duas no psicólogo e no psiquiatra...
Completou 17 anos no dia da sessão do grupo. Seu irmão telefonou
informando que estavam trazendo um bolo para a comemoração de seu aniversário.
Ela compareceu muito feliz, acompanhada pelo namorado e do irmão mais novo e
preparou o clima para a comemoração. Arrumou a mesa com o bolo e, antes do
canto de parabéns, pediu licença para dizer algumas palavras.
Esta participante já havia comentado que possui um “dom de oratória
razoável”, o que confirma nesse momento, quando se dirige ao grupo; muito segura,
expressa seus sentimentos:
Eu quero dizer algumas palavras.
Eu fiz questão de vir e trazer um bolo para nós comemorarmos o meu aniversário. Eu acho muito importante comemorar um aniversário entre as pessoas que são importantes para a gente. Vocês são muito importantes para mim... Eu queria compartilhar esse momento com todos vocês. Estou muito feliz pelo meu aniversário ser aqui com esta comemoração!
É a melhor comemoração de aniversário que já tive.
Muito obrigada a todos.
136
Estou muito feliz!
Houve aplausos e abraços numa reunião muito festiva e agradável, pois os
meninos são muito gulosos e disputaram o bolo inteiro, com muitas brincadeiras. Foi
realmente um momento de festa e comemoração.
As incompreensões do meio escolar são tantas como também da sociedade
em geral. Como mecanismo de defesa, as famílias dos estudantes superdotados
começam a esconder a sua situação para que sejam tratados como “normais”.
Reconhecendo-se diferente dos demais, escondem a sua condição para evitar
barreiras, buscando um convívio mais prazeroso, para si e com os colegas e
amigos...
Pérez (2008) refere-se à Síndrome do Impostor como sendo a sensação de
estar informando uma condição que não existe, ou que não quer que seja percebida.
Quatro entre os seis participantes revelaram repercussões negativas das
lembranças da infância na construção do autoconceito, comprovando a interação
das transições entre os sistemas bioecológicos. Pontuaram grande sofrimento e
mágoas trazidas pela ambivalência das vivências infantis nas escolas pelas quais
passaram, questionando-se qual seria a melhor solução, serem reconhecidos como
superdotados e sofrerem discriminação ou ocultarem o fato para serem tratados
como normais. Em ambas as situações apresentavam dúvidas.
Em relação à participante 16F01, a liderança é uma característica que
aparece destacada, embora sem a intenção de dirigir ou modificar a opinião ou
comportamento dos outros na escola. Seus comportamentos eram interpretados
como ameaçavas ao status quo da escola e as repercussões se fizeram presentes
em dois episódios especiais.
Segundo o seu relato:
Eu não me adaptava nas escolas. Os professores diziam: esta escola não é para você!
Eu me sentia um “Alien ou um ET’.
No meu histórico escolar constam 13 transferências. Acho que agora não vai acontecer mais nenhuma porque estou na 3ª. Série do Ensino Médio.
Mas quando minha mãe era chamada... Bem... Ela ficava de cabelo em pé.
Duas transferências foram porque causei um tumulto político...
137
O primeiro caso ocorreu foi em 1989 quando era governador o Álvaro Dias. Atualmente ele é Senador e candidato a governador do estado em 2010.
Os professores estavam em greve há vários dias. No dia 30 de agosto, fizeram uma passeata com uma manifestação em frente ao Palácio Iguaçu, pedindo uma audiência com o governador. Ele mandou avisar que não os receberia e ainda deu ordem para atacar os professores e as professoras com bombas de efeito moral e polícia montada. Os cavalos atropelaram muitos professores.
Várias pessoas ficaram feridas ou queimadas com bombas e tiveram que ser hospitalizados.
O assunto ganhou manchetes de jornais nacionais afirmando que os professores tinham apanhado em frente ao palácio por ordem do governador.
Quando eu tomei conhecimento dos fatos fiquei furiosa! Eu fiquei revoltada!
Por coincidência minha mãe tinha sido aprovada num concurso para o magistério oficial do Estado e tinha sido recentemente nomeada para uma escola do nosso município.
Aí, na escola, a Diretora reuniu todos os alunos no pátio e fez um discurso em favor do Governador. Depois mostrou um jornalzinho pedindo para que nós fossemos distribuir na cidade. O jornalzinho defendia o governador e ficava contra os professores chamando-os de “baderneiros”.
Eu gritei no pátio da escola: “Eu não vou distribuir jornalzinho nenhum...”!
Eu não quero que minha mãe apanhe em frente ao Palácio Iguaçu e por ordem do governador...
Fui parar na Sala da Diretora e recebi a transferência.
Continua relatando o outro episódio político.
O outro episódio também foi de fundo político: eu tinha perguntado para minha mãe quem mantinha as escolas públicas estaduais. Ela respondeu que era o governo.
Perguntei para as professoras também e elas me responderam que a obrigação de manter as escolas públicas estaduais era do governo do Estado.
Aí, uma festa junina foi planejada e todos os alunos eram obrigados a vender votos para o concurso da Rainha de Sinhazinha. Soube que a renda da venda dos votos ia ficar com a escola. Numa reunião do pátio onde os alunos estavam sendo repreendidos pela venda reduzida de votos, eu gritei: A escola está roubando o dinheiro dos nossos pais... Quando muitos pais têm dificuldades financeiras!
Fui para a Diretora. Mina mãe foi chamada e eu ganhei a transferência para outra escola.
138
Ainda bem que uma professora veio conversar comigo e disse que eu estava certa... Mas disse que as coisas são assim mesmo... Muitas vezes a gente está certa, mas deve ficar calada. A gente percebe que uma coisa está errada, mas não deve dizer... E muito menos gritando em público no pátio assim como eu tinha feito!
Assim aprendi que nem sempre podemos falar a verdade... Ela assusta muitas pessoas... Mas com essa explicação fiquei menos mal.
Entre os eventos que levaram aos pedidos de transferência, ela relata que
apenas comunicava a verdade descoberta pelo seu raciocínio e percepção dos fatos
da realidade. Entretanto, a direção e os professores das escolas não participavam
dessa opinião, considerando perigosa a sua participação com a verdade.
Continua informando sobre as situações que provocaram os pedidos de
transferências escolares (treze até então) e que foram, segundo seu parecer,
originados injustamente por “mal entendidos e equívocos sobre as suas intenções”.
A única participante do gênero feminino apresenta alto raciocínio abstrato, com
diversas maneiras de fazer uma leitura da vida e do mundo. É preocupada com a
política no mundo globalizado. Intitulasse uma filósofa e busca uma conexão
espiritual na vida.
Por sua trajetória de vida, parece ser a que mais sofreu, juntamente com sua
mãe, deixando-a em desespero quando tentou contra a vida. As tentativas de
adaptação e compreensão nos meios familiar e escolar são a tônica do sofrimento
de ambas. Todos os acontecimentos significativos são guardados emocionalmente
na memória e sempre revisitados.
Afirma:
Minha mãe sofreu junto comigo até eu conseguir me compreender e me adaptar neste mundo, por ser muito diferente.
Eu pensei que assim nem havia motivo para viver...
Foi aí que não quis mais viver! Por que eu fui nascer? Graças a Deus essa época passou e hoje eu me acho ótima... Mas foi um período muito sofrido!
Eu acho que a minha mãe também é superdotada e ainda esforçada prá caramba. Voltou a estudar está fazendo um pós de educação especial e agora ás voltas com a sua monografia... Mas ela é superdotada com certeza...
139
Participante 14M02
A entrevista inicial ocorre em conjunto com a sua mãe quando a escuta relatar
os fatos vivenciados durante os últimos quinze anos, afirmando que deixou de viver
sua vida pessoal para se dedicar totalmente à criação do filho. Ela comenta as
condições de sua vida em relação ao nascimento do seu único filho, com afirmações
circulares em relação às condições do pai biológico e a sua situação de recém-
separada.
O participante interrompe o relato da mãe, dizendo:
Olha, na verdade ela está enrolando, mas ela estava “ficando...” como se diz hoje!
Acompanhando o relato da mãe, o estudante adolescente comenta:
Eu sei de toda a minha história e acho que agora já consegui dar a volta por cima. Nem por isso eu me sinto mal... Eu tenho consciência de que fui rejeitado, mas já superei essa situação... Espero, né... Acho que sim... Fui rejeitado mesmo, e daí!
É a minha realidade!
O estudante complementa:
Veja como eu fui rejeitado desde o início da minha vida... Tenho plena consciência disso e falo muito naturalmente... Fui rejeitado... Mesmo! Mas aprendi a superar essa situação e a família da minha mãe acabou voltando a nos procurar...
A dificuldade de socialização aparece em evidência nos seus comentários:
Tenho poucos amigos. Sempre foi assim. Desde criança quando entrei na escola tive um ou dois amigos. É difícil para eu fazer amizades. Não temos afinidades!
Gosto de livros, Política, Química, Biologia e eles... De namoro, mulheres, jogos...
Fica muito difícil! Ás vezes também eles se assustam com as minhas idéias... E ficam me olhando como se eu fosse diferente... E acabam se afastando!
O fato de ter tido a iniciativa de inscrever-se para vários vestibulares, sem o
conhecimento de sua mãe, e ser aprovado, gerou a frustração de ver impedida a sua
matrícula pelas dificuldades administrativas apresentadas pelas universidades, sem
a conclusão do Ensino Médio.
O participante comenta sobre sua vida escolar e seus estudos:
140
Eu já tenho notas suficientes para ser aprovado para a segunda série.
Gosto muito de lecionar para os alunos que necessitam recuperação nas diversas matérias. Com isso tenho o benefício de receber desconto significativo na mensalidade.
Participante 14M03
Revela seu autoconceito de maneira positiva quando, espontaneamente,
comenta sobre seus modelos de identificação entre grandes nomes da história da
civilização, como por exemplo, ao dizer:
A pessoa que eu mais admiro é Leonardo da Vinci. Eu sou como ele... Gosto de falar desenhando... Rabiscando... Explico alguma coisa e começo a desenhar.
Outro que eu admiro é Isaac Newton... Gostaria de ser como um deles para trazer benefícios para a humanidade.
Continua falando dos seus interesses intelectuais:
As minhas áreas de maior interesse estão localizadas em Astronomia, Leituras e Jogos.
Comenta as preocupações que vivencia em sua família por ainda não ter
interesses definidos sobre os seus estudos no nível superior e profissão.
Eu estudei até agora no colégio militar e sou muito obediente e comportado e atendo a ordens, regras e a autoridade. Isso deve facilitar minha adaptação nas escolas de lá... Um país mais desenvolvido! Deve ser melhor... Tenho muita força de vontade e muita vontade de crescer com essas mudanças. Penso num novo sentido para a minha vida e a da minha mãe. Vamos esperar para ver...
Estou um pouco preocupado, se vou gostar de lá, um país com hábitos diferentes, com outro idioma... Como vamos mudar para lá eu estou estudando inglês...
Mas ainda não falo legal!
Sobre a família do pai, relata:
Eu ouço comentários de que na família do pai há pessoas com provável superdotação...
A minha mãe preocupa-se muito porque faz comentários sobre algumas pessoas da família, que ela acha que teriam Altas Habilidades/Superdotação e que até hoje não sabem o que querem fazer na vida. E sofrem com essa situação...
Ele conta a versão da história que escutou na família da mãe:
141
Tenho dois tios da família da mãe que tem características de Altas Habilidades, mas não foram diagnosticados e não fizeram testes, como eu...
Mas o mais chato que comentam na família é que tiveram e têm grandes dificuldades em se fixar numa área de interesse.
O mais velho tem talento para a música, para o piano, mas nunca se desenvolveu.
O mais novo não concluiu nem o curso técnico embora domine os conteúdos de informática... Aí ele se sente injustiçado numa hora de se apresentar para concorrer a uma vaga de emprego...
Acho que por isso minha mãe se preocupa muito comigo, para que eu me conheça e descubra quem sou e o que gosto de fazer... Mas eu ainda não sei!
A minha mãe comentou:
Eu não quero isso para os meus filhos...
Ela se preocupa muito com o meu futuro e porque ainda não sei me definir... Eu gosto de brincar no computador e jogar...
E continua:
Eu fui fazer uma avaliação por indicação da Supervisora Escolar. Ela achava que eu aprendia muito depressa e depois ficava sem fazer nada.
O meu irmão caçula tem cinco anos e é muito esperto, curioso e agitado.
Ele já sabe ler perfeitamente e fica pegando todos os meus textos que eu levo daqui.
Ele também está fazendo os testes para identificação de superdotação, em fase final de avaliação. Acho que ele também tem altas habilidades.
Na escola eu nunca tive problemas. Acho tudo meio devagar, mas fico no meu canto desenhando ou fico quiete e não perturbo.
Houve um tempo em que eu fazia bagunça e conversava e minha mãe foi chamada várias vezes. Aí resolvi ficar na minha...
Participante 14M04
A vida escolar apresentou problemas para este participante e nunca
apresentou dificuldades de adaptação na escola. Frequenta uma escola particular
desde o início da escolaridade.
Expressa as características das pessoas com AH/SD acadêmica
(schoolhouse giftedness) denominada por Renzulli (1986). Este tipo de
superdotação é a mais facilmente identificado pelos testes tradicionais de QI ou
outros de habilidades cognitivas, já que as suas habilidades normalmente se
142
concentram nas áreas linguística, ou na lógico-matemática, que são as mais
valorizadas nas situações tradicionais de aprendizagem acadêmica, nas quais,
muitas vezes, apresentam notável desempenho nos conteúdos curriculares que
mais lhe interessam.
Seu desenvolvimento tende a enfatizar a aprendizagem dedutiva, o
treinamento estruturado no desenvolvimento dos processos do pensamento e na
aquisição, armazenamento e recuperação das informações. Sempre apresentou alto
nível de desempenho nas atividades e aprendizagem escolares.
O participante 14M04 relata que:
Tenho críticas a alguns professores e a conteúdos de disciplinas que não me interessam, mas suporto as chatices de um ritmo lento da escola e sempre procurei me adaptar.Estudo disciplinas que nem sei para que servem na prática... Mas me adapto.
Bem diferente do meu irmão, que vive mudando de escola.
Participante 12M05
Como já informamos, este participante trazia em sua ficha de avaliação a
observação de ser superdotado do tipo produtivo-criativo. Observamos que
apresenta todas as características desse tipo de superdotação. Nas oficinas
educativas, muitas vezes, parecia estar muito distante, com o olhar pedido, mas
repentinamente dava um palpite, demonstrando estar completamente conectado
com o ambiente. Essa situação confirma a afirmação de teóricos que dizem: “(...)
embora pareça que estão distraídos na sala de aula, sabem o que está ocorrendo.”
(COSTA; SÁNCHEZ; MARTINEZ, 2000, p.80).
Colocava suas habilidades a serviço da criatividade e dos seus interesses.
Geralmente se destacava por ser imaginativo, inventivo e dispersivo, quando a
tarefa não lhe interessava. Gostava de desenhar heróis de histórias em quadrinhos
japonesas (conhecidas como mangás), durante as aulas na escola e comentava que
frequentemente era repreendido por isso.
Como usava mais o pensamento divergente, sempre teve dificuldades de
adaptação na sala de aula. Como a avaliação das escolas, de maneira geral, segue
os padrões tradicionais de ensino, muitas vezes teve o seu rendimento escolar com
notas altas e baixas. Geralmente ficava em recuperação, geralmente em
Matemática, mas recebia a atenção e ajuda do pai, que revisava os conteúdos com
143
ele e dedicava um tempo para estudar junto com ele. Sempre surpreendia a todos,
sendo aprovado com notas altas.
Ele comenta:
Meu pai estuda comigo e fica mito brabo porque eu erro as continhas... O raciocínio está certo, mas eu erro as continhas... Ele fica muito brabo e aí levo uma bronca...
Mas sempre eu faço as provas de recuperação e acabo tirando nota bem alta e sou aprovado. Nunca reprovei... Mas dou um susto em todo mundo todo o ano...
Seu comportamento dificulta a sua adaptação ao ritmo convencional das
normas da escola e da sala de aula. Gosta de colecionar revistas com piadas e
pegadinhas, quebra-cabeças, jogos de palavras, que aplica aos seus colegas e
professores. Nós éramos colocadas no jogo em igualdade de condições e
entrávamos na corrida para decifrar a resposta certa no menor espaço de tempo. A
alegria era geral quando eu não conseguia resolver rapidamente e eles começavam
a me dar “dicas”.
