A BIBLIOTECA E A CIDADEO EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE
ORIENTADOR PROF. DR. ANTONIO CARLOS BAROSSICOORIENTADORA PROFA. DRA. MARTA BOGÉA
POR NICOLAS LE ROUX
2013 - 2014
“[O]s gregos, ao contrário de civilizações posteriores, não consideravam a
função de legislar como atividade política. Em sua opinião, o legislador era como
o construtor dos muros da cidade, alguém cujo trabalho devia ser executado e ter-
minado antes que a atividade política pudesse começar. [...] Antes que os homens
começassem a agir, era necessário assegurar um lugar definido e nele erguer uma
estrutura dentro da qual se pudessem exercer todas as funções subsequentes; o es-
paço era a esfera pública da polis e a estrutura era a sua lei; legislador e arquiteto
pertenciam à mesma categoria. [...]
[A] convivência dos homens sob a forma de polis parecia garantir a imperecibi-
lidade das mais fúteis atividades humanas - a ação e o discurso - e dos menos tangíveis
e mais efêmeros ‘produtos’ do homem - os feitos e as histórias que deles resultam. A
organização da polis... é uma espécie de memória organizada. [...]
Segundo esta auto-interpretação, a esfera política resulta diretamente da ação
em conjunto, da ‘comparticipação de palavras e atos’. A ação, portanto, não apenas
mantém a mais íntima relação com o lado público do mundo, comum a todos nós, mas é
a única atividade que o constitui. [...] A rigor, a polis não é a cidade-estado em sua loca-
lização física; ... Trata-se do espaço de aparência, no mais amplo sentido da palavra, ou
seja, o espaço no qual eu apareço aos outros e os outros a mim. [...] Privar-se dele sig-
nifica privar-se da realidade que, humana e politicamente, é o mesmo que a aparência.”
Hannah Arendt,
trecho de “Action”, capítulo V do livro A Condição Humana (1958)
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX4
SUMÁRIO
PRIMEIRA PARTE O EDIFÍCIO E A CIDADE
INTRODUÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO
OBJETIVOS
METODOLOGIA
DAS RELAÇÕES ENTRE A ARQUITETURA E O URBANISMO
AS EXPERIÊNCIAS DOS CEU E DE MEDELLÍN
- OS CEU
- OS PARQUES-BIBLIOTECA DE MEDELLÍN
- MUROS OU PORTAS?
DA ARQUITETURA DE BIBLIOTECAS
- BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA E MIDIATECA DE TOULOUSE
- BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SEATLE
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- PARQUE-BIBLIOTECA ESPAÑA
O EDIFÍCIO E O ESPAÇO PÚBLICO: UM ESTUDO
- REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA, RIO DE JANEIRO
- CENTRE GEORGES POMPIDOU, PARIS
- SESC POMPEIA, SÃO PAULO
- PRAÇA DAS ARTES, SÃO PAULO
ESTRUTURAS MÓVEIS
O SISTEMA DE ÔNIBUS-BIBLIOTECA
HIPÓTESE DE PROJETO
- O EDIFÍCIO
- AS NAVES E OS PORTOS
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A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 5
SEGUNDA PARTE PROJETO COMO PESQUISA
DISTRIBUIÇÃO DAS SEDES
ESCOLHA DO TERRENO
ENTENDENDO O CONTEXTO URBANO DA PERIFERIA
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
A QUADRA ENQUANTO UNIDADE TERRITORIAL
A BIBLIOTECA
- PROGRAMA -
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- RELAÇÃO COM O ENTORNO IMEDIATO -
- REFERÊNCIA DE PROJETO -
- O EDIFÍCIO E A ITINERÂNCIA -
- PONTOS DE ANCORAGEM -
O PROJETO COMO PESQUISA
BIBLIOGRAFIA
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O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX8
O filósofo alemão Martin Heidegger disse que “um local somente se torna um lugar
quando o apropriamos culturalmente”. 1 Isso significa que a cidade necessita de bons
espaços de convívio que possibilitem o encontro e a troca cultural e social. Por
muito tempo esses espaços podem ter sido as praças ou as esplanadas, frequen-
tadas de modo democrático por pessoas de todos os tipos. Contudo, na sociedade
cada vez mais movida pelo ritmo frenético e pela autodestruição dos espaços de
convívio urbanos, os ambientes de encontro podem adquirir novas formas, no
interior dos edifícios.
Nesse contexto, os equipamentos públicos se tornam importantes media-
dores da vida urbana, provendo de possibilidades culturais e espaciais seus en-
tornos. O projeto da Praça das Artes (2012, obra em construção), concebido pelo
escritório Brasil Arquitetura e inaugurado parcialmente há pouco tempo no cen-
tro de São Paulo, é uma evidência de que um projeto pontual de edifício também
pode ser uma intervenção urbanística, com potencial de alterar seu entorno. Lá,
se optou por conectar três ruas pelo miolo da quadra ao liberar todo o térreo para
que se torne mais uma passagem em meio à já permeável malha urbana da região.
É uma tentativa não apenas de gerar uma apropriação do lugar por parte dos
usuários do entorno, mas também de propor novas situações:
“A Praça das Artes foi isso, uma apropriação de um lugar como ele esta-
va e se ofereceu, mas ao mesmo tempo foi uma provocação de novas si-
1 | HEIDEGGER, Martin. Apud BRITTO; PEDROTTI, disponível em: http://www.archdaily.com.br/97751/mais-seguranca-requer-melhores-espacos-publicos/. Acesso: 17/03/2013.
INTRODUÇÃO E PROBLEMATIZAÇÃO
tuações urbanas, uma preparação para futuras transformações naquele
espaço urbano.” 2
“Não existe uma decisão de embelezar a quadra, existe uma decisão de
deixar uma passagem pra trazer as pessoas pra dentro e fazê-las se en-
contrarem.” 3
Com o projeto ainda inacabado, é impossível saber quais serão as conse-
quências de se optar por essa solução que altera o entorno, mas fica claro que
aquela parcela de cidade não será mais a mesma, e que o edifício-extensão do
Teatro Municipal é um elemento estruturador do arredor.
Por outro lado, ao analisarmos projetos com intenções semelhantes que
obtiveram sucesso comprovado, podemos observar as vantagens de se pensar o
edifício de modo articulado com a cidade. Um dos exemplos mais famosos em São
Paulo talvez seja o Conjunto Nacional, na Avenida Paulista. Obra modernista,
ele se utiliza de um dos conceitos do movimento arquitetônico para criação espa-
ços de convívio – o edifício elevado sobre pilotis – coadunando usos e se abrindo
para a rua. Assim, ele se torna um equipamento público que constrói o entorno
e estrutura a quadra. Suas passagens são tão importante quanto as próprias ruas
2 | FANUCCI, Francisco. In: “Brasil Arquitetura, entrevista com Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci”, Revista Contraste. São Paulo, LPG-FAUUSP, 2013, p. 48.3 | FERRAZ, Marcelo. In: “Brasil Arquitetura, entrevista com Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci”, Revista Contraste. São Paulo, LPG-FAUUSP, 2013, p. 48.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 9
e a mistura de usos é uma solução urbana para problemas que enfrentamos nas
grandes cidades.
Problematizado isso, podemos ir mais adiante e analisar o formato dos
equipamentos públicos da cidade perante as novas demandas da sociedade con-
temporânea. Para tanto, a biblioteca pública entra como elemento de destaque,
tendo em vista seu caráter ancestral de instituição social e fruto do imaginário
coletivo que carrega uma imensa carga simbólica. Assim como Otavio Leonídio
e Luiz Fernando Martha observam no livro “Midiateca da PUC-RIO” (2006, obra
em construção), ela é mais do que sua definição material de coleção de livros pre-
servados e disponíveis para leitura, é o desejo universal de reunir o conhecimen-
to e a memória ancestrais.
Contudo, esse edifício, considerado um “monumento precioso para a na-
ção” pelo arquiteto Étienne Louis Boullée, está colocado à prova hoje. Com o ad-
vento das novas tecnologias e o bombardeio de informações cada vez mais fáceis
de serem acessadas via internet, muitos questionam o futuro das bibliotecas. As-
sim, várias tentativas de substituição de livros por versões digitais dos mesmos
já foram postas em prática em alguns países e até chegou a se cogitar a futura
obsolescência de edifícios destinados à abrigar livros impressos.
Mesmo assim, pensadores como um dos maiores historiadores contempo-
râneos do livro e da literatura Robert Darnton parecem convencidos de que as
bibliotecas estão asseguradas pelo fato de que “uma cópia digitalizada não pode
ser substituto adequado para o original”, e que as novas tecnologias não vieram
para substituir o livro, mas sim para se somar ao suporte tradicional: o papel.
Ao mesmo tempo, vemos que o papel da biblioteca é muito maior do que
armazenar e disponibilizar livros. Seus salões de leitura são historicamente
um ambiente compositor importante do edifício. Eles promovem o isolamento
físico e intelectual dos hiperestímulos do mundo contemporâneo e são, até
hoje, parte de uma prática social importante, mantendo-se cheios diariamente
em diversos países.
No projeto do Office for Metropolitan Architecture (OMA) para a Biblio-
teca Central de Seatle (1999-2004), nos Estados Unidos, essas problemáticas são
levantadas e o edifício se propõe a encontrar soluções que mostrem que essa ins-
tituição não está ultrapassada, mas sim que deve ser repensada para adquirir im-
portância ainda maior na articulação da cidade. Para o OMA, “numa época onde a
informação pode ser acessada de qualquer lugar, é a simultaneidade de todas as mídias
e, mais importante, sua curadoria conteudística que tornarão a biblioteca vital.”
Dessa forma, esse projeto trabalha com a articulação dos espaços, tornan-
do-se um importante ponto de encontro na cidade com seus andares-praça conec-
tados de forma inteligente, separando espaços de convívio de espaços de trabalho
ao mesmo tempo que os mantém conectados entre si e com a rua. O programa
está estruturado dentro de dois grandes grupo: os “espaços contidos” e os “espaços
que contém”. O primeiro, formado por cinco usos da biblioteca, gerou volumes
que foram sobrepostos de forma deslocada e unidos por uma pele fortemente
esticada, gerando áreas intersticiais, onde estão localizados usos comuns especí-
ficos de forma dinâmica e expressiva, formando os “espaços que contém”. Dessa
forma, o segundo grupo se organiza de forma excêntrica por elementos diagonais
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX10
e abertos, enquanto o primeiro, de uso mais direcionado, se instala em volumes
ortogonais e contidos, para que tenham eficiência operacional correspondente.
As grandes diagonais da Biblioteca de Seatle anunciam seus vastos espaços
públicos, enquanto o volume modulado é funcional e prático. Combinados, estes
modos de articulação espacial geram um equipamento público que desafia não
apenas as convenções de estilo, mas também as de planejamento arquitetônico
antigas e conservadoras. Isto está bem expresso na proposta feita pelo projeto
sobre o que é a área de disponibilização de livros de uma biblioteca. Em Seatle, o
OMA cria um sistema organizacional de livros inovador – o qual batiza de “Es-
piral de Livros” – onde todos eles estão dispostos ao longo de uma fita que segue
uma rampa em espiral e possui capacidade para se adequar a uma coleção muitas
vezes maior à existente hoje na biblioteca.
Contudo, os exemplos inovadores não estão apenas nos mais novos proje-
tos estrangeiros. Em 1936, Mario de Andrade propôs uma biblioteca móvel que
circularia pela cidade através de diversos veículos que possuiriam parte do acervo
e o levariam para pontos específicos da cidade periodicamente. Essa ideia foi ado-
tada e existe até hoje no sistema de Ônibus-Biblioteca Mario de Andrade. Ela já
deixou de existir e voltou diversas vezes por dificuldades de infraestrutura, não
apenas nos seus módulos circulantes, mas principalmente por nunca ter possuí-
do um edifício sede projetado para receber os veículos de forma eficiente e fazer
a articulação entre o acervo fixo e o itinerante. Mesmo assim, o sistema atende
bairros desprovidos de recursos culturais, facilitando o acesso ao livro e incenti-
vando o interesse pela leitura como forma de apoiar a ação educativa da escola,
oferecendo oportunidades de enriquecimento cultural.
O conceito de arquitetura móvel já foi bem trabalhado por diversos ar-
quitetos, com soluções bastante interessantes. Renzo Piano tem alguns projetos
de sucesso nesse tema e, dentre eles, podemos destacar o Laboratório Móvel da
UNESCO (1979).
Nesse projeto, o objetivo era produzir um módulo itinerante que seria colo-
cado em centros de cidades degradados para promover atividades com intuito de
reabilitar essas áreas. O laboratório consiste em um corpo que não está atrelado
à máquina que o transporta – um cubo carregado por um pequeno caminhão. A
partir do momento em que ele é colocado no chão, suas paredes, formadas por
painéis articulados, se desdobram para gerar nichos de atividades. Uma tenda
dobrável é instalada como cobertura e o cubo de pouco mais de dois metros de
lado passa a configurar uma área coberta de mais de 36 metros quadrados.
Podemos concluir que tanto a Biblioteca Mario de Andrade quanto o Labo-
ratório da UNESCO:
“São arquiteturas itinerantes, mescla de mecânico e construto, e, às ve-
zes, não são incluídas no ‘vocabulário’ ou na prática da disciplina, pois
navios, trens, carros, etc. são associados a design e engenharia. Configu-
ram, no entanto, espaços de atividade humana e, por conseguinte, con-
figuram arquitetura.” 4
4 | BOGÉA, Marta, Cidade Errante: Arquitetura em movimento. São Paulo, Senac, 2009.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX12
São formas de pensar arquitetura e articular a cidade sem necessariamente
construir edifícios nas áreas carentes. Apresentam suas vantagens ao levarem as
atividades, por exemplo a de biblioteca, à regiões onde elas não existem, dando a
liberdade para a população se apropriar dos usos de um edifício sem a necessida-
de de se deslocar até ele. Isso é uma forma de integrar essa parcela da sociedade,
que fica excluída muitas vezes pelas enormes dificuldades impostas pelos grandes
centro urbanos no que tange a mobilidade e o crescimento não planejado das
cidades que afasta as pessoas da infraestrutura.
Entretanto, temos outros exemplos que devem ser levados em conside-
ração e que talvez tenham feito o caminho inverso para atingir o sucesso. Na
Colômbia, as bibliotecas têm sido usadas como instrumento para qualificar bair-
ros degradados e resolver grandes questões ligadas à articulação urbana em
diversas cidades.
Grande parte do país é urbanizado de forma irregular através da autocons-
trução, conformando imensas áreas de favela e bairros sem qualquer infraes-
trutura, que sofrem com problemas ligados à pobreza como violência, trafico de
drogas e falta de acesso ao ensino. Assim, umas das principais medidas dos go-
vernos municipais e federal da Colômbia é investir na construção de bibliotecas
de relevância regional ou municipal, não apenas nas áreas centrais, mas princi-
palmente na periferia.
Com isso, a biblioteca, apesar de ser uma construção pontual, tem ca-
ráter de intervenção urbanística de influência até municipal. Isso acontece ao
considerarmos que a implantação deste equipamento em formato de grande
porte em áreas periféricas trará não apenas facilidades locais como se tornará
atrativo de caráter extra-regional. Essa condição confere à comunidade onde
está implantada a biblioteca um edifício público que qualifica a região não ape-
nas ao promover a cultura e a educação através dos livros e de atividades de
ensino, mas também ao gerar espaços públicos de qualidade integrados à cidade
construída. Mais além, ao desenvolver um grande projeto de destaque arquite-
tônico e funcional em regiões periféricas, inverte-se a lógica do deslocamento
periferia-centro. A nova edificação pode conformar um marco para a região,
que passa a ser um atrativo para aqueles que habitam em outros sítios, fazendo
com que moradores das áreas centrais também possam desfrutar de estruturas
encontradas na periferia, e não apenas o contrário. Essa situação inverte o va-
lor que as áreas centrais de muitas cidades possuem por terem uma relevância
cultural superior as demais, independente da concentração populacional. Ou
seja, essa proposta encontrada na Colômbia busca equalizar as regiões urbanas
e acabar com a “má distribuição de cidade”.
Talvez seja possível dizer que os Centro Educacionais Unificados (CEU), im-
plantados no governo Marta Suplicy em São Paulo, partem de um objetivo seme-
lhante. São praças-equipamento que disponibilizam estruturas antes pouco en-
contradas nas regiões periféricas e buscam se inserir nas áreas pobres da cidade
como articuladores da região, sendo apresentados por um de seus idealizadores, o
professor Dr. Alexandre Delijaicov da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
USP, como Centros de Estruturação Urbana. Mas é importante destacar também
que, na Colômbia, a ideia foi aplicada junto com um plano mais abrangente do que
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX14
a construção de edifícios. Dessa forma, alguma bibliotecas são articuladas com
conjuntos habitacionais populares, promovendo a mistura de usos como forma
de conectar os projetos. Mais do que isso, a profissão de bibliotecário passou a ser
muito mais valorizada e os acervos das bibliotecas são vastos e de alta qualidade.
Isso também contribuiu muito para o sucesso dos projetos, que talvez não tives-
sem obtido o mesmo desempenho urbanístico sem esses conceitos.
São muitos os exemplos que podemos encontrar de edifícios articuladores
da cidade e, dentre eles, as bibliotecas se destacam por sua importância históri-
ca e conceitual. Mantendo suas portas abertas ao público desde o Renascimento
mesmo com todas as mudanças culturais e materiais trazidas pelos anos, elas se
mostram uma conquista, prova de que os livros são a melhor forma de armazena-
mento de informações e devem estar disponibilizados em bibliotecas, que devem
ser públicas. Estão sofrendo um recente processo de revisão de conteúdo e forma-
to para se adequar à novas tecnologias, dando origem às midiatecas. Mas acima
de tudo, continuam a intrigar os arquitetos com a ideia de dar uma forma limita-
da e finita para algo que conceitualmente é ilimitado e infinito: o conhecimento.
A pesquisa tem como proposta estudar como criar edifícios que articulem bem as
grandes questões urbanas de forma a construir uma cidade interligada e que pos-
sibilite sua apropriação por parte dos habitantes. Dessa forma, a ideia é entender
como um projeto localizado está construindo a cidade como um todo, partindo do
pressuposto de que ela se forma da união de inúmeros projetos pontuais, que de-
vem se articular independentemente da simultaneidade de suas construções. Vi-
sa-se também entender como se constroem os espaços de convívio dos habitantes
e como se projeta espaços de transição entre as diferentes hierarquias espaciais
do âmbito público e privado.
Aliado a isso, o estudo do edifício da biblioteca se justifica na sua impor-
tância histórica para formação das cidades, tanto filosoficamente, no plano das
ideias, quanto praticamente, tendo em vista seu caráter cultural e pedagógico
para o desenvolvimento de uma sociedade. Assim, a biblioteca oferece um gran-
de potencial como edifício público que pode abrigar funções responsáveis pela
qualificação de seu entorno e até mesmo de sua cidade. Não obstante, essas fun-
ções deixam de ser as mesmas que se mantiveram desde sua criação para agregar
emergentes possibilidades de adaptação às novas mídias e dinâmicas urbanas.
Dessa forma, visa-se entender e propor como um edifício pode qualificar
seu entorno física, cultural e socialmente. Concomitantemente, pretende-se es-
tudar, dentro de toda sua complexidade, a biblioteca como equipamento público
de grande potencial e importância, buscando uma alternativa ao questionamento
real de seu valor na atual situação de desenvolvimento tecnológico e disponibili-
dade maciça de informações para qualquer um que possua conexão on line.
OBJETIVOS
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 15
A pesquisa está vinculada ao Grupo de Pesquisa em Projetos de Arquite-
tura de Equipamentos Públicos (GPPAEP), coordenado pelo Prof. Dr. Alexandre
Delijaicov 5, ao orientador da pesquisa Antonio Carlos Barossi 6 e à coorientadora
Marta Bogéa 7. O GPPAEP é um grupo formado por estudantes e professores com
intuito de reunir pesquisadores com a mesma abordagem para que uma pesquisa
complemente a outra em encontros periódicos e trocas de informações. Enten-
de-se assim que trabalhos diferentes podem se complementar, enriquecendo a
pesquisa e o repertório dos membros do grupo. Ao mesmo tempo, a proposta dele
é produzir projetos de edifícios, a partir do momento que se considera projeto
como forma de pesquisa, já que para todo desenho de arquitetura é necessário
uma pesquisa aprofundada sobre diversos assuntos como fundamentação teóri-
ca para viabilizar bons resultados.
Com isso em vista, o objetivo do trabalho a ser desenvolvido é a produção
de um novo projeto, ou seja, de desenhos, textos e modelos tridimensionais que o
representem. Portanto, é o desenvolvimento do projeto de uma biblioteca guiado
por pesquisas, estudo de edifícios já existentes e análise de obras. Esse embasa-
5 | O Professor Dr. Alexandre Delijaicov também coordena o grupo de infraestruturas que pesquisa o hidro anel metropolitano, além de ser um dos formuladores e projetadores dos Centros Educacionais Unificados, sistema de equipamentos públicos em São Paulo.6 | O Professor Dr. Carlos Antonio Barossi já orientou trabalhos de conclusão de curso e participou de bancas de TCC sobre arquitetura de bibliotecas.7 | A Professora Dra. Marta Bogéa tem doutorado no tema arquitetura móvel, que gerou o livro “Cidade Errante” além de já ter coordenado o workshop “Tecer Tramas” em 2010 sobre o ônibus-biblioteca.
mento teórico deve orientar a escolha de parâmetros do projeto, como o terreno
de implantação, o partido, o desenho e a justificativa urbana. O produto final deve
se concretizar, então, com textos que apontem conclusões e descobertas a cerca
da arquitetura de edifícios na construção da cidade e em um projeto de biblioteca
que se utilize delas para a proposição de uma solução urbana e edificável.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX16
A princípio, o método de trabalho está dividido em três vertentes: pesquisa bi-
bliográfica, análise de projetos existentes e desenvolvimento de um meta-projeto.
Para tanto, o estudo se iniciará debruçado na bibliografia específica, de onde se-
rão levantados e problematizados os principais conceitos a serem empregados no
projeto. A pesquisa estará amparada por livros, revistas e sites que possibilitem o
estudo de conceitos arquitetônicos e urbanísticos que visem a integração do edi-
fício com a cidade e que tratem de premissas e desafios da elaboração do projeto
de uma biblioteca.
Ademais, o estudo de projetos existentes de bibliotecas se dará por leitura
crítica de textos e imagens referentes a pelo menos três exemplos diferentes, que
permitam a compreensão de como cada situação lidou com as problemáticas en-
contradas para esse desafio projetual. Para melhor compreensão, croquis esque-
máticos, diagramas e estudos volumétricos serão bem vindos.
Outra forma desejada de estudo é a visita à campo e conversa com arquite-
tos. Para tanto, uma ou mais bibliotecas serão selecionadas para análise presen-
cial do projeto ou em entrevistas com arquitetos, de forma a compreender seu
processo construtivo e sua organização espacial de forma mais clara. Algumas
possibilidades são a nova Biblioteca Brasiliana José Mindlin da Universidade de
São Paulo, o Ônibus-Biblioteca Mario de Andrade, a Midiateca da PUC-RIO e a
Biblioteca São Paulo.
Em se tratando de um estudo urbano e arquitetônico, que envolve di-
versos fatores complexos que não fazem parte das ciências exatas, um dos prin-
cipais métodos utilizados na pesquisa será a comparação. Ao analisar projetos
e situações e coloca-los lado a lado, podemos tirar conclusões preciosas que nos
permitam avançar em nossos estudos.
Por fim, o desenvolvimento de um projeto – ou anteprojeto – será a for-
ma de assimilar a compreensão dos vários itens analisados e principalmente
é uma forma concreta de aprendizado, já que um estudante de Arquitetura e
Urbanismo necessita não apenas da teoria, mas também da prática para uma
boa formação. Essa é a maneira de aprendizado do pensamento de projeto, das
técnicas de desenho e representação e de concretizar um estudo em forma de
solução espacial e construtiva.
