UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM
MARCELA DE CASTRO ÁVILA AGUIAR
O INSÓLITO EM MURILO RUBIÃO: UMA ANÁLISE
ESTILÍSTICO-COMPARATIVA D’O EX-MÁGICO DA
TABERNA MINHOTA
CUIABÁ/MT
2014
MARCELA DE CASTRO ÁVILA AGUIAR
O INSÓLITO EM MURILO RUBIÃO: UMA ANÁLISE
ESTILÍSTICO-COMPARATIVA D’O EX-MÁGICO DA
TABERNA MINHOTA
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre, sob a orientação da Prof
a.
Dra. Célia Maria Domingues da Rocha Reis.
CUIABÁ/MT
2014
AGRADECIMENTOS
À Professora Célia, pela confiança em minha capacidade de realizar esta pesquisa, pela
orientação cuidadosa e pelo carinho.
À Professora Franceli, por todo o ensinamento recebido em suas disciplinas na graduação e no
mestrado – sempre gentil e atenciosa – e, especialmente, pelas valiosas contribuições no Exame
de Qualificação.
Ao Professor Audemaro, pela disciplina ministrada neste Programa de Pós-Graduação, e pela
gentileza ao fazer suas considerações sobre este trabalho.
Ao Acervo de Escritores Mineiros da Universidade Federal de Minas Gerais, pela
disponibilização do material utilizado nesta pesquisa.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem, da Universidade
Federal de Mato Grosso.
Às queridas Professoras Soraia e Patatas, pelo carinho e incentivo desde a graduação.
Às colegas do mestrado, que se tornaram amigas queridas, Izabel e Mirian.
Aos amigos que (quase) se acostumaram às minhas ausências nesses anos de estudo e pesquisa.
Aos meus pais, pelo apoio em todos os meus projetos.
E ao Hugo, meu melhor amigo, pela paciência... Sempre.
Todos os anos, pelo mês de março, uma
família de ciganos esfarrapados plantava a
sua tenda perto da aldeia e, com um grande
alvoroço de apitos e tambores, dava a
conhecer os novos inventos. Primeiro
trouxeram um ímã. Um cigano corpulento,
de barba rude e mãos de pardal, que se
apresentou com o nome de Melquíades, fez
uma demonstração pública daquilo que ele
mesmo chamava a oitava maravilha dos
sábios alquimistas da Macedônia. Foi de
casa em casa arrastando dois lingotes
metálicos, e todo o mundo se espantou ao
ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes
e os fogareiros caíam do lugar (...). ‘As
coisas têm vida própria’, apregoava o
cigano com áspero sotaque, ‘tudo é questão
de despertar a sua alma’.
Gabriel García Márquez, Cem anos de
solidão (1967)
RESUMO
Nesta pesquisa investigamos o estilo literário de Murilo Rubião, considerado pela
crítica como pertencente à literatura fantástica. Após leitura dos contos do autor,
pesquisa da sua fortuna crítica e de leituras crítico-teóricas acerca da literatura
fantástica, dos primórdios ao contemporâneo, concluímos que as narrativas de Murilo
Rubião correspondem ao insólito banalizado. Tendo em perspectiva esse conceito,
centramos a pesquisa na análise comparativa extrínseca e intrínseca de três versões do
conto “O ex-mágico da Taberna Minhota”, respectivamente, com base na teoria da
modernidade líquida, de Zygmunt Bauman, e da estilística literária, de Dámaso Alonso,
e da língua portuguesa, de Nilce Sant’Ana Martins. As obras do linguista José Lemos
Monteiro e dos gramáticos, José Carlos de Azevedo e Napoleão Mendes de Almeida,
também constituíram fontes bibliográficas importantes para esta análise estilística.
Desse modo, foi-nos possível afirmar que o autor antecipou características da sociedade
contemporânea – como a diluição da identidade do sujeito – e também refletiu sobre a
função da literatura.
Palavras-chave: Conto fantástico brasileiro. Murilo Rubião. Insólito banalizado.
ABSTRACT
The present study investigates the literary style of Murilo Rubião, whose work is
considered by the critic as fantastic literature. After reading all the author’s short stories,
having a deep look into his critical fortune and having critical-theoretical reading of
fantastic literature, from its beginnings up to contemporary times, we concluded that his
narratives correspond with the trivialized uncommon. Keeping this concept in
perspective, we focused our research on the comparative analysis both extrinsic and
intrinsic of three versions of the short story “The ex-magician of Minhota Tavern”,
basing, respectively, on the theory of liquid modernity from Zigmunt Bauman, on the
literary stylistic from Damaso Alonso and on portuguese language stylistic from Nilce
Sant’Ana Martins. Other important bibliography sources to such stylistic analysis are
the work of linguist José Lemos Monteiro and grammarians José Carlos de Azeredo e
Napoleão Mendes de Almeida. Hence, we concluded that the writer Murilo Rubião not
only anticipated characteristics of contemporary society in his work – such as the
dilution of the subject identity – but also reflected about the very role of literature.
Keywords: Brazilian fantastic short story. Murilo Rubião. Trivialized uncommon.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................11
Capítulo 1 O fantástico literário: da tradição ao modo discursivo..................................14
1.1. Um percurso teórico......................................................................................14
1.2. Murilo Rubião e o insólito ficcional.............................................................26
Capítulo 2 O ex-mágico da Taberna Minhota: um projeto literário................................37
2.1. A criação literária, o insólito banalizado e a modernidade líquida..............42
2.2. A reescrita muriliana: aspectos estilísticos...................................................56
CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................69
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................72
ANEXOS.........................................................................................................................78
A- Versão não publicada do conto “O ex-mágico da Taberna Minhota”
B- Versão publicada no livro O ex-mágico (1947)
C- Reedição do conto para o livro O pirotécnico Zacarias (1974)
D- Carta de Marques Rebelo a Murilo Rubião
E- Carta de Caio César Pinheiro a Murilo Rubião
11
INTRODUÇÃO
O universo fantástico foi um assunto que sempre me interessou. Gabriel García
Marquez foi o primeiro autor com o qual tive contato – primeiro com a leitura de Doze
contos peregrinos (1992), depois, Cem anos de solidão (1967) – e, durante a graduação
em Letras, pesquisando sobre o assunto e selecionando um conto para analisar em
minha monografia, deparei-me com os contos de Murilo Rubião. A partir daí, o
fantástico se tornou um objeto, e a identificação de elementos do fantástico nos contos
murilianos, um objetivo, estudos aos quais dei continuidade no projeto de pesquisa
elaborada para ser desenvolvido no curso de pós-graduação, na UFMT.
O primeiro procedimento da pesquisa sobre o autor mineiro foi a consulta à
biblioteca digital da FALE – Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas
Gerais –, com a leitura de alguns artigos publicados no Suplemento Literário do Minas
Gerais – semanário criado e dirigido por ele, em 1966, quando diretor de redação do
jornal mineiro (RUBIÃO, 2010, p.225).
Em seguida, já no primeiro ano da pós-graduação, visitamos o Acervo dos
Escritores Mineiros, na Biblioteca da Universidade Federal de Minas Gerais. O contato
com textos originais e algumas correspondências entre o autor d’O ex-mágico (1947) e
colegas escritores e editores, constituíram um grande estímulo ao nosso trabalho.
Concomitantemente, realizamos uma revisão bibliográfica das teorias acerca do
fantástico, o que, em primeiro lugar, indicou a necessidade de um posicionamento a
respeito do fantástico como gênero ou modo literário. Os estudos tradicionais – como os
de Furtado (1980), Ceserani (2006) e Todorov (2007) –, lidam com o fantástico como
um gênero. Mesmo nas décadas de 80 e 90, encontramos, nos livros de Jorge Schwartz
(1980) e Audemaro Goulart (1995), essa denominação.
Já os trabalhos produzidos por grupos de pesquisa mais recentes – como o Nós
do Insólito: vertentes da ficção, da teoria e da crítica, sob a coordenação do Prof.
Flávio García / UERJ, e Vertentes do fantástico na literatura, coordenado por Karin
Volobuef / UNESP – observam a necessidade de uma historiografia sobre o fantástico
literário. Esses estudos têm em comum o alinhamento com as idéias da estudiosa
francesa Irene Bessière, Le récit fantastique: forme mixte du cas et de la devinette
12
(1974), que usou a denominação “relato fantástico”. Incluímos, também, em nosso
texto, a questão do insólito banalizado terminologia que, em nosso entendimento, traduz
com precisão o modo discursivo praticado por Murilo Rubião.
Tais são os conteúdos apresentados e discutidos no Capítulo 1 desta dissertação,
dividido em dois subitens: “Um percurso teórico” e “Murilo Rubião e a narrativa do
insólito”. A compreensão das variáveis que fizeram de Rubião um escritor que lançou
mão de uma estética nova – no sentido de diferir do realismo social que caracterizava a
cena literária brasileira naquele período – foi o que direcionou nossa redação nessa
primeira parte.
O Capítulo 2 concentra-se na análise do modo como o autor construiu o seu
estilo, utilizando-se de elementos do insólito literário. No primeiro subitem, “Criação
literária, insólito ficcional e a modernidade líquida”, apresentamos, brevemente, a teoria
de Zygmunt Bauman sobre a modernidade líquida, terminologia adotada pelo autor para
designar a sociedade contemporânea.
O aprofundamento de nossa análise se deu a partir de leituras interpretativas das
obras O mal-estar da pós-modernidade (1998), Modernidade Líquida (2001) e
Identidade (2005), as quais nos permitiram detectar, no conto analisado, uma temática
já tratada desde o romantismo e acentuada no modernismo – a da identidade –, que
assume uma nova forma na sociedade atual: a da identidade diluída. Abordagem
possível quando consideramos o fato de o protagonista do conto não ter origem, passado
ou memória, situação responsável pela sua dificuldade de se relacionar com as pessoas
com as quais convive.
A revisão bibliográfica realizada no decorrer de nossa pesquisa nos levou à obra
de Ítalo Ogliari, A poética do conto pós-moderno e a situação do gênero no Brasil
(2012), que nos esclareceu os caminhos percorridos pelo conto brasileiro e nos permitiu
afirmar o insólito ficcional como representação da representação literária da sociedade
líquida descrita por Zygmunt Bauman em seus estudos de sociologia humanística. Do
mesmo modo, a teoria do conto de Ricardo Piglia (1994) nos auxiliou no
aprofundamento dos aspectos da construção poética de Murilo Rubião.
Já o subitem “A reescrita muriliana: aspectos estilísticos” compreende a análise
estilístico-comparativa de um dos contos mais conhecidos de Murilo Rubião (e que deu
nome ao seu primeiro livro): “O ex-mágico da Taberna Minhota”.
13
As três versões de que nos utilizamos são as seguintes: uma versão não
publicada, a versão publicada em 1947 e a versão da reedição de 1974; nas quais
verificamos que a maior parte das modificações, realizadas pelo autor, buscavam a
forma perfeita, como ele próprio declarou em entrevistas. Isso nos lembrou uma das
explicações de Ítalo Calvino para a sua opção pelo insólito ficcional:
Se num determinado período de minha atividade literária senti certa
atração pelos contos populares e as histórias de fadas, isso não se
deveu à fidelidade a uma tradição étnica (...), nem por nostalgia de
minhas leituras infantis (...), mas por interesse estilístico e estrutural,
pela economia, o ritmo, a lógica essencial com que tais contos são
narrados (CALVINO, 1990, p.49).
Murilo Rubião se alinhava, portanto, aos autores de sua geração, fascinados
pelos aspectos estilísticos do texto; e, como Calvino, o autor mineiro se identificava
com o insólito ficcional justamente pelas possibilidades desse modo discursivo.
O estudo dos recursos estilísticos que ora apresentamos focalizou a relação entre
essas escolhas sintático-semânticas e o contexto da criação literária, procurando
vislumbrar o sentimento de um artista diante de sua realidade e a sua proposta de
transformá-la. A seleção do conto “O ex-mágico da Taberna Minhota”, dentre todos os
outros que, do mesmo modo, sofreram modificações após a primeira publicação se deu
pelo nosso gosto pessoal e, também, pelo interesse em apresentarmos uma possibilidade
de leitura para a história do mágico que perde sua capacidade de fazer truques, vendo-se
condenado a uma existência precária nessa sociedade diluída, construída a partir do
desmoronamento das ideologias vigentes no início da era moderna.
14
Capítulo 1 O FANTÁSTICO LITERÁRIO: DA TRADIÇÃO AO MODO
DISCURSIVO
Iniciamos nossa análise pelo estudo dos textos críticos, a fim de compreender as
linhas gerais da literatura fantástica, considerada por pesquisadores como um objeto
movente, uma vez que suas características principais tornam-se mais ou menos
acentuadas de acordo com a época em que é produzida.
Partimos da variação na sua classificação no âmbito da teoria literária,
nomeadamente duas, gênero e modo literário. Considerados alguns autores que
discutem o assunto, e ora diferem, ora convergem entre si; das discussões decorrem, em
princípio, a questão: o que significam tais denominações e quais implicações são
assumidas em se optar por uma ou outra?
1.1 Um percurso teórico
As raízes da literatura fantástica estão nas lendas medievais e nas novelas
góticas. O escritor e crítico H. P. Lovecraft (1890-1937), tomou aquelas narrativas, que
tinham como principal efeito o despertar do medo no leitor, como objeto de estudo, em
O horror sobrenatural em literatura (1945). Para ele,
Os primeiros instintos e emoções do homem foram sua resposta ao
ambiente em que se achava. Sensações definidas baseadas no prazer e
na dor se desenvolveram em torno dos fenômenos cujas causas e
efeitos ele compreendia, enquanto em torno dos que não compreendia
– e eles fervilhavam no Universo nos tempos primitivos – eram
naturalmente elaborados como personificações, interpretações
maravilhosas e as sensações de medo e pavor que poderiam atingir
uma raça com poucas e simples idéias, e limitada experiência. O
desconhecido, sendo também o imprevisível, tornou-se, para nossos
ancestrais primitivos, uma fonte terrível e onipotente das benesses e
calamidades concedidas à humanidade por razões misteriosas e
absolutamente extraterrestres, pertencendo, pois, nitidamente, a
esferas de existência das quais nada sabemos e nas quais não temos
parte (LOVECRAFT, 2007, p.14).
15
O medo é, então, o sentimento mais antigo experimentado pela humanidade, e o
seu tipo mais instigante é o medo do desconhecido.
Para este crítico norte-americano, a literatura que explorava o medo como
sentimento estético só era apreciada por um pequeno número de leitores sofisticados,
que se permitia, por meio de “um curioso rasgo de fantasia”, um distanciamento do
cotidiano, do mundo que lhe era familiar. Além disso, o caráter de permanência da
literatura do medo é ilustrado pelo fato de escritores com escolhas estéticas diferentes se
aventurarem, vez ou outra, no terreno do sobrenatural (p.16).
Lovecraft (2007) também se preocupou em tratar o fantástico como “a literatura
do medo cósmico”, a qual, diferentemente do “medo físico e do horrível vulgar”,
caracterizava-se pela “atmosfera inexplicável e empolgante de pavor de forças externas
desconhecidas” e pela “suspensão ou derrota maligna” das forças da Natureza que tudo
explicam, livrando o sujeito “do caos e dos demônios dos espaços insondáveis” (p.17).
O detalhamento dessa estética do medo – cujos pressupostos também orientaram
a escrita de Mary Shelley (1797-1851) e Edgar Allan Poe (1809-1849), para ficarmos
em dois dos autores que tiverem seus estilos analisados por Lovecraft (2007) – não é
pertinente ao nosso trabalho, uma vez que nos interessa, inicialmente, o fantástico com a
configuração de que tratou Tzvetan Todorov (1939 -), em Introdução à literatura
fantástica, na década de 70.
O filósofo e linguista búlgaro recuperou as obras mais expressivas de artistas dos
séculos XIX e XX a fim de delimitar suas características principais – isso o transformou
no maior representante da tradição crítica em estudos sobre o fantástico literário.
De acordo com a teoria todoroviana, a condição essencial para que o fantástico
se constitua é a dúvida quanto à natureza de um acontecimento não natural:
Somos assim transportados ao âmago do fantástico. Num mundo que é
exatamente o nosso, aquele que conhecemos (...), produz-se um
acontecimento que não pode ser explicado pelas leis deste mesmo
mundo familiar. Aquele que o percebe deve optar por uma das duas
soluções possíveis: ou se trata de uma ilusão dos sentidos, de um
produto da imaginação e nesse caso as leis do mundo continuam a ser
o que são; ou então o acontecimento realmente ocorreu, é parte
integrante da realidade, mas nesse caso a realidade é regida por leis
desconhecidas para nós (TODOROV, 2007, p.30).
16
Para essa corrente teórica, portanto, a existência do fantástico está atrelada à
permanência da dúvida, à hesitação diante do acontecimento sobrenatural. A fragilidade
do fantástico está aí, uma vez que a hesitação termina no momento em que a
personagem ou até mesmo o leitor decide por uma das alternativas mencionadas por
Todorov: trata-se ou de um produto da esfera onírica, ou de uma (outra) realidade, até
então desconhecida. Essa definição do fantástico origina-se, portanto, da oposição entre
o que é real e o que é tido como um elemento do imaginário (2007, p.48).
À época da elaboração do modelo estruturalista do gênero fantástico, buscava-se
uma maneira de atribuição de sentido às obras do século XVIII e XIX, que se
diferenciavam daquelas narrativas de horror de que falava Lovecraft (2007). E a
atmosfera dos estudos estruturalistas favorecia as análises que priorizassem a forma do
texto literário excluindo, assim, o contexto histórico, o autor e o leitor real (OLIVEIRA,
2011, p.9). Nesse sentido, o estudo de Todorov alcançou êxito, uma vez que se voltou
para a estrutura da obra literária, possibilitando, desse modo, a atribuição de sentido aos
textos que se enquadravam nas características do novo gênero.
Entretanto, perante as narrativas do século XX, especialmente A metamorfose
(1915), de Franz Kafka, Todorov (2007) se perguntaria, no último capítulo de
Introdução à literatura fantástica: “Em que se transformou a narrativa do sobrenatural
do século XIX?”. Para ele, “a Psicanálise substituiu (e por isso mesmo tornou inútil) a
literatura fantástica”, uma vez que passou a tratar de tabus, loucuras e perversões sem
recorrer aos elementos do fantástico, mas considerando-os uma realidade específica dos
pacientes que os manifestassem (p.169).
Da mesma maneira, no século XX, não existiria mais o que Todorov chamou de
“metafísica do real e do imaginário” e a crença em uma “realidade imutável” também
perderia sustentação. Nesse sentido, realmente, a literatura fantástica descrita naquele
seu modelo de análise desapareceu: “desta morte, deste suicídio nasceu uma nova
literatura” (TODOROV, 2007, p.177). E é nesta nova forma de narrativa que a obra de
Franz Kafka estaria situada. Nesse ponto, é possível estendermos nossas considerações
para as narrativas de Murilo Rubião, que serão estudadas no próximo capítulo, no qual
observaremos que elas devem ser pensadas neste novo modelo, que Todorov não
chegou a enunciar, mas percebeu que existia. Daí a aproximação natural entre Murilo
Rubião e Franz Kafka, mesmo o autor mineiro não tendo admitido essa influência.
