VI Congresso da Geografia Portuguesa Lisboa, 17-20 de Outubro de 2007
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MOBILIDADE URBANA E ESPAÇO PÚBLICO – O PAPEL DO DESENHO URBANO
Hélder FERREIRA
Instituto de Dinâmica do Espaço (IDE) Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa
Avenida de Berna, 26 C, 1069-061 Lisboa Tel.: 217942044 e-mail: [email protected]
RESUMO
O desenho urbano apresenta-se hoje, como ferramenta fundamental para a melhoria da
mobilidade e da segurança rodoviária nos núcleos urbanos, especialmente para o peão.
A qualidade dos “espaços públicos de encontro” permite, uma verdadeira interacção entre
gerações, classes sociais e comunidades. De outro modo o cidadão tende para o isolamento,
deixando de sentir que faz parte da cidade e de participar em “causas comuns”.
Deste modo, alterações da morfologia e do desenho urbano, além de contribuírem para
a melhoria do espaço público, podem também ajudar à melhoria da mobilidade urbana, através
de diversas acções que contribuam para a redução da velocidade dos veículos.
Numa sociedade cada vez mais urbana e globalizada, em que as cidades competem
entre si, a qualidade e a funcionalidade do espaço público pode ser um factor de diferenciação.
Através das políticas de mobilidade, opções ao nível do mobiliário urbano e desenho das ruas,
é possível contribuir para a melhoria da qualidade de vida nos núcleos urbanos.
Será apresentada uma breve reflexão à implementação das designadas “Zonas Mistas”
(áreas residenciais em que a função recreio ou convívio dos peões tem prioridade), “Zonas de
Encontro” (semelhante às Zonas Mistas, mas em áreas urbanas com actividades de comércio
ou serviços), “Zonas 30” (constituem áreas de circulação homogénea, onde a velocidade é
limitada a 30 km/h e são objecto de ordenamento específico).
A coexistência pacífica e segura de todos os utilizadores da rua é um exercício de
desenho urbano complexo, com inúmeras vantagens sociais, económicas e ambientais
resultantes da redução da velocidade de circulação dos veículos motorizados em meio urbano.;
Sendo necessário distinguir as intervenções em núcleos históricos das novas áreas urbanas.
Palavras-Chave: Mobilidade, Desenho Urbano, Espaço Público.
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1. Introdução
Estando muitos de nós, Geógrafos, a exercer funções em Departamentos/Gabinetes de
planeamento e gestão do território, poderemos dar uma contribuição importante para a
melhoria da mobilidade urbana e do espaço público, devolvendo-o às pessoas. Para alcançar
tal objectivo, um desenho urbano cuidado e devidamente pensado, que favoreça o peão e os
modos suaves de deslocação é essencial. Assim, o espaço público torna-se agradável e
aprazível, transmitindo segurança e bem-estar a quem dele usufrui.
Como referem Farinha e Menezes (1983), “o aparecimento do automóvel era, no
princípio do século (século XX), visto como solução para os problemas de mobilidade e
acessibilidade e como contribuição válida para melhorar muito significativamente a qualidade
de vida nas grandes metrópoles. Porém, a generalização do automóvel suprimiu as funções
tradicionais de espaço multifuncional desempenhadas pela rua. Nas ruas projectadas no século
XIX era frequente perto de metade da sua largura ser destinada a peões, o que era largamente
suficiente, pois na época, poucos edifícios tinham mais que três pisos. Consoante a altura dos
edifícios foi sendo cada vez maior (automaticamente causando um fluxo de peões superior) a
dimensão em largura dos passeios não foi ampliada de forma proporcional, sendo ainda
reduzida devido à crescente necessidade de espaço para os veículos motorizados.
Mas os comuns cidadãos, que necessitam de se deslocarem para chegar aos seus locais
de trabalho, não são os únicos culpados pela emancipação do automóvel nas cidades em
detrimento do peão. A deficiente gestão do território, sem qualquer tipo de eficácia e visão
relativamente às questões do planeamento urbano, da acessibilidade e da mobilidade, também
têm responsabilidade.
A dispersão urbana das áreas residenciais e a difusão no espaço das diversas
actividades, associados aos novos modos de vida, tornaram as deslocações diárias das
populações mais longas e com maior duração, incentivando a utilização do automóvel e
fazendo com que a mobilidade urbana diária se tornasse num problema complexo para o
planeamento urbano.
Neste artigo serão feitas algumas considerações sobre alguns métodos e técnicas de
acalmia de tráfego.
As medidas de acalmia de Tráfego podem ser definidas como aplicações da engenharia
de tráfego (medidas físicas), devidamente regulamentadas que contribuem para domar o
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tráfego motorizado, ou ainda, através de alterações e introdução de novos conceitos ao código
da estrada (medidas regulamentares). Assim, é possível alterar o comportamento dos
automobilistas e simultaneamente melhorar a qualidade do espaço público, incentivando a
utilização dos modos suaves de deslocação.
