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O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA PÚBLICA NO
BRASIL: 500 ANOS DE HISTÓRIA1
Janaina S. S. Menezes2
Este capítulo tem por objetivo delinear, de forma panorâmica, o perfil histórico
do financiamento da educação básica pública do País. Enfoca desde o modo como a
educação estava inserida no sistema de tributação da Coroa até as determinações
constantes nas diferentes Cartas Constitucionais promulgadas (ou decretadas) no
decorrer dos dois últimos séculos.
O texto, a exemplo dos estudos de Rezende Pinto (2000), dividiu a história
daquele financiamento nos três períodos a seguir especificados. Esta segmentação, de
objetivo didático, busca, ao realçar as grandes linhas que nortearam o financiamento da
educação escolar no Brasil, apresentar um continuum relativo à sua evolução histórica
capaz de fornecer as bases para o entendimento da sua atual configuração.
Antes de esboçar a periodização, ressalta-se que este delineamento temporal
desconsidera os cinqüenta anos compreendidos entre o descobrimento do Brasil e a
construção, em Salvador, do primeiro estabelecimento de ensino público, época em que
a escola era dispensável aos brancos que aqui residiam (em sua maioria, solteiros,
missionários e degredados) e negada aos índios e negros, inexistindo, naquele contexto,
qualquer forma de financiamento à educação pública formal (MONLEVADE, 2001).
Partindo dessa observação, apresentam-se, a seguir, os contornos gerais de tal
periodização:
• O 1º período decorreu do ano em que os jesuítas chegaram ao País (1549) até
sua expulsão (1759); nessa época foi delegada aos membros daquela ordem
religiosa a concessão das escolas públicas no País, assinalando o afastamento da
Coroa em relação ao financiamento da educação nacional.
• O 2º período, compreendido da expulsão dos jesuítas até o fim da República
Velha (1930), foi caracterizado: (1) pela busca de fontes autônomas de
1 Este texto integra a tese de doutorado da autora intitulada “O Financiamento da Educação no Brasil: O Fundef a partir do relato de seus idealizadores”, defendida em fevereiro de 2005, junto ao Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 2 Professora da Universidade Federal do Pará (UFPA), atualmente, exercendo suas atividades junto à Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
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financiamento para a educação e, (2) por deixar a educação por conta das
dotações orçamentárias dos governos dos estados e das câmaras municipais.
• Já o 3º período, que se estende da homologação da Constituição Federal de 1934
até os dias de hoje, tem sido marcado pela busca da vinculação constitucional de
um percentual mínimo de recursos tributários para a educação.
A discussão referente ao terceiro período será conduzida até a legislação
que antecede a Carta Constitucional vigente e da qual decorre o ordenamento jurídico-
normativo que orienta o financiamento da educação escolar no contexto atual.
1º Período: os jesuítas e o financiamento da educação no Brasil-Colônia
A fim de evidenciar que o período compreendido de 1549 a 1759 foi marcado pelo
distanciamento do Estado no que tange ao financiamento da educação pública no País,
este estudo mostrará que a educação no Brasil-Colônia não foi beneficiada pela
estruturação do sistema de receitas públicas, tendo permanecido, naquela época,
prioritariamente, sob a tutela dos jesuítas e, secundariamente, em caráter suplementar,
sob a responsabilidade da esfera particular. A organização do sistema de finanças da
Colônia estava voltada, essencialmente, para o atendimento das necessidades da Corte,
sendo marcada por um grande número de impostos que, segundo Rezende Pinto (2000),
ultrapassavam 150.
Tendo em vista o número excessivo e o pequeno retorno financeiro da maioria
desses tributos, este estudo abordará, de forma resumida, apenas os, à época,
considerados de maior importância para a Corte, a saber: o dízimo, os direitos de
entrada e o quinto.
O dízimo, com sustentação na Bíblia, “Todos os dízimos do campo, seja produto
da terra, seja fruto das árvores, pertencem ao Senhor” (Levítico 27,30), em sua origem
constituía-se num tributo eclesiástico. No entanto, o rei de Portugal, como grão-mestre
da Ordem de Cristo e do Padroado de Tomar, arrogou-se o direito de cobrá-lo. Em
contrapartida, a Coroa comprometeu-se a conceder uma espécie de pensão aos ministros
do culto, denominada côngrua, teoricamente suficiente para a manutenção da Igreja em
Portugal e no Reino. O dízimo, do latim decimu, destinado ao erário real, correspondia a
dez por cento de qualquer produção, com exceção dos minérios.
Os direitos de entrada eram tributos associados à circulação de mercadorias entre
as diferentes províncias e incidiam basicamente sobre os animais de carga que vinham
do Sul para trabalhar nas minas de ouro e sobre o gado que vinha da Bahia (região do
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rio São Francisco), destinado também basicamente aos mineiros (Vasconcelos e Prado
Jr. apud Rezende Pinto, 2000).
Já o quinto, considerado o imposto real de maior importância, teve sua cobrança
instituída em Portugal, antes mesmo da descoberta do Brasil e de suas riquezas. Sua
arrecadação baseava-se no princípio de que os direitos reais se estendiam aos veeiros e
às minas de ouro e prata e qualquer outro metal descobertos em Portugal ou no Reino. A
administração portuguesa, por não ter condições de levar a efeito tarefa de tal dimensão,
viu-se na contingência de abrir a exploração de “seus” minérios à iniciativa privada,
passando o quinto a corresponder a 20% de todos os metais já fundidos e livres de todos
os custos. Mais especificamente, no caso do ouro, o mesmo só poderia ser
comercializado depois de fundido, quintado e apresentar certificado das Casas de
Fundição pertencentes à Coroa.
É interessante salientar que, antes da descoberta das riquezas minerais de nosso
País, aqueles que deixassem de pagar o quinto em Portugal, como pena, “perderiam sua
fazenda e seriam degredados, por dez anos, para o Brasil” (Antonil apud Rezende Pinto,
2000, p. 09), demonstrando o tipo de relação que, na época, Portugal mantinha com este
País.
Afora os múltiplos tributos destinados ao erário real, o mesmo fazia jus a um terço
das rendas auferidas pelas câmaras municipais, incluindo-se aí os impostos de natureza
local, a citar, as taxas sobre as balanças em que se pesavam os gêneros de primeira
necessidade, taxas do celeiro público (mercado) e de aferição de pesos e medidas,
tributos que incidiam sobre as reses entradas nos açougues e carne abatida, sobre a
fabricação e venda de aguardente, entre muitos outros (REZENDE PINTO, 2000).
Embora os tributos de natureza local fossem em grande número, o seu retorno
financeiro era muito pequeno, sujeitando as câmaras a uma situação de pobreza que as
obrigava a lançar mão das fintas, uma espécie de coleta especial destinada ao
pagamento de algumas despesas específicas, a citar: construção de pontes, fontes e
prédios públicos, entre outras.
Vale ressaltar que, à exceção do quinto, a cobrança dos tributos, tanto de caráter
geral quanto local, era feita de maneira terceirizada, a qual, devido a vícios estruturais e
abusos dos contratantes, segundo Caio Prado Jr., citado por Rezende Pinto (2000),
constituiu-se numa “das mais maléficas práticas do governo colonial” (p.10), resultando
sérios prejuízos tanto para os agricultores (que muitas vezes acabavam por ter suas
terras confiscadas), quanto para as câmaras e províncias que não usufruíam um fluxo
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estável e seguro de recursos. A cobrança do dízimo, por exemplo, apresentava dois
grandes problemas: (1°) era cobrado em espécie, sendo que os agricultores tinham
grande dificuldade de vender seus produtos e (2°) os dizimeiros calculavam o
rendimento da terra muito acima do valor real (Saint Hilaire apud Rezende Pinto, 2000),
fazendo com que os agricultores, acuados em seu isolamento e pobreza, mesmo com o
prazo de três anos para pagá-lo, tivessem grande dificuldade de honrar aquela dívida.