Dessa forma, em conjunto com o Grupo de Estudos em Projeto de Arqui-
tetura de Equipamentos Públicos da FAUUSP, orientado pelo Prof. Dr. Alexandre
Delijaicov, a pesquisa estará articulada a encontros regulares com outros pesqui-
sadores e profissionais que juntos organizam entrevistas com arquitetos e ur-
banistas, visitas à obras, levantamento de dados e desenvolvimento de projetos
de frentes variadas. Compreende-se, então, uma complementaridade de conhe-
cimentos e práticas que enriquece a pesquisa e a torna parte de estudos maiores.
METODOLOGIA
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 17
Cidades como São Paulo carecem de espaços públicos hoje mais do que nunca. São
cidades que cresceram em ritmo acelerado em um período em que o pensamento
urbanístico foi negligenciado em função da implementação do automóvel, que
passou a ser o cidadão protagonista. Essas cidades não tiveram o mesmo tempo
de crescimento que as cidades antigas na Europa, por exemplo, cresceram em
poucas décadas, se estendendo por dezenas de quilômetros, de forma que gran-
de parte do que foi construído pelo poder público para acompanhar essa expan-
são foram infraestruturas de transporte automobilístico e quando muito alguns
equipamentos públicos de primeira necessidade, como creches e postos de saúde.
O planejamento de espaços públicos passou longe desse crescimento e a maior
parte das praças e áreas verdes ficou restrita à restos de traçados viários como
rotatórias, alças de acesso e bifurcações. Não é necessário dizer que não são ade-
quadas ao uso e se tornam espaços esquecidos pelas pessoas. Ademais, restaram
as calçadas para o uso público. Contudo, quando existem, ou são muito estreitas
e abarrotadas de postes, árvores e canteiros, ou não são nem caminháveis, dei-
xando aos pedestres a escolha de caminhar pelo próprio leito carroçável. Mesmo
quando possuem dimensão para receber os passantes, as calçadas ainda não pro-
videnciam uma capacidade do usuário utiliza-la como espaço público. Podemos
observar, por exemplo, que avenidas largas e movimentadas como a Avenida
Paulista e a Avenida Faria Lima em São Paulo possuem pouquíssimos bancos ou
lugares para as pessoas sentarem. Jan Gehl, fundador da empresa da empresa de
Consultoria de Qualidade Urbana Gehl Architects, ressalta em seu livro Cidades
para pessoas que “uma boa cidade pode ser reconhecida pela quantidade de pes-
DAS RELAÇÕES ENTRE A ARQUITETURA E O URBANISMO
soas que não estão andando”. Se a cidade oferece qualidade de vida, isso se reflete
na quantidade de pessoas que estão utilizando o espaço público não apenas para
circular, mas também para descansar, comer, estudar, etc.
Considerado isso, devemos entender que em uma cidade como essa, não
devemos esperar uma remodelação completa dos espaços como forma de corri-
gir os erros que acompanharam seu crescimento. Estamos lidando com cidades
consolidadas, que não possuem mais espaço para grandes projetos de desenho
urbano como o de Cerdà para Barcelona e estamos trabalhando com a premissa
de que não se pode querer refazer tudo do zero como dizia Le Corbusier sobre
Paris. Sobre isso, Rem Koolhaas escreve:
“If there is to be a “new urbanism” it will not be based on the twin fanta-
sies of order and omnipotence; it will be the staging of uncertainty; it will
no longer be concerned with the arrangement of more or less permanent
objects but with the irrigation of territories with potential; it will no lon-
ger aim for stable configurations but for the creation of enabling fields
that accommodate processes that refuse to be crystallized into definiti-
ve form; it will no longer be about meticulous definition, the imposition
of limits, but about expanding notions, denying boundaries, not about
separating and identifying entities, but about discovering unnameable
hybrids; it will no longer be obsessed with the city but with the manipu-
lation of infrastructure for endless intensifications and diversifications,
shortcuts and redistributions – the reinvention of psy- chological space.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX18
PRAÇAS EM SÃO PAULO VERDE = PRAÇAS, CINZA = LEITO CARROÇÁVEL, AZUL = ÁGUA, BRANCO = ÁREA EDIFICADA
OS TRÊS PRIMEIROS DESENHOS SÃO BASEADOS EM PRAÇAS ENCONTRADAS EM SÃO PAULO. VEMOS QUE SE TORNAM ILHAS EM MEIO AO TRÁFEGO DE AUTOMÓVEIS. NÃO SE RELACIONAM NEM COM OS EDIFÍCIOS NEM COM RIOS OU CÓRREGOS – ESTES ÚLTIMOS TAMBÉM FICAM ISOLADOS DOS PEDESTRES.
TRÊS DESENHOS DE BAIXO REPRESENTAM FORMAS COMO AS PRAÇAS SE RELACIONAM COM OS EDIFÍCIOS E COM OS RIOS EM OUTRAS CIDADES OU EM RAROS CASOS EM SÃO PAULO. SÃO CONTINUAÇÕES DA CALÇADA E MANTÉM CONTATO DIRETO COM AS ATIVIDADES URBANAS.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 19
Since the urban is now pervasive, urbanism will never again be about
the new only about the “more” and the “modified.” It will not be about the
civilized, but about underdevelopment.” 8
O que Koolhaas nos diz é que a nova forma de pensar o urbanismo não
pode ser a de idealizar grandes planos urbanos que busquem um desenho cor-
reto e fixo para a cidade, mas sim buscar a inteligência de adaptar, de modificar
os espaços existentes e transformá-los de acordo com as novas necessidades da
sociedade contemporânea. Devemos pensar a cidade através de solução sistêmi-
cas que saibam manipular a infraestrutura para permitir quantas modificações
forem necessárias.
Tendo isso em vista, entra a importância dos equipamentos públicos no
pensamento urbano contemporâneo. Agora, esses edifícios adquiriram novas
funções, muito mais abrangentes do que aquelas para as quais são planejados
tradicionalmente. Para compreender isso, podemos nos debruçar sobre um
curioso caso que apareceu nos jornais de São Paulo em janeiro de 2014. Após
conseguir uma liminar da justiça, um shopping da cidade conseguiu proibir o
uso de seu espaço para atividades de encontro cotidiano e lazer, tornando proi-
bido o uso do centro comercial para qualquer um que não tenha o objetivo de
fazer compras. Isso nos mostra uma importante informação sobre São Paulo.
Ela carece tanto de espaços públicos que centros comerciais privados passam a
desempenhar essa função, mesmo que sem intensão. Muito mais grave do que
8 | KOOLHAAS, Rem. S,M,L,XL, OMA. New York: The Monicelli Press, 1995, pp. 959/971.
isso, os lugares de encontro e de lazer são mal distribuídos na cidade, e os mais
pobres acabam sendo os mais prejudicados, já que quanto mais próximo das
periferias, existem menos praças, parques, calçadas e possibilidades de espaços
de estar. As pessoas passaram a se apropriar de estruturas urbanas que não são
projetadas como espaços públicos como forma de compensar a carência da cida-
de. A transformação do Elevado Costa e Silva em São Paulo em parque aos do-
mingos é um dos maiores exemplos disso. Mesmo sem acessos fáceis, banheiros
públicos, arborização, bancos ou qualquer outro tipo de adaptação do Elevado,
as pessoas passaram a utiliza-lo como se ele tivesse sido pensado para isso.
É dessa forma que os equipamentos públicos nos interessam nessa pes-
quisa. Como se pode levar espaços públicos para a cidade e torna-los articula-
dores da vida urbana com a implementação de um edifício? Trata-se de uma
intervenção pequena mas com grande potencial de alteração do espaço. Vemos
isso acontecendo em lugares como os Sescs. São equipamentos públicos que le-
vam uma série de atividades para comunidades da cidade e tem o potencial de
fornecer espaços públicos muito utilizados. O Sesc Pompeia 5 , por exemplo,
mais do que as atividades que proporciona, trouxe em seu desenho uma nova
rua interna que se torna um ambiente de extrema vitalidade durante o dia.
Mesmo assim, ainda possui uma vida limitada ao períodos em que os portões
estão abertos e perde a oportunidade de se tornar uma conexão da região.
Um fenômeno que nos interessa considerar nessa pesquisa também é a
histórica separação entre arquitetura e urbanismo na construção das cidades
brasileiras. Não é o objetivo aqui tentar precisar uma data para esse processo,
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX20
5 SESC POMPEIA: PLANTA E USOVEMOS NA PLANTA COMO OS ESPAÇOS INTERNOS DOS EDIFÍCIOS SE CONECTAM ATRAVÉS DA RUA PRINCIPAL ATÉ CHEGAREM AO DEQUE DE MADEIRA LINEAR QUE SERVE COMO PRAÇA. A FOTO MOSTRA A COMBINAÇÃO DE MATERIAIS DA CONSTRUÇÃO E A LIBERDADE DE USO QUE PERMITE QUE CRIANÇAS CORRAM E BRINQUEM COMO EM UMA RUA DA CIDADE.(IMAGEM CRIADA PARA ILUSTRAR UM TEXTO DA REVISTA CONTRASTE 2)
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 21
nem mesmo se aprofundar em seus motivos, mas devemos tem em mente que ele
existe para que possamos nos posicionar em relação a ele. O que se deve entender
é que por anos, os problemas urbanos ficaram restritos à decisões políticas des-
preocupadas com a forma. Enquanto isso, os arquitetos realizaram suas maiores
obras dentro de lotes limitados aos muros.
O que pretendo dizer com isso é que as obras arquitetônicas não tem con-
tribuído com a geração de urbanidade, pois deixaram de ter relevância para além
de seus muros. Mesmo do ponto de vista paisagístico não existe um pensamento
do conjunto dos edifícios construídos na cidade, o que é mais um fator de des-
qualificação do espaço, que se torna quase que autoconstruído. Mesmo em casos
como os Sescs e outros equipamentos públicos vemos que do edifício para fora
não existe melhoria do espaço, às vezes até mesmo uma piora, já que os muros são
deixados voltados para a rua, que se torna pouco ativa e perigosa. Se observar-
mos mais uma vez o Sesc Pompéia, perceberemos que sua entrada, na Rua Clélia,
torna a rua convidativa e muito utilizada. Contudo, na fachada da rua Barão do
Bananal, encontramos apenas uma grande muro que se estende por quase toda
ela, com exceção de uma entrada secundária do teatro que nunca é utilizada por
questões que também se relacionam com a gestão do conjunto. Isso torna a rua
Barão do Bananal um espaço opressivo que transmite insegurança e não é nada
convidativo ao pedestre. Sobre isso, Jane Jacobs escreve:
“...uma rua movimentada consegue garantir segurança; uma rua de-
serta não.
[...]
Uma rua com infraestrutura para receber desconhecidos e ter a segu-
rança como trunfo devido à presença deles – como a rua dos bairros
prósperos – precisa ter três características principais:
Primeira, deve ter nítida separação entre espaço público e espaço pri-
vado. O espaço público e o privado não podem misturar-se, como nor-
malmente ocorre em subúrbios ou em conjuntos habitacionais.
Segunda, devem existir olhos para a rua, os olhos daqueles que pode-
mos chamar de proprietários naturais da rua. Os edifícios de uma rua
preparada para receber estranhos e garantir a segurança tanto deles
quanto dos moradores devem estar voltados para a rua. Eles não podem
estar com os fundos ou um lado morto para a rua e deixa-la cega.
E terceira, a calçada deve ter usuários transitando ininterruptamente,
tanto para aumentar na rua o número de olhos atentos quanto para in-
duzir um número de suficiente de pessoas dentro dos edifícios da rua a
observar as calçadas. [...]” 9
Essa cisão entre essas duas áreas do conhecimento parece ter afetado em
muito a forma como elas são tratadas até hoje no Brasil. Os urbanistas ficaram mui-
to voltados à problemas sociais – que são alarmantes em nosso país – como o direito
à moradia adequada, e deixaram a preocupação com a forma para os arquitetos.
9 | JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 1ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX22
RUA BARÃO DO BANANAL, LADO DO SESC POMPÉIA(FOTO TIRADA DO GOOGLE STREET VIEW)
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 23
Contudo, limitados a atuar dentro dos lotes segundo a legislação construtiva, esse
pensamento espacial não ganhou um caráter urbano. São poucos os edifícios em
São Paulo que conseguiram integrar uma alteração extra-lote no seu desenho.
Esse trabalho parte então do interesse de trazer um caráter mais urbano aos
projetos de edifícios públicos. Nos dias de hoje eles já vem desempenhando funções
muito mais abrangentes que dizem respeito a vida em espaço público e à promoção
de atividades culturais, de ensino e lazer. Muito mais do que isso, a implantação de
um edifício deve levar em conta os efeitos de sua arquitetura para o entorno e de
como seu desenho pode trazer mais vitalidade e qualidade de espaço para as ruas
e para o bairro.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX24
Como ponto de partida desta pesquisa, escolhi dois estudos de caso de projetos
com os quais tive contato durante minhas atividades acadêmicas e extracurri-
culares. O primeiro é o projeto dos Centros Educacionais Unificados (CEU) que
tem como um de seus idealizadores o professor da FAUUSP Alexandre Delijaicov,
que também é coordenador do Grupo de Pesquisa em Equipamentos Públicos da
FAUUSP. O segundo são os Parques-Biblioteca de Medellín, que conheci em uma
palestra ministrada por Alejandro Echeverri – um dos idealizadores do projeto
– na Biblioteca Mario de Andrade em 2013. Ambos os projetos tem como carac-
terística fundamental a implantação de edifícios de equipamentos públicos em
áreas da cidade que sofrem com problemas sociais e ambientais com o objetivo de
levar certos princípios urbanísticos para a região à fim de requalificá-la. Os urba-
nistas colombianos que elaboraram os Parques-Bibliotecas tiveram contato com
os projetos dos CEU em São Paulo em uma experiência de aprendizado mútuo, o
que leva os projetos colombianos a apresentarem diversas semelhanças concei-
tuais, além de várias diferenças, nos permitindo estabelecer uma comparação dos
dois casos.
- OS CEU -
“O atual projeto dos CEU constitui mais um passo em uma longa histó-
ria de interação entre arquitetos e educadores no desenvolvimento de
propostas para enfrentar a perversidade do processo de urbanização
das nossas cidades” 10
Os CEU são produto de um diálogo intenso entre educadores e arquitetos que
colocam a escola como objeto de transformação de agrupamentos populacionais
heterogêneos da cidade de São Paulo. Sendo assim, a escola passa a ser entendida
como instrumento de estruturação da cidade e da sociedade. Eles são herdeiros
de um conceito de escola anterior proveniente de da mescla da concepção pro-
gramática do educador Anísio Teixeira e da forma arquitetônica moderna dos
arquitetos Hélio Duarte e Diógenes Rebolças, as escolas parque. É justamente o
caráter de proposta pedagógica vinculada à proposta arquitetônica que tornou
as escolas parque um projeto tão interessante e que torna os CEU um objeto de
estudo valioso.
Nas escolas parque as atividades previstas foram estruturadas em três con-
juntos dispostos das mais variadas formas em terrenos amplos e ajardinados, in-
terligados por marquises. Os blocos de ensino (salas de aula, museu e biblioteca),
administração e recreação (área esportiva e galpão coberto para o recreio) forma-
vam conjuntos que tinham ênfase nas atividades de socialização dos alunos entre
si e destes com a comunidade local.
O projeto dos CEU, seguindo um caminho parecido, agrupa o programa
em três conjuntos volumétricos. O maior, em forma de grelha ortogonal, engloba
10 | ANELLI, Renato Luiz Sobral. Centros Educacionais Unificados: arquitetura e educa-ção em São Paulo. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-tos/05.055/517. Acessado em: 10/12/2013
AS EXPERIÊNCIAS DOS CEU E DE MEDELLÍN
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 25
salas de aula, refeitórios, biblioteca, programa de inclusão digital, padaria-escola,
áreas para exposições e para convivência. O menor, em forma de disco elevado do
solo, abriga a creche. O terceiro é um paralelepípedo de cinco andares que reúne o
teatro, ginásio esportivo e sala de ensaios de música. Tudo isso é feito com estru-
turas pré-moldadas disponíveis no mercado que possibilitam a execução rápida
de várias unidades dos CEU, sendo feitas 21 na primeira fase e 24 na segunda.
Para atenuar o efeito desse processo construtivo foram utilizados alguns recursos
arquitetônicos simples os quais Renato Anelli destaca:
“Alguns recursos de projeto, como o recuo da estrutura horizontal do
segundo pavimento em relação ao plano externo da grelha e a forma im-
plantação dos painéis de vedação do bloco de teatro, denotam a intenção
dos autores em atenuar o impacto dessa opção construtiva, usualmente
associada às construções fabris. Assim, o forte aspecto tectônico é sub-
metido a uma visualidade geométrico-abstrata onde os volumes prin-
cipais procuram uma pureza formal tencionada apenas por pequenos
volumes agregados que acentuam acessos e circulações e conferem uma
certa escala humana à forma. Participam do conjunto duas torres cilín-
dricas de caixa d’água, dispostas para conferir um contraponto vertical
à horizontalidade dominante e marcar o acesso principal.” 11
11 | ANELLI, Renato Luiz Sobral. Centros Educacionais Unificados: arquitetura e educa-ção em São Paulo. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitex-tos/05.055/517. Acessado em: 10/12/2013
Os três volumes permitem um leque de opções de implantação que podem
variar com o terreno com a escolha do arquiteto responsável. Existem dois par-
tidos de implantação mais comuns: a distribuição perpendicular dos edifício, fa-
zendo com que o espaço entre eles remeta à uma praça urbana; o alinhamento
dos blocos em um longo edifício único. A grelha ortogonal da estrutura permite
flexibilidade na configuração para se adaptar a variações no programa e diferen-
tes implantações. Mesmo assim, a degradação urbana e social da periferia de São
Paulo dificulta uma interação mais aberta com o tecido urbano circundante, que
muitas vezes se torna desconexo do equipamento.
O CEU quer inaugurar uma nova urbanidade nos bairros onde é implan-
tado. Mais do que isso, ele introduz aos habitantes dessas comunidades conceitos
pouco presentes em suas vidas como atividades culturais relacionadas à musica
e ao teatro e uma nova forma de se relacionar com o meio ambiente. Como a
ocupação descontrolada das periferias tomou quase todo o espaço livre, os espa-
ços que restaram para a implantação de equipamentos públicos se tornaram as
áreas de preservação como várzeas e nascentes. Os arquitetos dos CEU tiraram
proveito disso e introduziram o partido de incorporar rios e córregos no ambiente
urbano. Redesenhando as margens e integrando às praças esportivas e piscinas
eles deram um novo significado aos cursos d’água, que deixaram de ser os fundos
das edificações.
No atual governo de São Paulo está sendo criado pela prefeitura o conceito
de “Territórios CEU”. Trata-se da tentativa de tornar os CEU parte de um sistema
de equipamentos e espaços públicos interligados. É um refinamento do conceito
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX26
CEU ROSA DA CHINAPODEMOS OBSERVAR FACILMENTE NA PLANTA OS VOLUMES UTILIZADOS PARA CONSTITUIR O COMPLEXO. A FOTO MOSTRA QUE AO VIVO, TAMBÉM SE PERCEBE AS FORMAS QUE IDENTIFICAM CADA FUNÇÃO DO PROGRAMA.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 27
de equipamento público que caminha no sentido das praças de equipamentos e
visa um caráter mais metropolitano. Trata-se de instalar novos CEU próximos à
edifícios públicos de outras naturezas e possibilitar uma requalificação do entor-
no visando uma conexão entre todos esses espaços públicos através de ciclovias e
calçadas que permitam a transformação desse “território” em um espaço público
qualificado e contínuo.
O conceito de “sistema” é algo estudado também por outro laboratório de
pesquisas da FAUUSP. O Quapá trabalha em cima do que chama de sistema de
espaços livres. Para entender esse conceito é necessário enxergar que “espaços
livres” não são a mesma coisa que “espaços verdes”, são na verdade qualquer es-
paço livre de construção. Isso significa que todas as áreas não edificadas da cidade
fazem parte desse sistema, desde praças e parques até ruas e vielas. Dessa forma,
para construir um sistema qualificado de espaços livres, deve-se pensar todas as
formas de relações entre esses espaços e como se dá sua leitura volumétrica e
paisagística.
“A qualidade espacial urbana está diretamente vinculada à existência
de inúmeros e generosos espaços livres, diversificados, tratados paisa-
gisticamente, arborizados, equipados, bem mantidos, atendendendo às
variadas demandas sociais. Entende-se ainda que a realização da esfera
pública exige espaços livres amplamente acessíveis para o seu desenvol-
vimento.
Os espaços livres são essenciais para a superação de significativos
problemas ambientais enfrentados pelas cidades brasileiras e lugares
fundamentais para a construção da sociedade verdadeiramente demo-
crática e justa.
O sistema de espaços livres (SEL) não se define somente a partir dos
seus elementos constituintes, mas também das relações entre todos os
espaços livres de edificações urbanos, independentemente de sua dimen-
são, qualificação estética e funcional, de sua localização, sejam eles públi-
cos ou privados.
A idéia de sistema se apóia sobretudo na vinculação funcional e am-
biental, já que fisicamente somente os espaços públicos estão conectados
entre si, principalmente pelo sistema viário. Nele, ruas, avenidas e vielas
estão totalmente conectadas permitindo ao usuário, em tese, o acesso vi-
sual ou ainda físico tanto às construções e aos espaços livres a elas vin-
culados, assim como a parques, praças, calçadões e aos demais espaços
livres públicos.
Devido a este papel integrador e por seu intermédio se dar grande
parte da vida urbana cotidiana, tanto no quesito circulação como das de-
mais atividades sociais, tem-se que as vias podem ser consideradas como
os mais importantes espaços livres públicos de qualquer cidade.” 12
É, portanto, fundamental incluir um pensamento sistêmico em interven-
12 | MACEDO, Silvio Soares. Os sistemas de espaços livres e a constituição da esfera pública contemporânea no Brasil. 1ª Edição. São Paulo: FAUUSP, 2013.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX28
TERRITÓRIO CEUEXEMPLO DE FUNCIONAMENTO: TERRITÓRIO CEU TATUAPÉ(IMAGENS RETIRADAS DO SITE DA PREFEITURA DE SÃO PAULO)
TERRITÓRIO CEUEXEMPLO DE FUNCIONAMENTO: TERRITÓRIO CEU JOSÉ BONIFÁCIO(IMAGENS RETIRADAS DO SITE DA PREFEITURA DE SÃO PAULO)
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 29
ções urbanas, já que em uma cidade todos os espaços já estão conectados, mas
poucas vezes pensados. Vemos também a importância da relação os edifícios com
a rua – que por serem os principais espaços livres da cidade – já que eles alteram
não só a percepção desse espaço mas também a forma como ele funciona. Assim,
a provocação de Alexandre Delijaicov ao tratar os CEU como Centros de Estru-
turação Urbana deve-se à necessidade de enxergar esse potencial nos edifícios
públicos, quando bem implantados e sistematizados, podem trazer grandes mu-
danças para as comunidades locais.
- OS PARQUES-BIBLIOTECA DE MEDELLÍN -
Nos últimos anos, a Colômbia tem se tornado um país de referência no manejo e
planejamento de suas cidades. Bogotá – a capital – já foi tema de bienais de arqui-
tetura pelo mundo, mostrando como a implementação de políticas públicas liga-
das ao planejamento territorial e a implantação de projetos arquitetônicos e ur-
banísticos tem reduzido drasticamente os índices de criminalidade e melhorando
a qualidade de vida da cidade. Há alguns anos, Bogotá era um lugar que poucas
pessoas desejariam conhecer e quiçá morar, pois apresentava elevadas taxas de
pobreza, violência, tráfico de drogas e outros indicadores de baixa qualidade de
vida. Contudo, essa situação vem mudando e Bogotá passou a ser um exemplo
internacional de como lidar com grandes problemas urbanos.