A aplicação destas medidas contribuem igualmente para a redução de veículos que
utilizam a rua apenas como via de passagem, através da redução da sua velocidade. Assim,
também a poluição atmosférica e sonora serão atenuadas, contribuindo ainda para devolver à
rua as funções de ponto de encontro, recreação e área de lazer.
2. Mudança de Paradigma
O espaço público deveria ser equilibrado, sempre orientado para garantir a segurança
dos que dele usufruem, havendo assim a necessidade de mudança de paradigma, pois nas
últimas décadas o espaço público tem dado, em primeiro lugar, prioridade ao automóvel. Ou
seja, o planeamento da cidade, do espaço urbano e do espaço público, deverá dar um maior
cuidado às condições oferecidas para a sua fruição por parte dos habitantes. No fundo, é
atribuir a prioridade de utilização do espaço público aos utilizadores pedonais da rua,
residentes ou não, em detrimento do automóvel.
Isto será possível através da aplicação de várias medidas de acalmia de tráfego que,
simultaneamente, funcionam como medidas dissuasoras da utilização dos veículos
motorizados incentivando os modos suaves. Uma mobilidade e um planeamento sustentado
poderão contribuir para melhoria da qualidade do ar nas áreas urbanas.
A mobilidade, em grande parte das cidades, coloca questões complexas aos
planeadores do território e nem sempre com soluções análogas, num cenário em que a
crescente utilização do transporte individual é cada vez mais evidente.
As grandes cidades são hoje sinónimo de congestionamento, em que o automóvel tem
vindo a apoderar-se das cidades, deteriorando a qualidade de vidas dos seus residentes. Esta
situação envolve elevados custos e perdas de tempo nas deslocações, para além dos já
conhecidos efeitos ambientais negativos, provocado pela ineficiência energética dos
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transportes. Não só a poluição atmosférica, mas também níveis de ruído, influenciam a
qualidade de vida da população.
A conjuntura urbana actual obriga os técnicos de planeamento a pensar no seu
ordenamento e desenho urbano, sem nunca se alhearem do planeamento urbano sustentável,
ou seja, economicamente viável e socialmente aceite.
Se por um lado esta relação parece óbvia, na prática, a sua aplicação e implementação
revela-se uma tarefa complexa e com muitos objectores.
Actualmente, as grandes cidades são frequentemente associadas a conexões
depreciativas, como o ruído, a poluição atmosférica, os congestionamentos de tráfego, a
insegurança e a um urbanismo desordenado. Tornando a mobilidade sustentável, cada vez
mais, um propósito estratégico, surgindo como um novo repto ao desenho urbano e à
organização do sistema de transportes.
A utilização do conceito aplicado à realidade, exige assim um conjunto de medidas,
não só dos actores públicos como também dos actores privados, obrigando a que haja uma
concertação de interesses.
O planeamento deverá continuar a identificar problemas, identificando prioridades,
desenvolver soluções, avaliar e seleccionar acções (Hardt et al., 2003).
Para promover um planeamento urbano sustentável é fundamental utilizar instrumentos
políticos e mecanismos de legislação essenciais, dando prioridade à abundância de espaço
público (Szyliowicz, 2003). Neste âmbito, a discussão actual há cerca das cidades é a procura
da “cidade ideal”, que garanta qualidade de vida (Cera, 2003). Esta óptica dá à mobilidade um
papel fulcral no desenvolvimento urbano sustentável das cidades.
Nas cidades actuais a questão da mobilidade colocou várias problemáticas como o
afastamento espacial das populações das actividades e serviços urbanos, a utilização crescente
de meios de transporte pouco amigos do ambiente, a ineficiência do transporte colectivo, o
ruído, a poluição e o congestionamento (Giorgi, 2003). Todos estes factores transformam a
mobilidade urbana numa das maiores causas de externalidades negativas que, contribuem para
a degradação do ambiente urbano e da qualidade de vida, daí a necessidade que haja uma
mudança de paradigma relativamente à ao modo como se planeia o espaço urbano.
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3. Erradicar ou Integrar
Em grande parte dos casos, opta-se por segregar o peão e o ciclista, separando-os do
tráfego motorizado em vias próprias, colocando deste modo, autênticas barreiras físicas no
espaço público e criando formas de desenho urbano que em nada cativam o seu usufruto por
parte dos habitantes locais.
Em algumas áreas urbanas, deveremos dar prioridade à adopção de soluções
integradoras, optando apenas como último recurso, pela segregação dos modos de transporte
suaves (a pé e bicicleta).
Essas opções não passam obrigatoriamente pela proibição do automóvel, podemos
escolher outro caminho, como por exemplo, pela diminuição da sua presença.
Em determinadas áreas de algumas cidades, como os centros históricos ou bairros
residenciais, bastaria tomar algumas medidas relativamente simples, de reordenamento do
espaço urbano, como por exemplo, fazendo coexistir o peão, a bicicleta e o automóvel.
Pode parecer utópico e absurdo, mas é possível! Prova disso são alguns exemplos
vindos da Europa Central, como em França e na Holanda. É certo que estes países possuem
uma cultura intrínseca completamente diferente da dos portugueses, mas do mesmo modo que
introduzimos outros hábitos vindos destes países, poderemos embutir esta forma de utilização
e usufruto do espaço público, implementando medidas simples ao nível do desenho urbano à
escala da rua ou bairro.