Possui grande senso de humor, com piadas machistas em que punha em
dúvida a masculinidade dos colegas. Provocava e fugia, sendo então perseguido
pelos colegas, sempre num desafio de habilidade em responder com originalidade.
O clima da brincadeira era sempre muito divertido.
As mochilas dos participantes acumulam mil coisas que são retiradas em
momentos inesperados! Na escola, esses estudantes não se aproximam do modelo
do “bom aluno” e geralmente não são benquistos, nem desejados pelos professores.
Durante as oficinas educativas, este participante desenhava enquanto participava
das tarefas, ou escutava a minha fala. Parecia que não estava prestando atenção,
mas estava muito “ligado” e, de vez em quando, introduzia um comentário bem
dentro do assunto. Às vezes, deitava a cabeça na carteira e ficava parecendo estar
em estado de meditação.
Um acontecimento no mês de junho ocasionou uma crise familiar. Ele tinha
um cachorrinho de estimação e saindo a passeio rotineiro ele se descuidou e o cão
se soltou da guia. Ao atravessar a rua foi atropelado e morreu. Este fato gerou um
intenso sentimento de culpa. Todos os familiares sentiram a perda, mas ele se
sentia responsável, e revelou seu sofrimento, compartilhando com os colegas das
sessões o sentido de vida e morte.
144
Ele comenta:
Eu já chorei muito... Agora não estou chorando mais... Quer dizer... Tanto!
A mãe é que fica chorando a toda hora... Acha que já chorou mais que eu...
Nós não íamos viajar nas férias de julho, mas a mãe já avisou que vamos para a casa dos meus avós, no interior do estado para ver se nos distraímos... Também ela prometeu arranjar outro, e disse que já encomendou, mas precisa esperar nascerem os filhotes... E isso só vai acontecer lá por dezembro! Eu quero outro machinho igual ao que morreu.
Essa situação emergente permitiu trazer para as sessões a reflexão sobre
vida e morte, reprodução, e sentimentos de perda (não previstos), mas que trouxe
resultados muito produtivos para o crescimento emocional diante das adversidades
da realidade da vida. Todos concluíram que um “novo cachorrinho” não iria substituir
o amor pelo outro, mas seria um novo companheiro!
O fato permitiu que, como esta pesquisadora tem experiência como contadora
de história, fosse trabalhado o mecanismo de reparação com a contação e
interpretação da História da Dona Baratinha, da literatura infantil mundial, mostrando
como ela foi resiliente, superou a perda do Dom Ratão, deu a volta por cima e voltou
a cantar na janela, anunciando a procura de um novo noivo.
Essa situação continuou surgindo nas conversas pelos meses seguintes,
sendo referência em várias das suas tarefas posteriores, sobre poderes mágicos em
que relatava o desejo de reverter o ocorrido com o seu cachorrinho.
Em dezembro de 2008 ele anunciou que o nascimento do novo cachorrinho
estava previsto para janeiro de 2009 e todos comemoraram.
Este participante está chegando à adolescência, trazendo na bagagem as
suas experiências infantis frustrantes, as mágoas e ressentimentos decorrentes da
sua incompreensão familiar e desadaptação escolar, sem mesmo apresentar um
desempenho acima da média nas disciplinas curriculares. Apresenta
comportamentos e envolvimento com materiais e produtos originais,
propositadamente para ter um impacto sobre um ou mais públicos-alvo, isto é, a
família, os amigos ou a escola.
Fala que a provocação e a reação do irmão é o motivo da sua satisfação:
Eu sou astuto e sempre procuro driblar meu irmão que é muito mais forte que eu.
145
Esse é o meu maior desafio e minha maior qualidade. Sempre arranjo um jeito de enganar ele. O pior é que quase sempre acabo apanhando porque ele é muito maior e mais forte que eu... Mas o meu maior prazer é ter a oportunidade de “zoar” com meu irmão... (risos)
Ele fica muito brabo e eu acho muito engraçado... Mas sem apanhar... Não gosto de apanhar... O negócio dele é bater... E é interesseiro e louco por dinheiro...
Participante 13M06
A mãe deste participante, como já foi referido, não compareceu para a
entrevista inicial e respondeu a formulários e questionários por e-mail, ou
encaminhou pelo filho, inclusive as fichas de informações pessoais e contatos, bem
como o Termo de Compromisso Livre e Informado.
Ao questionar este participante sobre como era o relacionamento de sua mãe
com a escola e seu estudo, ele disse que, no início da sua vida escolar:
Só vinha reclamação sobre mim... Eu tinha todos os defeitos... E minha mãe ficava perguntando para os médicos com quem trabalha qual seria a minha doença e eles nunca descobriam...
Eu me lembro de ouvir falar que eu era hiperativo, depois que devia ter aquela doença de altos e baixos e talvez precisasse tomar remédios, mas nunca tomei...
Agora venho na Sala de Recursos e as coisas estão mais sossegadas, minha mãe e a escola nem se falam...
Laconicamente, concluiu:
O relacionamento dela com a escola é normal. Minha mãe não vai à escola e a escola não chama ela. O relacionamento é normal, pois não se falam, assim eu acho até melhor.
Este participante revela a sua frustração, quando manifesta que:
Eu não sou o que a minha mãe queria que eu fosse. Eu sou como não devia ser... Eu estou sempre errado; quer dizer eu sou errado...
Este participante se sente diferente dos demais e ainda demonstra grande
carência afetiva, carregando um sentimento de inadequação pela consciência de
não corresponder aos anseios de sua mãe. Sente-se desorientado em relação aos
seus desejos e refere-se a uma percepção negativa das suas altas habilidades,
porque não consegue desenvolvê-las, ou produzir a contento. Essas características
se manifestaram de forma desagradável em um ambiente desmotivador.
146
Em função disso, considera-se um “peso” e não encontrou vantagens, ou um
campo para produzir satisfatoriamente. Inclusive, é o participante que tem menos
oportunidades e incentivos, o que comprova que somente a identificação das altas
habilidades não garante a construção de uma personalidade saudável e nem um
bom desempenho na escola.
O incentivo do ambiente em todos os elementos dos sistemas e subsistemas
do modelo de Bronfenbrenner é desfavorecido neste caso e, como são fundamentais
para que as potencialidades e habilidades venham a se desenvolver, preocupa-nos
que não sejam aproveitadas e possam vir a se perder.
Observamos que quando a mãe veio buscá-lo, em certa ocasião ao final das
sessões, situação ocorrida ocasionalmente, este participante estava esperando na
porta da escola e demonstrava grande alegria, saltitando em sua direção.
Recebendo-a com beijos e abraços, saíam abraçados.
Ele tem uma percepção distorcida, como já foi referido e mais de uma vez
demonstrou curiosidade e dúvidas sobre as vantagens de possuir Altas Habilidades,
demonstrando acreditar como uma desvantagem, quando questiona:
Você conhece alguém assim como nós que tenham se dado bem na vida?
Atendendo o seu pedido, a pesquisadora identificou no site Sapiens, alguns
nomes de brasileiros considerados superdotados e trouxe a informação para a
sessão de grupo. Ele, o mais interessado, não fez comentários, apenas acrescentou
que:
Sem grana tudo fica muito difícil...
Comenta que também já presenciou os colegas “explorando” em provas e
trabalhos os conhecimentos de outro colega que sempre obtém notas elevadas.
Todos sentavam a sua volta para “colar” nas provas. Com satisfação conta uma
situação de desforra que ele utilizou com os colegas:
Todos procuravam estar com ele por interesse... Veja o que fez depois que percebeu que ficavam junto dele por interesse, até o dia em que ele resolveu aprontar com os colegas numa prova de matemática Com o que ele fez:
Ele resolveu toda a prova a lápis e deixou que os colegas copiassem. Só que resolveu todas as questões erradas. Só depois que os outros entregaram a prova ele resolveu as questões acertadamente passando a caneta por cima das respostas erradas com as certas...
147
Veja que legal! Todos tiraram zero e ele tirou dez... Quando se aproximavam dele novamente e pediam para colar as respostas das provas ele dizia: Querem de novo?
Completa seu raciocínio:
Achei legal porque as pessoas estavam sempre querendo se aproveitar dele...
Os alunos com pensamento dedutivo que se destacam na escola por
conquistarem notas elevadas são invejados e às vezes, hostilizados pelos colegas.
O que chama a atenção na interpretação dessa atitude é a satisfação demonstrada
pela vingança, bem com a crença de que sempre as pessoas estão querendo se
explorar e se aproveitar de alguém.
Este participante queixava-se de que não era chamado para compor as
equipes de vôlei nas aulas de educação física. Relata:
Fiquei revoltado e um dia fez um protesto. Na aula de Educação Física quando íamos jogar vôlei ninguém me escolhia para compor nenhum dos times.
De tanto esperar e ficar sem jogar, um dia eu resolvi fazer uma oposição drástica. Sentei embaixo da rede e disse que se eu não jogasse ninguém iria poder jogar.
Aí acabei jogando nesse dia... Mas tinha que ser uma luta cada vez...
Junto com o grupo de estudantes da Sala de Recurso, este participante
realizou algumas atividades com alunos de outras escolas particulares, de nível
sócio-econômico mais alto. Ele faz referências às diferenças entre as pessoas com
mais recursos financeiros, criticando e generalizando conceitos e vantagens,
advindos somente do maior poder econômico.
Afirma que:
Naquelas escolas só tem “filhinho de papai” que ficam batendo, provocam, vaiam, falam mal da gente e falam mal...
Dinheiro é a diferença.
Eu gosto de estudar na escola pública aqui a gente é tudo igual.
Demonstra estar influenciado pela ideologia consumista da sociedade
contemporânea, com a crença de que ser bem sucedido significa ser rico e famoso.
148
Antes do início de uma das sessões, quando chegou antes dos outros,
estando sozinho comigo, comentou sobre uma reunião anterior quando jogava
batalha naval com um colega: Relatou:
Lembra daquele dia que estava jogando batalha naval com o colega e ao mesmo tempo participando da atividade com você? Eu disse que quando um de nós ganhasse a gente parava o jogo, lembra?
Pois é... A gente parou porque eu ganhei... Mas eu não ganhei... Eu roubei no jogo e tapeei o meu colega e ele nem percebeu... Eu fiquei satisfeito com isso.
É legal... Gosto de tapear os colegas e tirar vantagens...
Perguntamos por que estava me contando isso agora e ele respondeu:
Não sei...
Os outros participantes começaram a chegar e o assunto foi encerrado. Ele
não voltou a comentar sobre esse fato. Percebo que este participante necessita de
um apoio psicológico para tentar ajudá-lo a reeditar seu conceito sobre si mesmo,
face às dificuldades que vivencia desde a infância com pouco apoio familiar.
Solicitamos para a Coordenadora da Sala de Recursos a providência de
convidar algumas pessoas superdotadas da comunidade para vir fazer uma palestra
e falarem sobre as suas experiências de vida.
Sobre este aspecto, Novaes (1979, p. 49) com muita propriedade comenta
que:
Em geral, tratando-se de crianças superdotadas, sabemos que a falta de oportunidades educacionais, a pobreza de estímulos ambientais, a pressão social para atitudes de conformismo, além das dificuldades da escola em reconhecer e desenvolver suas habilidades e as distorcidas expectativas de pais e professores dificulta comumente, o desenvolvimento de suas potencialidades, fato que se acentua ainda mais em crianças provindas de baixo nível socioeconômico.
Sobre a falta de estímulos e oportunidades ambientais no seu microssistema,
Pérez (2008, p. 68) afirma que: “Quando essas crianças crescem e tornam-se
adultas, aquele desenvolvimento deficiente de suas potencialidades, ou a falta dele,
trarão consequências que podem chegar a ser muito graves e que podem ser
facilmente encontradas nas manchetes dos jornais”.
149
Nesse caso, consideramos que o atendimento psicológico é fundamental e
determinante na definição do destino desses jovens, pois tanto a fuga como o desvio
de normas sociais, são tão trágicos quanto o desperdício e a nulidade das suas
potencialidades.
Este participante necessita atendimento psicológico com acompanhamento e
orientação da sua mãe, a única figura afetivamente significativa que habita o seu
universo emocional. Após o término da pesquisa recebemos uma mensagem
eletrônica questionando:
Professora Gilka.
No ano que vem estas sessões irão continuar? Foram muito boas para ele...
Aguardo uma notícia sobre o reinício.
Comuniquei que a pesquisa tinha encerrado na metade de dezembro,
simultaneamente com o calendário letivo.
As dificuldades evidenciadas pelos participantes da pesquisa indicam o
despreparo dos professores e das escolas em responder às necessidades
diversificadas dos alunos com AH/SD. Embora as políticas educacionais venham
incentivando a efetivação da escola inclusiva para todos e com qualidade, o
professor, no cotidiano da escola, precisa reconhecer-los e se capacitar para
trabalhar diferentes potencialidades, estilos e ritmos de aprendizagem. É
fundamental a formação do professor, porém segundo Pérez, (2010, p. 5):
O professor da escola inclusiva deve avançar em direção à diversidade. É necessário deixar de ser um mero executor de currículos e programas predeterminados, para se transformar em responsável pela escolha de atividades, conteúdos ou experiências mais adequadas ao desenvolvimento das capacidades fundamentais dos seus alunos, tendo em conta o nível e as necessidades deles. Para tanto, é necessário conhecer as características individuais dos alunos com altas habilidades/superdotação e as diferentes formas de manifestação de suas singularidades por meio de observações que lhe permita identificarem as preferências e facilidades de cada um, assim como suas limitações.
Segundo Pérez (2010, p. 6), com base na complexidade do ato educativo,
precisamos formar professores crítico-reflexivos que possam orientar conteúdos
para a exigência dos conhecimentos disciplinar e interdisciplinar da Educação
150
Especial, facilitando o uso de metodologias e estratégias didáticas que gerem modos
de pensamento e ações próprios.
NÚCLEO DE SIGNIFICAÇÃO 03 – Um olhar para o futuro – fantasia e realidade - sonhos, expectativas e possibilidades. Decisão e Projeto de Vida
Enquanto sujeito do conhecimento, o homem não tem acesso direto aos
objetos, mas acesso mediado, através de recortes do real, operados pelos sistemas
simbólicos de que dispõe. Portanto, enfatiza a construção do conhecimento como
uma interação mediada por várias relações, ou seja: o conhecimento não está sendo
visto como uma ação do sujeito sobre a realidade, assim como no construtivismo e
sim, pela mediação feita por outros sujeitos. O outro social pode apresentar-se por
meio de objetos, da organização do ambiente, do mundo cultural que rodeia o
indivíduo.
Vygotsky, em sua concepção sobre o desenvolvimento humano, está em
consonância com Bronfenbrenner na idéia de mediação através de recortes do real,
operados pelos sistemas simbólicos nas interrelações com os objetos, da
organização do ambiente e do mundo cultural que rodeia o indivíduo (sistemas
bioecológicos).
No processo da passagem para a adolescência, o jovem visualiza os recortes
do real vividos em todos os sistemas com o olhar voltado para o ingresso no
macrossistema, através de estudo e profissão. Assim sendo, o futuro está repleto de
anseios, desejos expectativas e sonhos, mas também de questionamentos e
lacunas.
A elaboração de um plano de estudo constitui um amplo campo que inclui o
pedagógico e o psicológico. Geralmente os adolescentes iniciam selecionando o quê
não gostariam de fazer em seu futuro profissional. O gosto pelo estudo e pela
profissão depende do interesse que tenham sobre eles. Eles têm a tarefa de ir
construindo uma identidade profissional, outra faceta da identidade do sujeito. No
dizer de Bohoslavsky (1976, p. 44), “identidade profissional é a auto percepção ao
longo do tempo em relação a papéis profissionais”.
Os pressupostos da escolha de uma profissão implicam posições não só
psicológicas, mas também filosóficas, antropológicas, sociológicas e ainda
151
ideológicas. No grupo pesquisado, surgiu a preocupação da possibilidade de
trabalho e rendimento na futura profissão, além, do desejo de realizar-se realizando
(BOHOSLAVSKY, 1976, p.48) alcançando metas e participando da melhoria do
mundo e que vivemos.
