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O infinito na matemática

Bruno Andrade Borges

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O infinito na matemática

Bruno Andrade Borges!

Orientador: Prof. Dr. Américo López Gálvez!

Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação - ICMC-USP, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre – Programa de Mestrado Profissional em Matemática. VERSÃO REVISADA

USP – São Carlos Janeiro de 2015!

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SERVIÇO DE PÓS-GRADUAÇÃO DO ICMC-USP Data de Depósito: Assinatura:______________________________

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Prof. Achille Bassi e Seção Técnica de Informática, ICMC/USP,

com os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

B732iBorges, Bruno Andrade O infinito na matemática / Bruno Andrade Borges;orientador Américo López. -- São Carlos, 2015. 89 p.

Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduaçãoem Mestrado Profissional em Matemática em RedeNacional) -- Instituto de Ciências Matemáticas e deComputação, Universidade de São Paulo, 2015.

1. Infinito. 2. Infinito potencial e infinitoactual. 3. Cardinalidade. I. López, Américo, orient.II. Título.

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Dedicatória

Dedico este trabalho a minha esposa, com amor, admiração e gratidão por sua com-preensão, carinho, presença e incansável apoio ao longo do período de elaboração destetrabalho.

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a Deus por me dar a vida, saúde e capacidade.

Gostaria de agradecer também:

Ao Prof. Dr. Américo López Gálvez, pela atenção e apoio durante o processo dedefinição e orientação que muito me ensinou, contribuindo para meu amadurecimentocientífico e intelectual.

Ao PROFMAT, pela oportunidade de ampliar meus conhecimentos e, de certa forma,contribuir para o crescimento científico do meu país.

À Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto e o Instituto de CiênciasMatemáticas e de Computação de São Carlos, pela oportunidade de realização do cursode mestrado.

À CAPES, pela concessão da bolsa de mestrado e pelo apoio financeiro para a reali-zação desta pesquisa.

Por fim, agradeço imensamente minha família por todo o apoio prestado, pela paci-ência enorme e pelas palavras de incentivo nos momentos difíceis.

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Resumo

BORGES, B. A. O infinito na matemática. 2014. 79f. Dissertação (Mestrado) -Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo,Ribeirão Preto, 2014.

Nesta dissertação, abordaremos os dois tipos de infinitos existentes: o infinito poten-cial e o infinito actual. Apresentaremos algumas situações, exemplos que caracterizamcada um desses dois tipos. Focaremo-nos no infinito actual, com o qual discutiremosalguns dos desafios encontrados na teoria criada por Cantor sobre este assunto. Mos-traremos também sua importância e a diferença entre este e o infinito potencial. Comisso, buscamos fazer com que o professor compreenda adequadamente os fundamentosmatemáticos necessários para que trabalhe, ensine e motive apropriadamente seus alunosno momento em que o infinito e conjuntos infinitos são discutidos em aula. Desta forma,buscamos esclarecer os termos usados e equívocos comuns cometidos por alunos e tambémprofessores, muitas vezes enganados ou confundidos pelo senso comum.

Palavras-chave: Infinito; infinito potencial; infinito actual; conjuntos enumeráveis; car-dinalidade.

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Abstract

BORGES, B. A. Infinity in mathematics. 2014. 79f. Dissertação (Mestrado) -Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo,Ribeirão Preto, 2014.

In this dissertation, we will discuss the two types of infinities: the potential infinityand the actual infinity. We will present some situations, examples that characterize eachof these two types. We will focus on the actual infinity, with which we will discuss someof the challenges found in the theory created by Cantor on this subject. We will also showits importance and the difference between this and the potential infinity. Thus, we seekto make teachers properly understand the mathematical foundations necessary for themto work, teach and properly motivate their students at the time the infinity and infinitesets are discussed in class. In this way, we seek to clarify the terms used and commonmistakes made by students and also teachers, so often misguided or confused by commonsense.

Keywords: Infinity; potential infinity; actual infinity; countable sets; cardinality.

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Sumário

Lista de Figuras

1 Introdução p. 12

2 Motivação p. 13

2.1 Aquiles e a tartaruga . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 13

2.2 Hotel de Hilbert - "Estamos sempre lotados, mas sempre temos umquarto para você". . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 14

2.3 Somas infinitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 15

3 O infinito pelos estudantes: Um questionário p. 22

4 O Infinito potêncial e o infinito Actual p. 26

5 Conceitos nescessários para estudar o infinito actual p. 31

5.1 Um pouco de história . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 31

5.2 Algumas noções básicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 32

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enumeráveis . . . . . . p. 38

5.4 Cardinalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 44

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. . . . p. 51

5.6 Observações Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 62

6 O símbolo 1 p. 64

7 Uma proposta didática p. 66

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7.1 Número de elementos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 67

7.2 O infinito como um “número” grande? . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 69

7.3 “Contando” o infinito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 71

7.4 Diferença entre o infinito potencial e actual . . . . . . . . . . . . . . . . p. 75

8 Conclusão p. 78

Referências p. 79

Apêndice A p. 80

Apêndice B p. 83

Apêndice C p. 87

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Lista de Figuras

1 Soma infinita das distâncias percorridas. . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 14

2 Quadrado de área 2 dividido ao meio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 15

3 Metade do quadrado dividido ao meio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 16

4 Metade da metade do quadrado dividido ao meio. . . . . . . . . . . . . p. 16

5 Metade da metade ... do quadrado dividido ao meio. . . . . . . . . . . p. 16

6 Soma infinita da série harmônica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 17

7 Aproximação da área da circunferência por polígonos. . . . . . . . . . . p. 27

8 Gráfico da função f : R� {0} ! R dada por f(x) = 1x

. . . . . . . . . . p. 28

9 Retas paralelas no plano cartesiano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 29

10 Retas paralelas em perspectiva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 29

11 Quadrado de lado 1cm. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 29

12 Produto cartesiano A⇥ B. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 33

13 Gráfico da função f : R� {1} ! R� {2} dada por f(x) = 2x+1x�1 . . . . . p. 36

14 Gráfico da função f : R ! R dada por f(x) = x2. . . . . . . . . . . . . p. 36

15 Gráfico da função f(x) = 2x. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 38

16 Enumeração dos números inteiros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 42

17 Enumeração dos números inteiros sem o zero. . . . . . . . . . . . . . . p. 43

18 Segmentos AB e CD. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 46

19 Função f : AB ! CD . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 46

20 f : AB ! CD injetora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 47

21 Gráfico da função f : (�⇡

2 ,⇡

2 ) ! R dada por f(x) = tg(x). . . . . . . . p. 49

22 Círculo trigonométrico caso 1. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 49

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23 Círculo trigonométrico caso 2. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 50

24 Triângulos retângulos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 50

25 Segmento, quadrado e cubo unitários. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 51

26 Símbolo romano para representar números grandiosos. . . . . . . . . . . p. 64

27 Ômega, última letra do alfabeto grego. . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 65

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1 Introdução

Neste trabalho discutimos várias situações dentro da matemática envolvendo o infi-nito. São situações que, a princípio, são estranhas e que vão contra nosso senso comum,mas são explicadas matematicamente mostrando que possuem uma solução. Em seguida,falamos um pouco sobre o infinito de diversas maneiras, trazemos exemplos da diferençaentre o infinito potencial e o infinito actual e algumas reflexões (indagações) sobre o tema.

Dedicamos uma parte do nosso trabalho a um questionário para alunos do 8o e 9o

ano do Ensino Fundamental e alunos do 1o e 3o ano do Ensino Médio com o objetivo debuscar entender como esses alunos lidam com questões que envolvem o infinito. Foramaplicadas quatro questões, previamente selecionadas e iguais para todas as turmas.

Traremos brevemente um pouco do contexto histórico do surgimento da teoria dosconjuntos para entendermos melhor o surgimento da necessidade de "vários" infinitos,e nos situarmos no tempo cronológico dos acontecimentos. Veremos que é uma teoriarelativamente recente para a história da matemática e que ainda há muito para se estudar.

Com a intenção de entender o infinito actual desenvolveremos a parte teórica e con-ceitos necessários sobre conjuntos, funções, conjuntos finitos, conjuntos infinitos enume-ráveis, conjuntos infinitos não enumeráveis e cardinalidade. Faremos alguns exemplosde conjuntos infinitos de "tamanhos" iguais, diferentes, e situações que vão contra nossosenso comum; mais precisamente: provaremos que é possível ter conjuntos de dimensõesdiferentes mas com o mesmo "tamanho". Traremos também algumas curiosidades dopossível surgimento do símbolo 1.

Por fim, para encerrarmos essa dissertação, concluímos com uma proposta didáticacom exemplos de situações para que professores possam usar e motivar seus alunos falandodo infinito de uma forma mais acessível e simples, porém coerente com a teoria formal,expandindo a curiosidade e o conhecimento sobre o infinito que ainda é pouco estudado emuitas vezes usado de forma equivocada.

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2 Motivação

Para motivar nosso trabalho, já ilustrando e despertando a curiosidade pelo infinito,vamos falar de algumas situações em que o infinito tem um papel relevante. Veremoscomo ao considerar o infinito, certas situações parecem contradizer nosso censo comum.

2.1 Aquiles e a tartaruga

Nesse paradoxo, Zenão, filósofo grego, propôs um problema intrigante que desafia omovimento contínuo e toda nossa intuição. Em resumo, o problema diz que em umacorrida entre duas pessoas, de velocidades diferentes, em que a mais lenta começa a umadistância de vantagem para a mais rápida, a mais rápida nunca alcançará a mais lenta.

Eis o problema: Uma corrida entre Aquiles, um herói grego, e uma tartaruga, em quea tartaruga começa com 100 metros de vantagem e sempre com a metade da velocidadede Aquiles. Assim, quando Aquiles atingir os 100 metros, a tartaruga terá andado 50

metros. Quando Aquiles andar mais 50 metros, a tartaruga terá andado mais 25 metros.Continuando com esse raciocínio infinitamente, Aquiles nunca alcançará a tartaruga.Ou seja, por mais que Aquiles corra, em um mesmo período de tempo, por menor queseja, sempre haverá um espaço entre Aquiles e a tartaruga. Então, para Aquiles alcançara tartaruga, ele terá que percorrer a distância entre ele e a tartaruga, e para isso, levaráum certo tempo. Nesse tempo, a tartaruga percorrerá uma nova distância, mesmo quemuito pequena, essa distância impedirá que Aquiles alcance a tartaruga, assim, Zenãoconclui que Aquiles não alcançará a tartaruga, mesmo sendo mais rápido que ela.

É claro que essa conclusão vai contra o senso comum. Então, o que há de erradocom o pensamento de Zenão? Se pensarmos o problema como se Aquiles fosse percorreruma distância de A a B, e que ele sempre percorrerá a metade da distância que falta parachegar ao ponto B, podemos escrever o espaço percorrido por ele a cada período de tempo

pela série1X

n=1

100

✓1

2

◆n�1

, onde n 2 N é o período de tempo, ou seja, uma progressão

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2.2 Hotel de Hilbert - "Estamos sempre lotados, mas sempre temos um quarto para você". 14

geométrica infinita de razão 12 cuja soma converge e é dado por 100

1� 12

= 200.

Figura 1: Soma infinita das distâncias percorridas.

Assim, a soma infinita das distâncias percorridas por Aquiles converge para 200

metros, que é a distância final percorrida por ele. Se Aquiles disputar com a tartaruga umacorrida de mais de 200 metros tendo o dobro da velocidade da tartaruga, ele irá ultrapassá-la quando completarem 200 metros de corrida, confirmando assim o senso comum de queo mais rápido irá ultrapassar o mais lento, desde que haja distância suficiente para isso.

Uma outra situação curiosa é conhecida como o paradoxo do Hotel de Hilbert.

2.2 Hotel de Hilbert - "Estamos sempre lotados, massempre temos um quarto para você".

Considere um hotel com infinitos quartos e numerados pelos números naturais. Certanoite, o hotel está com todos os quartos ocupados com um hóspede. Normalmente, seriaimpossível o hotel hospedar mais um hóspede. Porém, chega um novo hóspede e o recep-cionista o recebe e lhe informa que é capaz de lhe arrumar um quarto. Ele pede que ohóspede do quarto um vá para o quarto dois, o hóspede do quarto dois vá para o quartotrês, e assim por diante, ou seja, o hóspede do quarto n vai para o quarto n+1, já que osquartos estão numerados pelos números naturais e todo número natural tem um sucessor.Assim, o recepcionista acomoda o novo hóspede no quarto um. Mais tarde, chega um ôni-bus com infinitos hóspedes para se acomodarem no hotel. O recepcionista sem nenhumadúvida os recebe e lhes informa que é capaz de achar quartos para todos. Ele pede paraque cada hóspede do quarto n vá para o quarto 2n + 1. Desse modo apenas os quartosde números ímpares estarão ocupados, deixando os quartos de número par desocupadospara os novos hóspedes. Então o recepcionista pede para que os novos hóspedes formemuma única fila e para que o hóspede da posição i vá para o quarto 2i, onde i 2 N. Logoem seguida, chegam infinitos ônibus, um depois do outro, com infinitos hóspedes em cada

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2.3 Somas infinitas 15

ônibus para se hospedarem no hotel. Rapidamente o recepcionista os recebe e lhes co-munica que é capaz de acomodar cada um em um quarto. Ele pede para o hóspede jáacomodado no quarto de número n ir para o quarto de número 2n + 1, liberando assimtodos os quartos de números pares. Deste modo, ele pede para que o novo hóspede i doônibus j se acomode no quarto 2i+1(2j + 1).

Como os quartos do hotel estão numerados pelo conjunto dos números naturais, e aquantidade de hóspedes que chegam para se hospedar no hotel também é enumerado peloconjunto dos números naturais; então, o que o recepcionista faz nos dois primeiros casosé encontrar uma relação biunívoca entre o conjunto dos números naturais para acomodaros novos hóspedes. Na terceira situação, o recepcionista precisa encontrar uma relaçãobiunívoca de N⇥N em N para acomodar todos os novos hóspedes, cada um em um quarto.

2.3 Somas infinitas

Veremos agora outros exemplos em que o infinito cumpre um papel relevante.

Exemplo 2.3.1. Séria Geométrica.

Vamos considerar a seguinte soma de infinitos termos

1 +1

2+

1

4+ ...+

1

2n+ ...

Se perguntarmos qual seria o valor dessa soma infinita, teríamos das mais diversas res-posta, como: infinito, não existe, a soma não tem fim, etc. Porém, sabemos que não éverdade nenhuma dessas respostas. O resultado dessa soma é 2. Podemos verificar deduas maneiras, uma geométrica e outra algébrica. Fazendo pelo primeiro modo, vamosconsiderar um quadrado de área igual a 2. Dividindo-o ao meio, temos dois triângulosiguais de área 1 como na figura 2.

Figura 2: Quadrado de área 2 dividido ao meio.

Agora, dividindo um dos triângulos ao meio como na figura 3, obtendo dois triângulosde área 1

2 .

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2.3 Somas infinitas 16

Figura 3: Metade do quadrado dividido ao meio.

Desse modo, fazendo o mesmo procedimento, dividindo ao meio, um dos triângulosde área 1

2 , obtemos outros dois triângulos de área 14 .

Figura 4: Metade da metade do quadrado dividido ao meio.

Assim, se continuarmos dividindo sempre um dos triângulos obtidos da divisão ante-rior ao meio, chegaremos como na figura 5.

Figura 5: Metade da metade ... do quadrado dividido ao meio.

A soma das áreas dos triângulos da figura 5 é igual a área do quadrado de área 2 dafigura 2. Por mais que continuemos a divisão dos triângulos restantes, eles sempre irãocompor a área do quadrado. Portanto, a soma

1 +1

2+

1

4+ ...+

1

2n+ ... = 2.

Fazendo pelo modo algébrico, é fácil perceber que a soma

S = 1 +1

2+

1

4+ ...+

1

2n+ ... (2.1)

é a soma infinita de uma progressão geométrica de razão 12 . Sabemos que a soma da série

geométrica infinita a1, a2, a3, ... de razão q, para 0 < q < 1, é dada por

S = a1 + a2 + a3 + ... =a1

1� q.

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2.3 Somas infinitas 17

Da equação (2.1), temos que a1 = 1 e q = 12 , então

S =1

1� 12

= 2.

Exemplo 2.3.2. Série Harmônica.

Considere agora a soma 1 + 12 + 1

3 + 14 + 1

5 + ... de infinitos termos. Essa soma é

conhecida como série harmônica; dada por1X

n=1

1

n.

Figura 6: Soma infinita da série harmônica.

Podemos pensar, em um primeiro momento, que o resultado dessa soma não deve serum número muito grande, pois estamos somando 1 com muitas outras frações menoresque 1 e que estão cada vez mais perto do zero. Mas será que nossa intuição está certa econseguiremos calcular o valor dessa soma? A resposta é não! Veremos:

Vamos tomar a soma infinita e agrupar alguns termos da seguinte forma

1 +1

2+

1

3+

1

4+

1

5+

1

6+

1

7+

1

8...

= 1 +1

2+

✓1

3+

1

4

◆+

✓1

5+

1

6+

1

7+

1

8

◆+

✓1

9+

1

10+ ...+

1

16

◆+ ...

Observe que: ✓1

3+

1

4

◆>

1

4+

1

4=

1

2;

✓1

5+

1

6+

1

7+

1

8

◆>

1

8+

1

8+

1

8+

1

8=

1

2;

✓1

9+

1

10+ ...+

1

16

◆>

1

16+

1

16+ ...+

1

16=

1

2,

e assim por diante.

Page 18: O infinito na matemática

2.3 Somas infinitas 18

Então, a série harmônica

1X

n=1

1

n= 1 +

1

2+

1

3+

1

4+

1

5+ ... > 1 +

1

2+

1

2+

1

2+ ... . (2.2)

Como a série infinita 1 + 12 + 1

2 + 12 + ... diverge, então temos que a série infinita

1 + 12 +

13 +

14 +

15 + ... também diverge. Para mais detalhes sobre a divergência da série,

veja o apêncide A.

Com a ajuda de um computador podemos verificar que a soma dessa série para n =

31557600 ultrapassa 17, e não para de crescer a medida que aumentamos n, mesmo quemuito lentamente. Para maiores detalhes, recomendamos a leitura de Ávila (1996).