Certamente não será fácil, pois irá exigir uma concertação de inúmeras acções
orientadas para a concretização de objectivos específicos. Mas só assim passo a passo, a
qualidade de vida nestes locais será melhorada. Nestas áreas (centros históricos e bairros
residenciais), onde a acessibilidade de proximidade tem um papel predominante, o modo
pedonal e a bicicleta podem desempenhar um papel preponderante.
Incentivar o modo pedonal e/ou o uso da bicicleta (em áreas de orografia acidentada
esta solução não se adequa), implica requalificar, ordenar e tornar acessível aos
peões/ciclistas.
Em muitos casos, será necessário redesenhar a rua devolvendo o espaço público aos
que vivem e utilizam a cidade, tornando-os espaços onde poderá haver convívio entre gerações
e não apenas serem utilizados como locais de passagem para chegar a um destino. Contudo,
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para além da capacidade financeira é necessário que haja um projecto integrado para estes
espaços, integrando-os com os espaços envolvente, através de medidas que promovam o
ordenamento do território, a requalificação urbana e a mobilidade sustentável. Passa por
reabilitar centros históricos, restaurar os espaços públicos, controlar o estacionamento ilegal,
etc., caso contrário o seu sucesso estará comprometido.
4. Medidas Fundamentais
Para que a coexistência entre os modos suaves de transporte e o automóvel seja
possível realizar-se em segurança, obviamente que será necessário tomar algumas medidas
essenciais que deverão ser consideradas prioritárias.
Torna-se assim essencial, apostar na redução do número de veículos em circulação
nestas vias. Para se atingir este objectivo é fundamental, como já foi referido, a aplicação de
politicas integradas de gestão de mobilidade associadas a um plano/programa de alteração dos
padrões e hábitos de mobilidade. Através da limitação do estacionamento, tornando mais
eficaz e atraente os transportes públicos, através da criação de linhas de desejo, da melhoria do
seu conforto e finalmente, alterar ou reformular a hierarquia viária da rede envolvente a estas
áreas, de modo a proteger estes espaços do excessivo tráfego motorizado.
Para a implementação destas medidas fundamentais, será necessário uma política geral
de transportes, que inclui a limitação da velocidade média nestas áreas, uma elevada protecção
aos peões, o incentivo ao uso da bicicleta e do transporte público, se possível, associado a um
projecto de renovação urbana, que promova medidas que contribuam para a devolução do
espaço público às pessoas.
A velocidade de circulação também é fundamental que seja reduzida. Isto é possível,
por exemplo, através da a implementação de medidas de acalmia de tráfego, “moldando” e
educando o comportamento dos condutores. Reduzindo a velocidade dos veículos mais seguro
se torna a circulação para os peões e ciclistas.
É um erro reduzir o espaço público para a criação de pistas cicláveis, muitas vezes é o
próprio espaço destinado à faixa de rodagem e ao estacionamento que são
sobredimensionados.
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Para além do que é referido nos inúmeros manuais existentes sobre o tema, é já
evidente através de experiências noutros países, que comprovam o sucesso destas medidas.
Nestes locais, o número de veículos motorizados e a sua velocidade foram reduzidos através
de medidas físicas ao nível do desenho urbano do espaço público, medidas que visavam a
acalmia de tráfego. Sendo fundamental, serem acompanhadas por medidas de adaptação
progressiva das vias confinantes à área de intervenção.
Estas sugestões de coexistência de diferentes modos de transporte, deverá evitar a
coexistência entre peões e pistas cicláveis a uma mesma cota, embora não seja uma aplicação
totalmente imprópria. Pois passeios mais largos, estimulam o aumento de velocidade dos
ciclistas, podendo vir a provocar colisões entre bicicletas e peões.
5. Desenho Urbano
Com o aumento da população a viver nas cidades, os problemas dos sistemas viários e
de transportes, vêm-se agudizando de dia para dia.
A actual situação não é mais que o reflexo de um conjunto continuado de políticas
urbanas e de transportes falhadas. Politicas e opções estratégicas que privilegiaram o
automóvel em detrimento de outros modos menos poluentes, ou o incentivo ao uso do
transporte público, sendo maior parte dos recursos nacionais e comunitários aplicados na
expansão da rede viária (alguns deles, sem dúvida necessários), de forma a proporcionar maior
fluidez do tráfego de veículos motorizados.
Deste modo, abriam-se novas frentes de urbanização, fomentando expansão urbana e a
dispersão de actividades, muitas vezes sem a devida ligação à rede viária fundamental, o que
fez com que fosse necessário construir cada vez mais vias. Obviamente, associado a estes
factores, estão os gastos na construção das redes de equipamentos públicos, como a água,
saneamento, rede eléctrica, etc., para estas áreas não planeadas.
