Relato do IV Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo – Congonhas, MG – Maio 2013
A inserção do Caminho do Comércio no universo das Estradas Reais
Marcos Paulo de Souza
Miranda, Promotor de
Justiça de Defesa do
Patrimônio Cultural de
Minas Gerais, sócio do
Instituto Histórico e
Geográfico de Minas
Gerais, membro do
Colégio Brasileiro de
Genealogia.
Com o subtítulo Reflexões sobre uma Rota pouco Conhecida, Marcos Miranda explicou que
Minas Gerais conta com uma ampla e especializada equipe de profissionais que se dedicam à
preservação do patrimônio cultural, sendo ele encarregado do suporte jurídico para a atividade. Por
esta razão, tem tido contato com inúmeras iniciativas a respeito dos destinos dos caminhos reais em
Minas. Aliado a isto, declarou ter tido sempre uma especial atenção pela História.
Para ele, a visita a Congonhas teve dupla finalidade porque, antes da participação neste
Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, esteve em reunião com diversos setores tratando do
monitoramento da qualidade do ar local e da preservação de resquícios arqueológicos, tendo
observado que os valores culturais de Congonhas são muito maiores do que o conhecimento
existente a respeito. Por esta razão, manifestou grande satisfação com a Carta Arqueológica de
Congonhas que está sendo preparada e que representará a primeira iniciativa desta natureza no
estado de Minas Gerais.
Natural de Andrelândia, o orador declarou que desde a infância acostumou-se a visitar sítios
arqueológicos e que daí decorre o interesse pelo Caminho do Comércio que cortava sua região,
sendo parte integrante da rede denominada Estrada Real. Ressaltou que o impedimento para a
abertura de novas rotas pelo interior de Minas Gerais, estabelecido pelo Alvará Régio de 21 de
outubro de 1733, foi agravado pelo Bando de Aditamento ao Regimento de Minerar, de 1736, que
estabeleceu as denominadas Áreas Proibidas nas áreas onde inexistiam registros e vigilância de
patrulhas. Tratando especificamente das antigas paróquias localizadas entre Aiuruoca e Lima Duarte,
esclareceu que ali vigorava, mais do que uma barreira geográfica, uma barreira jurídica impedindo
abertura de caminhos.
Apesar disso, foi necessário novo instrumento jurídico, representado por ordem de 9 de abril
de 1745, proibindo a passagem por ali de uma estrada aberta por Antônio Gonçalves de Carvalho e
seus sócios, moradores nas Minas de Aiuruoca, com destino a Rezende, no Rio de Janeiro, sendo os
contraventores punidos, na forma do Alvará de 21 de outubro de 1733 sobre a abertura de estradas.
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Apresentando o mapa acima, de 1808, Marcos Miranda informou que seu autor foi Inácio de
Souza Werneck, sertanista, residente na região onde hoje se localiza o município de Valença. Nesta
obra observa-se claramente a indicação de um “certão entre Rios impedido” na margem esquerda do
Rio Preto. Na época de produção deste mapa, em virtude da vinda da Família Real foram
estabelecidos alguns novos organismos judiciais que se destinavam a gerenciar os interesses públicos
no Brasil. Um destes organismos foi justamente a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e
Navegação criada no Rio de Janeiro pelo alvará de 23 de agosto de 1808. Em consequência, em 1813
foi determinada a abertura do Caminho do Comércio ligando aquela porção da zona da mata ao Rio
de Janeiro.
Foi destacado que,
segundo o alvará de criação, a Real Junta do Comércio deveria entender das matérias de sua competência, ou seja, o comércio, a agricultura, as fábricas e a navegação, tratando do estímulo às fábricas, aos inventores e introdutores de máquinas, por meio de prêmios, privilégios e isenções; concessão de provisões de fábricas, matrículas de comerciantes; administração de bens de falecidos; falências comerciais; consulados comerciais; navegação; administração de pesca de baleias; faróis; estradas, pontes e canais; importação e exportação; aulas de comércio; companhia de seguros, além da solução de contenciosos entre comerciantes.