O arquiteto colombiano Carlos Niño Murcia discute em uma entrevista re-
alizada para a Bienal de Arquitetura de Veneza de 2006 a arquitetura pública re-
cente de Bogotá. Nela ele destaca que as cidades se estruturam em três elementos
fundamentais: os monumentos, as residências e o espaço públicos. O primeiro, diz
ele, são as instituições, criadas pela sociedade para assegurar sua coesão e seu de-
senvolvimento. Ela e seus valores se representam através dos edifícios públicos,
que devem ter um caráter público e aberto, uma localização privilegiada e uma
maior elaboração de seus materiais e elementos de plasticidade e espacialidade.
Em Bogotá, foram implantadas pelo governo municipal três grandes bibliotecas
públicas em áreas da cidade onde não havia esse tipo de equipamento. O intuito
foi levar a comunidades carentes a oportunidade de possuir e utilizar a boa ar-
quitetura. Desse ponto de vista, Murcia considera que elas obtiveram sucesso e
ajudaram no acesso ao serviço e a requalificação das regiões. Mesmo assim, ele
reconhece que a Biblioteca de El Tinal, por exemplo, poderia ter sido melhor im-
plantada, pois careceu de acesso fácil via transporte público e gerou uma esplana-
da muito grande e pouco utilizada, a qual ele compara a Brasília.
Num caminho muito parecido com o de Bogotá, a cidade de Medellín pas-
sou a fazer reformas urbanas que também obtiveram grandes resultados. Apesar
de se tratar de uma cidade bem menor – Bogotá possui cerca de oito milhões de
habitantes enquanto Medellín possui aproximadamente três – era uma das mais
violentas e dominadas pelo tráfico de drogas em todo país. Sua geografia única em
forma de grande vale – cuja área mais alta está a mais de mil metros de altura da
várzea do Rio Medellín – isolava completamente as populações mais pobres nos
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX30
topos de morro onde não existia quase nenhuma infraestrutura de mobilidade ou
equipamentos públicos que atendessem a população.
Pensando nisso, foi elaborado um plano de “acupuntura urbana”, espalhan-
do pequenos projetos pontuais pela cidade visando uma requalificação geral. Essa
estratégia permitiu melhorar os espaços que já existiam em vez de refaze-los do
zero. Ao mesmo tempo, ao espalhar igualmente pela cidade essas intervenções,
foi evitado um processo de expulsão populacional e gentrificação.
Esse trabalho foi dividido em cinco conceitos. O primeiro é trabalhar os
espaços de fronteira, o qual buscou direcionar os projetos para áreas de conflito e
disputa de poder entre diferentes comunidades da cidade, ou onde o acesso é difi-
cultado por falta de infraestrutura de transposição. Dessa forma, visa-se entregas
melhor as regiões e os habitantes.
O segundo ponto seria dar visibilidade à cidade através de uma discussão
integrada dos problemas urbanos. Nela, foram envolvidos desde a população ca-
rente até empresários e grandes comerciantes. Seguido disso, existe a preocupa-
ção com a rua, entendendo que se trata do principal espaço público da cidade.
Assim, foram recuperadas calçadas, ruas de carro se tornaram peatonais, foram
implementados mobiliário urbano e nova iluminação.
O quarto ponto é cultura e comunicação. Foram criados inúmeros programas
culturais e educacionais vinculados à projetos arquitetônicos, servindo como forma
de tirar as crianças das drogas e da violência. Por último, foi destacado a beleza dos
novos edifícios públicos. “Os edifícios mais belos devem estar nas comunidades mais
pobres”, destacou Alejandro Echeverri em palestra na Biblioteca Mario de Andrade.
Para execução desse plano, o principal objeto de requalificação utilizado
foram equipamentos públicos, em especial as bibliotecas. Chamadas de parque-
biblioteca elas sempre acompanharam a implementação de espaços livres públi-
cos abertos em sua implantação, recuperando os espaços existentes. Quando era
necessária a desapropriação de casas para a construção desses edifícios, os proje-
tos passavam a abarcar a parte residencial também, de forma de toda a população
sempre era realocada para a mesma área em conjuntos habitacionais integrados
ao espaço públicos criado. Ao mesmo tempo, sempre se buscou integrar nas in-
tervenções a implementação de novas infraestruturas de transporte, como o me-
trocable, que é uma espécie de teleférico que ajuda a vencer os grandes desníveis
de Medellín.
Todos os projetos de edifício e espaço públicos implantados na cidade fo-
ram resultado de concursos internacionais. Dessa forma, cada um deles possui
propostas diferentes e arquiteturas originais, que levam uma identidade única
seus bairros. Essa estratégia também contribuiu para trazer mais visibilidade in-
ternacional à cidade, que passou a ser um novo polo de atração turística e de
investimentos dentro do país
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 31
IMPLANTAÇÃO DE ESPAÇOS PÚBLICOS EM ÁREAS DE DIFÍCIL ACESSO EM MEDELLÍN
REQUALIFICAÇÃO DAS RUAS EM MEDELLÍN, TRANSFORMAÇÃO EM RUAS COMPARTILHADAS POR CARROS E PEDESTRES
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX32
PARQUES-BIBLIOTECA EM MEDELLÍNPARQUE-BIBLIOTECA SAN JAVIER (ACIMA); PARQUE-BIBLIOTECA LA LADERA (ABAIXO)
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 33
- MUROS OU PORTAS? -
Apesar de apresentarem naturezas muito similares, os CEU e os parques-biblio-
teca de Medellín possuem formas de intervenção muito distintas. O que nos cabe
analisar nessa pesquisa não são tanto as diferenças programáticas dos edifícios
em cada caso, mas a forma de interação deles com o espaço público e como cada
um foi capaz de intervir nas dinâmicas do bairro ou da cidade.
A direção dessa pesquisa é a mesma da filosofia do escritório de consultoria
de qualidade urbana Gehl Architects quando se trata do pensamento conjunto
das formas urbanas. Ela é uma crítica a forma como são tratadas as políticas ur-
banas tradicionalmente, que separam em departamentos diferentes problemas
como o trânsito, a arborização, as calçadas, as praças, os parques, os edifícios, etc.
São departamentos que não se dialogam e buscam resolver cada desafio de forma
isolada. O resultado é que uma transformação urbana que poderia resolver diver-
sos problemas da cidade ao mesmo tempo acaba tratando apenas de um e muitas
vezes gerando inúmeros outros.
Essa crítica já foi feita por arquitetos brasileiros também. Em seu trabalho
denominado Vazios de água o escritório de arquitetura MMBB problematiza e
repensa a forma como são feitos os “piscinões” em São Paulo. Eles são uma for-
ma criada pela prefeitura para ajudar na drenagem de água durante períodos de
chuvas fortes. São basicamente grandes poços cavados no chão em áreas onde
os alagamentos são constantes para onde deve correr a água durante as chuvas.
Dessa forma, são evitadas enchentes nessas áreas, mas o que se ganha em troca
é um imenso fosso no meio da cidade que não pode ser acessado por ninguém e
não possui nenhuma função paisagística. O que os arquitetos do MMBB apon-
tam é que se os piscinões fossem responsabilidade não apenas da secretaria que
lida com drenagens, mas também daquela que lida com espaços públicos, trânsito,
ruas e parques, eles poderiam se tornar áreas muito mais úteis na cidade, pois
além de ajudar na contenção das águas pluviais ainda poderiam gerar áreas qua-
lificadas de uso público e transporte.
O que se pretende com esse pequeno desvio de assunto é justamente indi-
car o primeiro ponto de comparação entre CEU e parques-biblioteca. Como é tra-
dição no Brasil, a implementação dos CEU não envolveu intervenções para além
de seus portões. Isso significa que apesar de sua proposta de estruturação urbana,
eles não trouxeram consigo melhoria da infraestrutura de transportes, tão pouco
requalificação de espaços públicos vinculados ao seu entorno. Os únicos espaços
públicos que podem ser considerados ficam dentro de seus portões e, portanto,
não configuram espaços realmente urbanos, pois são inacessíveis por parte do
tempo. Considerando que os CEU são escolas, é justificável a existência de áreas
descobertas de uso controlado, pois deve haver a preocupação com as crianças.
Contudo, não foram abertos outros espaços que possam se configurar como pra-
ças ou largos do bairro, e portanto, não contribuíram com o combate à carência
desses espaços no meio urbano paulista. Em muitos casos, mesmo gramados não
utilizados nas atividades dos conjuntos ficam dentro das cercas, se tornando es-
paços perdidos tanto para o equipamento público quanto para a cidade.
Os parques-biblioteca, por outro lado, estão sempre acompanhados tan-
to de uma implantação vinculada a infraestruturas de deslocamento na cidade
quanto da doação de áreas livres públicas qualificadas para os bairros. Sendo as-
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX34
ESQUEMA DO FUNCIONAMENTO DA GESTÃO PÚBLICADESENHOS FEITOS COM BASE EM APRESENTAÇÃO DO ESCRITÓRIO GEHL PARA O PROJETO DE REQUALIFICAÇÃO DO VALE DO ANHANGABAU EM SÃO PAULO EM PARCERIA COM A SP URBANISMO. EM VERMELHO, ESPAÇO URBANO PENSADO DE FORMA SEGREGADA;EM VERDE, ESPAÇO URBANO PENSADO DE FORMA CONJUNTA.
Calçadas Órgão Y
EdifíciosÓrgão Y
Arborização Órgão W
Espaço PúblicoÓrgãos Y, H, W, M, N, Y
ViasÓrgão H
IluminaçãoÓrgão M
Transporte PúblicoÓrgão N
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 35
sim, se tornam mais acessíveis e agregam mais à qualidade de vida dos habitantes
de seu entorno. Em suma, diferente do que acontece nos CEU, junto ao projeto
dos edifícios das bibliotecas de Medellín existe também um projeto paisagístico
dos espaços livres.
Um importante elemento que logo sobressai aos olhos quando compara-
mos essas duas propostas de intervenção urbana é a forma dos edifícios. Sobre
isso podemos levantar algumas questões, contudo é necessário entendermos as
duas estratégias de projeto e o contexto no qual foram feitas. Os CEU partiram
de uma opção por estruturas pré-moldadas que pudessem ser facilmente adqui-
ridas no mercado e que permitissem aos arquitetos da prefeitura projetar todas
as unidades em um curto período de tempo. Para isso, foram elaborados módu-
los construtivos que pudessem ser feitos com esses elementos pré-fabricados e
que permitissem diversas formas de combinação. Por outro lado, os parques-
biblioteca são frutos de concursos internacionais. Isso permitiu que os edifícios
resultantes obtivessem formas muito mais variadas e conseguissem uma inte-
gração maior aos terrenos de implantação, pois cada projeto teve um escritório
de arquitetura único pensando cada área e com menos limitações construtivas
do que no caso dos CEU.
Sem levantar questões relacionadas à verba pública, é importante perce-
ber que enquanto em São Paulo foram construídos 21 CEU em um governo e 23
no outro, em Medellín foram construídos aproximadamente cinco parques-bi-
blioteca. Isso significa que as escalas de implantação desses projetos foram muito
diferentes, até porque as cidades possuem tamanhos muito distintos. De qual-
quer forma, o que se quer observar com isso é que talvez a opção por módulos
construtivos de forma tão limitada tenha prejudicado a implantação dos CEU no
que tange o diálogo com o terreno, por mais que sempre se tenha buscado isso
em seus projetos. Além disso, a repetição desses módulos pela cidade possui a
vantagem da construção rápida e de criar uma certa identidade visual para os
CEU, mas acaba tornando eles edifícios menos convidativos, tratando todos os
bairros sem buscar uma identidade – ao contrário do que foi uma das intenções
dos projetos de Medellín.
O título desse texto é, portanto, um questionamento ao modelo de edifício –
não apenas público – que se tem feito no Brasil. Existem basicamente dois modos
de lidar com o controle de pessoas ao espaço “privado” de um edifício: cerca-lo,
impedindo o acesso à seu terreno, mas podendo deixar as portas do objeto cons-
truído sempre abertas; ou fechando as portas do edifício, mas deixando o espaço
livre do terreno aberto e integrado completamente à cidade. Em geral, a primeira
opção é o que acontece em nossas cidades, onde tanto os edifícios habitacionais
como muitos dos equipamentos públicos e prédios comerciais muram seus terre-
nos ficando livres para desenhar os edifícios sem preocupações de como ele deve
impedir a entrada de não usuários.
A vantagem de escolher o muro é que ele permite ao desenho do edifí-
cio uma integração muito maior entre o ambiente interno e externo (restritos
ao lote). Isso dá uma sensação de liberdade ao usuário, que passa do céu aberto
ao edifício sem mesmo perceber. É o caso, por exemplo, da Faculdade de Arqui-
tetura e Urbanismo da USP, projetada por Vilanova Artigas. Apesar de não pos-
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX36
suir muros diretamente, o edifício está protegido pelos muros da universidade que
distanciam a cidade do edifício. Ele pode, então, privar-se das portas e criar um
grande térreo livre que dá acesso ao interior da faculdade, de forma que não existe
qualquer possibilidade de controle de entrada de pessoas, tornando espaços inter-
nos e externos quase um só. Entretanto, em algum momento essa solução agride
o meio urbano, pois necessitou ignorá-lo. No caso da FAU, isso acontece a dezenas
de metros de distância, quando o muro da universidade encontra a cidade. Nessa
fronteira, são gerados espaços de conflito, pois as ruas que margeiam essa enorme
parede se tornam mais agressivas, mais perigosas e perdem o caráter urbano. O
espaço público que poderia se integrar ao restante da cidade, permitindo que os
transeuntes desfrutassem de espaços públicos e tivesses contato direto não com
muros, mas com edifícios ativos, fica nas mãos de um público restrito.
O mesmo acontece em muitos outros prédios de São Paulo, principalmente
quando se trata de edifícios habitacionais. É comum a criação de condomínios
cercados, onde o edifício, isolado no lote, não busca contato com a rua. Assim, a
interface entre o espaço público e o privado se dá por muros, cercas e guaritas,
em uma relação prejudicial a urbanidade. É gerado um espaço livre que, apesar de
ser privado, está em contato com a rua pública, mas que não pode ser acessado.
O edifício não se propõe a participar da vida urbana e cria sua própria lógica de
funcionamento, que ignora a cidade e suas dinâmicas.
Ao observarmos os CEU, podemos notar que sua implantação buscou um
caráter próximo ao da FAU. Os edifícios são permeáveis e integrados ao espaço ex-
terno. Por outro lado, seu terreno é cercado e seus espaços livres desconectados da
cidade. O própria necessidade de criar aterros para abrigar os módulos constru-
tivos dos edifícios acaba gerando muros de arrimo que se voltam para a rua. Em
Medellín, houve um cuidado maior em criar uma interface entre edifício e espaço
livre público, de forma que esses conflitos se tornam menos frequentes. De qual-
quer forma, mais uma vez devemos lembrar que se tratam de programas distintos
e contextos diferentes, de forma que não se podem distingui-los entre melhor ou
pior, apenas foram analisados aspectos de seus edifícios que nos interessam.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 37
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO MURO DA USP NA AVENIDA POLITÉCNICA
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX38
EXEMPLOS DE INTERAÇÃO DO EDIFÍCIO COM A RUARUA DOUTOR MARTINS DE OLIVEIRA EM SÃO PAULO (ACIMA); CALLE MAYOR EM MADRID (ABAIXO).
RELAÇÃO DOS EDIFÍCIOS COM A RUACEU FEITIÇO DA VILA EM SÃO PAULO (ACIMA); PARQUE-BIBLIOTECA ESPAÑA EM MEDELLÍN (ABAIXO)
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 39
Como já foi dito anteriormente nesse trabalho, os equipamentos públicos pos-
suem um valor simbólico muito grande dentro da cidade, pois tratam-se de si-
nais da vontade coletiva expressos através da arquitetura e se tornam pontos
de referência na dinâmica urbana. Ao mesmo tempo, enfrentamos mudanças
na sociedade que alteram as demandas por espaços públicos e redefinem as fun-
ções dos edifícios de uso coletivo. Devemos lembrar também que eles trazem
uma função social muito forte, e são capazes de resolver problemas urbanos
como a violência e as drogas com o tratamento dos espaços públicos e com o
poder de trazer classes sociais diferentes para o mesmo lugar, tornando-se um
espaço mais democrático.
A biblioteca é, dentre os equipamentos públicos, um dos que mais tem a
capacidade de trazer mudanças sociais e urbanas significativas para seu entor-
no caso possua um projeto e um plano para isso. Ela é também um dos equipa-
mentos que mais teve seu programa alterado ao longo dos anos com o advento
das novas tecnologias de mídia e dos novos potenciais que ela passou a abrigar.
Dessa forma, podemos listar alguns exemplos de como novas utilidades podem
ser incorporadas as bibliotecas para que se tornem importantes catalizadores de
transformação em seus bairros.
Para começar, mesclar serviços para a comunidade dentro do edifício
pode ser muito útil. Incluir um centro-creche na biblioteca pode contribuir tan-
to para o aprendizado infantil quanto para atender a novas dinâmicas urbanas
como o ingresso de mães de família no mercado de trabalho. Fomentar a co-
municação através da possibilidade de acesso à vários meios de informação e
serviços de alfabetização e cursos de idioma ajuda a comunidade a se integrar
ao mercado de trabalho e ao mundo ao seu redor.
A biblioteca também pode oferecer formas de valorização da cultura e da
história através da promoção de eventos culturais, contadores de história e até
mesmo a inclusão de um centro de referência urbana e formação cívica, onde
existe um espaço para o debate de questões locais e transparência do governo nas
obras públicas. Pode servir também de lugar público de encontro, com exibição de
filmes ao ar livre, instalações artísticas temporárias, mesas de xadrez e áreas de
brincadeira ao ar livre relacionadas à área de leitura infantil.
É importante explorar também o fato de que a biblioteca pode impulsionar
o comércio local. Não apenas ela serve de vetor de atração para seu entorno, que
passa a ser mais ativo, como também pode incluir em seu programa algumas fun-
ções como café, loja de livros usados, espaço para locação para pequenas galerias
de arte e para eventos.
Partindo de um pensamento sistêmico, devemos garantir que o acesso à
biblioteca seja fácil, conectando-a ao metrô, aos ônibus, aos carros, às bicicletas
e aos pedestres. Ao mesmo tempo, deve-se buscar uma ativação dos espaços pú-
blicos, podendo ser incluída, por exemplo, uma praça de uso público que permita
uma conexão dos espaços internos e externos do edifício. Dessa forma, também
podem ser oferecidas áreas agradáveis de estar tanto dentro como fora da biblio-
teca, incluindo serviços como ponto de uso de wi-fi gratuito, por exemplo.
Mas é essencial destacar que para que a biblioteca tenha sucesso, ela deve
ter um projeto que inclua todas as possíveis funções. Mais do que isso, a gestão
DA ARQUITETURA DE BIBLIOTECAS
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX40
dela é uma das formas mais importantes de manutenção de sua atividade, sendo
necessário uma constante revisão dos programas oferecidos e visando a qualida-
de e diversidade do acervo.
A seguir, serão apresentados alguns estudos de caso de projetos de bi-
bliotecas que nos ajudam a compreender melhor como trazer todas as funções
de um edifício desse porte para o desenho. Assim, poderemos começar a com-
preender melhor questões de organização do programa, desenho dos ambientes
e relação dos espaços que devem ser consideradas no projeto de uma biblioteca.
Foram escolhidos projetos que possuem novas propostas na forma de lidar com o
tema em questão e ao mesmo tempo que possuem alguma relevância nas dinâmi-
cas urbanas de suas cidade.
BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇA - E -
MIDIATECA DE TOULOUSE
Esses dois projetos foram selecionados para estudo pela oportunidade que tive de
visitá-los pessoalmente em Julho de 2013. Embora seus desenhos técnicos não es-
tejam disponíveis para consulta, os textos que existem a respeito deles e a vivên-
cia que tive de seus espaços e suas cidades permitiu que fosse desenvolvida uma
análise muito importante sobre seu funcionamento, forma e simbologia. Desse
modo, através de fotos e croquis feitos por mim, tentarei descrever os elementos
presentes nesses edifícios que interessam à essa pesquisa.
A Biblioteca Nacional da França, localizada em Paris, foi resultado de um
importante concurso internacional que reuniu mais de 200 escritórios de ar-
quitetura de diversos países. Era de interesse da França a construção de um
novo símbolo nacional e um marco para Paris. Essa foi também a estratégia
utilizada para criar um novo eixo de urbanização na cidade. A região onde foi
inserida a biblioteca era um antigo polo industrial da cidade que estava pas-
sando por uma fase de mudanças. Era, então, necessário indicar que esse novo
eixo é uma importante parte da cidade para atrair investimentos privados para
não transformar o bairro em um simples dormitório, e sim em uma região de
interesse municipal.
O projeto vencedor do concurso, do arquiteto francês Dominique Per-
rault, se consagrou ao propor uma forte simbologia e um por sua proposta de
ocupação. Com uma imensa área livre, a biblioteca serve como um respiro para
a tão adensada cidade de Paris. São 60 mil metros quadrados de praça pública e
um jardim interno com área de um acre em frente ao Rio Senna em um diálogo
constante com as ruas ao redor e com a paisagem natural da cidade. A praça
é formada pela cobertura da biblioteca e está em nível com a rua mais alta. 19
Conforme as ruas descem em direção ao rio, é formada uma grande escadaria
que, ao mesmo tempo que se impõe, convida os transeuntes à acessarem a bi-
blioteca ou mesmo a sentarem e observarem a orla do Senna. Sobre essa praça,
se erguem quatro grandes torres em forma de livro aberto que marcam as qui-
nas da biblioteca e olham para seu interior. Com um poder de Gestalt, elas de-
marcam esse imenso retângulo que pode ser compreendido à grande distância.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 41
FOTO DE SATÉLITE DA BIBLIOTECA NACIONAL DA FRANÇAPERCEBE-SE A IMENSIDÃO DO PROJETO EM COMPARAÇÃO AO RESTANTE DA CIDADE
CROQUIS EXPLICATIVOSCORTE MOSTRA A RELAÇÃO DO PROJETO COM O RELEVO E PRESENÇA DE TRAÇOS HORIZONTAIS E VERTICAIS FORTES NO PROJETO (ACIMA); ESQUEMA QUE MOSTRA PLANTAS DAS TORRES CONFIGURANDO O ESPAÇO DA BIBLIOTECA E O GRANDE JARDIM INTERNO (ABAIXO)
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX42
Diferente do que são os monumentos na França, com seus grandes pórti-
cos, colunatas e frontões, a Biblioteca Nacional cria uma nova forma de conferir
importância ao edifício através da forma pura e da ortogonalidade. Também
são utilizados diversos materiais com uma combinação muito refinada, desde
a imensa escadaria em madeira até a vastas fachadas de vidro e aço. Cada ma-
terial é escolhido com precisão para conferir aos volumes e espaços diferentes
características que tomam proveito da tecnologia contemporânea. Através des-
ses recursos a biblioteca se impões sobre a cidade mas também se integra a ela
com cores muito urbanas e com uma regularidade e uma estabilidade formais
que amenizam sua imensidão.
Enquanto as torres abrigam escritórios públicos e espaços de pesquisa, a
biblioteca funciona no grande embasamento delas sob a praça pública. Sendo
assim, para acessa-la, o usuário deve descer em direção à grande floresta do
jardim central. Os principais pontos de descida são feitos por esteiras rolantes
à céu aberto e estão indicado de forma sutil pelas paredes que às acompanham,
mas que continuam a subir além do nível da praça depois que estas já encon-
traram o térreo.
Se apropriando de uma característica dos edifícios mais antigos, Domini-
que Perrault torna o jardim interno a principal janela da biblioteca que acontece
em cinco andares de anéis retangulares que circundam esse espaço de vegetação
criado para parecer uma floresta natural. Voltadas ao jardim estão as circulações
horizontais, com um pé direito imponente e paredes de vidro que vão do teto ao
chão. Esses corredores dão acesso aos diversos espaços da biblioteca e a floresta
confere ao edifício um sentimento de isolamento e paz que quase engana alguém
que não saiba que está no meio de uma das maiores metrópoles do mundo.