Assim, muitas cidades possuem um desenho urbano que não é mais que o resultado das
tendências do mercado imobiliário, expandindo-se ao longo das principais eixos rodoviárias,
muitas vezes sem qualquer tipo de preocupações com as acessibilidades a nível local e com o
estacionamento. Também, os passeios destinados aos peões transformaram-se em áreas de
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estacionamento e as ruas que deveriam ser apenas destinadas ao trânsito local, passaram a ter
volumes de tráfego desadequado para estas áreas residenciais.
Hoje em dia, grande parte das ruas e muitos dos espaços públicos, estão transformados
em locais de passagem, sem qualquer factor atractivo. Surgindo uma oportunidade de as
cidades se evidenciarem numa sociedade cada vez mais urbana e globalizada, em que a
competição entre centros urbanos é evidente, a qualidade e a funcionalidade do espaço público
pode ser um factor de diferenciação.
Mas se pretendemos que haja uma mudança de paradigma, a aposta deverá passar pelas
políticas de mobilidade, nomeadamente em opções ao nível do desenho das ruas e do
mobiliário urbano, apostando na reapropriação do espaço público por parte da população,
tornando estes espaços, novos locais de estadia dedicados ao convívio e socialização. Isto não
implica a erradicação dos corredores destinados à circulação automóvel, mas deverão ser
devidamente redimensionados e planeados, equilibrando o espaço público entre todos os seus
utilizadores.
Obviamente que, estas medidas poderão não ser aplicadas a todas as vias, pois a cidade
também precisa de espaços canais destinados à circulação de veículos, mas poderão ser, as
indicadas para centros históricos, bairros residenciais, vias locais e outras situações específicas
que merecerão uma análise cuidada.
Nestes espaços, o desenho das ruas deverá ser devidamente planeado, promover a
convivência do automóvel com os peões, sendo fundamental para isso, reduzir a sua
velocidade. Não deverá haver uma separação clara do automóvel e dos peões, devendo o peão
ter prioridade sobre o automóvel.
Tudo isto apenas será possível, através de um desenho urbano devidamente pensado e
planeado, apoiado através de regulamentação, embora esta última dificilmente seja eficaz sem
um bom desenho urbano, de qualidade e funcional.
O primeiro passo, como já foi referido, deverá ser a redução da velocidade dos veículos
automóveis (não só através de radares!), mas através do desenho urbano. Por exemplo, a
redução da largura da faixa de rodagem, pois a largura média de um automóvel é sempre
menor que dois metros e os pesados não podem ultrapassar os 2,5 metros de largura.
Mas erradamente, em Portugal é vulgar construir-se ruas com dois sentidos com mais
de sete metros, em situações sem necessidade para tal, fomentado a altas velocidades dos
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veículos motorizados. Reduzindo a faixa de rodagem irá fazer também, com que haja mais
espaço destinado aos passeios para usufruto por parte do peão.
A maioria dos centros históricas das cidades portuguesas não possuem ruas com a
dimensão adequada para que haja passeios exclusivos para peões, impossibilitando assim a
circulação de pessoas com dificuldades motoras e que um casal de namorados passeie de mão
dada, entre outras.
A separação dos peões em relação ao tráfego automóvel, faz ainda com que a
velocidade dos veículos motorizados aumente os danos causados por um possível acidente.
Tornando-se bastante preocupante nestas áreas, bastante frequentadas por diversos motivos
(comércio, turismo, residencial, etc.), esta separação transmite um falso sentimento de
segurança ao automobilista, levando-o a circular a velocidades elevadas.
Nestas ruas onde a coexistência existe, o desenho deverá projectar o espaço de forma a
colocar os peões e os automóveis ao mesmo nível, eliminando assim as barreiras altimétricas.
Para obter a redução da velocidade dos veículos, o desenho urbano poderá utilizar uma
ferramenta fundamental, as medidas de acalmia de tráfego, desde que, de forma lógica e
coerente com o funcionamento natural da rua, sempre bem integradas no desenho urbano.
Em alguns países da Europa Central e do Norte, o código da estrada consagra as
chamadas Zonas 30, destinadas a proteger os bairros essencialmente residenciais, embora
também possam ser implementadas em ruas ou áreas comerciais ou de serviços.
O desenho urbano pode assim dar um contributo importante ao nível da gestão de
tráfego, redesenhando o perfil das ruas, de modo a integrar os peões e os ciclistas com o
automóvel, ou até mesmo, com a manutenção de um espaço canal destinado ao tráfego
motorizado, mas assegurando um espaço público aprazível. Para se ter uma ideia da
importância dada à redução da velocidade dos veículos, veja-se na figura 1 que, a
probabilidade de morte de um peão ou ciclista, atropelado por um automóvel aumenta
exponencialmente a partir dos 40 km/h.
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Os transportes públicos colectivos devem ainda ser alvo de uma reformulação, assim
como, o estacionamento na envolvente destas áreas, de forma a permitir que as pessoas
cheguem até estes espaços. Quando aplicadas a centros históricos, áreas comerciais ou de
interesse turístico e cultural, áreas que se pretendem revitalizar, esta questão deverá ainda ser
abordada com mais cuidado.