Neste exemplo podemos pensar que a soma da série harmônica é infinito? É oinfinito um número?

Os próximos dois exemplos mostrarão porque infinito não pode ser considerado umnúmero, ou mais precisamente, não segue a álgebra usual dos números inteiros.

Exemplo 2.3.3. Suponhamos que infinito seja um número, denotado por S, e trabalha-remos algébricamente com ele. Claramente podemos escrever

S = 1 + 2 + 22 + 23 + 24 + ...

Colocando 2 em evidência a partir do segundo termo temos

S = 1 + 2(1 + 2 + 22 + 23 + ...) = 1 + 2S,

então, S = �1. Absurdo, pois S > 0, logo, este exemplo nos mostra que o infinito nãopode ser considerado como um número.

Exemplo 2.3.4. Considere o conjunto dos números inteiros positivos ímparesA = {1, 3, 5, ...} e o conjunto dos números inteiros positivos pares B = {2, 4, 6, ...}. Vamossupor que o infinito seja um número denotado por I. Sabemos que ambos os conjuntos Ae B possuem infinitos elementos, ou seja, I elementos. Também sabemos que o conjuntodos números naturais N é a união disjunta dos conjuntos A e B e que possui infinitoselementos. Desse modo, os infinitos elementos de A mais os infinitos elementos de B

daria os infinitos elementos de N, ou seja, 2I = I, o que implicaría que I = 0.

Exemplo 2.3.5. Vejamos agora uma soma finitanX

k=0

(�1)k = 1+ (�1)+ 1+ (�1)+ ...+

(�1). Como são finitos termos, em algum momento sua soma terá fim e seu resultado será

Page 19: O infinito na matemática

2.3 Somas infinitas 19

um número que dependerá do número de termos n. Se n for um número par o resultado

será 0, se n for um número ímpar o resultado será 1. Mas e a soma infinita1X

k=0

(�1)k =

1 + (�1) + 1 + (�1) + ... ? Como são infinitos termos, não sabemos quando a soma"termina". Note-se que se fizermos dois arranjos dessa soma: (1�1)+(1�1)+(1�1)+ ...

de modo que o resultado daria 0, e 1�(1�1)�(1�1)�(1�1)�... de modo que o resultadodaria 1, portanto, não dá para afirmar o valor da soma infinita 1+ (�1) + 1+ (�1) + ... .

Em outras palavras, as séries divergem.

Um outro exemplo curioso onde o infitino nos deixa intrigados, é o fato de mudarmosapenas a ordem dos números de uma soma infinita e o resultado ser alterado. Como assim?Vamos considerar a soma infinita convergente. A convergência desta soma infinita podeser vista em Guidorizzi (2002, p.29).

S = 1� 1

2+

1

3� 1

4+

1

5� 1

6+

1

7� ... = ln 2 (2.3)

Multiplicando-a por 12 , temos

1

2S =

1

2� 1

4+

1

6� 1

8+

1

10� 1

12+

1

14� ... =

1

2ln 2 (2.4)

Somando zeros, temos

1

2S = 0 +

1

2+ 0� 1

4+ 0 +

1

6+ 0� 1

8+ 0 +

1

10+ 0� 1

12+ 0 +

1

14� ... =

1

2ln 2 (2.5)

Somando (2.3) com (2.5) membro a membro, temos

3

2S = 1 + 0 +

1

3� 1

2+

1

5+ 0 +

1

7� 1

4+ ... =

3

2ln 2 (2.6)

Reescrevendo (2.6) retirando os zeros, temos

3

2S = 1 +

1

3� 1

2+

1

5+

1

7� 1

4+ ... =

3

2ln 2 (2.7)

que é a mesma soma infinita de (2.3) com apenas os termos reagrupados de forma di-ferente, porém o resultado de (2.7) é aproximadamente 1, 035 e o resultado de (2.3) éaproximadamente 0, 69.

Com todos esses exemplos, podemos perceber diferentes modos como o infinito apa-rece. Por exemplo, na história de Aquiles e a tartaruga vimos que podemos sempre tomaruma distância cada vez menor da anterior, quantas forem necessárias, ou seja, infinitas

vezes. Ainda na mesma situação, essas quantidades tomadas eram infinitamente peque-nas (cada vez menores), onde sempre havia uma distância menor a ser tomada. Já no

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2.3 Somas infinitas 20

Hotel de Hilbert, além do infinito aparecer como na história de Aquiles e a tartaruga,onde sempre era possível acomodar mais hóspedes, o infinito aparece como um todo,uma quantidade infinita de quartos e pessoas.

Nosso principal objeto de estudo serão os conjuntos infinitos. Como no exemplodo Hotel de Hilbert, podemos dizer que tínhamos um conjunto infinito formado pelosquartos do hotel e outro conjunto infinito formado pelos hóspedes que iam chegando parahospedar-se no hotel. Queremos comparar o "tamanho" entre conjuntos infinitos. Mascomo isso é possível? Não podemos contar a quantidade de elementos desses conjuntosum a um. Para compararmos dois conjuntos, iremos utilizar de associação entre doisconjuntos no sentido de conseguirmos associar cada elemento de um conjunto a um únicoelemento de outro conjunto e vice-e-versa. Se soubermos a quantidade de elementosde um certo conjunto e pudermos associá-los com os elemento de um outro conjunto,então saberemos que esses conjuntos possuem a mesma quantidade de elementos. Veja osexemplos a seguir.

Exemplo 2.3.6. Quando vamos a um jogo de futebol, se quisermos saber quantos tor-cedores há no estádio, não iremos contar cada torcedor presente, não é? Iremos chegara resposta por associação. Sabendo o número total de lugares no estádio e percebendoque o estádio está todo lotado, ou seja, não há nenhum lugar vazio, podemos associarcada lugar no estádio a um único torcedor presente. Então, se o estádio tiver um lugar,terá um torcedor, se tiver dois lugares terá dois torcedores, se tiver três lugares terá trêstorcedores, e assim por diante. Não importa a quantidade de lugares no estádio, sem-pre conseguiremos encontrar o número de torcedores presentes. Podemos concluir que onúmero de torcedores presentes é igual ao número de lugares desse estádio. Associamoscada lugar do estádio a cada torcedor presente.

Um outro exemplo que podemos usar é o seguinte:

Exemplo 2.3.7. Durante o Carnaval, imagine uma rua inteiramente tomada por foliões;se cada pessoa ocupa meio metro quadrado, podemos estabelecer a quantidade de pessoaspresentes associando cada meio metro quadrado dessa rua a uma pessoa. Então, depen-dendo da quantidade de metros quadrados de tal rua teremos a quantidade de pessoaspresentes pulando carnaval.

Voltando na situação do Hotel de Hilbert, o recepcionista do hotel conseguiu associarcada quarto do hotel a um hóspede diferente, ou seja, ele conseguiu estabelecer umarelação entre cada elemento de cada conjunto, de modo que cada hóspede tinha seu

Page 21: O infinito na matemática

2.3 Somas infinitas 21

próprio quarto. Com isso podemos comparar a quantidade de elementos entre conjuntosinfinitos, pois se conseguirmos estabelecer uma relação, ou seja, associar cada elemento deum conjunto a um único elemento de outro conjunto, podemos dizer que esses conjuntospossuem o mesmo "tamanho" ou a mesma quantidade de elementos.

Para entendermos melhor os diferentes tipos de infinito, falaremos um pouco mais nocapítulo 4 sobre o infinito potêncial e o infinito actual.

Page 22: O infinito na matemática

22

3 O infinito pelos estudantes: Umquestionário

Neste capítulo traremos os resultados e algumas reflexições de um questionário apli-cado a alunos do 8o e 9o ano do Ensino Fundamental e alunos do 1o e 3o ano do EnsinoMédio.

Foram elaboradas quatro questões que envolvessem a ideia do infinito potencial edo infinito actual, para sabermos como os alunos, em diferentes níveis escolares, lidamcom essas diferenças. Não foi dado nenhuma explicação anterior ao questionário sobre oassunto.

As perguntas foram as seguintes:

1. Quantos números existem entre 0,18 e 0,6?

2. Qual é o maior número entre 0 e 1, desconsiderando o 1?

3. Existe algum número entre 2,9 e 3? Se sim, qual é?

4. Descreva com suas palavras o que você acha que é o infinito.

Queríamos com a primeira questão ver se o aluno perceberia a possibilidade de sempreacrescentar uma casa decimal a mais entre os números 0,18 e 0,6, ou seja, um processo deiteração sem fim.

Na segunda questão, o processo de iteração usado anteriormente daria a possibilidadedo aluno perceber que sempre é possível encontrar um número maior que o candidato aomaior número entre 0 e 1 excluíndo-se o 1.

Para aqueles que não perceberam a infinidade dos números decimais, colocamos aterceira questão para fazê-los pensar a respeito e refletirem melhor sobre o assunto e suasrespostas anteriores.

Page 23: O infinito na matemática

3 O infinito pelos estudantes: Um questionário 23

Por fim, queríamos saber o que os alunos pensam sobre o infinito, se eles tem algumaideia matemática formada sobre o assunto, ou apenas o senso comum.

Nas tabelas a seguir estão as respostas dadas pelos alunos a essas questões.

Questão Ano*escolar Respostas Número*de*alunosInfinitos 16

42 3Muitos 1Infinitos 2170e05 2

Nenhum 10,6 113 1

0,1890,60=00,12 15 1

0,42 1Infinitos 19

2 15 1

Infinitos 1142 2

420com0duas0casas0decimais 113 10 1

Muitos 1Infinito 50,999… 2Não0tem 2

0,9 11 1

0,99 1Não0tem,0pois0é0infinito 1

0,999 1460ou047 1

0,9 40,99 3

Infinitos 20 1

0,999… 150,9 11,01 1

0,999… 130,99 20 1

0,001 1Infinitos 122,99 3

Não,0é0infinito 12,999… 1Não 1

920e093 1

0Q3

9º0Ano

1º0E.M.

3º0E.M.

Q2

8º0Ano

8º0Ano

8º0Ano

9º0Ano

1º0E.M.

Q1

3º0E.M.

Page 24: O infinito na matemática

3 O infinito pelos estudantes: Um questionário 24

Não 52,910até02,99 2

Infinito 10,1 1

2,10até02,5 1Não,0são0infinitos 4

Não 4Infinitos 3

Sim,0muitos02,999… 2Não,0vários 1

2,99 12,991 1

Sim,0vários01,02,03,04,05,0… 12,951 1Sim012 1Infinitos 13Não 2

0,999… 1Vários02,9102,92 1

Coisa0que0não0acaba 4Quando0o0número0não0acaba 4

Nunca0tem0fim 3Elemento0que0não0possui0fim 1

É0o0nada,0é0o0tudo 1Uma0casa0que0nunca0acaba 1

Uma0coisa0que0vai0demorar0para0acontecer0ou0uma0coisa0que0nunca0vai0acontecer,0só0no0infinito

1

Sem0fim,0ilimitado 1Sempre0continua 1

Quantidade0sem0começo0e0sem0fim 1Quantidade0que0não0se0pode0contar 1

Coisa0que0nunca0acaba 3Números 3

Não0tem0fim 1Sem0começo0e0sem0fim 1

Soma0sem0fim 1Não0existe0número0infinito,0nada0é0infinito 1

Coisa0que0não0tem0fim 6Alguns0infinitos0são0maiores0que0os0outros 4

Números0que0não0acabam 4Coisa0que0nunca0acaba 2

Número0limitado 1O0fim0que0não0chega 1Coisa0que0é0infinito 1

Alguma0coisa0maior0do0que0daria0para0escrever 1Sequência0numérica0ou0série0sem0fim 1

1º0E.M.

3º0E.M.

8º0Ano

9º0Ano

1º0E.M.

9º0Ano

Q3

Q4

Não0existe0fim 11Nada,0tudo 1Vácuo 1

Universo 1Número0que0nunca0acaba 1

Tempo 1Não0tem0fim,0mas0existe0começo 1

Grandioso 1Como0nossos0pensamentos 1

3º0E.0M.Q4

Page 25: O infinito na matemática

3 O infinito pelos estudantes: Um questionário 25

Podemos observar que aproximadamente 73, 5% dos alunos responderam corretamentea primeira questão. Dentre esses, chama atenção dois alunos que responderam muitos.Levamos em consideração de que infinitos números são muitos números. Nota-se quemuitos alunos tentaram contar um por um a quantidade de números, fazendo por exemplo,0, 18 � 0, 6 = 0, 12, o que mostra uma defasagem de conhecimentos prévios de númerosracionais.

Na segunda questão, tivemos aproximadamente 5% das respostas respondidas corre-tamente. Percebemos a dificuldade dos alunos em dar uma resposta não esperada. Geral-mente quando nos é perguntado: "qual é o maior número...?", queremos dar um númerocomo resposta, e não necessariamente sempre há um maior número, dependerá do con-texto. Mesmo assim dois alunos responderam que não tinha e um respondeu: "não tem,pois é infinito", entendemos que existem infinitos números entre 0 e 1 sendo impossívelachar um maior que todos. A maioria respondeu que o maior número é 0, 999...

Alguns afirmaram ser infinito o maior número, mostrando o erro mais comum: se têmuma ideia clara do significado do termo infinito embora usado como um número. Podemosver nesses resultados a ideia equivocada do infinito.

É interessante que na terceira questão, a maior parte dos alunos, mesmo aqueles queerraram as questões anteriores, aqui eles conseguem perceber que, dados dois númerosdiferentes, podemos acrescentar uma casa decimal ao menor e encontrar sempre um novonúmero entre eles. Há também um pouco de confusão por parte de alguns alunos queresponderam: "Não tem, pois é infinito".

Na última questão, como diz o ditado, “dá muito pano pra manga". É uma questãoum pouco ampla, dando margem a diferentes interpretações. Não foi cobrado aos alunosque falassem sobre o infinito na matemática, por isso surgiram algumas respostas umtanto quanto filosóficas. Porém, vale destacar algumas respostas. Uma delas é a ideiaerrônea de que o infinito é um número, o que é muito comum entre os alunos. No entanto,também tivemos boas respostas como: "Sempre continua" e "Quantidade que não se podecontar". Essas duas respostas nos remete a dois diferentes tipos de infinito, o potêncial eactual, respectivamente, que exploraremos mais a fundo no próximo capítulo.

Page 26: O infinito na matemática

26

4 O Infinito potêncial e o infinitoActual

Basta olhar para qualquer assunto da matemática para perceber que o infinito estápresente de algum modo. De uma forma ou de outra, sempre estamos tratando de umente matemático o qual pertence a algum conjunto. Dessa forma, podemos estudar aspropriedades e singularidades desses conjuntos e seus elementos.

Sabemos que a matemática é exata, lógica, possui regras e para um resultado serverdade precisa ser demonstrado; para isso, temos que mostrá-lo de maneira geral. Masnem sempre é possível verificar, um por um, determinado resultado, pois podem existirinfinitas possibilidades. É aí que muitas vezes entra o infinito de diferentes maneiras.Desse modo, é inevitável falarmos do infinito. Queremos estudar como lidar com o infinito

e seu comportamento, o modo como aparece em diferentes situações.

Com isso, surge-nos algumas questões: Mas o que é o infinito? Será o infinito sempreo mesmo? É o infinito ou os infinitos? Há a possibilidade de diferentes infinitos? Unsmaiores ou menores que os outros? Isso é o que veremos no desenvolver do nosso trabalho,como tratá-lo de forma correta e coerente.

O infinito aparece de diversas maneiras. No capítulo anterior, vimos o infinito aparecerem pedaços cada vez menores relacionado com distância, com quantidade em que semprepodemos adicionar mais um, diferentes tamanhos e entre outras situações.

Podemos falar que infinito é algo muito grande? Veremos que não é tão simples assim.Um número ou até o universo pode ser muito grande para uma pessoa e não tão grandeassim para outra. Por exemplo: o número 1010 pode ser considerado um número muitogrande para muitos. Mas, e se pensarmos no número 101000000? Com certeza esse segundoé bem maior que o primeiro; porém, também não é grande o suficiente para afirmar quenão há outro muito maior que ele. O universo também, muitas vezes, é pensado comoalgo muito grande e infinito, mas temos que ter muito cuidado ao afirmarmos tais coisas.Portanto, não podemos pensar simplesmente que o infinito é algo muito grande.

Page 27: O infinito na matemática

4 O Infinito potêncial e o infinito Actual 27

Podemos pensar da mesma forma para algo muito pequeno. O número 10�100 é umnúmero muito pequeno se comparado ao número 1, mas o número 10�10000000 é menorainda se comparado à 10�100, e este, por sua vez, pode se tornar razoavelmente grandeem relação à 10�10000000. Então, para falar que algo é muito grande ou muito pequeno épreciso um referencial.

O infinito aparece na dízima periódica, 0, 33333..., onde as reticências indicam queo algarismo 3 se repete infinitamente, ou seja, há uma infinidade de números. Tambémaparece como: aproximação de um número, limite, sequências infinitas, na geometriacomo aproximação de polígonos para o cálculo de áreas, para indicar que algo não temfim, entre outras coisas.

Será que com tantos lugares diferentes onde o infinito aparece, ele é sempre o mesmo?No cálculo da área de uma circunferência, podemos aproximar seu valor usando a área deum polígono de infinitos lados infinitamente pequenos.

Figura 7: Aproximação da área da circunferência por polígonos.

Neste caso, podemos ver o infinito como uma aproximação (um limite), onde o valorda área do polígono se aproxima da área da circunferência, como quantidade, no caso donúmero de lados do polígono e como tamanho, no caso da medida dos lados do polígono.Ainda nesse exemplo, podemos pensar que a quantidade de lados do polígono é muitogrande, e a medida dos lados desse polígono é muito pequena. Precisamos, então, de doisinfinitos? Lembremos também que é comum utilizar dois infinitos na reta real, (�1,+1).

Esses diferentes tipos de infinito caracteriza o infinito potencial, que é a possibilidadede sempre acrescentar uma unidade a mais. Como na sucessão dos números naturais,em que sempre é possível acrescentar mais um. No sentido de sempre poder ir além, decontinuar sem ter um "fim".