A escola inglesa de Psicanálise utiliza o conceito de reparação
(BOHOSLAVSKY, 1965, p. 64) como uma variável dependente do eu, onde a
escolha da profissão mostraria a resposta do eu na eleição de um objeto interno a
ser reparado. Segundo Wender, citado em Bohoslavsky (1965, p. 64-65), a escolha
da profissão expressa respostas do eu frente a chamados internos, de objetos
danificados que pedem, reclamam e impõem ser reparados.
O conceito de reparação parece explicar muitas condutas profissionais. Na
fase da adolescência, a continuidade da identidade se liga a identificações ocorridas
durante a sua história de vida nos sistemas bioecológicos do micro, exo e mesos
sistemas.
A realidade sociocultural muda constantemente e surgem novos campos de
trabalho. Por isso, conhecer a situação atual é importante. Ninguém pode prever o
êxito, a menos que se entenda a possibilidade de superar obstáculos com
maturidade. Para isso, a pesquisadora iniciou uma estratégia de abordagem de
trabalho em esclarecer e informar os cursos e profissões, divididos em treze famílias
profissionais como estímulo para a reflexão. Foram reunidas áreas afins, mais
especificamente, do que somente as três grandes áreas conhecidas como Exatas,
Biológicas e Humanas.
O contexto social do macro sistema deve ser analisado na ordem institucional
familiar, da educação e da produção, pois o adolescente não apenas vai decidir o
que fazer, mas quem ser, num misto de realizar-se realizando. Condensa vínculos
da sua história de vida e potencialidades com objetos do futuro em termos de
projetos.
Especialmente depois de percorrerem um sinuoso caminho espinhoso, os
adolescentes trazem na bagagem a aprendizagem adquirida em diversos graus de
sofrimento. Sonham com um Projeto de Vida pleno de realizações. As expectativas
se dirigem para o estudo e a profissão. E também para a vida pessoal e afetiva.
Todas as suas mães sintetizaram as suas preocupações com um desejo
explícito:
152
Só peço a Deus para que eles sejam felizes.
Ou
Gostaria de poder entrar no caramujo aonde ele se esconde...
Em seu olhar para o futuro, existem muitas expectativas para o Projeto de
Vida com muitos sonhos. No momento, a maior preocupação era continuar os
estudos, com vistas a uma profissão.
Coerentes com as características de ética e justiça social sonham com uma
sociedade mais solidária e advogam uma vida simples, com respeito ao próximo,
como condições essenciais para ser feliz. Embora em suas vidas tenham passado
por momentos existenciais muito difíceis, parecem ter superado essa fase,
manifestando no seu autoconceito, a esperança de realização dos seus sonhos.
O Projeto de Vida está comprometido com as oportunidades que a educação
ofereceu para que os adolescentes desenvolvam as suas potencialidades. O seu
envolvimento aumenta através da participação, desde a infância com atividades
responsáveis e orientadas para tarefas fora de casa, que o fazem entrar em contato
com outros adultos que não os seus pais.
As histórias de vida de sujeitos com privação mostram que certo grau de
rejeição e obstáculos pode funcionar como motivação para que iniciem um curso
universitário e busquem a realização profissional, conseguindo isso sem qualquer
vantagem de instrução durante a adolescência. Por outro lado, os adolescentes
protegidos e não carentes, se mal orientados, podem desperdiçar suas
potencialidades, ficando acomodados numa atitude de conforto.
O grau de crescimento psicológico é favorecido pelas oportunidades de entrar
em vários ambientes. Pesquisas citadas por Bronfenbrenner (2002) demonstram que
os padrões de carreira satisfatórios com homens de origem carente, mas com
características resilientes e que ingressaram na universidade, estavam
acompanhados por evidências de mudanças positivas também em outros domínios
do funcionamento psicológico. Selecionando medidas de inteligência idênticas, notas
e aspirações durante o Ensino Médio, a tendência era para maior confiança e saúde
e os de backgrounds carentes, com maiores mudanças positivas nas seguintes
variáveis: alto nível de aspirações para o self, valorização da inteligência e das
questões cognitivas.
153
Participante 16F01
Em seu olhar para o futuro comenta que possuía muitas expectativas para o
seu Projeto de Vida, recheados de sonhos e até mesmo muitas fantasias. Relata
que já pensou em ir estudar Medicina em Cuba, principalmente para poder vivenciar
as suas concepções socialistas.
Tenho tantos desejos... Já quis tanta coisa, inclusive estudar Medicina em Cuba... Outro projeto é participar da Política do país para demonstrar as minhas convicções e os meus princípios.
Desejava poder “voltar no tempo” para viver no tempo da ditadura e assim lutar por um ideal.
Continua:
Não preciso de muita coisa para ser feliz... E não é preciso passar por cima dos outros para conseguir o que quero!
No meu projeto de vida pretendo combater a mediocridade do papel de gênero das mulheres da minha geração influenciada pela mídia que só valoriza futilidades que se voltam ao consumismo. Estou sempre repelindo as críticas dos familiares e contrario todos os conselhos para que “me cuide um pouco mais”.
No momento que vivencia faz algumas tentativas de escolha de curso e
profissão, comentando:
No momento, o meu maior desejo é continuar os estudos superiores na área de Física...
Eu não tinha ainda terminado o Ensino Médio e tentei o vestibular na UFPR para testar meus conhecimentos, como “treineira”, mas não foi aprovada.
Eu ainda não sei se quero ser professora como minha mãe.
Como domino o idioma inglês desenvolvo um trabalho com as crianças da Escola Internacional dando aulas de inglês e contando histórias em inglês para as crianças.
Adoro essa atividade.
No momento tenho três desejos: Passar no vestibular de Física; Ter um emprego no qual não tenha que conviver com estereótipos, pois odeio padrões (especialmente os capitalistas); Ter uma biblioteca grande com muitos livros de filosofia e mangás.
Tenho muita curiosidade em ver o que há nas bibliotecas das universidades, por exemplo, nas bibliotecas da UFPR que vai fazer cem anos... Isso porque já detonei as bibliotecas da minha cidade.
154
Participante 14M02
Falando sobre si mesmo e o futuro, afirma:
Sou apenas mais uma pessoa no mundo, mas uma pessoa que visa seu bem e o bem dos seus iguais e que para isso, quero fazer algo para o mundo. Eu espero poder fazer algo de bom pelo mundo...
... Eu acho que todos nós nascemos com uma missão... Gostaria de saber a minha...
Como tem consciência das adversidades da sua história de vida, planeja um
futuro de muitas conquistas. O sentimento de rejeição é comentado, evidenciando
uma possível elaboração, embora permaneça a lacuna pela falta de uma figura de
identificação masculina como referência e modelo.
É muito difícil eu escolher até uma área de estudo imagine então um curso e uma profissão... Eu não tenho em quem me espelhar... Eu gosto de tudo!
Fala sobre o seu Projeto de Vida, num misto de realidade e fantasia:
No meu Projeto de Vida pretendo prosseguir meus estudos no nível superior e penso em realizar mais de um curso.
Estou indeciso em relação às áreas específicas. Tenho muito interesse em Biologia e Química. Já tomei conhecimento sobre o andamento das pesquisas atuais sobre o genoma humano...
Tenho muitas dúvidas e gostaria de participar em pesquisas nessa área.
Mas sei que tenho que decidir algumas prioridades...
Queria cursar Biologia ou Química por causa do interesse pela genética e as pesquisas sobre o genoma humano. Depois mudei... Pensei Comunicação, mas não gosto do jornalismo porque ele não tem independência... São manipulados pela redação editorial... E acho que aonde vou aprender melhor a escrever é no curso de Letras... Minha mãe não gosta porque diz que eu só posso dar aula com esse curso.
Mas eu já disse que não quero dar aulas, quero é escrever... Ser escritor profissional...
Se eu fizer um bom trabalho eu posso ganhar dinheiro também... Nesse momento é a minha decisão, vamos ver como fica...
Este estudante é um exemplo de resiliência, uma vez que tem consciência
das adversidades da sua história de vida e essa situação faz com que planeje um
futuro de muitas conquistas. Comenta as experiências e frustrações que o
acompanharam ao longo do caminho, como o sentimento de rejeição, demonstrando
155
um movimento subjetivo de elaboração, embora permaneça a lacuna pela falta de
uma figura de identificação masculina como referência e modelo.
A construção de autoconceito e autoestima positivos que deverão constituir a
auto eficácia, permite experiências positivas, bem como algumas frustrações e
decepções.
E gosto muito de literatura e de fazer crítica literária. Participava de um programa de apoio ao superdotado numa instituição de Ensino Superior de Curitiba há mais de dois anos aonde e trabalhava com uma professora do curso de comunicação.
A minha função é fazer a análise e a crítica sobre os conteúdos de novelas de sucesso no momento ou ainda analisar um personagem específico e verificar a sua repercussão na sociedade geral... Adorava este trabalho .
Mas... Havia uma exigência que era fazer psicoterapia com um estagiário estudante do curso Psicologia. No primeiro ano eu me dei muito bem com a terapeuta.
Relatou que conversava sobre Psicologia nas sessões e a terapeuta teria dito:
Indiretamente você também estava fazendo o curso de Psicologia.
Aí houve a mudança de psicólogo. O novo psicólogo não falava nada e perguntava no início da sessão: “Como foi a sua semana?” Ele respondia: “Muito bem”.
E assim o diálogo se encerrava e eu ficava olhando para o psicólogo que não sabia retomar a interlocução. Ele interpretou como desinteresse e fez um relatório dizendo que eu não tinha motivação... Não era verdade... Não me dei bem com ele. Aí comecei a faltar e a coisa ficou pior.
A situação ficou tão constrangedora para mim com um julgamento injusto até o dia em que fui avisado de que seria suspenso do projeto... Minha mãe tentou interferir, sem resultado. Ela recebeu correspondência em casa acompanhada de um carnê de pagamento sobre dívidas anteriores sobre o atendimento psicológico (que não estava combinado com a mãe), e comunicando a minha exclusão. Minha mãe ficou furiosa...
Esse programa fazia parte do projeto da instituição de apoio aos adolescentes com Altas habilidades/Superdotação. Veja só que triste a minha experiência, pois já te disse que adorava esse trabalho.
Analisava o personagem do Antonio Fagundes na novela da noite... Ele tinha uma participação social, era um personagem muito popular, mas sem muita ética... Eu percebia que o público adorava e aplaudia suas ações ditas como socialistas e em defesa do povo... Meio assim como Robin Hood... Um nobre que foi viver entre os bandidos na floresta e que tinha como política roubar dos ricos para distribuir aos pobres... Assim ele pensava estar fazendo justiça social...
Mas eu penso que porque alguns não são honestos e éticos não justifica que nós também sejamos assim... Enfim, acabou assim a minha carreira de
156
crítico literário... Foi uma pena! Eu senti muito! Minha mãe brigou, mas não adiantou nada!
Essa foi mais uma situação de perda a ser elaborada na sua história de vida.
Ele relatou que, no momento, a sua função era fazer a análise e a crítica dos
conteúdos das novelas então de sucesso e analisar um personagem específico de
repercussão na sociedade em geral.
A sua indecisão foi reforçada pela frustração pela qual passou na metade do
ano de 2008, quando foi desligado de um projeto que participava há dois anos em
outra instituição de nível superior da cidade. O projeto era na área de Comunicação,
com uma professora de Literatura do Curso de Crítica Literária.
Entretanto, esse atendimento estava associado obrigatoriamente a sessões
de Psicoterapia com um estagiário do Curso de Psicologia. No início de 2008, o
psicólogo foi substituído e ele não sentiu mais empatia, desinteressando-se do
atendimento psicológico. Esteve doente por algumas semanas no início do inverno
e, com esse motivo, começou a frequentar irregularmente. O estagiário comunicou
suas faltas à professora responsável pelo projeto, com o parecer de desinteresse e
enfrentamento. Em ocasiões anteriores, ele havia comentado que gostava mais da
atendente anterior, do sexo feminino.
Como já foi referido, este participante participou de vários vestibulares e foi
aprovado em todos. Vejamos a sua versão:
No início de 2008 resolvi me inscrever em todos os vestibulares das principais universidades da cidade (sem minha mãe saber) em cursos diferentes. Biologia, Química e Comunicação Social. Foi aprovado em todos, mas depois surgiu um impasse administrativo impedindo a minha matrícula porque não fiz aceleração e não tinha concluído o Ensino Médio. Fiquei frustrado, embora a mãe tenha entrado com um processo na 1a Inspetoria Regional de Ensino a SEED, com base na lei vigente. Escrevi de próprio punho uma carta ao juiz justificando o pedido. Aguardo a resposta. A lei está m vigência desde o final de 2007... Então não vale nada? ... Isso é um absurdo!
Agora me inclinei para o curso de Letras porque quero ser escritor... Não importa se não ganha dinheiro, o mais importante para mim é a realização pessoal...
Claro, eu também tenho que pensar em recursos, mas isso não me preocupa por enquanto. Nós sempre conseguimos viver com poucos recursos, mas tendo qualidade de vida.
A novidade é que estou escrevendo um livro, eu sou espírita e estou um romance, é do gênero policial, com um médium pelo meio. Está ficando muito bom, eu estou gostando...
157
Estou indo bem na terceira série do Ensino Médio, agora tudo legalizado com a aceleração... Mas não tenho prazer em ir para a escola.
Os problemas são os mesmos de sempre... Fico isolado. Mas vou fazer as provas e consigo notas boas.
Agora estou fazendo Francês, Espanhol, e Curso de Teatro, no Teatro Laila Schneider.
Recebemos deste participante uma mensagem eletrônica registrado a seguir:
Olá, Tudo bem? Aí vai um conto. A minha escrita é surrealista com elementos clariceanos, como falei, além de várias outras linhas que ficam visíveis no decorrer do conto. Espero que goste!
Um grande abraço,
Anexo um conto, O Veredicto de Tauret.
PS - Tauret é a deusa egípcia da felicidade, da fertilidade, e do renascimento.
Também recebemos convites para assistir a dois espetáculos que participou
como conclusão da primeira parte do curso de teatro.
Participante 14M03
O Projeto de Vida deste participante estava totalmente envolvido com os
planos da mãe para mudar-se com os dois filhos para um país estrangeiro, até o
final de dezembro de 2008. Embora os pais estivessem separados, existia um
profundo respeito entre todos, com todas as decisões tomadas em consenso sobre a
vida dos filhos. A mãe possuía familiares nos Estados Unidos que insistiam para que
buscassem uma experiência de melhoria de vida. Era uma oportunidade pelas
facilidades que ofereciam para a adaptação e trabalho garantido, pois estavam
estabelecidos com empresa de contabilidade. Os planos incluíam inclusive, a
formação da mãe em nível superior na área de Contabilidade.
O pai, inicialmente não estava concordando com a mudança para um país
estrangeiro da mãe com os dois filhos. Essa aliança dos pais proporcionava maior
segurança diante de situações de vida desconhecidas. A preocupação era decidir o
que fosse o melhor para todos.
O emocional deste participante estava tomado pelos planos da próxima
mudança de país, pois já possuíam os vistos legais para entrada com o vencimento
no final em dezembro de 2008. Essa situação colocou uma pressão na decisão. O
158
único empecilho estava sendo a negação da autorização do pai. Ele comentava,
sem críticas, sobre a negativa do pai, até aquele momento, dizendo:
No começo não sabíamos se o meu pai ia concordar. Ainda não sabemos se vamos. Meu pai não quer deixar... Mas não é um “não definitivo”.
Minha mãe está tentando convencer ele. Eles têm conversado muito sobre isso. Eu não participo... Eles estão conversando... E eu? ... Aguardando!
Eu também tenho minhas dúvidas e meus medos, por isso não me meto! Eu não sei bem se quero ir ou não... Estou balançando... Eu tenho medo de não me acostumar.
A mãe é a mais animada e acha que pode ser uma oportunidade para nós melhorarmos a qualidade de vida num país do primeiro mundo! E diz que se não der certo a gente volta!
Comenta a sua participação na pesquisa, dizendo:
Achei muito legal participar desta pesquisa e fazer todas as tarefas. Foi muito interessante para desenvolver o meu autoconhecimento. Estou guardando todas as tarefas que realizei.
Vou levar para o novo país... Se a gente for é claro!
Estou organizando uma pasta.
Acho muito importante eu refletir sobre o meu potencial e tentar saber as minhas reais áreas de interesse. Minha mãe se preocupa muito com o meu futuro! E eu também.
Em relação ás suas dúvidas sobre o futuro faz uma tentativa de prospecção
de Projeto de Vida, reafirmando alguns comentários:
Mas agora eu ainda não sei bem o que quero fazer no futuro. Com a decisão de irmos morar em outro país... Eu tenho um pouco de medo por ser um país estrangeiro e eu não conheço como é a vida lá...