17
A respeito das mudanças na configuração do fantástico, Schwartz (2006)
resolveu da seguinte forma:
Ao contrário dos modelos canônicos do século XIX, em que prevalece
a hesitação do narrador, do personagem e até do leitor, o sobrenatural
moderno nunca postula um enigma a ser decifrado, uma intriga que
vise a desvendar o inexplicável ou uma explicação racional para a
intrusão do irracional (SCHWARTZ, 2006, p.102).
Os estudos críticos que se seguiram, em alguma medida, retomaram as principais
ideias todorovianas, e se dedicaram ao preenchimento das lacunas deixadas pelo teórico
búlgaro – principalmente no que se refere à hesitação como elemento essencial para a
existência do fantástico. Dentre esses estudos, situa-se o de Filipe Furtado, em A
construção do fantástico na narrativa (1980)1.
Nessa obra, o teórico português sustenta que a manifestação do insólito não se
dá arbitrariamente em um mundo desconhecido, mas surge “no contexto de uma ação e
de um enquadramento espacial até então supostamente normais” (p.19). Um mundo
normal, um ambiente cotidiano e, de repente, um ou mais elementos aparentemente
estranhos passam a pertencer àquela esfera, alterando sua ordem normal de
funcionamento e estabelecendo o equilíbrio de um novo gênero.
Elementos sobrenaturais, seres estranhos, manifestações insólitas – alguns dos
termos possíveis ao se referir ao que Furtado chamou fenomenologia meta-empírica;
que não trata apenas dos elementos sobrenaturais em sentido mais geral, mas também
daqueles que,
[...] seguindo embora os princípios ordenadores do mundo real, são
considerados inexplicáveis e alheios a ele apenas devido a erros de
percepção ou desconhecimento desses princípios por parte de quem
porventura os testemunhe (FURTADO, 1980, p.20).
Esse crítico se utilizou, indiferentemente, das palavras: sobrenatural,
extranatural, meta-natural, alucinado e insólito, ao abordar a temática.
1 Em nosso trabalho, preservamos a grafia original da edição portuguesa da obra de Filipe Furtado.
18
O sobrenatural aparece, então, em um ambiente quotidiano, comum, no qual são
encenados temas da literatura universal. Furtado (1980) ressalva que a temática do
sobrenatural não é exclusiva do fantástico – o estranho e o maravilhoso também fazem
parte do grande grupo da “literatura do sobrenatural” (p.20).
Onde estariam, então, as diferenças entre esses três gêneros? O crítico, para
responder a esse seu questionamento, passa à investigação da característica comum ao
estranho, ao maravilhoso e ao fantástico – a temática do sobrenatural.
Inicialmente, explica que nem todas as narrativas que descreviam manifestações
insólitas pertenciam ao gênero fantástico:
[...] entre a infinidade de variantes dessa fenomenologia imaginária,
muitas não se adequam minimamente às outras características do
fantástico, pelo que se torna necessário distinguir entre as que convêm
à construção do gênero e as que dele se excluem (FURTADO, 1980,
p.22).
E conclui que tais narrativas não fazem parte do que chama “literatura do
sobrenatural”, pois incluem apenas “parcelas da ação ou personagens de índole meta-
empírica” – o sobrenatural, portanto, não possui caráter dominante. Este último termo
foi utilizado pelo formalista russo Tomachevski, ao descrever os “processos
dominantes”, isto é, elementos a que “todos os outros processos necessários à criação do
conjunto artístico” estariam subordinados nessas narrativas (TOMACHEVSKI apud
FURTADO, 1980, p.20).
O crítico ressalta, ainda, a existência do sobrenatural positivo e do sobrenatural
negativo – o primeiro associado à ideia do Bem, e o segundo, ao conceito de Mal –, e
declara: “só o sobrenatural negativo convém à construção do fantástico” (FURTADO,
1980, p.22).
Essa questão pode ser compreendida se considerarmos que o sobrenatural
positivo reestabelece, na narrativa, a ordem do mundo natural – justamente a ordem que
o elemento insólito vem romper; e apenas o sobrenatural negativo é de caráter
“irreversível e de consequências inelutáveis, conduzindo a um desenlace nefasto às
forças positivas integradas na natureza conhecida” (Ibidem, p.24).
19
Neste ponto, Furtado separa o fantástico e o estranho – que trabalham com o
lado negativo do sobrenatural – do maravilhoso, que admite ambos os aspectos do
elemento sobrenatural.
Voltando ao fantástico, observa que o sobrenatural positivo até pode aparecer,
mas não como elemento dominante, afinal, apenas o sobrenatural negativo apresenta-se
como um “transgressor” da ordem de funcionamento tida como normal para o mundo e
as coisas. Caso ocorra o predomínio excessivo de elementos extranaturais de índole
positiva, a narrativa passa ao universo do maravilhoso (FURTADO, 1980, p.25).
No tocante às narrativas do maravilhoso, o extranatural está presente desde o
início e, em nenhum momento, existe um movimento por parte do narrador para torná-
lo real aos olhos do receptor ou, ao menos, suscitar a dúvida. Ao contrário, narrador e
receptor travam um pacto no qual cabe a este último “aceitar todos os fenômenos (...) de
forma apriorística, como dados irrecusáveis e, portanto, não passíveis de debate sobre a
sua natureza e causas” (FURTADO, 1980, p.35). A ambiguidade não se instaura,
portanto.
Já em se tratando do estranho, Furtado esclarece:
Com efeito, o texto deste género faz usualmente surgir a hipótese de
que determinados acontecimentos ou personagens por ele encenados
têm origem e carácter alheios às leis naturais. Tal conjectura, porém,
apenas permanece durante uma parte da acção. A dado passo ela é
completamente destruída, vindo a esclarecer-se de forma lógica todos
os aspectos que poderiam levantar dúvidas quanto à completa
integração dessa fenomenologia no mundo familiar quotidiano
(FURTADO, 1980, p.35).
No fantástico, a dicotomia natural/antinatural, real/imaginário não tem fim e o
elemento insólito permeia toda a narrativa, aderindo a ela, e o gênero, “tenta suscitar e
manter por todas as formas o debate sobre esses dois elementos cuja coexistência
parece, em princípio, impossível” (FURTADO, 1980, p.35).
Importante salientar que, para Furtado, assim como para Todorov, o fantástico é
um gênero “abordado como uma organização dinâmica de elementos que, mutuamente
combinados ao longo da obra, conduzem a uma verdadeira construção de equilíbrio
difícil” (FURTADO, 1980, p.15). E é a dúvida perante o acontecimento insólito, ou
20
seja, a ambiguidade resultante de uma construção que se dá nos planos do enunciado e
da enunciação, a responsável por esse equilíbrio, não no sentido da proporcionalidade e
harmonização de forças e circunstâncias, mas no sentido de que uma nova unidade
narrativa é criada.
Outro estudo importante sobre o fantástico foi o desenvolvido por Irène
Bessière, em Le récit fantastique. La poétique de l’incertaine, publicado em Paris, no
ano de 1974, traduzido no Brasil por Biagio D’Angelo e Maria Rosa Duarte de Oliveira,
em 2009. Dedicamos algumas linhas a um capítulo em especial, “O relato fantástico:
forma mista do caso e da adivinha”, no qual a autora passa ao exame textos críticos
anteriores aos seus, e atribui grande parte da dificuldade expressa pela comunidade
crítica em relação ao estudo do fantástico à perspectiva teórico-metodológica adotada.
A esse respeito, a autora faz referência ao estudo de Jean Bellamin-Nöel (1972)
e à afirmação de que as narrativas fantásticas se estruturam como “fantasmas”, o que,
em seu entendimento, é uma redução da “organização do relato [fantástico] a um traço
não-específico: a hesitação”. Para ela, essa declaração associa o universo fantástico a
uma situação inconsciente, excluindo todo o seu conteúdo semântico e, principalmente,
as suas raízes na sociedade e na cultura (BESSIÈRE, 2009, p.1).
Proceder à análise do fantástico na perspectiva daquele crítico, diz Bessière, não
leva o estudioso a outro lugar senão o das “enumerações de imagens”, e conclui:
Todo o estudo do relato fantástico é sintético, não por evocar ou intuir
uma lei artística (...), mas por uma perspectiva polivalente.
[...]
A síntese não nasce aqui do inventário vasto e diverso dos textos, mas
da organização, por contraste e por tensão, dos elementos e das
implicações heterogêneas que fazem o atrativo do relato fantástico e
sua unidade (BESSIÈRE, 2009, p.2).
A autora alerta para o fato de que a análise temática e, portanto, a ênfase nas
“referências teológicas, esotéricas, filosóficas ou psicopatológicas” não é recomendada,
na medida em que esses elementos não instauram o insólito na narrativa, nem mesmo
garantem a sua permanência, são, tão somente, “artifícios narrativos destinados a
encerrar o herói e o leitor em uma forma de paradoxo” (BESSIÈRE, 2009, p.3).
21
O relato fantástico, explica a autora,
utiliza marcos socioculturais e formas de compreensão que definem os
domínios do natural e do sobrenatural, do banal e do estranho, não
para concluir com alguma certeza metafísica, mas para organizar o
confronto entre os elementos de uma civilização relativos aos
fenômenos que escapam à economia do real e do surreal, cuja
concepção varia conforme a época (BESSIÈRE, 2009, p.3).
Percebemos que o que incomoda essa estudiosa é o fato de se procurar o
fantástico na reação do leitor ou das personagens ao elemento insólito, quando,
entretanto, o fantástico é uma construção, um trabalho com a linguagem:
O relato fantástico provoca a incerteza ao exame intelectual, pois
coloca em ação dados contraditórios, reunidos segundo uma coerência
e uma complementaridade próprias. (BESSIÈRE, 2009, p.2).
E, portanto, deve-se partir da linguagem, da análise formal e semântica, para se
desvendar os mistérios que ela instaura no texto literário.
Em sua análise das proposições de Irène Bessière (2009), Remo Ceserani (2006)
mostra concordância ao afirmar o fantástico como um modo literário, uma vez que pode
assumir diversas formas de gênero – assim, seria possível ampliar as possibilidades de
ocorrência do fantástico na literatura, mesmo em obras posteriores às do século XIX
(CESERANI, 2006, p.149).
Dentre os outros estudos sobre o fantástico, já no século XX, destacamos a
proposta de Jaime Alazraki (2001), que introduziu o termo “neofantástico” na esfera dos
estudos literários.
Esse crítico argentino partiu do trabalho com contos dos escritores argentinos
Júlio Cortázar e Jorge Luis Borges e, procurando relacioná-los à teoria do fantástico
tradicional, concluiu que esses textos apresentavam um mecanismo de funcionamento
distinto daqueles incluídos sob a denominação do fantástico.
22
Alazraki (2001) passou a refletir sobre essa questão após assistir a duas
conferências de Cortázar, uma no ano de 1962 e outra em 1975, nas quais o escritor
falava de sua insatisfação quanto à classificação de suas obras (p.272).
Então, o crítico argentino partiu da definição de Cortázar sobre o gênero ao qual
pertencia, em uma entrevista ao jornalista Ernesto Gonzalez Bermejo:
Para mim o fantástico” – explica – “é a indicação súbita de que, à
margem das leis aristotélicas e da nossa mente racional, existem
mecanismos perfeitamente válidos, vigentes, que nosso cérebro lógico
não pode captar, mas que em alguns momentos irrompem e se fazem
sentir (ALAZRAKI apud BERMEJO, 1981, p.42, tradução nossa).
e elaborou o conceito dessa variação do fantástico tradicional, que assume o mundo real
como uma máscara que esconde uma segunda realidade: o verdadeiro espaço ficcional.
Neste ponto, Alazraki diferencia o fantástico contemporâneo do fantástico
tradicional que, segundo ele, “se propõe a abrir uma fissura ou rachadura em uma
superfície sólida e imutável”, enquanto para aquela, “a realidade é uma esponja, um
queijo gruyère, uma peneira, de cujos orifícios se pode enxergar, como num flash, essa
outra realidade” (ALAZRAKI, 2001, p.276, tradução nossa).
Segundo Alvarez (2009), esta segunda realidade é “o cenário apresentado pelo
escritor em suas obras e também é a zona de lucidez a partir da qual cria sua arte”, e
quanto ao surgimento do insólito, a autora completa que esta é “rapidamente digerida
pelas forças em jogo, de tal modo que é impossível isolar o fato insólito do todo da
narrativa (...)” (p.6).
A outra característica desse novo relato fantástico diz respeito à intenção da
narrativa, que já não é a de suscitar o medo, como eram as narrativas referidas por
Lovecraft (2007). E qual seria essa intenção?
Para Alazraki, a perplexidade e a inquietude até estão presentes nos relatos
fantásticos – o que é explicado pelo caráter insólito das situações narradas –, no entanto,
a sua intenção é ainda outra, qual seja a de expressar, a partir de suas metáforas,
[...] vislumbres, entrevisões ou interstícios da irracionalidade que
escapam ou resistem à língua da comunicação, que não cabem nos
casulos construídos pela razão, que vão contra o sistema conceitual e
23
científico com o qual estamos acostumados (ALAZRAKI, 2001,
p.277, tradução nossa).
O crítico enfatiza, portanto, o sentido metafórico do relato fantástico – a
necessidade de uma “segunda linguagem” para descrever aquela segunda realidade
(Ibidem, p. 278).
Por último, o modus operandi é o que mais distancia o relato neofantástico do
fantástico tradicional. É ele o responsável pela introdução, já nas primeiras linhas, do
elemento insólito, que é “incorporado ao cenário que vai sendo construído” e, ao
contrário do funcionamento do fantástico tradicional, “personagens e leitor estão presos
numa teia vagarosa e habilmente tecida, sem sobressaltos, surpresas ou reviravoltas
contundentes” (ALVAREZ, 2009, p.7).
Como percebemos, o neofantástico de Jaime Alazraki apresenta-se como uma
nova forma de compreensão das obras surgidas a partir do século XX, que se associam
ao fantástico tradicional por meio do insólito e, ao mesmo tempo, guardam certa
distância devido ao seu modo de funcionamento.
David Roas (2001) também entende o fantástico como um modo narrativo
originado no “código realista, mas que, por sua vez, supõe uma transformação, uma
transgressão daquele código” (p.27, tradução nossa). Entretanto, o autor espanhol,
utiliza em seus textos, indiferentemente, os termos: relato, modo e gênero.
Luiz Costa Lima (1981) examinou a questão dos gêneros no decorrer da história
dos estudos literários e percebeu o seu caráter mutável e transitório, relacionando-o ao
ambiente sociocultural.
Para esse crítico, o gênero não é uma “entidade fechada”, ou seja, não apresenta
traços rigorosamente definidos e que permitem os “julgamentos de valor”; ao contrário,
[...] o gênero apresenta uma junção instável de marcas, nunca
plenamente conscientes, que orienta a leitura e a produção – sem que,
entretanto, se presuma que as marcas orientadoras sejam as mesmas.
(LIMA, 1981, p.286)
o que justificaria a mudança sofrida pelo gênero fantástico a partir do século XX, com o
advento da sociedade moderna.
24
Esse caráter flexível do gênero nos permitiria entender o fantástico em suas
diferentes vertentes e, em cada uma delas, compreender suas variações e
especificidades.
As tensões entre as concepções genológica e modal também foram tratadas pelo
pesquisador Flávio García (UERJ/CNPq) que, em artigo publicado em 2008, por meio
de um percurso pela história do insólito ficcional, observou as diferentes terminologias
assumidas por essas narrativas, e achou pertinente a criação de uma nova terminologia,
mais condizente com a pós-modernidade, o “insólito banalizado”. Nesse artigo, García
(2008) demonstrou a existência de um “macro-gênero” do insólito, do qual fariam parte,
também, aqueles gêneros já estudados pela crítica – o maravilhoso, o fantástico, o
estranho, o sobrenatural, o realismo maravilhoso e o absurdo (p.1).
As leituras dos contos de Murilo Rubião e de sua fortuna crítica indicam não
apenas a elaboração de outra realidade ou outro mundo, de onde ou para o qual
personagens fossem deslocados, e sim a convivência de duas realidades ou, melhor
dizendo, de um mundo com as características do mundo tal qual o conhecemos,
aceitamos e vivenciamos, mas com a presença de elementos e/ou situações insólitas.
A definição da palavra “insólito” nos remete ao não habitual, não comum, ou
seja, ao elemento que está fora de lugar, no sentido de ser uma transgressão às leis da
realidade. Jorge Schwartz, em Murilo Rubião: a poética do uroboro (1981), observa a
existência de três categorias operacionais:
a) o sólito, que sói acontecer, e que representa a vigência da norma.
Não chega a se configurar como tema central da literatura; é o
universo do cotidiano, do corriqueiro, cuja função ficcional é a de
servir como suporte real de dados inverossímeis;
b) o insólito, que não sói acontecer, opondo-se assim à norma,
apontando para o ‘estranho’;
c) o sobrenatural propriamente dito, que não tem possibilidade
alguma de acontecer no universo real, apontando na ficção para o
‘fantástico’ e o ‘maravilhoso’ (SCHWARTZ, 1981, p.54).
Essa narrativa pressupõe a presença de um ou mais elementos que vão contra a
ordem aceita pelas categorias narrativas e pelo leitor, atentando-o para o absurdo
mascarado por situações cotidianas.
25
Também para García (2011), o insólito
[...] engloba eventos ficcionais que a crítica tem apontado ora como
extraordinários – para além da ordem – ora como sobrenaturais – para
além do natural – e que são marcas próprias de gêneros literários de
longa tradição, a saber, o Maravilhoso, o Fantástico, o Sobrenatural, o
Estranho, o Realismo Maravilhoso e o Absurdo (GARCÍA, 2011, p.1).
Parece-nos, então, que o “relato”, assim como exposto por Bessière (2009) – e
que orientou os trabalhos dos grupos de pesquisa recentes que optaram pela concepção
modal – coloca o fantástico como um dos modos literários que têm no insólito o seu
diferencial. Assim, outros modos discursivos (ou literários) nos quais o insólito se
manifesta seriam – citando apenas os já tratados neste trabalho – o sobrenatural, o
maravilhoso, o estranho e o neofantástico.
A questão do enquadramento teórico-crítico da literatura fantástica, como gênero
ou modo literário, também foi objeto de discussão no artigo de Marisa Gama-Khalil
(UFU/CNPq), “A literatura fantástica: gênero ou modo?”, publicado em dezembro de
2013, constituindo-se, portanto, como o referencial teórico mais atual utilizado em
nossa pesquisa.
Nesse artigo, a autora realizou uma análise detalhada da tradição crítica sobre a
construção da narrativa fantástica e posicionou-se favoravelmente aos teóricos que,
como ela, entendem a literatura fantástica “por intermédio da fratura que ela realiza no
real, do descompasso que ela gera em seu espaço discursivo” (GAMA-KHALIL, 2013,
p.24). Assim como Ceserani (2006), essa pesquisadora adotou a concepção modal2. No
entanto, a sua justificativa para tal, complementou as considerações do teórico italiano:
Pela vertente que considera o fantástico como um modo, podemos
alargar o enfoque analítico sobre essa literatura, porque o que mais
nos interessa nas pesquisas sobre a literatura fantástica não é datar
determinada forma de fantástico nem enfeixá-la em uma espécie ou
outra, mas compreender de que maneira o fantástico se constrói na
narrativa e, o mais importante, que efeitos essa construção
desencadeia (GAMA-KHALIL, 2013, p.30).