Para ilustrar melhor o infinito potencial vejamos alguns exemplos:

Exemplo 4.0.8. Considere as seguintes frações:

20

20= 1;

20

10= 2;

20

5= 4;

20

4= 5;

20

2= 10;

20

1= 20;

Page 28: O infinito na matemática

4 O Infinito potêncial e o infinito Actual 28

20

0, 1= 200;

20

0, 01= 2000;

20

0, 001= 20000;

20

0, 0001= 200000; . . .

Observe que na medida em que diminuímos o denominador, o resultado da fraçãoaumenta cada vez mais. Podemos continuar o processo sem ter um fim, ou seja, o resul-tado da fração pode continuar a crescer indefinidamente. O resultado da fração tende aoinfinito cada vez que diminuimos mais o seu denominador. Podemos dizer que o infinitopotencial é um candidato para o resultado dessa fração. Da mesma forma para o deno-minador que tende a zero cada vez mais, mas nunca chega a zero. Esse processo de que odenominador continua a diminuir cada vez mais indefinidamente é uma característica doinfinito potencial.

Nesse outro exemplo, veremos como aparece o infinito potencial graficamente.

Exemplo 4.0.9. Considere o gráfico da função f : R� {0} ! R dada por f(x) = 1x

.

Figura 8: Gráfico da função f : R� {0} ! R dada por f(x) = 1x

.

Observe que quando diminuímos os valores positivos do eixo x cada vez mais pertosde zero, os valores do eixo y aumentam cada vez mais. E quando aumentamos os valoresnegativos do eixo x cada vez mais próximos de zero, os valores do eixo y diminuem cadavez mais. Este é outro exemplo de infinito potencial, ora é um candidato a +1, ora é umcandidato a �1.

Dependendo da situação, usamos os símbolos +1 e �1 para o infinito potencial,o que significa que podemos sempre "acrescentar mais um...", "ir mais um pouco...", iralém...", chegar perto de...", "tender a...", "aproximar-se de..."; mas nunca realmentechegar, terminar, acabar, igualar.

Uma outra característica diferente para o infinito, é, por exemplo, pensarmos em duasretas paralelas no plano euclidiano.

Page 29: O infinito na matemática

4 O Infinito potêncial e o infinito Actual 29

Figura 9: Retas paralelas no plano cartesiano.

Elas continuam indefinidamente e não conseguimos, de modo real, saber para ondevão. Falamos que as retas continuam para o infinito, mas onde será esse infinito? Comessa necessidade de saber onde encontrá-lo, podemos colocar essas duas retas paralelasem perspectiva, num plano projetivo.

Figura 10: Retas paralelas em perspectiva.

Dessa forma, podemos falar do infinito actual, em que podemos admitir “pontos” noinfinito, e que nos possibilita a quantificação e resolução de problemas do mundo real.Podemos dizer, então, que duas retas paralelas se encontram no infinito? Não vamosentrar em detalhes nesta discussão, mas ao leitor interessado indicamos a leitura de Barrose Andrade (2010) ou outro livro sobre geometria não euclidiana.

Agora, considere um quadrado de lado igual a 1cm.

Figura 11: Quadrado de lado 1cm.

Page 30: O infinito na matemática

4 O Infinito potêncial e o infinito Actual 30

Esse quadrado possuip2 cm como medida de sua diagonal. Com uma simples cal-

culadora, temos quep2 = 1, 41421356237..., em que, de acordo com o que já vimos, as

reticências seria o infinito potencial, pois sempre podemos ter um digito a mais desse nú-mero. Mas ao desenharmos esse quadrado no plano, a diagonal é representada como umsegmento de reta com começo e fim, portanto, limitada. Aqui podemos identificar o infi-nito actual como a representação do número

p2 da medida da diagonal do quadrado, pois

o segmento de reta da diagonal que representa o número realp2 possui infinitos pontos.

O infinito actual é a representação do infinito como um todo, como uma quantidade. Adiagonal do quadrado com aquele tamanho representa o número

p2 = 1, 41421356237...

como um todo, com todos os seus dígitos, um tamanho real.

Assim, temos a representação da medida da diagonal em decimal, a qual é um númerodecimal infinito e sua representação geométrica que é um segmento de reta finito. Vemosaqui a interação do infinito potencial e o infinito actual ; por onde um sai, o outro entra.

Considere agora o conjunto de todos os números inteiros positivos {1, 2, 3, 4, 5, ...}. Seolharmos para cada elemento desse conjunto como uma sequência em que se pode cada vezmais adicionar mais um elemento, então temos o infinito potencial. Agora, se olharmospara todo o conjunto com infinitos elementos (N), temos o infinito actual. Note que nãosabemos exatamente até onde vai os elementos desse conjunto, nem quem são todos eles,mas, olhando para o todo, podemos estudar seu "tamanho".

É com o infinito actual que iremos desenvolver nosso trabalho. Foi Georg Cantor(1845-1918), desenvolvedor da teoria dos conjuntos, que difundiu o infinito actual, dandoum novo olhar para o infinito, que até então só era abordado como infinito potencial.

Page 31: O infinito na matemática

31

5 Conceitos nescessários paraestudar o infinito actual

Neste capítulo é apresentada toda a teoria necessária para o desenvolvimento do nossotrabalho.

5.1 Um pouco de história

O matemático alemão Georg Cantor, no final do século XIX, deu continuidade nodesenvolvimento matemático intitulado Os paradoxos do infinito de Bernhard Bolzano, ummatemático Tcheco, que ele próprio dera início e não continuou. Uma questão intrigavaos matemáticos da época: será possível tomar uma parte de um todo e colocá-la emcorrespondência com o todo? Por exemplo, considere o conjunto dos números inteirospositivos de 1 a 100 e tome uma parte desse conjunto como sendo todos números inteirospositivos de 1 a 10. Naquela época era impossível pensar que poderíamos relacionar cadaelemento entre esses dois conjuntos, sem faltar nenhum, formando pares. É lógico quehoje também não. Mas esse exemplo ilustra como os matemáticos na época pensavam, deforma finita, querendo aplicar em conjuntos finitos os mesmos princípios e característicasdos conjuntos infinitos. Por isso ficavam intrigados e não aceitavam a ideia de que umaparte inteira poderia ter o mesmo "tamanho" ou a mesma "quantidade" de elementos deuma fração dessa parte inteira, ou seja, um pedaço do inteiro. Até então os matemáticosaceitavam apenas o infinito potencial, era impossível pensar no infinito actual, este últimoera tido como algo divino, somente Deus podia alcançar. Foi então que Cantor descobriunumerosas propriedades dos tamanhos de conjuntos infinitos. Ele encontrou diferentestamanhos de infinitos. Essas ideias eram muito estranhas na época. Os matemáticos seconcentravam no infinito potencial, onde sempre podemos acresentar mais um. O infinitoactual como uma quantidade, um tamanho, não era muito aceito. Cantor foi reprovadoe muito criticado pelo seu trabalho, chegando a ter sua principal descoberta negada deser publicada numa das revistas mais renomadas de Matemática na época, a Journal de

Page 32: O infinito na matemática

5.2 Algumas noções básicas 32

Crelle. Nunca mais Cantor aceitou publicar seus trabalhos nesta revista. Se pararmospara pensar, até hoje, à primeira vista, quando falamos que podemos colocar o conjuntodos números inteiros em correspondência de um para um com o conjunto dos númerospares, que é uma parte dos inteiros, por exemplo, parece difícil de se aceitar.

Cantor foi além, mostrou que os números reais não poderia ser colocado em corres-pondência de um para um com os números naturais. O conjunto dos números reais seria,então, estritamente maior que o conjunto dos números naturais. Temos, então, dois in-finitos actuais, um maior que o outro. Mas ele não parou por aí, mostrou também quehá uma infinidade de tamanhos, estritamente maiores uns que os outros, de conjuntosinfinitos.

A descoberta de Cantor foi um grande avanço na compreensão do infinito actual, queaté então, tinha uma certa desconfiança e resistência por parte da maioria dos matemáticose filósofos da época.

Para entendermos melhor o quanto ainda é difícil lidar com o infinito actual, Cantormostrou que um segmento de reta e um cubo possuem o mesmo tamanho (do ponto devista de conjuntos infinitos), ou até mesmo de um espaço de dimensão n. Na seção 5.5 émostrado com detalhes como isso é possível.

Cantor também desenvolveu uma aritmética para o infinito. Com ela, Cantor poderealizar diversas operações com os tamanhos dos conjuntos infinitos. Para leitura sobreeste assunto recomendamos Faticoni (2006) e Lieber (2007).

Na próxima seção falaremos um pouco sobre conjuntos e funções que serão de grandeimportância para o desenvolvimento de nosso trabalho.

5.2 Algumas noções básicas

Para iniciarmos, é preciso deixar claro alguns conceitos da teoria de conjuntos jáconhecidos e as notações que serão utilizadas, bem como para funções.

Um conjunto é formado por objetos que são chamados de elementos do conjunto.Quando um objeto x é um elemento do conjunto A, dizemos que x pertence a A e escre-vemos x 2 A, caso contrário, x não pertence a A, e escrevemos x /2 A.

Dados dois conjuntos A e B, dizemos que A é subconjunto de B quando todos oselementos de A pertencerem ao conjunto B. Escrevemos A ⇢ B. Também dizemos que A

está contido em B. Caso contrário, escrevemos A 6⇢ B e dizemos que A não está contido em

Page 33: O infinito na matemática

5.2 Algumas noções básicas 33

B. O conjunto vazio ; é sempre um subconjunto de um conjunto qualquer A, e o próprioconjunto A é também um subconjunto dele mesmo. Todos os outros subconjuntos de umconjunto diferentes do vazio e dele mesmo são chamados de subconjuntos próprios.

A união de dois conjunto A e B é o conjunto A [ B, formado pelos elementos de A

mais os elementos de B. Se um elemento está em A[B, então podemos afirmar que esseelemento está em A, em B ou em ambos.

A interseção dos conjuntos A e B é o conjunto A\B, formado pelos elementos comunsde A e B. Se um elemento está em A\B, então podemos afirmar que esse elemento estáem A e em B ao mesmo tempo.

Caso A\B = ;, ou seja, os conjuntos A e B não tenham nenhum elemento em comum,eles são ditos disjuntos.

A diferença entre os conjuntos A e B é o conjunto A�B formado pelos elementos deA que não pertencem a B.

O produto cartesiano dos conjuntos A e B é o conjunto A ⇥ B cujos elementos sãotodos os pares ordenados (a, b) onde a 2 A e b 2 B. Por exemplo, sejam os conjuntosA = {1, 2, 5} e B = {3, 4, 5}. Então, o produto cartesiano dos conjuntos A e B é oconjunto A ⇥ B = {(1, 3), (1, 4)(1, 5), (2, 3), (2, 4), (2, 5), (5, 3), (5, 4), (5, 5)}. Veja comofica o gráfico na figura 12.

Figura 12: Produto cartesiano A⇥ B.

O conjunto das partes de um conjunto A é um conjunto formado por todos os sub-conjuntos de A, escrevemos P(A).

Exploraremos um pouco mais a fundo o conjunto das partes de um conjunto. Vejamos

Page 34: O infinito na matemática

5.2 Algumas noções básicas 34

alguns exemplos:

Exemplo 5.2.1. Sejam os conjuntos A = {a, b} e B = {a, b, c}. Então temos os conjuntosP(A)= {{a}, {b}, {a, b}, ;} e P(B)= {{a}, {b}, {c}, {a, b}, {a, c}, {b, c}, {a, b, c}, ;}.

Exemplo 5.2.2. Seja o conjunto A como no exemplo anterior. Então

P(P(A)) = {;, {a}, {b}, {{a, b}}, {;}, {;, a}, {;, b}, {;, {a, b}}, {a, b}, {a, {a, b}},

{b, {a, b}}, {;, a, b}, {;, a, {a, b}}, {;, b, {a, b}}, {a, b, {a, b}}, {;, a, b, {a, b}}}.

Exemplo 5.2.3. Seja agora o conjunto C = {a, {a}, {b}, {a, b}}. Então

P(C) = {;, {a}, {{a}}, {{b}}, {{a, b}}, {a, {a}}, {a, {b}}, {a, {a, b}}, {{a}, {b}},

{{a}, {a, b}}, {{b}, {a, b}}, {a, {a}, {b}}, {a, {a}, {a, b}},

{a, {b}, {a, b}}, {{a}, {b}, {a, b}}, {a, {a}, {b}, {a, b}}}

Observação: No exemplo 5.2.1, o conjunto A possui 2 elementos e P(A) possui4 = 22 elementos. Ainda no mesmo exemplo, o conjunto B possui 3 elementos e P(B)possui 8 = 23 elementos. No exemplo 5.2.2, P(P(A)) possui 16 = 24 elementos e noexemplo 5.2.3, o conjunto C possui 4 elementos e P(C) possui 24 elementos.

O teorema a seguir mostra que esse resultado é válido em geral.

Teorema 5.2.1. Seja A um conjunto com exatamente n elementos, n 2 N. Então, oconjunto P(A) possui exatamente 2n elementos.

Demonstração: Faremos essa demonstração utilizando o princípio de indução. Sa-bemos que o resultado é válido para n = 0, pois se um conjunto A é vazio, apenas elemesmo é seu único subconjunto. Portanto, P(A)=1. Vamos supor válido para um con-junto com n elementos e mostrar que vale para um conjunto com n + 1 elementos. Seadicionarmos um elemento a mais a um conjunto com n elementos, digamos a0, podemosescrever todos os 2n subconjuntos desse conjunto sem o a0 e depois a cada um desses 2n

subconjuntos adicionar o elemento a0. Fazendo dessa forma, teremos o dobro de subcon-juntos, ou seja, 2n.2 = 2n+1. Assim, teremos um conjunto com n+ 1 elementos com 2n+1

subconjuntos. ⇤

Para podermos entender o conceito de conjunto infinito, é indispensável o uso defunções. É por isso que traremos algumas definições para ficar bem embasado nosso textoe podermos nos aprofundar melhor nos exemplos dados.

Page 35: O infinito na matemática

5.2 Algumas noções básicas 35

Definição 5.2.1. Sejam A e B conjuntos dados. Uma função f : A ! B de A em B éuma relação que permite associar a cada elemento de x 2 A um único elemento f(x) 2 B.

f : A ! B

x 7! f(x)

O conjunto A é chamado de domínio da função f e B de contradomínio.

Dizemos que o conjunto f(A) = {b 2 B | f(a) = b; a 2 A} é o conjunto imagemda função f , ou seja, todos elementos do contradomínio que estão relacionados a algumelemento do domínio da função. Dizemos que f(x) é a imagem de x pela f .

Dizemos que uma função f : A ! B é injetora se dados quaisquer x e y em A,f(x) = f(y) implicar x = y. Equivalentemente, se x 6= y, então f(x) 6= f(y).

Em palavras, podemos dizer que uma função é injetora, se não tiver mais de um ele-mento do domínio se relacionando com um mesmo elemento do contradomínio da função,ou seja, nenhum elemento do domínio terá a mesma imagem que um outro elemento dodomínio da função.

Para ilustrar veremos dois exemplos onde a função é injetora e outro onde a funçãonão é injetora.

Exemplo 5.2.4. Seja a função f : R� {1} ! R dada por f(x) = 2x+1x�1 . Vamos mostrar

que essa função é injetora. Sejam x1, x2 2 R tal que f(x1) = f(x2). Assim, temos

2x1 + 1

x1 � 1=

2x2 + 1

x2 � 1

(2x1 + 1)(x2 � 1) = (2x2 + 1)(x1 � 1)

2x1x2 � 2x1 + x2 � 1 = 2x1x2 � 2x2 + x1 � 1

�2x1 + x2 = �2x2 + x1

3x2 = 3x1

x2 = x1

Portanto, a função f é injetora. ⇤

Veja no grafico da figura 13, que para valores diferentes de x, teremos valores distintosde y associados a eles.

Page 36: O infinito na matemática

5.2 Algumas noções básicas 36

Figura 13: Gráfico da função f : R� {1} ! R� {2} dada por f(x) = 2x+1x�1 .

Exemplo 5.2.5. Seja a função f : R ! R dada por f(x) = x2. Veremos que a funçãodada não é injetora. Para isto, basta encontrarmos um contra exemplo. Aplicando �2 e2 na função f temos, f(�2) = 4 = f(2). Portanto, a função f não é injetora. ⇤

Veja no gráfico da figura 14:

Figura 14: Gráfico da função f : R ! R dada por f(x) = x2.

Dizemos que f : A ! B é sobrejetora se para todo y 2 B, conseguimos encontrarx 2 A tal que f(x) = y.

Em palavras, uma função será dita sobrejetora quando todos elementos do contrado-mínio for imagem de algum elemento do domínio da função, ou seja, todos elementos docontradomínio serão atingidos pelos elementos do domínio por meio da função.

Page 37: O infinito na matemática

5.2 Algumas noções básicas 37

Vejamos exemplos de funções sobrejetoras e não sobrejetoras.

Exemplo 5.2.6. Tomemos a mesma função do exemplo 5.2.4. Seja b 2 R�{2} qualquer.Vamos verificar que essa função é sobrejetora. Vamos encontrar pelo menos um a 2 R�{1}tal que f(a) = b. Tomemos a = b+1

b�2 , então

f(a) =2�b+1b�2

�+ 1

�b+1b�2

�� 1

=2b+2+b�2

b�2b+1�b+2

b�2

=3b

3= b

Logo, a função f é sobrejetora. ⇤

Observe que no gráfico da figura 13, dado qualquer valor no eixo y distinto de 2,sempre existe um valor no eixo x que é seu correspondente.

Exemplo 5.2.7. Tomemos agora a mesma função do exemplo 5.2.5. Vamos verificar quetal função não é sobrejetora de R em R. Suponha que seja sobrejetora. Para isso, tomea 2 R, a < 0. Então, como a função é sobrejetora, existe x 2 R tal que x2 = a. Absurdo,pois a < 0. Portanto, a função não é sobrejetora. ⇤

No gráfico da figura 14, qualquer valor negativo no eixo y que tomemos não teremosum correspondente em x.