Muitos deles, após terem suas terras confiscadas, com a intenção de se isentar do
pagamento do dízimo, passavam a residir em locais distantes, ou acabavam por produzir
somente o necessário para a subsistência de sua família, ou que possuísse demanda certa
de mercado.
Também a cobrança do quinto, grande mantenedor da abastança portuguesa,
encontrava sérias dificuldades: primeiro, porque os grandes proprietários de minas não
demonstravam o menor interesse em colaborar com o erário real; segundo, porque os
administradores locais, responsáveis pela cobrança e fiscalização dos tributos, eram
selecionados pela própria elite local e, por último, porque a Coroa, devido,
principalmente, ao escasso número de soldados da Cia. dos Dragões disponibilizados na
Província, não possuía condições de impor sua vontade (REZENDE PINTO, 2000).
Os obstáculos que se apresentavam à cobrança do quinto fizeram com que, em
acordo firmado em 1750, a Coroa acolhesse uma proposta formulada pelos proprietários
de minas, garantindo-lhe, por meio da cotização entre câmaras municipais, uma
quantidade mínima de 100 arrobas (1.465 kg) de ouro ao ano. No entanto, “em não
sendo atingida tal quantia, estas mesmas câmaras se compromissavam a lançar um
tributo, de natureza local, e que incidiria sobre todos os habitantes (per capita),
mineradores ou não, até suprir a quantia faltante” (Ibidem, p.14).
Essa forma de socialização do pagamento de uma tributação que deveria incidir
exclusivamente sobre os proprietários de minas configurou-se na célebre “derrama” que
causou muita aflição àqueles que deveriam pagar por uma conta que não era sua,
tornando-se o motivo de diversos motins populares.
Com a descoberta de minas no Brasil, o quinto ampliou sua importância para a
Coroa, que viu neste tributo uma forma de dar continuidade à sua abundância: “Durante
um século quase, não haverá outra preocupação séria e de conseqüência que a cobrança
dos direitos régios, o quinto; a história administrativa do Brasil se contará em função
dela” (Prado Jr. apud Rezende Pinto, 2000, p. 09).
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O ouro e os diamantes enviados do Brasil para Portugal criaram a sensação de que
a crise que o Reino vivera anteriormente estava superada.
Mas e a educação, como se encontrava frente à política tributária do Brasil-
Colônia?
Pode-se perceber que a educação não encontrava sustentação financeira junto
àquela administração, que não lhe destinava nenhum de seus tributos (mesmo os menos
significantes).
Em termos educacionais, esse período teve início com a concessão de escolas,
pelo Rei de Portugal, aos padres jesuítas, os quais, por mais de 200 anos, praticamente
monopolizaram a educação no País. O primeiro período foi marcado pela chegada do
Pe. Manoel da Nóbrega que, junto com mais cinco membros da Companhia de Jesus,
logo depois de instalados, inauguraram, já em 1551, o primeiro colégio público3, em
Salvador.
O esquema de financiamento daquela ordem religiosa, encarregada de fornecer
uma educação católica, pública e gratuita, previa a dotação de duas fontes de recursos
por parte da Coroa: uma para instalação e outra para custeio. Para a instalação dos
Colégios, o Rei forneceria à Companhia uma quantia suficiente para sua construção e
aquisição de equipamento inicial. Já para o custeio da subsistência dos religiosos e de
seus alunos, comprometeu-se com uma pequena dotação mensal em espécie. Com o
tempo, além de revelarem-se insuficientes, estas fontes de recursos mostraram-se
inconstantes (MONLEVADE, 2001).
Sobrepondo-se às dificuldades financeiras que inicialmente afetavam a sua ordem
religiosa, os jesuítas, partindo das pequenas dotações iniciais recebidas da Coroa - mas
contando com uma significativa capacidade administrativa que incluía dentre suas
estratégias reinvestir os lucros nas suas próprias atividades econômicas e educacionais e
desenvolver seus negócios a partir de terras que lhe eram doadas - multiplicaram seu
capital e, por ocasião da sua expulsão do Reino e de suas colônias, a mando do Marquês
de Pombal, quase todas as vilas dispunham de escolas de primeiras letras e o País
contava com cerca de 17 colégios jesuítas que “forneciam ensino de nível médio,
preparando a elite local para o ensino superior em Portugal e formando quadros, em
3 Colégio dos Meninos de Jesus.
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nível superior, para a própria Companhia de Jesus” (Romanelli apud Rezende Pinto,
2000, p.46).
A aliança entre a Coroa e os jesuítas foi rompida quando da ascensão do Marquês
de Pombal ao cargo de primeiro-ministro, o qual, na tentativa de enfrentar as
dificuldades que novamente assombravam o Reino (incluindo aí o esgotamento do ouro
das Minas Gerais), “voltou seus olhos para o Brasil, procurando reformar as relações
entre a Metrópole e a Colônia, de modo a propiciar o reerguimento do Reino” (A
Administração..., 2002, p.2). Dentre os motivos oficiais para a expulsão dos jesuítas,
conforme consta no Alvará Régio de 1759, citado por Rezende Pinto (2000), alegam-se
causas de natureza pedagógica, enfatizando que o ensino das “letras humanas”, base de
todas as ciências, havia decaído no período em que fora confiado àqueles religiosos. E
mais, afirmava que os alunos, após terem sido conduzidos por oito ou mais anos sob a
responsabilidade daqueles religiosos, achavam-se:
[...] tão ilaqueados nas miudezas da Gramática como destituídos das verdadeiras noções das línguas latina e grega para nelas falarem sem um tão extraordinário desperdício de tempo, com a mesma facilidade e pureza que se têm feito familiares a todas as outras nações da Europa que aboliram aquele pernicioso método [...] [Assim] Sou servido privar inteira e absolutamente os mesmos religiosos em todos os meus domínios, dos estudos que os tinha mandado suspender, para que do dia da publicação deste em diante se hajam, como efetivamente Lei, por extintas todas as classes e escolas, como se nunca houvessem existido em meus Reinos e domínios, onde têm causado tão enormes lesões e tão graves escândalos (p. 47).
Longe dos alegados motivos pedagógicos, os sustentáculos de tal decisão
imbricavam-se nos terrenos econômico, político e ideológico .
Vale lembrar o acordo firmado entre a Coroa e os jesuítas, definindo que, em troca
da transferência do recebimento do dízimo para a Coroa, os jesuítas receberiam
côngruas. Na prática o que ocorreu - e que se tornou uma das principais causas da
expulsão daqueles religiosos, concepção esta fortalecida por alguns autores
(MONLEVADE, 2001; REZENDE PINTO, 2000) - foi que, longe de ficarem à mercê
das inconstantes transferências da Coroa, necessárias à manutenção da sua Igreja em
Portugal e no Reino, os jesuítas buscaram, com sucesso, além de obter concessões de
terras e privilégios no comércio, desenvolver um sistema de auto-sustentação da sua
categoria religiosa e autofinanciamento das suas escolas e colégios baseado,
prioritariamente, na ampliação e melhoramento das suas fazendas e pecuária. Os
jesuítas tinham por princípio reinvestir o que obtinham da venda do gado na qualidade e
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quantidade dos rebanhos e na tecnologia dos colégios e de suas oficinas, resultando daí
um significativo avanço dos seus domínios econômicos.