A Biblioteca Nacional da França é um projeto que se apoiou em caracte-
rísticas históricas de monumentos para criar uma nova forma de edifício que
explora ao máximo às novas tecnologias construtivas e o uso dos materiais de
modo sóbrio e equilibrado. Suas dimensões talvez sejam muito exageradas, e a
escala humana quase se perde em tamanha vastidão. Contudo, essa foi a opção do
arquiteto para anunciar a grandiosidade desse equipamento público de imenso
valor para a cidade e para o país.
>FOTOGRAFIAS DO EDIFÍCIO
AS FOTOGRAFIAS MOSTRAM A GRANDE ESCADARIA DE MADEI-RA E A IMPONENTE FACHADA DE VIDRO E AÇO QUE SE ERGUE
NAS TORRES SOBRE ELA.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX44
>ESTEIRAS E INDICAÇÕES DA ENTRADAS DA BIBLIOTECA
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FOTOGRAFIA DE SATÉLITE DA MIDIATECA DE TOULOUSEPERCEBE-SE O ALINHAMENTO DO EDIFÍCIO COM A AVENIDA E A PRAÇA PÚBLICA ATRÁS DELA
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX48
A Midiateca de Toulouse nos interessa por motivos similares, mas de outra
escala. Assim como em Paris, ela se torna um grande marco urbano da cidade.
Seguindo uma tradição francesa, ela foi implantada no eixo visual de uma im-
portante avenida e ganhou uma forma muito similar a de um arco do triunfo, se
apropriando de seu simbolismo para conferir valor ao edifício e dar à biblioteca
um significado comparável ao de uma grande conquista nacional. Mas além do
seu poder visual, o edifício tem uma interessante proposta urbana e de organiza-
ção do programa.
Apesar de seu rasgo central alinhado com o da avenida, o edifício não
pode ser cruzado por automóveis. Ao invés disso, cria uma passagem para pe-
destres e gera atrás de si uma praça pública de uso misto, onde existem prédios
públicos, comerciais, de serviços e habitacionais. Desse modo, a vitalidade ur-
bana é garantida pelos múltiplos usos ao mesmo tempo que o espaço público
ganha destaque através do edifício da midiateca. Ele mesmo possui um caráter
de mistura de usos interessante. Das duas torres do edifício a mais delgada é
uma escola de artes audiovisuais, enquanto apenas a mais robusta abriga real-
mente o programa da midiateca. A ligação entre as duas torres pode cima abriga
a parte administrativa do edifício.
Existe também uma ligação subterrânea entre as torres. Nela estão uma
saída de metro que permite acesso direto ao edifício e a parte infantil da bibliote-
ca. Esta última recebe a privacidade e o isolamento necessário para abrigar suas
atividades ao mesmo tempo que possui iluminação natural proveniente de sua
implantação circundada por um generoso rebaixamento. Desta forma, a passa-
>A MIDIATECA EM FORMA DE ARCO DO TRIUNFO
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX50
REBAIXAMENTO EM FRENTE À CRECHE E ÁREA INFANTIL
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX52
gem de pedestres que cruza o edifício pelo meio é dada por uma ponte sobre esse
fosso. Também está associado à biblioteca um ponto de empréstimo de bicicletas
do sistema público, localizado à frente dela. Sendo assim, o equipamento conse-
gue ser acessível através de diversos meios de transporte e sua forma dialoga com
os fluxos que cria.
Dentro da midiateca, os andares se organizam ao redor de um generoso
espaço cuja cobertura, no último andar, possui entrada de luz natural e contri-
bui para iluminar todo o edifício. Na parte oposta a entrada da biblioteca, neste
grande vazio, está a circulação vertical. Ela se destaca por uma grande escada
helicoidal de revestida por lâminas de metal que formam um grande redemoinho
que ascende ao céu. Atrás da escadaria estão os elevadores, que possuem paredes
de vidro de onde se pode ver tanto a parte de dentro como a de fora da midiateca.
Em seus andares se distribuem diversas funções: coleção de livros em fran-
cês, coleção de livros em outras línguas, computadores para estudo de idiomas,
salas de computação, coleção de filmes, televisões para assistir filmes, coleção de
CDs, poltronas onde se pode escutar os CDs, mesas de estudo e salas de ativida-
des. O empréstimo de materiais pode ser feito tanto com os recepcionistas de cada
andar como em máquinas de autoatendimento.
Todo o edifício é revestido com brises metálicos móveis que ajudam a bar-
rar o sol, mas podem ser abertos sempre que necessário. Sua cor avermelhada
remete à história de Toulouse, que é famosa por suas construções em tijolo que as
tornou“a cidade vermelha”. No térreo do edifício também está presente um pro-
grama interessante: um centro de referência urbana. Trata-se de um local onde a
prefeitura expõe as obras públicas que estão sendo realizadas e educa a população
sobre a cidade de forma transparente. Esse uso parece muito apropriado de estar
associado à uma midiateca (local de ensino e conhecimento) e incluso em um edi-
fício de relevância urbana.
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USUÁRIOS EM PONTOS DE LEITURA E DE AUTOATENDIMENTO DE EMPRÉSTIMO
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>CENTRO DE REFERÊNCIA
URBANA E BRISES METÁLICOS AVERMELHADOS
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- BIBLIOTECA MUNICIPAL DE SEATLE -
A Biblioteca Municipal de Seatle foi selecionada para este estudo pois apresenta
não apenas um interesse programático muito grande, como também estético e
estrutural. O programa do edifício e sua organização trazem invenções que mere-
cem ser estudadas. Foram elas que levaram tanto à forma final do edifício quanto
às suas soluções estruturais. Dessa relação, surge uma nova forma de pensar a
arquitetura e entender seu papel na contemporaneidade. O poder estético do edi-
fício deve ser menos considerado por questões de beleza do que por questões de
destaque e Gestalt. Sua forma exterior nos conta muito sobre sua planta e confere
à biblioteca o status de monumento de grande destaque.
O OMA criou, na Biblioteca de Seatle, um verdadeiro complexo de ativi-
dades mescladas de difícil compreensão através de apenas plantas e cortes. Isso
porque o pensamento tridimensional é a chave para desvendar o edifício. Depois
de uma leitura crítica e propositiva do extenso programa de atividades da biblio-
teca, os arquitetos reagruparam as funções da forma que consideraram mais efi-
caz, propondo novas divisões e possíveis significações do espaço. Foram definidos
então áreas de uso específico e áreas de uso mais livre. Aquelas, distribuídas em
paralelepípedos, foram sobrepostas de forma a não se encostarem. Depois, eles
ainda foram desalinhados, deixando de ter um centro em comum. Foi então que
uma pele esticada de vidro cobriu todos os blocos, ligando-os e gerando novos es-
paços entre eles. Foi essa estratégia de organização do programa que gerou então
a forma final do edifício. Foi algo espontâneo, não era possível saber seu formato
final até que tudo estivesse reorganizado.
Em uma observação mais geral, podemos dividir a lógica do programa da
seguinte maneira: os espaços de estacionamento e área técnica estão localizados
no subsolo; no térreo – que tem dois níveis acessados por ruas em cotas distin-
tas – estão as atividades mais públicas e próximas das atividades urbanas como
entradas, auditório, área infantil e jovem, centro do línguas, área de estudos,
café, loja e a coleção de livros de ficção; acima disso estão os andares de informa-
ção onde se pode usar computadores e pesquisar tudo que a biblioteca oferece,
funções que fazem a conexão entre o espaço público e o acervo da biblioteca; o
volume maior se encontra acima deste e abriga a coleção de livros de não ficção
e espaço de leitura principal; por fim, o último volume abriga a administração
geral da biblioteca.
Essa organização vertical do programa aproxima da rua as atividades mais
cotidianas e de interesse da população em geral. Ao mesmo tempo, permite criar
um espaço para o acervo principal que se impõe sobre a biblioteca e é capaz de
abrigar uma vasta coleção de livros. Fugindo da forma tradicional de acervos de
biblioteca, o OMA propõe que o volume que abriga a coleção funcione como uma
grande espiral, uma rampa contínua de dois graus de inclinação (o suficiente para
não prejudicar cadeirantes ou carrinhos de livros, mas ainda sim indicar uma cons-
tante subida) que comporta estantes com capacidade para muito mais livros do que
a coleção inicial da biblioteca. Desse modo, apesar da verticalização do acervo, ele
permanece como um espaço contínuo e totalmente conectado, onde se pode transi-
tar livremente sem a necessidade de interromper o percurso por causa de escadas
ou elevares. Essa engenhosa solução transforma o entendimento do usuário sobre
o edifício e permite uma nova forma de dinâmica do edifício vertical.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 57
<INFOGRÁFICOS MOSTRAM COMO FUNCIONAM OS BLOCOS DE ATIVIDADES
VEMOS COMO O PROGRAMA DEU FORMA AO EDIFÍCIO
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<INFOGRÁFICO DOS ANDARES PÚBLICOSENTRADA PRINCIPAL PELA FOURTH AVENUE, PRIMEIRO NÍVEL PÚBLICO. DESTACAM-SE AS ÁREAS INFANTIL, DE ENSINO DE IDIOMAS E AUDITÓRIO. (IMAGEM DO MEIO)ENTRADA SEDUNDÁRIA PELA FIFTH AVENUE, SEGUNDO NÍVEL PÚBLICO. DESTACAM-SE ÁREA PARA JOVENS, AUDITÓRIO DE ARENA, ESTANTES DE LIVROS DE FICÇÃO, CAFÉ E LOJA. (IMAGEM DA DIREITA)
<INFOGRÁFICO DO ANDAR DE INFORMAÇÃOCHAMADO “MIXING CHAMBER” O ANDAR DE INFORMAÇÕES É O NÚCLEO DO PROJETO E CONECTA O PÚBLICO AO ACERVO. DESTACAM-SE AS ÁREAS DE INFORMÁTICA E DE PESQUISA DE LIVROS (IMAGEM DA ESQUERDA)
A suave inclinação do bloco de acervo e leitura também influencia na es-
pacialização dos outros blocos. No mezanino de informação o pé direito varia e
o piso ganha diferentes espacialidades e dinâmicas visuais. O mesmo ocorre no
último andar do acervo, onde o piso inclinado aliado à cobertura horizontal con-
ferida pelo bloco administrativo também cria uma variação de pé direito.
Um outro fator interessante para a dinamização e integração dos espaços
é o deslocamento horizontal dos blocos. Ao fazer isso, o OMA cria mezaninos
internos e pés direitos de diferentes alturas. No caso da parede de vidro inclinada
que vai do bloco público ao de acervo, é criado um grande vazio que confere ao
espaço uma sensação de quase estar ao ar livre. É aí que o bloco de informações
funciona como mezanino e mira o bloco público como se fosse uma praça urbana.
Em outros lugares, a inclinação da pele de vidro ganha outra função. Quando se
inclina para fora do piso, ela se transforma numa grande janela que olha para
o espaço público externo de cima e permite uma nova forma de relação entre o
interior e o exterior do edifício.
É importante perceber que, apesar do deslocamento horizontal dos blocos
ser bem variado, todos os andares ainda podem ser acessados pelas mesmas tor-
res de elevadores e escadas, permitindo uma funcionalidade melhor do edifício
como um todos. Pro outro lado, os usuários nunca são obrigados a utilizar essas
torres, já que existem escadas rolantes alternativas que se destacam no meio da
biblioteca com cores vibrantes, convidando as pessoas a subirem e descobrirem
todos os espaços públicos desse grande equipamento.
Para estruturar esse complexo edifício, o OMA utiliza, na maior parte do
projeto, uma estrutura relativamente simples de colunas alinhadas em grid que
passam por todos os andares. Contudo, em determinadas regiões do projeto fo-
ram incluídas vigas de aço inclinadas para permitir os grandes balanços dos blo-
cos deslocados ou para evitar que colunas invadissem certos espaços como o piso
público interno.
Algumas das propostas de espaço interno que mais chamam a atenção no
projeto além das já comentadas são: um auditório sem teto acessado por cima
através de um dos pisos públicos; a posição das estantes de livros de ficção em
leque, alterando a percepção espacial do vasto andar público e transformando-o
em uma floresta de livros; o uso de cores fortes para indicar espaços ou ativida-
des; o espaço de transição entre a calçada e o interior do edifício, onde existe um
estacionamento de bicicletas.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX60
<CORTE DO EDIFÍCIO COM DESTAQUE PARA O ACERVO E SEU FUNCIONAMENTO
PERCEBE-SE NO CORTE COMO AS DIAGONAIS DE VIDRO GERAM ESPAÇOS INTERNOS E VISUAIS
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>NO CORTE, A TORRE DE CIRCULAÇÃO VERTICAL; NAS FOTOS,
A CIRCULAÇÃO ALTERNATIVA
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 63
DISPOSIÇÃO DAS PRATELEIRAS DE LIVROS DE FICÇÃO. ALÉM DE PLANTA EM LEQUE POSSUEM ALTURA BAIXA, POSSIBILITANDO INTEGRAÇÃO VISUAL DO ESPAÇO
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O AUDITÓRIO ABERTO E AS JANELAS QUE OLHAM PARA BAIXO SÃO ALGUMAS INVENÇÕES DO EDIFÍCIO QUE O TORNAM ESPECIAL.
<AS FORTES DIAGONAIS DE VIDRO MARCAM O DESENHO DA BIBLIOTECA E CRIAM ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO COMO A ENTRADA E AS ÁREAS PÚBLICAS
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX66
- PARQUE-BIBLIOTECA ESPAÑA -
Como parte do grande projeto de requalificação urbana de Medellín já abordado
nessa pesquisa, o Parque-Biblioteca España é um projeto resultado de um concur-
so internacional. Seu interesse para essa pesquisa existe por uma série de razões.
Além de seu grande sucesso na recuperação do espaço público do bairro onde se
insere, se tornou um equipamento de destaque que chamou a atenção do público
para os problemas de Medellín e para suas iniciativas de combate à eles. Esse
projeto lida não apenas com a dificuldade de se inserir em uma zona degradada
da cidade com terreno de difícil acesso, mas também com o fato de ser um em-
preendimento público de um país em desenvolvimento. Dessa forma, diferentes
dos projetos analisados anteriormente, que surgem em países com grande poder
econômico, a Biblioteca España se enquadra num contexto sociopolítico mais pró-
ximo do enfrentado no Brasil.
Dividindo o programa da biblioteca em três grandes blocos individuais, foi
possível estabelecer funções que podem ser acessadas de forma independente e
estão ligadas através de uma grande praça pública que se encontra no nível da
rua. Com uma implantação em forma de leque, os edifícios configuram essa praça
em diálogo com o volume das construções preexistentes. Ao mesmo tempo que
demarcam o espaço público sem a necessidade de grades ou muros, deixam ras-
gos na paisagem que permite a criação de mirantes de onde se pode ver a vasta
paisagem urbana de Medellín.
O que chama atenção à primeira vista nesse projeto é seu grande destaque
simbólico na comunidade onde se insere. Trata-se de um edifício que investiu
em um poder estético capaz de se destacar chamar a atenção dos cidadãos apara
esse novo espaço público da região. Mesmo assim, consegue manter uma forte
relação com a paisagem onde se insere e dialoga com ela de forma positiva. Ao ser
construído no alto de um dos morros da cidade, ele pode ser visto de longe e indi-
ca que naquela área atualmente pobre da cidade existe um equipamento público
de grande importância. Ao mesmo tempo, se disfarça na paisagem montanhosa
como se fizesse parte dela, onde poderiam existir três grandes rochas existem três
edifícios públicos.
Esse diálogo com a paisagem também se dá nos detalhes de aproveitamen-
to do terreno pelos edifícios. O arquiteto soube utilizar o grande desnível a seu
favor, sem a necessidade de significativas movimentações de terra de criação de
grandes platôs. Os cortes feitos no terreno receberam diretamente espaços in-
ternos dos edifícios, de forma que não são perceptíveis por fora. Por vezes, a co-
bertura desses espaços ajudou a configurar a praça pública de forma plana. Para
isso, o nível de acesso dos edifícios não é necessariamente através do piso mais
baixo, já que existem níveis acima e abaixo do nível da rua, mas que, pela forma
do terreno, não configuram exatamente subsolos, já que possuem janelas para o
lado oposto à praça. Essa solução permitiu, por exemplo, que o edifício que abriga
o auditório pudesse ter uma entrada por cima, fazendo com que a arquibancada
se aproveitasse do desnível preexistente.
De uma maneira diferente do que ocorre na Biblioteca de Seatle, a Biblio-
teca España também possui uma forma abstrata com a presença de fortes diago-
nais. O que as diferencia é o fato de, em Medellín, a forma exterior não ser uma
consequência da organização interna dos edifícios. A solução aqui é uma pele
> IMPLANTAÇÃO DOS
EDIFÍCIOS E MIRANTE FORMADO ENTRE ELES
>RELAÇÃO DOS EDIFÍCIOS
COM A PAISAGEM NATURAL E URBANA
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX68
que envolve os volumes de forma descolada e independente deles. Assim, não
se pode deduzir o formato interno dos blocos à partir de sua forma externa. Essa
estratégia permite uma solução estrutural mais simples que a do OMA, sem a
necessidade de vigas na diagonal ou grandes balanços, apenas lajes e colunas. Ao
mesmo tempo, o espaço que existe entre a pele e as lajes permite uma integração
entre os andares, que compartilham da mesma ventilação e das mesmas janelas.
É possível perceber todos os andares quando se está dentro dos edifícios.
Em uma observação mais detalhada também podemos destacar uma so-
lução interessante para o armazenamento dos livros. Todas as estantes estão lo-
calizadas nas bordas das lajes e possuem uma altura de aproximadamente 1,2
metros. Assim, funcionam também como parapeito e balcões que permitem uma
integração visual completa do espaço e liberam a parte central das lajes para as
mesas de leitura e estudos.
>CORTES DOS EDIFÍCIOS
PODEMOS NOTAR COMO O TERRENO FOI APROVEITADO NA PARTE INTERNA DOS EDIFÍCIOS E COMO ELA AJUDOU A
CRIAR A PRAÇA PÚBLICA
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX70
PERCEBEMOS A INTEGRAÇÃO ENTRE OS ANDARESE A DISPOSIÇÃO DAS ESTANTES
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 71
PERCEBE-SE COMO A FORMA INTERNA E EXTERNA DO EDIFÍCIO SÃO INDEPENDENTES
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX72
Um dos fatores de maior interesse nessa pesquisa é compreender como se dá a
relação do espaço construído com o espaço livre para que ambos se completem
e tragam qualidade de vida para a cidade. Em um estudo mais simplificado, pre-
tendo entender a relação da forma dos edifícios com o espaço livre resultante e
como isso pode contribuir para gerar bons espaços públicos e vitalidade para eles.
Assim, escolhi alguns edifícios públicos da arquitetura brasileira e internacional
como foco dessa análise. Esses edifícios foram escolhidos por terem algum tipo de
proposição em relação à geração de espaço público exterior relacionado ao edifí-
cio. Sendo assim, não se tratam apenas de obras que resolveram bem o desenho
ou se tornaram ícones da arquitetura, mas sim que trouxeram de alguma forma
uma intenção de elaboração do espaço livre.
- REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA, RIO DE JANEIRO -
O primeiro edifício a ser analisado é também o mais antigo deles. O que existe
de tão especial no Real Gabinete Português de Leitura é sua relação com traçado
antigo da cidade do Rio de Janeiro. Ela nos remete às análises do antigo urbanista
Camillo Sitte, que nos interessa por ser muito pouco presente no pensamento
da arquitetura e das cidades brasileiras e nos permitir tecer novas observações
– apesar de publicadas há mais de cem anos – acerca da forma de se projetar
espaços públicos.
O EDIFÍCIO E O ESPAÇO PÚBLICO: UM ESTUDO
Apesar de ser uma biblioteca de grande importância na época em que
foi construída, com arquitetura luxuosa e forma imponente, o Real Gabinete se
mescla aos edifícios do quarteirão, dando continuidade à fachada da quadra. Em
vez de se isolar para ganhar destaque, o que lhe confere maior importância é
justamente seu diálogo com o conjunto. Essa configuração permite que se abra
uma praça seca em sua frente de lados não paralelos que sinalizam na direção
do Gabinete de Leitura. Assim como observou Sitte em seu livro quando diz que
das 255 igrejas de Roma, apenas seis não eram geminadas em algum dos lados.
Dessas seis, quase todas foram feitas em tempos modernos ou não eram católicas.
Mais do que isso, ele observa que os monumentos em geral (edifícios, estátuas,
chafarizes) nunca são colocados de forma centralizada no espaço público e isso
potencializa sua percepção e seu diálogo com o contexto.
Camillo Sitte nos dá uma visão mais artística do fazer urbano. Para ele, a
crítica ao pensamento moderno está no fato da implantação dos monumentos
ter passado a ser dada por regras puramente formais e geométricas, deixando
em segundo plano a sensibilidade aguçada dos arquitetos em compreender como
posiciona-los. Ele nos mostra como essa sensibilidade pode fazer falta e nos con-
ta o caso de David, de Michelangelo, que foi posicionada pelo próprio artista no
canto de uma praça ao lado de uma parede, mas que mais tarde foi movido para
um museu e teve sua réplica posicionada no centro geométrico da praça. Isso fez
com que David perdesse sua imponência, já que passou a ficar em campo aberto,
ao mesmo tempo que perdeu seu contato com o público, que não passava pela
estátua a menos que quisesse vê-la.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 73
REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURAFOTO DO INTERIOR DO EDIFÍCIO (ACIMA)DEMONSTRAÇÃO DA RELAÇÃO DO EDIFÍCIO COM A MASSA CONSTRUIDA E COM A PRAÇA À FRENTE DELE (ABAIXO)
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX74
Basicamente, o urbanista nos mostra como algumas características de ci-
dades aparentemente autoconstruídas sem planejamento na realidade guardam
grandes segredos e sabedorias sobre a forma de se fazer a cidade. Saber escolher a
posição de monumentos, muito mais do que saber como valorizá-los visualmente,
também tem a ver com os fluxos e os usos do espaço, e tudo isso deve ser estudado
quando se projeta.
- CENTRE GEORGES POMPIDOU, PARIS -
Acompanhando a tradição parisiense na inserção do edifício, ele man-
tém suas extremidades juntas às calçadas, de forma que suas paredes delimitam
as ruas. Apesar disso, é mais do que perceptível a transgressão que faz em seu
desenho em relação aos edifícios de seu entorno, já que foge completamente da
lógica estilística do centro de Paris. Isso, somado ao seu gabarito levemente mais
alto que dos edifícios ao seu redor, lhe confere o destaque que mostra sua função
de monumento urbano.
É interessante em sua implantação o fato de delimitar uma grande praça
seca que está diretamente vinculada ao edifício. Ao mesmo tempo que ela per-
mite o respiro que a construção merece para ser vista, se torna um espaço vivo e
muito utilizado pelos habitantes e turistas.
Ao analisarmos a volumetria do Centre Georges Pompidou e seu entor-
no, vemos que ambos agem igualmente no sentido de delimitar a praça principal,
ao mesmo tempo que criam outras pequenas pracetas conectadas à ela. As formas
do museu e das massas formadas pelos edifícios do entorno são similares e fazem
com que ele se torne parte daquele tecido apesar de sua estética provocativa.
A praça se integra ao edifício através de seu térreo de vidro que permite
uma troca visual muito grande entre dentro e fora. Ao mesmo tempo, o sistema
de escadas rolantes e mirantes instalados na fachada do prédio fazem com que
essa integração continue até o último andar e o edifício passa a dialogar não
apenas com a praça que vê e enxerga, mas também com toda a paisagem urba-
na que permite ao visitante deslumbrar. A leve inclinação da praça no sentido
do edifício contribui para que ele receba atenção, já que direciona os grupos de
pessoas a se sentarem voltadas para ele. Em contrapartida, o lado oposto do
museu dialoga bem menos com a rua, e não se propõe a alterar a dimensão de
sua calçada. Mesmo assim, isso não se torna um problema a medida que o edi-
fício em frente garante a vitalidade das calçadas ao oferecer janelas e comércio
voltados para a calçada.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 75
IMPLANTAÇÃOCENTRE GEORGES POMPIDOUFOTOGRAFIAS DO EDIFÍCIO
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX76
CROQUI DE CORTECENTRE GEORGES POMPIDOUPERCEPÇÃO VOLUMÉTRICA
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 77
- SESC POMPEIA, SÃO PAULO -
Lina Bo Bardi criou uma pequena cidade quando projetou o Sesc Pompeia.