Dizemos que f : A ! B é bijetora se f for injetora e sobrejetora. Neste caso, dizemosque existe uma bijeção entre A e B.

De modo informal podemos dizer que uma bijeção entre A e B nos diz que, "existeum modo de emparelhar todos os elementos de A com todos os elementos de B."

Se f : A ! B é uma bijeção de A em B, onde y = f(x), com x 2 A e y 2 B, podemosdefinir uma função g : B ! A onde g(y) = x, com x 2 A e y 2 B, ou seja, a funçãog faz o caminho inverso da função f . Chamamos a função g de função inversa de f edenotamos por f�1. A função f�1 : B ! A também determina uma bijeção de B em A.

Exemplo 5.2.8. Seja o conjunto A dos números naturais pares e a função f : N ! A

dada por f(x) = 2x.

Vamos mostrar que f é bijetora. Sejam x1 e x2 dois números naturais quaisquer.Vamos supor que f(x1) = f(x2), isso implica que 2x1 = 2x2, logo x1 = x2. Portanto,a função f é injetora. Agora, seja a um número natural par qualquer. Como a é par,podemos escreve-lo na forma a = 2k, onde k 2 N. Portanto, existe um número naturalk tal que f(k) = a. Portanto, a função f é sobrejetora. Desse modo mostramos que afunção f é bijetora.

Page 38: O infinito na matemática

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enumeráveis 38

Figura 15: Gráfico da função f(x) = 2x.

Observe que no exemplo 5.2.8, como a função f : N ! A é bijetora, sua inversaf�1 : A ! N dada por f�1(x) = x

2 também é bijetora, e assim podemos estabelecer umabijeção de A em N.

Na seção seguinte daremos continuidade a teoria dos conjuntos focando em algumasdefinições e propriedades que formalizarão o conceito de conjunto finito e infinito.

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enu-meráveis

Como dissemos, nesta parte do trabalho falaremos sobre os conjuntos finitos e infinitos,porém, são os conjuntos com infinitos elementos que nos focaremos mais; os quais sãoclassificados como enumeráveis e não enumeráveis.

Para cada n 2 N, passaremos a usar a notação In

= {p 2 N; p n}, para representar oconjunto finito dos números naturais menores ou iguais a n. Ou seja, I1 = {1}, I2 = {1, 2},I3 = {1, 2, 3}, I4 = {1, 2, 3, 4}, e assim por diante, isto é, I

n

= {1, 2, 3, 4, ..., n}.

Definição 5.3.1. Um conjunto X chama-se finito quando é vazio ou quando existe, paraalgum n 2 N uma bijeção de I

n

em X.

Decorre desta definição, que cada conjunto In

é finito.

Em outras palavras, podemos dizer que conjuntos finitos são aqueles que conseguimoscontar todos seus elementos (um por um), ou seja, associar cada um de seus elementosa um número natural (um elemento em I

n

). Diremos que o conjunto vazio é finito,pois não possui nenhum elemento. Intuitivamente, uma bijeção f : I

n

! X significauma contagem dos elementos de X. Pondo f(1) = x1, f(2) = x2, ..., f(n) = x

n

, temosX = {x1, x2, x3, ..., xn

}. Esta é a representação ordinária de um conjunto finito.

Page 39: O infinito na matemática

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enumeráveis 39

Note que se existir duas bijeções f : In

! X e g : Im

! X, então, n = m. Isto nosgarante a seguinte definição. Se X é um conjunto finito, então temos duas possibilidades,X = ; ou existe uma bijeção f : I

n

! X para algum n 2 N. No primeiro caso diremosque X possui zero elementos e no segundo que X possui n elementos, ou que o númerode elementos de X é n. Para mais detalhes indicamos a leitura de Lima (2006).

Vamos ver um exemplo de um conjunto finito de acordo com a definição dadaanteriormente.

Exemplo 5.3.1. Considere o conjunto A = {x 2 Z | � 20 x 10}. Claramente esseconjunto é finito e possui 31 elementos. Segundo a definiçao acima, basta tomar a funçãobijetora f : I31 ! A dada por f(x) = x� 21 para x 2 I31.

Não é difícil verificar que todo subconjunto, digamos A, de um conjunto finito, digamosB, é finito, mais ainda, o número de elementos de A não excede o de B e só é igualquando A = B. Por outro lado, se existe uma bijeção entre os conjuntos finitos A e B,então necessariamente A e B tem o mesmo número de elementos.

Falaremos brevemente de algumas propriedades, que são decorrentes do resultadoacima, que nos serão úteis mais adiante.

Se tomarmos uma função f : X ! Y injetora e se Y for um conjunto finito, entãoX também será um conjunto finito. É fácil ver que f define uma bijeção entre X e suaimagem f(X). Como f(X) é subconjunto de Y e Y é finito, então, pelo resultado acima,f(X) é finito. Logo, X também é um conjunto finito. Além disso, o número de elementosde f(X), que é igual ao de X, não excede o de Y .

Por outro lado, se tomarmos agora uma função g : X ! Y sobrejetora e se X

for um conjunto finito, então Y também será um conjunto finito. De fato, como X éfinito, tomemos X = {x1, x2, ..., xn

} para algum n 2 N. A imagem de g é o conjuntog(X) = {g(x1), g(x2), ..., g(xn

)} também finito. Como g é sobrejetora, g(X) = Y , logo, Yé finito e o seu número de elementos não excede o de X.

Definição 5.3.2. Um conjunto X chama-se infinito quando não é finito.

Mais explicitamente, X é infinito quando não é vazio e, além disso, seja qual for n 2 N,não existe uma bijeção f : I

n

! X.

Podemos dizer que conjuntos infinitos, são aqueles que não conseguimos "contar"todos seus elementos um a um, não conseguimos associar a quantidade de seus elementosa um número natural.

Page 40: O infinito na matemática

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enumeráveis 40

Galileu Galilei observou que o conjunto dos números naturais {1, 2, 3, ...} eram tãonumerosos quanto o conjunto dos números quadrados perfeitos {1, 4, 9, ...}, ou seja, queexiste uma bijeção

f : {1, 2, 3, ...} ! {1, 4, 9, ...}

dada porf(x) = x2.

Observe que o conjunto dos números quadrados perfeitos {1, 4, 9, ...} é um subconjuntopróprio do conjunto dos números naturais {1, 2, 3, ...}, ou seja, está contido mas nãoé igual; assim, Galileu Galilei observou que é possível colocar todos os elementos de umconjunto em correspondência de um para um com os elementos de um subconjunto próprio,o que parece ser impossível. Esta propriedade é uma característica singular dos conjuntosinfinitos que podemos usá-la para caracterizar um conjunto infinito sem mencionar osconjuntos finitos. Isto é o que veremos no seguinte teorema.

Teorema 5.3.1. Um conjunto A é dito infinito se existir uma bijeção entre A e umsubconjunto próprio de A.

Para o leitor interessado na demonstração desse teorema, veja o livro Análise Realvolume 1 de Elon Lages Lima. Vamos ver alguns exemplos de conjuntos infinitos.

Exemplo 5.3.2. O conjunto dos números naturais é um conjunto infinito. Pela definição5.3.1, vamos mostrar que não existe uma função bijetora f : N ! I

n

qualquer que seja onúmero n 2 N. Faremos a prova por absurdo. Suponha que f seja bijetora. Sem perda degeneralidade, vamos admitir que ela já seja sobrejetora e mostrar que não pode ser injetora.De fato, sejam x1, x2, ..., xn

2 N tal que f(x1) = 1, f(x2) = 2, ..., f(xn

) = n. Como{x1, x2, ..., xn

} é um conjunto finito, esse conjunto possui um maior elemento. Vamosassumir que esse maior elemento seja, por exemplo, x

n

. Logo, se tomarmos xn

+ 1 2 N,teremos x

n

+1 > xn

, então, xn

+1 /2 {x1, x2, ..., xn

}. Mas, por outro lado, como xn

+1 2 Ne f é sobrejetora, temos f(x

n

+ 1) = k 2 In

, e pela definição da f dada anteriormente,k = f(x

k

) para algum k 2 In

e xk

2 {x1, x2, ..., xn

}. Como xn

+ 1 /2 {x1, x2, ..., xn

},xn

+ 1 6= xk

. Assim, f(xn

+ 1) = f(xk

) e xn

+ 1 6= xk

, portanto, f não é injetora e N nãopode ser um conjunto finito, logo, N é infinito.

Como vimos anteriormente para conjuntos finitos, podemos também estabelecer oseguinte para conjunto infinitos: se f : X ! Y é injetora e X é infinito, então Y tambémé; e se f : X ! Y é sobrejetora e Y é infinito, então X é infinito. (LIMA, 2006)

Page 41: O infinito na matemática

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enumeráveis 41

Com esses resultados, outros exemplos de conjuntos infinitos são os conjuntos dosnúmeros inteiros e racionais, pois ambos contém N.

Já vimos que podemos definir a quantidade de elementos de um conjunto finito. Agorairemos ver como ainda podemos falar em "quantidade" de elementos de um conjuntoinfinito. Note que não podemos falar que um conjunto infinito tem uma quantidade x

de elementos, mas podemos falar do "tamanho" dos conjuntos infinitos e ter conjuntosinfinitos maiores uns que os outros.

Definição 5.3.3. Um conjunto X diz-se enumerável, quando é finito ou quando existeuma bijeção do conjunto dos números naturais com X. No segundo caso, X diz-se infinitoenumerável.

Cada bijeção f : N ! X dada na definição anterior chama-se uma enumeração doselementos do conjunto X. De modo grosseiro, dizer que X é enumerável, é querer dizerque podemos enumerar, colocar em ordem seus elementos. Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 5.3.3. Veremos que o conjunto dos números naturais pares (P ) é infinito enu-merável. Para isso basta criarmos uma função que associe os números naturais aos paresda seguinte forma:

N : 1 2 3 4 5

# # # # #P : 2 4 6 8 10

Desse modo, basta tomarmos uma função como no exemplo 5.2.8 que é bijetora. Logo,o conjunto dos números pares é infinito enumerável.

De modo análogo é fácil mostrar que o conjunto dos números ímpares B também éenumerável, basta tomarmos a bijeção f : N ! B dada por f(x) = 2x� 1.

Exemplo 5.3.4. (Conjunto Z enumerável). Vamos ver que o conjunto Z é enumarável.O interessante é mostrar que podemos ter uma intuição de como podemos enumerar oselementos de Z. Começamos a enumerar a partir do zero, depois 1, �1, 2, �2, e assimpor diante, sempre um positivo e um negativo. Dessa forma, conseguimos enumerar todosos elementos de Z. A figura a seguir ilustra melhor essa ideia:

Page 42: O infinito na matemática

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enumeráveis 42

Figura 16: Enumeração dos números inteiros.

De acordo com a definição de conjunto enumerável, para formalizar nossa ideia deenumerar os elementos de Z, construiremos uma função f : N ! Z bijetora. Seja f dadapor

f(n) =

(n

2 se n for par;1�n

2 se n for ímpar.

Vamos mostrar primeiro que f é injetora. Sejam n1 e n2 2 N tal que n1 6= n2. Vamosdividir em três casos:

1o Caso: Vamos supor sem perda de generalidade que n1 é ímpar e n2 é par. Peladefinição de f , f(n1) 0 e f(n2) > 0, portanto, f(n1) 6= f(n2).

2o Caso: Se n1 e n2 forem ambos pares, dividindo ambos os membros da desigualdaden1 6= n2 por 2 temos, n1

2 6= n22 , o que implica f(n1) 6= f(n2).

3o Caso: Se n1 e n2 forem ambos ímpares, multiplicando ambos os membros da desi-gualdade n1 6= n2 por �1

2 e somando 12 , temos 1�n1

2 6= 1�n22 o que implica

f(n1) 6= f(n2).

Assim, mostramos que f é injetora. Agora vamos mostrar que f é sobrejetora. Sejaa 2 Z qualquer. Vamos mostrar que existe n 2 N tal que f(n) = a. Dividiremos em trêscasos:

1o Caso: Se a = 0, basta tomarmos n = 1, assim f(n) = f(1) = 1�12 = 0.

2o Caso: Se a > 0, basta tomarmos n = 2a, assim f(n) = f(2a) = 2a2 = a.

3o Caso: Se a < 0, basta tomarmos n = �2a+ 1, assim

f(n) = f(�2a+ 1) =1� (�2a+ 1)

2=

1 + 2a� 1

2=

2a

a= a.

Observação: Note que nos três casos n está bem definido, ou seja, n 2 N.

Assim, mostramos que f é sobrejetora e injetora, logo, f é bijetora. Portanto, oconjunto dos números inteiros Z é enumerável.

Page 43: O infinito na matemática

5.3 Conjuntos Finitos, Infinitos Enumeráveis e Não Enumeráveis 43

Exemplo 5.3.5. O conjunto Z⇤ dos números inteiros diferentes de zero também é enu-merável. Basta associarmos os números naturais com os inteiros diferentes de zero daseguinte maneira:

Figura 17: Enumeração dos números inteiros sem o zero.

Para isso, considere a função f : N ! Z⇤ dada por

f(n) =

(�n

2 se n for par;n+12 se n for ímpar.

de forma análoga ao que foi feito no exemplo 5.3.4, podemos mostrar que f é bijetora.

Observe que do exemplo 5.3.4 para o exemplo 5.3.5 tiramos apenas o elemento zerodo conjunto dos números inteiros e mesmo assim ele continuou enumerável. Veremos quepodemos retirar ou adicionar um número finito de elementos de um conjunto enumerávelque ele continuará enumerável.

O Paradoxo do Hotel de Hilbert é um exemplo onde os conjuntos enumeráveis cum-prem um papel relevante. Cada vez que chegava mais hóspedes, o recepcionista encontravauma nova função bijetora para associar a quantidade de novos hóspedes (um conjunto in-finito enumerável) com a quantidade de quartos do hotel (conjunto dos números naturais).

Podemos concluir que além de Z, Q também é um conjunto enumerável. Mas para isso,precisamos de dois resultados cuja demonstração pode ser encontrada em Lima (2006). Oprimeiro deles é: "Se dois conjuntos X e Y são enumeráveis, então o produto cartesianoX ⇥ Y é enumerável." O segundo é: "Se X é enumerável e f : X ! Y é sobrejetora,então, Y é enumerável."

Vejamos no exemplo a seguir que Q é enumerável.

Exemplo 5.3.6. (Conjunto Q enumerável). Como foi visto nos exemplos 5.3.4 e 5.3.5,Z e Z⇤ são enumeráveis, então, Z⇥ Z⇤ é enumerável. Tomando a função f : Z⇥ Z⇤ ! Qdefinida por f(m,n) = m

n

com m 2 Z e n 2 Z⇤. Pela definição do conjunto dos númerosracionais Q = {a

b

2 Q | a 2 Z e b 2 Z⇤} e da função f , é fácil ver que f é sobrejetora.Assim, Q é enumerável.

Page 44: O infinito na matemática

5.4 Cardinalidade 44

Não é nossa intenção entrar em detalhes sobre os resultados acima usados para con-cluírmos que Q é enumerável. Para mais detalhes e resultados, indicamos a leitura deLima (2006) e Faticoni (2006).

Nosso próximo assunto será de grande importância, pois nos servirá de base parafalarmos sobre o "tamanho" de conjuntos com infinitos elementos.

5.4 Cardinalidade

A definição de cardinalidade de um conjunto é uma boa maneira de descrever, demensurar o "tamanho" ou a "quantidade" de elementos de um conjunto infinito, que aprincípio não conseguimos contar. Passaremos a escrever no lugar de "quantidade" e"tamanho", o termo cardinalidade.

Sejam X e Y dois conjuntos. Escrevemos card(X) card(Y ) se existir uma funçãoinjetora f : X ! Y , ou seja, a quantidade de elementos de X não excederá a quantidadede elementos de Y . Note que se X ⇢ Y , então card(X) card(Y ). Diremos também quedois conjuntos X e Y têm o mesmo número cardinal se existir uma bijeção f : X ! Y.

Escreveremos card(X) = card(Y ).

Com isso podemos comparar e diferenciar cardinais de diferentes conjuntos. Assim, sedois conjuntos finitos possuem o mesmo número de elementos, eles têm o mesmo númerocardinal. Como vimos anteriormente, concluímos que o conjunto A do exemplo 5.3.1 temo mesmo número cardinal de I31, ou seja, 31 elementos.

Para conjuntos infinitos, os conjuntos dos números pares e ímpares, por exemplo,possuem a mesma cardinalidade dos números naturais, pois vimos no exemplo 5.3.3 queexiste uma função bijetora entre o conjunto dos números pares e os naturais e os ímparese os naturais. Vimos também nos exemplos 5.3.4 e 5.3.6 que os conjuntos dos númerosinteiros e dos números racionais são enumeráveis, de certo modo, há uma bijeção dessesconjuntos com os naturais, logo, possuem a mesma cardinalidade entre eles. Portanto,temos que card(N) = card(Z) = card(Q).

Podemos dizer que um conjunto X é infinito enumerável se, e somente se, card(X) =

card(N). Assim, card(N) é a classe de todos os conjuntos enumeráveis.

Veremos agora alguns exemplos de conjuntos não enumeráveis, consequentemente, nãotem o mesmo número cardinal do conjunto dos números naturais. Veremos adiante queo conjunto dos números reais R não é enumerável, logo, card(R) 6= card(N). Mas antes,

Page 45: O infinito na matemática

5.4 Cardinalidade 45

veremos outros exemplos de conjuntos não enumeráveis.

Exemplo 5.4.1. (Conjunto P(N) não é enumerável). O conjunto das partes de N,dado por P(N), é um conjunto infinito não enumerável. Para provarmos essa afirmação,iremos mostrar que, para qualquer conjunto A, não existe nenhuma bijeção entre A eP(A). Assim, basta mostrarmos que não existe uma função f : A ! P(A) sobrejetora.Sejam a função f : A ! P(A) e x 2 A. A função dada associa cada elemento de A a umsubconjunto de A pertencente a P(A). Em outras palavras, para cada x 2 A, f(x) é umconjunto de elementos de A. Assim, temos que f(x) 2 P(A) e f(x) ⇢ A. Considere oconjunto X = {x 2 A | x /2 f(x)}. É fácil ver que se x 2 f(x), então, x /2 X, por outrolado, se x /2 f(x), então, x 2 X. Observe que X é um subconjunto de A. Se mostrarmosque f(x) 6= X, concluiremos que f não é sobrejetora, pois nem todos elementos de P(A)será imagem de algum x 2 A. Isto é imediato, pois pela definição de X, não podemos terum mesmo elemento pertencente a f(x) e a X ao mesmo tempo, assim f(x) 6= X. Logo,não existe função f : A ! P(A) sobrejetora, com isso, card(A) 6= card(P(A)).