Não consigo pensar muito no futuro... Só consigo pensar no agora...
Eu já contei para você que entre todas as figuras da história da humanidade a que eu mais admiro é Leonardo da Vinci?
Eu sou como ele... Explicando alguma coisa começo a desenhar.
Outro que eu admiro é Isaac Newton... Gostaria de ser como um deles trazer benefícios para a humanidade.
Ao realizar a tarefa de uma construção poética, escreveu:
METAS QUE DEVERIAM SER UTILIZADAS
159
Nunca diga nunca.
Amor é legal.
Todos deveriam se amar.
Harmonia deveria ser a meta do mundo.
Amigos são indispensáveis.
Não se deve dizer não ao amor.
No início de dezembro chegou, contanto:
Agora nós vamos. O pai finalmente concordou com a nossa viagem!
Eu estou ajudando a desmontar a casa e vender todas as coisas para levarmos mais dólares... Estamos dando livros, coleções e enciclopédias para os primos... A casa já está quase vazia.
Este participante olha para o seu futuro e diz:
Acho que não quero casar... Não quero ter filhos... (risos) Assim contribuo para diminuir a população mundial! Mas quem sabe...
Daqui a cinco anos penso que ainda estarei estudando... Mas daqui a 10 anos já devo estar trabalhando...
No início de dezembro ele chegou entusiasmado, contando que:
Após muitas conversas o pai finalmente concordou com a nossa viagem!
Agora vamos mesmo... O que pesou mesmo foi os vistos legais (Green-Card) que venceriam no final de dezembro de 2008.
E também a mãe tranqüilizou a todos dizendo que se não der certo nós voltamos. Então vamos ainda este mês e vamos passar o Natal lá...
Completa a notícia, dizendo:
As passagens já estão compradas. Agora está tudo muito corrido. Minha mãe já pediu demissão do seu emprego e está providenciando a venda de tudo para juntar mais dinheiro...
Está anunciando a venda do carro, mas ainda não fechou o negócio.
Sonhos sobre o futuro, se mesclam na projeção da fantasia da adolescência e
sempre que o inconsciente se descuida, surgem brechas para a se manifestar. O
discurso não tem a lógica da realidade, mas a sua própria lógica.
Comunica seu pensamento aos colegas:
160
Sabem o que eu estava pensando? Eu posso encontrar a Gisele Bündchen, e até namorar com ela...
Os colegas riram e o participante 12M05, retrucou:
Veja só... Você nem ia saber o que fazer com ela...
Ele respondeu prontamente:
Vocês é que pensam... Deixa comigo!
Recebemos duas mensagens eletrônicas comunicando a chegada na nova
cidade, com os votos de Feliz natal e Ano Novo, com o comentário irônico:
Para mim um “Ano Novo mesmo”! Depois eu conto...
Sonhos sobre o futuro se mesclam na projeção da fantasia da adolescência e
sempre que o inconsciente se descuida, surge uma brecha para a se manifestar. O
discurso não tem a lógica da realidade, mas a sua própria lógica.
Participante 14M04
Este participante é seguro e amadurecido para sua idade e apresenta traços
de personalidade autoritária. É determinado em suas respostas e atitudes.
A realidade está mais próxima da decisão do seu Projeto de vida. Ele afirma,
com comentários pouco comuns para a sua idade:
A área de ciências físicas é a que mais me atrai.
A minha escolha imagina um conjunto de atividades avaliadas pelo seu valor de troca com a sociedade e associadas com um retorno financeiro.
A sua posição como primogênito e a proximidade com a figura paterna
contribuem para a construção da subjetividade, como sente, age e interpreta a
realidade à sua volta.
Essa atitude orientou suas experiências atuais, quando criou seu próprio
negócio e motivou os seus planos para o futuro. A avaliação da realidade não é pelo
benefício social do empreendimento e dos auxiliares, mas pelo sucesso na
condução do seu negócio. É rígido nos seus julgamentos, mesmo quando “emprega
o irmão” no seu projeto empreendedor.
161
É prático nas decisões, com um sentido de valor conquistado pelo esforço e
envolvimento individual: cobra de si mesmo, da mesma forma que cobra do irmão.
Este estudante apresenta características de maior maturidade em relação à
idade cronológica, com decisões sobre interesses e habilidades:
Faz a prospecção do futuro com base na avaliação dos seus pontos positivos:
Eu gosto muito de Matemática e sou muito bom nessa disciplina, como o meu pai. Eu admiro muito meu pai. Ele é um modelo para mim. Já decidi que vou fazer o curso de engenharia. Não tenho dúvida. Ainda falta decidir qual a especialidade... Se engenharia elétrica como meu pai, ou outra...
Também gosto de administração... Porque gosto de empreendedorismo... Quero ser um empreendedor e ter meu próprio negócio. Preciso investigar e me informar mais! Ainda não sei bem qual é a melhor fatia de mercado...
No próximo ano já quero estar trabalhando... Quero estudar e trabalhar...
Demonstra estar dividido entre uma carreira técnica – Engenharia – seguindo
o modelo do pai, e o desejo de tomar iniciativa em negócio próprio, Área
Administrativa, numa carreira como empreendedor. Demonstra interesse na área
financeira e capacidade de planejamento para adquirir o que deseja, sendo seguro
ao afirmar:
Sou “mão de vaca”. Guardo o meu dinheiro e planejo o que quero comprar. Compro tudo o que eu quero, principalmente, jogos para o computador. Dependendo do preço preciso fazer uma poupança por dois ou três meses. Mas chego lá... Compro tudo o que eu quero. Sei lidar com dinheiro.
Após as férias de julho, teve dificuldades em conciliar os horários das aulas
de inglês que coincidiam com o horário do grupo de pesquisa. Como seu irmão
também participava do grupo, a semana em não pode comparecer pediu que
enviasse as tarefas para que não ficasse atrasado.
Apresenta um autoconceito positivo e demonstra nas suas falas traços de
prepotência, com grande vitalidade e dinamismo. Com grande satisfação relata suas
experiências como empreendedor.
Relata:
Já tenho o meu próprio negócio. Veja como faço o meu negócio que vem dando certo. Comecei investindo R$ 20,00 na compra de chicletes que mandava meu irmão revender no recreio da sua escola. Ele reclamava no começo, mas eu propus 10% para ele, no acerto de conta semanal e fica muito satisfeito... Embora sempre reclame que é pouco...
162
Mas ele pode fazer o que quiser com o dinheiro e fica mais independente. O dinheiro já se multiplicou e cresceu muito... Quando junto à quantia necessária compro um jogo de videogame, sempre planejado desde o início do empreendimento.
Penso em trabalhar no futuro com investimentos...
Comentamos sobre a falta de paciência e a irritação constante com o irmão
mais moço e que, na realidade é seu parceiro no negócio de venda de chicletes
colaborando com o sucesso do seu empreendimento, ele responde:
É... Mas ele recebe 10% de comissão... E nada nesta vida é de presente! Nada é de graça!
Ele sempre resmunga reclamando que é pouco... Mas é isso que eu posso dar!
O que ele quer mais? E é uma moleza ele vender no recreio do colégio.
Podemos observar que ele construiu o seu sentido de profissionalização e
atitude para os negócios de empreendedorismo, a partir das mediações com as
interações significações que absorveu da personalidade e do contexto profissional
do seu pai. Ao mesmo tempo em que são por ele constituídas, as mediações com o
pai dão sentido à sua subjetividade.
Os depoimentos indicam traços de personalidade exigente com avaliação,
sobre os valores, pelo esforço e produtividade pessoal.
Participante 12M05
Refletindo sobre o seu futuro, alegre e confiante informa o seu Projeto de
Vida:
Eu já estou decidido. Meu sonho pessoal é ser rico.
Daqui a cinco anos vou estar no Ensino Médio, terceirão. Daqui a dez anos, devo estar tentando ser advogado... Já escolhi o meu curso superior. Vou ser advogado e Desembargador.
Quero ser Desembargador... Eles ganham C$ 24.000,00. Eu já pesquisei na Internet. Tem que fazer concurso... Eu já sei tudo! É muita grana e eu acho legal... Já pesquisei na Internet tudo sobre a carreira de magistratura.
Eu quero ser lembrado por conseguir mudar o mundo!
Os colegas retrucaram:
Você diz que é um cara legal... Mas precisa ver se os outros concordam com isso que você diz!
163
Perguntamos, numa atitude provocativa:
Se você não fosse você, seria o seu melhor amigo?
Claro... Sou um cara legal, compreensivo, companheiro... Se eu não fosse eu e fosse outra pessoa eu seria o meu melhor amigo...
É interessante notar que o participante pensa no final da carreira profissional,
pois em outra ocasião disse que se escolhesse ser militar queria ser General, ou
Brigadeiro. Na carreira de Magistratura, deseja ser Desembargador que é o topo da
carreira.
Ao ser questionado sobre a situação, respondeu prontamente:
E sei... Já pesquisei tudo, mas eu chego lá... É onde quero chegar...
No futuro namorar?... Talvez…
Também vou estudar matemática...
Sabe que eu tenho medo de errar a conta de Matemática nas provas... Eu faço certo, mas erro nas contas... Aí o pai bate! ... Quer dizer agora não! Desde os oito anos não apanho mais. Só ganho puxão de orelha...
Participante 13M06
Este adolescente tem menos oportunidades de desenvolvimento das suas
altas habilidades e demonstra, no momento, um autoconceito negativo. Não
participa de atividades extraclasse, não tem expectativas sobre o seu futuro e o
aproveitamento das suas altas habilidades.
Está muito focado no presente e em conseguir uma atividade como emprego
que o aproxime de conhecimentos de Informática.
No presente, deseja um emprego numa loja de vídeo game para que possa
manipular os vários jogos:
Comenta:
Eu conheço vários jogos, mas não tenho possibilidade de comprar...
Ficar mexendo com eles seria uma boa... manipular e nem de comprar...
Eu queria poder mexer com esses jogos!
Trabalhando numa loja de informática acho que vou poder jogar.
Este participante, às vezes, surpreende com um depoimento desconexo,
como vemos a seguir quando questionado sobre o seu futuro:
164
No meu futuro eu quero ser psicólogo ou astronauta... ou professor ou advogado... Ou outra coisa que eu esqueci agora...
Agora só penso em passar de ano!
Quero ser astronauta... Agora eu só penso em passar de ano,
Também quero trabalhar numa loja de videogame.
Ainda não sei o que quero...
Objetivando a atenção do leitor, reiteramos a importância de alguns
depoimentos relativos ao elevado senso ético e de justiça social em situações
políticas da escola, com a análise e interpretação de situações da escola aonde
apontavam incoerências e dificultavam a aceitar normas que não consideram justas.
A literatura registra como uma das características das pessoas com AH/SD a
preocupação com temas ligados à justiça social e à ética. Fazendo uma análise
social dos depoimentos dos participantes da pesquisa, evidenciamos preocupações
com temas mundiais, como a injustiça, a superpopulação do mundo, problemas
ecológicos, dentre outros.
Os ideais sociais e humanitários aparecem nos depoimentos de todos os
participantes, diluídos em otimismo e solidariedade social, seja ainda em fantasia, ou
na intenção de poder colaborar para a melhoria da sociedade. Conhecem e
invocaram grandes líderes mundiais, cientistas e gênios da humanidade, com
grande admiração e, embora inconscientemente, como possíveis modelos de
identificação. Demonstraram uma capacidade para compreender e analisar
situações do contexto social mundial, desejando deixar uma contribuição positiva
que marcasse a sua passagem pelo mundo.
4.4 A PERCEPÇÃO DA SUPERDOTAÇÃO
A participante 16F01 assim se expressou:
Como vejo meu próprio talento? Considero um presente de Deus o privilégio de ter esse dom.
Quero participar para tornar as pessoas e o mundo melhor com mais justiça social...
165
Não preciso muito para ser feliz. Não é preciso passar por cima dos outros para conseguir o que quero. Não consigo dizer tudo o que penso! Queria ter a minha tão sonhada independência.
Sou filósofa, feminista e socialista, socialista convicta!
O Participante 14M02
Quem sou eu? Sou apenas mais uma pessoa no mundo, mas uma pessoa que visa seu bem e o bem dos seus iguais e que para isso, quero fazer algo para o mundo. Eu espero poder fazer algo de bom pelo mundo... Eu acho que todos nós nascemos com uma missão... Gostaria de saber a minha...
Não penso pequeno, eu identifico em mim outras qualidades,
Pensando no futuro... Olha... Abraham Lincoln disse: “As pessoas são tão felizes quanto se predispõem a ser”.
Faz uma reflexão aonde compara valores de satisfação pessoal, intelectual e
conquistas materiais:
Agora me inclinei para o curso de letras porque quero ser escritor... Não importa se não ganha dinheiro, o mais importante pa ra mim é a realização pessoal ... Claro, eu também tenho que pensar em recursos, mas isso não me preocupa por enquanto. Nós sempre conseguimos viver com poucos recursos, mas tendo qualidade de vida.
A novidade é que estou escrevendo um livro, eu sou espírita e estou um romance, é do gênero policial, com um médium pelo meio. Está ficando muito bom, eu estou gostando...
Participante 14M03
A pessoa que eu mais admiro é Leonardo da Vinci. Eu sou como ele ... Gosto de falar desenhando... Rabiscando... Explico alguma coisa e começo a desenhar.
Outro que eu admiro é Isaac Newton... Gostaria de ser como um deles para trazer benefícios para a humanidade.
Pensando no futuro... Acho que não vou casar... Assim colaboro para diminuir a superpopulação mundial...
Participante 14M04
Eu quero ser empreendedor... Eu já sou um empreendedor e já fiz meu próprio negócio...
Quero estudar engenharia, ainda não sei bem qual especialidade... Ainda não decidi, mas quero fazer administração também para ser um empreendedor e ter meu próprio negócio... Quero também trabalhar, já no próximo ano...
166
Participante 12M05
Eu quero fazer alguma coisa boa para deixar para a humanidade e para ficar conhecido no futuro...
A indústria de bens de consumo, muito presente nos dias atuais, incentivando
o consumismo, também invade a mentalidade dos participantes mais imaturos,
mesclando grandes ideais com desejos de sucesso financeiro, como comenta este
participante:
Eu quero ser rico! Meu maior sonho é ser rico!
Participante 13M06
No meu futuro eu quero ser psicólogo ou astronauta, ou professor ou advogado ou outra coisa que eu esqueci agora...
Quero ser astronauta...
Agora eu só penso em passar de ano,
Também quero trabalhar numa loja de videogame.
Ainda não sei o que quero...
As suas preocupações estão ligadas ao seu entorno familiar e afetivo, com
dificuldades em vislumbrar um futuro próximo. Assim se expressa, em relação à
mudança de residência, em função do novo casamento da mãe fazendo um
solilóquio:
Vamos ter que mudar de casa no começo do ano... Quem sabe até tenha que mudar de escola. Minha mãe vai casar de novo...
Será que o novo marido dela vai ser mais um que não vai gostar de mim?
A tarefa da pesquisadora foi apreender as mediações sociais constitutivas do
sujeito e da construção do autoconceito, saindo da aparência, do imediato, do
significado, indo à busca do processo, do “ não dito”, do sentido.
4.5 AINDA DIALOGANDO COM AUTORES
As interpretações dos depoimentos se aplicaram aos conteúdos e
continentes. As várias leituras realizadas nos encaminharam para a análise e
167
interpretação, na árdua tarefa de “desocultação do latente”, “do não aparente” de
toda mensagem. Numa abordagem representacional (em oposição à instrumental),
na qual colocamos a tônica nas orientações de valor, afetivas ou cognitivas dos
significantes, ou dos enunciados de uma comunicação.
Analisamos a temática transversalmente na enunciação singular como um
estudo de caso. Os dados foram analisados por grupamentos em categorias de
significado e sentido, pré-indicadores, indicadores, conteúdos temáticos e núcleos
de significação. Funcionando como uma técnica de ruptura, a análise dos
depoimentos obrigou a pesquisadora a um intervalo de tempo para a elaboração dos
conteúdos - estímulo-mensagem dos conteúdos dos discursos, e a tarefa intuitiva de
desocultação e análise interpretativa.