2 Cf. p.17.
26
Uma atualização possível ao trabalho ora citado seria quanto à adoção de
“insólito ficcional” para se referir a todos os modos literários nos quais o sobrenatural
se configura como o seu elemento estruturador. Já que o “fantástico”, como vimos, é
apenas um desses modos.
1.2 Murilo Rubião e o insólito ficcional
Apenas um detalhe se intromete, mas o mundo inteiro vira fantástico.
(ANDRADE, 1996, p.3)
A breve biografia que aqui incluímos sintetiza as informações contidas no
capítulo inicial do livro de Audemaro Taranto Goulart, O conto fantástico de Murilo
Rubião (1995); no texto de Vera Lúcia Andrade, “A trajetória fantástica de Murilo
Rubião”, publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, em 1996; e no prefácio
“A aventura solitária de um grande artista”, de Humberto Werneck para a edição de O
pirotécnico Zacarias (2006), da editora Companhia das Letras. Nessa introdução,
registramos, também, nossas impressões acerca da visita ao Acervo dos Escritores
Mineiros, na Biblioteca da Universidade Federal de Minas Gerais, bem como algumas
indagações a respeito do projeto literário desse escritor obstinado e cuidadoso.
Murilo Eugênio Rubião, nascido em 1916, no interior de Minas Gerais, seguiu o
caminho da escrita não por acaso. Seu avô e seu pai foram escritores; além de seu
primo, Godofredo Rangel, membro da Academia Mineira de Letras. Apesar de haver
iniciado seus estudos no interior do estado, já no ensino médio estava em Belo
Horizonte, onde cursou a faculdade de Direito. Ainda na faculdade, envolveu-se em
atividades ligadas ao jornalismo e à literatura.
Incentivado pela família e pelas leituras de Machado de Assis e da Bíblia,
revelou-se um escritor para além de seu tempo na medida em que partiu das raízes
27
realistas e dessas leituras para imprimir em sua criação o insólito e o absurdo que, em
sua opinião, faziam parte do mundo à sua volta (WERNECK, 2006, p.8).
A respeito de Murilo Rubião haver inaugurado, na literatura brasileira, um novo
modo discursivo, há alguns trabalhos críticos que investigaram as primeiras publicações
do autor mineiro, as quais indicam o caráter inaugural de sua obra no âmbito nacional.
A primeira versão do conto “Elvira e outros mistérios” foi publicada na Revista
Tentativa, em de fevereiro de 1940 (FURUZATO, 2009, p.119), mas o autor havia
estreado em 1939, com a publicação do poema “Ausência”, na mesma revista literária
(NUNES, 2010, p.138).
Apesar de sua primeira opção estética ter sido o poema, Rubião ouviu a
recomendação de amigos escritores, como Jair Rebelo Horta e Fernando Sabino, e se
concentrou nos contos e nas crônicas. Após consultar os originais dessas crônicas,
Sandra Nunes (2010) relacionou as mais representativas, publicadas entre 1939 e 1945:
“A filosofia do Grão Mogol”, “Carta à Lúcia”, “As primeiras ilusões de 1941”,
“Lirismo de fim de semana”, “A minha Praça da Liberdade”, “Memórias de um
calígrafo” e “Mariazinha não voltou”. A autora constatou que elas representam um
“processo embrionário da escrita muriliana”, quando o insólito se delineia e “a
linguagem do absurdo ou do fantástico” é a escolhida para a recriação da realidade
(NUNES, 2010, p.145).
Fábio Furuzato (2009), em sua pesquisa de doutoramento, optou por pesquisar
os primeiros contos de Murilo Rubião, publicados na Revista Belo Horizonte: “O outro
José Honório” (1940), “Margarida e outras reticências” (1940), “O mundo tem duas
faces”(1940) e “Ofélia, meu cachimbo e o mar” (1940) – dos quais apenas este último
reapareceria em seu primeiro livro de contos, O ex-mágico (1947). A respeito deste, o
crítico observa que já estava concluído em 1940, e teve vários nomes: Elvira e outros
mistérios, Girassol Vermelho, Os três nomes de Godofredo e O dono do Arco-Íris.
Também Wilson Castelo Branco menciona, no texto “Um contista em face do
sobrenatural” (1944), que Rubião já estava com um livro pronto, que carecia de editora.
Castelo Branco se referia ao, então, O dono do Arco-Íris, no qual “o sobrenatural,
plasmado no cotidiano, representa quase sempre uma atitude de revolta do homem
contra as traições da realidade” (1944, s/p).
28
Importante ressaltar, entretanto, que já em 1925, outro escritor mineiro, Aníbal
Monteiro Machado (1916-1991) publicou o conto “O rato, o guarda-civil e o
transatlântico” na Revista Estética. Em 1944, Aníbal Machado publicou o livro de
novelas e contos Vila Feliz, reeditado em 1959, e que, na reedição de 1969, recebeu
novo título, A morte da porta-estandarte e outras histórias, e o prefácio de Cavalcanti
Proença, intitulado “Os balões cativos”, uma imagem que Proença utilizou para se
referir à obra daquele que considerou o “contista do século”, por produzir uma narrativa
que “se desenvolve em terreno fronteiriço, ora pisando chão de realidade, ora pairando
nas nuvens do imaginário, entre sonho e vigília, entre espírito e matéria, verdade e
mentira, relatório e ficção” (MACHADO, 1969, p.6).
Murilo Rubião era mais novo que Aníbal Machado, que faleceu quando Rubião
ainda estava produzindo, mas eles tinham convívio. Ambos organizaram e participaram
do I Congresso Brasileiro dos Escritores, realizado em São Paulo, em 1945 – um dos
movimentos que contribuíram para a derrubada, em outubro do mesmo ano, da ditadura
do Estado Novo3.
Também outros autores brasileiros, anteriores a Murilo Rubião, trabalharam com
o insólito ficcional. Todavia, Antonio Candido (1989) esclarece o autor mineiro
“elaborou os seus contos absurdos num momento de predomínio do realismo social,
propondo um caminho que poucos identificaram e só mais tarde outros seguiram”
(p.237).
No artigo “A corrosão do real na obra de Murilo Rubião”, Goulart (s/d) destaca
que Álvares de Azevedo, Machado de Assis e Monteiro Lobato, entre outros, “já
haviam feito incursões no terreno do surreal”, porém, esses autores não o utilizaram
como um “sistema que patrocinasse a leitura da realidade, com o claro objetivo de
chamar a atenção para esta realidade, pondo-a em xeque” (p.1)4.
A fim de resolver a questão de Murilo Rubião ter sido ou não o precursor do
fantástico na literatura brasileira, e diante dos dados considerados em nossa pesquisa, é
possível afirmar que ele foi um dos precursores do fantástico moderno brasileiro.
3 A respeito da participação de Aníbal Machado nesse congresso, conf. “Os balões cativos” (1969),
prefácio de Cavalcanti Proença ao livro do autor. A participação de Murilo Rubião pode ser consultada na
Cronologia da edição de sua Obra Completa, pela Companhia de Bolso (2010). 4 Não encontramos a data de publicação deste artigo, que pode ser consultado no endereço eletrônico:
<http://www.pucminas.br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_ARQ_ARQUI201210111746
25.pdf>.
29
Rubião, a partir de 1946, iniciou sua carreira na administração pública, como
Oficial de Gabinete do Interventor Federal de Minas, João Beraldo. Chegando, em
1952, a Chefe de Gabinete de Juscelino Kubitschek. Durante todo esse tempo, o
trabalho literário sempre esteve presente, como vemos nas cartas trocadas com amigos,
alguns, autores já reconhecidos, como Carlos Drummond de Andrade:
Rio, 11 agosto 1947.
Caro Murilo:
Em minha biografia não vai figurar: “foi diretor da “Folha de Minas”,
mas gostaria que constasse: “recebeu várias mensagens afetuosas,
inclusive um radiograma do Murilo Rubião”. E é em resposta ao seu
radiograma que lhe mando um abraço agradecido, pesaroso por não
ter podido ir dirigir a “Folha”, contente por ter recebido as palavras
amigas que me chegaram de Minas. Mas não termino sem perguntar
pelo seu livro – o livro que V. nos está devendo há alguns séculos, que
estava pronto quando aí estive em maio e que até hoje não apareceu.
Os amigos têm pressa em arrancar essa virgindade literária. Como
é?... (Carta de Carlos Drummond de Andrade).5
A respeito de sua carreira no funcionalismo público, o escritor Fernando Sabino,
muito amigo de Rubião, enviou uma carta de Nova Iorque, onde residia com a família,
mostrando-se preocupado com o amigo mineiro que, segundo Sabino e outros amigos
em comum, estava cada vez mais triste e angustiado com o trabalho que nada tinha em
comum com o ofício para o qual havia nascido: o de escritor.
Estaria Murilo Rubião, à época da carta de Fernando Sabino, pensando em
desistir da escrita literária? Isso explicaria a insistência do amigo:
Acho que seus trinta anos já dizem alguma coisa, Murilo, seu livro
inédito já representa muito em sofrimento e sua falta de cabelo te
convida a uma dignidade outra que você está tendo até agora: a
dignidade de escritor. De modo que, com tudo isso, e você
absolutamente convencido de que seu caminho não é nenhum outro e
no mofo escuso dos gabinetes é que ele não começa e sim acaba como
no fundo de um poço, agora que você sente que já passou por todas as
provas que escolheram para você, agora você vai começar. Agora
5 Disponível para consulta em: <http://www.murilorubiao.com.br/correspcarlos.aspx>. Acesso em 02-02-
2014.
30
você é que vai escolher. Acho que você não deve esperar mais um
ano, nem uma semana e nem um dia: deve fechar os olhos e avançar
(Carta de Fernando Sabino)6.
Essa carta de Fernando Sabino é de 09 de agosto de 1946, um ano antes da
publicação do primeiro livro de Rubião, quando ele ainda estava à procura de uma
editora que o publicasse.
O dono do Arco-Íris era o segundo livro que ele tentava lançar, mas foi recusado
em todas as editoras para as quais havia sido enviado e, após grande esforço de Murilo e
de seu amigo Marques Rebelo, foi publicado em 1947, com outro título: O Ex-Mágico.
Essas informações constam no final das edições de suas obras, mas os detalhes sobre a
dificuldade de publicação enfrentada pelo autor estão documentados em seu acervo
pessoal, localizado na Biblioteca da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo
Horizonte.
A Sala Murilo Rubião faz parte deste Acervo e conhecê-la foi importante para
entendermos melhor o projeto de escrita do autor, o que o colocaria, mais tarde, no topo
dos autores brasileiros que trabalharam com a literatura fantástica.
O local em que sua biblioteca foi acomodada, bem como os originais de seus
contos e alguns rascunhos de textos nunca publicados foi escolhido por Murilo Rubião
que, sistemático e detalhista, catalogou a maior parte dos textos críticos e das
correspondências com amigos, escritores e editores.
As correspondências7 com Marques Rebelo, responsável por intermediar o
contato com as editoras, e com Caio César Pinheiro, da Editora Universal, trazem
informações interessantes, como a da ocasião da publicação de O ex-mágico: financiado
pelo próprio autor, já que a editora só se responsabilizou pela metade das cópias.
Rubião só teve seu primeiro livro impresso em razão do sucesso editorial de outro
mineiro, João Guimarães Rosa, que havia alcançado uma boa vendagem com Sagarana
(1946).
A consulta à correspondência entre o mineiro e Mário de Andrade também
trouxe informações importantes, como a observação feita pelo escritor paulista após
6 Disponível para consulta em: <http://www.murilorubiao.com.br/correspfernando.aspx>. Acesso em 02-
02-2014. 7 As fotocópias das correspondências mencionadas encontram-se nos Anexos D e E.
31
uma primeira leitura dos contos de Murilo Rubião. Mário de Andrade associou a ficção
do colega mineiro ao estilo de Franz Kafka. Em carta a Mário de Andrade, Rubião
desabafou: “Li O Processo, de Kafka, para o qual você me chamou a atenção em sua
carta. E estou apavorado, sentindo a influência dele sobre os temas que estou urdindo”
(Carta a Mário de Andrade)8.
Anos depois, em entrevista a Vera Lúcia Andrade, Rubião mencionaria as
conversas com Mário de Andrade e, referindo-se à temática do conto Teleco, o
Coelhinho, encerraria a questão da semelhança com a obra kafkiana Metamorfose
(1915): “(...) fruto de leituras demoradas da mitologia e do mito de Proteu. Então, nem
Kafka, nem muito menos eu inventamos a metamorfose” (ANDRADE, 1996, p.6).
A única dívida realmente assumida por Rubião foi para com Machado de Assis:
“Sem ele eu jamais teria chegado ao fantástico”, declarou em entrevistas. De fato, o
conto Memórias do Contabilista Pedro Inácio, além da epígrafe bíblica característica de
todos os contos murilianos, traz outra epígrafe, retirada de Memórias Póstumas de Brás
Cubas (1881), de Machado de Assis. Em seu artigo sobre a escrita muriliana, Rui
Mourão (1987) observou a existência de um “protótipo de uma ficção” que procurava
um “realismo de segundo grau”, na medida em que era “aberto para o onírico e para os
desvãos indevassáveis da consciência” (p.7).
O que mais nos impressionou naquela visita, no entanto, foram as muitas versões
dos contos. Realmente, a reescrita e o tempo dispendido nesse trabalho caprichoso
fazem de Rubião uma personalidade literária obstinada e intrigante. Essa característica
seria apontada mais tarde, por críticos e estudiosos de sua obra, como Vera Lúcia
Andrade, Humberto Werneck, Álvaro Lins e Nelly Novaes Coelho, que observaram,
também, que Murilo Rubião buscou nas imagens surreais e no absurdo os meios para
desmascarar a hipocrisia social e retratar os conflitos existenciais do homem moderno,
preso ao cotidiano.
Um de nossos questionamentos, quando do início dessa pesquisa, foi justamente
este: por que a crítica demorou tantos anos para descobrir Murilo Rubião, sendo que a
primeira publicação foi em 1947, mas apenas na década de 70 ganhou notoriedade?
8 Carta disponível para consulta em: <http://www.murilorubiao.com.br/corresprubiao2.aspx>. Acesso em
02-02-2014.
32
Goulart (1995) observa que, à época da publicação de seu primeiro livro, Rubião
não pôde contar com uma editora cuja impressão fosse de qualidade, nem mesmo com
um bom trabalho de divulgação (p.10). Isso só viria na década de 70, quando a Editora
Ática lançou a Coleção Nosso Tempo – obra aprovada pela Equipe Técnica do Livro e
Material Didático –, cujo sucesso de vendas garantiria as onze edições de O pirotécnico
Zacarias pela editora de São Paulo, momento em que foi incorporado nas atividades
escolares:
O sucesso de Murilo Rubião, no entanto, só viria em 1974, quando se
publicaram O convidado e O pirotécnico Zacarias, (...). É esse o
momento em que o escritor se torna efetivamente conhecido e sua
obra passa a ser divulgada, principalmente, devido à sua indicação
para concursos vestibulares (1995, p.9).
No prefácio de uma das edições de contos de Murilo Rubião, o crítico Humberto
Werneck (2006, p.7) se refere a uma atmosfera de sonho característica das obras do
escritor mineiro e, ao abordar o realismo fantástico, destaca que a produção de Murilo é
anterior ao chamado boom do realismo mágico hispano-americano.
Apesar de Jorge Luis Borges ter escrito Ficções, em 1944, e Julio Cortázar já
haver estreado com Casa tomada (1946), o referido fenômeno editorial só aconteceria
na segunda metade da década de 60, com publicações de Gabriel García Márquez e
outros escritores latino-americanos (WERNECK, 2006, p.7). Mas o escritor mineiro
publicara seu livro de contos O ex-mágico no ano de 1947.
Como o crítico bem observou:
É espantoso verificar, hoje, o quanto Murilo Rubião foi ignorado,
durante tantas décadas, quando na verdade antecipara entre nós um
tipo de literatura que só vinte anos mais tarde daria renome
internacional a seus confrades hispano-americanos (WERNECK,
2006, p.8).
O próprio autor, em entrevistas publicadas no Suplemento Literário do Minas
Gerais, declarou que à época da escritura de seus primeiros contos “Não havia ainda
33
latino-americanos”; e, quando perguntado sobre suas influências literárias, citava
Machado de Assis, Cervantes, Gogol, Hoffmann, Poe, Henry James e Pirandello. Além
dos contos de fadas lidos na infância, a Bíblia e as Mil e Uma Noites (ANDRADE,
1996, p.6).
É fato, também, que Jorge Luis Borges publicou, em 1935, a História universal
de la infamia, considerada pela crítica a primeira obra do realismo mágico. Apesar de
haver diferenças entre o realismo mágico9 e o fantástico, é importante considerarmos
que, já em 1940, na América Latina, havia um “vigoroso e complexo fenômeno de
renovação ficcional” que denotava a “passagem da estética realista-naturalista para a
nova visão (mágica) da realidade” (CHIAMPI, 1980, p.19).
Ao contrário do que ocorreu na literatura latino-americana, entretanto, Murilo
Rubião não alcançou, com suas crônicas e com os primeiros contos, a projeção na esfera
literária brasileira, pois os escritores daquela época não seguiram esse caminho estético
(ARRIGUCCI Jr., 1999, p. 51).
A respeito dessa negligência por parte da indústria literária brasileira, Vera
Lúcia Andrade conclui:
Incompreendido pela crítica de sua época, Murilo permanece
desconhecido do público em geral até a década de 70, quando, mais
preparado para a recepção de obras deste teor, devido ao grande
‘boom’ da literatura latino-americana, o público consagra-o como um
dos grandes nomes da literatura brasileira (...). O Pirotécnico
Zacarias, editado em 1974, vendeu mais de cem mil exemplares
(ANDRADE, 1996, p.4).
Ao pensar sobre a “dispersão da crítica hispano-americana”, Chiampi (1980) faz
a seguinte constatação:
A deficiência ou a estagnação do discurso crítico, em permanente
descompasso com o ritmo da criação literária, é o resultado da falta de
diálogo e do isolamento das idéias, como o é também de certa
indiferença diante dos projetos interpretativos alheios. Na discussão
do realismo mágico, como em outras importantes questões de
literatura e cultura latino-americanas, a incomunicação ou o mero
9 Optamos por não nos estendermos nas diferenciações entre realismo mágico e realismo maravilhoso,
uma vez que nos concentramos no fantástico e, mais especificamente, no insólito banalizado. A respeito
do realismo mágico, conferir Irlemar Chiampi (op. Cit.).
34
silêncio são responsáveis pela solução de continuidade que sofrem as
propostas críticas (1980, p.25).
A autora buscava o entendimento no que se refere à dificuldade de os críticos
especializados conceituarem, em definitivo, o realismo mágico. Podemos, também, usar
a explicação adotada pela autora para respondermos a um dos questionamentos de nossa
pesquisa, qual seja a da demora em Murilo Rubião ser conhecido no Brasil.