Somente na Ilha de Marajó os Colégios de Belém e Vigia contabilizavam, em 1750, mais de cem mil cabeças de gado marcadas a ferro com o “IHS” da Companhia de Jesus. [...] Por volta de 1750, tinham observatórios astronômicos, bibliotecas e mapotecas, laboratório de química, física e biologia, touros e vacas da melhor linhagem e navios com a mais moderna aparelhagem inclusive de defesa contra piratas (MONLEVADE, 2001, p.67-68).
Na contraposição ao avanço do poderio econômico da Companhia de Jesus - que,
na época da sua expulsão contabilizavam, segundo Celso Furtado, citado por
Monlevade (2001), quase 25% do Produto Interno Bruto do País-, encontrava-se a séria
crise financeira vivenciada por Portugal. A expulsão daquela ordem religiosa (que teve
adicionada ao seu cenário a insatisfação dos comerciantes portugueses que viam nos
privilégios conquistados pela Companhia de Jesus uma ameaça aos seus negócios) e o
conseqüente confisco de seus bens, em sua maior parte propriedades rurais e urbanas,
arrematadas em leilões por comerciantes e fazendeiros, possibilitou à Corte uma
desopressão temporária das suas dívidas (MONLEVADE, 2001; A administração...,
2002).
Outro fato que influenciou na expulsão dos jesuítas de Portugal e de todas as suas
colônias foi que o projeto sistemático de fortalecimento e modernização da Coroa,
desenvolvido por Pombal, não encontrou sustentação entre aqueles religiosos que,
contando com significativa influência política nas Cortes, proferiam, nos seus sermões,
opiniões nem sempre favoráveis aos ideais reformadores. Acusados de conspiração
política, os jesuítas foram considerados, no Brasil, os principais incentivadores da
resistência dos nativos àquele projeto4.
O crescimento econômico da empresa jesuítica lhe conferia crescente poder, nem sempre alinhado aos valores da dominação colonial mercantil, base do império lusitano. [...] Na Amazônia, a atividade extrativista metropolitana era dificultada pela ação dos jesuítas, que não permitiam a exploração desumana dos índios, denunciada pelos sermões do Padre Antônio Vieira (MONLEVADE, 2001, p. 68).
Pombal justificou a expulsão, dizendo que a Igreja era um “Estado dentro do
Estado” e que os jesuítas tinham muito poder de influência e de manipulação,
atrapalhando o Estado. Vale ressaltar que, na época, a Coroa Portuguesa sofria grande
4 Dentre outras denúncias, os padres jesuítas foram acusados de estimular a resistência dos nativos aldeados nos Sete Povos das Missões à Demarcação dos limites do Tratado de Madri.
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influência de alguns aspectos das concepções iluministas5, que propunham pensar o
mundo:
A partir de um centro que não é Deus, bem como defendiam a laicização do saber, da moral e da política. [...] Sendo assim, rompendo com o jesuitismo e defendendo a concepção iluminista, o governo português, tomando como referencial as idéias dos reformadores setecentistas (nome dado aos pombalistas) afirmavam ser os jesuítas responsáveis pelo atraso cultural e pelo empobrecimento econômico...(FERREIRA, 2002, p. 02).
Pombal, conhecido no Brasil como um dos “déspotas esclarecidos”, de formação
francesa, era um grande defensor dessas concepções.
Vale aqui evidenciar que, decorridos alguns anos da instalação da Companhia de
Jesus no Brasil, estabeleceram-se aqui outras ordens religiosas que também fundaram
seus colégios. No entanto, seus impactos na educação colonial, pelo menos em número
de escolas, quantidade de alunos atendidos e poderio econômico, não podem ser
equiparados aos provocados pelos jesuítas. Paralelamente, mas em quantidade muito
menor e em locais onde as ordens religiosas não haviam fundado suas escolas,
difundiram-se o que hoje denominamos de escolas particulares, na sua grande maioria
de primeiras letras, patrocinadas por senhores de engenhos e comerciantes, também
gratuitas, mas que, por não constarem da rede de concessão real, não apresentavam
caráter oficial. Essas escolas de cunho “particular”, na verdade apresentavam caráter
suplementar às que os jesuítas não tinham condições de abarcar (MONLEVADE, 2001).
Ao final do estudo do primeiro período do financiamento da educação do Brasil,
percebe-se que, à exceção de uma pequena dotação inicial concedida aos jesuítas - que
mantinham em suas classes alunos brancos e, em menor quantidade, indígenas -, a
Coroa, por meio da “concessão” à Companhia de Jesus da responsabilidade pela
implantação da educação formal pública no País, se fez dispensar de investir seus
tributos no financiamento da educação da Colônia. A Coroa não impôs obstáculos a
que, também, outras ordens religiosas, senhores de engenhos e comerciantes
financiassem a educação pública no País.
As concepções iluministas que permeavam o pensamento do grande reformador
nacional, Marquês de Pombal - cuja administração foi execrada por uns, exaltada por
outros - e que “traduzia o espírito crítico das Luzes e dos princípios do despotismo
5 Segundo Ferreira, a concepção iluminista “não era uniforme, nem homogênea e sofria alterações conforme as condições culturais dos países, sendo que alguns se caracterizavam por ser anticristãos e anti-religioso e, em outros, por ser católico. Em Portugal o catolicismo estava muito enraizado e, embora reformado, limitava o poder jurisdicional da Igreja” (2002, p.2).
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iluminado, defendia a renovação da atividade científica e a propagação da instrução
pública para os seus cidadãos” (FERREIRA, 2002, p.02), certamente não estavam
orientadas para os índios e escravos que constituíam a grande maioria dos habitantes
deste País e que, na época, sequer eram considerados cidadãos.
Após a expulsão dos jesuítas, novos rumos vieram a nortear o financiamento da
educação pública no País, no entanto, conforme se poderá perceber pelo estudo do 2º
período, a seguir detalhado, o governo central, por meio da transferência a outras
esferas, continuaria a buscar o afastamento para com tal responsabilidade.
2º Período: a gênese da descentralização
Este período estende-se desde a expulsão dos jesuítas de Portugal e de suas
colônias até o final da República Velha6 e tem na Independência do País (1822) um
marco de uma pequena reorientação da trajetória educacional que vinha se delineando.
No que tange ao financiamento da educação, a proposição a ser defendida é que foi
caracterizado ora pela busca de fontes autônomas de financiamento, ora por deixar a
educação por conta das dotações orçamentárias dos governos estaduais e das câmaras
municipais. Ao mesmo tempo em que o governo central procurou definir e designar
fontes de financiamento para a educação, afastou-se de tal responsabilidade.
A expulsão dos jesuítas do Brasil - que, por meio de seus colégios e das “aulas de
ler, escrever e contar”, por mais de 200 anos praticamente monopolizaram o sistema de
ensino do país, deixando profundas marcas na cultura e na sua civilização - abriu uma
enorme lacuna no sistema de ensino público da Colônia que não seria preenchida nas
décadas subseqüentes.
Para substituir o ensino ministrado pelos religiosos foram instituídas, já em 1759,
as “Aulas Régias”7, um sistema de ensino não-seriado, constituído de unidades isoladas,
em que os professores eram nomeados diretamente pelo rei, em cargo vitalício
(REZENDE PINTO, 2000). Este sistema de aulas, que perdurou até 1834, correspondia
ao ensino primário e secundário, e tinha como características o caráter centralizador, a
6 A Primeira República ou República Velha teve início com a Proclamação da República (1889) e encerrou-se ao final do governo de Washington Luís (1926-1930), deposto pela Revolução de 1930 (Costa, 2002). 7 Segundo Ferreira (2002) as aulas régias foram assim denominadas por significarem aulas que pertenciam ao Estado; “A denominação ‘Aulas Régias’ perdurou de 1759 a 1822, quando passaram a ser chamadas de Aulas Públicas, passando a chamarem-se Escolas Nacionais, em 1827” (p.03).