A atenção concedida às abordagens autobiográficas fez ressurgir o sujeito
face às estruturas e sistemas, a qualidade face à quantidade, a vivência face ao
instituído. O alvo da interpretação é o significado aparente dos conteúdos com a
atribuição de sentido apresentado no curso de tempo vivido na construção do
autoconceito. Enfocamos o espaço entre o tempo vivido pelo sujeito e as condições
sócio-econômicas e objetivas do contexto da realidade cultural, pelo viés da
afetividade e valores vivenciados nas experiências de vida, durante as oficinas
realizadas.
Interpretando os dados dos participantes no seu processo histórico,
concordamos com Vygotsky (2001) quando afirma que o indivíduo é quase o social,
onde o indivíduo e a sociedade desenvolvem uma relação onde um constitui o outro
Pontuamos que o pensamento é entendido como sempre emocionado. Ao
analisarmos o processo que se expressa na palavra com significado e, ao
apreendermos o significado da palavra, entendemos o movimento do pensamento.
Uma questão preliminar para a discussão dos sentidos e significados é a
relação pensamento e linguagem. A apreensão do homem, no dizer de Vygotsky
(2001) se dá pela compreensão da gênese social do individual, pela compreensão
de como a singularidade se constrói na universalidade e, ao mesmo tempo e do
mesmo modo.
Segundo Vygotsky, (2001), o significado, no campo semântico, corresponde
às relações que a palavra pode encerrar. Entretanto, no campo psicológico, é uma
generalização, um conceito. Os significados são produções históricas, sociais e
culturais, e estão presentes nos dicionários, embora também possam se transformar
168
no movimento histórico. Assim sendo, o significado é o ponto de partida para
compreender o sujeito, pois sabemos que eles contêm muito mais do que
apresentam e, por meio de um trabalho de análise e interpretação, podemos
avançar para zonas mais profundas. Assim, o sentido é muito mais amplo do que o
significado, pois constitui a articulação dos eventos psicológicos que o sujeito faz
frente a uma realidade.
Como explica González Rey (2003), o sentido subverte o significado, pois ele
não se submete a uma lógica racional externa. O sentido refere-se a uma
necessidade, que embora ainda não se realize, mobiliza o sujeito para colocá-lo em
atividade. O sentido deve ser entendido, pois, como um ato do homem mediado
socialmente.
No dizer de Namura:
A análise da relação do sentido com a palavra mostrou que o sentido de uma palavra nunca é completo, é determinado, no fim das contas, por toda a riqueza dos momentos existentes na consciência. [“...] o sentido da palavra é inesgotável porque é contextualizado em relação á obra do autor, mas também na compreensão do mundo e no conjunto da estrutura interior do indivíduo” (2003, p.185). O sentido encontra-se numa dimensão que se aproxima da subjetividade na sua relação contraditória do cognitivo e do afetivo, do emocional e do simbólico.
Á luz do modelo bioecológico de Bronfenbrenner (2002) as interações sociais
integram a articulação das diferentes esferas dos elementos pertencentes ao micro,
ao meso e ao exossistema, na caminhada do adolescente ao macrossistema. A
educação é aqui concebida como um processo social ininterrupto que inicia no
momento da concepção e se estende ao longo da vida.
A vida escolar é o primeiro grande teste de capacitação do indivíduo para o
que será o cotidiano de sua existência: viver em grupo. A alteridade humana, que se
exercita no contexto dos grupos, pressupõe a aceitação e a convivência com as
diferenças. Aprender a estar e trabalhar em grupo é, sobretudo, aprender a
conversar. Etimologicamente, conversar é mudar juntos (com + versare). De uma
conversa, os que dela participam devem sair transformados, isto é, tanto uns como
outros tendo experimentado o enriquecimento, com a troca dos pontos de vista. Não
é possível esquecer que: “O meu ponto de vista é à vista do meu ponto”.
É necessário um treinamento para o sujeito poder abandonar a posição
narcísica que alimenta a inveja e o egoísmo. Embora o foco sejam as dificuldades
169
relacional presente no espaço grupal, cada um pode reconhecer-se em sua
singularidade e com suas respectivas identidades psicológicas. Mantendo ações
interativas que proporcionam um autoconhecimento na visão especular com o outro,
desenvolvem a empatia.
Renzulli (2004) afirma que diferentemente dos outros teóricos uma das
características do seu trabalho é ter processado simultaneamente tanto a linha
teórica como a prática. Comenta sobre as finalidades geralmente aceitas para
oferecer Educação Especial para os jovens com elevado potencial em duas áreas:
A primeira finalidade é fornecer aos jovens oportunidades para um maior crescimento cognitivo e autorealização, através do desenvolvimento e expressão de uma área de desempenho ou uma combinação delas, nas quais o potencial superior pode estar presente. A segunda finalidade é aumentar a reserva social de pessoas que ajudarão a solucionar os problemas da sociedade contemporânea, tornando-se produtores de conhecimento e arte e não apenas consumidores das informações existentes.
Renzulli (2004) comenta que a maioria das pessoas concordaria em que
ambas as metas se apóiam mutuamente. Em outras palavras, o trabalho produtivo e
criativo de cientistas, escritores e líderes, em todos os campos da vida traz
benefícios para a sociedade e também provoca sentimentos de realização, auto-
realização e uma atitude positiva sobre o Eu de cada um. Essas características são,
por sua vez, importantes contribuições para a auto-eficácia (BANDURA, 1977), a
crença de que uma pessoa é capaz de ter expressões subseqüentes e normalmente
mais avançadas de produtividade finalidades geralmente aceitas para oferecer
Educação Especial para os jovens com elevado potencial.
Renzuli comenta sobre as várias ocasiões em que lhe perguntaram onde se
encaixava o desenvolvimento afetivo ou o desenvolvimento social ou emocional na
Concepção da Superdotação dos Três Anéis e no Modelo Triádico de
Enriquecimento. Afirma que: “Estes aspectos do desenvolvimento global são
obviamente para desenvolver o real afeto quanto as experiências que fazem com
que os muito importantes.” Mais adiante afirma que o seu trabalho discutiu o
desenvolvimento não-cognitivo de duas formas.
A dimensão do Tipo II do Modelo Triádico é um meio recomendado para
oferecer aos jovens atividades de processo que lidem com questões importantes
como o autoconceito, as relações interpessoais e o desenvolvimento de
170
sentimentos, atitudes e valores. Porém, ao mesmo tempo, acredito que “atividades
afetivas enlatadas não têm tanto potencial jovens se tornem pessoalmente
envolvidos em algo que é tanto afetiva quanto substancialmente significativo para
eles” (RENZULLI, 1999, p.3-54).
Como a Teoria da Superdotação dos Três Anéis não se restringe aos
aspectos cognitivos em seus estudos Renzulli (1986) propõe a diferença entre duas
categorias de superdotação, com uma tipologia com dois tipos de perfil de
superdotados, igualmente importantes, que contribuem para a heterogeneidade
entre as pessoas com AH/SD. Os dois tipos são: a superdotação acadêmica e a
superdotação produtivo-criativa. Ambas devem ser encorajadas, possuem as suas
características, tem a mesma importância e, geralmente, interagem uma com a
outra. Algumas pessoas apresentam características de um ou outro tipo ou
características dos dois tipos.
Ao explicar a diferenciação entre os dois tipos de superdotação comenta
sobre as atividades do modelo dedutivo e do modelo indutivo presentes nas
atividades de Enriquecimento do Tipo I (Experiências Exploratórias Gerais) e o
Enriquecimento do Tipo II (Atividades de Treinamento em Grupo) no Modelo
Triádico. A influência da interação pode ser relativamente limitada ou pode ter um
efeito altamente positivo e extremamente motivador e se tornarem disparadores do
posterior envolvimento.
O Modelo Dedutivo é orienta a maioria dos acontecimentos nas salas de aula
e em outros lugares nos quais a aprendizagem formal e objetiva, introduzindo no
repertorio dos alunos conteúdos e habilidades apresentadas com roteiros
preestabelecidos. Listas de objetivos comportamentais e abordagens curriculares
baseadas em parâmetros são exemplos aplicados do modelo dedutivo.
O Modelo Indutivo, por outro lado, representa os tipos de aprendizagem que
ocorrem fora das situações de aprendizagem formal ou da sala de aula tradicional,
mas que podem ser integrados à aprendizagem escolar com adaptações
adequadas. Uma boa forma de entender a diferença entre estes dois tipos de
aprendizagem é comparar como ela ocorre em uma sala de aula típica e a forma
como alguém poderia aprender novos materiais ou habilidades em situações da vida
real. O principal pressuposto do modelo dedutivo é que a aprendizagem em um
determinado momento terá um valor de transferência para algum problema, curso,
perspectiva profissional ou atividade da vida futuros.
171
Nas situações indutivas a aprendizagem é semelhante ao funcionamento dos
laboratórios de pesquisa, escritórios comerciais ou estúdios de cinema onde a meta
é produzir um produto ou serviço. Todos os recursos, informações, cronogramas e
seqüências de eventos se direcionam para esta meta e a avaliação (em lugar das
notas) depende da qualidade do produto ou serviço, sob a perspectiva de um cliente
ou consumidor. Todos os resultados da aprendizagem num laboratório de pesquisa,
por exemplo, têm uso no presente e, desta forma, a procura de novas informações,
a condução de um experimento, a análise de resultados ou a preparação de um
relatório são atividades que visam, em primeiro lugar, à entrega do produto e não a
alguma situação futura amorfa. Até a quantidade de tempo dedicada a um projeto
específico não pode ser pré-determinada, porque a natureza do problema e a
descoberta dos obstáculos que podem ser encontrados à medida que o problema se
desenvolve não nos permitem determinar cronogramas rígidos.
Neste sentido, o Enriquecimento do Tipo III é o meio mais importante para
promover o verdadeiro afeto e ajudar os jovens a explorar dimensões do seu
desenvolvimento social e emocional. Ilustra com exemplos que mostram o que
acredita ser a parte mais importante da Concepção da Superdotação dos Três Anéis
e do Modelo Triádico de Enriquecimento, é encorajar os jovens talentosos a aplicar
sua capacidade, criatividade e comprometimento com a tarefa na solução de
problemas de suas escolas e comunidades, que são significativos para eles. Há
muito tempo eu acredito que incentivar este tipo de envolvimento resultará no
desenvolvimento de valores centrados no uso das habilidades e dos talentos de
cada um para melhorar o nosso mundo. Estes tipos de envolvimento também trazem
oportunidades de cooperação real (e não atividades cooperativas pré-determinadas),
uma melhor compreensão da capacidade individual de fazer a diferença e a
oportunidade de experienciar sentimentos reais e lidar com eles.
Em todos os âmbitos governamentais observa-se uma lacuna nas propostas
políticas para essa clientela, com a ausência de estratégias de atendimento
psicológico. Esse acompanhamento é um componente fundamental para que a
criança com altas habilidades possa crescer como superdotada, num processo
saudável de amadurecimento e equilíbrio emocional. Isto porque, na maioria das
vezes, vivem num contexto que não a compreende, não a acolhe e não a reconhece.
Muito cedo, a criança com altas habilidades inicia a sofrida vivência de percepções
ambíguas sobre si mesmas e sobre a sociedade em que vive.
172
Teóricos como Olszewski-Kubilius, 2002; Silverman, 1993; Van Tassel-Baska,
1998, entre outros, indicam que os papeis de pai e de mãe são fundamentais no
desenvolvimento emocional e na constituição do autoconceito saudável do filho
superdotado. Devem apoiar os seus interesses (evitando pressioná-lo a ser o melhor
em todas as situações), valorizar seus esforços criativos, ouvi-lo, discutir com ele
estratégias de resolução de problemas, serem responsivo às suas necessidades;
apoiar suas aspirações profissionais (em vez de pressioná-lo a seguir a seguir
carreiras consideradas de maior prestígio social); demonstrar amor pelo
compreender trabalho e pela aprendizagem (atuando como modelos para seu filho),
ajudá-lo a construir uma rede de apoio sócio-emocional e monitorar seu processo na
escola.
No dizer do educador Anísio Teixeira (FONTE, ano, p.), educar é crescer, e
crescer é viver. Educação é, assim, vida no sentido mais autêntico da palavra. Para
que o adolescente possa se compreender no espaço e significação da vida, o apoio
da família desempenha um papel essencial no desenvolvimento saudável do
autoconceito. Conforme Fleith (2007, p 47) “superdotação é uma questão familiar
(...) é uma qualidade da família, ao invés de uma qualidade que diferencia a criança
do resto da família”. Entretanto, a autora comenta que, enquanto os pais de outras
crianças excepcionais (com as diversas deficiências) têm recebido apoio e
manifestações de simpatia por parte da sociedade, os pais dos superdotados não
têm recebido nenhum suporte da comunidade; ao contrário: se deparam com uma
hostilidade encoberta por parte da sociedade, em relação àqueles que apresentam
um potencial superior. Como conseqüência, muitos pais se sentem desinformados
sobre as características e necessidades de seus filhos superdotados, confusos a
cerca de como lidar com eles e acabam negligenciando na sua atenção e apoio.
Assim sendo, concluímos que temos filhos com altas habilidades e seus pais
necessitando de apoio e orientação psicológica.
A intervenção psicológica aplicada a pequenos grupos em que se processa a
aceitação da diversidade favorece o pleno reconhecimento dos direitos alheios, a
prática da solidariedade e a descoberta do prazer da convivência.
A energia que circula num grupo favorece a identificação com a possibilidade
de utilização de várias estratégias, como uma ótima alternativa para que os
participantes possam discutir seus sentimentos, num ambiente livre e seguro.
173
Colangelo e Assouline (2000) citados por Fleith (2007, p. 48), apresentam
algumas sugestões a serem discutidas no grupo, tais como: O que significa ser
superdotado para você, seus pais, professores e colegas? Quais são as vantagens e
desvantagens em ser superdotado? Você, em algum momento, já tentou esconder
suas habilidades superiores? Caso você não apresentasse um potencial superior, o
que melhoraria? Caso você não fosse superdotado, o que pioraria? Existe algum
momento na escola (ensino fundamental ou médio) em que á mais fácil ser um aluno
com potencial superior?
Os planos sobre o Projeto de Vida deixaram lacunas e questionamentos.
Antecipam as re-ocupações sobre os obstáculos e as possibilidades. Essa situação
é normal pela idade que vivenciam. Os modelos dos projetos funcionaram como
uma possibilidade de prospecção em fantasias, sonhos.
O princípio de realidade impôs possibilidades diante das expectativas.
Elaboram deixando muitas lacunas e questionam os obstáculos vivenciados na sua
história. Quase todos, através da resiliência, demonstram que puderam superar as
questões negativas sobre seu autoconceito construído na infância. Reconhecem as
figuras significativas que fizeram a diferença como parceiros de caminhada.
Demonstram gostar de discutir o contexto social e político do nosso país e do mundo
atual comprovando a importância da visão sistêmica em relação aos vários
subssistemas ecológicos com os ambientes que se superpõem e se intercalam em
suas histórias de vida.
A reedição do autoconceito é um processo sofrido porque vai rever as
barreiras encontradas na família, as reclamações das escolas, dos colegas,
passadas pelo filtro de uma nova compreensão e perspectiva. Vai rever os motivos
pelos quais foi repreendido, ficou de castigo, entrou em atrito com colegas... Como
um déja-vu e um dejá-raconté o filme da sua história de vida vai apontar as
expectativas de comportamento da família, aonde ocorreram frustrações e
decepções na busca de soluções próprias assumindo uma postura questionadora e
reivindicatória que deixou registros de sofrimento e exclusão.
Os depoimentos dos participantes da pesquisa evidenciaram as diversas
dificuldades vivenciadas na caminhada para a identificação e a compreensão das
condições de AH/SD. Essas situações deixaram marcas no processo de construção
da identidade e na constituição do autoconceito.
174
Um planejamento de apoio psicológico poderá a ajudá-los a lidar com os
eventos estressantes e as emoções conflituosas. O estabelecimento de uma relação
de ajuda leva o estudante com AH/SD a desenvolver o auto-conhecimento que
permite discriminar as alternativas de decisões.
No dizer Fleith (2007, p. 48-49):
A finalidade dessa intervenção é levar o aluno com altas habilidades a identificar seus pontos fracos e fortes, aceitar e reconhecer limites. Desenvolver um lócus de controle interno, aceitar seus erros como fonte de aprendizagem, desenvolver habilidades de resolução de conflitos, comunicação, liderança e tomada de decisão, desenvolvendo senso de humor e assertividade.