Com ruas e edifícios independentes, o equipamento público se tornou na ver-
dade vários e, dentro de si, se transformou no modelo de uma cidade. Um
ambiente urbano é composto por múltiplos edifícios com diversas funções. As
ruas conectam tudo, levando carros, pedestres e ciclistas para o comércio, a
praça, o esporte, o cinema, a escola, enfim, para todas as atividades que uma
cidade pode oferecer. Quando um edifício se fecha em si mesmo, ele corre o
risco de deixar de fazer parte dessa cidade e se tornar uma barreira, uma es-
pécie de câncer. São assim alguns shoppings ou condomínios residenciais cer-
cados, que obrigam a vida urbana a acontecer dentro de seus muros, tornando
o redor hostil ao pedestre e segregando as funções urbanas, que passam a ser
acessíveis apenas com auxílio do automóvel.
No Sesc Pompeia, acontece o mesmo que em uma cidade. As ruas são
praças que se tornam restaurantes, que se tornam clubes esportivos que se
tornam oficinas. Tudo tem vitalidade e está conectado. A posição dos edifícios
é que configura as ruas e praças, tornando-os espaços de transição e estar. Ati-
vidades culturais e apresentações não possuem espaço definido, mas possuem
espaços preparados para recebe-los tanto por sua configuração espacial – ora
coberta, ora descoberta; ora grande, ora diminuta – quanto por suas múltiplas
personalidades dadas pelo matérias e pela forma.
O maior pecado do Sesc Pompeia é, então, não ter levado essa vitalida-
de e urbanidade para além de seu interior. Não se pode culpar exatamente a
arquitetura dele por isso, já que grande parte do problema advém de decisões
administrativas. Em suma, muitas de suas ruas internas terminam em grades
e muros, impedindo um fluxo de grande potencial que poderia conectar as
atividades internas do Sesc com as do restante do bairro, como o shopping, o
mercado e as residências.
Um elemento importante em sua volumetria é o edifício de esportes,
o mais alto e de arquitetura mais chamativa. Ele cria uma importante marca
no território e indica um endereço coletivo de acesso público. Suas passare-
las externas tem um efeito semelhante às escadas do Instituto Georges Pom-
pidou, permitindo uma relação entre o interior e exterior do edifício que se
faz verticalmente. Elas também guardam uma característica interessante. Ao
conectarem os edifícios por cima da rua, ajuda a quebrar o conceito de lote ur-
bano. Claro que se a rua fosse aberta e se tornasse parte da cidade isso ficaria
mais evidente: o edifício atravessa o espaço público sem que um interrompa o
outro. Uma nova forma de entender a morfologia urbana.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX78
PEQUENAS PRAÇAS ENTRE
EDIFÍCIOS
GALPÕES PERMEÁVEIS
COM ATIVIDADES DIVERSAS
GALPÃO PRINCIPAL ATIVA A RUA INTERNA E DÁ AS COSTAS
PARA A RUA EXTERNA
PRAÇA LINEAR COM DEQUE DE MADEIRA
ELEMENTOS MAIS ALTOS
RUA INTERNA PRINCIPAL
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 79
ENTRADA PRINCIPALMERCADO
PRAÇA TIPO ILHA
SHOPPING
MUROS OU CERCAS
<SESC POMPEIAFOTOGRAFIAS DO EDIFÍCIO (ESQUERDA)VOLUMETRIA E ESPAÇOS (DIREITA)
IMPLANTAÇÃO
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX80
- PRAÇA DAS ARTES, SÃO PAULO -
A Praça das Artes, assim como já mencionado anteriormente, nos interessa por
trazer consigo um novo posicionamento na arquitetura contemporânea brasilei-
ra. Sua forma e implantação não apenas são muito propositivas como também
trazem uma solução muito interessante em relação à gestão e à já discutida duali-
dade entre muros e portas. Ao fazer uma releitura das galerias de lojas em miolos
de quadra, elemento muito presente no centro de São Paulo, esse equipamento
público cria uma praça pública com esse formato.
A vontade de tornar aquele espaço uma passagem conectada com o entor-
no levou os arquitetos a elevarem os edifícios do chão e a esconderem suas es-
truturas, de forma que não existem colunas no caminho. Desse modo, para quem
está nas ruas do entorno, existe um grande rasgo térreo na fachada contínua do
quarteirão que indica a entrada como se fosse o térreo do edifício. Para quem está
sob os edifícios, eles são apenas marquises em uma praça ora coberta, ora não. Já
para quem está no miolo da quara, é possível enxergar todas as ruas do entorno
numa simples girada de cabeça, tornando-se rápida a compreensão das múltiplas
possibilidades de caminhos.
A mesma vontade de liberar o térreo teve que lidar com a necessidade de
controle de entrada para o terreno em certos momentos. Para isso, diferente do
que é feito normalmente ao se elevar o edifício sobre pilotis, liberando o térreo
mas gerando a necessidade de cercas no entorno, o os edifícios foram colocados
diretamente na rua. Dessa forma, quando o acesso está fechado, existe um portão
junto ao edifício, ao mesmo tempo que é uma grade, é como a porta de qualquer
um dos edifícios da rua. Quando está aberto, o portão se esconde por sob o piso e
desaparece, mantendo a sensação da ausência de muros e de conexão total entre
o espaço público e o semi-publico.
A forma dos edifícios também nos interessa, não pela sua estética pura-
mente, mas pelo funcionamento de seu programa. Tratam-se de seis edifícios
com funções diferentes, mas que se unem física e esteticamente, gerando uma
linguagem única para o conjunto que não denuncia a primeira vista sua separa-
ção de atividades. Assim, Marcelo Ferraz e Francisco Fanucci vão além do que
Lina fez com as passarelas do Sesc Pompeia e criam transposições através dos
próprios edifícios para quebrar o conceito de lotes urbanos e transpor o espaço
público sem interrompê-lo. Dessa forma, apesar de abrigarem diversas atividades
independentes, os edifícios se tornam um só. A volumetria variável dos corpos,
que surge da mistura entre o programa de cada um a relação com o espaço no qual
foi inserido, se torna aliada do conjunto e dá a ele uma linguagem em comum.
Mais do que isso, essa variação de gabaritos e formas quase se confunde com a
quadra onde a Praça das Artes se insere, pois, lá, edifícios altos, baixos, largos e
estreitos evidenciam uma certa ausência de ordenação.
Sendo assim, o diálogo que a Praça das Artes faz com seu entorno varia
de uma tentativa de manter a lógica desordenada e pluriformal da quadra e do
posicionamento de quebrar com a própria ideia de quadra e transformar aquele
espaço em algo novo.
>PRAÇA DAS ARTES
FOTOGRAFIAS DO EDIFÍCIO (ESQUERDA)IMPLANTAÇÃO (DIREITA)
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX82
PRAÇA DAS ARTESVOLUMETRIA E ESPAÇO PÚBLICO
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 83
A princípio parece estranho considerar o estudo de estruturas móveis como obje-
to de uma pesquisa que visa compreender as relações da arquitetura e do espaço
livre. Contudo, é fácil perceber que esse assunto é mais do que pertinente por
uma série de motivos. O primeiro e mais importante talvez seja o fato de que
será alvo de projeto deste trabalho o sistema de Ônibus-Biblioteca de São Paulo,
que envolve elementos circulantes. Porém, mais do que isso, é notável que a ar-
quitetura recente lida com a mobilidade e com a capacidade de produzir espaços
nômades. Diversos projetos da atualidade são feitos considerando a capacidade
de deslocamento dos corpos construídos. Desde casas montadas por módulos pré-
fabricados que abrigam cômodos prontos que se juntam no local de implantação
da residência até estruturas implantadas no espaço público por espaços de tempo
limitados, como é o caso do Pavilhão Itinerante da IBM, projetado por Renzo Pia-
no. Existem iniciativas parecidas com o próprio sistema de Ônibus-Biblioteca que
envolvem corpos em deslocamento, criando pequenos teatros e até mesmo cine-
mas à céu aberto que são montados temporariamente com módulos deslocáveis
que podem facilmente transitar entre diferentes regiões da cidade.
Essas estruturas são importantes, pois são formas da arquitetura se adap-
tar às dinâmicas urbanas e responder a novas demandas de forma prática e rá-
pida. Desse modo, não são necessárias grandes obras estáticas para responder a
problemas pontuais e fluidos. Pode-se dizer:
“Além disso, significa compreender arquitetura e cidade como fatos
relacionados de modo sistêmico e, portanto, em interferência mútua a
gerar (re)organizações. E não como fatos isolados, estanques e hierar-
quicamente distribuídos, como sugere a noção de infraestruturas como
subsídio ou base a partir da qual a arquitetura e a cidade se organizam.
Parece significativo, numa época de rápidas transformações, que se
pense em espaços onde, mais do que uma alucinante e incessante des-
truição, seja necessária uma materialidade que absorva as alterações.
Ao comparar os sólidos (que diante ao impacto sua forma permanece
inalterada ou é destruída) aos líquidos (ao impacto, sua forma se reor-
ganiza, assumindo outras configurações), Bauman fornece uma metá-
fora desafiadora para uma arquitetura que, nesta época de variações e
transformações, (re)organiza-se mais do que se destrua com os impactos
naturais.” 13
Mais recentemente foi criado um conceito de “praças de bolso” denomina-
dos parklets. Com a preocupação de qualificar o espaço público e repensar as formas
de uso das calçadas nas grandes cidades, essas pequenas praças podem ser implanta-
das sem a necessidade de reformas urbanas ou mesmo de grandes intervenções na
configuração da rua. Tratam-se de elementos pré-fabricados que possuem a dimen-
são de uma vaga de carro. São trazidos para regiões da cidade onde o uso das calçadas
é intenso e necessita de ampliação e onde opta-se por ceder parte do espaço destinado
ao automóvel para uso dos pedestres. Assim, eles são facilmente implantados e se
adaptam a diversas necessidades, trazendo consigo mobiliário urbano que envolve
13 | BOGÉA, Marta, Cidade Errante: Arquitetura em movimento. São Paulo, Senac, 2009.
ESTRUTURAS MÓVEIS
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX86
bancos, paradas de bicicleta, canteiros, entre outros. É uma solução fluida e simples
que abriga grande potencial de transformação.
Outra experiência do mesmo tipo feita no Canadá para a comemoração de seus
400 anos criou “praias móveis”. Na verdade são estruturas cujo conceito surgiu da
ideia de uma praia, já que são espaços conciliação social que reúnem pessoas de todos
os tipos e classes sociais. A ideia era criar uma paisagem que permitisse o mesmo tipo
de apropriação que uma praia, mas mesclada com um jardim. O resultado foi uma
instalação que funcionava como um grande tapete laranja que se dobrava e abria fu-
ros de forma a ser tornar ao mesmo tempo piso, banco, jardim e caixa de areia. Dessa
forma, diversas atividades podiam ser realizadas nessa simples estrutura. Ao mesmo
tempo, sua cor forte marca sua presença no território e atrai os transeuntes curiosos.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 87
PARKLETSPARKLETS NOS ESTADOS UNIDOS EM OKLAND (FOTO 1), SEATLE (FOTO 2) E SÃO FRANCISCO (FOTOS 3 E 4)
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 89
Após algumas pesquisas, conversas com funcionários do Sistema de Ônibus-Bi-
blioteca e visita às suas instalações, pude compreender melhor seu funcionamen-
to e tecer algumas críticas e observações que servirão de base para a formulação
do projeto final. São 72 locais de parada dos ônibus, espalhados pelas regiões Nor-
te (18), Sul (27), Leste (24) e Oeste (03). E sempre há pedido para colocação de mais
Ônibus-Biblioteca.
O primeiro ponto importante diz respeito ao acervo. Como ela faz parte
do sistema municipal de bibliotecas, os volumes que possui são os mesmos com-
prados para todas as outras bibliotecas da rede, variando apenas naquilo que
recebe como doação. Mesmo assim, possui uma coleção própria para circular
nos ônibus, não necessitando de empréstimos de bibliotecas físicas. Por outro
lado, não existe um edifício exclusivo para abrigar seu acervo e seus funcioná-
rios, que dividem provisoriamente o espaço do edifício da Biblioteca Affonso
Taunay, localizado na Mooca.
Trata-se de um edifício térreo e de arquitetura simples, localizado dentro
de um complexo institucional que abriga outros equipamentos como postos de
saúde e postos da AACD. A Biblioteca Affonso Taunay fica distante de qualquer
rua, de forma que para acessá-la é necessário atravessar os portões desse comple-
xo e caminhar até o edifício, que tem a entrada voltada para o lado oposto, dando
às costas aos ingressantes. Ela não foi projetada para abrigar o sistema circulante,
de forma que os funcionários e o acervo dividem todos o mesmo espaço edifício
em um grande galpão separado da outra biblioteca por uma porta. Também não
existe nenhum planejamento da interface do edifício com os ônibus, que para
fazerem a carga e descarga de volumes apenas permanecem estacionados à céu
aberto em um pátio em frente ao galpão. O carregamento é feito de forma ma-
nual em caixotes de plástico que guardam livros previamente selecionados pelos
funcionários para serem distribuídos entre os ônibus.
Cada ônibus carrega cerca de quatro mil volumes entre livros, gibis, re-
vistas e jornais. A troca de acervo ocorre de quatro em quatro meses além de
eventuais reposições e complementações. Pela dificuldade de transportar com-
putadores, todo o sistema de empréstimos é feito manualmente. Os ônibus são
contratados de empresas que trabalham com o transporte público da cidade e
adaptados com estantes, pintura e um toldo para servirem à nova função. Eles
ficam estacionados nas próprias garagens da empresa, de forma que só utilizam
a central para troca de acervo e pela manhã para pegar os funcionários respon-
sáveis por cada ônibus.
As paradas dos ônibus ocorrem em locais onde existe dificuldade de acesso
ao sistema de bibliotecas, até porque possuem o mesmo acervo que as outras bi-
bliotecas municipais e seriam pleonasmos ambulantes caso não mantivessem certa
distância delas. São buscados pontos próximos a escolas e locais de passagem para
outras atividades, de forma que fiquem mais próximos de possíveis usuários. Ao
mesmo tempo, situam-se próximos a pequenos comércios onde os funcionários po-
dem almoçar e à escolas públicas onde eles podem utilizar o banheiro.
Esses pontos buscam ser fixos para que seja fácil encontrar os ônibus es-
tacionados, variando suavemente a localização quando há conflitos na região.
Normalmente eles se instalam em pequenas praças, por mais raras que sejam na
O SISTEMA DE ÔNIBUS-BIBLIOTECA
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX90
BIBLIOTECA AFFONSO TAUNAYIMPLANTAÇÃO DA BIBLIOTECA AFFONSO TAUNAY NO COMPLEXO INSTITUCIONAL DA MOOCA
FOTOGRAFIAS DA BIBLIOTECA E DO PÁTIO ONDE ESTACIONAM OS ÔNIBUS
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 91
RUA TAQUARI (ENTRADA DO COMPLEXO)RUA BRESSER (RUA MAIS PRÓXIMA DA BIBLIOTECA)
>MAPEAMENTO DAS PARADAS DO ÔNIBUS-BIBLIOTECA
O MAPEAMENTO FEITO PARA ESSA PESQUISA VISA COMPREENDER A DINÂMICA DO SISTEMA. EM VERMELHO ESTÁ A SEDE NA BIBLIOTECA AFFONSO TAUNAY, EM AMARELO ESTÃO TODAS AS
PARADAS ATUAIS DOS ÔNIBUS.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX92
periferia da cidade. Dessa forma, os ônibus-biblioteca oferecem também ativida-
des como sarau, clown, contadores de histórias, cordelistas e teatro de rua que
utilizam essas praças como palco de suas apresentações. O sistema é bastante
utilizado, principalmente por crianças e jovens durante a época de aulas.
Apesar de simples e com pouca infraestrutura o Sistema de Ônibus-Biblio-
teca se mostra um importante instrumento de combate à carência de bibliotecas
da cidade. Por mais que se trate de uma solução temporária – já que o ideal é que
cada bairro tenha sua própria biblioteca – ele faria bom uso de uma infraestru-
tura melhor elaborada que ampliasse seu potencial. Seria necessário repensar e
relação do acervo fixo com o acervo circulante e o local de trabalho dos funcioná-
rios de sua central. Poderiam também ser desenvolvidos desenhos de estruturas
móveis mais elaboradas que pudessem trazer em si propostas de uso diversas. As
paradas também merecem atenção, pois são os portos dessas naves e poderiam
dialogar melhor com elas, inclusive marcando melhor sua presença no bairro.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 93
O Sistema de Ônibus-Biblioteca guarda um potencial enorme do ponto de vista da
transformação urbana. Se houver um projeto realmente pensado para ele, pode-
se criar um sistema não apenas de empréstimo de livros, mas também de espaços
públicos em rede pela cidade. Ao mesmo tempo, um edifício sede adequado pode
aprimorar seu funcionamento e contribuir com a urbanidade de seu bairro, os
inúmeros pontos de parada podem se tornar pequenas intervenções locais que
levam novos espaços públicos para áreas carentes da cidade.
Aqui serão levantadas algumas hipóteses iniciais de projeto tanto para o
edifício central do sistema como para os portos de parada e suas naves. Em uma
próxima etapa elas serão desenvolvidas a nível de anteprojeto trabalhando o de-
senho e o funcionamento que podem toná-las viáveis.
- O EDIFÍCIO -
No caminho das discussões promovidas nesse trabalho, deve ser elaborado
um edifício que gere urbanidade para seu entorno, contribuindo com os espaços
públicos e se tornando um organizador das atividades do bairro e até mesmo da
cidade. Para isso, a condição atual da central do Sistema de Ônibus-Biblioteca in-
dica uma estratégia. Apesar de estar provisoriamente dividindo espaço com outra
biblioteca, essa situação não deve ser necessariamente um problema, pode ser
uma solução. Caso possuísse um edifício para uso exclusivo do controle de acervo
circulante, talvez estivesse em um lugar sem utilidade para os não funcionários.
HIPÓTESE DE PROJETO
Não existiria interesse por entrar no edifício, que não precisaria ser aberto ao pú-
blico. Contudo, ao possuir parte do prédio destinado ao acervo circulante e parte
ao uso de biblioteca, ele tem o potencial de gerar um importante equipamento
público multifuncional onde todas as atividades se complementam.
Quanto a construção desse novo edifício, temos que levar em consideração
alguns fatores. Se formos seguir a lógica dos CEU e das bibliotecas de Medellín,
ele deveria ser implantado em uma região periférica da cidade, onde existe gran-
de densidade populacional e a carência por espaços públicos e equipamentos de
cultura é muito elevada. Contudo, devemos lembrar que sua localização não pode
dizer respeito apenas a esses elementos, pois dele partem as naves para todas as
regiões da cidade, de sorte que ele deve ter uma posição razoavelmente central
em relação aos destinos delas.
Inicialmente me ocorreu que o edifício deveria se localizar em alguma re-
gião mais central da cidade, até porque São Paulo possui diversas áreas degrada-
das que necessitam de recuperação muito próximas à seu centro, como é o caso
do Brás e do Bom Retiro. Entretanto, após conversar com os funcionários do Ôni-
bus-Biblioteca, descobri que grande parte dos destinos estão localizados a mais de
uma hora de distância da central. Dessa forma, uma outra estratégia seria a cria-
ção de mais de uma administração, preferencialmente uma para cada região da
cidade. Assim, não apenas a cidade ganharia quatro novas bibliotecas fixas como
também tornaria mais eficiente esse sistema, que passaria a ter uma escala menor
de administração e poderia implantar mais paradas. Considerando o tamanho da
cidade de São Paulo e a demanda, essa opção se mostra muito promissora.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX94
EDES DO SISTEMA DE ÔNIBUS-BIBLIOTECA, HIPÓTESEMODELO ATUAL, COM UMA SEDE MAIS CENTRALIZADA NA CIDADE (ESQUERDA) HIPÓTESE DE MODELO, COM SEDES PARA CADA REGIÃO DA CIDADE (DIREITA)
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 95
Para a próxima etapa de trabalho, a pesquisa ganhará um caráter mais prá-
tico e se focará na escolha de um terreno em alguma das quatro regiões da cidade
para ser implantado um edifício sede do sistema de ônibus-biblioteca seguindo a
hipótese levantada. Também será elaborado um programa para o edifício, ava-
liando tanto as necessidades do sistema em geral quanto da própria biblioteca
e da comunidade onde se insere. Dessa forma, poderá se iniciar o processo de
projeto que resultara em um modelo de aplicação dos conteúdos problematizados
ao longo dessa pesquisa.
- AS NAVES E OS PORTOS -
A ideia de uma biblioteca itinerante é algo muito elaborado, sem dúvidas. Quando
foi criada por Mário de Andrade décadas atrás, ela se utilizou da mais nova tecno-
logia para poder existir: o automóvel. Contudo, mais de setenta anos se passaram
e pouco foi alterado em seu funcionamento, ainda se trata apenas de um ônibus
adaptado para comportar estantes de livros. Isso prova que não existe uma ne-
cessidade de aplicar grandes tecnologias da modernidade nesse modelo para que
ele tenha sucesso. Mesmo assim, com um bom projeto pensado para seu funcio-
namento, pode-se criar um sistema muito mais funcional e atraente para o uso.
Isso ajudaria a disseminar a cultura dos livros para as crianças e contribuiria mais
com a formação pessoal dos indivíduos, que é seu objetivo.
Para tanto, dois níveis de modificação podem contribuir com a melhoria do
sistema. O primeiro é nos módulos circulantes. Apesar de funcionais do ponto de
vista do deslocamento, eles deixam a desejar quando estacionados. A única en-
trada para seu acervo é a pequena porta do ônibus, tornando seu espaço interno
apertado e pouco integrado com o exterior. Não há também uma boa infraestru-
tura de apoio, o que torna as atividades realizadas no ônibus bastante manuais.
Por outro lado, é possível que as principais soluções estejam não nas naves,
mas nos portos. São eles as componentes fixas que podem ajudar na construção
de um endereço. Isso é muito importante, pois a atividade de uma biblioteca busca
incentivar um hábito: a leitura. Para que isso ocorra, é necessário que se tenha
essa componente estática. Assim como os monumentos são capazes de se torna-
rem pontos de referência no meio urbano guardando um importante significado,
esses portos podem adquirir funções similares. Se existirem portos estruturados,
projetados e prontos para receberem essas naves, passa a se configurar no bairro
quase a presença de uma biblioteca fixa. Eles indicam que ali existe um acervo,
que aquele é o lugar onde se vai para ler e aprender, por mais que esse acervo só
se torne disponível em determinados dias.
Mais do que isso, se as paradas dos ônibus fossem projetadas para eles, po-
deriam guardar elementos que contribuíssem com o funcionamento da biblioteca
ambulante que não precisassem ser carregados pelas naves. Esses elementos pas-
sariam a ser parte do bairro e poderiam ajudar na requalificação de seus espaços
públicos. Dessa forma tanto a biblioteca poderia propor mais atividades que se
utilizassem desses recursos quanto esses portos poderiam ser muito mais utiliza-
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX96
BIBLIOTECA CIRCULANTE ORIGINAL DE MÁRIO DE ANDRADE
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 97
>ÔNIBUS-BIBLIOTECA POR DENTRO
>PARADA DO ÔNIBUS
FOTO TIRADA EM VISITA MOSTA A SITUAÇÃO DAS PRAÇAS QUE RECEBEM OS ÔNIBUS-BIBLIOTECA. SEM PROJETOS E SEM MANUTENÇÃO, SE TORNA MAIS DIFÍCIL E POUCO ATRAENTE O
USO DESSES ESPAÇOS
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 99
dos mesmo quando não estiver acoplada a biblioteca. A exemplo disso podemos
citar espaços de leitura, pequenos palcos e arquibancadas que podem receber
apresentações de teatro, áreas cobertas de estar e até mesmo banheiros públicos
e quiosques comerciais.