5. “A cidade dos bairros”
Ao tornar o espaço público um espaço onde os citadinos se sentem bem,
transformando-os em espaços de encontro, onde há uma apropriação do espaço pelas pessoas,
onde sintam o espaço como seu, contribuímos para que, haja interacção entre gerações.
Pretende-se assim inverter a situação actual, em que os habitantes dos centros urbanos
tendem cada vez mais ao isolamento, perdendo-se cada vez mais as características bairristas
que marcaram os bairros residenciais do passado e que foi fundamental na defesa das causas
comuns aos habitantes destas áreas, perdendo-se assim o sentido de comunidade. Alves (2006)
define estas áreas como “cidade dos bairros”.
Eestudos, como o de Appelyard (1981), realizado na cidade de São Francisco prova
que, o número de relações sociais numa rua, está directamente associado ao número dos
automóveis que passam nessa mesma rua.
Probabilidade de morte de um peão
(%)
Velocidade de impacto do carro (km/h) Fonte: Alves, 2006
Figura. 1 – Probabilidade de morte do peão
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Sem pessoas o espaço público perde o seu sentido de espaço que é de todos e do qual todos
são responsáveis, desfazendo-se assim o sentido de comunidade.
Eu observo esta situação na minha rua, onde sempre que há festas no bairro, ou
procissão religiosa, as pessoas têm tendência a cuidar mais do espaço público junto das suas
portas, comprovando assim, que quanto mais pessoas houver na rua, maior a responsabilidade
que elas sentem em cuidar deste espaço. Com peões, a rua torna-se mais segura e a velocidade
dos automóveis é menor, atraindo assim ainda mais pessoas.
A estratégia de reconquista do espaço público pelo peão em detrimento do automóvel,
deverá ser uma estratégia integradora e continuada, conseguida através da educação e da
modificação de mentalidades, associado ao desenho urbano bem planeado e de qualidade.
Ao promover a coexistência de modos de transporte no espaço público, tais situações
deverão ser muito bem pensadas e desenhadas, pois o código da estrada português não
reconhece a existência deste tipo de ruas, fazendo com que os peões não tenham qualquer tipo
de direito. Daí ser fundamental que este tipo de medidas não sejam tomadas isoladamente, mas
sim, sentando à mesma mesa e colocando a num mesmo nível de discussão, um vasto conjunto
de actores que intervêm e têm responsabilidade no espaço público, como os automobilistas,
peões, políticos, técnicos, agentes de autoridade, etc. Só assim a mensagem poderá chegar a
um número significativo de intervenientes.
6. Medidas de Acalmia de Tráfego
As medidas de acalmia de tráfego podem ser conseguidas através de pelo menos dois
modos, através da regulamentação ou de medidas físicas. Estas medidas foram desenvolvidas
para controlar a velocidade e “obrigar” os automobilistas a ter uma condução mais segura,
Fonte: Appleyard ,
Figura. 2 – O tráfego influência as relações de vizinhança
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simultaneamente, estaremos também a desincentivar o uso do automóvel, contribuindo
também a redução da poluição (sonora e atmosférica).
Estas medidas destinam-se a reduzir os acidentes por atropelamentos e a estimular o
espírito de comunidade, o espírito vizinhança e de proximidade, já esquecido em muitos
bairros residenciais, onde a grande maioria das pessoas se limitam usufruir da rua onde vivem
apenas como local de passagem.
As medidas de acalmia de tráfego podem ser entendidas de diferentes perspectivas.
Podem ser vistas numa óptica de incentivo à deslocação em modos suaves em detrimento dos
veículos motorizados, ou como simples medidas de engenharia para reduzir a velocidade dos
veículos em áreas residenciais, eixos comerciais e centros históricos.
Com a sua implementação pretende-se trazer as pessoas para a rua, fazer com haja
intercâmbio entre gerações, cativando a população para a fruição do espaço público e ao
mesmo tempo melhorar a poluição do ar e sonora.
6.1 Medidas de Regulamentação
Entre diversas medidas de regulamentação que se poderia aplicar, irei destacar uma
tipologia, à muito implementada nos países da Europa Central e do Norte. As Zonas 30, Zonas
Mistas e Zonas de Encontro.
Seria interessante a implementação em Portugal destas Zonas, a sua implementação
não implica a existência de passeios ou não, os peões e os automóveis estão ao mesmo nível
mas a prioridade estará sempre do lado dos peões.
A mobilidade sustentável deverá ser encarada de forma holística, poderemos começar
por medidas de acalmia de tráfego a uma escala local e que depois da sua aplicação, terá
A acalmia de
tráfego pode ser conseguida
Regulamen
tação
Medidas Físicas
Figura. 3 – Diferentes modos de Acalmia de Tráfego
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certamente uma abrangência a um outro nível, permitindo-nos passar para medidas de impacto
a uma outra escala, mas sempre com o apoio de medidas ao nível do ordenamento do
território, do aumento da eficiência dos transportes públicos, melhoria do espaço público,
impondo sempre limitações ao uso automóvel e incentivando o uso de modos suaves.