Mais adiante cita Colangelo (1997) quando afirma:
Propiciar condições adequadas para que a criança com altas habilidades possa se desenvolver em sua plenitude implica estarmos atento ás suas necessidades intelectuais e afetivas. Para isso, escola, família e sociedade devem empreender um trabalho de parceria e considerar a superdotação não como um problema a ser resolvido, mas um desafio a ser cultivado” (COLANGELO, 1997, p. 362). Destaque da pesquisadora.
O atendimento psicológico para o desenvolvimento sócioemocional para
pessoas com AH/SD pode ser oferecido em atividades individuais ou em grupo,
conforme foi desenvolvido na proposta dos módulos, adaptado ás necessidades
individuais e características de cada grupo.
Entendemos como importante a convivência em minigrupos de reflexão, como
apresentamos nos módulos Construindo o Caminho, como um espaço para
ressignificar o autoconceito, na identificação da diversidade e das dificuldades
vivenciadas. Esse espaço potencial tem o objetivo de proporcionar a esses sujeitos
a vivencia positiva de experiências em participar como membros de um grupo,
sendo reconhecido e estimulado a expressar-se livremente. Nesse contexto pode
elaborar tensões criadas pelas vivências familiares, incompreensões dos
professores e colegas da escola.
As Oficinas Educativas Construindo o Caminho podem representar uma
modalidade para tratar de temas cognitivos ou afetivos. Na experiência desenvolvida
nesta pesquisa constituiu uma alternativa viável e bem sucedida. Poderia ser uma
175
modalidade para integrar a construção de práticas de enriquecimento tanto afetivas
como de temas cognitivos, conforme Renzulli (2004) denominou:
[...] um guarda-chuva sob o qual uma ampla gama de práticas de enriquecimento desafiadoras e divertidas pode ser disponibilizada a todos os alunos que diferem em capacidades, interesses e estilos de aprendizagem. Igualdade para todos significa que devemos respeitar todas estas três diferenças e que devemos ser suficientemente comprometidos e inteligentes para descobrir formas de respeitá-las
176
CAPÍTULO V
5 O MEU PONTO DE VISTA É A VISTA DO MEU PONTO
A meta principal da educação é criar homens e mulheres que sejam capazes de fazer coisas novas, não somente repetindo o que outras gerações já fizeram (Jean Piaget).
5.1 RESPONDENDO AS QUESTÕES NORTEADORAS Á GUISA DE CONCLUSÃO
A primeira questão norteadora:
a) Como ocorreu o processo de construção do autoconceito em estudantes
com AH/SD, no rito de passagem para a adolescência?
Os depoimentos dos participantes da pesquisa indicaram que o autoconceito
dos estudantes adolescentes com AH/SD, foi sendo construído no microssistema,
com um conjunto de relações entre a pessoa em desenvolvimento e seu ambiente
mais imediato, através das observações, percepções e comentários registrados.
Nessas interações, foi se constituindo a percepção da “diferença” apontada por pais,
irmãos e familiares.
O autoconceito continuou a ser construído nos sistemas ecológicos seguintes,
e a entrada na escola definiu a percepção de várias situações desagradáveis, da
constatação da “diferença” sendo apontada por professores, coordenadores e
diretores, causadora da grande dificuldade de inter relação com a rotina da escola e
com os seus pares. A falta de habilidades sociais impediu a socialização saudável
que geralmente ocorre entre crianças da mesma faixa etária.
A construção inicial do autoconceito foi dificultada e os participantes da
pesquisa iniciaram uma sofrida caminhada para conseguir a sua identificação,
compreensão e aceitação. Os padrões de atividades e os relacionamentos
interpessoais nos diversos ambientes mantinham uma uniformidade com
características físicas e materiais, longe da sua realidade que não atendiam as suas
177
necessidades, criando facetas ambivalentes e negativas no processo de construção
do autoconceito.
Investigamos seis histórias de histórias de vida através de uma lente que os
acompanhou da infância até o início da adolescência, mostrando muito cedo atitudes
e ações individuais diferenciadas, registrando inúmeras frustrações que causaram
intenso sofrimento psíquico. Historias de vida, embora diferentes, repetiram
estereótipos e mitos sobre AH/SD e foram capazes de jogar luz sobre a forma como
cada um, em suas diferentes formas, enfrentou os desafios.
Quando chegaram à adolescência, além das dificuldades psicoemocionais
normais desse rito de passagem, os participantes tiveram como acréscimo
ressignificar o autoconceito baseados em maiores informações, autoconhecimento e
amadurecimento emocional.
A segunda questão norteadora:
b) Quais os aspectos que influenciaram o processo de construção do
autoconceito dos estudantes adolescentes com AH/SD?
A segunda questão norteadora buscou investigar e compreender os fatores
que foram importantes no processo de construção do autoconceito nos diversos
sistemas ecológicos. Pudemos constatar que além das percepções do meio familiar
que funcionaram como apoio e tentativa de compreensão, a entrada na escola
significou um corte no processo saudável de constituição do autoconceito. Ficaram
gravadas experiências negativas, frustrações e incompreensões que intensificaram
as dificuldades de socialização. Os depoimentos demonstraram comportamentos de
hostilidade e rejeição de colegas e professores. Essas dificuldades continuaram em
toda a trajetória da vida escolar.
A terceira questão norteadora:
c) O autoconceito pode ser ressignificado no contexto, espaço e tempo?
O desenvolvimento humano se fundamentou num processo sócio-histórico
com a idéia da mediação, através de recortes do real operados nas diversas inter
relações com os objetos em que os participantes da pesquisa procuraram organizar
o ambiente e o mundo cultural do seu entorno.
Esta questão norteadora constatou que as interações bioecológicas que
poderiam se estabelecer entre os elementos do modelo de Bronfenbrenner PPCT,
foram saudáveis, oportunizando uma nova interpretação da realidade. Outras díades
com pessoas significativas envolveram os adolescentes favorecendo a
178
ressignificação do autoconceito, como por exemplo, avós, tias, padrastos, ou
madrastas, entre outras pessoas. No contexto das Oficinas Educativas, as marcas
da vivência das histórias de vida puderem vir à tona, ser compartilhadas e
compreendidas com a identificação de situações semelhantes, quando um dos
participantes comentou: vamos rir das nossas desgraças.
Dificuldades de socialização produziram adolescentes isolados e sem amigos.
A falta de habilidades sociais e diferentes personalidades, reagindo diferentemente a
fatos da vida não convencional, produziram líderes considerados inadequados.
No processo de elaboração e ressignificação das profundas mágoas, com
base nas tarefas e autoconhecimento, produziram uma nova visão sobre si mesmo,
e a pesquisadora sentiu-se colocada no meio de toda a ação.
A quarta questão norteadora:
d) As expectativas sobre o futuro e o projeto de vida são influenciadas pelo
autoconceito?
Os adolescentes tenderam a planejar o futuro iniciando com a prospecção de
sonhos e fantasias, depois descendo para a realidade na tentativa de investigar as
possibilidades e oportunidades. Os depoimentos revelaram a autoconsciência da
história de vida como um processo contínuo. No mesosistema, um sistema ampliado
do microssistema, o autoconceito foi se tornando mais claro com a emergência de
situações frustrantes e os mecanismos para vencer desafios.
A partir da Teoria de Bronfenbrenner (1996), entendemos como
desenvolvimento saudável o estabelecimento de vínculos afetivos proativos e a
interação entre os diversos níveis da sociedade. O desenvolvimento saudável da
criança e do adolescente é a proposta de olhar para a família, a escola e a
comunidade, como espaço singular de constituição do sujeito social.
Articulamos a prática com a teoria, identificando os espaços da família e da
escola como sendo geradores de possibilidades, por meio de vivências
espontâneas, ou dirigidas, na qual o sujeito projeta sua história, explorando o
espaço escola que inclui a comunidade como um todo nos seus diferentes e
diversos grupos ecológicos. Estar em movimento, atividade, interações foram fatores
atuantes para o projeto de construção da essência do seu ser, na dimensão do
cidadão que deverá adentrar ao macrossistema em sua atividade criadora, produtiva
e singular.
179
Na prospecção do Projeto de Vida, os participantes da pesquisa idealizaram
uma atividade em que façam algo, criem, recriem e manifestem as suas
potencialidades. Essa imaginação e idealização criadoras suscitam um estado de
saúde biopsicossocial, colocando-os num estado de autoeficácia.
No projeto de pesquisa, estabelecemos algumas questões norteadoras que
pelos estudos e experiência profissional puderam balizar a nossa caminhada. Essas
questões puderam ser respondidas, conforme acima relatado, e foram
complementadas com as conclusões emergentes dos depoimentos dos
participantes, num raciocínio indutivo e dedutivo, embora contatássemos que um
ponto final seria precipitado, pois o processo de construção do autoconceito de
adolescentes com AH/SD é um universo disponível a ser investigado.
5.2 CONCLUSÕES APÓS A PESQUISA, SEM PONTO FINAL
A análise dos dados investigados permitiu fundamentar e aprofundar os
depoimentos dos adolescentes com AH/SD, frente aos ensinamentos dos teóricos
que balizaram este estudo, permitindo chegarmos às seguintes conclusões:
a) Pensando Bioecologicamente
Para se compreender esta complexa temática, a abordagem bioecológica de
desenvolvimento oferece um modelo teórico e metodológico com recursos variados,
porque busca privilegiar as histórias de vida, não apenas no seu contexto, mas as
múltiplas interações entre as pessoas e os ambientes ecológicos.
Proporcionou a compreensão de vários sistemas de influência, por exemplo,
os mais distais étnicos e culturais, que acabam formando o entorno ecológico do
participante da pesquisa.
Uma das maiores contribuições da abordagem ecológica reside no fato de
que ela torna o pesquisador capaz de pensar ecologicamente, possibilitando que
sua atenção seja dirigida não só para o indivíduo e os ambientes imediatos nos
quais ele se encontra, mas também para as interações do indivíduo com os
ambientes mais distantes, dos quais muitas vezes, ele sequer participa diretamente.
Salientamos a importância dos modelos das díades relacionais do
microssistema nas transições ecológicas subseqüentes, porque os adolescentes
desenvolveram suas histórias de vida identificando-se com os modelos oferecidos
180
no microssistema, seguidos pelos oferecidos pelos professores, pelos pais das
outras crianças e mesmo amigos mais velhos (exossistema e mesossistema),
podendo experimentar, rejeitar ou escolher os modelos de identificação.
b) Díades e Tríades
Uma análise ecológica sobre a possibilidade de um processo de influência
registrado pelo gosto obsessivo pela leitura dos participantes 16F01 e 14M02, como
refúgio pelas dificuldades de socialização, levou a pesquisadora a pensar e sugerir
uma possível construção de díades, ou tríades, pelo desenvolvimento de uma
intensa interação com alguns autores das literaturas nacional e internacional.
Embora a transição ecológica ocorresse em uma só via, como um fenômeno através
de fronteiras ecológicas do exossistema, não foi de modo acidental, ou por acaso.
A determinada identificação com autores e personagens, de maneira
silenciosa e potencialmente intensa, constituiu um espaço e um tempo de refúgio -
em que a fala e a ação se congelava, mas repleta de influências na aprendizagem e
na formação psicológica de caráter e ideais. A influência de autores e personagens
funcionou como mediadores e definiram o futuro papel profissional. Assim,
sugerimos a possibilidade de considerar a formação de díades e/ou tríades, num
nível diferente de estrutura ecológica.
c) Perfil de Personalidade
Pela análise dos dados, concluímos que não existe um perfil único de
adolescentes com AH/SD, conforme registra o referencial teórico. A constatação de
que, com histórias de vida, ascendência étnica, cultura, meio social diferentes,
princípios educacionais e religiosos diferentes nos microssistemas, cada participante
foi constituindo o seu autoconceito. Os irmãos participantes pertencentes à mesma
família construíram identidades singulares, bem como a manifestação das altas
habilidades variou em cada participante com AH/SD.
Os pais de irmãos superdotados confirmam a afirmação, quando informam:
Os irmãos são educados pelos mesmos princípios eles têm uma personalidade completamente diferente. A maior dificuldade é a administração igual de princípios respeitando a diversidade.
d) Os dois tipos de Superdotação
181
Como a Teoria da Superdotação dos Três Anéis não se restringe aos
aspectos cognitivos, Renzulli (1986), em seus estudos, propõe a diferença entre
duas categorias de superdotação; com uma tipologia, contempla dois perfis de
superdotados. Esses dois perfis, igualmente importantes, que contribuem para a
heterogeneidade entre as pessoas com AH/SD.
Encontramos entre os participantes da pesquisa, os dois tipos de
superdotação: acadêmica e produtivo-criativa. Renzulli (1986) orienta que ambas
devem ser encorajadas, possuem as suas características, têm a mesma importância
e, geralmente , interagem uma com a outra. Algumas pessoas apresentam
características de um, de outro tipo, ou de ambos.
Embora tenha sido referido que os educadores estão mais familiarizados com
a superdotação no modelo dedutivo, em função da aprendizagem formal do sistema
escolar, em alguns participantes foram observadas características predominantes de
um tipo, convivendo com características do outro. Assim, não sentimos segurança
em classificar os participantes.
Podemos tentar uma caracterização com base na análise dos depoimentos e
comportamentos dos participantes. Assim sendo, a participante 16F01 e 14M02
apresentam evidentes características dos dois tipos, assim como o participante
14M03 apresenta evidências do tipo de superdotação dedutivo e o 14M04
apresenta predominantemente comportamentos e raciocínio do tipo dedutivo, mas
apresenta com características produtivo-criativas altamente originais e criativas nos
seus depoimentos e inter relações.
Consideramos que o participante 12M05, conforme pode ser verificado em
seus depoimentos, é o que apresenta as características específicas do tipo de
superdotação produtivo-criativa, na sua maneira de raciocinar e nos seus
comportamentos propositais, buscando conseguir um impacto sobre a platéia-alvo
da família e da escola, inclusive no relacionamento formado numa díade com a
pesquisadora.
O participante 13M06 sugere características dos dois tipos, porém seu
potencial está dificultado pela situação de fragilidade sócio-emocional que
apresentou no momento da realização da pesquisa.
e) Influencia Étnica e Cultural
182
A Região Sul do País, onde se encontra o Paraná, a partir do século XIX
recebeu grupos de imigrantes de várias procedências européias e sua população é
um cadinho de etnias que se reproduz na composição dos alunos das suas escolas.
O grupo de participantes da pesquisa, embora pequeno, representou um
exemplo privilegiado dessa diversidade, reunindo participantes de famílias
brasileiras e representantes das etnias e culturas japonesa, germânica e árabe. As
diferentes características culturais influenciaram manifestamente a educação dos
filhos (as).
f) Incompreensão Familiar
Os pais perceberam características diversificadas de superdotação no
comportamento dos filhos (as), desde o início do desenvolvimento. A dificuldade de
identificação da superdotação levou-os a uma experiência solitária na busca da
compreensão das diferenças de comportamento dos mesmos, resultando numa
troca de comentários no microssistema, ambiente mais próximo, depois
complementado por consultas especializadas nas Áreas da Saúde e da Educação.
Reagiram à percepção dos indicadores e à identificação de AH/SD com
insegurança, preocupação e angústia em relação a como lidar com essa condição
dos filhos (as), alternando-se com sentimentos de privilégio e orgulho. Dessa
observação, a pesquisadora percebeu que os pais também deveriam poder
participar de informações e orientações em grupo, que sugerimos nas
recomendações.
g) O Desejo dos Pais
Além das dificuldades de identificação e adaptação nas escolas, todos os pais
relataram as dificuldades em lidar com o desenvolvimento sócio-emocional dos filhos
(as) e da falta de uma rede de apoio com informação e orientação. Têm expectativas
sobre o desenvolvimento das potencialidades, realização pessoal e profissional dos
filos (as), sintetizado nas falas assim expressas: Eu queria poder ajudar mais...; Só
desejo que eles sejam felizes, ou na metáfora do desejo de compreensão e ajuda:
Gostaria de poder penetrar no caramujo aonde ele se esconde.
h) Dificuldades de Adaptação na Escola
A maioria dos participantes sofreu discriminações a partir da entrada na
escola, com dificuldades mais leves, ou mais graves de adaptação, quanto à
socialização com colegas e amigos, situação que se prolongou durante toda a vida
acadêmica, estando presentes nos depoimentos da adolescência.