A princípio, chegou-se a pensar em relacionar as paradas de ônibus aos
CEU, já que ambos acontecem em lugares relativamente próximos, na periferia
da cidade. Dessa forma, seria possível tornar os espaços dos CEU mais abertos
e integrados com a cidade e os portos poderiam receber um espaço projetado
mais dinâmico, dialogando com outras atividades. Foi feito um mapeamento para
entender a proximidade das paradas e desses equipamentos. Ele mostrou certa
proximidade, mas sempre com algum afastamento quando visualisado em escala
menor. Depois da pesquisa, pode-se compreender que não é de interesse do sis-
tema de ônibus-biblioteca essa proximidade, já que os CEU possuem biblioteca
municipais com acervos muito parecidos com o do sistema. Dessa forma, será
necessário pensar como tratar as paradas na situação na qual elas se encontram
atualmente.
<MAPEAMENTO DAS PARADAS DE ÔNIBUS-BLICLIOTECA E DOS CEUO MAPEAMENTO INDICA OS CEU EM VERMELHO E AS PARADAS DE ÔNIBUS EM AMARELO. APESAR DE PRÓXIMAS, NUNCA COINCIDEM REALMENTE
< LEITURA DAS PARADAS DO ÔNIBUS-BIBLIOTECATRÊS PARADAS FORAM SELECIONADAS PARA ANÁLISE RÁPIDA. AS PRAÇAS SÃO USUALMENTE DO TIPO ILHA, SEMPRE RODEADAS POR RUAS (CINZA) OU MUROS (VERMELHO). ISSO JÁ INDICA UM PRIMEIRO DEFEITO DESSE MODELO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX102
A partir dos estudos de caso realizados na primeira parte desta pesquisa e da pro-
blematização do Sistema de Ônibus-Biblioteca, foram propostos três novos edifí-
cios sede que comporiam essa rede. Com o intuito de multiplicar tanto o número
de bibliotecas públicas em áreas carentes quanto a quantidade de pontos de apoio
do sistema itinerante, esses três novos edifícios devem estar sediados em áreas
que facilitem a distribuição dos módulos móveis. Para tanto, foram determinados
três territórios de implantação das bibliotecas que estão ao mesmo tempo próxi-
mos a áreas carentes da cidade e centrais em relação aos pontos de parada do atu-
al Sistema de Ônibus-Biblioteca, de modo que atendem o maior número possível
de paradas de ônibus em curta distância.
Outro fator que contribuiu para a escolha desses territórios foi a conexão
com o sistema de transporte público de grande escala da cidade, como trens e
metrôs. Dessa forma, as bibliotecas, ao mesmo tempo que possuem um caráter co-
munitário local, podem se integrar à um sistema de rede e se tornarem importan-
tes pontos de atração de atividades culturais de caráter metropolitano, levando
mais atividades para suas regiões e promovendo um ambiente urbano mais ativo.
Com isso, se configura também um sistema de centros culturais integrados, como
é o caso do Sesc, no Brasil, ou dos Parques-Biblioteca de Medellín.
Cada um dos três territórios de implantação está localizado em uma das
regiões da cidade com mais destinos de ônibus biblioteca: sul, leste e norte. Fo-
ram determinados pontos de implantação em escala metropolitana que servem
de referência para a escolha de um terreno disponível próximo, que deve estar
localizado de modo a manter a lógica dessa escala metropolitana.
DISTRIBUIÇÃO DAS SEDES
No modelo atual do Sistema de Ônibus-Biblioteca, com um único ponto
de suporte, o edifício da biblioteca deve atender um raio de 28 kilômetros e 72
pontos de parada, com 12 ônibus partindo diariamente. No modelo proposto, esse
raio cai para 12 kilômetros. Dessa forma, é possível tanto desafogar o sistema re-
duzindo o número de paradas atendidas por biblioteca, quanto multiplicar essas
paradas e atender até 216 localidades. Sendo assim, não apenas mais bibliotecas
públicas são distribuídas em áreas carentes da cidade quanto dezenas de novas
regiões podem receber o acesso facilitado aos livros e à atividades ligadas a eles.
Para demonstrar essa proposta, optou-se por detalhar apenas um dos edi-
fícios de apoio. Através dele, serão estudados conceitos de relação com o entorno
e de funcionamento do edifício para que se torne um local de estruturação de
atividades urbanas e um ponto de atração do bairro. Através da compreensão
do local e do processo de projeto do edifício, será feito um processo investigativo
dos conceitos trabalhados na primeira parte do trabalho. Ao mesmo tempo, serão
estudados, também em forma de projeto, três paradas do sistema móvel da bi-
blioteca para que se compreenda melhor novas formas de relação do edifício com
esses outros pontos da cidade.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 103
SITUAÇÃOMAPA DAS PARADAS DO ÔNIBUS-BIBLIOTECA E RAIO DE ATUAÇÃO DA SEDE
PROPOSTAMAPA DAS PARADAS DO ÔNIBUS-BIBLIOTECA COM RAIOS DE ATUAÇÃO DAS NOVAS SEDES
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX104
Dentre os três territórios propostos, foi escolhido aprofundar o estudo do terri-
tório leste. Ele apresenta diversos fatores que o tornam um espaço de reflexão e
estudo importantes, que inclusive ajudam a compreender melhor o contexto da
região e suas potencialidades. Lá, estão acontecendo importantes intervenções
urbanas ligadas à realização da Copa do Mundo 2014, à Operação Urbana Rio
Verde-Jacu e à implantação de um grande parque linear ao longo do Rio Verde
que levanta inúmeras questões acerca da criação de espaços públicos e da ocupa-
ção urbana de margens de rios e córregos.
A região de Itaquera é formada historicamente pela instalação de bairros
caracterizados literalmente por uma condição domitória. Sendo uma região afas-
tada e diametralmente oposta ao vetor sudoeste de São Paulo – no qual se con-
centram os investimentos públicos e bairros de alta renda – verifica-se na área,
desde a década de 1950, a ocupação por bairros populares. Posteriormente, já na
década de 1980, seria instalado neste território também os primeiros conjuntos
habitacionais da COHAB, que impactariam de uma outra forma na malha que já
vinha se consolidando.
Ainda neste período, em 1988, chega à região a estação hoje denominada
Corinthians Itaquera da linha vermelha do Metro. Isto demonstra mais uma vez
a lógica de atuação urbana do Estado Patrimonialista1 que, consolidando a margi-
nalização das populações e bairros da Zona Leste, nunca proveu grandes investi-
mentos estruturais que favorecessem a constituição de uma cidade democrática,
1 | Termo utilizado pelo urbanista João Sette Whitaker para descrever o modelo de Estado que favorece aqueles que detêm o patrimônio financeiro.
policêntrica e dotada de um grau mínimo de urbanidade. Ao contrário disso, os
investimentos foram sempre na lógica radial de proporcionar a conexão da Zona
Leste ao centro, que concorda com o processo de urbanização com baixos salários,
consolidando a condição dos bairros domitórios de população operária que, justa-
mente pela situação de renda, não possuem acesso à outras localidades.
Considerando essas condições de urbanização de Itaquera, observa-se a
constituição de uma série de problemas socioterritoriais, dentre eles a situação de
mobilidade e acessibilidade. Trata-se de uma região extremamente fragmentada,
tanto pelo modelo de ocupação do solo adotado na implantação dos inúmeros
conjuntos habitacionais quanto pela presença das grandes estruturas e glebas in-
transponíveis. Somado a isso, a forma de manipulação do relevo gerou grandes
taludes e muros de arrimo que, mesmo quando não estão cercados ou murados,
se tornam obstáculos à fruição urbana.
Em meio a isso, a Operação Urbana e a Copa do Mundo vieram como ins-
trumentos de alteração do território com potenciais de compensar esses equívo-
cos passados e transformar a região para conferir maior urbanidade através da
instalação de atividades, empregos e de desenho urbano adequado. Apesar disso,
além de não realizarem com êxito essa transformação, podemos até mesmo con-
siderar que em alguns aspectos ela se deu de forma ainda mais prejudicial.
Como parte do Polo Institucional proposto pela Operação Urbana Rio Ver-
de-Jacu, o Estádio de Itaquera foi construído junto com algumas intervenções
urbanas pontuais. Todas as construções seguiram um modelo de ocupação do solo
pautado pelas conexões automobilísticas sem considerar o pedestre como agen-
ESCOLHA DO TERRENO
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 105
LOCALIZAÇÃO DO TERRENOÁREA EM ITAQUERA
LEITURA DA ÁREATALUDES E GRANDES GLEBAS ENCONTRADAS NA REGIÃO DE ITAQUERA DIFICULTAM A MOBILIDADE EM ESCALA LOCAL.
LEITURA DA ÁREAAVENIDAS SE TORNAM BARREIRAS NA MALHA URBANA E CONJUNTOS HABITACIONAIS GERAM GRANDES TERRENOS CERCADOS QUE DIFICULTAM A MOBILIDADE EM ESCALA LOCAL.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX106
te urbano. Foram construídos viadutos, ruas e avenidas de difícil travessia com
proporções exageradas para o pedestre. O estádio se implantou na região criando
grandes muros de arrimo e taludes deixando em segundo plano os percursos pe-
atonais. O entorno do estádio continua inabitado por outras atividades, de sorte
que qualquer percurso até ele não se dá de forma natural, conectada ao tecido
urbano. E mesmo o tipo de atividade trazida pela implantação desse equipamento
já foi apontada por alguns urbanistas como menos potencialmente qualificadora
da região do que o próprio Shopping Itaquera, que gerou empregos, comércio e
lazer para o bairro – mesmo que com uma implantação urbana tão questionável
quanto a do estádio.
Outro projeto proposto na Operação Urbana que já foi parcialmente implan-
tado é o Parque Linear do Rio Verde. Com o propósito de liberar as margens do rio
de construções e prevenir enchentes, o projeto propõe um extenso parque que vai
da região do Estádio de Itaquera até o Parque do Carmo e tem uma largura de mais
de cem metros. Contudo, com a maior parte das margens do rio já ocupadas por
construções, só foi possível implementar um pequeno trecho do projeto. Mesmo
assim, foi necessário remover moradores da área para viabilizar sua construção.
Era demanda da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente2 que o projeto
2 | A Lei Federal no12.651/12 define APP como: “II - Área de Preservação Permanente - APP: Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. (artigo 3°, II) que é definida como “I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para
do parque não se pudesse ter nenhum tipo de construção numa margem de 30
metros do rio e que uma margem de 15 metros fosse reservada exclusivamente
para o reflorestamento de vegetação nativa. Sendo assim, cria-se uma faixa de
mais de 60 metros de largura por toda a extensão do parque onde não podem
haver quaisquer tipo de construção, nem mesmo quadras esportivas, marquises,
banheiros públicos ou outros equipamentos de promoção de atividade pública. É
um modelo de tratamento do rio urbano que persiste na ideia de exclui-lo da vida
da cidade como forma de preservá-lo. Isso gera um extenso e largo trecho que
corta a cidade, mas onde atividades urbanas não podem acontecer.
Dessa forma, o único trecho do parque que já foi implementado apresenta
apenas um pequeno campo de futebol de terra batida, uma pequena marquise,
um espaço para esqueitistas, uma ponte de pedestres, um gramado generoso e
uma área arborizada. Não é possível chegar até o rio, pois ele é cercado para pro-
teger as árvores do reflorestamento. Além disso, nem tudo que foi projetado pelos
arquitetos foi realmente implementado, deixando de fora canteiros de plantas
olfativas e um espaço pensado para receber crianças de escolas para atividades
pedagógicas à céu aberto – programa demandado pelas próprias escolas da região.
Vinculada à todas essas questões se encontra a Favela da Paz. Localizada
entre o Rio Verde e o viaduto que leva os trens do metro da linha férrea ao esta-
cionamento, ela configura uma ocupação irregular e precária. Contudo, mais de
os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura (...); IV - as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água, qualquer que seja a sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros”. (artigo 4°, I e IV )
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 107
OPERAÇÃO URBANA RIO VERDE-JACUIMAGEM RETIRADA DE APRESENTAÇÃO DE SETEMBRO DE 2012 DA SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO URBANO. PERCEBE-SE UM PROPOSTA DE OCUPAÇÃO MUITO GENERALIZADA PAUTADA POR GRANDES EDIFÍCIOS SEM A PRESENÇA DE MORADIAS. O PARQUE LINEAR PODE SER VISTO À DIREITA AO LONGO DO RIO VERDE.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX108
300 famílias já habitam fixamente a área, tendo sido configurada uma comunida-
de que desenvolveu comércio e serviços próprios. Atualmente, ela sofre ameaça
de remoção vinculada à implementação da Operação Urbana com a justificativa
de estar ocupando uma área destinada à instalação de um trecho do parque li-
near. Com o apoio de acessórias técnicas, a comunidade do assentamento orga-
nizou um plano alternativo no qual prova que existe espaço para a implantação
do parque e para a manutenção das pessoas na mesma quadra – que é composta
majoritariamente por terrenos vazios ou subutilizados.
Desta forma, após um longo processo investigativo de territórios de atu-
ação, foi escolhido trabalhar em um terreno vinculado ao processo do Plano Al-
ternativo da Favela da Paz. Essa área se mostrou muito oportuna para o estudo
de implantação de um novo equipamento público. Ao mesmo tempo em que cor-
responde à uma região que já está sofrendo um processo de transformação, essa
área permite um estudo de como o edifício pode se relacionar tanto com outros
edifícios, quanto com estruturas como rios, viadutos e parques. É um terreno que
sintetiza muitas das questões que se colocam na cidade em termos de dificuldade
de incorporar estruturas pré-existentes à intervenções que visam trazer melho-
rias urbanas. Além disso, é uma área que já foi estudada antes, de sorte que apre-
senta uma base de trabalho rica.
>PARQUE LINEAR DO RIO VERDE
IMAGENS DE APRESENTAÇÃO DO PROJETO PARA O PARQUE DO RIO VERDE E FOTOGRAFIAS DO QUE FOI IMPLEMENTADO.
ACERVO DO ARQUITETO FÁBIO MARIZ.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX110
A busca por um terreno para a implantação do edifício da biblioteca foi verda-
deiramente complexa e reveladora. Segundo a discussão proposta pela pesquisa,
o objetivo inicial era compreender como o desenho do edifício de equipamento
público pode promover uma boa relação com o ambiente urbano e, por conse-
quência, proporcionar um ambiente urbanisticamente bem resolvido. Contudo,
durante o processo de levantamento de terrenos que poderiam servir de base
para esse estudo, inúmeros outros fatores foram sendo revelados e novas proble-
máticas surgiram.
Do modo como a pesquisa se encaminhou, o terreno de implantação do
edifício deveria se localizar na periferia da cidade, próximo aos destinos finais
do ônibus-biblioteca e atendendo a uma carência dessa região tanto por equi-
pamentos públicos quanto por arquitetura de qualidade. Muitas opções foram
levantadas, e diversos tecidos urbanos da periferia foram considerados. Dentre
eles, destacaram-se assentamentos precários, grandes vazios urbanos, bairros
residenciais autoconstruídos e tecidos completamente formados por conjuntos
habitacionais de interesse social.
Nesses tipos de tecido é difícil afirmar que um edifício consiga, sozinho,
trazer uma alteração da dinâmica urbana. A periferia paulista é muito fragmen-
tada e apresenta tecidos muito pouco consolidados. Diferente de áreas centrais
de grande parte das cidades, onde existe certo grau de coesão urbana, a periferia
de São Paulo apresenta níveis muito diversos de fragilidade urbanística. Essa ca-
racterística não está em fatores pontuais, mas sim no conjunto de sua lógica ur-
bana. Nas avenidas principais, onde deveria existir maior número de atividades
e de interesse pela cidade, é onde menos se encontra espaço para interações no
nível do pedestre. São áreas pensadas exclusivamente para o automóvel que, por
causa disso, tem em suas margens grandes vazios urbanos, galpões (muitas ve-
zes abandonados) ou edifícios monofuncionais de maior porte que não visam se
relacionar com o arredor – como hipermercados e grandes lojas. Isso torna essas
importantes artérias de conexão fortes barreiras urbanas.
O ambiente residencial autoconstruído é o predominante. Ele é configura-
do basicamente por casas em modelos muito similares construídas em uma lógica
urbana de loteamento. A ausência de desenho urbano e a presença maciça de mu-
ros e grades como elemento de interface entre espaço público e privado faz com
que seja gerado um ambiente onde o desenho da rua enquanto espaço livre passa
a ser resíduo da solução interna dos lotes. Nada se conecta com o passeio público
se não portas de garagens. Os moradores acabam por modificar esses passeios
de modo negativo ao adapta-lo para uso próprio, criando desníveis sequenciais
para facilitar o acesso do automóvel à garagem. A monofuncionalidade das ruas,
vinculada a condição dessas calçadas irregulares, estreitas e ocupadas por postes
e árvores promove a não fruição do espaço público e constrói uma urbanidade
deficiente, constantemente interrompida por terrenos vazios de grande porte.
Em meio a essa situação, pousam grandes conjuntos habitacionais. Desvin-
culados de qualquer relação com o tecido existente, esses conjuntos apresentam
tipologias repetidas que se isolam do contato com a rua, criando uma interface de
muros ainda pior do que o das casas autoconstruídas e reforçando a monofun-
cionalidade dos bairros e a necessidade de deslocamentos através de veículos. São
ENTENDENDO O CONTEXTO URBANO DA PERIFERIA
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 111
AVENIDAS PRINCIPAISIMAGENS DA AVENIDA ARICANDUVA NA ZONA LESTE DE SÃO PAULO MOSTRAM A LOGICA DE OCUPAÇÃO DOS EIXOS DE MOBILIDADE NA PERIFERIA PAULISTA, ONDE NÃO EXISTE VIDA NA ESCALA DO PEDESTRE.
AMBIENTE RESIDENCIAL AUTOCONTRUÍDOIMAGENS DA VILA RIO BRANCO NA ZONA LESTE DE SÃO PAULO MOSTRAM A FORMA TÍPICA DA PERIFERIA PAULISTA FORMADA POR CASAS.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX112
ambientes onde a escala do pedestre não está pensada em nível urbano, pois as
quadras são muito extensas e os edifícios isolados em condomínios.
Por fim, os assentamentos precários parecem ser os mais bem sucedidos
nesse meio. Apesar da fragilidade das construções e das péssimas condições de
habitabilidade de muitas das casas, o microambiente urbano dessas áreas é mais
coeso e interessante que o resto. Coeso porque apresenta uma relação das cons-
truções com os espaços livres muito mais forte, uma mistura de usos muito rica e
um sentimento de comunidade muito mais intenso. Interessante porque os espa-
ços livres se desenham à partir das edificações e ganham múltiplas formas, como
vielas de pedestres, pequenos largos e até mesmo praças, todos conectados a usos
diversos. Contudo, a ocupação do solo nessas áreas é muito alta e as precariedade
das construções é um problema crônico.
Dessa forma, em qualquer que seja o terreno de implantação de um equi-
pamento público na periferia, o desafio de criar urbanidade se mostra muito mais
complexo do que o de desenhar o edifício. O ambiente do assentamento precário
provavelmente é onde um equipamento público mais poderia se integrar à urba-
nidade existente. De todo modo, a falta de espaço livre nessa área impossibilita
que isso aconteça sem a necessidade de remoção de parte das construções. Já nos
outros ambientes, onde há terrenos vagos para implantação de edifícios, a manu-
tenção de seus parâmetros urbanos pode fazer com que o equipamento público
seja implantado de forma muito desconexa, e se torne mais um grande edifício
isolado da dinâmica urbana – principalmente no nível do pedestre.
Com isso em vista, é possível observar que grande parte dos edifícios de
equipamento público da periferia paulista não obtiveram sucesso em criar ur-
banidade para a cidade, pois estão inseridos na mesma lógica não urbana dessa
região. Ao implantar edifícios que teoricamente possuem potencial de transfor-
mação urbana sem alterar essa lógica de funcionamento da cidade suburbana,
eles aterrissam como naves e essa força se dissolve. É importante destacar que
grande parte dos edifícios possui um desenho padronizado que é repetido em
vários pontos da cidade com poucas alterações e isso torna sua implantação
ainda mais distante de uma capacidade de diálogo efetivo com o território e,
portanto, de alteração do mesmo. A arquitetura desses equipamentos muitas
vezes acaba nem se propondo a alterar a lógica de isolamento do edifício no ter-
reno, o que, aliado à gestão, resulta em prédios cercados por muros resolvidos
dentro de seu lote.
Por outro lado, não é possível saber se a alteração do desenho desses edi-
fícios, visando uma interação mais intensa com o espaço público e propondo um
desenho do espaço livre teria sucesso sem a alteração geral de parâmetros urba-
nos que predominam na periferia. Parece pouco provável que edifícios bem dese-
nhados em meio a um ambiente tão fragmentado possam trazer coesão urbana
para o território, até mesmo porque parte do que qualifica o desenho arquitetôni-
co é sua relação com o território.
Ao observarmos os edifícios que mais contribuem com a urbanidade da
cidade em outras áreas de São Paulo, podemos levantar alguns parâmetros de
comparação com a periferia. No caso do Conjunto Nacional, por exemplo, vemos
um edifício que possui um embasamento que ativa fortemente a rua. Acompa-
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 113
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOSA IMAGEM DE CIMA MOSTRA A FAVELA DE PARAISÓPOLIS EM SÃO PAULO, ENQUANTO A DE BAIXO MOSTRA O CENTRO DE MADRID. ESSA COMPARAÇÃO FOI FEITA PARA MOSTRAR COMO EM AMBAS AS SITUAÇÕES O ESPAÇO PÚBLICO É COMFORMADO PELOS EDIFÍCIOS.
CONJUNTOS HABITACIONAISAS IMAGENS DE CIDADE TIRADENTES, NA ZONA LESTE DE SÃO PAULO, MOSTRAM COMO O AMBIENTE CONSTITUÍDO INTEIRAMENTE POR CONJUNTOS HABITACIONAIS GERA UMA PAISAGEM MONÓTONA E FRAGMENTADA, COM UM ESAÇO PÚBLICO INDEFINIDO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX114
nhando o passeio público em todos os lados da quadra, proporcionando novos
percursos e um interesse por adentrar o edifício, o projeto cria um foco muito
importante de atividades no espaço público. Além disso, detalhes como uma mar-
quise que protege o pedestre das intempéries e um desenho de piso que continua
da calçada para o interior do edifício ajudam a construir um ambiente qualificado
que atrai usuários.
Entretanto, não é possível dizer que o desenho do Conjunto Nacional te-
ria a mesma força se o edifício não estivesse localizado na Avenida Paulista, em
uma das esquinas de maior atividade da cidade. Ao mesmo tempo em que ajuda a
construir esse ambiente urbano ímpar em São Paulo, ele se beneficia fortemente
dele. Não existiria interesse em cruzar a quadra pelo interior do edifício se a qua-
dra oposta não oferecesse diversos outros atrativos (habitação, comércio, servi-
ços, etc). Também não seria tão significativo o fato de a marquise criar uma prote-
ção na calçada, se na Avenida Paulista não passassem pessoas à pé naturalmente.
A periferia apresenta um ambiente verdadeiramente diferente. A dinâmi-
ca urbana dessas regiões não funciona da mesma forma que nas áreas centrais,
em parte pela carência de edifícios que busquem se relacionar com o espaço pú-
blico, em parte por uma conjuntura urbana mais complexa que envolve questões
históricas de formação socioespacial.