Surgiu, então, o Caminho do Comércio, aberto em função de uma determinação daquele
organismo. Marcos Miranda selecionou um trecho da obra Tropas da Moderação, de Alcir Lenharo,
cuja conclusão é que
Este caminho funcionava em bases precárias para ligar as áreas abastecedoras do ocidente mineiro ao mercado carioca. Até 1813, era usado apenas como atalho por viajantes a pé, uma vez menos longo que o de Vila Rica. Foi sendo aberto a partir da iniciativa particular da população do interior, que não podia contar com a abertura de estradas, em vista das restrições impostas pelas leis coloniais.
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Em seguida o público ficou sabendo que a rota do Caminho do Comércio iniciava-se em
Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu, cortava a atual Reserva Biológica Federal do Tinguá e, subindo
as serras, passava pelo porto de Ubá (atual Andrade Pinto, distrito de Vassouras), seguia em direção
a Valença e depois passava pelos antigos arraiais mineiros de Rio Preto, Bom Jardim, Turvo (atual
Andrelândia), Madre de Deus de Minas, passava pelo distrito de Arcanjo que era São Miguel do
Cajuru, chegava ao Rio das Mortes, que é o distrito onde nasceu Nhá Chica e, finalmente, chegava à
Vila de São João del-Rei.
Foram projetadas algumas imagens do percurso, como se vê a seguir.
Torre sineira da Capela de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú, em Iguaçu Velho, Nova Iguaçu.
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Estação Ecológica do Tinguá - Nova Iguaçu – RJ
Valença – RJ
Andrelândia
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São João del-Rei
Estudando este caminho o palestrante se deparou com uma questão: qual motivo levou a
Junta de Real Comércio a determinar sua abertura? Em busca de respostas, chegou á conclusão de
que a construção beneficiou, sobretudo, as principais fazendas do Barão de Ubá, constituídas, à
época, de um complexo de 14 sesmarias. João Rodrigues Pereira de Almeida - dono de propriedades
rurais em Vassouras, Valença e em São João del-Rei, era ainda proprietário de navios negreiros,
imóveis no Rio de Janeiro e Lisboa. O Barão de Ubá foi um dos mais importantes membros da Junta
do Comércio, Diretor do Banco do Brasil, e o grande articulador da construção da estrada.
Outro destaque da palestra foi o viajante estrangeiro Saint Hilaire, que cruzou aquelas
paragens em 1819 e declarou:
No caminho do Rio Preto encontrei poucas tropas de burros, mas em compensação vi um grande número de porcos e de bois. É por esse caminho que é transportado todo o gado destinado ao Rio de Janeiro e oriundo da parte ocidental da Província de Minas, onde a pecuária é bastante desenvolvida
Falando especificamente do Caminho do Comércio, Saint Hilaire registrou:
Por ocasião de minha viagem fazia seis anos que tinha sido inteiramente aberto ao público. Entretanto, como sua única vantagem fosse economizar alguns dias de viagem e os condutores de tropas não mostrassem dispostos a enfrentar uma estrada que não lhes oferecia nenhuma comodidade, as autoridades resolveram conceder uma diminuição no preço da portagem paga por homens e animais que atravessam o Paraíba no posto de registro do Caminho do Rio Preto. Dessa forma os bois, pelos quais é paga uma pataca no registro do Paraibuna, na estrada de Vila Rica, são taxados em apenas meia pataca no do Paraíba. Os burros de carga pagam 460 réis no primeiro e 80 no segundo.
Para Marcos Miranda, esta diferença de taxas representa a primeira guerra fiscal de que se
tem notícia e teve como cenário aquele caminho. E quem era favorecido? Obviamente os grandes
produtores da Comarca do Rio das Mortes.
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A imagem acima foi escolhida para demonstrar que o Caminho do Comércio era utilizado
especialmente para a condução de bois e porcos, não sendo habitualmente utilizado por tropas. Para
reflexão sobre a dificuldade de se conduzirem tais animais de São João del Rei até o Rio de Janeiro,
foram apresentadas as duas imagens seguintes.
Transporte por veículo.
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Seria possível conduzí-los livremente?
Caminho de Transporte de gado em Santa Catarina
Em alguns pontos como no caminho da fotografia acima, foram construídos muros de pedra
nas laterais dos caminhos. Mas tendo percorrido centenas de quilômetros do Caminho do Comércio,
fotografando e coletando coordenadas geográficas, o palestrante observou que provavelmente por
não existirem pedras em quantidade, foram abertos valos nas laterais como se identifica na
fotografia a seguir e que remete a imagens semelhantes encontradas em vários pontos da rota do
Caminho do Comércio.