183
Ao adentrarem ao mesossistema, iniciam um movimento onde ocorreram
várias transições no espaço ecológico: estudante-colegas; estudante-professores;
estudante-diretores, entre outras transições, que mantinham normas e regras
diferentes daquelas conhecidas no meio familiar. Em todas as situações presentes
nos depoimentos, as dificuldades de adaptação e socialização na escola foram
causadas pela desinformação e incompreensão em relação às características das
pessoas com AH/SD, demonstrando a dificuldade da escola em atender essa
clientela. O que mais evidenciamos foi a ineficiência do método de ensino, do
sistema de avaliação e o despreparo geral dos professores.
i) Eles Lêem e não Escrevem
A precocidade na leitura nos participantes 16F01 e 14M02 motivou a
pesquisadora a um aprofundamento sobre a maneira como ocorreu a sua iniciação,
A investigação levou-nos a concluir que, inicialmente, as letras do alfabeto como
signos, chamaram a atenção em suas formas, mas logo perceberam que as letras
sozinhas não queriam dizer nada. A primeira descoberta foi o desenho da forma
repetida das palavras, associadas sempre com um som. Seguiu-se a pesquisa pela
busca de palavras com som semelhante, e pouco a pouco, a apropriação do grupo
de letras que, por associação, adquiram o estatuto simbólico que remetia sempre a
um mesmo som. A seguir, surgiu o trabalho de procurar palavras que tivessem o
mesmo som, podendo assim iniciar a leitura, considerada sempre muito mais
interessante do que a escrita.
Assim sendo, mereceu menor atenção e importância, seja pelas dificuldades
viso-motoras e pela falta de coordenação motora, explicando a rejeição e a negação
em escrever, percebida pelos pais e professores. Quando iniciaram a escrever,
desenhavam as letras sem precisão. O sentido e o significado da apropriação da
escrita foram secundários, resultando na aversão e recusa das tarefas do maternal.
A primeira etapa da escrita apresentava uma letra disforme e muito irregular,
em tamanho, forma e precisão, indicando uma desarmonia entre a compreensão e o
funcionamento cognitivo, bem como o funcionamento instrumental lápis-papel. A
agitação e a vitalidade levavam os participantes a fazer várias coisas ao mesmo
tempo e a gazear as atividades do maternal, criando as primeiras dificuldades na
rotina da escola. Podemos inferir que sentissem que o cérebro era mais rápido do
que a mão para copiar formas e escrever.
184
Até o momento, os dois participantes citados se interessam em escrever
textos cifrados, ou com senhas, substituindo o alfabeto, mesmo nos endereços
eletrônicos, com signos que não têm nada a ver, aparentemente com as suas
identidades.
j) Ressignifição e Autoconceito Bioecológico
O meio ambiente foi analisado como percebido pelo participante e não como
ele existe na realidade objetiva. Os aspectos mais importantes na trajetória da
construção do autoconceito foram aqueles que, numa dada situação, tiveram
significado para o participante. Assim sendo, podemos inferir que construímos um
conceito de autoconceito bioecológico , pois ele foi construído à luz do processo
de desenvolvimento das histórias de vida nos vários sistemas. Em próximos
trabalhos pensamos em incluir esse termo no glossário.
k) Contoterapia
A técnica da contoterapia aplicada nas Oficinas Educativas utilizou os mitos
gregos (Minotauro e os Trabalhos de Hércules e contos da literatura universal,
enfatizando a trajetória do herói, com as tarefas e provas que o levaram a vencer os
desafios), foi extremamente prazerosa para os participantes, sedentos de exemplos
positivos. Possibilitou o desenvolvimento da interpretação e compreensão das
metáforas apresentadas nas situações, muito ao gosto imaginativo e criador dos
participantes da pesquisa. Consideramos uma estratégia altamente eficaz, podendo
ser utilizada em programas de enriquecimento escolar e treinamento de professores
em novas práticas educacionais.
l) Ideais de Justiça e Ética Humanitária e Social
Em seus depoimentos ao enunciarem o autoconceito os participantes da
pesquisa, paralelamente, sentiam-se responsáveis e com a missão de devolver a
este mundo, através de ações produtivas, o privilégio recebido pela superdotação,
demonstrando esse desejo através de citações de pessoas célebres, ao mesmo
tempo em que anunciavam o propósito de participar positivamente para a melhoria
do mundo.
m) Tentativas de Construção do Projeto de Vida
Uma terceira força de influência no desenvolvimento os participantes da
pesquisa, foram as experiências dos exossistemas, onde entraram em contato com
as estruturas sociais formais e informais do mundo atual, percebendo as
possibilidades e os limites do que acontece no entorno próximo: as condições e as
185
experiências de trabalho dos adultos e da família, as amizades, a vizinhança do
bairro em geral, a sua cidade, a sociedade brasileira e do mundo globalizado.
Para entrar no mundo adulto dos cursos e profissões, fizeram entrevistas com
profissionais para rever papéis sociais, planos de estudo e trabalho projetados no
macrossistema. Esses projetos envolveram os valores culturais, as situações e
acontecimentos históricos que definem a situação econômica dos países no mundo
globalizado que podem afetar os sistemas em que estão inseridos e os seus planos
para o futuro.
Preocupavam-se, reproduzindo as preocupações dos pais sobre as
oportunidades de trabalho, com o acesso a bens culturais, como a possibilidade de
viajar, aprender vários idiomas e concretizar a sua identidade profissional.
A preocupação financeira acompanha as visões de futuro, mas a realização
pessoal está em prioridade nos seus projetos de vida. Estão esboçados com
lacunas, fantasias, dúvidas e indecisões, mas foi a oportunidade de refletir sobre o
seu futuro.
n) Apoio Psicológico e as Oficinas Educativas
A tese que sustentamos neste estudo é que o apoio psicológico é uma
necessidade especial aos adolescentes com AH/SD, para possibilitar o
autoconhecimento e favorecer a reedição do autoconceito saudável. Uma
ressignificação é um processo que vai sendo elaborado no tempo de cada um.
Acompanhamos as histórias de vida, ressaltando as experiências positivas e
reorientamos os comportamentos, deixando de lado a tendência patologizante da
prática profissional do Psicólogo Clínico.
Freeman em (2010, p.7) salienta a importância do apoio psicológico porque:
“Nenhum de nós tem a capacidade de fazer o relógio andar para trás, tanto quanto
nós gostaríamos, para editar o passado, assim talvez possamos demolir alguns
mitos e fornecer uma compreensão sobre as formas para trazer o maior sucesso e
felicidade na vida de superdotados”.
Sem conhecer o seu posicionamento e as últimas pesquisas registradas na
obra acima citada, em que acompanhou por vinte e cinco anos a trajetória de vida de
superdotados na maturidade, registrando situações dramáticas e trágicas, inclusive
com suicídios após uma história de vida bem sucedida, concordamos com as suas
observações, considerando que os superdotados, pelas dificuldades que enfrentam,
necessitam de acompanhamento contínuo, tanto cognitivo quanto psicológico.
186
Em relação desejo dos pais percebemos que eles querem o mesmo para os
seus filhos, com AH/SD ou não. No dizer de Gina Riggs, Diretora Executiva da
Sociedade para Crianças Superdotadas de New Jersey – USA: “oportunidades para
aprender tudo aquilo que eles podem aprender – nada mais, mas certamente nada a
menos”. (FEITH, 2007, p.143).
O Psicólogo e Educador deverão desenvolver atitudes de acreditar no
potencial saudável do sujeito com o qual atua e utilizar seus conhecimentos teóricos,
para incentivar um desenvolvimento saudável; conhecendo os sistemas ecológicos
dento dos quais o sujeito se movimenta e a partir dos quais poderá planejar e propor
a sua atuação. Não podemos reescrever a história de uma pessoa, mas podemos
levá-la a olhar para a sua história de outra maneira, por outra janela.
Durante a pesquisa de referencial teórico, como já foi referido, registramos a
prática em outros países, especialmente nos Estados Unidos, de vários centros e
serviços de aconselhamento que foram criados com o objetivo de ajudar o
superdotado com problemas e dificuldades de ordem psicológica. Um destes
Serviços, denominado Programa de Apoio às Necessidades Emocionais do
Superdotado foi, por exemplo, fundado há mais de 20 anos, na Wright State
University, após o suicídio de um adolescente intelectualmente brilhante. Alguns
destes centros como o da Universidade de Iowa, vêm atuando não apenas no
aconselhamento psicológico, mas também na orientação vocacional e no
aconselhamento familiar (COLANGELO, 1991).
Na modalidade de grupo de reflexão, as Oficinas Educativas favoreceram a
compreensão dos problemas dos superdotados, salientando-se a ambivalência a
respeito de si mesmos, o autoconceito negativo, o isolamento social, o baixo
rendimento acadêmico, a dificuldade de adaptação às normas impostas pela família,
escola e sociedade, entre os vários outros temas abordados.
A contoterapia, muito apreciada pelos adolescentes, resgatou o ato milenar
de contar histórias, ajudando a se conectarem aos seus sonhos, com a prospecção
do futuro e do amor à vida, despertando a conscientização sobre os valores
universais para a construção de um mundo melhor, ajudando a clarificar sentimentos
e validar emoções. Por identificação, possibilitam a aplicação a alguma situação,
dificuldade, ou acontecimento pessoal, da sua história de vida. Todas as dificuldades
que causaram sofrimento psíquico foram confrontadas e integradas como o passo
187
inicial da ressignificação. A Prospecção do futuro e do Projeto de Vida, forma
compartilhadas em grupo, envolvendo as dúvidas e indecisões.
Reiteramos que a experiência da pesquisadora como Psicóloga Clínica
favoreceu a condução dessas oficinas, bem como oportunizando a emergência da
conscientização de conceitos sobre si mesmos, com o aproveitamento das
potencialidades, habilidades e experiências, nas várias áreas de atividades dos
participantes, estendidas às perspectivas e expectativas de futuro na prospecção de
um projeto de vida.
Por todas as considerações acima, concluímos que as Oficinas Educativas
constituem uma estratégia que atende às necessidades dos superdotados podendo
ser uma alternativa de enriquecimento curricular onde a formação do Psicólogo
poderá contribuir de maneira efetiva.
5.3 RECOMENDAÇÕES
a. A capacitação de profissionais é uma medida fundamental e
emergencial em curto prazo. Entretanto, em médio prazo, a medida
mais efetiva é a introdução do estudo sobre AH/SD nos cursos de
formação em Pedagogia e a divulgação de informações na grande
mídia, como já ocorre com algumas deficiências.
b. Inclusão de conteúdos sobre AH/SD no curso de Psicologia, com
estágios de formação profissional para investir na Psicologia positiva,
afastando-se da clínica de diagnósticos e patologias na prática
profissional.
c. Capacitação nos cursos de Psicologia, deixando de lado a vertente
derivada da Psiquiatria, que aborda patologias e diagnósticos,
investindo na visão positiva e preventiva.
d. Sensibilizar líderes políticos e sociais para se movimentarem junto aos
órgãos do governo para que as políticas públicas sejam cumpridas
pelas instituições de ensino. A inclusão das pessoas com AH/SD
poderá melhorar de maneira efetiva com a consistência ao
desenvolvimento das potencialidades, serem pontos de apoio aos pais
188
e estágio para professores. Toda essa clientela busca um porto seguro
na sua caminhada.
No dizer de Fleith (2007), propiciar condições adequadas para o
desenvolvimento dos estudantes com AH/SD, implica em atendermos às suas
necessidades educacionais e psicossociais em sua plenitude. Para tanto, escola,
família e sociedade devem empreender um trabalho de parceria e considerar “a
superdotação, não como um problema a ser resolvido, mas um desafio a ser
cultivado” (COLANGELO, 1997, P. 362).
Reiteramos aqui a preocupação de Silverman (1993a, p.23), já citada
anteriormente, quando afirma que: “Um desenvolvimento emocional saudável é tão
importante quanto uma realização acadêmica, porém e le não tem sido,
atualmente, suficientemente valorizado de forma a g erar um tipo de ambiente
no qual o desenvolvimento emocional possa ser culti vado ”. (Grifos da
pesquisadora).
Temos a certeza de que Psicólogos, Educadores e Pais desejam a mesma
coisa: mais estudos pesquisas, informações e estratégias de ação que favoreçam o
desenvolvimento pleno das potencialidades daqueles que pensam e sentem de
forma diferente e “enfrentam a tarefa de ter que viver em uma cultura que rejeita
suas diferenças”. (SILVERMAN, 1993C, p.81) e oportunidades para aprenderem
tudo aquilo que eles podem aprender – nada mais!, Mas certamente nada a
menos. (RIGGS, 2007) (Grifos da pesquisadora).
No dizer de Colangelo (1997, p. 362): “Para isso, escola, família e sociedade
devem empreender um trabalho de parceria e considerar “a superdotação não como
um problema a ser resolvido, mas um desafio a ser cultivado. Nas palavras de
Robinson e colaboradores (2002), p. 286:
Uma sociedade em que todos os cidadãos devem ser respeitados e acolhidos pelo que são e pelo que podem contribuir para os outros, respeito pela individualidade e recursos apropriados devem ser fornecidos aos jovens superdotados e talentosos, bem como para os outros jovens.
Ao concluir este estudo esta pesquisadora deseja que seus passos sejam as
pegadas para outros caminhantes na busca do caminho da compreensão da
diversidade para a inclusão efetiva.
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211
Anexo 3 – Atualização de Dados da Sala de Recursos para Altas Habilidades/Superdotação da Instituição de Ensino
213
Apêndice A - Roteiro de entrevista semiestruturada com adolescentes e mães
Questões investigadas - Gravadas com a concordância do entrevistado:
“Rapport” - Abordagem psicodinâmica
A investigação sobre a subjetividade dos sujeitos da pesquisa será conduzida por
técnicas de entrevista utilizada pela Psicologia Clínica, semi-estruturada, com base
nas questões expostas no roteiro a seguir:
Contato inicial - apresentação do entrevistador;
- informação dos objetivos a curto e médio prazo;
- garantia do sigilo e confidencialidade;
- reasseguramento da voluntariedade da participação;
- explicação sobre as técnicas a serem utilizadas;
- apresentação de questionário de auto avaliação
1- Dados de identificação:
Nome:
Data Nascimento: Localidade:
Endereço:
Telefones para contatos – Residencial: Celular: Email:.
Filiação:
Escolaridade:
2- Vida familiar:
Irmãos:
Figuras significativas
3- Vida Escolar:
Entrada na escola:
Rendimento acadêmico:
Matérias preferidas:
Matérias com dificuldades:
4- Sociabilide:
214
Família
Colegas
Amigos
5- Interesses:
Lazer:
6- Percepção de superdotação: em si mesmo:
Pela família:
Pelos colegas e amigos:
Dificuldades vivenciadas:
Apoios recebidos:
7- Vida afetiva:
Qualidades:
Defeitos:
Fatos mais significativos:
Decepções:
8- Expectativas quanto ao curso superior:
Vida profissional:
Projeto de vida:
Livre: Se você tivesse que se apresentar para uma pessoa importante e que lhe
perguntasse: Quem é você? Me fale de você...
O que você diria...
1 ESTRUTURA FAMILIAR
Quantos irmãos você tem?
Qual a sua posição entre os irmãos?
Quais as figuras mais significativas na sua família
2 VIDA ESCOLAR
Com que idade você entrou na escola
215
Você se considera um aluno? MUITO BOM __ MÉDIO__FRACO __
Rendimento acadêmico:
Matérias preferidas:
Matérias com dificuldades:
3 SOCIABILIDADE
Colegas
Amigos
4 INTERESSES
5 LAZER
6 PERCEPÇÃO DA SUPERDOÇÃO
-em si mesmo:
-na família:
-colegas e amigos:
-Dificuldades vivenciadas:
-Apoios recebidos:
7 VIDA AFETIVA
8 QUALIDADES:
9 ASPECTOS A MELHORAR:
10 HÁBITOS
11 VALORES
LEMBRANÇAS DE FATOS SIGNIFICATIVOS DA SUA HISTÓRIA DE VIDA:
AGRADÁVEIS OU DESAGRADÁVEIS:
216
Apêndice B – Dinâmica de Grupo adaptada utilizada para integração grupal.
A técnica utilizada na sessão de dinâmica de grupo de integração, adaptada
pela pesquisadora para o grupo de participantes, com as seguintes particularidades:
� Título: A teia da vida.
� Objetivo: propiciar a oportunidade interação e conhecimento intergrupal.