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falta de autonomia pedagógica e o acesso à educação de uma parcela reduzida da
população (FERREIRA, 2002, p.02).
Com a intenção de buscar financiar as aulas régias e sem poder contar com o
auxílio dos jesuítas, algumas câmaras municipais, órgãos sobre os quais efetivamente
recaiu a responsabilidade para com tal financiamento, viram-se obrigadas a lançar mão
de taxas sobre produtos que não apresentassem isenção especial (carne, sal, aguardente,
entre outros) (REZENDE PINTO, 2000). Essas taxas, em função de a economia estar
centrada basicamente na auto-suficiência da propriedade rural, resultaram numa
baixíssima arrecadação, contribuindo para que, num contexto permeado pela escassez
de respaldo financeiro e pela falta de professores (cuja remuneração resultava muito
baixa), poucas fossem as aulas instaladas.
Em 1772 - pressionada pelo aumento demográfico, pelo baixo índice de
escolarização da população residente e pela crescente necessidade de mão-de-obra
escolarizada -, surgiu um indício de que a Coroa passaria a se preocupar um pouco mais
com a educação pública: com a intenção de criar um aporte financeiro específico capaz
de sustentar as aulas régias foi instituído o Subsídio Literário. Este tributo, com
características diferenciadas para os diferentes reinos, foi assim definido pela Carta
Régia de 10 de novembro de 1772, para a América e África:
Mando que para a útil aplicação, do mesmo ensino público, em lugar das sobreditas coletas até agora lançadas a cargo dos povos, se estabeleça, como estabeleço o único imposto, a saber: [...] na América e na África: de um real em cada arratel [arratel = 429 g] de carne que se cortar no açougue; e nelas e na Ásia, de dez réis em cada canada [2.622 litros] de aguardente das que se fazem nas terras, debaixo de qualquer que se lhe dê ou venha a dar (Almeida apud Rezende Pinto, 2000, p.8).
Era de se esperar que o Subsídio Literário, imposto criado para financiar o ensino
primário, que incidia sobre a carne cortada em açougue e sobre a aguardente, não
fornecesse um aporte financeiro capaz de surtir efeitos positivos sobre a educação da
Colônia. Afora a questão do pequeno montante de recursos, segundo dados levantados
por Almeida e apresentados por Rezende Pinto (2000), o Subsídio Literário, que
perdurou até 1816, sofreu os reveses de constantes fraudes e malversações, de tal forma
que, nos últimos anos de sua existência, no Rio de Janeiro, capital da Colônia, seu
numerário mal cobria o salário de trinta professores.
A vinda da família real para o Brasil, em 1808, de certa forma impulsionou a
cultura e a educação nacional, propiciando, por exemplo, o surgimento dos primeiros
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cursos superiores oficiais8 (como os de Medicina nos Estados da Bahia e do Rio de
Janeiro). No entanto, a obra de D. João VI, meritória em alguns aspectos, estava
voltada, principalmente, para o atendimento das demandas da Corte, dando
continuidade, de certa forma, à marginalização do ensino primário (BRASIL..., 2002).
O movimento de Independência do País, que consistiu na substituição do grupo de
portugueses nascidos em Portugal pelo grupo de portugueses nascidos no Brasil e que
por isso “conservou a monarquia, o rei, a aristocracia e a escravidão, o sistema
administrativo e fiscal e a mesma estrutura de poder e de educação de elite”9, manteve
limitadas as oportunidades educativas da população da nação independente. Mudanças
um pouco mais significativas no cenário da política educacional advieram do
movimento de idéias ligadas à Constituinte de 1823, mas que, em função do projeto de
criação das universidades, teve o “projeto de um plano geral ou de um tratado de
educação relegado a um segundo nível, sem qualquer diretriz oficial da Constituinte”
(CHIZZOTTI, 2001, p. 43). O único dispositivo legal direcionado à instrução primária
foi a Lei de 20 de setembro de 1823, que “permitia a qualquer cidadão abrir uma escola
elementar, sem os trâmites legais de autorização prévia e sem licença e exame do
requerente” (Ibidem, p.43-4) vindo a contribuir para que a educação básica ficasse
relegada à iniciativa privada até o Ato Adicional de 1834. Esta alternativa para o
financiamento da educação nacional encontrava-se, mais uma vez, fora dos cofres do
Império, os quais devido: (1) ao vultoso saque promovido por D. João VI ao recém
criado Banco do Brasil e (2) ao dispêndio com as guerras de Independência,
encontravam-se na penúria. Os constituintes ligados ao partido liberal acreditavam que a
liberdade de abrir escolas associada à divulgação, no País, do novo sistema de instrução
difundido na Inglaterra, o método de “ensino mútuo”10, auxiliaria a disseminar a
instrução primária no Império (Ibidem). Sob a égide da nova lei, fundaram-se escolas
particulares. No entanto, a educação pública continuou relegada aos tristes reveses das
aulas régias.
Com a Constituição de 1824, pós-Independência do País, o Império se
comprometeu em assegurar a “instrução primária e gratuita a todos os cidadãos”
8 Monlevade (2001) ressalta que, antes da vinda da família real para o Brasil, os jesuítas já mantinham classes de filosofia e teologia em alguns de seus colégios, preparando padres para a própria Ordem (2001, p.28). 9 http://www.prossiga.cnpq.br/anisioteixeira/livros/capitulo4.html 10 Concebido por Bell e Lancaster, o método de “ensino mútuo” ou “monitoral” pretendia atingir grandes massas da população. Consistia, basicamente, em utilizar, sob a supervisão de um professor, os alunos mais adiantados como monitores para a instrução dos menos adiantados.
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(art.179, inciso XXXII). Esta determinação constitucional foi reforçada pela lei de 15 de
outubro de 1827 que estabeleceu a “criação de escolas de primeiras letras em todas as
cidades, vilas e vilarejos, envolvendo as três instâncias do poder público” (BRASIL...,
2002, p.01). Segundo o texto anteriormente citado, caso tivesse sido implementada, esta
se teria tornado a “Lei Áurea” da educação básica.
Vale ressaltar que a instrução primária gratuita a todos os cidadãos, presente no
texto constitucional, teve sua determinação alicerçada principalmente na baixíssima taxa
de escolarização que, em 1886, correspondia a apenas 1,8% da população (incluindo
negros e índios) e que contribuía para o aumento das dificuldades de contratação de
funcionários escolarizados. Esse fato era agravado pelo grande número de negociantes
ricos que necessitavam “contratar jovens capazes de servir de caixeiro e guarda-livros”
(Almeida apud Rezende Pinto, 2000, p.49).
A combinação entre a determinação da gratuidade da instrução primária (posta na
Constituição do Império) e a criação de escolas de primeiras letras nos locais mais
populosos do Brasil (regulada pela Lei de 1827), subsidiaram a pressão dos liberais que
reclamavam maior responsabilização do erário imperial para com a educação no País.
Neste sentido, o Ato Adicional de 1834, lei que reformou a Constituição de 1824,
constituiu-se numa das primeiras tentativas legais de descentralizar a instrução pública
no Brasil. O Ato transferiu grande parte da pressão pela expansão do número de
escolas11, anteriormente exercida à administração imperial, para as províncias,
delegando a essas a prerrogativa de legislar e, por conseguinte, “a obrigação de manter o
ensino primário e secundário, ficando o governo central com a competência normativa
apenas nas escolas da capital do Império e sobre o ensino superior” (REZENDE
PINTO, 2000, p.50).