Como o que foi feito acima é válido para qualquer conjunto A, tomemos então A = Ne concluímos que não existe bijeção entre N e P(N). Dessa forma, P(N) não é enumerável,então

card(N) 6= card(P(N)).

Além disso, podemos dizer que para qualquer conjunto A, tem-se

card(A) < card(P(A)).

Basta tomarmos a função injetora f : A ! P(A) dada por f(x) = {x}. De fato,sejam f(x1) = f(x2) que implica {x1} = {x2}, logo, x1 = x2. Desse modo temos quecard(A) card(P(A)). Como acabamos de mostrar no exemplo 5.4.1 que card(A) 6=card(P(A)), concluímos que

card(A) < card(P(A)),

para qualquer conjunto A.

Vamos ver agora que quaisquer dois segmentos de reta são conjuntos de mesma car-dinalidade independente de seu comprimento. Vamos mostrar isso no exemplo a seguir.

Exemplo 5.4.2. Sejam dois segmentos de reta AB e CD. Se os comprimentos de AB eCD forem iguais não há o que fazer, é fácil ver que eles possuem a mesma cardinalidade.

Page 46: O infinito na matemática

5.4 Cardinalidade 46

Vamos supor então que os segmentos AB e CD possuem comprimentos diferentes. Vamoscolocá-los, sem perda de generalidade, na vertical e paralelos como na figura 18.

Figura 18: Segmentos AB e CD.

Veremos que esses dois segmentos de reta tem a mesma cardinalidade. De fato,trace uma reta passando por A e C e outra passando por B e D. Seja P o ponto deinterseção dessas duas retas. Definiremos uma função f : AB ! CD de modo que, dadoqualquer ponto x 2 AB, trace uma reta passando por P e x interceptando CD no pontoy. Definiremos f(x) = y, ou seja, a imagem de x 2 AB é y 2 CD. Veja figura 19.

Figura 19: Função f : AB ! CD

Vamos mostrar que a função f : AB ! CD como definida acima é bijetora. Paraisso, veremos que a função f é sobrejetora. Tome qualquer ponto y 2 CD. Trace umareta passando por y e P como na figura 19. Essa reta irá interceptar AB em algum pontox 2 AB, pela definição de f , f(x) = y, então a função f é sobrejetora. Para vermosque a função f é injetora, tome dois pontos distintos x1 e x2 de AB de acordo com afigura 20. Trace duas retas, uma passando por P e x1 e outra por P e x2. Sejam y1 e y2,respectivamente, os dois pontos de interseçao dessas retas com CD.

Page 47: O infinito na matemática

5.4 Cardinalidade 47

Figura 20: f : AB ! CD injetora.

Pela definição de f , f(x1) = y1 e f(x2) = y2 e claramente y1 6= y2, logo, f(x1) 6= f(x2)

e assim a função f é injetora. Portanto, vimos que a função f é bijetora e os segmentosAB e CD tem a mesma cardinalidade.

Como vimos acima, podemos então afirmar que, qualquer segmento de reta tem amesma cardinalidade, em particular, o conjunto (0, 1) = {x 2 R | 0 < x < 1}.

Veremos agora que não é possível enumerar todos os elementos do intervalo (0, 1).

Proposição 5.4.1. O conjunto (0, 1) não é enumerável.

Demonstração: Seja x 2 (0, 1). Podemos escrever x na forma de um número decimalinfinito, x = 0, d1d2d3d4..., onde cada decimal d

i

do número x, é um número inteiro0 d

i

9, i � 1. No caso de decimais finitos como, por exemplo 0, 2, colocaremos0, 2000..., 0, 71, colocaremos 0, 71000... e assim por diante. Vamos supor que o conjunto(0, 1) seja enumerável. Desse modo, podemos colocar os elementos do conjunto (0, 1) emordem, ou seja, em correspondência de um para um com os números naturais.

1o elemento 0, d11d12d13d14...

2o elemento 0, d21d22d23d24...

3o elemento 0, d31d32d33d34...

4o elemento 0, d41d42d43d44......

...

(5.1)

Pelo método da diagonalização de Cantor, vamos chegar a um absurdo e concluir que oconjunto (0, 1) não pode ser enumerável. Para cada decimal d

ij

, com i = j, caracterizado

Page 48: O infinito na matemática

5.4 Cardinalidade 48

acima, troque seu valor por qualquer outro diferente dele mesmo e renomei-o por aij

.

1o elemento 0, a11d12d13d14...

2o elemento 0, d21a22d23d24...

3o elemento 0, d31d32a33d34...

4o elemento 0, d41d42d43a44......

...

Tome o elemento 0, a11a22a33a44... do conjunto (0, 1), ele é diferente de todos listadosem (5.1). De fato, é diferente do 1o elemento, pois d11 foi trocado por a11, é diferente do2o elemento, pois d22 foi trocado por a22 e assim por diante.

Portanto, conseguimos um elemento de (0, 1) que está fora da lista (5.1), portanto,não está colocado em correspondência com nenhum número natural. Logo, o conjunto(0, 1) não é enumerável. ⇤

Uma outra maneira mais intuitiva e menos formal de dizer que um conjunto não éenumerável, é dizer que não se pode colocar seus elementos em sequência, de modo acomeçar por um primeiro elemento, depois o segundo, o terceiro, ... , onde todos tem umsucessor e um antecessor (exceto o primeiro). Desse modo, é fácil ver que os elementosdo conjunto (0, 1) não podem ser colocados em ordem (enumerados). Por exemplo, qualseria o sucessor de 0, 2? Poderia ser o 0, 21, 0, 201, 0, 2001, 0, 20001, ... , ou seja, não épossível, pois há infinitos números reais entre dois números reais.

Vimos que quaisquer segmentos de reta tem a mesma cardinalidade e sabe-se que osegmento de reta dado pelo intervalo (0, 1) não é enumerável, então, quaisquer segmentosde reta não são enumeráveis. Com isso podemos dizer que os conjunto (0, 1) e (�⇡

2 ,⇡

2 )

tem a mesma cardinalidade e não são enumeráveis. Vamos então mostrar que R não éenumerável mostrando que possui a mesma cardinalidade do segmento de reta dado pelointervalo (�⇡

2 ,⇡

2 ), ou seja, encontrando uma função f : (�⇡

2 ,⇡

2 ) ! R bijetora. Veja oexemplo a seguir.

Exemplo 5.4.3. Considere a função f : (�⇡

2 ,⇡

2 ) ! R dada por f(x) = tg(x). O gráficodessa função é dado pela figura 21.

É fácil de ver que a função f é bijetora. O gráfico da figura 21 nos mostra isto.Podemos tomar quaisquer dois elementos diferentes do domínio que eles terão imagensdiferentes, e se tomarmos qualquer elemento do contra domínio, sempre há um elementono domínio que chega à ele pela função f .

Page 49: O infinito na matemática

5.4 Cardinalidade 49

Figura 21: Gráfico da função f : (�⇡

2 ,⇡

2 ) ! R dada por f(x) = tg(x).

Vamos mostrar mais formalmente que a função f : (�⇡

2 ,⇡

2 ) ! R dada por f(x) = tg(x)

é bijetora. Vamos começar mostrando que a função dada é sobrejetora, ou seja, dado y 2 Rqualquer, existe x 2 (�⇡

2 ,⇡

2 ) tal que tg(x) = y. Iremos separar em três casos:

1o Caso: Se y > 0. Tome um ponto T na reta tangente ao círculo trigonométrico deraio 1 de tal forma que AT = y como mostra a figura 22.

Figura 22: Círculo trigonométrico caso 1.

Considere o triângulo OAT e x o ângulo TOA medido em radianos. Pela construção dotriângulo temos que x 2 (0, ⇡2 ). Calculando a tangente do ângulo x temos, tg(x) = y

1 = y,ou seja, para qualquer números real y > 0 temos um números real x 2 (0, ⇡2 ) associado àele.

2o Caso: Se y < 0. Tome um ponto T 0 na reta tangente ao círculo trigonométrico deraio 1 de tal forma que AT 0 = |y| como mostra a figura 23.

Page 50: O infinito na matemática

5.4 Cardinalidade 50

Figura 23: Círculo trigonométrico caso 2.

Considere o triângulo OAT 0 e x0 o ângulo T 0OA medido em radianos. Pela constru-ção do triângulo temos que x0 2 (�⇡

2 , 0). Calculando a tangente do ângulo x0 temos,tg(x0) = |y|

1 = |y|, ou seja, para qualquer números real y < 0 temos um números realx0 2 (�⇡

2 , 0) associado à ele.

3o Caso: Se y = 0, basta tomarmos x = 0 que teremos tg(0) = 0.

Portanto, pelos três casos mostramos que a função f é sobrejetora.

Agora vamos mostrar que a função dada é injetora. De fato, tomemos f(x1) = f(x2),ou seja, tg(x1) = tg(x2) para quaisquer x1 e x2. Desenhe dois triângulos retângulos. Umdeles com catetos medindo 1 e |tg(x1)| e o outro com catetos medindo 1 e |tg(x2)|, comomostra a figura 24.

Figura 24: Triângulos retângulos.

Pelo caso de congruência LAL, os dois triângulos são congruentes, então, x1 = x2.

Portanto, a função f é injetora.

Assim, a função f : (�⇡

2 ,⇡

2 ) ! R dada por f(x) = tg(x) é bijetora. ⇤

Page 51: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 51

Com o que vimos no exemplo anterior, podemos enunciar e provar o seguinte teorema.

Teorema 5.4.1. O conjunto dos números reais R não é enumerável.

Demonstração: Pelo exemplo 5.4.3, a função f : (�⇡

2 ,⇡

2 ) ! R dada porf(x) = tg(x) é bijetora. Logo, o conjunto dos números reais R possui a mesma car-dinalidade do conjunto (�⇡

2 ,⇡

2 ), que por sua vez não é enumerável, logo, o conjunto dosnúmeros reais não é enumerável. ⇤

Na próxima seção, iremos mostrar o resultado mais intrigante da descoberta de Cantor,sobre o qual ele mesmo escreveu a Dedekind: “Eu posso ver, mas não acredito.”

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo númerode elementos”.

Vimos que todo segmento de reta (um intervalo real) tem a mesma cardinalidade dosnúmeros reais (reta contínua), e mais, possui uma cardinalidade diferente dos númerosnaturais, pois não são enumeráveis. Agora nós iremos além, vamos ver que um segmentounitário (S), um quadrado unitário(Q) e um cubo unitário(C) tem o mesmo númerocardinal, ou ainda, tem o mesmo "número" de pontos entre seus interiores. Mostrandoisso podemos concluir um fato que contradiz nossa intuição. A cardinalidade de umconjunto não depende da sua geometria e sua dimensão.

Figura 25: Segmento, quadrado e cubo unitários.

Proposição 5.5.1. card(S) = card(Q) = card(C), onde S = {x 2 R | 0 x 1},Q = {(x, y) 2 R2 | 0 x, y 1} e C = {(x, y, z) 2 R3 | 0 x, y, z 1}.

Demonstração: É fácil de ver que S ⇢ Q ⇢ C de modo que pela observação feitana página 44 temos

card(S) card(Q) card(C). (5.2)

Com isso, basta mostrarmos que card(C) card(S) e usar a desigualdade (5.2) paraconcluir que card(S) = card(Q) = card(C).

Page 52: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 52

Para mostrarmos que card(C) card(S), construiremos uma função injetora de C

em S . Para cada (x, y, z) no interior de C, seja

x = 0, x1x2x3...

y = 0, y1y2y3...

z = 0, z1z2z3...

a representação decimal infinita de x, y e z, respectivamente, onde 0 xi

9,0 y

i

9 e 0 zi

9 para cada i 2 N.

Antes de proceder com a demonstração, precisaremos lembrar alguns fatos importan-tes.

1. Cada número real tem uma representação decimal infinita. Exemplo:

1

4= 0, 25000...

1

3= 0, 33333...

2. Alguns números possuem duas representações decimal infinita. Exemplo:

1, 000... = 0, 999...

0, 354000... = 0, 353999...

3. Como foi dito no item 1, todo número real admite uma representação decimal in-finita. Mas ainda, existem duas possíveis situações: a representação é única ouexistem unicamente duas representações, uma finalizando em uma sequência infi-nita de zeros e a outra finalizando com uma sequência infinita de noves. Exemplo:

0, 15000... = 0, 14999...

Números como0, 57898989...

tem uma única representação.

4. Também é possível provar que se 0, x1x2x3... = 0, y1y2y3..., são duas representaçõesdecimais infinitas, tal que 0 x

i

9 e 0 yi

9, para cada i 2 N e se

Page 53: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 53

(a) 0, x1x2x3... = 0, y1y2y3...

(b) 0, xi

xi+1xi+2... < 1 e 0, y

i

yi+1yi+2... < 1 para todo i 2 N

então, xn

= yn

para todo n � 1.

Note que a condição do item (b) está garantindo que ambas representações decimaisnão finalizam em um sequência infinita de noves.

As provas dos itens 3 e 4 serão feitas nos apêncides B e C respectivamente.

Podemos agora retomar a demonstração. Do cubo C retiremos o conjunto de to-das as triplas (x, y, z) para os quais x, y e z admitem mais de uma representação de-cimal infinita. Chamemos este conjunto de K. Mais precisamente, K = {(x, y, z) 2C; x ou y ou z possuem duas representações decimal infinita}

É possível provar que o subconjunto dos números reais que possuem duas representa-ções decimais infinitas, é um conjunto enumerável. Logo, podemos afirmar que

card(C) = card(C �K)

Sendo assim, podemos definir a função injetora f : C ! S definida em C�K como segue:para cada x, y e z em C �K seja

x = 0, x1x2x3...

y = 0, y1y2y3...

z = 0, z1z2z3...

a expansão decimal infinital (única) de x, y e z. Defina

f(x, y, z) = 0, x1 y1 z1 x2 y2 z2 x3 y3 z3... (5.3)

note-se que como os números x, y e z estão em C�K, o número f(x, y, z) terá uma únicarepresentação decimal infinita, logo f é de fato um função. Por exemplo, para

x = 0, 4532222...

y = 0, 9272731...

z = 0, 1333333...

Page 54: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 54

teremos

f(0, 4532222..., 0, 9272731..., 0, 1333333...) = 0, 491523373223273233213...

Para finalizar, bastará mostrar que f é injetora. Mas isto segue do 4o item anterior,logo

card(C) = card(C �K) card(S).

Isto junto com a desigualdade (5.2) conclui a prova.

Podemos ir além, a reta real tem a mesma cardinalidade do plano (R2), do espaço (R3)e até mesmo de qualquer espaço de dimensão n (Rn). Isto é, se traçarmos um segmentode reta qualquer, este segmento "terá o mesmo número de pontos" de uma quadradoqualquer, que por sua vez "terá o mesmo número de pontos" que um cubo qualquer. Issopode ir contra nosso senso comum, mas o infinito nos proporciona situações que parecemser duvidosas e embaraçosas. Como já vimos, historicamente era embaraçoso pensarmosem colocar todos elementos de um conjunto em correspondência de um para um com todosos elementos de seu próprio subconjunto. É o que acabamos de ver, se considerarmos oconjunto de todos os pontos do espaço, podemos colocá-los em correspondência de umpara um com todos os pontos de uma reta por exemplo, que é um subconjunto própriodo espaço, ou seja, está "dentro" do próprio espaço e possuem a mesma "quantidade" deelementos. É estranho pensar que mesmo tirando um pedaço de um todo, ainda sim estepedaço terá o mesmo "tamanho" do todo.

Depois de vermos conjuntos infinitos enumeráveis e infinitos não enumeráveis, a per-gunta que fica é a seguinte: Se temos conjuntos infinitos de cardinalidades diferentes,como ordená-los? Será que existe uma ordem? Uma hierarquia? Para responder a essasperguntas precisaremos estabelecer o seguinte: Dados os conjuntos X, Y , diremos quecard(X) < card(Y ) quando existir uma função injetora f : X ! Y mas não existir umafunção sobrejetora f : X ! Y . Isso nos quer dizer que, para que possamos afirmar quecard(X) < card(Y ), precisamos encontrar pelo menos uma função injetora f : X ! Y eprovar que não existe nenhuma função f : X ! Y sobrejetora.

Sendo assim, mostramos que o conjunto dos números reais R não é enumerável usandoo fato de que não conseguimos colocar todos os números reais em correspondência de umpara um com os números naturais. Sempre há um número real sem correspondência comalgum número natural, ou seja, não existe uma função f : N ! R sobrejetora. Por outro

Page 55: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 55

lado, é fácil ver que existem mais de uma função f : N ! R injetora. Por exemplo, afunção f : N ! R dada por f(x) = x, é injetora. Portanto, vimos que existe uma funçãof : N ! R injetora e que não existe uma função f : N ! R sobrejetora. Assim, concluímosque card(N) < card(R). Resumidamente, juntando alguns dos exemplos dados até aquisobre a cardinalidade de conjuntos infinitos, temos:

card(N) = card(Z) = card(Q) < card(R) = card(R2) = card(R3) = card(Rn) (5.4)

Temos mostrado até o momento a existência de dois conjuntos com infinitos elementosde "tamanhos" diferentes, os que tem a mesma cardinalidade dos números naturais e osque tem a mesma cardinalidade dos números reais como na desigualdade (5.4).

Afirmamos que o número cardinal de N é o menor dos números cardinais. De fato,é possível provar que todo conjunto infinito X contém um subconjunto infinito enume-rável1. Isso nos mostra que para todo conjunto infinito X, tem-se card(N) card(X).Assim, o número cardinal dos números naturais é o menor dos números cardinais, conse-quentemente, podemos dizer que o "tamanho" dos conjuntos infinitos enumeráveis são osmenores dos conjuntos infinitos.