� Material: um rolo de barbante; cadeiras dispostas em círculo.
Procedimento: pedir para todos ficarem em pé em círculo. O coordenador
inicia o jogo lançando o rolo do barbante aleatoriamente e um participante que esteja
no círculo em local oposto ao seu formula uma pergunta sobre a identidade, ou vida
pessoal. Esta pessoa deve responder a pergunta e enrolar firmemente a ponta do
barbante em seu pulso, lançando o rolo para outro participante, procedendo da
mesma maneira descrita anteriormente, e assim sucessivamente até que todos
tenham recebido o rolo de barbante e respondido as perguntas dos participantes.
Desta forma, no chão do centro do círculo forma-se uma teia com os fios do
barbante lançados pelos participantes. Ao último participante pede-se para
abandonar o rolo de barbante no chão, todos devendo sentar-se em suas
respectivas cadeiras. Após, inicia-se o compartilhamento da experiência vivida, com
a tônica lúdica proporcionada por meio de comentários sobre o aumento da
interação interpessoal e do conhecimento mútuo necessário para o desenvolvimento
de uma tarefa em comum. Desta forma foi possível observamos identificações e
trocas afetivas entre participantes e suas mães.
217
Apêndice C - Autobiografia
Adolescentes - Proposta e consigna : Sua história de vida como PAH/SD períodos
de tempo significativos: vida em família – ingresso na escola – transição para a
adolescência
Mães – Proposta e consigna: Eu, como mãe de um filho (a) com AH/SD
218
Apêndice D - CONTOTERAPIA (CORREIA, 2009)
Desenvolvida pela pesquisadora a Contoterapia (CORREIA, 2009) foi
utilizada nos grupos de reflexão, como instrumento e técnica derivada da prática
psicodramática, com conteúdos para reflexão de textos sobre autoconhecimento e
autoconceito, poemas de autores intimistas consagrados, pesquisas biográficas de
vultos célebres da ciência e da arte, que demonstraram determinação e
comprometimento com as suas metas e projetos de vida. A Contoterapia consiste na
analise de contos da literatura internacional com a interpretação da trajetória dos
principais heróis da mitologia grega (CAMPBELL, 1987), levando os adolescentes a
apreender o sentido do texto e associar com a maneira como que aqueles heróis
lidaram com as tarefas, provas e emoções na trajetória enfrentada para vencerem
obstáculos e alcançarem as metas.
Os resultados são surpreendentes porque os participantes adquirem
desenvoltura na linguagem oral, aprendem a resumir e argumentar; descobrem a
importância da simbologia do enredo, desenvolvem o gosto pela pesquisa, a
criticidade e a criatividade na busca de novas soluções. Muito apreciada pelos
adolescentes, resgatou o ato milenar de contar histórias, ajudando a se conectarem
aos seus sonhos, com a prospecção do futuro e do amor à vida, despertando a
conscientização sobre os valores universais para a construção de um mundo
melhor. Ajudando a clarificar sentimentos e validar emoções, por identificação
possibilitam a aplicação a alguma situação, dificuldade ou acontecimento pessoal,
da sua história de vida. Todas as dificuldades que causaram sofrimento psíquico
foram confrontadas e integradas como o passo inicial da ressignificação.
Citada em Fleith (2007, p.46-47), esta técnica encontra similar nos Estados
Unidos com a denominação de biblioterapia envolvendo a utilização de livros infanto-
juvenis na compreensão de problemas que afligem os superdotados com a
aprendizagem de como lidar com os problemas e as emoções (HÉBERT, 1991, p.
207-209; RIZZA, 1997, p 6-8; SILVERMAN, 1993, p.51-78) e, na mesma linha, outra
estratégia útil é a utilização de filmes que retratem situações vivenciadas pela
criança com altas habilidades, denominada cinematerapia (MOON, 2002, p.213-
222).
219
Apêndice E - Oficinas Educativas Construindo o Caminho
DEFINIÇÃO OPERACIONAL DE TERMOS
As definições apresentadas a seguir apresentam o significado que
pretendemos imprimir aos verbetes pertinentes à Psicologia, à Psicanálise (Freud,
Lacan) e ao Psicodrama (Moreno), utilizados nas sessões de grupos de reflexão das
oficinas educativas Construindo o Caminho, não comuns aos profissionais da área
da educação, os quais, podendo acumular diferentes acepções, exigem ser
explicitados conforme foram interpretados e aplicados neste documento.
a. Aqui-e-agora - expressão derivada do latim hic e nunc que significa
imediatamente, neste momento.
b. Escuta empática - É a maneira como se ouve através da imersão na
experiência afetiva para depois refletir sobre a experiência (COVEY, 2003).
c. Espelhamento – Técnica em que o objetivo é repetir com suas próprias
palavras o que o outro está dizendo e sentindo (COVEY, 2003).
d. Espelho - Técnica utilizada no psicodrama em que o protagonista sai de cena
e passa a ser espectador da representação que um ego auxiliar faz de sua
intervenção anterior, para que possa identificar como próprios aspectos ou condutas
que não está podendo reconhecer como suas (OSÓRIO, 2003).
e. Grupo – Sistema humano num conjunto de pessoas capazes de se
reconhecerem em sua singularidade e que estão exercendo uma ação interativa
com objetivos compartilhados (OSÓRIO, 2003).
f. Grupo de reflexão - Espaço privilegiado para a emergência do inconsciente
através da manifestação da fala, como espaço de ação interativa, com objetivos
compartilhados de reconhecimento e suporte para novas identificações
(DELAROSSA, 1979; BROIDE e BROIDE, 2004; OUTEIRAL, 2003; MAGALHÃES,
2002; GALVÃO, 1999; OSÓRIO, 2003).
220
g. Oficina educativa - Sessões de encontro de grupo de estudantes
adolescentes mediante atividades diversas com utilização de técnicas
psicodramáticas orientadas pela psicóloga-pesquisadora com ação estruturada e
objetivos definidos para favorecer a troca de experiências e o debate para
desenvolver aptidões e/ou habilidades de produção de conhecimento e/ou
socialização.
h. Prospecção ao futuro - Técnica em que se convida o protagonista a
imaginar-se em um tempo futuro e visualizar os conteúdos e vivências da situação
trabalhada projetada num momento vindouro (OSÓRIO, 2003).
i. Self – Na Psicologia o mesmo sentido de si mesmo, Ego, ou o Eu.
j. Solilóquio – Técnica psicodramática na qual o protagonista é estimulado a
dizer em voz alta como se falasse consigo mesmo, sentimentos e pensamentos
evocados durante um momento da sessão dramática (OSÓRIO, 2003.
k. Sessão psicodramática - Representações como veículos de expressão de
sentimentos, desejo, conflitos, em que se une a ação à palavra, desenvolvida em
três momentos sucessivos: aquecimento; representação e compartilhamento
(OSÓRIO, 2003).
l. Sujeito Suposto Saber – Na concepção de transferência de Lacan o Sujeito
Suposto Saber é o lugar inconsciente que o analista é chamado a ocupar, o lugar de
alguém que tem o saber (na realidade não tem) e vem tamponar a sua falta
(Dicionário de Psicanálise: Freud & Lacan, 1977, v. 1 p. 277).
m. Tele - Palavra que Moreno tomou do grego significando influência à distância
para identificar a percepção interna mútua dos indivíduos e que seria distinta da
noção psicanalítica de transferência por não considerar a projeção das fantasias
inconscientes do indivíduo sobre o outro, mas apenas o que, segundo Moreno,
corresponde à intuição não auto-sugestiva que cada um de nós tem sobre seu
próximo. Para seu autor, tele é uma estrutura primária e que surge antes da
transferência, que seria então uma estrutura secundária. A tele seria o cimento que
mantém unidos os grupos (ALMEIDA, 1990).
221
n. Transferência – No sentido freudiano, é a repetição de protótipos infantis,
onde haveria um deslocamento de afeto de uma representação para outra, assim
como na relação do sujeito com as figuras parentais depois revivida em outras
relações. Trata-se da instauração de um lugar (dimensão do simbólico), lugar de
"autoridade" como definiu na sua conferência sobre transferência (FREUD, 1916-
1972). Ganha nos grupos de reflexão um lugar privilegiado e fundamental. Observação: Informamos que a versão das oficinas educativas Construindo o
Caminho apresentada a seguir, em função de espaço é uma versão compactada da
versão original utilizada com os participantes da pesquisa, em tamanho de fonte e
espaçamento e sem as diversas ilustrações de enriquecimento. No desenvolvimento
da pesquisa as sessões foram enriquecidas com textos atuais e notícias da mídia,
bem como com temas derivados das motivações e interesses subjetivos emergentes
entre os participantes do grupo de pesquisa.
CONSTRUINDO O CAMINHO
Um lembrete aos pais, educadores e a todas as autoridades constituídas: O
Adolescente Superdotado é um Capital Humano precioso para o futuro científico e
tecnológico do Brasil. Representam a maior riqueza de um país!
Queridos adolescentes! Vocês são a esperança no amanhã...
Fonte: Internet
222
O adolescente não precisa esperar para ser... ele já é... em evolução permanente...
FIGURA 9 – Energia vital do desenvolvimento do ser humano. FONTE: CORREIA, 1999.
Adolescente...
Ninguém nasce feito: é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos! (Paulo Freire)
No processo de crescimento e desenvolvimento você vai incorporando e acomodando, as vivências significativas dos diversos momentos da sua história de vida...
... como num encaixe de peças de um quebra-cabeça.
FONTE: Adaptado do Desenvolvimento Humano. Maciel, 2007, Internet.
O desenvolvimento humano aborda o enfoque global da psicologia positiva
denominado life-span approach (desenvolvimento durante a vida) e do conceito de
resiliência com a contribuição da Antropsofia de Rudolf Steiner em que você é o
herói da sua história.
Construind o o caminho
entrejogo
adolescente-mundo
... um quebra-cabeça...
223
Introdução Aventurar-se pelo nosso universo interior é, sem dúvida, um desafio!
Entretanto, o autoconhecimento é fundamental para a construção de um
autoconceito saudável.
O futuro do país depende da sua geração para promover o progresso e
garantir a paz no mundo. Portanto, a maior esperança do Brasil reside na
produtividade máxima do potencial dos nossos adolescentes superdotados, assim
como você!
Ao educador, cabe oferecer-lhes alternativas de apoio psicológico para uma
inclusão efetiva na sociedade, em constante mudança e com forças desafiadoras,
que os colocam em circunstancias muitas vezes ameaçadoras e de alto risco:
violência, drogas, consumismo...
Queremos compartilhar as suas inquietações, dúvidas, aflições...
Pretendemos discutir sobre as suas motivações e expectativas...
Desejamos pesquisar alternativas para orientar o seu autoconhecimento e o
autoconceito necessários e fundamentais na construção do seu Projeto de Vida.
Você tem a consciência de que é “especial” e “diferente” num mundo
massificado que privilegia uma normalidade medíocre e sufocante.
Queremos compartilhar seus sonhos e esperanças, mas também seus medos
e sofrimentos, vivenciados ao longo da sua história de vida. Para isso vou tentar me
colocar no seu lugar, com compreensão, respeito, amor e aceitação incondicional.
O QUE É O PROGRAMA “CONSTRUINDO O CAMINHO ?
É um atendimento psicológico e educacional dividido em 10 Módulos
seqüenciais, com reflexões, tarefas e exercícios lúdicos abordando temas sobre
Autoconhecimento, Características de Personalidade e Estilos e Tomada de
Decisões, Conhecimento de Cursos e Profissões, com técnicas psicodramáticas
como solilóquios, Você mutante – “Qual o bicho que gostaria de ser... “Por que...”
“Se você fosse outra pessoa seria amigo de você? Por quê?"Se você fosse outra
ntrevistas simuladas: Salto no futuro - pessoa escolheria você como namorado (a)"?E
“Pense e imagine-se no futuro daqui a 5 anos - 10 anos: o que você deverá estar
fazendo...”
224
QUAL É O OBJETIVO?
O programa “CONSTRUINDO O CAMINHO” pretende propor uma reflexão
para desenvolver o autoconhecimento e o autoconceito e conduzir o emocional e o
espiritual na prospecção do seu Projeto de Vida.
COMO SE DESENVOLVE?
Os 10 módulos estão divididos em três momentos da t rajetória
existencial
PRIMEIRO MOMENTO: A história da vida infantil até a adolescência no micro, o exo e o meso
sistemas, com vivência de hábitos e valores familiares e traços do perfil de
personalidade;
SEGUNDO MOMENTO
A prospecção da vida no macro sistema com exercícios, tarefas e estratégias
sobre o desenvolvimento das suas potencialidades no futuro;
TERCEIRO MOMENTO
Elaboração do Projeto de Vida com conhecimentos das diversas áreas do
saber, do mundo das profissões e do trabalho. Discussão em grupo e avaliação do
processo;
Reuniões de dinâmica de grupo – Estão previstas reuniões semanais de maio
a dezembro de 2008.
Os Módulos enfocam o autoconhecimento e o autoconceito , o conhecimento
dos cursos e profissões, como preparação para a elaboração do Projeto de Vida,
tendo como fundamentos teóricos:
• A Psicologia Positiva e a resiliência individual e familiar focadas nas
potencialidades saudáveis do sujeito e na unidade funcional da família;
• A Visão sistêmica e ecológica de Brofenbrenner - micro, exo, meso e
macro sistemas;
• Investimento do desenvolvimento da autoestima;
225
• O respeito das configurações e constelações familiares, papéis de
interação, padrões de comunicação, princípios, papéis de interação, padrões de
comunicação, princípios, crenças e valores;
• Treino na capacidade para lidar com situações de extresse interno e
externo e superar conflitos e adversidades;
• Enfoque na unidade funcional da família de forma que todos os seus
membros fortaleçam os seus laços.
Alguns diferenciais do “Programa Construindo o Cami nho”:
• O Projeto de Vida é construído com o jovem e não para o jovem;
• Os desenvolvimentos dos módulos propõem reflexões, tarefas,
pesquisas, exercícios desafiantes num enfoque lúdico e prazeroso;
• A filosofia formativa fundamenta-se no movimento denominado
Protagonismo Juvenil;
• Incentivo ao treino do livre arbítrio respeitando a diversidade cultural,
paradigmas e contingências;
• Crença de que os adolescentes não são mais crianças, mas ainda não
são adultos. Isso não significa que têm que ficar “esperando” que as coisas
aconteçam: O adolescente não tem que esperar para ser. Ele já é... Em evolução
continuada...
OS TEMAS
• MÓDULO I - AUTOCONHECIMENTO: iniciando uma viagem a o seu
universo interior - pequenos passos - avaliação ini cial de qualidades
• MÓDULO II – EU VIVO EM GRUPO: “ás vezes sou grão, à s vezes sou
monte...” Formação de hábitos: importância - Crença s e paradigmas
pessoais e familiares
• MÓDULO III - COMPREENDENDO O OUTRO: empatia - resil iência.
• MÓDULO IV – A IDENTIDADE E OS HÁBITOS, PRINCÍPIOS E VALORES:
eles nos ajudam ou nos destroem – crenças e paradig mas sobre a vida
• MÓDULO V – INVESTINDO NA AUTO-ESTIMA: a lei do espe lhamento,
parcerias e mentores e o investimento em si mesmo;
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• MÓDULO VI – TORNE-SE UM AGENTE DE MUDANÇA: o livre arbítrio e a
aprendizagem com os erros;
• MÓDULO VII – A TRAJETÓRIA DA BIOGRAFIA DO HEROI: ta refas e
provas da história de vida: sentido e significado – “porque quem tece a
sua história de vida é você...”;
• MÓDULO VIII – O CHAMADO PARA A AVENTURA DO FUTURO:
conhecendo os cursos e as famílias profissionais;
• MÓDULO IX - PLANEJANDO O FUTURO: cruzando o limiar do
desconhecido – administre riscos e desafios e aceit e parcerias e ajuda
de guias e mentores - A carreira profissional em pr ospecção: diferencie
sonhos e metas;
• MÓDULO X - SUA VIDA DAQUI A CINCO ANOS... 10 ANOS.. . “como e
aonde você vai estar... Elaboração do Projeto de Vida
• Construção individual do Projeto prospectivo de Vid a - “Buscando
Caminhos: o autoconhecimento do adolescente como pr otagonista na
prospecção do seu Projeto de Vida reunindo o intele ctual, o emocional e
o espiritual.