A política imperial de educação, delineada a partir do Ato Adicional de 1834,
revelou-se descomprometida com um centro de unidade e ação que tivesse por objetivo
criar uma educação mais homogênea e uniforme no País. No afã de transferir para as
províncias principalmente o ônus financeiro por tal gestão, o Ato contribuiu para que a
“descentralização da educação básica, instituída em 1834, mantida pela República,
impedisse o governo central de assumir uma posição estratégica de formulação e
coordenação da política de universalização do ensino fundamental, a exemplo do que
11 Esta pressão decorria, principalmente: (1) da baixíssima taxa de escolarização da população; (2) da determinação constitucional e (3) da Lei de 15 de outubro de 1827.
13
então se passava nas nações européias, nos Estados Unidos e no Japão” (BRASIL...,
2002, p.01).
A falta de ingerência das autoridades centrais sobre a educação do País,
legalmente abandonada pelo Estado à ação e aos cuidados das autoridades locais,
contribuiu para que, em meados da década de 1870, começassem a se elevar algumas
vozes reivindicando a co-participação do governo central na promoção da educação do
Império, a qual, segundo o ministro do Império, Conselheiro Paulino de Souza, citado
por Sucupira (2001), mostrava grande atraso em algumas províncias e, em outras, ao
invés de progredir, havia retrocedido.
As conseqüências do Ato Adicional de 1834 no financiamento da educação
revelaram-se na contraposição entre os investimentos das províncias e o investimento
do governo central:
Enquanto as províncias, em 1874, aplicavam em instrução pública quase 20% de suas parcas receitas, o governo central não gastava, com educação, mais de 1% da renda total do Império. No que dizia respeito à instrução primária e secundária, o governo não dava um ceitil às províncias para ajudá-las a cumprir a obrigação constitucional de oferecer educação básica gratuita a toda a população (Ibidem, p.66).
Ainda, segundo Sucupira (2001), durante os anos que se sucederam à promulgação
do Ato e à Proclamação da República, nada foi feito de concreto (mesmo que a título de
ação supletiva) no sentido de promover uma maior participação do governo central no
esforço de universalização da educação primária em todo o País. Para o autor, esse
descaso adveio do desinteresse das classes dirigentes em relação à educação popular,
para as quais o Estado deveria cuidar do ensino superior e cuja ação já estava
determinada no Ato de 1834.
Nesse contexto, com o objetivo de difundir a instrução primária no País, ao final
do período imperial, e mesmo durante a República, os governos estaduais passaram a
conceder subvenções aos municípios, tendo, em geral, como critério de distribuição
destes recursos “a população local, o número de escolas públicas providas e vagas”
(WERLE, 1993, p. 102). As subvenções12, extintas em 1935, consistiam na
transferência de recursos do nível estadual para as escolas municipais particulares,
12 Conforme Werle (1997), no Rio Grande do Sul, as subvenções institucionalizaram o atendimento à instrução pública no meio rural. Segundo a autora, o relatório do presidente do Estado, Dr. Antonio Augusto Borges de Medeiros, datado de 1913, registra que o regime de subvenções, produziu ótimos resultados que se efetivaram, tanto pela ampliação do ensino rural, quanto pelo ensino da língua portuguesa nas escolas particulares, especialmente na região colonial.
14
sendo o seu valor administrado pelo município que, além de decidir sobre a localização
das aulas subvencionadas, “operativamente, tinha amplo campo de ação, se comparada
com a estadual” (Ibidem, p. 103).
A autora evidencia ainda que, à época, uma outra alternativa de financiamento da
instrução primária consistia nas subscrições públicas que dependiam e “apelavam para a
boa vontade e magnanimidade do povo” (Idem, 1997, p. 22) para a obtenção de recursos
com vistas a, dentre outros aspectos, auxiliar na construção de casas para escolas, já que
o discurso oficial continuava a ressaltar a “dificuldade de obter recursos regulares para a
manutenção da instrução pública” (Ibidem).
Seguindo na linha do Ato Adicional de 1834, a Constituição da República,
promulgada em 1891, ao omitir-se sobre a instrução pública primária, tornou natural
que a sua manutenção e desenvolvimento continuasse a recair sobre os estados e
municípios CURY, 2001a). Naquela Carta a educação foi apresentada muito mais de
forma indireta do que direta. A exigência do saber ler e escrever como condição para se
tornar eleitor constituiu-se num exemplo dessa forma indireta de apresentar a educação
naquela legislação que, depois de promulgada, apresentou o perfil do liberalismo e do
“Estado mínimo” (Ibidem).
A Constituição da República omitiu-se, ainda, em relação à obrigatoriedade e à
gratuidade da instrução pública primária. Segundo Cury (2001a), a lacuna inerente à
gratuidade adveio do princípio federativo e da subentendida autonomia dos Estados daí
decorrente. Já o mutismo em relação à obrigatoriedade daquela instrução, além do
federalismo, teve como base o seu embate ao princípio do liberalismo oligárquico que
percebia a oportunidade educacional como uma demanda individual inerente à
virtuosidade do indivíduo.
Se, por um lado, a Carta de 1891 omitiu-se em relação à obrigatoriedade e a
gratuidade, por outro esboçou uma distribuição de competências entre as instâncias
públicas de administração e, mais, evidenciou a “figura de um ensino oficial,
normatizado e regulamentado, a partir do Distrito Federal ou do Congresso Nacional”
(CURY, 2001a). Nesse sentido, as discussões travadas no âmbito da Constituinte de
1890-1891 marcaram alguns contornos incipientes da necessidade de uma política de
maior responsabilização do governo central para com o financiamento da educação.
Essas discussões também estiveram presentes nos debates que envolveram a Revisão
Constitucional de 1926.
15
Segundo o mesmo autor, a Revisão de 1926 pouco alterou a situação da educação
nacional. No entanto, “embora não incorporadas as emendas relativas ao ensino, houve
muita discussão em torno delas, o que nos auxilia a compreender melhor não só os
movimentos e iniciativas posteriores, como também o próprio sentido desejado desta
intervenção do Estado na área educacional” (Idem, 2001b, p.84).
Foi durante as discussões da Revisão Constitucional de 1926 que o deputado
Afrânio Peixoto, por meio da emenda de nº 5, de sua autoria, propôs a vinculação
constitucional de um fundo para a educação com a seguinte redação:
3º: Prover à orientação nacional do ensino primário e regular e democratizar o ensino secundário, dirigidos e custeados pelos Estados, mediante o fundo de educação creado por leis especiaes, ajudando o desenvolvimento delles em todo o território do paiz onde se mostrem deficientes (Grifo meu, Revisão, II, p.422 apud Cury, 2001b, p.90).
Afrânio Peixoto13, ao finalizar o discurso que defendia a sua emenda, chamou o
Estado a sua responsabilidade, ressaltando que o “direito” do povo à educação faz-se
associar a um “dever” do poder público (Ibidem). Este dever só poderá ser levado a
cabo quando da clara definição de fontes de recursos que darão sustentação àquele
direito. Embora não tenha sido votada, esta emenda trouxe à tona discussões pertinentes
à necessidade de um fundo, constitucionalmente determinado, para a manutenção e
desenvolvimento da educação pública.
Percebe-se pelo estudo do 2º período relativo ao financiamento da educação no
País que, se foi lento, mas progressivo o avanço da concepção inerente à importância da
educação no contexto nacional, foi mais lenta ainda a conscientização da necessidade de
se fazer associar a este direito, fontes de recursos que lhe dessem sustentação. As
legislações que nortearam a educação corresponderam a tentativas de resposta à
contundente necessidade de ampliação do seu atendimento. No entanto, as leis que
buscavam um aporte financeiro capaz de lhe fornecer suporte alicerçavam-se em
tributos, a cargo dos estados e municípios, de baixíssima arrecadação.