Inclusive, a questão da falta de timing e de comunicação por parte da produção
crítica brasileira parecia ser uma preocupação do autor que, em 1966, criou, na
Imprensa Oficial, o Suplemento Literário, que viria a ser, por muitos anos, uma das
publicações mais importantes do país na área da crítica literária.
Foi no Suplemento Literário que os primeiros trabalhos críticos sobre a obra de
Murilo Rubião foram publicados. Um desses textos foi o de Vera Lúcia Andrade
(1996), no qual procurou “traçar o percurso literário do escritor (...), buscar no
alinhavado geral de sua vida as linhas mestras de sua formação”, enfatizando,
naturalmente, o fato de Rubião ter sido o “precursor” da literatura fantástica no Brasil
(p.3), e ressaltando a qualidade da obra do autor mineiro, a despeito do número reduzido
de contos publicados no decorrer de sua carreira:
Sua marca de fábrica sempre foi o insólito, insólito que se incorpora,
sem surpresa, à banalidade da rotina. Desde o princípio o que mais
espanta em Murilo é a perfeita naturalidade da convivência com o
espantoso (ANDRADE, 1996, p.6).
Nos contos murilianos, o leitor se depara com uma atmosfera onírica, em que
personagens desaparecem (Elisa, O homem do boné cinzento, A noiva da casa azul); um
defunto narra a sua morte apesar de insistir que continua vivo (O pirotécnico Zacarias);
um mágico tira bichos e pessoas dos bolsos e das mangas de seu casaco (O ex-mágico
da Taberna Minhota); uma mulher dá à luz infinitamente (Aglaia); um edifício,
aparentemente obsoleto, cresce sem parar (O edifício); e muitas outras situações
narradas com naturalidade, sem que as personagens se mostrem surpresas ou
indignadas.
35
Foi precisamente com a expressão “sequestro da surpresa” que Arrigucci Jr.
(1999) se referiu a essa falta de estranhamento diante do insólito, característica do
fantástico na produção desse escritor mineiro:
É no mínimo curioso que o traço marcante atribuído a toda arte, o de
surpreender, comece aqui por faltar. Grande parte da dificuldade de
interpretação dessas narrativas reside, pois, na ausência de espanto,
intrínseca ao modo de ser da obra como um atributo do mundo
ficcional (ARRIGUCCI Jr., 1999, p.306).
Dessa maneira, o leitor aceita, tranquilamente, que um coelhinho, no primeiro
parágrafo do conto, peça cigarros ao narrador e, em seguida, transforme-se em pulga,
porco-do-mato ou bode (Teleco, o coelhinho).
No conto Aglaia, a protagonista que dá título ao conto, após contrair
matrimônio, fica grávida, mas recusa-se a ter filhos. Entretanto, após várias tentativas
abortivas, a protagonista não só permanece grávida como engravida novamente, dando
início a uma sequência infinita de partos.
A obra de Murilo Rubião, mesmo possuindo raízes no realismo – influenciadas,
como vimos, por suas leituras de formação –, inclui o sonho, o mágico e o sobrenatural.
O próprio autor se dizia uma pessoa que acreditava no que está além das coisas: “Nunca
me espanto com o sobrenatural, com o mágico, com o mistério. (...) Quem não acredita
em mistério não faz literatura fantástica” (RUBIÃO apud ANDRADE, 1996, p.7).
Entretanto, a existência do medo de que falava Lovecraft (2007), ao descrever as
narrativas de horror, bem como a hesitação defendida por Todorov (2007), estão
ausentes na obra do autor mineiro. Nas narrativas murilianas, o leitor se depara com a
angústia do homem diante da sociedade contemporânea, e o insólito é aceito sem
questionamento ou estranhamento, integrado ao relato de situações cotidianas.
Nesse sentido, a teoria de Alazraki (2001) traz uma contribuição mais efetiva
para a análise das narrativas murilianas, afinal, o trabalho com a linguagem realizado
pelo autor mineiro é de fato o responsável pela criação de uma “segunda realidade”
(p.276) a que se referiu o crítico argentino.
36
Outro aspecto a considerar é o de que as histórias de Rubião estão ambientadas
no mundo normal, conhecido dos leitores, no quotidiano. Para David Roas (2001), a
literatura fantástica é aquela cuja temática tende a colocar em dúvida a nossa percepção
do real e, para que essa ruptura aconteça, é necessário que o texto apresente um
ambiente o mais real possível, de maneira a contrastar com o insólito, para que ocorra,
de fato, o choque entre esses dois mundos (p.24).
Assim, o relato fantástico difere profundamente das outras narrativas que
possuem o elemento insólito, mas cuja ambientação é bastante diferente da do mundo
real, como as narrativas do maravilhoso. E, segundo Roas (2001), o fantástico inscreve-
se na realidade e, ao mesmo tempo, “representa um atentado a essa mesma realidade”.
(p.25).
Não obstante os estudos de Roas (2001) e Alazraki (2001) darem nova
perspectiva ao estudo dessas narrativas, o neofantástico surgiu como forma de descrição
de algumas narrativas hispano-americanas.
Já entre as mais recentes produções críticas brasileiras acerca do insólito
ficcional, e como observado anteriormente10
, García (2007) propôs um novo gênero
representativo da contemporaneidade, o insólito banalizado. Segundo o autor, nessa
categoria operacional, os eventos insólitos
Acabam aceitos sem a possibilidade de serem impedidos de acontecer
ou explicados quanto à sua razão ou natureza, são, então, banalizados
como algo possível de acontecer na experiência cotidiana, bem
próximo do absurdo sem, contudo, configurarem uma denúncia que
busque a transformação, mas como uma constatação desesperadora da
realidade vivenciável ou vivenciada (GARCÍA, 2007, p.14)
Apesar de nos alinharmos aos estudos que tendem a analisar a produção
muriliana no âmbito do insólito banalizado, percebemos uma falta de consenso, entre os
trabalhos da crítica atual, quanto à concepção dessas narrativas como gênero ou modo
literário. O que revela que a literatura sempre demandará mais da crítica do que esta
pode oferecer em termos de estabelecimento de um corpo teórico particular.
10
Cf. p.19 e 20.
37
CAPÍTULO 2 O EX-MÁGICO DA TABERNA MINHOTA: UM PROJETO
LITERÁRIO
[...] a língua é a área de uma ação, a definição e a espera de um possível.
(BARTHES, 2004, p.10)
Estou convencido de que o escrever prosa em nada difere do escrever poesia; em ambos os casos, trata-se
da busca de uma expressão necessária, única, densa, concisa, memorável.
(CALVINO, 1990, p.61)
O ponto de partida para o estudo estilístico é, certamente, a compreensão dos
pressupostos dessa disciplina do campo de estudos da linguagem. Torna-se
imprescindível, também, a conceituação de estilo.
Na Antiguidade grega, o estilo referia-se ao modo de falar em público de modo a
persuadir o ouvinte – era objeto de estudo da Retórica, disciplina bastante prestigiada
até a Idade Média. Para a Retórica, a “arte de persuadir” estava ancorada em três
pressupostos: o da escolha das ideias; o da disposição das ideias; e o do estilo, ou seja,
“os meios de expressão particulares, selecionados pela natureza do discurso a
pronunciar, de acordo com os temas, os objetivos e circunstâncias do que seria
manifestado” (UCHOA, 2013, p.13).
De acordo com os estudos críticos, a Retórica perdeu espaço no fim do século
XVIII, quando o ambiente questionador do Iluminismo propiciou uma nova maneira de
pensar a linguagem e a criação literária, colocando de lado a obsessão classificatória e
normativista da retórica clássica.
Para Uchôa (2013), o período marcado pelo fim da hegemonia dos estudos da
retórica clássica e, consequentemente, o início dos estudos estilísticos pode ser assim
sintetizado:
Perdida a Retórica sua longa autoridade normativa, e também o seu
valor de critério de avaliação, abre-se um vazio no campo do estudo
da linguagem. A Linguística, ao se firmar como estudo científico da
linguagem, no século XIX, na perspectiva histórico-evolucionista, sob
notória influência da filosofia positivista, não podia acolher como
objeto de estudo o estilo, sabidamente um fenômeno de origem
individual e de natureza psíquica. Como se ficou na expectativa da
progressão do pensamento científico que viesse a alcançar o enfoque
38
do estilo, a fim de que esta noção tivesse o seu lugar no quadro da
Linguística, que comportaria variadas disciplinas (UCHÔA, 2013,
p.13).
O homem da época clássica vivera a perenidade, o mundo caracterizado pela
imutabilidade.
No “Século das Luzes” os anseios do homem eram modificados pela ideia de
evolução da natureza e da humanidade, a começar pela própria linguagem, cuja
potencialidade expressiva continuou a ser valorizada (SARAIVA; LOPES, 2005,
p.561); entretanto, de um modo mais dinâmico e menos normativista que a perspectiva
da retórica clássica.
No início do século XX, o surgimento da nova disciplina, a Estilística, foi
simultâneo à sua divisão em duas linhas teóricas: a primeira liderada pelo linguista
suíço Charles Bally (1865-1947) que, com a publicação de Le language et la vie (1952),
construiu a base da chamada Estilística da Língua ou da Expressão Linguística; a
segunda teve Leo Spitzer (1887-1960) como principal teórico e ficou conhecida como
Estilística Literária.
A estilística de Charles Bally, seguidor de Ferdinand de Saussure (1857-1913),
compreendia o estudo da “parole”, ou seja, a língua falada, “por ser espontânea e
natural, ao contrário da língua literária, mais trabalhada, reveladora de um esforço
consciente de fatura e polimento” e, também, o estudo dos efeitos produzidos de modo
espontâneo no ouvinte (SOARES, 1975, p.4221).
Bally ampliou os estudos do seu mestre, voltando-se para “os aspectos afetivos
da língua falada, da língua a serviço da vida, língua viva, espontânea, mas
gramaticalizada, lexicalizada e possuidora de um sistema expressivo” que caberia à
estilística descrever – daí a outra denominação dessa linha de estudos: Estilística
Descritiva –, e se afastou dos textos literários porque, segundo ele, promoviam o estudo
normativo da língua, o que não correspondia à realidade social e psíquica das pessoas
(MARTINS, 2008, p.20).
Em seguida, vieram os estudos de Jules Marouzeau (1878-1964) e Marcel
Cressot (1896-1961) que, apesar de seguirem a mesma linha de Charles Bally,
focalizaram o material linguístico presente em textos literários, a fim de interpretar as
escolhas dos escritores como um modo de se compreender como cada um chegava à
39
expressão mais eficaz. Ao contrário do que a maior dos estudos da estilística linguística
postulava, eles percebiam o texto literário como objeto de estudo da estilística, uma vez
que “o material linguístico escolhido [pelos escritores] cobre todos os domínios da
língua” e, consequentemente, as pesquisas estilísticas devem se concentrar no estudo do
som, da significação e do “arranjamento das palavras” (MARTINS, 2008, p.21).
Mesmo tendo ido além dos estudos ballyanos e levado a estilística para mais
próximo do discurso, esses teóricos estavam ainda presos à linguística. A ponte entre
linguística e literatura, no âmbito dos estudos estilísticos, só foi possível quando o
estudioso alemão Karl Vossler (1872-1949) transpôs a filosofia idealista de Benedetto
Croce (1866-1952) para os estudos de linguagem, dando origem à Estilística Literária.
Em 1912, no Breviário de Estética (2008), Croce desenvolveu uma teoria de
estética em que “o princípio de autonomia e liberdade do indivíduo, que, ao expressar-
se, exterioriza aquilo que mais especificamente humano possui” (MOREJÓN;
MARTINS, 1967, p.152-3) – na qual ficava clara a sua oposição à visão historicista dos
neogramáticos, na qual apenas a materialidade linguística importava.
Para Croce, os estudos do estilo devem partir da premissa de que estilo é
“intuição”:
[...] o que não se objetiva em uma expressão não é intuição ou
representação, mas sim sensação e naturalidade. O espírito só intui
fazendo, formando, expressando. Quem separa intuição de expressão
nunca chega a ligá-las (MOREJÓN; MARTINS, 1967, p.153).
O pensamento estético croceano alterou os estudos estilísticos e influenciou os
estudos subsequentes, dentre os quais está o de Leo Spitzer, de cunho psicologista,
característica assim explanada por Martins (2008):
[...] parte da reflexão sobre os desvios da linguagem em relação ao uso
comum; uma emoção, uma alteração do estado psíquico normal
provoca um afastamento do uso linguístico normal; um desvio da
linguagem usual é, pois, indício de um estado de espírito não habitual.
O estilo do escritor – a sua maneira individual de expressar-se –
reflete o seu mundo interior, a sua vivência (p.24).
40
Este teórico via no traço estilístico o ponto de partida para a compreensão do
espírito e, simultaneamente, do estilo.
Em afinidade com a estética croceana, Dámaso Alonso (1898-1990), um dos
doutrinadores da estilística literária, defendeu que a intuição do leitor da obra literária é
que pode reconstruir a intenção do seu autor; e, à estilística cabe a “enumeração dos
modos que tem a elocução poética para produzir uma motivação do vínculo entre
significante e significado” (ALONSO, 1960, p.82). Em outras palavras, identificar os
elementos linguísticos responsáveis pelo prazer estético provocado no leitor.
Uma obra literária deve comportar duas intuições, a do autor – cujo interior é um
“registro, misterioso depósito” – e a do leitor, “adormecido despertador”, como Alonso
(1960) observa, na introdução de seu livro: “a obra somente principia no momento em
que suscita a intuição do leitor, porque só então começa a ser operante” (p.30). Para
existir a obra literária, portanto, é necessária a intuição do autor, que propicia o registro
no papel, e a intuição do leitor, que só entra em funcionamento no momento da leitura.
Seria, então, para esta linha de estudos de linguagem, a intuição do leitor responsável
pela identificação de uma “complexidade de complexidades, fantástica rede de
interrelações de elementos pertencentes a bem diversas ordens, que se vinculam entre si
em todas as direções possíveis” (p.80).
Para finalizar essas considerações acerca do objeto de estudo da Estilística,
aceitamos a sugestão de Nilce Sant’Ana Martins, em Introdução à Estilística (2008), e
selecionamos dois conceitos de estilo que norteiam nosso estudo, a saber:
‘Estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios
de expressão, determinada pela natureza e pelas intenções do
indivíduo que fala ou escreve’ – Pierre Guiraud, 1975.
(...)
‘Estilo é a linguagem que transcende do plano intelectivo para carrear
a emoção e a vontade’ – Mattoso Câmara Jr., 1977. (MARTINS,
2008, p.19)
De onde podemos compreender que a Estilística Literária investiga, a partir das
regras de funcionamento da língua, as transformações e, às vezes, as transgressões
efetuadas pelo escritor a fim de enfatizar uma expressão.
41
É tempo de ressaltarmos que estes parágrafos introdutórios não comportam o
detalhamento dessas diferentes correntes estilísticas, nem mesmo pretendem uma
comparação crítica entre elas. Do mesmo modo, tratar dos novos caminhos dos estudos
estilísticos não foi um dos objetivos desta dissertação. Consideramos importante,
entretanto, enfatizar o conceito de estilo como desvio, como a busca da potencialização
do caráter expressivo das palavras, para que possamos refletir sobre o estilo do contista
mineiro Murilo Rubião.
Assim, tendo abordado os aspectos fundamentais das mais importantes correntes
teóricas acerca do fantástico e situado a escrita muriliana no contexto literário brasileiro
– no capítulo anterior –, passo à análise do estilo do autor mineiro a partir da
comparação de três versões do conto “O ex-mágico da Taberna Minhota”. Não se trata
de três republicações, pois uma das versões utilizadas corresponde à original do conto –
datilografada e arquivada pelo autor em seu Acervo. Para essa versão, será utilizada a
sigla ORG. A segunda versão, que será assinalada pela sigla EXM, foi publicada no
primeiro livro do autor, O ex-mágico, em 1947. A terceira, a reedição do conto,
publicada no livro O pirotécnico Zacarias (1976) 11
.
A comparação das versões será feita, em princípio, por meio do que o autor
edifica como o insólito ficcional, por meio de sua concepção de criação literária e
construção de personagem. Visando ampliar a discussão, investigo alguns temas nos
contos, aproximando-os de conceitos desenvolvidos por Zygmunt Bauman, na obra
Modernidade líquida (2001). Tais conceitos, por sua vez, serão refletidos no âmbito da
nova configuração do conto, enunciada pelo crítico e escritor argentino Ricardo Piglia,
em Formas Breves (2004), e da poética do conto pós-moderno brasileiro, enunciada
pelo professor e autor brasileiro Ítalo Ogliari, em A poética do conto pós-moderno e a
situação do gênero no Brasil (2012).
Em um segundo momento, afunilaremos a análise para aspectos mais
intrínsecos dos contos, examinando usos sintáticos, morfológicos e seus efeitos nos
textos, mas sem perder de vista o contexto. A teoria de base para esta análise será a de
Nilce Sant’Ana Martins (2008), Dámaso Alonso (1960) e Pierre Guiraud (1970).
As outras obras consultadas nessa análise foram: a “Gramática Houaiss de
Língua Portuguesa”, de José Carlos de Azeredo (2008); a “Gramática Metódica da
11
Cf. Anexos A, B e C.
42
Língua Portuguesa” (2009), de Napoleão Mendes de Almeida; e “Morfologia
Portuguesa” (2002), de José Lemos Monteiro.
2.1 A criação literária, o insólito banalizado e a modernidade líquida.
[...] a verdade, seja lá qual for, só é acessível pela mentira, pela trapaça, pela
invenção e pela imaginação da arte.
(CALVINO, 1991, p.226)
Alguns contos de Murilo Rubião foram analisados como alegorias da criação
literária. Álvaro Lins (1948), Jorge Schwartz (1981) e Audemaro Goulart (1995)
apresentaram suas leituras dos contos “Marina, a Intangível”, “O ex-mágico da Taberna
Minhota” e “O Edifício” na perspectiva da metapoeticidade – como metaforização do
processo criativo e da dificuldade enfrentada pelo escritor ao tentar se expressar
artisticamente.
O primeiro parágrafo do conto “Marina, a Intangível”, apresenta o protagonista
José Ambrósio, um jornalista com dificuldade em se “concentrar nas obrigações
diárias”, que, diante da falta de inspiração, descreve o seu sofrimento e se diz à espera
da “vinda de Marina” (RUBIÃO, 1979, p.50). Goulart (1995) observa que a alegoria da
criação poética já está expressa nessas primeiras linhas, e que o protagonista representa
o escritor, enquanto Marina, a poesia (p.71).
Em seguida, o leitor é apresentado a um personagem enigmático:
[...] ao descerrar as venezianas, deparei com a fisionomia de um
desconhecido. Rapidamente afastei os olhos noutra direção. Aquela
cara me incomodava. Toda ela era ocupada por um nariz grosso e
curvo (RUBIÃO, 1979, p.52).