Estas Zonas, como medidas de acalmia de tráfego, são já implementadas na Europa
desde os anos 60/70, sendo o seu sucesso evidente quando bem aplicadas, em especial na
Holanda onde o conceito foi mais desenvolvido e aplicado pelos técnicos de planeamento nas
áreas urbanas residenciais. Contribuíram assim, para a melhoria da qualidade de vida das
populações, já que, perceberam prematuramente que a importância da qualidade de vida, não
se resume apenas à habitação, mas também ao ambiente envolvente.
Foi o resultado de politicas da administração central, inovadoras para a época, com o
objectivo de reduzir o número de acidentes e como uma componente essencial nas suas
estratégias de transporte, tudo isto, associado a um desconforto cada vez mais evidente por
parte dos habitantes de algumas áreas residenciais.
Os holandeses definiram estas áreas como woonerf (pátios residenciais), onde a
principal característica é o facto de não haver a habitual distinção entre a faixa de rodagem e o
passeio destinado aos peões. Nestas áreas todos os modos de transporte (motorizado e
pedonal) são colocados ao mesmo nível.
Estes espaços públicos seriam destinados apenas ao tráfego local, daí que se aconselhe
apenas a sua implementação em áreas residenciais e centros históricos, embora em algumas
cidades médias portuguesas também possa ser testada em áreas comerciais, mas nunca em
eixos estruturantes destes aglomerados urbanos. Pois estas áreas deverão ser pontos de
encontro, de recreação e áreas de lazer.
Com a prioridade dada ao peão ou ciclista e colocando o automóvel ao mesmo nível,
pretende-se assim dar maior segurança ao peão, embora parece um pouco ambíguo, a verdade
é que os automobilistas ao circularem nestas vias, automaticamente reduzem a velocidade e a
sua concentração relativamente ao ambiente envolvente é bastante superior. Ou então, tenderá
a estacionar o carro perto destas áreas e a deslocar-se a pé nestes espaços, contribuindo assim,
para a melhoria da acessibilidade.
Para a sua aplicação em centros históricos e em eixos comerciais e de prestação de
serviços, apenas será necessário estudar mais pormenorizadamente, a localização de áreas de
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cargas e descargas de mercadorias, assim como, as paragens destinadas aos transportes
públicos, que melhor sirvam os comerciantes e residentes.
É compreensível que surjam dúvidas à cerca da sua eficácia, mas sem tentar nunca
saberemos, daí a questão: Porque não assumir a criação destas Zonas como um instrumento de
gestão urbana?
A sua correcta implementação irá certamente desincentivar o uso do automóvel em
detrimento dos modos suaves, contribuindo para uma reapropriação dos espaços públicos por
parte dos citadinos, para além dos efeitos ambientais positivos. Tudo isto, contribuirá
certamente para a melhoria da qualidade de vida nas cidades.
Os transportes públicos colectivos devem ainda ser alvo de uma reformulação, assim
como o estacionamento na envolvente, de forma a permitir que as pessoas cheguem a estas
áreas. Quando aplicadas a centros históricos, áreas comerciais ou de interesse turístico e
cultural, áreas que se pretendam revitalizar, ou então, desenvolvendo condições para a
utilização de modos suaves entre as bolsas de estacionamento estes locais. Esta questão deverá
ainda ser abordada com mais algum cuidado relativamente às áreas residenciais recentes.
A criação destas Zonas deverá ser acompanhadas por uma definição clara da rede
viária, devendo ser implementadas apenas em vias de nível local, sendo o tráfego de passagem
desviado para um conjunto de vias de nível superior. Podem ser implementadas em áreas
residenciais, centros históricos e eixos comerciais, não tendo de estar obrigatoriamente no
centro das cidades. Devendo caber às entidades municipais a responsabilidade pela sua
implementação.
Estas Zonas em áreas residências, surgem nos países da Europa do Norte e Central, por
iniciativa das próprias comunidades locais. São áreas que surgem em bairros maioritariamente
residências com o objectivo de melhorar a qualidade de vida população, podendo ser criadas
em novas urbanizações ou em áreas já consolidadas.
A montante da sua implementação, deverão ser minuciosamente criados e/ou
analisados planos de hierarquização da rede viária, distinguindo claramente as vias de
passagem das vias locais, sujeitas à limitação dos 30 km/h..
No mundo inteiro, desde a América do Sul à Europa Central e do Norte, as medidas de
acalmia de tráfego têm vindo a ser consideradas como parte integrante de processos de
revitalização de áreas urbanas, que tinham vindo a entrar num processo de abandono e
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esquecimento. Estas intervenções físicas no sistema viário, pretendem sobretudo, impor um
determinado estilo de condução aos automobilistas ou até mesmo desincentivar o seu uso,
através da obrigação de circular a velocidades reduzidas e aplicação de medidas de acalmia de
tráfego que podem ir até ao nível do desenho urbano.
Ao contrário do que se possa pensar, crianças e os idosos são os principais
beneficiários da implementação destas medidas, pois assim sentem-se mais seguras para
brincar na rua e os idosos terão um espaço de confraternização e encontro apropriado. Assim,
será possível fomentar o sentimento de comunidade nestas áreas, contribuir para o intercâmbio
de gerações e humanização do espaço público.