Lembrando que já provamos que card(N) < card(P(N)) e que card(N) < card(R),fica-nos uma pergunta: Qual é a relação entre card(R) e card(P(N))? A resposta está noseguinte teorema.

Teorema 5.5.1. card(R) = card(P(N)).

Demonstração: Mostraremos que

card(0, 1) = card(P(N))

já que card(R) = card(0, 1). Para isso, vamos definir uma função f : (0, 1) ! P(N)injetora para concluir que

card(0, 1) card(P(N)) (5.5)

Em seguida, definiremos outra função g : P(N) ! (0, 1) também injetora para concluirque

card(P(N)) card(0, 1) (5.6)

Com as inequações (5.5) e (5.6) teremos mostrado que card(0, 1) = card(P(N)), ou seja,card(R) = card(P(N)).

1Este é um teorema que não demonstraremos para não perdermos o foco do nosso objetivo. Para oleitor interessado, ler o livro "Curso de Análise - vol.1" de Elon Lages Lima.

Page 56: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 56

Vamos definir uma função injetora f de (0, 1) em P(N). Para cada número realx 2 (0, 1) iremos escrevê-lo como um número decimal binário

x = b1.1

2+ b2.

1

22+ b3.

1

23+ ... = 0, b1b2b3...

onde b1, b2, b3, ... 2 {0, 1}.

Por exemplo,1

2= 1.

1

2+ 0.

1

22+ 0.

1

23+ ... = 0, 100

1

3= 0.

1

2+ 1.

1

22+ 0.

1

23+ 1.

1

24+ ... = 0, 0101

5

8= 1.

1

2+ 0.

1

22+ 1.

1

23+ 0.

1

24+ 0.

1

25+ ... = 0, 10100

Vamos associar cada decimal à um número natural da forma

1 2 3 4 . . .

# # # #b1 b2 b3 b4 . . .

Para cada x 2 (0, 1), seja o subconjunto f(x) = Ux

⇢ N definido por(

n 2 Ux

se bn

= 1

n /2 Ux

se bn

= 0

Por exemplo, 13 = 0, 010101, associando seus decimais com os números naturais temos

1 2 3 4 5 6 . . .

# # # # # #0 1 0 1 0 1 . . .

Então, f(13) = U 13= {2, 4, 6, ...}.

Um outro exemplo é se x = 0, 1010010, então, f(x) = Ux

= {1, 3, 6}.

Temos que ter o cuidado nos casos onde há duas ou mais maneiras de escrevermos umnúmero real na sua forma decimal binária. Por exemplo,

1

2= 1.

1

2+ 0.

1

22+ 0.

1

23+ 0.

1

24+ ... = 0, 10

Page 57: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 57

1

2= 0.

1

2+ 1.

1

22+ 1.

1

23+ 1.

1

24+ ... = 0, 01

Nestes casos tomaremos a forma que tiver a menor quantidade de 10s, assim, 12 = 0, 10

e f(12) = {1}.

Definida a função f : (0, 1) ! P(N) como acima, vamos mostrar que ela é injetora.Sejam x, y 2 (0, 1), x 6= y, na forma decimal binária

x = 0, b1b2b3...

y = 0, c1c2c3...

Como supomos x 6= y, temos bn

6= cn

para algum n 2 N. Vamos supor sem perda degeneralidade que b

n

= 1 e cn

= 0. Pela definição de f temos

n 2 f(x) = U

en /2 f(y) = V.

Logo, U e V não possuem os mesmos elementos, então

f(x) = U 6= V = f(y).

Com isso, concluímos que a função f : (0, 1) ! P(N) assim definida é injetora,portanto,

card(0, 1) card(P(N))

Agora vamos definir uma função injetora g de P(N) em (0, 1). Escreveremos cadasubconjunto de N como uma sequência binária. Mais precisamente, para cada U 2 P(N)lhe corresponderá a sequência binária b0b1b2b3... como segue

bn

=

(1 se n 2 U

0 se n /2 U

Por exemplo, o conjunto U = {0, 2, 4, 6, ...} tem como correspondência a sequênciabinária

101010

pois

Page 58: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 58

b0 = 1 pois 0 2 U

b1 = 0 pois 1 /2 U

b2 = 1 pois 2 2 U

b3 = 0 pois 3 /2 U...

O conjunto {3} corresponde à 00010, por outro lado, se U corresponde à 010101,então, U = {1, 3, 5, ...}. Se U corresponde à 0000111, então, U contém todos númerosnaturais maiores que três.

Assim, cada conjunto U 2 P(N) será identificado com um sequência binária U =

b0b1b2b3.... Com isso, considere a função g : P(N) ! (0, 1) dada por

g(U) = 0, b0b1b2b3...

Por exemplo,g(010) = 0, 01 =

1

100

g(111) = 0, 111 =1

9

g(1010) = 0, 1010

Vamos mostrar que g é injetora. Sejam U, V 2 P(N), U 6= V .

U = b0b1b2b3...

V = c0c1c2c3...

Para algum n 2 N temos bn

6= cn

, então,

f(U) = 0, b0b1b2b3... 6= c0c1c2c3... = f(V ).

Com isso, concluímos que a função g : P(N) ! (0, 1) é injetora, portanto,

card(P(N)) card(0, 1)

Assim, mostramos o que precisávamos como dito no começo dessa demonstração.Consequentemente card(R) = card(P(N)). ⇤

Page 59: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 59

Será que existe ainda outros conjuntos com cardinalidade diferente dos números na-turais e reais? A resposta é sim. Vimos que se um conjunto finito A possui n elementos, oconjunto das partes de A, P(A), terá 2n elementos. É fácil ver que n < 2n para qualquern 2 N. Isto nos mostra que card(A) < card(P(A)). Se continuarmos tomando as partesdas partes de A indefinidamente e denotando por

P(P(A)) = P 2(A) = 22n

P(P(P(A))) = P 3(A) = 222n

P(P(P(P(A)))) = P 4(A) = 2222

n

......

...

teremos a seguinte desigualdade

n < 2n < 22n< 22

2n

< 2222

n

< . . .

equivalente a uma sequência infinita de cardinais finitos

card(A) < card(P(A)) < card(P 2(A)) < card(P 3(A)) < card(P 4(A)) < . . .

Os próximos dois teoremas são fundamentais para concluirmos nosso trabalho.

Teorema 5.5.2. card(N) < card(P(N)).

Demonstração: Vimos na página 45 que para qualquer conjunto A temoscard(A) < card(P(A)). Basta tomarmos A = N e teremos card(N) < card(P(N)).

Teorema 5.5.3. Há uma sequência infinita ↵0 < ↵1 < ↵2 < ↵3 < ... de cardinaisinfinitos.

Demonstração: Sejam ↵0 = card(N) e ↵1 = card(P(N)), então, pelo Teorema 5.5.2temos

↵0 < ↵1. (5.7)

Agora sejam ↵2 = card(P 2(N)), ↵3 = card(P 3(N)), ... .Pelo que vimos na página 45,tomemos A = P(N), logo, P(A) = P 2(N), então

↵1 < ↵2. (5.8)

Page 60: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 60

Das desigualdades (5.7) e (5.8) temos

↵0 < ↵1 < ↵2.

Em geral, colocando A = P n(N) temos P(A) = P n+1(N), desse modo, denotando ↵n

=

card(P n(A)) e ↵n+1 = card(P n+1(A)), temos

↵n

< ↵n+1.

Portanto, conseguimos construir uma sequência infinita de cardinais infinitos

↵0 < ↵1 < ↵2 < ... < ↵n

< ↵n+1 < ...

equivalente a

card(N) < card(P(N)) < card(P2(N)) < card(P3(N)) < . . . (5.9)

A desigualdade (5.9) nos diz que temos infinitos números cardinais. Para isso, to-mando um conjunto infinito X qualquer, temos um número cardinal. Se tomarmos oconjuntos das partes de X, teremos um outro número cardinal estritamente maior que oanterior. Continuando com esse procedimento, podemos tomar o conjunto das partes daspartes de X e teremos um novo número cardinal estritamente maior que os dois anteriores.Desse modo, se continuarmos tomando sucessivamente o conjunto das partes do conjuntotomado anteriormente, conseguimos encontrar sempre um número cardinal estritamentemaior que o encontrado anteriormente, e podemos fazer isso infinitas vezes. Portanto,temos quantos forem necessários, conjuntos infinitos de tamanhos diferentes.

Sabe-se que no conjunto dos números naturais (N) existe uma relação de ordem muitobem caracterizada: se m,n 2 N, então uma das seguintes condições é válida:

m < n ou n < m ou n = m.

Sabe-se também que esta relação de ordem está definida no conjunto dos númerosreais (R), mas existe uma diferença importantíssima entre a relação de ordem < em Ne em R. O conjunto N com a relação de ordem <, é um conjunto bem ordenado, jáo conjunto R não. Para entender melhor, vamos lembrar a definição de conjunto bemordenado.

Definição 5.5.1. Seja A um conjunto onde está definido uma relação de ordem <. Diz-se

Page 61: O infinito na matemática

5.5 O cubo e o intervalo de reta tem o “mesmo número de elementos”. 61

que A é bem ordenado em relação a < se for verdade a seguinte propriedade: Cada sub-conjunto de A contém um único menor elemento. Equivalentemente, para cada elementox 2 A, existe um único elemento x+ 1 2 A tal que

se y 2 A e se x < y, então x+ 1 < y

O elemento x+ 1 é chamado o sucessor de x.

O conjunto dos números reais não é bem ordenado com a relação usual de ordem <.De fato, se fosse, qual seria o sucessor de 1

2?

É possível provar que "o conjunto dos números cardinais é bem ordenado com aseguinte relação de ordem: card(A) card(B); se existe uma função injetora de A emB." Sendo assim, podemos considerar o sucessor de card(N).

Cantor usou a letra @ (lê-se: álefe) do alfabeto hebraico e denotou o card(N), que é omenor dos números cardinais infinitos, como @0 (lê-se: álefe zero). O próximo infinito édenotado por @1, o seguinte por @2 e assim por diante.

Vimos no teorema 5.2.1 que se um conjunto possui n elementos, o conjunto das partesterá 2n elementos. Com isso, como card(N) = @0, é usual denotar2 o card(P(N)) =

card(R) por 2@0 , isto é, card(P(N)) = 2@0 . Então, da desigualdade (5.9), temos aseguinte desigualdade

@0 < 2@0 < 22@0 < 22

2@0

. . . (5.10)

Por outro lado, sabe-se que

@0 = card(N) < card(R)

logo,@1 card(R).

Lembre que @1 denota o seguinte infinito cardinal depois de @0. Observando a desigualdadeanterior, uma questão bastante natural aparece:

@1 = card(R)?

Ou existe algum conjunto cuja cardinalidade é maior que @1 e menor que card(R)? Du-2Esclarecemos que isto é uma notação, não interpretar como a potência de 2 a um cardinal infinito.

Page 62: O infinito na matemática

5.6 Observações Gerais 62

rante muito tempo esta questão intrigou os matemáticos, só em 1963 o matemático PaulJ. Cohen respondeu esta questão, ele mostrou que não é possível provar ou negar que@1 = card(R).

A afirmação de que @1 = card(R) é conhecida como a hipótese do contínuo. O que osestudos até então apontam é que mesmo aceitar ou não a hipótese do contínuo não tornaa teoria dos conjuntos contraditória, ela apenas se mantém indiferente. Isso é algo muitoincômodo do ponto de vista lógico; como pode a indecisão de uma igualdade ser verdadeiraou falsa não influenciar em uma teoria? A indecisão dessa questão não nos impede deir mais longe. Ainda há estudos para comprovar ou não a veracidade da hipótese docontínuo.

5.6 Observações Gerais

Para encerrarmos a parte teórica do nosso trabalho, não poderíamos deixar de comen-tar sobre a aritmética dos números cardinais. Podemos falar em "somar" e "multiplicar"números cardinais a outros números cardinais e números reais, porém essa "soma" e essa"multiplicação" não é a usual conhecida para números reais, muito menos goza de to-das as propriedades que conhecemos. Para entendermos um pouco como funciona essaaritmética para os números cardinais, mostraremos alguns exemplos.

Vimos que card(N) é denotado por @0. Podemos somar qualquer número real k a @0.Assim, podemos mostrar que3

@0 + k = @0.

É fácil mostrar também quek . @0 = @0.

Além da soma e multiplicação por um número real, podemos somar e multiplicar entreos números cardinais. Desse modo, temos que

@0 + @0 = @0

e que@0 . @0 = @0.

Você pode estar se perguntando: qualquer operação com @0 resultará em @0? A3Aqui deve ser considerado que, se card(A) = ↵ e card(B) = � são cardinais infinitos, então card(A[

B) = ↵+ �.

Page 63: O infinito na matemática

5.6 Observações Gerais 63

resposta é não. Como vimos, no decorrer desta seção, não temos apenas o número cardinal@0. Assim, podemos escrever que

@0 < 2@0 = @1.

Mas cuidado! As operações não são as usuais que estamos acostumados. Acabamosde ver que

@0 + 2 = @0

e@0 + 4 = @0

então, das duas equações acima temos que

@0 + 2 = @0 + 4

o que nos daria2 = 4

o que é um absurdo. Por isso não podemos nos esquecer que é preciso ter cuidado aofalarmos da aritmética dos números cardinais, senão podemos chegar a contradições comovisto acima.

O leitor interessado em se aprofundar no assunto e nas demonstrações dos resultados,recomendamos a leitura dos livros The Mathematics of infinity de Faticoni e Infinity deLieber.

Com isso encerramos a parte teórica do nosso trabalho. Vimos que é possível "contar"a quantidade de elementos de conjuntos infinitos e que eles não possuem sempre a mesma"quantidade" de elementos pelo fato de serem infinitos.

Page 64: O infinito na matemática

64

6 O símbolo 1

Neste capítulo tratamos um pouco da curiosidade do símbolo 1 usado para nosreferirmos ao infinito.

O surgimento de símbolos e fórmulas veio para tornar mais clara e precisa a mate-mática, afim de se evitar contradições, interpretações ambíguas e tornar a matemáticauma linguagem universal; e com isso abrir novos horizontes, tanto no sentido de comuni-cação entre povos diferentes como no sentido de novas descobertas. Por outro lado, hojeem dia, para a maioria dos leigos e estudantes, essa simbologia moderna e rebuscada damatemática a torna um pouco difícil de se compreender.

Quando, na virada do século XVIII, Isaac Newton (1643 � 1727) e Wilhelm Leibniz(1646 � 1716) desenvolveram o cálculo diferencial e integral, houve uma evolução muitogrande na sistematização de símbolos e fórmulas matemáticas, pois havia a necessidadede precisar as teorias que iam sendo descobertas.

O inglês John Wallis (1616 � 1703) foi um estudioso que simplificou e modernizou aescrita da matemática na época. Foi o primeiro a usar o símbolo 1 para se tratar doinfinito. O problema era que o infinito empregava diversos significados, tanto filosóficos,teológicos, como matemáticos. Enquanto Bonaventura Cavalieri (1598-1647), aluno deGalileu Galilei, dividia uma superfície plana por uma quantidade finita de pedaços, Wallisintroduz o uso de um número infinito de paralelogramos de igual tamanho infinitamentepequeno, 1

1 , em que 1 representa o infinito.

Há especulações de que Wallis sabia que além do símbolo romano M ser usado pararepresentar o número 1000, era usado também o símbolo

Figura 26: Símbolo romano para representar números grandiosos.

para representar um número muito grande. A partir daí, talvez Wallis teria usado

Page 65: O infinito na matemática

6 O símbolo 1 65

uma versão cursiva do M, com o símbolo acima e o ômega,

Figura 27: Ômega, última letra do alfabeto grego.

a última letra grega, e criado o símbolo 1 lembrando a curva leminiscata, onde não setem fim ao percorrê-la, ou seja, um caminho sem fim.

O símbolo tornou-se parte integrante da linguagem matemática amparada pelo cresci-mento do cálculo diferencial e integral, sempre se referindo a algo infinitamente pequeno,e não mais dando espaço para outras interpretações do tipo filosóficas ou teológicas.

Mais tarde, Georg Cantor (1845 � 1918) com sua teoria dos conjuntos, usaria outrosímbolo, o @0, para distinguir um segundo tipo de infinito, o infinito actual.

Page 66: O infinito na matemática

66

7 Uma proposta didática

Neste capítulo, apresentamos uma abordagem didática do tema trabalhado na pes-quisa. Analisaremos de forma suscinta diferentes maneiras de como o infinito pode serapresentado e discutido dentro da sala de aula do Ensino Médio.

Partiremos da ideia cultural de que o aluno chega ao ensino médio com uma noçãobásica sobre o infinito e suas particularidades, limitação essa própria da idade escolar.Sendo assim, é imprescindível que o professor esteja bem preparado e que tenha claropara si as concepções de infinito para que traga atividades pedagógicas instrutivas e desimples compreensão sobre o assunto.

Percebemos pelo nosso questionário que os alunos possuem a ideia errada de que oinfinito é um número ou de que simplesmente é algo muito grande. Quando questionadossobre a quantidade de números entre 0, 18 e 0, 6, por exemplo, muitos tentam contar,outros afirmam ser infinito; mas infinito no sentido de um número muito grande, umlugar muito distânte. Com isso, queremos propor exemplos simples para serem dadosem sala de aula a fim de esclarecer esses conceitos equivocados que os alunos possuem.Feito isso, podemos ir um pouco além, espandindo o conceito de infinito trazendo novassituações que os façam pensar.

O mais comum é a ideia do infinito potencial que, em poucas palavras, é algo que nãotem fim, que sempre podemos continuar. É mais fácil para o aluno lidar com esse tipo deinfinito, pois é mais intuitivo e presente no cotidiano. Já o infinito actual é um tipo deinfinito distante para o aluno. É com ele que queremos trabalhar e mostrar aos alunos oconceito correto de infinito e que é possível ter diferentes infinitos.

Para começarmos, vamos falar sobre como contar o número de elementos de conjuntosfinitos e infinitos.