Nenhuma das legislações foi determinante no aumento da responsabilização
financeira do governo central, o qual, durante todo o período, buscou desviar-se de tal
tarefa. No final do terceiro quartil do século XIX, tiveram início algumas discussões que
reivindicavam maior participação do Estado para com a formulação e fiscalização de
13 Segundo Cury (2001), o próprio Afrânio Peixoto afirmou não ter sido o primeiro a defender a vinculação constitucional de recursos para a Educação - Azevedo Sodré, já havia defendido anteriormente esta idéia.
16
diretrizes gerais que norteassem a educação nacional. A Constituinte de 1890-1891
conseguiu propiciar um início de congregação dessas vozes, fortalecidas com a Revisão
Constitucional de 1926. Se naquela Revisão o deputado Afrânio Peixoto viu malograda
sua tentativa de associar constitucionalmente um fundo à educação, tal fundo tornou-se
realidade com a Constituição de 1934, a ser discutida no 3º período referente ao
financiamento da educação no País, a seguir detalhado.
3° Período: os mo(vi)mentos da vinculação constitucional de recursos
Conforme apresentado anteriormente, buscar-se-á demonstrar nesse segmento que
a configuração do 3º período, no qual foi seqüenciado o financiamento da educação no
País - delimitado pelo continuum que se iniciou com a Carta Constitucional de 1934 e se
estende até a época atual - tem sido marcada pela busca da vinculação constitucional de
um percentual mínimo de recursos para a educação.
Tendo em vista que a vinculação se constitui na determinação constitucional de
aplicação de índices orçamentários de recursos tributários na educação
(preferencialmente pública), pelas diferentes esferas administrativas, serão aqui
apresentadas algumas das nuances que se interpuseram àquela ordenação nas diferentes
Constituições - CF/1934, CF/1937, CF/1946 e CF/1967 - que marcaram o cenário
nacional pós-Revolução de 1930 e pré-Constituinte de 1987-88.
O período que abarcou a elaboração das diferentes Cartas Constitucionais
brasileiras foi envolto por cenários políticos diferenciados em que governos ditatoriais e
militares intercalaram-se a períodos de redemocratização do país. O esquema gráfico a
seguir busca apresentar, de forma resumida, estes mo(vi)mentos.
Revol.1930 CF/34 CF/37 CF/46 Golpe/64 CF/67 Eleições diretas/85 CF/88 Ditadura Vargas Redemocratização Governo militar 14 Redemocrati- zação
Num contexto em que as determinações constitucionais referentes à educação
resultaram do “embate de diferentes correntes de posições antagônicas, de concepções
que prevaleceram, dos avanços possíveis ou dos retrocessos nas relações
14 Durante o governo militar exerceram a Presidência da República os generais Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Fiqueiredo.
17
Estado/Educação em diferentes períodos da nossa história” (Campos e Carvalho apud
Boaventura, 2001, p.192), percebe-se que, de acordo com os percalços dos caminhos, a
vinculação constitucional de recursos foi marcada por avanços e recuos, sendo que,
conforme detalhado a seguir, de maneira geral, os avanços sobrepuseram-se aos recuos.
Foi com a Constituição de 1934, tida como bastante avançada para a época, que se
começou a ter algo de sistemático sobre educação e os direitos sociais nas Cartas
Constitucionais.
Um olhar preliminar sobre a Carta de 1934 mostra que trouxe consigo muitas das
questões defendidas pelos então denominados renovadores15 que tinham como substrato
político da sua ação no campo educacional a busca por uma “educação universal, tanto
no acesso como na capacidade de seleção e qualificação do ensino. Portanto, na crítica à
incapacidade da República em realizar o seu fundamento jurídico-político de Estado
laico, neutro e universal aos seus cidadãos” (ROCHA, 2001, p.122).
Três temas educacionais, tratados naquela legislação, defendidos pelos
renovadores e do interesse deste estudo foram: o direito à educação, gratuidade do
ensino primário nas escolas públicas e a aplicação dos recursos públicos em educação.
A Carta mostrou-se inovadora quando, para além da enunciação do direito à educação,
indicou um fundo financeiro para efetivá-lo, uma vez que “não basta a afirmação do
direito. Requer-se o estabelecimento dos meios garantidores do direito público através
dos fundos especiais e de índices orçamentários fixos destinados à educação” (Ibidem,
p.125). A efetivação do direito público à educação - aspecto discutido e proposto pelos
renovadores e pela maioria das Constituintes que se seguiram - requer a efetivação de
mecanismos constitucionais que viabilizem os direitos pela universalização e gratuidade
do ensino público, os quais têm na vinculação constitucional de recursos um dos
alicerces de sustentação dessa política educacional.
Por outro lado, segundo o mesmo autor, o princípio do direito à educação,
apresentado na Carta de 1934, não se fez de pleno direito, pois não fez incidir
coativamente o Estado no cumprimento desta norma constitucional. Naquela legislatura,
o princípio da obrigatoriedade estava relacionado à freqüência do público matriculado e
não à oferta de vagas por parte do Estado que, como tal, correspondia ao fornecedor de
tal direito (ROCHA, 2001).
15 Para Rocha (2001), os renovadores constituíram-se nos atores político-educacionais modernos no contexto da Constituinte de 1933-1934.
18
A concepção de que o Estado não podia mais se ausentar da aplicação de recursos
públicos em educação norteou os debates e as reivindicações dos renovadores, fazendo
com que a Carta de 1934, em seu artigo 156, apresentasse, pela primeira vez, a
vinculação constitucional de recursos para a educação.
A União e os Municípios aplicarão nunca menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento dos sistemas educativos16.
É importante ressaltar que, apesar de a aplicação de recursos do governo federal
no ensino elementar ter se mantido em níveis irrelevantes durante a vigência da Carta de
1934 (ROCHA, 2001), o princípio da vinculação foi suficientemente persuasivo para
voltar a vigorar na política educacional da maioria das Cartas que se seguiram, estando
presente na atual Constituição de 1988, tendo sido, inclusive, estendido para a política
pública de saúde17, a partir do ano 2000.
Outro ponto relativo ao financiamento da educação, decorrente da Constituição de
1934, que, infelizmente, merece destaque, foi a brecha deixada para a aplicação dos
recursos públicos no ensino privado. Conforme Anísio Teixeira, citado por Rocha
(2001, p.129), se no momento da Constituinte as escolas privadas “resistiam vivamente
a qualquer intromissão do Estado... [Elas] pensariam em tudo, menos em pedir recursos
para o Estado”, em momentos subseqüentes o sistema de bolsas de ensino destinado a
alunos carentes e os empréstimos subsidiados tornaram-se exemplos de atrativos que
fizeram com que as instituições particulares deixassem de se preocupar com a
interferência do Estado para, afoitamente, ir ao encalço da verba pública.