Torna-se portanto, necessário reduzir a velocidade dos veículos nas áreas onde haja
partilha do espaço entre modos suaves e tráfego motorizado. Tal objectivo pode ser
conseguido através da educação e mudança de mentalidades, com um desenho urbano
devidamente planeado, associado a algumas medidas de engenharia de tráfego.
O código da estrada português, ao contrário do de alguns países europeus, ainda não
considera estas Zonas de coexistência entre veículos motorizados e modos suaves. Este facto
cria, um vazio no código da estrada, pois a maior parte das opções recentes de desenho urbano
de zonas históricas em Portugal, optam e bem, pela eliminação dos passeios. Ao não se
considerar a existência deste tipo de ruas no código da estrada português, os peões perdem os
direitos legais, sendo equiparados a um “cinzento” legislativo (Alves, 2006).
A introdução das medidas de acalmia de tráfego regulamentares, teriam como
objectivo principal, proteger o peão em detrimento dos automóveis. O Código da Estrada
belga, define por exemplo, Zonas Pedonais:
Artigo 22º – Circulação em zonas pedonais
1º …(define quem tem acesso)
2º Nas zonas pedonais, os peões podem utilizar toda a largura da via pública
Os condutores que são admitidos a circular na zona pedonal devem fazê-lo à velocidade de
passo; devem ceder passagem aos peões e se necessário parar. Não podem pôr os peões em
perigo nem os importunar.
Nestas zonas, os ciclistas devem descer da sua bicicleta assim que a densidade de peões seja
tal que se torne difícil a sua passagem.
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Os jogos são autorizados.
O estacionamento é interdito.
Em Portugal 9 em cada 10 atropelamentos de peões acontece dentro das localidades
(Alves, 2006), o que nos faz pensar seriamente se o que fazemos actualmente é suficiente.
Deste modo, apresenta-se uma breve definição dos três tipos de Zonas que podiam muito bem
ser introduzidas no quotidiano das cidades portuguesas, assim como, no código da estrada
português. Não são mais que o resultado de uma breve pesquisa bibliográfica sobre o tema,
nomeadamente nos códigos da estrada de outros países europeus.
Zonas Mistas
São definidas como Zonas de função principalmente residencial em que o passeio, o
recreio ou convívio dos peões tem prioridade em relação ao tráfego motorizado. A
coexistência ordeira e segura entre todos os modos de transporte que utilizam a rua é um
desafio para o desenho urbano bastante complexo, onde noutros países, como a Holanda,
Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Alemanha, entre outros, estas medidas foram aplicadas com
sucesso nas últimas quatro décadas.
Isto permite a Portugal estar numa posição privilegiada, pois poderá evitar cometer
alguns erros eventualmente realizados. As Zonas de Mistas têm como principais
características:
� Os peões podem utilizar toda a largura da via pública;
� Os jogos são autorizados;
� Os condutores devem conduzir à velocidade de passo;
� Os automobilistas devem ceder passagem aos peões e se necessário parar;
Fonte: CE belga
Figura. 4 – Sinalização de inicio/fim de Zonas Mistas
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� Os veículos motorizados não podem pôr os peões em perigo nem sequer os
incomodar os peões, devendo estar ainda mais atentos aquando da presença de
crianças;
� Estacionamento é interdito, excepto quando são delimitadas células para esse fim,
podendo estar à esquerda ou à direita do sentido do tráfego.
Zonas de Encontro
Idênticas às Zonas Mistas, mas em áreas urbanas com actividades, como o comercio ou
serviços. Zona onde o peão tem prioridade sobre o tráfego motorizado, mas neste caso, o peão
não poderá interromper sem necessidade o tráfego automóvel. Difere das Zonas Mistas por
comportarem tráfego motorizado mais intenso, devido sobretudo ao facto de possuírem
diferentes serviços.
Zonas 30
Em Portugal o Código da Estrada permite definir zonas de velocidade limitada, embora
não se encontrem regulamentadas Zonas 30, como nos países da Europa Central.
Fonte: CE suíço
Figura. 5 – Sinalização de inicio/fim de Zonas de Encontro
Fonte: CE francês
Figura. 6 – Sinalização de inicio/fim de Zonas 30
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Em França, Zonas 30 são áreas numa zona urbana constituída por uma área de
circulação homogénea, onde a velocidade é limitada a 30 km/h, sendo estes espaços
previamente planeados. São autênticos instrumentos de protecção de bairros, contribuindo
para o aumento dos níveis de segurança e melhoria da qualidade do ar.
Contrariamente às Zonas Mistas ou de Encontro onde a coexistência entre veículos e
peões existe, numa Zona 30 o espaço público continua a manter a faixa de rodagem para os
veículos e os passeios para os peões.
O funcionamento das Zonas 30 é semelhante ao das ruas tradicionais, ou seja, os peões
são obrigados a utilizar os passeios, embora podendo atravessar em todos os pontos do canal
destinado ao tráfego motorizado. Isto torna dispensáveis as passadeiras de peões, embora
possa haver casos em que a sua colocação se torne necessário, obviamente, nestas Zonas
também poderão circular ciclistas.