O intruso causa estranhamento a José Ambrósio, que se fixava nas
características incomuns: a “cabeça desproporcionada” que ocupava quase toda a janela,
43
o “rosto sem movimento”, “o corpo franzino”; mais estranha era a mensagem que o
homem estranho trazia a José Ambrósio: trazia consigo os versos para Marina, a
Intangível (RUBIÃO, 1995, p.52). Os parágrafos que descrevem essa aparição súbita
remetem o leitor a uma atmosfera onírica, além disso, a ênfase nas características dessa
“figura desajeitada e estranha” nos permite associá-lo ao insólito ficcional. Neste ponto,
entendemos ser possível uma leitura, mais que metapoética, autobiográfica do conto. É
sabido que Rubião trabalhou como jornalista e teve dificuldades em publicar seus
contos, uma vez que não havia espaço para literatura nos jornais – conforme
mencionado no capítulo 1. E o insólito foi, sem dúvidas, uma marca distintiva em sua
produção.
As linhas seguintes de “Marina, a Intangível” trazem as imagens de um cortejo,
representando a autoconstrução do texto literário, ao qual o narrador-protagonista
assiste extasiado:
Sem recuar, levantou os braços, curtos e descarnados, para o alto:
tocaram os sinos. Solenes e compassados. Vieram os padres
capuchinhos. Galgaram ágeis o muro, soprando silenciosas trombetas.
(Dez muros tinham saltado e ainda teriam que saltar dez.) Um pouco
atrás, vinha a Filarmônica Flor-de-lis, com os pistonistas envergando
fardas vermelhas. Tocavam os seus instrumentos separadamente e sem
música. Simplesmente soprados. Encheram a noite sons agudos,
desconexos, selvagens. O coral de homens de caras murchas veio em
seguida. Seus componentes escancaravam a boca como se desejassem
cantar e nenhum som emitiam. (RUBIÃO, 1979, p.55-6).
Em seguida, temos a entrada da tão aguardada Marina – a poesia finalizada só
após a luta com as palavras empreendida por José Ambrósio e representada pelo insólito
cortejo.
Outro ponto ressaltado na análise de Goulart foi o das consultas que José
Ambrósio faz à Bíblia, em busca de inspiração. A biografia de Murilo Rubião, bem
como as diversas entrevistas concedidas pelo autor, indica que o autor escolhia as
epígrafes bíblicas sempre após a escrita dos contos, e que elas funcionavam como um
fechamento do círculo narrativo. Em relação à história de José Ambrósio há, portanto,
esta outra inversão:
44
O conto volta-se, assim, sobre si mesmo como que sugerindo a
discussão de sua elaboração. Colocando em destaque a questão da
realidade – a presença de Marina – e de sua representação – sua
manifestação através da escrita –, Murilo Rubião toca o cerne da
própria criação literária: o árduo jogo da construção do texto”
(GOULART, 1995, p.75).
Em entrevista a J. A. de Granville Ponce o autor mineiro dá indícios dessa
possibilidade de interpretação de seus contos do ponto de vista da alegoria da criação
literária:
Sempre aceitei a literatura como uma maldição. Poucos momentos de
real satisfação ela me deu. Somente quando estou criando uma história
sinto prazer. Depois é essa tremenda luta com a palavra, é revirar o
texto, elaborar e reelaborar, ir para frente, voltar. Rasgar (RUBIÃO,
1974, p.5).
Também o conto O Edifício pode ser lido na perspectiva da metapoeticidade e,
mais especificamente, da “relação do sujeito da escritura e sujeito da leitura”
(GOULART, 1995, p.75).
O protagonista, João Gaspar, contratado por um Conselho Superior da Fundação
é designado para supervisionar a construção de um edifício cuja finalidade não lhe é
informada, o que não importou ao jovem engenheiro, interessado apenas em chefiar a
construção do “maior arranha-céu de que se tinha notícia” (RUBIÃO, 1986, p.37). O
Conselho dá liberdade a João Gaspar em sua função de engenheiro chefe, mas o adverte
quanto à existência de uma lenda de que “sobreviria irremovível confusão no meio dos
obreiros ao se atingir o octingentésimo andar do edifício e, consequentemente, o
malogro definitivo do empreendimento” (p.37), o que deveria ser evitado a todo custo
pelo engenheiro.
De fato, apesar de João Gaspar dirigir a obra, a chegada ao octingentésimo andar
termina em confusão, o que o faz quase desistir de sua função e admitir o fracasso; no
entanto, os funcionários o fazem voltar ao edifício, cuja construção não havia sido
interrompida. Assim, a construção atinge proporções absurdas e o engenheiro, “para
prolongar o sabor do triunfo, que o cansaço começava a solapar” (p.39), decide redigir
um relatório a fim de mostrar aos conselheiros. Ao chegar à sede do Conselho,
45
Em vez de cumprimentos que julgava merecer, uma surpresa o
aguardava: haviam morrido os últimos conselheiros e, de acordo com
as normas estabelecidas após a desmoralização da lenda, não se
preencheram as vagas abertas. Ainda duvidando do que ouvira, o
engenheiro indagou ao arquivista – único auxiliar remanescente do
enorme corpo de funcionários da entidade – se lhe tinham deixado
recomendações especiais para a continuação do prédio. De nada sabia,
nem mesmo por que estava ali, sem patrões e serviços a executar
(RUBIÃO, 1986, 39).
Em seguida, o protagonista, desolado, reúne os funcionários, explica-lhes o
ocorrido e ordena o fim da construção. Neste momento, os obreiros o informam que as
ordens por eles recebidas, antes da chegada do engenheiro chefe, não foram revogadas,
e informam que continuariam a construção. A última frase do conto: “E, risonhos, os
obreiros retornavam ao serviço, enquanto o edifício continuava a ganhar altura” (p.41),
é assim explicitada por Arrigucci Jr. (1986):
O discurso ficcional também se coaduna com o princípio de
construção do edifício: o conto, onde parece ecoar o mito do aprendiz
de feiticeiro, permanece ironicamente aberto para um contar
inacabável (...). A invenção fantástica cria, assim, um movimento
ininterrupto; em compensação, esse movimento é condição necessária
do conto (de qualquer narrativa): se parassem as obras, se o edifício
não se modificasse... (p.9).
O modificador é o escritor, capaz de romper com a tediosa repetição e recriar a
realidade. Para Goulart (1995), neste conto é possível, ainda, a reflexão sobre os
dilemas de Murilo Rubião em relação ao ato criador. Isso pode ser percebido na
abertura do conto:
Mais de cem anos foram necessários para se terminar as fundações do
edifício que, segundo o manifesto de incorporação, teria ilimitado
número de andares. As especificações técnicas, cálculos e plantas,
eram perfeitas, não obstante o ceticismo com que os catedráticos da
Faculdade de Engenharia encaravam o assunto. Compelidos a se
manifestarem sobre a matéria, por algum aluno insatisfeito com o tom
reticencioso dos mestres, resvalavam para a malícia, afirmando tratar-
se de ‘vagas experiências de outra escola de concretagem’ (RUBIÃO,
1986, p.35).
46
O trecho acima está no início do conto, em itálico, e funciona como uma
introdução; em seguida, as partes do conto são numeradas e recebem subtítulos. Essa
introdução e a própria estruturação do texto já são uma referência à tradição literária
(catedráticos) e ao seu duro posicionamento (cético) quanto às vanguardas (GOULART,
1995, p.78).
A dificuldade de João Gaspar em parar a construção do obsoleto edifício é uma
alegoria do momento da criação literária em que o autor perde o domínio sobre a sua
obra: o momento da escrita e da publicação, quando a característica plurissignificativa
do texto é possibilitada pela leitura e, principalmente, quando o leitor entra em cena.
Para Goulart (1995), “é o momento em que o diálogo entre o sujeito da escritura/sujeito
da leitura revela a impossibilidade de o criador da obra ser o dono absoluto do
processo” (p.79).
Nessa mesma linha, ao apresentar a sua análise para este mesmo conto, Schwartz
(1981) destacou a hipérbole como o elemento responsável pela junção dos níveis
retórico e semântico, formalizando o conteúdo do conto (p.71).
Sintetizando as análises desses três autores e retomando o texto de Goulart
(1995) a respeito do posicionamento de Rubião perante “o tom reticencioso” da crítica
aos escritores modernistas (p.78), identificamos mais que a metapoeticidade, a
autobiografia. Essa autobiografia, entretanto, é transfigurada: as imagens fantásticas
nos transportam não para outra realidade, visto que o fantástico moderno, apresentado
no capítulo anterior, não comporta outro mundo, mas desvia a nossa atenção para um
conjunto de formas, as quais preenchem (e modificam) o que seria um relato
autobiográfico.
Em Murilo Rubião, os recursos estilísticos da metáfora, hipérbole e reiteração
são responsáveis por inscrever o insólito na narrativa. As mágicas involuntárias e
descontroladas do (ex)mágico; a mulher que não controla os seus desejos e, a cada
pedido que faz ao marido, engorda exageradamente (“Bárbara”); um edifício sem
função alguma que não pára de crescer (“O edifício”); um convidado que não encontra a
saída de uma festa cujo anfitrião ninguém vê (“O convidado”); um coelho que se
metamorfoseia em muitas figuras inusitadas (“Teleco, o coelhinho”); ou uma fila
infinita cuja existência e finalidade ninguém sabe explicar (“A fila”) – algumas das
muitas imagens criadas por Murilo Rubião, por meio do exagero e da repetição, que se
47
constituem a metáfora da crise existencial pela qual passou o sujeito da modernidade e –
como veremos adiante – a antecipação dos conflitos da sociedade pós-moderna.
Esses três recursos da estilística, recorrentes na poética muriliana, trazem para o
plano da narrativa as imagens da crise interna do sujeito da modernidade e, também, das
próprias cidades brasileiras que estavam se industrializando, e que viria a derramar e
constituir a pós-modernidade. Todos os conflitos dessa nova sociedade são antecipados
por Murilo Rubião em sua obra.
Citamos, a pouco, algumas das análises de maior expressão de contos
murilianos, para que a leitura que ora apresentaremos pra um dos contos mais
expressivos de Murilo Rubião, O ex-mágico da Taberna Minhota (1947), seja-lhes
senão distinta, complementar.
As primeiras linhas apresentam o narrador-personagem:
Todo homem, ao atingir certa idade, pode perfeitamente enfrentar a
avalanche do tédio e da amargura, pois desde a meninice acostumou-
se às vicissitudes, através de um processo lento e gradativo de
dissabores. Tal não aconteceu comigo. Fui atirado à vida sem pais,
infância ou juventude (RUBIÃO, 1986, p.53).
O mágico não se sente como “todo homem”, uma vez que sua própria origem é
desconhecida, e o primeiro elemento que foge às regras do mundo real já é apresentado
nessas poucas linhas: alguém que aparece no mundo, já grisalho, olhando-se em um
espelho de um restaurante. Em seguida, é o dono do restaurante que surge de um de
seus bolsos, questionando-o, ao que, o narrador se mostra indiferente:
O que poderia responder, nessa situação, uma pessoa que não
encontrava a menor explicação para sua presença no mundo? Disse-
lhe que estava cansado. Nascera cansado e entediado (p.53).
A ação seguinte à do aparecimento do proprietário da Taberna corresponde ao
início de uma série de mágicas para divertir o público do restaurante, que não se espanta
48
com os seus feitos – característica, segundo Arrigucci Jr. (1999), necessária e exclusiva
do fantástico muriliano.
A fim de refletir sobre a questão do espanto, tomemos o seguinte trecho:
Ele sim, perplexo, me perguntou como podia ter feito aquilo. O que
poderia responder, nessa situação, uma pessoa que não encontrava a
menor explicação para a sua presença no mundo? Disse-lhe que estava
cansado. Nascera cansado e entediado. Sem meditar na resposta, ou
fazer outras perguntas, ofereceu-me um emprego(...)” (grifos nossos)
(RUBIÃO, 1986, p.53).
O “sequestro da surpresa” a que se referiu Arrigucci Jr. (1999, p.306) deve-se à
falta de uma explicação, seguida da aceitação desses acontecimentos insólitos por parte
das personagens. Do mesmo modo, o narrador aceita o seu existir sem um nascimento e
sem ter tido as experiências de todo homem real. No entanto, assim como para o homem
real é natural encontrar o cansaço no fim da vida, ele também se revela “cansado” e
“entediado”. O protagonista é, então, o principal elemento insólito da narrativa.
Considerando a contemporaneidade da narrativa de Murilo Rubião, é
interessante pensar que ela encontra correspondente na “metáfora da liquidez”, tratada
por Zygmunt Bauman (1925-), e que o ex-mágico é uma representação do sujeito da
“sociedade líquida” descrita por este sociólogo polonês, considerado um dos líderes da
sociologia humanística.
Bauman (1998) se interessa pelas doenças dessa época líquido-moderna, na qual
o mundo e, consequentemente, a vida humana estão à mercê das “forças do mercado”
(PALHARES-BURKE, 2004, p.302). Para ele, a sociologia, ou seja, “a ciência da
sociedade”, teve sua origem no momento exato em que surgiu a modernidade:
Partindo da idéia de que o mundo que herdamos dos tempos pré-
modernos, tradicionais, ignorantes, preconceituosos e supersticiosos
era um mundo desordenado e caótico, a tarefa que se impunha era
torná-lo melhor (PALHARES-BURKE, 2004, p.308).
E cabia ao Estado, aos legisladores, com o auxílio da sociologia, promover essa
melhoria. Entretanto, o projeto de modernidade foi posto de lado: “vivemos em tempos
49
de desregulamentação, de descentralização, de individualização”, em que a política dá
lugar à “política da vida”, marcada pela busca de uma resposta individual para os
problemas sociais. Nesse sentido, a sociologia atual se dirige ao indivíduo, não ao Poder
Público (PALHARES-BURKE, 2004, p.308).
A premissa de que o indivíduo foi abandonado pelo Estado e está vivendo nesta
sociedade caótica justifica grande parte da produção intelectual de Bauman, assim como
a temática desses livros. E, pensando nos objetivos desta dissertação, este é o ponto de
partida para a releitura dos contos murilianos na perspectiva acima explicitada: a do
sujeito em um turbilhão, cujo tempo para compreender as modificações da sociedade,
aliado à falta de recursos para transformá-la fazem dele um fantoche angustiado.
Bauman (2001) optou por chamar “modernidade líquida” ao que outros
sociólogos e filósofos chamaram pós-modernidade. À modernidade líquida Bauman
(2001) contrapõe a “modernidade sólida”, que representa o início da era moderna, a que
outros se referem apenas como “modernidade”, a exemplo do filósofo francês Jean-
François Lyotard (1988).
A escolha terminológica diversa se justifica pelo fato de que, segundo Bauman,
não é possível utilizar o prefixo “pós”, uma vez que ainda estamos vivenciando esta era
(moderna). O que ocorreu foi apenas a crise e o esvaziamento da estrutura que uma vez
sustentou a era moderna: a do Estado como protagonista dessa organização social. A
transformação dessa organização se deu com o aumento do poder do setor privado e,
consequentemente, a discreta retirada do Estado. Além disso, Bauman se viu
incomodado com a dificuldade em se distinguir semanticamente sociologia pós-
moderna de sociologia da pós-modernidade, entre pós-modernismo e pós-modernidade
(BAUMAN, 2001, p.21).
O sociólogo nos explica que a pós-modernidade é uma sociedade, ou melhor,
uma “condição humana”, enquanto o pós-modernismo é uma visão de mundo. Então,
um sujeito da pós-modernidade pode ou não se identificar com a visão pós-modernista:
Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do
mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras
coisas, descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da
comunidade humana e assume que todos os tipos de vida humana se
equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou más;
enfim, uma ideologia que se recusa a fazer julgamentos e a debater
50
seriamente questões relativas a modos de vida viciosos e virtuosos,
pois, no limite, acredita que não há nada a ser debatido. Isso é pós-
modernismo (PALHARES-BURKE, 2004, p.321).
Às ideologias “fortes”, “pesadas”, de caráter orientativo da modernidade sólida,
opõe-se o esgotamento dessas ideologias e, consequentemente, o período de crise em
que vivemos. A modernidade líquida é a “modernidade sem ilusões” –, no sentido de
que
Diferentemente da sociedade moderna anterior, a que eu chamo de
modernidade sólida, que também estava sempre a desmontar a
realidade herdada, a de agora não o faz com uma perspectiva de longa
duração, com a intenção de torná-la melhor e novamente sólida. Tudo
está agora sempre a ser permanentemente desmontado, mas sem
perspectiva de nenhuma permanência (Ibidem., p.322).
Isso nos permite pensar nas mágicas descontroladas do protagonista muriliano
como a ilustração dessa condição humana, social e política descrita por Zygmunt
Bauman.
O que antes era “sólido” (fixo, rijo) hoje é “líquido” (fluido, maleável). O
aspecto principal da natureza dos fluidos é a possibilidade de assumirem diferentes
formas:
Os fluidos, por assim dizer, não fixam espaço nem prendem o tempo.
Enquanto os sólidos têm dimensões espaciais mais claras, mas
neutralizam o impacto e, portanto, diminuem a significação do tempo
(...), os fluidos não se atêm muito a qualquer forma e estão
constantemente prontos (e propensos) a mudá-la (BAUMAN, 2001,
p.8).
Os sólidos resistem ao tempo, os líquidos são por ele modificados:
A desintegração da rede social, a derrocada das agências efetivas de
ação coletiva, é recebida muitas vezes com grande ansiedade e
lamentada como ‘efeito colateral’ não previsto da nova leveza e
fluidez do poder cada vez mais móvel, escorregadio, evasivo e
51
fugitivo. Mas a desintegração social é tanto uma condição quanto um
resultado da nova técnica do poder, que tem como ferramentas
principais o desengajamento e a arte da fuga. Para que o poder tenha
liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras,
fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços
sociais, e em particular uma que esteja territorialmente enraizada, é
um obstáculo a ser eliminado (BAUMAN, 2001, p.22).
Nesse sentido, a modernidade líquida está marcada pela fragmentação e pela não
permanência de ideologias, posicionamentos, teorias etc., o que influencia o homem e
seus relacionamentos consigo próprio e com a sociedade.
O pensamento de Bauman retoma os trabalhos de importantes sociólogos dos
séculos XIX e XX, como Durkheim (1858-1917), Simmel (1858-1918) e Weber (1864-
1920) e também dialoga com pensadores como Marx (1818-1883), Benjamin (1892-
1940) e Derrida (1930-2004). A questão do sujeito fragmentado, por exemplo, recupera
a teoria de George Lukács que, em A teoria do romance (2007), constatou que o
“colapso do mundo objetivo” resultou nessa fragmentação: “(...) somente o eu
permanece existente, embora também a sua existência dilua-se na insubstancialidade do
mundo em ruínas criado por ele próprio” (LUCÁKS, 2007, p.52).
As relações humanas nesses tempos líquidos, consequentemente, são marcadas
pela superficialidade e volatilidade. Bauman (2001) retomou Jean Paul Sartre, em O
existencialismo é um humanismo (1987) – que, na década de 40, escreveu que “o
homem nada mais é do que o seu projeto; só existe na medida em que se realiza; não é
nada além de um conjunto de seus atos” (SARTRE, 1987, p.13) – a fim de pensar o
lugar do “projeto de vida” em um mundo caracterizado pela fluidez. Naquela época, era
possível se pensar no sujeito que traçava “plano”, a que ele perseguiria com afinco,
passo-a-passo, a fim de alcançar sucesso em sua existência:
Na época da modernidade sólida, quem entrasse como aprendiz nas
fábricas da Renault ou da Ford iria com toda a probabilidade ter ali
uma longa carreira e se aposentar após 40 ou 45 anos. Hoje em dia,
quem trabalha para Bill Gates por um salário talvez cem vezes maior
não tem idéia do que poderá lhe acontecer dali a meio ano! E isso faz
uma diferença incrível em todos os aspectos da vida humana (p.322).