Page 67: O infinito na matemática

7.1 Número de elementos 67

7.1 Número de elementos

Nesta seção, buscaremos dar a ideia de contagem, ou seja, como contamos a quanti-dade de elementos de um conjunto finito? Desde o surgimento da humanidade há necessi-dade de contagem. No começo o homem ia marcando em um pedaço de osso ou em umavara, ou fazendo nós em uma corda ou ainda juntando pedras para contar a quantidadede ovelhas que possuia, por exemplo.

Então ele associava aquela quantidade marcada a quantidade de animais, podendoassim, saber a quantidade de que possuia. Essa ideia primitiva e muito simples é essencialpara entendermos o infinito. Vamos ver alguns exemplos de como podemos ilustrar essaideia aos alunos.

Exemplo 7.1.1. Hoje com o nosso sistema de numeração é fácil contarmos quantas letraspossui o alfabeto. O que fazemos instantaneamente é associar o número 26 com a somade cada uma das letras.

Até ai tudo bem, mas temos situações que não são tão simples assim contar a quan-tidade de elementos de um certo conjunto finito. Vamos aos próximos exemplos.

Exemplo 7.1.2. Um fazendeiro possui muitas cabeças de gado a se perder de vista nohorizonte. Possuidor de uma área de 2000m2 exclusiva para o gado, precisando saber aquantidade de gado que possui, resolve contá-las. Contando uma a uma ele até poderáconseguir, mas levará muito tempo e pode correr o risco de se perder no meio da contagem.Então, pensando um pouco, e vendo que um gado em média ocupa aproximadamente umaárea de 2m2 e que toda a área reservada ao gado está ocupada, basta ele dividir o valortotal da área destinada aos animais por esse último valor obtendo 2000m2/2m2 = 1000

cabeças de gado.

O exemplo acima mostra que podemos associar a quantidade de elementos de umconjunto a outro para descobrirmos o total de elementos de um deles já conhecendo do

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7.1 Número de elementos 68

outro. Essa associação não é única, mas deve ser de modo que cada elemento de umconjunto seja associado a um único elemento do outro conjunto de modo que nenhum ele-mento fique sobrando. Então, podemos dizer que cada metro quadrado da área destinadaao gado represente os elementos do conjunto que chamaremos A. Sabendo a quantidadede elementos que o conjunto A possui e que podemos associar cada elemento dele a umaúnica cabeça de gado sem que reste nenhum gado e nenhum metro quadrado, então sa-bemos que o conjunto A e o conjunto das cabeças de gado possuem a mesma quantidadede elementos; podendo assim, concluir a quantidade de gado (aproximada).

Exemplo 7.1.3. O dono de uma granja de ovos precisa saber todo dia a quantidade deovos que produz. Porém, ele perderia um bom tempo para contar ovo por ovo todos osdias. Para resolver esse problema, ele conta apenas a quantidade de caixas de ovos queele embala, e sabendo que em cada caixa há 12 ovos, basta ele multiplicar a quantidadede caixas do dia por 12 e facilmente ele chega no número de ovos produzidos.

Neste outro exemplo estamos associando cada elemento do conjunto de ovos com umespaço dentro de uma caixa do conjunto de caixas.

Assim, é fácil encontrar a quantidade de elementos de qualquer conjunto finito, bastaestabelecer uma relação de um para um com outro conjunto finito que já é conhecidosua quantidade de elementos.

Como já falamos, os alunos acabam se equivocando quando se deparam com umaquantidade muito grande e o infinito. No próximo exemplo podemos perceber essa con-fusão.

Exemplo 7.1.4. Peça a alguém para contar a quantidade de grãos de areia existente napraia de Copacabana. Praticamente todas as pessoas responderam que é impossível ouque são infinitos grãos. Isso é um grande equívoco, pois a quantidade de grãos de areiapor maior que seja, é um número finito, e então possível de se contar. Lógicamente queninguém conseguirá contar grão por grão, mas por estimativa é possível estabelecer um

Page 69: O infinito na matemática

7.2 O infinito como um “número” grande? 69

número muito grande, mas finito, por meio de uma relação entre cada grão de areia comum elemento de um outro conjunto finito que se conheça previamente a sua quantidadede elementos, representando assim a quantidade de grão de areia.

Usando o exemplo acima, sugerimos que o professor leve uma caixa de sapato (porexemplo) cheia de areia e desafie os alunos a contarem a quantidade de grãos dentro dacaixa. Deixe que os alunos tentem um pouco. Em seguida, mostre que é possível estimara quantidade de grãos contida na caixa. Basta espalharmos de forma homogênea umaquantidade pequena de grãos sobre uma mesa lisa, de modo que fique apenas um grão aolado do outro, sem que nenhum fique em cima do outro. Delimite um quadrado de 1cm

de lado e com a ajuda de uma lupa, conte os grãos de areia presentes neste quadrado.Feito isso, calcule quantos quadrados de 1cm de lado cabem na área da base da caixa desapato e multiplique essa quantidade pelo números de grãos encontrado no quadrado. Emseguida, multiplique o resultado pela medida da altura da caixa descobrindo o total degrãos dentro da caixa. Mesmo sendo um processo trabalhoso, vê-se que é possível calculara quantidade total de grão de areia, e essa quantidade é representada por um númerofinito.

Com esses tipos de situações podemos desmistificar essa relação do infinito com umnúmero muito grande. Vamos nos aprofundar mais sobre o assunto na próxima seção.

7.2 O infinito como um “número” grande?

Podemos pensar em situações que nossa intuição nos engana a respeito de quantidadesmuito grandes que fogem do nosso domínio. Uma delas é a do exemplo 7.1.4 da seçãoanterior, outra é sobre distâncias muito grandes que são difíceis de se imaginar comona distância do planeta Terra ao Sol, das distâncias entre galáxias, ou contar os númerosnaturais pelo resto da vida. São situações que se pararmos para pensar um pouco podemoschegar a um número como resposta, um valor finito. Então, por maiores que sejam essesnúmeros, não podemos afirmar que é infinito.

Vamos mostrar aos alunos que não há algo físico suficientemente grande que não possaser contado e que não é necessariamente tão grande como parece, vamos ver o seguinteexemplo.

Exemplo 7.2.1. Pergunte aos alunos qual é o maior número que eles conseguem pensar.Em seguida, peça que cada um deles tente falar um número maior que o do colega.

Page 70: O infinito na matemática

7.2 O infinito como um “número” grande? 70

Não é preciso pensar muito, basta somar 1 ao número falado que esse novo número serámaior que o anterior. Assim, não há um número maior que todos ou tão grande que nãoconseguimos um maior. Agora, podemos escolher o maior dos números falados e que sejaconsiderado por todos da turma como muito grande. Podemos afirmar que esse númeropode não ser tão grande como parece. Na verdade, pode ser considerado um número bempequeno. Mas como isso é possível? Vamos pensar no número um quatrilhão

1.000.000.000.000.000 = 1015

Praticamente para qualquer coisa do nosso dia a dia esse número seria absurdamentemuito grande. Mas se tomarmos o número

10100,

ou seja, o dígito 1 seguido de cem zeros. O número 1015 já não parece ser tão grandeassim, conseguimos mostrar um número muito maior que ele. O número em questão é umnúmero especial, 10100 é chamado de Googol1 .

Para termos a noção do quão grande é esse número, se contarmos a quantidade deátomos em todo o universo, não daria um googol, ou então, se pensarmos no surgimento douniverso há aproximadamente 14 bilhões de anos, ou aproximadamente 4, 7.1017 segundos,não daria nem um googol de milésimos de segundo. Note que mesmo muito grande, umgoogol é um número finito. Temos também o número chamado de googolplex, que nadamais é que dez elevado a um googol

10googol,

ou seja, o dígito 1 seguido de um googol de zeros.

Esses números imensos, ou astronômicos, como queiram chamar, servem para dife-renciarmos um número muito grande do infinito. Queremos concluir que mesmos essesnúmeros gigantescos são tão pequenos quanto o número 1 quando comparados com oinfinito. Assim, não há quantidade finita em todo o universo que podemos chamar deinfinito.

Pode-se propor o seguinte exercício aos alunos.1O matemático Edward Kasner, da Universidade da Columbia, pediu ao seu sobrinho de oito anos

que inventasse um nome para dar a um número muito grande, mas que não fosse infinito, então surgiu otermo googol, que foi apresentado no livro "Matemática e Imaginação".

Page 71: O infinito na matemática

7.3 “Contando” o infinito 71

Exemplo 7.2.2. (Contando sempre). Pergunte aos alunos qual é o maior número queuma pessoa consegue contar durante toda a sua vida. Pode ser que muitos repondaminfinitos, ou muitos, ou vários, ou um número muito grande, etc. É possível mostrar queesse número é pequeno. Suponha que uma pessoa a partir dos 10 anos inicie contando osnúmeros até sua morte (em média 75 anos), sendo que, suporemos que cada número leve1 segundo para ser falado. Obviamente existirão números que levam mais de um segundopara serem falados, mas suporemos isto por comodidade. Até que número chegaria?Supondo que uma pessoa conte durante 65 anos, como um ano tem 365 dias, um dia tem24 horas, uma hora tem 60 minutos e um minuto tem 60 segundos, então, teremos queessa pessoa chegará a contar, apenas até o número 2.049.840.000 (dois bilhões, quarentae nove milhões e oitocentos e quarenta mil). Não é um número tão grande como podeparecer a princípio, há muitas coisas do cotidiano que são maiores que esse número quepodem servir de exemplo para convencer os alunos que o número encontrado não é tãogrande como parece; por exemplo o número de estrelas no céu, a quantidade de grãos deareia já visto, quantidade de átomos, etc.

7.3 “Contando” o infinito

Depois de falarmos de como contar o número de elementos de um conjunto finito ever que não há um número tão grande que possa ser comparado ao infinito, vamos vercomo podemos “contar” o número de elementos de um conjunto infinito.

Não podemos contar todos elementos de um conjunto infinito um a um, mas então,será possível contar todos os elementos de um conjunto infinito? A ideia é bem simples.Se conseguirmos colocar cada elemento de um conjunto infinito enfileirados, ou seja, or-denados como numa fila, um atrás do outro, em sequência, podemos então, enumerá-los.Isso significa que podemos associar cada elemento dessa fila com os números naturais,por exemplo: o primeiro elemento é associado com o número um, o segundo elemento éassociado com o número dois, o terceiro elemento é associado com o número três, e assimpor diante.

Page 72: O infinito na matemática

7.3 “Contando” o infinito 72

Desse modo podemos dizer que há uma associação de um para um do conjunto infi-nito em questão com os números naturais, ou ainda, há uma associação biunívoca entreesses conjuntos. Assim como foi feito nos exemplos 7.1.2, 7.1.3 e 7.1.4 para calcular aquantidade de elementos de conjuntos finitos, podemos fazer algo semelhante para con-juntos infinitos, associando cada elemento de um conjunto infinito com um elemento doconjunto dos números naturais. Portanto, concluímos que se conseguimos essa associaçãode um conjunto infinito com o conjunto dos números naturais, esse conjunto tem a mesma“quantidade” de elementos dos números naturais.

Para exemplificar essa ideia aos alunos, é interessante voltarmos na página 40 e per-guntar a eles, qual dos dois conjuntos tem mais elementos? O dos números naturais ou dosquadrados perfeitos? Depois de alguns minutos para que eles pensem e respondam, ex-plicar a ideia de Galileu, de associar os elementos de cada conjunto um a um. Mostrandoassim que ambos os conjuntos possuem a mesma “quantidade” de elementos.

Recomendamos também que o leitor use os exemplos 5.3.3, 5.3.4 e 5.3.6 para mostraraos alunos como temos que ter cuidado ao falarmos da “quantidade” de elementos de con-juntos infinitos, pois mesmo parecendo que uns tem mais elementos que outros, podemosfacilmente estar enganados.

Deixamos a critério do professor e de sua criatividade o uso dos exemplos citadosacima para tornar a situação mais lúdica e motivadora para os alunos. Vejamos umexemplo.

Exemplo 7.3.1. Podemos pensar no conjunto dos numeros naturais como uma quanti-dade de pessoas e o conjunto dos números pares como a numeração das poltronas de umteatro. Imagine essas pessoas em fila na porta de fora do teatro esperando para entrar ese acomodar em cada poltrona. A primeira pessoa irá se sentar na poltrona de númerodois, a segunda pessoa irá se sentar na poltrona de número quatro, a terceira pessoa iráse sentar na poltrona de número seis, ou seja, cada pessoa irá se sentar na poltrona cujonúmero é o dobro de sua posição na fila. Assim, podemos saber em qual assento qualquerpessoa está sentada; por exemplo: a pessoa de posição 30 na fila está sentada na poltronade número 60, a pessoa de posição 47 na fila está sentada na poltrona de número 94. Tam-bém podemos saber qual pessoa está em qualquer poltrona; por exemplo: na poltrona denúmero 12 está a pessoa da posição 6 na fila, na poltrona 506 está a pessoa da posição253 na fila.

Page 73: O infinito na matemática

7.3 “Contando” o infinito 73

Todas as pessoas terão sua poltrona garantida, e toda poltrona terá uma pessoaocupando-a, portanto, podemos concluir que os números naturais e os pares possuem amesma “quantidade” de elementos. Podemos também usar como motivação o problemado Hotel de Hilbert.

Vale lembrar que o professor deve sempre alertar os alunos na hora de comparar,ou associar os elementos entre dois conjunto infinitos, pois como já vimos, o infinito nosengana a todo o momento. Será que não há nenhum conjunto infinito que não conseguimoscolocá-los em fila de modo a associá-los aos números naturais como fizemos até agora?É preciso ter certeza que podemos associar um a um os elementos entre dois conjuntosinfinitos.

Neste momento, depois de fazer vários exemplos onde podemos enumerar vários con-juntos infinitos e mostrar aos alunos conjuntos diferentes que são difíceis de imaginarque possuem a mesma “quantidade” de elementos, é precisor frisar que também existemconjuntos infinitos que não é possível enumerá-los, como foi feito até agora.

Um exemplo disso é o conjunto dos números reais, que não é possível de ser enumerado,ou seja, não conseguimos colocar todos seus elementos em ordem, numa fila, um depoisdo outro. Podemos trabalhar com os alunos da seguinte maneira.

Exemplo 7.3.2. Considere o conjunto dos números reais e tente colocá-los em ordem,como numa fila. Para isso, temos que ter um primeiro elemento e o sucessor dele, depoiso sucessor do segundo e assim por diante. Isso quer dizer, por exemplo, que o número real2, 7 ocupará alguma posição nessa fila e terá um sucessor. Podemos dizer que o número2, 8 seja o sucessor do 2, 7 na fila? Será que não há outro? E quanto ao número 2, 79?E o 2, 71? E o 2, 700001? Percebe que seria impossível achar um sucessor para o número2, 7 ou qualquer outro que seja? Temos infinitos números reais entre dois números reais

Page 74: O infinito na matemática

7.3 “Contando” o infinito 74

quaisquer, bastar somá-los e dividí-los por dois que encontramos um novo número entreeles. Essa tentativa de ordenar os números reais nos da uma intuição de que não é possívelenumerá-los de maneira a termos o primeiro elemento, o segundo, o terceiro, etc... Porém,há um método bastante simples que fica mais claro que é impossível enumerar o conjuntodos números reais.

No próximo exemplo utilizamos o famoso método da diagonal desenvolvido por Cantorpara mostrar que o conjunto dos números reais não pode ser enumerado.

Exemplo 7.3.3. Vamos supor que há um modo de enumerarmos o conjunto dos númerosreais. Assim, vamos colocar todos os números entre 0 e 1 em uma ordem qualquer comona tabela abaixo.

N1 0, 23647 . . .

2 0, 09848 . . .

3 0, 10982 . . .

4 0, 28364 . . .

5 0, 65915 . . ....

...

Estamos supondo que todos os números reais entre 0 e 1 estão listados na tabela acimae numerados de acordo com os números naturais. Vamos tomar o número 0, 29965 . . .

obtido pelo primeiro dígito decimal do primeiro número, pelo segundo dígito decimaldo segundo número, pelo terceiro dígito decimal do terceiro número e assim por diante.Agora, mude cada dígito desse número obtendo um novo número, por exemplo: 0, 31728 . . .Observe que esse segundo número é diferente do primeiro da tabela, pois seu primeirodígito foi alterado, é diferente do segundo número da tabela, pois seu segundo dígito foialterado, é diferente do terceiro número da tabela, pois seu terceiro dígito foi alterado, eassim por diante. Logo, podemos concluir que o número 0, 31728 . . . não está listado natabela, pois acabamos de ver que ele será diferente de todos, pois seu n-ésimo dígito serádiferente do n-ésimo número da tabela para qualquer número natural n. Portanto, nãoconseguimos listar todos os números reais e associá-los aos números naturais. Concluímosentão que não podemos enumerar o conjunto dos números reais.

Note que na listagem da tabela no exemplo anterior sobram infinitos números reaissem serem listados, ou seja, conseguimos associar todos os números naturais com algunsdos números reais e mesmo assim sobram infinitos números. Podemos dizer então que, oconjunto infinito dos números reais é maior que o conjunto infinito dos números naturais.

Page 75: O infinito na matemática

7.4 Diferença entre o infinito potencial e actual 75

Assim, abusando um pouco da linguagem, podemos dizer aos alunos que há infinitos“maiores” que os outros. Por tal motivo, não podemos mais falar de “número” de elemen-tos, e sim de cardinalidade. O exemplo 5.4.2 e a proposição 5.5.1 podem ser propostoscomo desafios para os alunos, de maneira informal, para que eles possam enchergar comodois conjuntos diferentes podem ter a mesma cardinalidade.

7.4 Diferença entre o infinito potencial e actual

Nesta seção traremos algumas sugestões de como apresentar aos alunos a diferençaentre o infinito potencial e o infinito actual.

Um exemplo simples que o professor pode usar para introduzir a diferença entre osinfinitos é o exemplo 7.2.2. Essa possibilidade de sempre poder dizer um número maiorque o anterior (seu sucessor no caso dos naturais) é o que caracteriza o infinito potencial.Podemos pensar na totalidade dos números naturais, dos quais não conseguimos contartodos, como vimos no exemplo, é o que chamamos de infinito actual.