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O destaque seguinte foi para a fala do Desembargador Paulo Fernandes Viana em 1821:
Tive o gosto de ver Sua Magestade por este meio viajar de carruagem por Maricá, Nuan, São Gonçalo, Engenho Novo, Tambi e depois de fazer a picada com que de Iguassu pudesse Sua Magestade ir em sege até o Rio Preto a entrar na Comarca de São João de El Rei, província de Minas Gerais, ajustei essa estrada com todas as pontes precisas e cobertas por 48 contos de reis a pagamentos de 8 contos de 6 em 6 mezes, para facilitar d’este modo em carros a condução dos frutos d’aquella província para esta, e do interior de todas as fazendas, estabelecendo assim um manancial de riquezas para esta Côrte...
Marcos Miranda ressaltou que Paulo Fernandes Viana era vizinho de propriedade do Barão
de Ubá, sendo proprietário de oito sesmarias.
Imagem representativa do meio de transporte então denominado sege, à esquerda.
Outra informação importante, colhida por Miranda, foi transformada no quadro seguinte.
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Espécie Registro do Caminho Novo Registro do Rio Preto
Toucinho e carne salgada 69.445 @ 50.962
Gado Vacum 1.624 cabeças 13.999
Porcos 1.367 cabeças 14.764
Queijos 161.765 unidades 346.157
Exportações mineiras em 1818/1819 segundo Von Eschwege.
Em seus estudos o palestrante verificou que, quando não tinha isenção de impostos, como
era o caso do toucinho, da carne e do queijo, a diferença não era tão grande.
Para demonstrar o movimento no Caminho do Comércio foi projetado o seguinte mapa do
Registro daquele caminho.
Neste documento, de janeiro de 1840, o administrador do Registro de Rio Preto, José
Deocleciano de Almeida, informa que passaram pela alfândega naquele mês: 2.970 cabeças de gado;
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4.213 arrobas de toucinho; 1.031 cabeças de porcos; 27.727 queijos; 1.253 arrobas de café; 9.500
varas de pano de algodão; 865 galinhas; 420 rapaduras; 12 couros de veado; e, 5 mantas.
Em 1861, segundo os Anais do Parlamento Brasileiro, encontram-se informações sobre
desentendimentos, por conta de incentivos fiscais, ilustrado com o caso de um cidadão que pagou
duas vezes pela mesma mercadoria transportada.
Mapa das Recebedorias em 1866
Para finalizar a comunicação foi apresentada a arte seguinte, seguida das conclusões.
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CONCLUSÕES
• O Caminho do Comércio, conectado ao Caminho Novo, se insere, ao que
nos parece, no contexto histórico de uma “segunda geração” de estradas reais.
Seu objetivo primordial era o de facilitar o abastecimento alimentar da Corte do
Rio de Janeiro.
• O aprofundamento dos estudos sobre os reflexos de sua abertura e
intensificação do uso pode aportar informações de relevo a respeito de uma nova
dinâmica do funcionamento dos caminhos reais, quando o ouro e o diamante
deixaram de ser o principal motor da economia colonial.
Referências Bibliográficas
Abreviada demonstração dos trabalhos da Polícia em todo o tempo que a servio o Dezembargador do
Passo Paulo Fernandes Viana. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 1892, Tomo LV,
parte 1, p. 376.
Exportações mineiras em 1818/1819, segundo Von Eschwege. Notícias e Reflexões Estatísticas da
Província de Minas Gerais. Biblioteca Nacional – RJ, SMHs, 5,4,5.
LENHARO, Alcir. As tropas da moderação. O abastecimento da Corte na formação política do Brasil.
São Paulo: Símbolo, 1979.
MATOS, Raimundo José da Cunha. Corografia Histórica da Província de Minas Gerais (1837). 2 vol.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. 2º. Vol, p. 42
RODRIGUES, André Figueiredo. Os sertões proibidos da Mantiqueira: desbravamento, ocupação da
terra e as observações do governador dom Rodrigo José de Meneses. Revista Brasileira de
História. vol.23 no.46 São Paulo 2003.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem às nascentes do rio São Francisco. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.