Se a Constituição da ditadura do Estado Novo, decretada em 1937, revogou a
vinculação constitucional de recursos financeiros para a educação18, a Carta de 194619
retomou a deliberação da Constituição de 1934, mantendo os índices ali apresentados 16 A Carta de 1934 subvinculava 20% dos recursos da União ao ensino rural. 17 Até o ano 2000 a Educação era a única política pública com vinculação constitucional de recursos. A partir da Emenda Constitucional nº 29, de 2000, os serviços públicos de saúde passaram a ter, também, assegurados recursos mínimos para o financiamento de suas ações. 18 A Carta de 1937 determinou que o direito à Educação constituía-se num dever da família, para o qual o Estado concorria num papel secundário. 19 Na verdade, a vinculação já havia sido reintroduzida antes da Carta de 1946. Segundo Oliveira (2001), a vinculação retornou ao cenário educacional como uma conseqüência da Conferência Interestadual de Educação, ocorrida em 1941, que, além de propor a criação do Fundo Nacional do Ensino Primário e do Convênio Nacional de Ensino Primário - estabelecido pelo Decreto-lei n° 4.958, de 14 de novembro de 1942, e cuja fonte de recursos “proviria de um adicional de 5% sobre a taxa do imposto de consumo sobre bebidas” (p. 97) -, propôs que os Estados signatários se comprometessem, a aplicar em educação, no ano de 1944, 15% da sua receita de impostos e, os municípios, 10%. Segundo a legislação (DLs 4.958 e 5.293/1942), ambos os entes federados aumentariam aquele percentual em 1% ao ano, até atingirem, respectivamente, 20% e 15%. A Carta de 1946 interrompeu aquele processo.
19
para a União, Estados e Distrito Federal e ampliando a participação dos municípios para
“nunca menos de 20% da renda resultante dos impostos na manutenção e
desenvolvimento do ensino” (art. 169). A Carta de 1946, seguindo uma linha de
descentralização, ao ampliar o percentual de repasses da União para o Fundo de
Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM), dos
quais se exigia o investimento de, no mínimo, 20% na educação, contribuiu para que o
governo central também tivesse sua participação reforçada no financiamento da
educação nacional (MONLEVADE, 2001).
Esteve presente na Constituinte de 1946 a discussão referente à necessidade de se
estipular um quantum que possibilitasse o efetivo cumprimento da vinculação por parte
dos entes federados. Inicialmente, a vinculação estipulada para as três esferas
administrativas foi de 20%; no entanto, ante a impossibilidade de a União cumprir tal
preceito, sua participação financeira para com a educação foi estipulada “em pelo
menos 10%”. Nesse sentido, Gustavo Capanema, citado por Oliveira, ressaltou:
Se estabelecermos para a União o limite ideal, isto é, o de 20%, veremos que não será executado e teremos, [...] a desmoralização do preceito [...]. Agora se, cautelosamente, para evitarmos que a Constituição se desrespeite, estabelecermos um limite pequeno, nesse caso, estaremos trabalhando contra a educação nacional. Esse limite baixo poderia ser visto sempre como uma espécie de teto obrigatório (2001, p.183).
A determinação desse quantum, por parte do governo federal, não apresentou
critérios definidos e claros e, muito menos, foi discutida com a sociedade civil.
Entretanto, apesar de esse critério ter sido mais ou menos arbitrário e não se sustentar
em análise das necessidades da educação nacional (Ibidem), constituiu-se num preceito
que obrigava os governantes a investirem um percentual mínimo na educação da
instância sob sua responsabilidade. Este pensamento pode ser estendido para a
vinculação constitucional de recursos, posta na legislação atual.
O corte temporal que vai da Carta de 1934 até fins da década de 1950, passando
pela Constituição de 1946, representou um período de qualidade do ensino público
nacional, qualidade essa circunscrita a alguns estados e a uma minoria da população,
uma vez que a escola excluía, principalmente, os segmentos mais pobres e a maioria
daqueles que se encontravam na zona rural (REZENDE PINTO, 2000). Foi durante esse
período que a classe média e a elite descobriram a escola pública - quer como alunos,
quer como profissionais -, verificou-se a expansão de imponentes prédios de grupos
20
escolares e ginásios e os professores do Estado de São Paulo, egressos da USP, lutavam
para equiparar sua remuneração aos dos magistrados (Ibidem).
Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de nº 4.024/61 ampliou a
vinculação de recursos da União para 12%, subvinculando esse percentual aos Fundos
Nacionais de Ensino Primário, de Ensino Médio e de Ensino Superior20 -, já no
Congresso Constituinte de 1966-67, pós-golpe de 1964, esvaziado e tolhido pelo regime
militar e autoritário, a educação e seu financiamento tiveram difícil acesso. Apesar de
ter sido nomeada uma comissão de juristas para elaborar o anteprojeto da nova
Constituição - a qual manteve praticamente inalterados os dispositivos inerentes à
educação21 presentes na Carta de 1946 -, um novo projeto originário do Executivo
abandonou totalmente o anteprojeto daquela comissão. Este último - que contemplava
as “contribuições pessoais” do ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva, e sugestões
do Conselho de Segurança Nacional - foi encaminhado ao Congresso (HORTA, 2001).
Tal projeto provocou a reação de alguns educadores e integrantes do próprio governo,
desencadeando propostas de emendas, tendo sido rejeitadas as que reclamavam dos
diferentes entes federados um percentual mínimo de investimento em educação.
O financiamento da educação e, mais especificamente, a vinculação constitucional
de recursos para a área educacional foi defendida por alguns congressistas com
argumentos respaldados na teoria do “capital humano”, tendo como cenário a correlação
entre educação e desenvolvimento. No entanto, mesmo com tentativas de manutenção
de uma sustentação financeira constitucional para a educação, a Carta de 1967 revogou
a vinculação de recursos sob a alegação de que a mesma era “incompatível com a
sistemática orçamentária introduzida pela nova Constituição” (HORTA, 2001, p.219)
que proibia, na parte relativa ao orçamento, qualquer vinculação entre receita de
impostos e despesa.
Paradoxalmente, a vinculação retornou com a Emenda Constitucional nº 1/1969
(também conhecida como Constituição de 1969), que “reescreveu, seguindo o estilo
autoritário, toda a Constituição de 1967” (COSTA, 2002, p.18), mas, em contraposição,
garantiu a educação como um direito de todos e dever do Estado. Em tempos de Ato 20 A este respeito consultar: TEIXEIRA, Anísio. Plano nacional de educação. Referente aos fundos nacionais de ensino primário, médio e superior. Documenta. Rio de Janeiro, n.8, out. 1962. p. 24-31. In: http://www.prossiga.br/anisioteixeira/artigos/plano1.html 21 A comissão propôs apenas três modificações: 1º) a gratuidade do ensino oficial deveria ser estendida ao ensino secundário; 2º) a gratuidade do ensino superior estaria condicionada tanto à insuficiência de recursos dos alunos, quanto ao seu “excepcional merecimento” e; 3º) os professores de religião poderiam ser remunerados pelo Estado (Horta, 2001).
21
Institucional 05, conhecido como AI-522, o governo central resguardou para si e para os
estados o direito de não vincular parte de seus recursos para a educação. No entanto, a
Emenda manteve a vinculação para os municípios em, pelo menos, 20% da sua receita
tributária para o ensino primário (art.15, §3º,f). A Lei de Diretrizes e Bases do Ensino
de 1° e 2° Graus, Lei n° 5.692/71, acrescentou àquela determinação que os municípios
aplicassem no ensino de 1º grau pelo menos 20% das transferências recebidas do Fundo
de Participação (art. 59, parágrafo único).
Esse último continuum de tempo foi marcado por grandes dificuldades no setor
educacional. A expansão das matrículas - desencadeada pela migração campo-cidade e
pela Lei nº 5.692/71, que determinava a ampliação da escolaridade obrigatória de quatro
para oito anos - relacionou-se de forma inversa aos gastos com educação, especialmente
por parte da União (Melchior apud Rezende Pinto, 2000). Nesse período, chegou-se a
ter cinco turnos escolares (alguns com jornadas inferiores a três horas) e o achatamento
salarial dos professores foi contundente, ao mesmo tempo em que “leis draconianas
proibiam greves e manifestações” (REZENDE PINTO, 2000, p.55).