As figuras ao lado ajudam a evidenciar a configuração urbana da região
que será trabalhada. Nelas, pode ser visto todo o entorno da estação Corinthians
Itaquera da linha vermelha do metrô. Trata-se da área destinada a um futuro
polo institucional segundo a Operação Urbana Rio Verde-Jacu. Atualmente, já foi
implementado uma nova arena de futebol na área, bem como o já existente sho-
pping Itaquera, um Poupa Tempo projetado por Paulo Mendes da Rocha e uma
Fatec. Com o mapa de negativo dos espaços livres é possível compreender os pro-
blemas da distribuição espacial de território. É visível o enorme rasgo na costura
urbana da região no entorno direto da estação de metrô – uma área de mais de
1500 metros de uma ponta a outra. Nessa área não existem construções que não
as já apontadas e o espaço livre é completamente indefinido, sendo composto por
ruas, rotatórias e grandes áreas cercadas de posse privada e do Estado.
A ausência de edifícios habitacionais na região é um dos elementos de
maior fragmentação do espaço. Sem pessoas morando na região, não existe ativi-
dade naturalmente nessa imensa área. Ao mesmo tempo, não existem percursos
típicos de uma cidade a serem feitos. Nenhum transeunte encontra em seu per-
curso comércios, praças, pessoas varrendo a calçada ou passeando seu cachorro.
Isso pode parecer supérfluo, mas é o que torna um aglomerado de construções
uma cidade. Sem essas atividades o espaço se torna hostil até mesmo perigoso.
Não existe respeito ao pedestre, já que se instaura um modelo de deslocamento
pensado exclusivamente para o automóvel e os crimes ganham a liberdade de
não estarem sendo vistos por terceiros. Para Jane Jacobs, a questão da plurifun-
cionalidade dos bairros é essencial para garantir uma boa cidade:
“... O distrito, e sem dúvida o maior número de segmentos que o compõe,
deve atender a mais de uma função principal; de preferência, a mais de
duas. Estas devem garantir a presença de pessoas que saiam de casa em
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 115
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COMFIGURAÇÃO ESPACIAL DE ITAQUERAAO COMPARARMOS A FOTOGRAFIA DE SATÉLITE DE ITAQUERA COM A IMAGEM DE FIGURA-FUNDO DOS EDIFÍCIOS, PERCEBEMOS COMO O ESPAÇO LIVRE É INDEFINIDO E DESFRAGMENTADO E FICA EVIDENTE O GRANDE VAZIO URBANO DESSA REGIÃO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX116
horários diferentes e estejam nos lugares por motivos diferentes, mas se-
jam capazes de utilizar boa parte da infraestrutura” 3
Contudo, essa monofuncionalidade não se encontra apenas nesse grande
vazio urbano. Logo à oeste podemos identificar outro grande trecho urbano que
se conforma por uma imensa quantidade de conjuntos habitacionais destinados
à famílias de baixa renda. Ao mesmo tempo em que as atividades não residen-
ciais são muito pontuais nessa área – conformadas em sua maioria escolas, postos
policiais e outros equipamentos públicos básicos – os espaços públicos da região
claramente não está configurada através de desenho urbano. Todos os edifícios
estão implantados no modelo de lote onde se resolvem dentro de suas grades e
muros. O espaço público é resultado de um processo de parcelamento do solo e
se torna indefinido e hostil. Os edifícios são implantados como se não houvesse
entorno, de sorte que sua forma independe de sua localização. Ele se torna um
carimbo, não uma construção urbana.
O restante da região é configurado basicamente por casas autoconstruí-
das dentro de seus lotes. Configuram o espaço público melhor do que a situação
anterior, pois sua proximidade e afastamento do leito carroçável razoavelmente
semelhante (por consequência de uma aproveitamento melhor do terreno pelo
morador e não por demanda do poder público) conseguem definir os quarteirões e
desenhar melhor a rua. Mesmo assim, ainda são construídos no sentido de buscar
3 | JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 1ª edição. São Paulo: Martins Fontes,
2007.
se afastar da vida coletiva e criam uma interface agressiva com o espaço público,
configurada por portões e grades. A monofuncionalidade também impera nesses
bairros, muitas vezes por conta das próprias leis que criam os zoneamentos ex-
clusivamente residenciais. Atividades comerciais surgem num modelo informal,
nas próprias casas. É a cidade que tenta acontecer da forma que naturalmente
existe desde a Idade Média.
Finalmente, o que vemos é um espaço público esquecido, tratado em ter-
ceiro plano. Uma incapacidade de unir equipamentos públicos e infraestrutura
ao planejamento dos espaços livres públicos, de sorte que cada um é feito sepa-
radamente, como se assim pudesse ser. Vemos esquecido um conceito essencial
à vida humana sobre o qual a filósofa Hannah Arendt se debruçou em grande
parte de sua carreira. Ela define o homem dentro de três grupos de atividades que
ele realiza por natureza. Aquele que chama de “ação” só pode ocorrer no espaço
público, espaço de aparência, onde o homem aparece diante do coletivo e com ele
pode se relacionar. Pois no isolamento, as ações do ser humano nada significam,
é em público que elas passam a existir. E este espaço deveria ser projetado e as-
segurado em uma estrutura que garantisse que todas as ações subsequentes do
homem pudessem acontecer.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 117
O DESENHO DA CIDADE POR LÉON KRIERDESENHOS RETIRADOS DO LIVRO DRAWING FOR ARCHITECTURE DO URBANISTA EUROPEU LÉON KRIER. ATRAVÉS DE ESBOÇOS ELE CRITICA A FORMA URBANA DA PERIFERIA NA QUAL OS ESPAÇOS LIVRES NÃO SÃO CONFIGURADOS PELOS EDIFÍCIO, FICANDO DESTINADOS AO QUE SOBRA DO DESENHO DELES. TAMBÉM IRONIZA A MONOFUNCIONALIDADE DO SUBÚRBIO, DEMONSTRANDO SUA ETERNA DEPENDÊNCIA DO CENTRO E PROPONDO OUTRO MODELO DE CRESCIMENTO URBANO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX118
O terreno escolhido inicialmente para a implantação do edifício da biblioteca foi
resultado de uma leitura do Plano Alternativo da Comunidade da Paz. Ele porpõe
a remoção parcial das famílias do assentamento precário para que sejam realoca-
das em edifícios nos terrenos vizinhos, que não servem a qualquer função social
do solo atualmente. Dessa forma, se libera um trecho da margem do Rio Verde
para que seja incorporado ao parque linear e um trecho ao longo do viaduto do
metro para que seja aberta uma rua. Sendo assim, restaria ainda um generoso
terreno vazio onde nada está proposto. Dessa forma, imaginou-se que essa gleba
pudesse se tornar a biblioteca, que poderia então fazer o elo de ligação de dife-
rentes espaços públicos – o parque, o rio e a avenida – e atividades urbanas que
acontecem na favela e nos novos edifícios.
Contudo, após diferentes tentativas de transformar essa proposta em pro-
jeto, ficou claro que não seria essa a solução. Optar por trabalhar na lógica onde a
favela permanece de modo parcial e não se sabe a configuração urbana do arre-
dor tornaria a biblioteca mais um edifício pensado numa lógica de isolamento da
cidade. Por mais que se propusesse um edifício conectado à rua e que trabalhasse
o controle de entrada para permitir uma melhor interface com o espaço público,
não seria possível configurar uma situação urbana completa sem considerar o
entorno construído. A gleba a ser trabalhada possuía dimensões muito grandes e
não seria possível utilizar seu espaço livre para configurar espaços públicos sem
saber como eles se relacionariam com o entorno imediato. O projeto do edifício
não basta para isso, é necessário que parta de um projeto urbano definido ante-
rior ou concomitantemente.
ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
Assim, ficou estabelecido que seria trabalhada toda a quadra da gleba en-
quanto unidade territorial urbana. Como ela é inteiramente configurada por
grandes terrenos vazios – além do assentamento precário – e já existe uma pro-
posta de alteração do modelo de ocupação tanto por parte do Plano Alternativo
da Comunidade da Paz quanto pela Operação Urbana Rio Verde-Jacu, foi consi-
derado que alterar seus parâmetros urbanos não seria irreal. A escolha da quadra
enquanto unidade territorial permite pensar um trecho de cidade relevante o
suficiente para configurar seus próprios espaços e indicar possíveis configurações
urbanas mais gerais. Ao mesmo tempo, isso não significa projetar todos os edifí-
cios da quadra, mas sim os espaços livres públicos. Trata-se de colocar o projeto
urbano acima do projeto arquitetônico, o espaço público acima do privado. Desse
modo, não se visa definir a forma dos edifícios, mas sim o tipo de relação que pos-
suem entre si e com a cidade, bem como as funções que oferecem à ela.
Essa estratégia permite que se defina um modelo de ocupação para essa
unidade territorial que pode se dar tanto através da intervenção estatal quanto
do processo natural de construção da cidade. O terreno ainda pode ser comer-
cializado e construído por investidores privados, desde que seguindo o desenho
urbano pré-estabelecido. O único projeto de edifício que cabe se definir nesses
parâmetros é o da própria biblioteca. Entretanto, com essa nova configuração ur-
bana se torna possível propor soluções físicas ao edifício que se relacionem com
o seu entorno e possam configurar os espaços livres públicos e sua hierarquia.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 119
ÁREA DE INTERVENÇÃOAS FOTOGRAFIAS DE SATÉLITE DA ÁREA DE 2000 E 2014 PERMITEM VER O CRECIMENTO PARA DA FAVELA DA PAZ E A IMPLANTAÇÃO DO PRIMEIRO TRECHO DO PARQUE LINEAR AO NORTE.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX120
PLANO ALTERNATIVO DA COMUNIDADE DA PAZAS IMAGENS CRIADAS PELA ACESSORIA TÉCNICA PEABIRU
MOSTRAM DE FORMA GERAL A PROPOSTA DE MANUTENÇÃO DAS FAMÍLIAS DA FAVELA DA PAZ NA MESMA GLEBA,
LIBERANDO ESPAÇO AO LONGO DO RIO E DO VIADUTO DO METRÔ.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX122
“[...] Aqui a tela de fundo é a metrópole da informação que está explo-
dindo, um sistema de redes visíveis e invisíveis que está pondo por terra
velhas definições de campo e cidade, e que está exigindo uma nova escala
de pensamento que se localize em algum lugar entre arquitetura, urbanis-
mo, paisagismo e planejamento territorial.” 4
Um longo processo de projeto levou ao desenho final do que seria a configuração
urbana da quadra. Alguns princípios básicos serviram de plataforma para o início
do desenho. Primeiramente, a quadra, que tem mais de 300 metros de compri-
mento, deveria ser mais permeável e possibilitar novos fluxos e possibilidades de
encontro. Em segundo lugar, os edifícios deveriam desenhar os espaços públicos,
de sorte que seriam definidos primeiros estes espaços e as construções surgiriam
de seu negativo. Por fim, era pressuposto que diversas atividades se acomodas-
sem nos edifícios.
Deve haver habitações suficientes para que no mínimo se mantenha a po-
pulação local, mas é desejável que se aumente em número as unidades para que
se alcance uma densidade urbana capaz de gerar mais atividade na rua. Isso de-
penderá tanto do destino que se der para cada edifício quando do projeto dele, que
será mais ou menos eficiente em balancear as dimensões das moradias e número
de apartamentos. Também é necessário que se crie atividades mescladas nestes
edifícios, como comércio e serviços, que devem estar de preferência no térreo.
4 | CURTIS, William J. R. Arquitetura moderna desde 1900. 3ª edição. Porto Alegre: Bookman, 2008
A QUADRA ENQUANTO UNIDADE TERRITORIAL
Mas a forma como isso se dá também cabe ao projeto individual de cada situação.
Desse modo, o volume sugerido no projeto urbano não corresponde a forma final
dos edifícios, somente ao seu alinhamento com a rua. Cada solução arquitetônica
possibilitará um desenho diferente para cada edifício, que corresponderá tam-
bém às soluções internas de organização do espaço privado. Alguns edifícios te-
rão apenas cinco andares, para que possam servir à habitação de interesse social
sem a necessidade de elevadores. Outros poderão ser mais altos, mesclando dife-
rentes públicos e usos, desde que evitem um sombreamento exagerado de seus
vizinhos. É desejável que edifícios mais altos se concentrem próximos à espaços
livres maiores como avenidas ou largos.
Sendo assim, o alinhamento do edifício com o espaço público se torna tal-
vez o mais importante fator de definição deste. É esse alinhamento que permite
também que se crie uma hierarquização dos espaços. Nas avenidas mais movi-
mentadas foi definido um alinhamento a 10 metros do leito carroçável, deixando
um largo passeio público que possa comportar o fluxo de pessoas e de atividades.
Nos eixos menores esse alinhamento se altera, a as dimensões do passeio se ade-
quam ao caráter do espaço. Dessa forma também é possível definir mais clara-
mente as clareiras urbanas: as praças. Quando conformadas pelo edifício elas são
mais facilmente interpretáveis e seu espaço ganha forma. As atividades dos edi-
fícios podem se misturar às da praça e o espaço público e o privado passam a tra-
balhar numa relação de mutualismo onde um se beneficia do outro e vice-versa.
Apesar de ter um formato razoavelmente regular, a quadra é cortada pelo
rio e pelo viaduto, o que torna mais difícil uma organização reticular dos edifícios.
>LEITURA DO ENTORNO
LEITURA DO ENTORNO FEITA PARA O PLANO ALTERNATIVO DA COMUNIDADE DA PAZ. EXISTEM DIVERSOS EQUIPAMENTOS
PÚBLICOSSÃO LOCALIZADOS, A MAIORIA DELES DE NECESSIDADE BÁSICA, POUCOS ESTÃO A MENOS DE 1KM DO
TERRENO E NÃO HÁ EQUIPAMENTOS DE CULTURA NA REGIÃO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX124
LEITURA DOS ESPAÇOS LIVRESA COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS IMAGENS PERMITE OBSERVAR COMO OS ESPAÇOS LIVRES SÃO INDEFINIDOS NO ESTORNO DO TERRENO DE ESTUDO. SEM A PRESENÇA DAS RUAS NÃO É POSSÍVEL IDENTIFICAR A FORMA DAS QUADRAS NEM OS ESPAÇOS PÚBLICOS.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 125
MOBILIDADEO MAPA INDICA OS PONTOS DE ÔNIBUS E AS RUAS. AS FOTOS INDICAM O CARÁTER DAS AVENIDAS LINDEIRAS AO TERRENO.AO MESMO TEMPO EM QUE EXISTEM POUCAS RUAS, ELAS SÃO LADEADAS POR GRANDES MUROS, CERCAS E TALUDES.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX126
Esses elementos quebram a ortogonalidade da quadra e criam a necessidade de
certo afastamento de construções em relação à eles. Para evitar que se que se
gerem edifícios muito isolados da trama urbana entre essas duas estruturas e
também para que esse espaço não se torne um grande vazio que perde a defini-
ção, foi decidido que a biblioteca seria implantada entre o viaduto e o rio. Dessa
forma, o desenho mais orgânico do equipamento público poderia se acomodar à
topografia e ao terreno e suas atividades públicas poderiam servir de elo entre
essas infraestruturas e as atividades urbanas.
Ao mesmo tempo, para que fosse possível viabilizar esse desenho, se tornou
necessário definir o traçado as margens do rio. Diferente do que se propõe na le-
gislação atual, foi decidido que as margens poderiam ter ocupações, desde que res-
peitassem conceitos de permeabilidade do solo e criação de espaço público ao longo
das margens, mantendo a ideia de parque linear. Para incorporar o rio à dinâmica
urbana, ele não pode ficar isolado das atividades da cidade. É necessário, então, im-
plementar passeios pavimentados, travessias e até mesmo edifícios próximos à ele.
Caso contrário, esse curso d’água corre o risco de se tornar mais uma barreira na já
truncada malha urbana da cidade. Assim como se faz em cidades como Amsterdã,
Paris, Seul e muitas outras, os rios urbanos devem fazer parte do espaço público
e trabalhar como compositores da vida urbana. É importante ter em mente que
tornar as margens dos rios permeáveis não é apenas deixa-las livres de construção,
mas também investir na captação de águas pluviais em um sistema secundário, exi-
gir que os edifícios tenham captação e armazenamento de águas e trabalhar com
canteiros e pavimentação que permitam a infiltração da água no solo.
Como a biblioteca foi projetada em junto com esse espaço, se tornou possí-
vel vincular o desenho do edifício, o paisagismo e o desenho urbano. Essa com-
binação trouxe soluções mais ricas tanto para o edifício quanto para a configura-
ção do espaço público. Sendo feitos separadamente ainda seria possível elaborar
meios da margem do rio ganhar forma e do edifício desenhar o espaço público,
mas com a oportunidade de se projetar tudo de uma vez, foi possível enriquecer
esse processo. O mesmo aconteceu com o viaduto. Por ser muito elevado, ele não
configura um espaço opressivo no seu baixio, contudo, exige certo afastamento
para que não se torne uma estrutura agressiva. O projeto da biblioteca conseguiu
permitir que o desenho urbano definisse uma massa edificada distante do viaduto
e configurasse uma nova praça conectada à malha urbana.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 127
RIOS URBANOS EM OUTRAS CIDADESCANAL EM AMSTERDÃ E RIO SENA EM PARIS RIO CHEONGGYECHEON EM SEOUL
TRATAMENTO DOS RIOS EM SÃO PAULORIO VERDE, ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX128
PROCESSO DE PROJETOALGUNS DOS ESBOÇOS FEITOS PARA O DESENHO URBANO DA QUADRA.
SITUAÇÃO ATUALIMAGEM PARA COMPARAÇÃO.
>DESENHO GERAL RESULTANTE DA QUADRA
PLANO DE MASSAS RESULTANTE DO DESENHO URBANO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX130
A BIBLIOTECA
TERRENO DE ESTUDOSITUAÇÃO E PROPOSTA
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX132
>PLANA NÍVEL SUPERIOR
BIBLIOTECA, ÁREA INFANTIL, AUDITÓRIO, SALAS DE ATIVIDADES, SALA DE INFORMÁTICA, CAFÉ-LIVRARIA E
CENTRO DE REFERÊNCIA URBANA.
PLANA NÍVEL CAISENTREDA PRINCIPAL, BANHEIROS, DEPÓSITO DE LIVROS, ADMINISTRAÇÃO E ÁREA DE CARGA E DESCARGA.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX134
CORTE LONGITUDINAL DO EDIFÍCIOO SALÃO MULTIUSO CONECTA DOS EDIFÍCIOS POR BAIXO E A PRAÇA OS CONECTA POR CIMA.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 135
CORTE DO RIO VERDEÉ POSSÍVEL VER A RELAÇÃO DO CAIS COM A ENTRADA DO EDIFÍCIO E A SUCESSÃO DE PRAÇAS ESCALONADAS
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX136
<ESPACO CULTURALVISTA AÉREA DO EDIFÍCIO SEM COBERTURA
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX138
O programa proposto tem por objetivo tornar a biblioteca mais do que apenas
um edifício de armazenamento e disponibilização de livros. Ele visa torna-la
um complexo de atividades culturais maior capaz de gerar um espaço de con-
gregação comunitária e de oferecimento de serviços. Ao mesmo tempo, ele é o
primeiro passo para tornar o edifício mais conectado ao cotidiano do bairro e
mais diverso em atividades para que possa se tornar mais atrativo e, portanto,
mais relevante na dinâmica urbana. Mais uma vez surge a ideia do mutualismo,
onde as atividades presentes no edifício se beneficiam e dão benefícios umas às
outras, tornando-o mais frequentado e incentivando que todas as atividades
culturais que oferece façam parte da vida de seus usuários.
Dentre os programas mais específicos se destacam o Centro de Referên-
cia Urbana, a área infantil da biblioteca, a lanchonete e os espaços de estudo.
O primeiro deles é talvez o que mais chama a atenção, pois é um programa
inexistente em equipamentos públicos brasileiros. Assim como na Midiateca de
Toulouse, estudada na primeira parte deste trabalho, foi proposto que se incor-
porasse às três sedes deste sistema de bibliotecas essa nova função. Este espaço
tem como proposta se tornar um centro de politização da população através do
contato com as políticas urbanas e da exposição das principais intervenções em
processo de implementação na cidade. Trata-se de uma forma de aproximar a
população das reformas urbanas de uma forma mais pedagógica e direta, que
permita uma melhor compreensão de conceitos urbanos e de formas de parti-
cipação popular na política. Pretende-se, com isso, que o sistema de bibliotecas
que busca se relacionar com o espaço público também instrua as pessoas sobre
– PROGRAMA –
ele e sirva de plataforma de discussão da cidade que dê à população uma outra
noção de urbanidade.
Nesse mesmo sentido, foram propostos também espaços de congregação,
onde a população pudesse se reunir para discutir questões que lhes interessasse.
O próprio processo de elaboração do Plano Alternativo da Favela da Paz passou
por grandes dificuldades pela ausência de estruturas que comportassem uma reu-
nião da comunidade, que teve que ser feita na casa de pessoas e em comércios
locais. Sendo assim, o edifício da biblioteca traz a possibilidade de viabilizar este
espaço através de um novo auditório. Ao mesmo tempo que serve como estrutura
para acontecimentos culturais, ele também pode ser uma estrutura de apoio à
comunidade local em momentos de reunião. Por isso, o programa da biblioteca
contou com um auditório de mais de 300 lugares, além de um segundo anfiteatro
a céu aberto que foi possibilitado posteriormente durante o processo de projeto.
O espaço infantil da biblioteca tem como objetivo mais do que apenas for-
necer livros para crianças, mas também oferecer estrutura para que as mães pos-
sam deixar seus filhos no local durante um período do dia enquanto não podem
ficar com eles. Para isso, o espaço também deve oferecer entretenimento relacio-
nado ao ensino para as crianças, como contação de histórias, exibição de filmes,
peças infantis, etc. Desse forma, pode ser criada uma estrutura que possibilita
que as mães possam se dedicar a afazeres próprios sem ter que se preocupar com
a segurança dos filhos ou ter que deixar de fazer essas coisas por conta disso. Ao
mesmo tempo, tem-se uma estrutura de apoio ao ensino e uma alternativa de
atividade para as crianças do bairro.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 139
NÍVEL DO CAIS
DEPÓSITO DE LIVROS
ESCRITÓRIOS ADMINISTRATIVOS
ÁREA DE CARGA E DESCARGA
ESPAÇO MULTIUSO E DE ESTUDOS
BANHEIROS
ÁREA TÉCNICA
NÍVEL DA PRAÇA
ACERVO LIVROS, PERIÓDICOS E MÍDIA
ACERVO INFANTIL E ESPAÇO DA CRIANÇA
ESPAÇO MULTIUSO E DE ESTUDOS
AUDITÓRIO
CAFÉ E LIVRARIA
SALAS DE ATIVIDADES
ESPAÇO DE INFORMÁTICA
CENTRO DE REFERÊNCIA URBANA
PROGRAMA DO EDIFÍCIO
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX140
A presença de espaços de estudo e reunião também é um elemento impor-
tante. Foi a forma encontrada para dar suporte adicional ao estudo e ao trabalho.
Através destes espaços espera-se que as pessoas encontrem um local confortável
e apropriado para se dedicar a atividades acadêmicas e mesmo de trabalho. Mui-
tos não encontram estes espaços dentro de suas casas e isso pode tanto dificultar
que jovens e crianças se interessem pelo estudo quanto impossibilitar que profis-
sionais fornecedores de serviços específicos possam se encontrar com clientes.
Assim, está proposto que estes locais de encontro e concentração estejam espa-
lhados pelo edifício e ganhem diferentes formas ligados ao acervo da biblioteca, à
espaços multiuso e à áreas específicas de trabalho.
Por fim, a presença da lanchonete se torna essencial para a vitalidade do
edifício. A presença de um comércio que qualifica também um local de encontro
atrai pessoas para o uso das instalações. Ao mesmo tempo, este é o suporte que
permite que os usuários passem mais tempo no edifício, já que encontram um lo-
cal para comer e fazer pausas das atividades. Esse comércio pode também dividir
espaço com uma pequena livraria, onde a comunidade pode comprar livros novos
e usados da biblioteca, tornando-se mais um instrumento de incentivo à leitura.
Mais uma vez, a multiplicidade de funções do edifício é vital para a construção de
uma estrutura urbana ativa e dinâmica.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 141
ESPAÇOS MULTIUSOO SALÃO MULTIUSO NO NÍVEL DO CAIS CONECTA OS DOIS EDIFÍCIOS (IMAGEM DE CIMA); SALÃO MULTIUSO DÁ ACESSO À DIVERSAS ATIVIDADES DO EDIFÍCIO CULTURAL (IMAGEM DE BAIXO).