Vamos lembrar do Hotel de Hilbert, onde tínhamos um hotel com infinitos quartosnumerados pelos números naturais. Peça para cada aluno pensar em um quarto do hotelque tenha o maior número de todos. Em seguida peça que eles falem os números pensadose mostre que não é possível dizer o maior número, pois sempre podemos dizer o númeroque foi falado somado de 1 que será maior. Podemos sempre pensar em um númeromaior, pois são infinitos números, não tem fim, esse infinito é caracterizado como infinito

potencial.

Agora, o mais intrigante é tentar falarmos na “quantidade” de quartos desse hotel.Instigue os alunos a pensarem se não é possível pensar nessa questão. Deixe bem claroque não podemos dar um valor finito, pois são infinitos quartos e já vimos que o infinitonão é um número, porém, podemos explicar aos alunos que há os números cardinais(números transfinitos) que são usados para falar da “quantidade” de infinitos elementos.Desse modo, a “quantidade” de quartos do hotel de Hilbert é um número cardinal quecaracteriza o infinito actual.

Outra situação interessante para mostrar aos alunos é o exemplo do Aquiles e a tar-taruga. O professor pode escrever as seis primeiras distâncias percorridas pelo Aquilesno quadro e perguntar se alguém tem alguma ideia se ele conseguirá alcançar a tarta-ruga. Deixe claro que as distâncias somadas são cada vez menores, parecendo que Aquilesnunca alcançará a tartaruga. Mostre que aqui aparece o infinito potencial. É importante

Page 76: O infinito na matemática

7.4 Diferença entre o infinito potencial e actual 76

também explicar ao aluno que na época do surgimento desse problema, só era pensado oinfinito potencial, por isso era considerado um problema sem resolução. Por outro lado,com o surgimento da ideia do infinito actual foi possível dar uma explicação lógica parao problema.

Além dessas situações que podemos ver a diferença entre o infinito potencial e actual,temos também a aproximação da área da circunferência por polígonos e outros exemplosvistos no capítulo 4. Fica a cargo do professor usar os vastos e ricos conteúdos na ma-temática, e até no cotidiano, e encontrar outras situações onde podemos diferenciar oinfinito potencial e actual.

Para encerrarmos, traremos um exemplo interessante mostrando uma particularidadedo infinito actual estudado neste capítulo e em toda esta dissertação e do que somoscapazes de fazer com ele.

Exemplo 7.4.1. Imagine um segmento de 1cm de comprimento. Podemos colocar tudoo que já foi escrito em livros pela humanidade e mais o que ainda virá a ser escrito dentrodeste segmento, associando cada palavra ou frase a um número entre 0 e 1 deste segmento.Vamos numerar a letra A por 01, a letra B por 02 e assim por diante como no esquema

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14

# # # # # # # # # # # # # #A B C D E F G H I J K L M N

15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27

# # # # # # # # # # # # #O P Q R S T U V W X Y Z �

Note que adicionamos um espaço e numeramos por 27. Desse modo, podemos associara palavra “infinito” ao número

0, 0914060914092015

ou seja, sempre começando por 0, ... pois os números deste segmento estão entre 0 e 1.

Podemos associar a frase “Infinito na matemática” a um ponto deste segmento daseguinte maneira

0, 09140609140920152814012813012005130120090301.

Page 77: O infinito na matemática

7.4 Diferença entre o infinito potencial e actual 77

Assim, podemos associar qualquer palavra, frase, texto e até mesmo um livro inteiroa um único número real entre 0 e 1. Como temos infinitos números entre 0 e 1 e aforma que associamos cada palavra a esses números é única, podemos colocar tudo o quea humanidade já escreveu dentro deste segmento de comprimento igual a 1cm e aindasobrará muito espaço para colocar todo o restante que ainda será escrito.

Este é um bom exemplo para ilustrar do que somos capazes de fazer com o infinitoactual. Há inúmeros outros exemplos e situações interessantes envolvendo o infinito, bastausarmos nossa criatividade para surpreender nossos alunos e mostrar como a matemáticaé interessante e desafiadora. Mas para isso, é preciso ter o conceito de infinito ou dequalquer outro assunto muito bem claro, caso contrário estamos fadados a esbarrarmosem situações contraditórias e absurdas.

Page 78: O infinito na matemática

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8 Conclusão

Vimos neste trabalho um pouco do quão grande e importante é a aplicação do infinitona matemática e como é sutíl falarmos dele. São diversas situações que nos deparamose nos enganamos a respeito do infinito. São diversas situações que parecem não fazersentido, não ter lógica, mas que com a compreensão correta sobre o infinito, há explicaçõesconcretas.

O questionário realizado nos mostra e nos confirma um cenário de que os alunosnão tem, na maioria das vezes, a ideia e não fazem o uso correto do infinito. Muitasvezes encontramos o uso do termo infinito de maneira equivocada e o conceito de infinitodeturpado. Diante disso, fomos inspirados a escrever essa dissertação a fim de trazer,de uma maneira menos formal e mais didática, para que o professor interessado possa seatualizar e passar a seus alunos a maneira correta de falar sobre o infinito.

É importante que se tenha o pleno domínio dos conceitos aqui trabalhados como asnoções básicas da teoria dos conjuntos e de funções de maneira geral. É extremamentenecessário entender a diferença entre o infinito potencial e actual, pois como vimos nestetrabalho, há uma interação entre eles. Também no seu contexto histórico, a necessidadedo uso do infinito para o desenvolvimento da matemática.

Entendemos que todos os pontos levantados aqui são de suma importância para aformação e desenvolvimento profissional do professor, para que ele posse ao aluno deforma correta o uso do infinito em suas diversas aplicações, bem como o uso correto dostermos envolvidos. Fazer com que o aluno tenha uma visão clara do que é o infinito namatemática e como isso pode influenciar no seu dia-a-dia.

Page 79: O infinito na matemática

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Referências

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VELLEMAN, D. J. How to prove it: A Structured Approach. 2o edição. Cambridge:Cambridge University Press, 2006.

Page 80: O infinito na matemática

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APÊNDICE A

Neste apêndice lembraremos alguns fatos básicos sobre a convergência e divergênciade séries e veremos alguns exemplos que foram mencionados ao longo do texto e que sãoimportantes.

Se tentarmos adicionar os termos de uma sequência infinita {an

}+1n=1, obteremos uma

expressão da formaa1 + a2 + a3 + ...+ a

n

+ ...

que é denominada uma série infinita (ou apenas uma série) e é denotada, por abreviação,pelo símbolo

+1X

i=1

ai

.

Dada uma série+1X

i=1

ai

= a1 + a2 + a3 + ..., denote por sn

sua n-ésima soma parcial:

sn

=nX

i=1

ai

= a1 + a2 + ...+ an

.

Se a sequência {sn

} for convergente e limn!1

sn

= s existir como um número real, então a

série+1X

i=1

ai

é denominada convergente, e escrevemos

a1 + a2 + ...+ an

+ ... = s ou+1X

i=1

ai

= s.

O número s é chamado soma da série. Caso contrário, a série é dita divergente.

Exemplo A.0.2. Mostraremos que a série geométrica+1X

k=0

rk, com |r| < 1, é convergente

e tem como soma 11�r

.

Page 81: O infinito na matemática

Apêndice A 81

Sabemos quenX

k=0

rk = 1 + r + r2 + ...+ rn =1� rn+1

1� r.

Como |r| < 1, limn!1

rn+1 = 0. Daí

limn!1

nX

k=0

rk = limn!1

1� rn+1

1� r=

1

1� r.

Logo, a série dada é convergente e tem como soma 11�r

. Em outras palavras,

+1X

k=0

rk =1

1� r.

Lembraremos agora algumas propriedades elementares de séries.

Propriedade A.0.1.

(a) Seja k um número real dado. Se+1X

i=1

ai

for convergente, então+1X

i=1

kai

será convergente

e+1X

i=1

kai

= k+1X

i=1

ai

.

(b) Se+1X

i=1

ai

e+1X

i=1

bi

forem convergentes, então+1X

i=1

(ai

± bi

) será convergente e

+1X

i=1

(ai

± bi

) =+1X

i=1

ai

±+1X

i=1

bi

.

A prova desta propriedade pode ser encontrada em Guidorizzi (2002, p.17).

Critério de Comparação: Sejam as séries+1X

n=1

an

e+1X

n=1

bn

. Suponhamos que exista

um número natural k tal que, para todo n � k, 0 an

bn

. Nestas condições, tem-se:

1. Se+1X

n=1

bn

é convergente, então,+1X

n=1

an

é convergente.

2. Se+1X

n=1

an

é divergente, então,+1X

n=1

bn

é divergente.

A prova deste critério de comparação pode ser encontrada em Guidorizzi (2002, p.44).

É fácil ver também a seguinte propriedade, e deixamos a prova dela como um exercíciopara o leitor.

Page 82: O infinito na matemática

Apêndice A 82

Propriedade A.0.2. Se+1X

n=1

an

é uma série convergente de termos não negativos, tal que,

an

> 0 para algum valor de n, então

0 <+1X

n=1

an

.

Como uma consequência direta desta propriedade, temos o seguinte:

Propriedade A.0.3. Se+1X

n=1

an

e+1X

n=1

bn

são séries convergentes de termos não negativos,

então, se an

bn

para todo n e se an

< bn

para ao menos um valor de n, então

+1X

n=1

an

<+1X

n=1

bn

Exemplo A.0.3. Vamos mostrar com mais detalhes porque a série harmônica é diver-gente. Vimos no exemplo 2.3.2 a seguinte desigualdade

+1X

n=1

1

n= 1 +

1

2+

1

3+

1

4+

1

5+ ... > 1 +

1

2+

1

2+

1

2+ ...,

ou seja, cada termo da série harmônica é maior ou igual que a série do segundo termoda desigualdade, que é uma série divergênte. Deste modo, pelo critério de comparação, a

série harmônica+1X

n=1

1

né divergente.

O próximo exemplo será muito importante para o apêndice B.

Exemplo A.0.4. Afirmamos que 0, 999... = 1. De fato, como

0, 999... =9

10+

9

102+ ... =

+1X

n=1

9

10n.

Vamos mostrar que a série+1X

n=1

9

10nconverge para 1. Note que é uma série geométrica de

razão 110 . Deste modo, pelo o que foi visto no exemplo A.0.2, temos que

+1X

n=1

9

10n=

910

1� 110

= 1.

Assim, concluímos que 0, 999... = 1.

Page 83: O infinito na matemática

83

APÊNDICE B

Iremos fazer a prova do item 3 da demonstração da proposição 5.5.1 que nos diz oseguinte:

Todo número real admite uma representação decimal infinita. Mas ainda, existemduas possíveis situações: a representação é única ou existem unicamente duas representa-ções, uma finalizando em uma sequência infinita de zeros e a outra finalizando com umasequência infinita de noves.

Prova:

Seja x um número real dado. Por comodidade, suporemos que x � 0. O outro casoé similar. Se x = m, 000... é uma expansão decimal de x (com m > 0) , então, é fácilverificar que m� 1, 999... é outra expansão decimal para x.

Por outro lado, sex = m,m1m2...mn�1mn

000...

é uma expansão decimal para x, é fácil verificar que

m,m1m2...mn�1(mn

� 1)999...

é uma outra expansão decimal para x.

Veremos agora a situação mais interessante. Suponhamos que o número x admiteduas representações decimais infinita, digamos

m,m1m2m3...

en, n1n2n3...

Vejamos os seguintes casos a considerar.

Page 84: O infinito na matemática

Apêndice B 84

Caso 1: m < n.

Neste caso, suponhamos que algum dos m1, m2, m3, ... seja estritamente menor que9. Se isto for verdade, teremos que

x = m,m1m2m3... = m++1X

i=1

mi

10i< m+

+1X

i=1

9

10i= m+ 1 n x

Note que na penúltima desigualdade, como m e n são números naturais e m < n,então, m+ 1 não pode passar de n, será no máximo n, e pelo exemplo A.0.4 no apêndice

A,+1X

i=1

9

10i= 1.

Juntando os extremos da desigualdade acima, vemos que temos um contradição. Estacontradição é originada pela suposição de que algum dos m

i

é estritamente menor que 9.Logo, nosso caso 1 teremos que: se

x = m,m1m2m3... = n, n1n2n3...

com m < n, então, necessariamente

m,m1m2m3... = m, 999...

ex = m+ 1 = n

de onde temos então quex = m, 999... = n = n, 000...

Caso 2: m = n.

Neste segundo caso, sejat = min

i

{mi

6= ni

}

isto é, t é o menor índice em i no qual mi

6= ni

. Por comodidade consideramos quem

t

< nt

(a outra situação será similar).

Suponhamos que neste segundo caso seja verdade que

mj

< 9 para algum j > t.

Page 85: O infinito na matemática

Apêndice B 85

Sob esta suposição neste segundo caso e pela propriedade A.0.3 (vide apêndice A), obtemos

x = m++1X

i=1

mi

10i= m+

tX

i=1

mi

10i+

+1X

i=t+1

mi

10i= n+

t�1X

i=1

ni

10i+

mt

10t+

+1X

i=t+1

mi

10i

< n+t�1X

i=1

ni

10i+

mt

10t+

+1X

i=t+1

9

10i= n+

t�1X

i=1

ni

10i+

mt

10t+

1

10t= n+

t�1X

i=1

ni

10i+

(mt

+ 1)

10t

n+t�1X

i=1

ni

10i+

nt

10t= n+

tX

i=1

ni

10i= n, n1n2...nt

x

portanto, os extremos e a desigualdade extrita no processo intermediário chegamos a umacontradição. Logo,

mi

= 9 para todo i > t.

Assim, temos quex = m,m1m2...mt

999... = n, n1n2...nt

nt+1...

comm = n, m

i

= ni

para todo i = 1, 2, ..., t� 1 onde t = mini

{mi

6= ni

}.

Vejamos agora queni

= 0 para todo i > t.

De fato, seni

> 0 para algum i > t,

então, pela propriedade A.0.3 do apêndice A

x = n, n1n2...nt�1nt

nt+1... = n+

t�1X

i=1

ni

10i+

nt

10t+

+1X

i=t+1

ni

10i

> n+t�1X

i=1

ni

10i+

nt

10t,

pois ni

> 0 para algum i > t. E pela condição de t neste segundo caso, teremos

n+t�1X

i=1

ni

10i+

nt

10t= m+

t�1X

i=1

mi

10i+

nt

10t.

Por outro lado, como estamos supondo que mt

< nt

, então, mt

+ 1 nt

, assim

m+t�1X

i=1

mi

10i+

nt

10t� m+

t�1X

i=1

mi

10i+

mt

+ 1

10t= m+

t�1X

i=1

mi

10i+

mt

10t+

1

10t

Page 86: O infinito na matemática

Apêndice B 86

= m+tX

i=1

mi

10i+

+1X

i=t+1

9

10i� x.

Juntando os extremos e a desigualdade extrita que aparece no meio, teremos uma contra-dição, logo

ni

= 0 para todo i > t,

assimx = m,m1m2...mt�1mt

999... = n, n1n2...nt�1nt

000...

comm = n, m

i

= ni

para todo i = 1, 2, ..., t� 1 e mt

+ 1 = nt

.

Provando assim a afirmação também neste segundo caso.

Page 87: O infinito na matemática

87

APÊNDICE C

Iremos fazer a prova do item 4 da demonstração da proposição 5.5.1 que nos diz oseguinte:

Se 0, x1x2x3... = 0, y1y2y3..., são duas representações decimais infinitas, tal que0 x

i

9 e 0 yi

9, para cada i 2 N e se

(a) 0, x1x2x3... = 0, y1y2y3...

(b) 0, xi

xi+1xi+2... < 1 e 0, y

i

yi+1yi+2... < 1 para todo i 2 N

então, xn

= yn

para todo n � 1.

Prova:

A prova será feita por indução em n. Por hipótese

0, x1x2x3... = 0, y1y2y3... (C.1)

Provaremos que sob as condições colocadas, xn

= yn

para todo n � 1. Vejamos quex1 = y1. Multiplicando em ambos os membros de (C.1) por 10 obtemos

x1, x2x3x4... = y1, y2y3y4...

que pode ser escrito como

x1 + 0, x2x3x4... = y1 + 0, y2y3y4...

Por comodidade, denotemos 0, x2x3x4... e 0, y2y3y4... por a e b, respectivamente. Isto é,

a = 0, x2x3x4... e b = 0, y2y3y4...

Já que por hipótese0, x2x3x4... < 1 e 0, y2y3y4... < 1,

Page 88: O infinito na matemática

Apêndice C 88

então,0 a < 1 e 0 b < 1

de onde�1 < a� b < 1.

Por outro lado, com estas novas representações

x1 + a = y1 + b

assimx1 � y1 = b� a.

Como x1�y1 é um número inteiro, então b�a é um número inteiro que, pelo descrito acima,é maior que �1 e menor que 1. Deste modo, concluímos que b�a = 0 e, consequentemente,x1 = y1.

Consideremos agora a seguinte hipótese de indução: seja n > 1 um número natural e

x1 = y1, x2 = y2, ..., xn�1 = y

n�1.

Provaremos que sobre esta hipótese xn

= yn

.

De fato, de modo similar à primeira etapa, multiplicando por 10 em ambos os membrosda igualdade (C.1) teremos

x1, x2x3x4... = y1, y2y3y4...

de ondex1 + 0, x2x3x4... = y1 + 0, y2y3y4...

já que x1 = y1 (hipótese de indução), então,

0, x2x3... = 0, y2y3... .

Multiplicando em ambos os membros por 10 obtemos

x2 + 0, x3x4... = y2 + 0, y3y4... .

Como x2 = y2 (hipótese de indução), concluímos que

0, x3x4... = 0, y3y4... .

Page 89: O infinito na matemática

Apêndice C 89

Repetindo este argumento, pois por hipótese de indução

x1 = y1, x2 = y2, ..., xn�1 = y

n�1,

concluímos que0, x

n

xn+1... = 0, y

n

yn+1... .

Usando novamente o argumento da primeira etapa podemos concluir que xn

= yn

.

Assim,xn

= yn

para todo n > 1.