O período sucedâneo, marcado pelo processo de redemocratização do País, trouxe
consigo a luta pela melhoria da escola pública. Neste sentido, a aprovação da Emenda
Constitucional nº 24, de 1983, de autoria do senador João Calmon, resgatou a
vinculação constitucional, determinando que a União aplicasse pelo menos 13% e os
estados, Distrito Federal e municípios 25%, da receita resultante de impostos, na
manutenção e desenvolvimento do ensino - MDE. Os debates que ensejaram a Emenda
Calmon encontraram na vinculação constitucional de recursos espaço propício para a
construção paradigmática da relação direta entre financiamento da educação e a
universalização e democratização do ensino no País, que viriam a se fortalecer, a partir
dos debates da Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988.
O quadro a seguir apresenta, de forma resumida, as determinações constitucionais
referentes aos percentuais mínimos investidos em educação pelos diferentes entes
federados.
22 O AI-5, de 13 de dezembro de 1968, foi revogado com a Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro de 1978.
22
Quadro 1 Vinculação de recursos para a educação, ordenada nas diferentes Cartas Constitucionais, Brasil
– 1934/1988. Vinculação (%)
Entes Federados
CF 34 (Art.139)
CF 37 CF 46 (Art.169)
CF 67 EC nº 01/69
EC nº 24/83
CF 88 (Art.212)
União 10* 10 - 13 18 Estados e DF 20 20 - 25 25 Municípios 10
Revogou a
vinculação 20
Revogou a
vinculação 20 25 25
* A Constituição de 1934 subvinculava 20% da alíquota da União para o ensino rural (art. 156). Notas: (1) a Emenda Constitucional n°1, de 1969, associou a vinculação à receita tributária e não à receita de impostos, conforme fizeram as demais Cartas Constitucionais; (2) poder-se-ia acrescentar ao quadro as determinações: I) da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 4.024/1961), que vinculou 12% dos impostos da União e 20% dessa mesma receita dos estados, Distrito Federal e municípios à manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 92), e; II) da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1° e 2° Graus (Lei n° 5.692/1971), que repetiu a vinculação determinada pela EC n° 1/1969 e acrescentou que os municípios aplicassem no ensino de 1º grau pelo menos 20% das transferências recebidas do Fundo de Participação (art. 59).
O delineamento temporal anterior evidencia que a vinculação se apresentou de
forma intercalada nas Cartas Constitucionais, tendo sido revogada na Constituição da
ditadura do Estado Novo (decretada em 1937) e na Carta de 1967, que sucedeu o golpe
militar de 1964. Afora os momentos de descontinuidade, a vinculação assumiu
percentuais crescentes, apresentando seu maior valor quando da promulgação da atual
Carta Constitucional, em 05 de outubro de 1988. O pensamento que perpassa a busca
contínua pelo aumento da vinculação foi explicitado por Melchior, citado por Fávero
(2001):
A política de vinculação de percentuais mínimos sempre teve um sentido discricionário-idealizante: toda vez que o investimento em educação se aproximava do quantum estabelecido, surgia a tendência de elevá-lo. Buscava-se através dessa medida, investir cada vez mais, assegurando, porém, um mínimo discricionário, mas altamente educativo, que demarcava uma meta a ser cumprida e incentivava os esforços para atingi-la ou ultrapassá-la. Por outro lado, garantia, por seu fundamento legal, uma prioridade permanente para o setor educacional, protegendo-o das mudanças de políticas adotadas, principalmente, pelos representantes do poder executivo (p. 250).
A observação dos percentuais vinculados, presentes nas diferentes Cartas
Constitucionais, mostrou ainda que, dentre os entes federados, os municípios foram os
que, no período 1934-1988, mais tiveram aumentada sua assunção financeira para com a
educação (150%), seguidos pela União (80%).
Outro ponto evidenciado no quadro anterior é que, se por um lado, no período em
questão, diminuiu a distância entre os índices investidos pela União, comparativamente
aos estados, na educação nacional, por outro lado, a responsabilidade financeira da
23
União (detentora da maior parte das receitas fiscais), comparativamente aos estados e
municípios, se manteve sempre em patamares menores.
É importante ressaltar que, nos momentos em que as Cartas Constitucionais
deixaram de determinar um percentual mínimo de investimento na educação, ocorreu
maior escassez de recursos para a área (Rezende Pinto, 2000).
Melchior, citado por Fávero (2001), evidencia que as vantagens da supressão de
tal garantia constitucional localizam-se apenas no plano técnico-administrativo:
A política de supressão da vinculação da receita tem sentido no plano administrativo puramente técnico: permite aos governantes maior liberdade na alocação dos recursos para os setores mais convenientes, tornando mais flexível a elaboração do orçamento. No entanto, quando consideramos o aspecto político da tomada de decisão, ainda que se tenha a subsidiá-la todos os dados técnicos, devemos ter em mente que, na prática, muitas distorções poderão ocorrer (p. 250-251).
A supressão da vinculação permite que a educação fique à mercê das mudanças
políticas implementadas pelos seus dirigentes que, com a intenção de direcionar o
orçamento para as rubricas que estejam em melhor acordo com suas concepções e
projetos, poderão deixar de lhe priorizar a destinação de recursos financeiros.
A concepção de que existe uma correlação direta entre o volume de recursos
destinados à educação e qualidade do ensino tem estimulado os movimentos sociais a
continuarem a lutar pela manutenção da vinculação como forma de tentar garantir que
os governantes destinem um volume mínimo de recursos para aquela área.
Considerações finais
A observação do período que incide sobre o decorrer dos quase 500 anos pós-
descobrimento do Brasil, conduziu a inegável constatação de que o Estado, em todos os
seus níveis, foi se tornando cada vez mais presente no campo educacional (CURY,
HORTA e FÁVERO, 2001) e o financiamento da educação pública não pode ser
excluído desse contexto. Todavia, ao mesmo tempo em que se evidenciou o crescente
aumento da responsabilidade dos estados e municípios para com a manutenção e
desenvolvimento do ensino, em particular, para com seu financiamento, em
contraposição perceberam-se tentativas de refreamento das determinações voltadas para
uma maior responsabilização financeira do governo central.
Durante os primeiros quase 500 anos de história brasileira, o governo central
buscou (e logrou êxito) manter-se afastado do financiamento da educação nacional. Foi
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durante os últimos setenta anos e, portanto, durante o terceiro período do estudo do
financiamento da educação nacional, que a União, por meio da vinculação
constitucional de recursos tributários para a educação, passou a ter de destinar parte das
suas receitas fiscais para a manutenção e desenvolvimento do ensino daqueles que
sustentam seus cofres.
Não se pode negar que, comparativamente a 1934 - ano em que a Constituição
passou a vincular recursos para a educação -, constataram-se avanços por parte do
governo central no que tange ao financiamento da educação pública. Todavia, quando
comparada às demais instâncias federadas, a União ainda tem muito a percorrer. Há que
acelerar os seus avanços para resgatar os 430 anos de omissão. Neste sentido, a análise
dos três períodos anteriormente apresentados aponta para o desafio da Constituinte de
1987-88, qual seja, buscar fortalecer a função financiadora do governo central como
ente federado co-partícipe do financiamento da educação pública.
Por fim, estudo do referencial histórico do financiamento da educação revela-se
entre os avanços e retrocessos nas relações Estado/Educação. Os resultados mostram
mais avanços do que retrocessos, mas “avanços lentos demais e distantes no tempo
social e no espaço regional problemático” (BOAVENTURA, 2001, p.197).
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