BIBLIOTECAA RECEPÇÃO DA BIBLIOTECA MANTÉM O MESMO PISO DA PRAÇA (IMAGEM DE CIMA); O MESANINO DA BIBLIOTECA GUARDA O ACERVO DE MÍDIA (IMAGEM DE BAIXO).
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX142
Uma das principais estratégias para projetar o edifício da biblioteca de modo a
torna-la mais conectada à cidade e à dinâmica urbana foi buscar uma forte rela-
ção com o entorno natural e construído. Eram muito diversos os elementos que se
colocavam como desafios nessa busca. O rio tornava necessário que a biblioteca
se abrisse para a margem e trabalhasse uma reação de simbiose com ela, evitando
dar as costas à este espaço para que não se tornasse mais uma vez os fundos da
cidade. O viaduto do metro, por outro lado, é uma estrutura pesada e potencial-
mente agressiva, de modo que se não fosse incorporado ao desenho do edifício,
poderia se manter como um elemento de ruptura do espaço público. O trecho de
parque já implementado configura um grande espaço livre pouco definido e des-
conectado de atividades urbanas relevantes, de sorte que cabe à biblioteca con-
seguir se tornar um elemento de articulação deste espaço com os demais espaços
livres, como a margem do rio e a praça em frente ao viaduto. Por fim, o último ele-
mento é o relevo. Estando localizada às margens do rio, a biblioteca se encontra
no pondo de maior desnível da quadra. Mesmo não sendo muito acentuado – sete
metros do nível d’água até a praça – o relevo não poderia ser tratado com muros
de arrimo e taludes desconectados do edifício. Deste modo, cabe ao projeto do
edifício trabalhar também o projeto da paisagem e, por consequência, do relevo.
Foi através da inserção no relevo que a biblioteca pode criar uma forte co-
nexão entre o cais do rio e a grande praça em frente ao viaduto do metro. Ao
trabalhar a topografia, foi possível criar duas frentes para o edifício, uma voltada
para o rio, outra voltada para a praça. Assim, ela pode tornar as duas áreas mais
ativas, além de criar novas formas de vencer os desníveis ao permitir esse deslo-
camento se dê através de suas áreas internas. Para conectar estes dois espaços, foi
criada uma praça central de dois níveis entre os dois blocos principais que com-
põe a biblioteca. Os níveis são conectados por uma grande escadaria em forma de
anfiteatro que também dá acesso a um salão interno que liga os dois blocos e se
localiza sob a praça superior.
Essa estratégia permitiu criar um espaço de alargamento para a margem
do rio onde atividades diversas podem tomar lugar. Este local também se torna
a cabeceira de uma ponte onde de pedestres que cruza o rio mirando a biblioteca
em perspectiva desde o outro lado, efeito reforçado pelos edifícios vizinhos que
definem o espaço do passeio peatonal que leva à travessia. A grade escadaria
permite que este espaço se torne um ambiente também de contemplação e de
realização de apresentações, multiplicando suas possibilidades de uso. Com piso
em madeira e espelho de vidro, a escadaria se torna uma grande janela para
o salão da biblioteca e permite uma conexão visual entre o espaço interno e o
externo. Essa estrutura também dá acesso ao nível superior da praça, que se
conecta com a grande praça do viaduto, mas ganha uma outra escala conferida
pela implantação do edifício.
Para possibilitar uma definição melhor dos espaços livres criados ao re-
dor do viaduto, optou-se por explorar a forma dessa estrutura. Pela altura deste
elevado (25 metros) e pela presença de apenas quatro colunas em toda a quadra,
mesmo possuindo um grande impacto visual na paisagem, o viaduto era incapaz
de, por si só, definir os espaços ao seu redor no nível do pedestre. Observando
estruturas de dimensões semelhantes em outras cidades do mundo, os antigos
– RELAÇÃO COM O ENTORNO IMEDIATO –
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX144
aquedutos se sobressaíram enquanto referência para solucionar o problema. Ao
analisar estruturas como a dos Arcos da Lapa no Rio de Janeiro e o Aqueduto de
Segóvia na Espanha, é possível notar como elas conseguem marcar sua presença
na paisagem definindo espaços livres ao seu redor com grande leveza. Apesar de
possuírem um desenho mais sofisticado em termos estéticos do que o grosseiro
viaduto de concreto em Itaquera, o que mais contribui para essa configuração não
é sua beleza, mas sim o ritmo de suas colunas. Sendo assim, decidiu-se incorporar
no desenho da biblioteca elementos que dialogassem com os pilares do elevado
para conferir uma noção de ritmo à eles.
Sendo assim, foi criada uma modulação da estrutura da biblioteca que se
evidencia para além do edifício. Grandes paredes estruturais serviriam de base
para a configuração dos ambientes internos, ao mesmo tempo em que se esten-
deriam para além deles, buscando relações com outros elementos ao redor. Ao
se alinharem aos pilares do viaduto, essas paredes criam uma repetição plástica
que permite a configuração da grande praça evidenciando a presença o eleva-
do. Concomitantemente, criam uma série de pórticos que definem um espaço de
transição entre a praça e o edifício, gerando áreas de escalas e características di-
versas. Uma dessas paredes se estende ainda mais e chega ao outro lado do rio,
convidando os transeuntes a visitarem o novo equipamento público.
Este projeto, com isso, ensaia uma forma alternativa de inserção dos edifí-
cios públicos na cidade. Demonstra um pensamento de relação do edifício com a
seu contexto urbano que não pode ser tabelado ou padronizado, mas que envolve
conceitos que, estes sim, podem se repetir em outras situações de forma até mais
bem elaborada. Fazer com que a forma do edifício não surja antes nem indepen-
dentemente da forma do entorno parece ser uma das grandes chaves. É necessá-
rio que se busque articular os diversos elementos urbanos para que o projeto te-
nha um real poder de inserção na cidade. Nesta experiência, arriscou-se inclusive
criar uma modulação construtiva que mostrasse que para que se empregue este
caráter no edifício, ele não precisa perder a racionalização da produção – carac-
terística importante para projetos públicos de grande escala. Uma outra pesquisa
poderia inclusive investigar um modelo de racionalização da produção diferente
do existente hoje para edifícios públicos, que permitisse uma adaptação maior
das construções aos respectivos contextos e uma liberdade plástica maior para
os arquitetos, criando variedade de soluções e adequação às necessidades locais.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 145
ARCOS DA LAPA, RIO DE JANEIROFOTOGRAFIA AÉREA (FONTE : EN.WIKIPEDIA.ORG) E IMAGEM DO GOOGLE STREET VIEW.
AQUEDUTO DE SEGÓVIA, ESPANHAFOTOGRAFIA AÉREA (FONTE : THE-TIN-MAN.COM) E IMAGEM DO GOOGLE STREET VIEW.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 147
<VISTA AÉREA DA BIBLIOTECAFORMAÇÃO DA PRAÇA ATRAVÉS DO RITMO DOS PILARES E DAS PAREDES SEQUENCIAIS
<CORTE GERAL DO RIORELAÇÃO COM A PAISAGEM NATURAL E CONSTRUÍDA.
BIBLIOTECA VISTA À PARTIR DA MARGEM OPOSTA DO RIOOS EDIFÍCIOS ENQUADRAM A BIBLIOTECA E O PÓRTICO QUE CHEGA AO OUTRO LADO CONVIDA O TRANSEUNTE PARA O EDIFÍCIO.
IMAGENS ESPERNAS DO EDIFÍCIOPRAÇA NO CAIS BAIXO, ONDE ESTÃO A ENTRADA, O ANFITEATRO À CÉU ABERTO E A ÁREA DE CARGA E DESCARGA (IMAGEM DE CIMA); FORMAÇÃO DE PÓRTICOS JUNTOS AO VIADUTO NA PRAÇA SUPERIOR (IMAGEM DE BAIXO)
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX148
– REFERÊNCIA DE PROJETO –
O arquiteto italiano Renzo Piano desenvolveu um revestimento industrializado
feito de tijolos de terra pré-fabricados. Esse sistema foi utilizado como referência
para a proposição das grandes paredes da biblioteca. O tijolo de terra é um ma-
terial barato e guarda uma identidade forte, que se destaca ao mesmo tempo em
que mantém uma sobriedade e passa sensação de aconchego. Ao industrializar
sua produção e criar um desenho específico dele para o edifício, pode-se conferir
personalidade à biblioteca e otimizar seu processo produtivo. Com um modelo
de revestimento deste tipo é possível também criar paredes mais permeáveis
sem perder sua força visual. Renzo Piano cria um sistema onde as aberturas do
edifício se camuflam sob os tijolos e recebem proteção contra incidência de luz
solar direta. Assim, é mantida a uniformidade da parede, mas se torna possível
a criação de aberturas. Isso é importante no projeto da biblioteca nas áreas onde
o muro estabelece contato direto com o espaço público, como na área infantil e
no Centro de Referência Urbana. Isso torna possível que os espaços interno e
externo se relacionem e que a extensa parede de tijolos afirme sua grandiosidade.
Os desenhos à seguir foram retirados do livro Renzo Piano Building
Workshop Complete Works Volume 4 e fazem parte do projeto da Banca Popolare
di Lodi, na Itália. Através deles é possível compreender melhor o funcionamento
do revestimento de tijolos industrializado criado por Renzo Piano.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX152
O sistema itinerante da biblioteca foi importante para o desenvolvimento do dese-
nho do edifício. Apesar de não ter havido tempo para uma elaboração mais deta-
lhada de seu funcionamento, ele sempre fez parte da preocupação da dinâmica dos
espaços e das soluções propostas. Uma das principais preocupações foi como otimi-
zar a relação entre o acervo da biblioteca e os veículos que cotidianamente deslo-
cam parte dele. No modelo atual, não existe nenhuma proposta de desenho para o
edifício ou para o ônibus que torne está relação mais eficiente e prática. O que se
pretendeu então, foi esboçar uma possibilidade de aperfeiçoamento deste sistema.
Optou-se por não propor grandes alterações ao ônibus que transporta
o acervo móvel. Além de não ser o foco desta pesquisa trabalhar na escala do
desenho industrial que possibilitaria tal estudo, ficou claro que grande parte do
melhoramento deste sistema deveria ser feito no edifício que guarda o acervo e
nos pontos de parada. Mesmo assim, foi levantada a hipótese de uma adaptação
maior dos veículos que permita uma abertura maior de suas faces e uma cone-
xão mais próxima entre interior e exterior. Desse modo, as pequenas bibliotecas
podem se integrar melhor às atividades das praças onde ancoram e o sistema de
carga e descarga se facilita.
Para o edifício, optou-se por localizar o depósito do acervo no cais do Rio
Verde, sob a biblioteca. Assim, seria possível que os veículos pudessem atracar
no ponto de carga e descarga sem interferir nas fachadas principais da bibliote-
ca. Ao fazer isso, também foi possibilitado que os escritórios administrativos se
dispusessem junto ao acervo de frente para a margem do rio. Essas funções sozi-
nhas já garantiriam que este espaço se tornasse ativo e com pessoas presentes em
– O EDIFÍCIO E A ITINERÂNCIA –
grande parte do dia. Para otimizar a relação entre o veículo e o edifício, o acervo
está elevado do solo em meio metro para que se forme uma plataforma na mes-
ma altura do piso do ônibus. Isso facilita o carregamento dele, evitando que seja
necessário sair da biblioteca com livros, subir as escadas do ônibus e organiza-los
em seu interior, como é feito hoje. Dessa forma, se torna possível, inclusive, que
as estantes de livros do ônibus sejam móveis e possam ser trocadas por inteiro a
cada viagem. Os livros seriam organizados no edifício diretamente nas estantes
e elas poderiam ser deslizadas para dentro do veículo substituindo outras que já
estejam desorganizadas e com livros emprestados.
Ao posicionar o depósito de livros sob o acervo também se viabilizou uma
separação física mais clara entre a parte acessível ao público e a restrita. Um ele-
vador de serviços faz a conexão entre todos os andares com coleção de livros ou
mídias, permitindo uma relação mais direta entre os funcionários e o acervo. As-
sim, o acervo fixo e o itinerante se tornam totalmente conectados podem compor
uma mesma coleção que muda e se renova.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 153
CORTE ÁREA DE CARGA E DESCARGAESQUEMA DE ACOPLAGEM DO ÔNIBUS AO DEPÓSITO DE LIVROS E À ADMINISTRAÇÃO. A ELEVAÇÃO DO PISO PERMITE UMA COMUNICAÇÃO MAIS EFICIENTE ENTRE EDIFÍCIO E VEÍCULO.
CROQUIS DE REFLEXÃO SOBRE O ÔNIBUSNA IMAGEM SUPERIOR, O MODELO ATUAL DE ÔNIBUS, NA INFERIOR A PROPOSTA DE UM MODELO MAIS ABERTO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX154
Para o estudo das praças de parada dos ônibus biblioteca, foram escolhidos dois
casos com situações distintas e dentro do raio de abrangência da biblioteca pro-
jetada. O estudo delas consistiu numa leitura dos elementos que dificultam sua
integração ao cotidiano do bairro e uma proposta esquemática de como seus espa-
ços podem ser melhor aproveitados e gerar mais interesse pelo uso, tornando-se
capazes de receber melhor o sistema itinerante do Ônibus-Biblioteca.
Ambas as praças apresentaram um modelo comumente encontrado na ci-
dade e já destacado no início desta pesquisa. São restos da urbanização do bairro,
sendo conformadas em locais de bifurcação de ruas onde a ocupação seria muito
difícil pela dimensão e pelo formato do terreno. Dessa forma, são caracterizadas
por serem rodeadas por ruas em todos os lados e apresentarem uma dimensão
relativamente pequena. Ao mesmo tempo, os desenhos das praças tratam elas
como canteiros verdes, diminuindo ainda mais o espaço útil delas em detrimento
da implementação de caixas de terra para arborização. Esses canteiros tornam
seu espaço truncado e determinam muito fortemente as áreas caminháveis.
Por outro lado, as duas praças disponibilizam bancos e mesas, elementos
de acolhimento local. Esse tipo de mobiliário é importante para a garantir a per-
manência de pessoas no espaço público, pois possibilita atividades naturais desse
tipo de espaço, como sentar, conversar, observar, etc.*** (JAN GEHL). Contudo,
esses elementos estão colocados na praça num modelo interiorano, que não cor-
responde à dinâmica contemporânea da metrópole. Por mais que estejam na peri-
feria, onde o ambiente é predominantemente residencial e a utilização dos espaço
públicos é muito diferente das áreas centrais e densas da cidade, a praça precisa
– PONTOS DE ANCORAGEM –
comportar uma apropriação maior de seu espaço e possibilitar atividades mais
diversas que possam se integrar ao entorno.
Posto isso, as principais modificações pensadas para as praças vão no sen-
tido de aproximar mais seu espaço do passeio público e dos edifícios ao seu redor
ao mesmo tempo que se tenta criar uma outra forma de apropriação do espaço
vinculada a uma identidade visual comum que remeta ao fato de serem um
ponto de ancoragem do Ônibus-Biblioteca. Para tanto, foi proposto primeira-
mente a alteração do caráter de uma das ruas lindeiras à cada praça, tornando
-as um espaço compartilhado que prioriza o pedestre e permite o alargamento
da calçada. Essa rua deve ser elevada para o nível do passeio público e receber
um tratamento de piso que indique seu caráter peatonal, com pedras ou outro
tipo de revestimento texturizado. Com isso, a praça deixa de ser uma pequena
ilha no asfalto e se torna um alargamento do espaço do pedestre.
As paredes que marcam o projeto da biblioteca foram escolhidas como
elemento de criação da identidade visual das praças também. Para isso, as
paredes são pensadas como o próprio mobiliário urbano. Através de perfura-
ções, variação de alturas e acoplamento de estruturas parasitas esses muros
podem se transformar para receber diversos tipos de bancos, mesas, lixeiras,
brinquedos, espaços de armazenamento, elementos decorativos, quadro de
avisos, etc. O mesmo elemento que compõe a biblioteca pode então compor
as praças ao redor dela e as demais praças vinculadas ao seu sistema, criando
uma identidade única para tudo. Isso é importante, pois marca a presença da
biblioteca na cidade e cria um endereçamento oportuno que permite que os
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 155
PRAÇA GERACINA BRAGA LIMAA PRAÇA APRESENTA A CURIOSA CARACTERÍSTICA DE ESTAR RODEADA POR BLOCOS DE CONCRETO DE SINALIZAÇÃO DE TRÂNSITO. APESAR DO ESPAÇO DOS CARROS EM SUAS MARGENS TER SIDO REDUZIDO, ELE NÃO FOI INCORPORADO À ELA, TORNANDO-SE UM LOCAL SEM UTILIDADE E QUE DIFICULTA A MOBILIDADE DOS PEDESTRES.
PRAÇA CÂNDIDO MENDES DE ALMEIDAA PRAÇA ESTÁ EM FRENTE À UMA ESCOLA PÚBLICA, DE FORMA TEM A OPORTUNIDADE DE SE TORNAR UMA EXTENSÃO DE SEU ESPAÇO. A ALTERAÇÃO DE SEU DESENHO É UMA FORMA DELA RECEBER MAIS ATIVIDADES, MAS A ESCOLA TAMBÉM PODE CONTRIBUIR PARA ISSO SE TORNAR SUAS FRONTEIRAS MAIS PERMEÁVEIS.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX156
usuários à identificarem com facilidade, permitindo que o contato com ela se
torne cotidiano.
Outras modificações importantes foram a determinação de uma área re-
servada para o estacionamento do ônibus-biblioteca mais articulada com a praça
e a proposição de pequenos quiosques que podem abrigar comércio e banheiros
públicos. É demanda do sistema que as praças estejam próximas à locais onde os
funcionários possam comer e utilizar o banheiro. Sendo assim, estes quiosques po-
deriam tanto cumprir essa função quanto introduzir novos elementos de ativação
do espaço público. Também é proposta que os canteiros de plantas deixem de ser
caixas e se nivelem ao piso, deixando de conformar barreiras e criando pequenos
gramados onde as pessoas possas se sentar.
O projeto Tiquatira em Construção (representado nas imagens ao lado) das
arquitetas Andréa Helou e Julieta Fialho foi uma das referências para a definição
do muro enquanto mobiliário urbano. Em Tiquatira, as recém formadas arquitetas
se aproveitam de um longo muro préexistente para requalificar a região ao proje-
tar diversos parasitas que o transformam em um percurso de diferentes ursos e
surpresas. Apesar de muitas das idéias não terem saído do papel, o trecho imple-
mentado mostra que realmente é possível utilizar essa estrutura de forma positiva.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 157
TIQUATIRA EM CONSTRUÇÃOAS IMAGENS DO PROJETO REVELAM DIVERSAS IDEIAS DO QUE PODERIA SER FEITO NO MURO PARA TRANSFORMADO EM MOBILIÁRIO URBANO MULTIUSO. DENTRE ELAS, DESTACAM-SE A ARQUIBANCADA, O BICICLETÁRIO E A MESA. MAS SÃO INFINITAS POSSIBILIDADES DE USO.IMAGENS DE DIVULGAÇÃO DO PROJETO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX158
PRAÇA GERACINA BRAGA LIMACROQUIS DE ESTUDO DA PRAÇA ANTES (ESQUERDA) E DEPOIS (DIREITA) DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 159
PRAÇA CÂNDIDO MENDES DE ALMEIDACROQUIS DE ESTUDO DA PRAÇA ANTES (ESQUERDA) E DEPOIS (DIREITA) DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX160
“A arquitetura abrange o exame de todo o ambiente físico que circunda a
vida humana; não podemos subtrair-nos a ela, até que façamos parte da
sociedade urbana, porque a arquitetura é o conjunto das modificações
e das alterações introduzidas sobre a superfície terrestre, em vista das
necessidades humanas, excetuado somente o puro deserto.” (WILLIAN
MORRIS, 1881)
A elaboração de um projeto enquanto forma de pesquisa permitiu desco-
brir questões que não estavam planejadas no início. A partir do momento em
que se projeta, também se descobre novos elementos que não estavam previstos
e que necessitam de problematização para permitir que o projeto se desenvolva.
Desde o início do processo de proposição do edifício novos paradigmas surgiram
e obrigaram mudanças tanto na forma de se trabalhar quanto na percepção
inicial do problema.
A simples questão da implantação do edifício no terreno inicialmente
definido já revelou inúmeras questões que não haviam aparecido antes. Elas
tornaram mais evidente a complexidade e a necessidade de estruturar o edifício
em conjunto com a forma urbana e os elementos construídos e naturais do en-
torno. No momento do projeto afloram novas leituras da situação urbana que
permitem uma compreensão mais estruturada das problemáticas levantadas no
início da pesquisa.
Enquanto arquiteto, essa metodologia é muito rica, já que permite de-
senvolver conceitos aplicados diretamente à prática profissional da categoria. É
O PROJETO COMO PESQUISA
também uma forma de aplicar os conceitos enquanto os estuda, para que seja
fundamentada a argumentação. Tento em vista que construir edifícios ou proje-
tos urbanos é algo impossível para uma pesquisa, o exercício do projeto permite
uma aplicação dos conceitos de uma maneira próxima da prática do arquiteto
urbanista e permite uma leitura dos resultados que só pode ser superada pela
real implementação o projeto, que estará sujeita às dinâmicas urbanas, aos usu-
ários, aos recursos financeiros e materiais, etc. Assim, o projeto é uma forma de
tornar elementos abstratos mais próximos da compreensão do pesquisador e de
seus possíveis leitores.
A arquitetura é uma ciência muito complexa, pois envolve uma diversida-
de de fatores que dependem de elementos tanto abstratos quanto voláteis, que se
alteram a cada circunstância. Ao projetar como forma de pesquisa, essa multipli-
cidade de fatores se evidencia mais facilmente e grande parte dos elementos que
não são o foco da pesquisa se tornam presentes na problematização. Por mais que
continuem como segundo plano em relação à proposta de trabalho, se não forem
levadas em conta, muito se perde, pois a arquitetura se distancia da aplicabilidade.
O processo de produção da arquitetura é provavelmente o que mais cha-
ma atenção como plano de fundo da pesquisa. Principalmente pelo fato de se
tratar de um projeto público com caráter social num contexto pós-industrial
em um país emergente, esse elemento se torna importante para a viabilização
de projetos. Considerando o tema desta pesquisa, podemos destacar a crítica de
Kenneth Frampton para Mies van der Rohe quando afirma que “procura redu-
zir o trabalho da construção à categoria de desenho industrial numa escala enorme.
A BIBLIOTECA E A CIDADE | NICOLAS LE ROUX 161
Visto que está preocupado em otimizar a produção, tem pouco ou nenhum interesse
pela cidade”. Para podermos repensar a cidade através da arquitetura, devemos
saber vincular seu processo produtivo ao conceito de implantação e articulação
do edifício com o entorno.
Esse modelo de pesquisa nos permite criar esse processo de forma mais
articulada. À partir do momento em que se precisa dar forma à teoria, todas as
outras questões vem à tona. Um projeto que se resolve apenas dentro de uma
questão muito específica não pode ser considerado eficiente. Muitos dos grandes
marcos da arquitetura ganharam destaque justamente por se dedicar a uma só
questão, normalmente à forma. Contudo, se tornam obras muito pontuais, que
não podem ter seu conceito reproduzido em qualquer situação e, quando tem,
acabam por se distanciar de processos produtivos locais, de realidades socioespa-
ciais e da relação com o entorno.
O processo de investigação através do projeto é muito interessante para um
estudante de arquitetura inclusive, pois permite praticar o exercício da profissão
de uma maneira crítica. É uma ferramenta para estabelecer fundamentos críti-
cos para as possibilidades da arquitetura que se verificam somente através dele e
com ele aprender de forma metaliguística.
O EDIFÍCIO COMO ARTICULADOR DA URBANIDADE | NICOLAS LE ROUX162
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