52
O sujeito da modernidade líquida não pode sustentar um projeto de vida devido à
transitoriedade de seus desejos e objetivos, além, é claro, do fato de ser apenas mais um
elemento flutuante desse ambiente sócio-político.
A sociedade líquido-moderna passou por mudanças que instauraram um novo
clima cultural. A passagem da vida segura para a vida precária e incerta foi uma dessas
mudanças. Em “Vida líquida” (2005), Bauman retoma a segurança que os fortes ideais
que fundavam a modernidade sólida proporcionavam à sociedade para expor a crise de
segurança que a sociedade líquida experimentou ao perder aquelas referências:
As preocupações mais intensas e obstinadas que assombram este tipo
de vida são os temores de ser pego tirando uma soneca, não conseguir
acompanhar a rapidez dos eventos, ficar para trás, deixar passar as
datas de vencimento, ficar sobrecarregado de bens agora indesejáveis,
perder o momento que pede mudança e mudar de rumo antes de tomar
o caminho de volta (BAUMAN, 2007, p.8).
Além dessa precariedade e do caos existencial dela decorrente, a passagem da
modernidade sólida para a líquida está marcada pelo confronto entre as idéias de
eternidade e infinitude. Quando a sociedade estava segura quanto às bases ideológicas,
podia-se pensar em eternidade no sentido metafísico.
A modernidade em crise, no entanto, não pode pensar em valores eternos, e sim
na infinitude:
A eternidade é o óbvio rejeitado. Mas não a infinitude. Enquanto esta
durar o presente permanece, o dia de hoje pode-se esticar para além de
qualquer limite e acomodar tudo aquilo que um dia se almejou
vivenciar apenas na plenitude do tempo” (BAUMAN, 2007, p.14-5).
Essa noção de infinitude é existencial e compreende o esticamento do tempo
presente – o que, voltando ao projeto de vida sartreano, explica a impossibilidade de se
hipotetizar uma vida futura.
“A vida passou a ser dividida em episódios” – podemos associar essa fala do
Bauman (2011) ao texto do Ricardo Piglia (2004), sobre o conto moderno, para
justificar o fato de o conto ser considerado a narrativa da modernidade.
53
Piglia (2004) elenca duas teses sobre o conto. A primeira, “um conto sempre
conta duas histórias” (p.89), é explicada a partir da estrutura do conto clássico, no qual a
história 1 é aparente, e a história 2, a que é construída secretamente; o final
surpreendente se dá quando a história 2 surge na superfície, e todos os conflitos
instaurados são resolvidos. A segunda tese é a de que “a história secreta é a chave da
forma do conto e de suas variantes” (p.91), e ressalta a importância da técnica do
contista, uma vez que o seu mérito está em cifrar a segunda narrativa que é, na verdade,
o enredo principal.
O conto moderno, por sua vez, abandonou a divisão clara entre realidades. Piglia
diz que se trata de uma narrativa que “abandona o final surpreendente e a estrutura
fechada; trabalha a tensão entre as duas histórias sem nunca resolvê-las” (2004, p.91).
Nesse sentido, é possível pensar nessa tese como reveladora da forma de narrativa que
representa a sociedade líquida descrita por Bauman (2001). Parece razoável, também,
que a questão da reescrita muriliana, além de ser uma representação do artista sensível
às transformações de ordem estrutural e formal do conto, no contexto da literatura
brasileira pós-Geração de 1930, indica que o autor carregava as angústias existenciais,
comuns a qualquer época, mas que se agravaria na modernidade líquida.
A revisão bibliográfica realizada no decorrer de nossa pesquisa nos levou à obra
de Ítalo Ogliari, intitulada A poética do conto pós-moderno e a situação do gênero no
Brasil (2012), na qual está muito bem descrita uma das formas de representação literária
da sociedade líquida: o conto. Em sua introdução, o pesquisador tece o conceito de pós-
modernidade a partir da comparação com o de modernidade:
[...] a pós-modernidade nada mais é do que o transbordar da
modernidade: o derramamento de tudo aquilo que a modernidade
escondeu e que agora está visível. É a própria modernidade
desnudada, sem proteção, sem ter como esconder sua estrutura, os
discursos que a sustentaram, mostrando-se, por consequência,
fragilizada (OGLIARI, 2012, p.9).
A modernidade promoveu a normatização do gênero conto. Ao contrário do
caráter indefinido de outrora, o conto moderno teve a sua poética delineada e
historicizada, especialmente, por aqueles que o produziram: “ditou aquilo que podia e o
54
que não podia ser conto, como deveria ser e o que não poderia ter” (OGLIARI, 2012,
p.10).
Os capítulos cinco e seis do livro de Ogliari (2012) retomam a história do conto
moderno brasileiro, analisam como se manifestou a desestruturação da poética do conto
moderno e, consequentemente, a elaboração da nova poética do conto produzido na
sociedade líquida de Zygmunt Bauman.
O autor menciona, naturalmente, as raízes do conto literário no século XIX, mas
detém-se ao fato de o gênero ter se manifestado simultaneamente ao surgimento da
imprensa:
todos os contistas da época tinham o jornalismo como profissão, e a
necessidade de expressão literária encontrava, conta a sua história, o
limite do curto espaço de um jornal ou de um folheto, explicando o
tamanho reduzido das narrativas e a escolha pelo gênero (OGLIARI,
2012, p.71)12
.
Interessante, também, a influência temática propiciada por esse modo de
circulação, além, é claro, do estilo jornalístico desses contos iniciais – Ogliari (2012)
cita como exemplo os contos de João Miguel Pereira da Silva, produzidos em 1838;
Francisco de Paula Brito, em 1840; e Joaquim Norberto de Sousa, em 1841, autor da
primeira coletânea de contos brasileiros e considerado o pai do gênero no Brasil (p.72).
É, então, bastante natural que a carreira de Murilo Rubião tenha também
começado com a publicação de contos em jornais. O que não era comum, como já visto,
era a temática daqueles contos e, especialmente, as imagens absurdas criadas nas
narrativas.
De fato, o insólito é o diferencial entre a obra de Murilo Rubião e a de seus
colegas contistas naquela época; e, principalmente, o modo como o autor mineiro se
utilizou do insólito em seus contos – afinal, como apontamos no capítulo anterior desta
dissertação, outros autores já haviam produzidos contos fantásticos.
Retornamos, agora, aos primeiros parágrafos do conto analisado, já mencionados
no início deste capítulo, onde o protagonista declara não ter tido infância ou
12
Ítalo Ogliari, nesta obra, não discute as noções de gênero e modo literário; apenas assume o conto como
gênero. Por esse motivo, ao resenharmos o seu estudo, mantivemos a terminologia por ele adotada.
55
adolescência, o que o impossibilita de explicar a sua existência. Em Identidade (2005),
Bauman se utiliza de elementos de sua própria biografia para explicitar o seu conceito
de deslocamento – uma idéia que podemos trazer para o conto analisado a fim de
interpretar as palavras iniciais do mágico.
Bauman é de família judia polonesa e, no início da Segunda Guerra Mundial,
fugiu da ex-União Soviética e se alistou no Exército a fim de lutar contra o nazismo. Os
estudos sociológicos vieram depois, quando estava na Varsóvia, onde se envolveu em
movimentos intelectuais reformistas, que desafiavam o partido comunista polonês
(BAUMAN, 2005, p.16). O resultado foi uma nova fuga, desta vez para a Inglaterra,
onde fixou residência e vive até hoje. Dessa sua condição de refugiado, o autor percebeu
que não importava o lugar onde estivesse, ele estaria sempre “deslocado”:
Estar total ou parcialmente ‘deslocado’ em toda parte, não estar
totalmente em lugar algum (ou seja, sem restrições e embargos, sem
que alguns aspectos da pessoa ‘se sobressaiam’ e sejam vistos por
outras como estranhos), pode ser uma experiência desconfortável, por
vezes perturbadora. Sempre há alguma coisa a explicar, desculpar,
esconder ou, pelo contrário, corajosamente, ostentar, negociar,
oferecer e barganhar. (...) As ‘identidades’ flutuam no ar, algumas de
nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em
nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as
primeiras em relação às últimas (BAUMAN, 2005, p.18-19).
O autor ainda traz o termo chez soi (em casa) em oposição à idéia do estar
deslocado, e enfatiza que esse sentimento de estar em casa é muito frágil, apenas uma
atitude desesperada, um “sonho de pertencimento” (Ibidem., p.20).
O ex-mágico pode ser entendido, então, como esse sujeito que questiona a
ordem social e que é obrigado a se tornar um refugiado de si mesmo. Um sujeito sem
um existir que o prepare para as diferentes fases da vida; um mágico que não encontra
razão para os truques que realiza e que provoca reações no público, e que só se percebe
como mágico quando deixa de sê-lo. Será, também, a não identidade que o fará invisível
aos olhos dos colegas de repartição e, em especial, da colega por quem se apaixona.
Os traços do homem da sociedade líquido-moderna descrita por Bauman (2005)
já estão presentes na poética muriliana, que antecipa elementos do que viria a ser o
conto pós-moderno, tanto em sua estrutura quanto na temática.
56
Nesse sentido, a terminologia insólito banalizado, adotada por pesquisadores
brasileiros para esse modo discursivo, vem contribuir com os estudos do insólito
ficcional, uma vez que o aproxima das características do conto pós-moderno e indica a
evolução do que um dia foi entendido como gênero fantástico.
2.2 A reescrita muriliana: aspectos estilísticos
Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que
preciso mudar o ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra
ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle.
(CALVINO, 1990, p.18)
A necessidade de compreender as modificações quanto à criação literária no
Brasil, ocorridas entre os anos de 1900 e 1945, levou-nos à leitura de Antonio Candido
(2006), em Literatura e Sociedade, na qual o crítico brasileiro analisa essas
transformações. Para ele, já em 1940 era visível o novo tratamento dado à forma nesses
textos, como um efeito das mudanças instauradas pelos autores modernistas:
Os nossos modernistas se informaram mais rapidamente da arte
Européia de vanguarda, aprenderam a psicanálise e plasmaram um
tipo ao mesmo tempo local e universal de expressão, reencontrando a
influência europeia por um mergulho no detalhe brasileiro
(CANDIDO, 2006, p.128).
A respeito da situação da ficção brasileira após a Segunda Guerra Mundial,
Fábio Lucas, em O caráter social da literatura brasileira (1976), aborda a questão da
valorização do conto como um efeito da crise do romance:
[...] os ficcionistas preferem, modernamente, situações dramáticas de
curta duração e psicológicas adaptadas às contingências do momento
de intensidade emocional. Além do mais, aprimorou-se o gosto das
57
soluções no plano verbal; a arte da ficção se tornou mais ‘literária’
(LUCAS, 1976, p.122-3).
Nessa mesma época, tanto Murilo Rubião, quanto outros autores brasileiros,
como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, promoveram a renovação da nossa literatura.
Essa renovação, segundo Lucas (1976), não se deu apenas quanto à “mudança de ponto
de vista em relação à sociedade, ao indivíduo, à natureza e às situações dramáticas da
vida” (p.105), mas, principalmente, por meio de uma nova forma de criar a realidade
com a linguagem literária (LUCAS, 1976, p.105).
A estética muriliana surge, assim, ao mesmo tempo, como reflexo dessas
influências e como um modo narrativo fundado no elemento insólito. Segundo Antonio
Candido (1989),
[...] Com segurança meticulosa e absoluta parcialidade pelo gênero
(pois nada escreve fora dele), Murilo Rubião elaborou os seus contos
absurdos num momento de predominância do realismo social,
propondo um caminho que poucos identificaram e só mais tarde
outros seguiram (p.208).
A preocupação de Murilo Rubião em ser aceito por público e crítica, não lhe
permitiam fugir da força (incontrolável) que o levava ao reexame dos originais e, em
seguida, à reescrita dos contos – o que, para ele, fazia parte do próprio processo de
criação do texto literário. Vimos isso no capítulo anterior, nas análises de Arrigucci
Jr.(1986), Schwartz (1985) e Goulart (1995) do conto O Edifício13.
A respeito do conto contemporâneo, Bosi (1987) destaca que ele assumiu uma
nova configuração, não estanque e de difícil delimitação:
Esse caráter plástico já desnorteou mais de um teórico da literatura
ansioso por encaixar a forma-conto no interior de um quadro fixo de
gêneros. Na verdade, se comparada à novela e ao romance, a narrativa
curta condensa e potencia no seu espaço todas as possibilidades da
ficção. E mais, o mesmo modo breve de ser compele o escritor a uma
luta mais intensa com as técnicas de invenção, de sintaxe compositiva,
de elocução: daí ficarem transpostas depressa as fronteiras que no
conto separam o narrativo do lírico, o narrativo do dramático (p.7).
13
Cf. página 43.
58
Ao aproximar o conto mais da poesia que da prosa, fala-se de uma concepção de
conto como uma peça poética, o que justifica o trabalho realizado, tão cuidadosamente,
com a linguagem, a busca da forma perfeita.
Ao pensarmos na dedicação de Murilo Rubião para com a construção de
narrativas apuradas estilisticamente somos levados às “lições americanas” de Ítalo
Calvino (1990) – série de conferências realizadas na Universidade de Harvard (EUA),
em 1985, onde o autor italiano, às vésperas do novo milênio, expôs suas reflexões
acerca dos valores com os quais a literatura (e quem produz literatura) deveria se
preocupar.
Na ocasião, ao refletir sobre a oposição leveza-peso, o autor definiu o seu
trabalho:
[...] no mais das vezes, minha intervenção se traduziu por uma
subtração do peso; esforcei-me por retirar peso, ora às figuras
humanas, ora aos corpos celestes, ora às cidades; esforcei-me
sobretudo por retirar peso à estrutura narrativa e à linguagem
(CALVINO, 1990, p.15).
As versões de “O ex-mágico da Taberna Minhota” examinadas nessa pesquisa,
revelam o trabalho de elaboração da linguagem na escrita muriliana, com vistas ao
insólito ficcional ou, para utilizarmos a terminologia mais precisa, o insólito banalizado.
A respeito das modificações realizadas por Murilo Rubião em seus contos,
Schwartz (1981) o relaciona a Ferdinand de Saussure e ao conceito de signo linguístico:
Se para Saussure o signo é arbitrário, para MR a narrativa também o é,
fato que se comprova pelas alterações de todo tipo em contos que
chegam a três reedições. Esta arbitrariedade das mudanças conduz à
circularidade do processo criativo, que se espelha numa temática
igualmente circular (SCHWARTZ, 1981, p.88).
A circularidade é ilustrada pelo crítico com a comparação entre diferentes
edições dos contos de Rubião, por meio de tabelas com tipos de alterações. A sua
constatação foi a de que o autor empreendeu um verdadeiro “jogo labiríntico”, com idas
59
e vindas, no que se refere à forma, mas sem promover alterações temáticas (Ibidem.,
p.92).
Em nossa análise comparativa, uma das alterações mais interessantes aconteceu
logo no primeiro parágrafo, quando o protagonista se descreve diante de um espelho, já
de cabelos grisalhos (RUBIÃO, 1986, p.53). A versão original (ORG) traz a
especificação de que se trata do espelho “da Taberna Minhota”, no entanto, a publicação
no primeiro livro (EXM) não traz esse complemento e sim “de um restaurante”. De
modo similar, o autor optou, em (ORG), por nomear o “Circo Parque-Andaluz” desde
sua primeira referência ao local, mas a versão (EXM) apresenta-o, inicialmente, como
“parque de diversões”, e só no parágrafo seguinte nos é dada a especificação. Em OPZ,
no entanto, houve uma retomada da versão ORG.
Para tratar da situação política brasileira na época da Revolução de 1930, o autor
escolheu palavras que fizessem referência a Portugal, pelo fato de a população
portuguesa estar padecendo com a evolução do movimento salazarista. Assim foi que o
a versão final do conto (OPZ) manteve a “Taberna Minhota” e o “Circo-Parque
Andaluz” (OPZ). Nesse caso, as alterações promovidas teriam a função de camuflar a
história 2, como vista na teoria do conto de Piglia (2004), qual seja a história do regime
político opressivo no Brasil do Estado Novo. Essa história submersa só aparece no fim
do conto, quanto a marcação gráfica no texto, por meio das datas, permite a ligação ao
clima sócio-político brasileiro:
1930, ano amargo.
[...]
1931 entrou triste (...) (RUBIÃO, 1986, p.57).
O papel do escritor e a função da literatura também são postos em questão por
Murilo Rubião. O lápis – para o burocrata, um instrumento de controle sobre o próximo
–, nas mãos do escritor é a arma para denunciar os descaminhos sociais. Quando o
mágico se encontra perdido em uma sociedade que lhe parece tão diferente dele, tenta o
suicídio, mas a arma por ele utilizada se transforma em um lápis.
Uma das questões debatidas por Zygmunt Bauman (2003) é a da falta de
equilíbrio entre liberdade e segurança – um dilema que sempre acompanhará a
60
humanidade –, pois, a partir do momento em que se faz a opção de viver em
comunidade, ganha-se proteção e perde-se autonomia. Essas qualidades da vida em
comunidade são incompatíveis e igualmente desejadas:
A promoção da segurança sempre requer o sacrifício da liberdade,
enquanto esta só pode ser ampliada à custa da segurança. Mas
segurança sem liberdade equivale à escravidão (...); e a liberdade sem
segurança equivale a estar perdido e abandonado. Essa circunstância
provoca nos filósofos uma dor de cabeça sem cura conhecida. Ela
também torna a vida em comum um conflito sem fim, pois a
segurança sacrificada em nome da liberdade tende a ser a segurança
dos outros; e a liberdade sacrificada em nome da segurança tende a ser
a liberdade dos outros (BAUMAN, 2003, p.24).
A intensa agitação política e cultural no Brasil quando se tem início a Era
Vargas (1930-1945) é o reflexo do desequilíbrio da balança segurança/liberdade e é
ilustrada, no conto muriliano, pela própria condição da classe artística. O lápis, outrora
instrumento de criação e liberdade, teria uma nova função, qual seja a de vetar aquilo
que não fosse bom para a imagem do governo – o lápis se transformara no elemento
cerceador da liberdade e garantidor da segurança do novo regime.
Em Portugal, Salazar havia criado o Secretariado da Propaganda Nacional, que
cuidava da divulgação do ideário de seu regime político. Nessa época, o “lápis azul”
passou a representar o que havia sido aprovado por aquele órgão fiscalizador, o que teve
como consequência a padronização da cultura e das artes desse período:
De todos os mecanismos repressivos a censura foi sem dúvida o mais
eficiente, aquele que conseguiu manter o regime sem alterações
estruturais durante quatro décadas. (...) As consequências últimas de
um regime de censura durando tantas décadas foram disciplinar
autores, jornalistas, empresários e todos aqueles relacionados com os
meios de transmissão às massas, e obrigá-los a uma auto-censura (sic)
permanente, a fim de evitarem que sua produção fosse constantemente
dificultada e mutilada (OLIVEIRA MARQUES, 1977, p. 300).
No plano da narrativa, o trecho anterior à entrada do protagonista na Secretaria
de Estado, apresenta o mágico angustiado por não ter o controle de seus truques:
61
Às vezes, sentado em algum café, a olhar cismativamente o povo
desfilando na calçada, arrancava do bolso pombos, gaivotas,
maritacas. (...) Se, distraído, abria as mãos, delas escorregavam
esquisitos objetos (RUBIÃO, 1986, p.54).
Quase sempre, ao tirar o lenço para assoar o nariz, provocava o
assombro dos que estavam próximos, sacando um lençol do bolso. Se
mexia na gola do paletó, logo aparecia um urubu. Em outras ocasiões,
indo amarrar o cordão do sapato, das minhas calças deslizavam
cobras. (...) Também, à noite, em meio a um sono tranquilo,
costumava acordar sobressaltado: era um pássaro ruidoso que batera
as asas ao sair do meu ouvido (Ibidem, p.55).
Se voltarmos à teoria de Bauman (2003), podemos ilustrar a balança liberdade
versus segurança a partir da decisão do protagonista de trocar a sua capacidade de fazer
mágicas – não aceitas pela sociedade – pela segurança do emprego na repartição
pública. Temos, assim, a liberdade propiciada pela livre expressão artística sacrificada
em prol da segurança e a consequente possibilidade de viver em comunidade.
No entanto, a falta de liberdade, a que Baumam (2003) explica que também
significa perda de “direito à autoafirmação e à identidade” (p.10), resulta na dificuldade
de interação, o que o torna um infeliz. A interação, aqui, é entendida como possibilidade
de o artista se expressar por meio de sua potencialidade criadora. O ex-mágico não
consegue declarar o seu sentimento amoroso pela colega de repartição, nem mesmo
preservar o seu emprego, o seu lugar naquela sociedade controlada. É a burocracia a
aniquiladora das capacidades criadoras – o mágico que tenta tirar do bolso algo que
prove ao chefe que ele trabalhava ali há mais tempo –, impedindo o escritor de
transformar a sua sociedade e se livrar daquele ambiente que o sufocava.
A estilística sintática possui a predileção dos estudiosos do estilo, que
concordam em afirmar que a sintaxe da frase pertence muito mais ao campo do estilo
que ao da gramática. Martins (2008) assim defende essa posição:
Se, no nível fonético, se podem escolher determinados fonemas para
produzir uma onomatopeia, não há possibilidades de um falante criar
novos fonemas; e, fora do caso marginal da onomatopeia, os fonemas
já se encontram combinados nas palavras do léxico (...), e
62
rarissimamente constituem inovações individuais. Na escolha do
léxico o falante já goza de uma liberdade mais ampla, mas recebe da
comunidade linguística praticamente todo o seu vocabulário (p.163).
A autora ressalta que o padrão sintático adotado é responsável, principalmente,
por conferir expressividade às palavras, que ganham um “tom particular – neutro ou
afetivo” (Ibidem, p.164).
O conto analisado nos permite identificar que, quanto às alterações frásicas, os
trechos alterados de uma versão para a outra tiveram a dupla função de concisão de
ideias e agilidade narrativa. Vejamos no trecho abaixo:
Ele sim, perplexo, e apavorado, me perguntou como podia ter feito
aquilo. (ORG)
Êste sim, encheu-se de perplexidade e me perguntou, apavorado,
como podia ter feito aquilo. (EXM)
Ele sim, perplexo, me perguntou como podia ter feito aquilo. (OPZ)
Quanto às alterações sintáticas, a substituição do período “encheu-se de
perplexidade” pelo adjetivo “perplexo” conferiu uma maior agilidade ao texto –
semanticamente mais interessante nesse momento do conto, quando o mágico retira o
dono da Taberna do bolso. Desse modo, a ênfase é na reação da personagem diante do
acontecimento insólito e, ao mesmo tempo, no tom de lamentação do personagem-
narrador, no parágrafo seguinte: “O que poderia responder, nessa situação, uma pessoa
que não encontrava a menor explicação para a sua presença no mundo?” (RUBIÃO,
1986, p.53). O domínio da sintaxe permite ao escritor fazer uso dos tipos de frase de que
a gramática da língua dispõe, com regras e padrões mais ou menos rígidos, e “à dupla
escolha do padrão sintático e do léxico corresponde a criatividade da frase”, o que
possibilita a produção de novas e infinitas frases (MARTINS, 2008, p.164).
Em um texto que sugere um elevado número de imagens – representadas pelos
diferentes truques do protagonista –, a sugestão de sons também é evidenciada. A
fonoestilística
63
[...] trata dos valores expressivos de natureza sonora observáveis nas
palavras e nos enunciados. Fonemas e prosodemas (acento, entoação,
altura e ritmo) constituem um complexo sonoro de extraordinária
importância na função emotiva e poética (MARTINS, 2008, p.45).
A estilística fônica parte do pressuposto de que os sons provocam sensações,
sugerem idéias e fixam sensações. Entre os autores que mais se dedicaram ao estudo da
expressividade sonora, Martins (2008) cita Maurice Grammont (1866-1946) e Henri
Morier (1910-2004):
Ambos (...) salientam que os fonemas apresentam potencial
expressivo, de acordo com a natureza de sua articulação; mas as idéias
que sugerem só se percebem quando correspondem à significação das
palavras ou da frase; quer dizer, seu valor latente só é posto em relevo
pela significação (p.46).
A eliminação do vocábulo “apavorado” também pode ser justificada
semanticamente: o fato de o dono do restaurante estar “perplexo” e, logo em seguida,
não se importar com a resposta do mágico, oferecendo-lhe emprego, é uma reação
condizente com o insólito banalizado. Já uma reação de pavor (“apavorado”), colocaria
a narrativa muriliana mais próxima ao horror ou ao estranho – modos em que o insólito
também está presente. É possível aproximarmos, então, o estilo composicional de
Murilo Rubião da teoria do insólito ficcional, para a qual o elemento insólito integra-se
à narrativa sem demandar explicações.
Em outro ponto, alterado nas três versões, também observamos a alteração
lexical promovida pelo autor, visando à potencialização do som e a consequente ênfase
na função poética da linguagem:
Às vezes, sentado em algum café, a olhar cismativamente o povo
desfilando na calçada, arrancava do bolso pombos, gaivotas,
maritacas. As pessoas que se encontravam nas imediações, julgando
intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. Eu
olhava melancólico para o chão e resmungava contra o mundo e os
pássaros (ORG).
Às vezes, de acordo com um hábito que adquiri, estava sentado em
algum café, olhando cismativamente os transeuntes que passavam na
rua, quando sem ter consciência do que estava fazendo, arrancava do
bolso um coelho ou um pombo. As pessoas que se encontravam nas
64
mesas vizinhas, acreditando ter sido intencional o meu gesto, rompiam
em estridentes gargalhadas. Eu olhava melancólico para o chão e
resmungava contra o mundo e os animais (EXM).
Às vezes, sentado em algum café, a olhar cismativamente o povo
desfilando na calçada, arrancava do bolso pombos, gaivotas,
maritacas. As pessoas que se encontravam nas imediações, julgando
intencional o meu gesto, rompiam em estridentes gargalhadas. Eu
olhava melancólico para o chão e resmungava contra o mundo e os
pássaros (OPZ).
A estrutura artigo + substantivo + conjunção + artigo + substantivo (“um coelho
ou um pombo”) (ORG), deu lugar aos três substantivos “pombos, coelhos, andorinhas”,
sem conjunção (EXM). Em seguida, tem-se a substituição de “andorinhas” por
“maritacas” (OPZ): mantém-se a aliteração em /s/ e evita-se o som diferente formado
pela junção da última sílaba de “coelhos” à primeira de “andorinhas” (quebra do ritmo
da frase).
No mesmo trecho, chamamos a atenção para o primeiro período, que sofreu uma
condensação da versão original para a definitiva (OPZ). As alterações no nível sintático
podem ser relacionadas ao contexto literário brasileiro. Havia uma preocupação, entre
os escritores da conhecida Geração de 30, em promover uma renovação na escrita
literária. Nesse sentido, as alterações promovidas por Murilo Rubião indicam uma
afinidade com os seus colegas modernistas. Ainda assim, a primeira versão indica certa
relutância em adotar as transformações preconizadas pelos escritores modernistas.
No trecho abaixo, a estilística fonética nos permite compreender a alteração
lexical empreendida pelo autor entre as versões do conto.
[...] a minha primeira providência foi adquirir uma pistola. Em casa,
estendido na cama, levei a arma ao ouvido. Puxei o gatilho, à espera
do estampido, a dor da bala penetrando na minha cabeça. Não veio o
disparo nem a morte: a mauser se transformara num lápis. (ORG e
OPZ)
[...] a primeira preocupação foi adquirir um revólver. Chegando em
casa, não esperei por mais nada: levei a arma ao ouvido e puxei o
gatilho. Tinha fechado os olhos, esperando o estampido, a dor da bala
penetrando na minha cabeça ou qualquer outra sensação. Pecado dos
pecados! Não veio o estampido nem a morte: o revólver se
transformara num lápis. (EXM)
65
Podemos perceber que a versão final (OPZ) é a que melhor utilizou a
expressividade sonora dos vocábulos: arma, pistola, revolver e mauser. As alterações
empreendidas visaram a combinação entre os sons dos vocábulos vizinhos: o vocábulo
“revólver” é substituído por “pistola” por estar próxima de “primeira” e “providência” –
a escolha da repetição da oclusiva /p/ traz mais emotividade à frase, como em “levei a
arma ao ouvido” – mantida em todas as versões. De modo análogo, em “não veio o
estampido nem a morte: a mauser se transformara num lápis” – mauser foi a escolha
mais apropriada, estilisticamente falando, quando “revólver” provocaria a quebra da
musicalidade. O mesmo raciocínio é possível para explicar o fato de o autor ter evitado
a repetição do substantivo “estampido”, substituindo-o pelo sinônimo “disparo”: uma
substituição que manteve a correspondência sonora entre as consoantes oclusivas e
fricativas.
O próximo excerto analisado, alterado nas três versões, também é significativo
do ponto de vista fonético. O autor não apenas promoveu uma alteração no vocabulário,
como retirou algumas frases:
A plateia, em geral, me recebia com frieza, talvez por não me exibir
de casaca e cartola. Mas quando, sem querer, começava a extrair do
chapéu coelhos, cobras, lagartos, os assistentes vibravam. Sobretudo
no último número em que eu fazia surgir, por entre os dedos, um
jacaré. Em seguida, comprimindo o animal pelas extremidades,
transformava-o numa sanfona. E encerrava o espetáculo tocando o
Hino Nacional da Cochinchina. Os aplausos estrugiam de todos os
lados, sob meu olhar distante. (ORG)
A primeira reação da assistência era de repulsa pela minha figura
magra, alheia a qualquer entusiasmo. Depois, quando, sem querer ou
saber porque, começava a extrair do chapéu cobras, lagartos, coelhos,
os assistentes ficavam frenéticos. O último número, sobretudo,
constituía uma autêntica sensação. Eu fazia surgir, por entre os dedos,
um gigantesco jacaré que, pelo seu exagerado tamanho, devia ser um
crocodilo. O empresário, homem viajado e teimoso, dizia que não, e o
número ficou sendo o ‘do jacaré’. Em seguida, pegando o animal
pelas extremidades, apertava-o nas mãos, transformando-o numa
sanfona. E encerrava o espetáculo tocando, no instrumento, o Hino
Nacional da Cochinchina. Os aplausos estrugiam de todos os lados,
sob o meu olhar indiferente, distante. (EXM)
A plateia, em geral, me recebia com frieza, talvez por não me exibir
de casaca e cartola. Mas quando, sem querer, começava a extrair do
chapéu coelhos, cobras e lagartos, os assistentes vibravam. Sobretudo
66
no último número em que eu fazia surgir, por entre os dedos, um
jacaré. Em seguida, comprimindo o animal pelas extremidades,
transformava-o numa sanfona. E encerrava o espetáculo tocando o
Hino Nacional da Cochinchina. Os aplausos estrugiam de todos os
lados, sob o meu olhar distante. (OPZ)
Aqui, a mudança mais evidente foi dada pelo uso do mecanismo coesivo da
substituição por sinônimos, em que “plateia”, “assistência” e “assistentes” são testados
por Rubião nesses três momentos do conto, prevalecendo, naturalmente, a versão de
OPZ.
Outra alteração na sintaxe que teve implicações semânticas se deu pela
supressão de todo o período em que o empresário dá nome a um de seus truques (EXM).
Mais uma vez, o autor optou pela versão mais próxima daquela original. Na versão
EXM, percebemos uma preocupação maior em esclarecer os pormenores, com o uso de
advérbios (no instrumento) e repetição por sinônimo (indiferente, distante). A versão
definitiva confiava mais na capacidade de imaginação do leitor, eliminando aquelas
sobras.
Nilce Sant’Ana Martins (2008), no capítulo dedicado ao estudo dos sinônimos
no campo da estilística de língua portuguesa, frisa a impossibilidade da sinonímia
perfeita e, até mesmo, a falta de utilidade de palavras que tivessem o mesmo valor
expressivo que outras:
Se isso, eventualmente, chega a acontecer, uma delas acaba sendo
abandonada. Dentre uma constelação de palavras que têm um mesmo
valor referencial, temos a possibilidade de escolher a que, por uma
peculiaridade determinada, mais se ajusta ao pensamento, ao contexto
em que se deve inserir (p.135).
A propósito dos truques mágicos é importante, também, a reflexão sobre o efeito
causado na narrativa pelo uso da hipérbole. A respeito dessa figura retórica nos contos
de Murilo Rubião, Schwartz (1981) observou que ela se configura no plano narrativo
por meio das repetições – o crítico ilustra o seu posicionamento com passagens dos
contos “O ex-mágico da Taberna Minhota”, “Teleco, o coelhinho”, “A Fila”, “Petúnia”
e “O pirotécnico Zacarias” (p.73-4).
São esses recursos estilísticos que configuram o absurdo na narrativa muriliana,
67
[...] fruto de um equilíbrio constante constituído por um desequilíbrio
inicial, que leva ao non sense, numa destituição da significação, num
esvaziamento de conteúdos. Se por um lado a hipérbole é um modo
inicial de ruptura, por outro conduz, pelo próprio processo de
redundância, à noção de ausência, para a qual se encaminha a
estrutura da obra (SCHWARTZ, 1981, p.75).
Ausência esta que, se retomarmos a noção de sociedade líquido-moderna,
teremos, mais uma vez, a imagem do sujeito desiludido, desprovido de ideologias e sem
perspectiva de findar a sua angústia existencial.
A segunda data marcada é o ano de 1931, de igual importância histórica para
Portugal e para o Brasil. No primeiro, compreende o ano em que Salazar consolidava as
bases do período denominado Estado Novo (1933-1974). No Brasil, foi o ano em que
Getúlio Vargas promoveu a queda de Júlio Prestes, dando início à Segunda República e
à instauração do também Estado Novo (1937-1945), nome inspirado na ditadura
salazarista (FAUSTO, 1995, p.83).
Neste período turbulento, o conto muriliano encontra, então, o seu desfecho: a
constatação do, agora, ex-mágico, infeliz por não conseguir realizar seus truques para
conquistar o amor da secretária, nem mesmo manter a sua segurança no emprego.
O ex-mágico, vendo-se fracassado no amor e no trabalho, busca as suas antigas
mágicas, em vão:
Para lhe provar não ser leviana a minha atitude, procurei nos bolsos os
documentos que comprovavam a lisura do meu procedimento.
Estupefato, deles retirei apenas um papel amarrotado (...). Revolvi,
ansioso, todos os bolsos e nada encontrei (RUBIÃO, 1986, p.57).
Saudoso, a última imagem criada é a da pureza e da fé em um mundo distinto:
Por instantes, imagino como seria maravilhoso arrancar do corpo
lenços vermelhos, azuis, brancos, verdes. Encher a noite com fogos de
artifício. Erguer o rosto para o céu e deixar que pelos meus lábios
saísse o arco-íris. Um arco-íris que cobrisse a terra de um extremo a
outro (Ibidem., p.57).
68
Está evidente para nós a temática do escritor (mágico) angustiado por não ter o
direito de utilizar a sua capacidade criativa – devido ao regime sóciopolítico marcado
pelo autoritarismo –, para promover, por meio da literatura, a modificação daquela
realidade. É a mesma angústia do mágico que não consegue mais realizar mágicas e
deseja, em vão, o retorno a uma época em que havia liberdade de expressão artística.
Agora, só resta a ele lamentar a sua condição – e neste momento o parágrafo final do
conto, no qual ele deseja “os aplausos das criancinhas, as meigas criancinhas” (p.57) se
encontra com o inicial: “Hoje sou funcionário público e este não é o meu desconsolo
maior” (RUBIÃO, 1986, p.53).
Neste ponto, a nossa reflexão sobre os recursos estilísticos de maior
expressividade na poética muriliana, conecta-se à gênese da obra do autor, proposta pela
crítica Eliane Zagury (1971):
[...] constatada determinada relação absurda na vida, cria-se uma
situação absurda simbólica (a situação ficcional) que desencadeia uma
série de absurdos técnicos (ou de efeito literário) que se desenvolvem
até o absurdo final (solução ficcional) que traz o leitor de volta para o
tema, fechando o ciclo (p.29).
A comparação entre diferentes versões de um mesmo conto, especialmente entre
a versão da primeira publicação (EXM) e a sua reedição (OPZ), nos possibilitou
oferecer ao campo de estudos da contística muriliana, uma nova leitura deste que foi um
de seus contos mais conhecidos. Deste modo, entendemos ser a análise estilística a
melhor forma de se analisar o processo criador de Murilo Rubião, uma vez que a
reescrita é uma de suas marcas distintivas, bem como a escolha pelo insólito ficcional.
69
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Minha confiança no futuro da literatura consiste em saber que há
coisas que só a literatura com seus meios específicos pode dar.
(CALVINO, 1990, p.11)
Murilo Rubião mostrou-se um escritor afinado com as transformações na
literatura universal, uma vez que soube mesclar as tendências europeias à necessidade
de estruturação de modos narrativos que representassem as mudanças na sociedade
brasileira de seu tempo; e para além de seu tempo, na medida em que partiu de suas
leituras de formação para construir um estilo próprio que extrapolasse o fazer literário
conhecido até então no Brasil. Além disso, a temática da dissolução da identidade,
consequência do regime totalitarista pelo qual o país passava, configura a obra do autor
mineiro como antecipadora de um dos problemas enfrentados na sociedade líquido-
moderna.
Em nossa pesquisa bibliográfica, percebemos um movimento dos estudos
literários brasileiros em direção a uma historiografia do insólito ficcional, terminologia
mais adequada dos textos literários que abrangem os diversos modos discursivos do que
um dia foi chamado fantástico – como vimos, esse termo deixaria de fora muitas obras
literárias que têm no elemento insólito a sua característica primordial. Entendemos que
uma poética das narrativas do insólito na literatura brasileira deve consideraras teorias
da pós-modernidade e/ou da modernidade líquida, na qual Zygmunt Bauman retoma
estudos crítico-teóricos de importantes intelectuais dos séculos XIX e XX, e apresenta
uma leitura atualizada de conceitos-chave para a compreensão da sociedade
contemporânea, retratada pelo insólito ficcional.
O exame dos primeiros textos críticos sobre a obra muriliana, bem como a
leitura de algumas correspondências indicaram que o autor enfrentou as dificuldades de
um precursor, como a demora em ser publicado, lido e compreendido pela crítica. No
entanto, a mesma paciência e determinação que o faziam reescrever seus contos,
fizeram-no esperar pelo momento certo, que só veio na década de 70 – mais de 20 anos
70
após a publicação de seu primeiro livro –, quando as publicações dos autores latino-
americanos tornaram possível a leitura do brasileiro Murilo.
Isso nos remete ao fato de a literatura não depender apenas da capacidade
criadora e da elaboração artística, mas também das circunstâncias exteriores. O artista
passa por dificuldades de publicação, de aceitação pela sociedade – por fatores estéticos
e/ou políticos –, e está sempre à frente da crítica. Se houvesse uma sensibilidade maior,
e em menos tempo, por parte dos críticos, talvez tivesse acontecido, no caso do autor
mineiro, uma recepção melhor à sua obra, por parte das editoras.
Em tempo: relembramos um dos títulos (provisórios) do livro de estréia de
Murilo Rubião (O ex-mágico, 1947), “O dono do arco-íris”, e pensamos na simbologia
de arco-íris, segundo Chevalier & Gheerbrant (2006), “a ponte de que se servem deuses
e heróis, entre o Outro-mundo e o nosso” (p.77). É possível, então, relacionar este
elemento, que também aparece no último parágrafo do conto analisado, com a figura do
mágico – que poderia “criar todo um mundo mágico” (RUBIÃO, 1986, p.57) – e do
escritor, que utiliza o lápis e as palavras, criando jogos de imagem textuais para
imprimir sua crítica social.
A literatura como forma de resistir à opressão social e política. A arte como um
modo de salvar o homem moderno de suas angústias existenciais, permitindo-lhe um
desacelerar – essencial à tomada de consciência de si no mundo em transformação. É,
então, a literatura a possibilidade de o “sujeito fragmentado” se recompor. Talvez seja o
mágico das palavras, um desfragmentador, o que implicaria em dizer que Murilo Rubião
se coloca na contramão da sociedade líquida ao assumir-se como um homem solitário,
que conseguia enxergar o absurdo cotidiano, sofrer com isso, e, ao mesmo tempo, optar
por um modo narrativo que, apesar de fruto da dissolução, busca, em vão, uma
reestruturação do que não mais existe.
Em Seis propostas para o novo milênio (1990), Ítalo Calvino pensa nas virtudes
que um autor literário deve cultivar, a fim de melhor expressar as imagens poéticas:
Há invenções literárias que se impõem à memória mais pela sugestão
verbal que pelas palavras. A cena em que Dom Quixote trespassa com
a lança a pá de um moinho de vento e é projetado no ar, ocupa apenas
umas poucas linhas do romance de Cervantes; pode-se dizer que o
autor nela não investiu senão uma quantidade mínima de seus recursos
71
estilísticos; nada obstante, a cena permanece como uma das passagens
mais célebres da literatura de todos os tempos (CALVINO, 1990,
p.30).
Segundo Calvino, as escolhas estilísticas devem priorizar a leveza – no sentido
de serem precisas a ponto de despertarem no leitor o prazer estético. O conhecimento
estilístico e o empenho na construção do texto literário podem explicar situações em que
ao se referir a Murilo Rubião – ou mencionar um de seus contos a um leitor, acadêmico
e/ou pesquisador do insólito literário –, não raro se ouça deles: Hoje sou um funcionário
público e este não é o meu desconsolo maior. O primeiro período do conto sobre o ex-
mágico carrega toda a riqueza de imagens que se vê nas próximas linhas e que – ao
menos no meu caso, foi responsável pela leitura de todos os outros contos do autor e
pela realização desta pesquisa.
Murilo Rubião se inscreve na historiografia literária não apenas como um dos
precursores, na literatura brasileira, do insólito ficcional ou, melhor dizendo, do insólito
banalizado, mas como um escritor muito sensível, dotado de inteligência poética e de
um estilo peculiar, que soube traduzir as angústias de uma época em nossa sociedade
que só se consolidariam nas produções literárias nacionais alguns anos depois.
72
BIBLIOGRAFIA
ALAZRAKI, Jaime. Que és lo neofantástico? Em: ROAS, David. Org. Teorías de lo
fantástico. Madri: Arco/Libros, 2001. p. 265-282.
ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática metódica da língua portuguesa. 46ed.
São Paulo: Saraiva, 2009.
ALONSO, Dámaso. Poesia espanhola: ensaio de métodos e limites estilísticos. Rio de
Janeiro: Instituto Nacional do Livro - Ministério da Educação e Cultura, 1960. p.07-82.
ARÊAS, Vilma. FURUZATO, Fábio Dobashi. Uma poética da morbidez. Em:
RUBIÃO, Murilo. O homem do boné cinzento e outros contos. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007. p. 99-108.
ARRIGUCCI Jr., Davi. Outros achados e perdidos. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.
___________. O mágico desencantado ou as metamorfoses de Murilo. Em: RUBIÃO,
Murilo. O pirotécnico Zacarias. São Paulo: Ática, 1986.
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2ed. São
Paulo: Publifolha, 2008.
BARTHES, Roland. O rumor da língua. Trad. Mario Laranjeira. Pref. Leyla Perrone-
Moisés. São Paulo: Brasiliense, 1988.
________. O grau zero da escrita. Trad. Mario Laranjeira. 2ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar na pós-modernidade. Trad. Mauro Gama e
Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998.
_________. Modernidade Líquida. Trad. Plinio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2001.
_________. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Trad. Plinio
Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
_________. Identidade. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005.
_________. Vida líquida. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2007.
_________. Diálogos com Zygmunt Bauman: entrevista. [25 de julho de 2011]
Londres: Produção CPFL Cultura e Seminário Fronteiras do Pensamento, 2011.
Entrevista concedida ao Núcleo de Pesquisa em Estudos Culturais Npec. Disponível
em:<http://www.cpflcultura.com.br/2011/08/16/dialogos-com-zygmunt-bauman/>.
Acesso em 02/02/2014.
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o novo milênio: lições americanas. Trad. Ivo
Barroso. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
73
_________. Definições de territórios: o fantástico. Em: _____. Assunto encerrado:
discursos sobre literatura e sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.256-8.
CÂMARA JR., Joaquim Mattoso. Considerações sobre o estilo. Em: UCHÔA, Carlos
Eduardo Falcão. Org. Dispersos de J. Mattoso Câmara Jr. 3ed. Rio de Janeiro: Lucerna,
2004.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 9ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul,
2006.
_________. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989.
CESERANI, Remo. O fantástico. Trad. Nilton Cezar Tridapolli. Curitiba: Editora
UFPR, 2006.
CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 20ed. Trad. Vera
da Costa e Silva. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006. p.77-79.
CHIAMPI, Irlemar. Avatares de um conceito. Em: _____. O realismo maravilhoso:
forma e ideologia no romance hispano-americano. São Paulo: Perspectiva, 1980. p.9-39.
CROCE, Benedetto. Breviário de estética. Trad. José Serra. Lisboa: Edições 70, 2008.
ECO, Umberto. Sobre a literatura: ensaios. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro:
Record, 2003.
FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. Em: MOTA, Carlos Guilherme. Org. Brasil em
perspectiva. 20ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995. p.227-255.
FURTADO, Felipe. A construção do fantástico na narrativa. Lisboa: Livros
Horizonte, 1980.
GOULART, Audemaro Taranto. O conto fantástico de Murilo Rubião. Belo
Horizonte: Lê, 1995.
GUIRAUD, Pierre. La estilística. Argentina: Editorial Nova, 1970.
LAFETÁ, João Luiz. 1930: a crítica e o Modernismo. São Paulo: Duas Cidades, Ed.34,
2000.
LIMA, Luiz Costa. A questão dos gêneros. Em: _______. Teoria da literatura em
suas fontes. vol. 1. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. p. 253-289.
LOPES, Óscar. Condições gerais da literatura ocidental contemporânea: a sua evolução.
Em: SARAIVA, António José. LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa.
17ed. Porto: Porto Editora, 2005. p.937-951.
LOVECRAFT, Howard Phillips. O horror sobrenatural em literatura. Trad. Celso
M. Paciornik. São Paulo: Iluminuras, 2007.
74
LUCAS, Fábio. O caráter social da literatura brasileira. 2ed. São Paulo: Quíron,
1976.
MACHADO, Aníbal Monteiro. A morte da porta-estandarte e outras histórias. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1969.
MONTEIRO, José Lemos. Morfologia portuguesa. 4ed.rev.e ampl. Campinas: Pontes,
2002.
NUNES, Sandra. A crônica como um processo embrionário da escrita muriliana. Em:
SAID, Roberto; NUNES, Sandra (Org.). Margens teóricas: memória e acervos
literário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p.136-147.
SARAIVA, António José. LOPES, Óscar. História da literatura portuguesa. 17ed.
Porto: Porto Editora, 2005.
SOARES, Maria Nazaré Lins. Verbete “Estilística”. Em: Enciclopédia Mirador
Internacional. SP/RJ: Encyclopedia de Brasil Publicações, 1975. p.4220-4225.
OGLIARI, Ítalo. A poética do conto pós-moderno e a situação do gênero no Brasil.
Rio de Janeiro: 7Letras, 2012.
PIGLIA, Ricardo. Formas breves. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
PROENÇA, Manoel Cavalcanti. Os balões cativos. Prefácio. Em: MACHADO, Aníbal
Monteiro. A morte da porta-estandarte e outras histórias. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1969.
PROENÇA FILHO, Domício. Estilos de época na literatura. 20ed. São Paulo: Prumo,
2012.
ROAS, David. La amenaza de lo fantástico. Em: _____. Teorías de lo fantástico.
Madri: Arco/Libros, 2001. p. 7-44.
_______. Em torno a uma teoria sobre o medo e o fantástico. Trad. Lara D’Onofrio
Longo. Em: VOLOBUEF, Karin (Org.); WIMMER, Norma (Org.); ALVAREZ,
Roxana Guadalupe Herrera (Org.). Vertentes do fantástico na literatura. São Paulo:
Annablume; Fapesp; Unesp Pró-Reitoria de Pós-Graduação, 2012. p.117-142.
RUBIÃO, Murilo. O pirotécnico Zacarias. São Paulo: Ática, 1986.
________. A casa do girassol vermelho e outros contos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
________. O homem do boné cinzento e outros contos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
________. O pirotécnico Zacarias e outros contos. São Paulo: Companhia das Letras,
2006.
75
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Trad. Maria Clara Correa
Castello. São Paulo: Perspectiva, 2007.
WERNECK, Humberto. A aventura solitária de um grande artista. 1988. Em:
RUBIÃO, Murilo. O pirotécnico Zacarias e outros contos. São Paulo: Companhia das
Letras, 2006.
SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. Trad. Rita Correia Guedes.
3ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. (Coleção Os Pensadores)
Artigos:
ALVAREZ, Roxana Guadalupe Herrera. O neofantástico: uma proposta teórica do
crítico Jaime Alazraki. FronteiraZ, São Paulo, v. 3, n. 03, set/2009. Disponível em: <
http://www4.pucsp.br/revistafronteiraz/numeros_anteriores/n3/download/pdf/neofantast
ico.pdf>. Acesso em 25/08/2012.
ANDRADE, Vera Lúcia. A trajetória fantástica de Murilo Rubião. Suplemento
Literário do Minas Gerais, Belo Horizonte, n.20, dezembro/1996. Disponível em:
<http://www.letras.ufmg.br/websuplit/exbGer/exbSup.asp?Cod=00002012199603-
00002012199604-00002012199605-00002012199606-00002012199607 >. Acesso em
28/07/2012.
BESSIÈRE, Irène. O relato fantástico: forma mista do caso e da adivinha. FronteiraZ,
São Paulo, v. 3, n. 03, set/2009. Disponível em:
<http://www4.pucsp.br/revistafronteiraz/numeros_anteriores/n3/download/pdf/traducao
2.pdf>. Acesso em 28/07/2012.
CANDIDO, Antonio. A revolução de 1930 e a cultura. Anais: Simpósio sobre a
Revolução de 1930 no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: ERUS, 1983. Disponível em:
<http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/42/20080623_revolucao_de_
1930_e_a_cultura.pdf>. Acesso em 12/03/2014.
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A estilística. Disponível em:
<http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=3&c
ad=rja&uact=8&ved=0CCwQFjAC&url=http%3A%2F%2Fseer.fclar.unesp.br%2Falfa
%2Farticle%2Fdownload%2F3133%2F2864&ei=Wq_-U-
a7J8fv8AG3m4HABg&usg=AFQjCNGpUY3rcydRI3avdNDaQCaJYXUnBQ>. Acesso
em 12/03/2014.
FRANÇA, Júlio. Resenha: “Literatura fantástica: vertentes teóricas e ficcionais do
insólito”. Revista Brumal, Espanha: Barcelona, vol. 1, n. 2, outono/2013, p.407-412.
Disponível em: < http://revistes.uab.cat/brumal/>. Acesso em 10/03/2013.
76
GARCÍA, Flávio. Tensões entre os conceitos de gênero e períodos, escolas e estilos na
historiografia literária: os gêneros do insólito. Artigo publicado na página eletrônica
do autor, 2007. Disponível em: <http://www.flaviogarcia.pro.br/textos/>. Acesso em
25/03/2013.
______. Tensões entre questões e conceitos na proposição de um outro e novo gênero
literário: o insólito banalizado. Anais. XIV Congresso da ASSEL-RIO, Campos/ RJ,
2007b. Disponível em: < http://www.flaviogarcia.pro.br/textos/>. Acesso em
07/03/2014.
______. Tensões entre sólito e insólito na narrativa de Mia Couto: A Varanda do
Frangipani como paradigma da questão. Anais. III Encontro de Professores de
Literaturas Africanas – pensando África. Niterói/RJ: UFRJ/UFF/FBN, 2008. Disponível
em:<http://www.flaviogarcia.pro.br/textos/doc/tensoes_entre_solito_e_insolito_na_narr
ativa_de_mia_couto.pdf>. Acesso em 07/03/2014.
______. Fantástico: a manifestação do insólito ficcional entre modo discursivo e gênero
literário – literaturas comparadas de língua portuguesa em diálogo com as tradições
teórica, crítica e ficcional. Anais. XII Congresso Internacional da ABRALIC,
Curitiba/PR, 18 a 22 de julho de 2011. Disponível em:
<http://www.abralic.org.br/anais/cong2011/AnaisOnline/resumos/TC0010-1.pdf>.
Acesso em 07/03/2014.
GAMA-KHALIL, Marisa Martins. A literatura fantástica: gênero ou modo. Terra Roxa
e outras terras: Revista de Estudos Literários. Londrina, vol. 26, dez./2013. p.18-31.
Disponível em: <http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa>. Acesso em 15/03/2014.
GOULART, Audemaro Taranto. A corrosão do real na obra de Murilo Rubião. Belo
Horizonte: PUC-Minas, s/d. Disponível em: <
http://www.pucminas.br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_ARQ_ARQU
I20121011174625.pdf>. Acesso em 25/03/2014.
LINS, Álvaro. Os contos de Murilo Rubião. Suplemento Literário do Minas Gerais,
Belo Horizonte, no 1060, 07/02/1987. Disponível em:
<http://www.letras.ufmg.br/websuplit/exbGer/exbSup.asp?Cod=22106002198709>.
Acesso em 28/07/2012.
MARQUES, Reinaldo. O arquivamento do escritor. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
Disponível em:
<https://www.ufmg.br/aem/inicial/publicacoes/artigos/marques_arquivamentoescritor.ht
m>. Acesso em 08/03/2014.
MOREJÓN, Julio García. MARTINS, Manoel Dias. O idealismo linguístico e a
estilística literária. Alfa: Revista de Linguística UNESP. São José do Rio Preto, vol.11,
1967. Disponível em: <http://seer.fclar.unesp.br/alfa/article/view/3302/3029>. Acesso
em 15/05/2014.
77
MOURÃO, Rui. Um discípulo de Machado. Suplemento Literário do Minas Gerais,
Belo Horizonte, no 1062, 21/02/1987. Disponível em:
<http://www.letras.ufmg.br/websuplit/exbGer/exbSup.asp?Cod=22106202198707>.
Acesso em 28/07/2012.
OLIVEIRA, Acauam Silvério de. Murilo Rubião e os impasses do fantástico brasileiro.
FronteiraZ. São Paulo, vol. 3, n. 03, setembro/2009. Disponível em:
<http://www4.pucsp.br/revistafronteiraz/numeros_anteriores/n3/download/pdf/impasses
.pdf>. Acesso em 28/07/2012.
OLIVEIRA, Aline Sobreira de. Notas sobre a teoria estruturalista do gênero fantástico
de Tzvetan Todorov. ReVeLe, Belo Horizonte, nº 3, agosto/2011. Disponível em:
<http://www.letras.ufmg.br/cpq/revista%20revele/Revista_tres/ESTUDOS%20LITER%
C3%81RIOS/06NOTAS%20SOBRE%20A%20TEORIA%20ESTRUTURALISTA%20
-%20ALINE%20OLIVEIRA.pdf>. Acesso em 28/07/2012.
PALHARES-BURKE, Maria Lúcia Garcia. Entrevista com Zigmunt Bauman. Tempo
social. São Paulo: EdUSP, vol.16, n.1, 2004, p. 301-325. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/ts/v16n1/v16n1a15.pdf>. Acesso em 30/03/2014.
SOUZA, Valdira Meira Cardoso de. O fantástico de Machado de Assis: estudo do conto
‘Um esqueleto’. In: 1º Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários,
2010, Maringá, Anais eletrônicos, Maringá: UEM, 2010. Disponível em: <
http://www.cielli.com.br/downloads/669.pdf>. Acesso em 25/08/2012.
UCHÔA, Carlos Eduardo Falcão. Estudos estilísticos no Brasil. Revista Matraga. Rio
de Janeiro, vol.20, n.32, jan./jun.2013. p.12-35.
Dissertações e Teses:
FURUZATO, Fábio Dobashi. Histórias do Grão Mogol: edição e estudo crítico dos
textos esparsos de Murilo Rubião. Tese de Doutoramento em Teoria e História
Literária. Universidade Estadual de Campinas, 2009. p.11-139. Disponível em: <
http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000441816>. Acesso em
10/03/2014.
78
Anexo A – Versão não-publicada do conto “O ex-mágico da Taberna Minhota” (s/d).
Pasta sem número.
95
Anexo D – Carta de Marques Rebelo a Murilo Rubião
Fotografado por Marcela de Castro Ávila Aguiar, em janeiro/2012. Correspondência
arquivada em: Série Corresp. sobre obras – Subsérie O ex-mágico;
Arq.02/Gav.02/Pasta01