A aplicação destas medidas poderá muito bem ser implementada em alguns bairros
lisboetas, como por exemplo, o Bairro de Alvalade, Bairro de Belém, Campo de Ourique,
Bairro Azul, Olivais Norte/Encarnação, ou ainda alguns centros históricos como Guimarães,
Évora, etc. O ideal para a sua implementação, seria estar inserida em projectos de
revitalização, pois estas medidas contribuirão para que estas áreas tornem mais aprazíveis e
agradáveis.
As medidas regulamentares referidas anteriormente, devem ainda ser acompanhadas
por uma sinalização vertical correctamente aplicada, especialmente, à entrada e à saída destas
Zonas, de forma a haver uma identificação clara para o automobilista, do tipo de via que está a
entrar. Desta forma, ao entrar nestas Zonas poderão adaptar automaticamente seu o estilo de
condução, funcionando ainda, como elementos repulsores da sua utilização como via de
passagem para chegar a outros destinos.
Desta forma, preserva-se o carácter local destas vias onde serão implantadas esta
Zonas, destinadas essencialmente ao trânsito local.
6.2 Medidas Físicas
Existem ainda um conjunto de medidas físicas ao nível do desenho urbano, à escala
local, com o objectivo de mitigar os efeitos negativos do tráfego motorizado, o que permite
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aumentar a segurança dos peões, através da criação de um ambiente seguro, calmo, agradável
e aprazível. Poderá implicar reduções do tráfego e do comportamento dos motoristas, impondo
restrições de velocidade e “manipulando” o modo de conduzir dos automobilistas, adequando-
o às condições locais do ambiente que se pretende para a via.
Para isso, existem uma série de medidas físicas que visam a acalmia de tráfego, e que
poderão muito bem ser aplicadas e introduzidas nas áreas referidas anteriormente no ponto
6.1, relativamente às quais, se apresenta de seguida um breve resumo.
Lombas – Elevações côncavas na via, aplicadas em ângulo recto relativamente à direcção do
tráfego. Aconselha-se a utilização da forma sinusoidal em detrimento de outras formas,como
em forma de trapézio ou circular. Isto porque, para além de serem menos agressivas para a
suspensão dos veículos, torna mais fácil a sua transposição por bicicletas, cadeiras de rodas,
etc.
Plataformas Elevadas – São também elas elevações colocadas em ângulo recto relativamente
ao tráfego, mas geralmente mais alongadas, permitindo mover-se sobre eles. Ou seja, são um
tipo de lombas construído com perfil plano com pequenas rampas no início e no fim.
Almofadas – Elevações colocadas na via perpendicularmente à direcção do tráfego, devendo
ter uma largura menor que a bitola de um veículo pesado, mas com uma bitola superior à dos
automóveis ligeiros. Permite deste modo a passagem dos transportes públicos colectivos sem
qualquer problema.
Speed table ou intercepções elevadas – Semelhante às plataformas elevadas, mas geralmente
aplicado ao longo dos cruzamentos com materiais e cores diferentes do resto da via.
Sonorizadores – Utiliza-se aplicando pequenas barras de trepidação colocadas na via com o
objectivo de incentivar os condutores a reduzir a velocidade.
Estrangulamento da Via – Implica a diminuir a largura da via destinada ao tráfego
motorizado, podendo ser aplicada de diferentes formas. Pode permitir que apenas se cruzem
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dois veículos, pode apenas permitir que se cruzem ligeiros, impossibilitando que se cruzem
ligeiros e pesados ou poderá apenas permitir a circulação alternada de um veículo.
Chicanas – Pequenos estrangulamento de ambos os lados da via mas alternados, obrigando os
veículos a uma circulação sinuosa.
Redução das Vias – Apenas difere dos estrangulamentos das vias porque é aplicado ao longo
de toda a área de intervenção.
Rotundas – “Ilhas centrais” que obrigam os condutores a efectuar uma trajectória circular,
poderão conter vegetação ou mobiliário urbano.
COM ESTREITAMENTO COM ALARGAMENTO CHICANA COM
TRAJETÓRIA
ENTRE INTERSEÇÕES COM ILHAS CENTRAIS SEM ILHAS
Fonte: BHTrans, 2000
Figura. 7 – Estrangulamentos da via
Figura. 8 – Diminuição do campo de visão
Fonte: Alves, 2006
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Redução do Ângulo de Viragem – Redução do ângulo de viragem dos veículos nas
intercepções, através do estreitamento dos cruzamentos, obrigando assim os condutores a
reduzir a velocidade.
Encerramento de Vias – Implica o fecho de ruas, poderá ser aplicado apenas em algumas
secções ou em intercepções. Obrigatoriamente, deverá sempre existir locais que permitam
realizar a inversão de marcha.
Pórticos – Elementos verticais que identificam claramente aos automobilistas que está a entrar
em áreas onde o peão tem prioridade.
Mudança de Textura e Cor do Piso – Alteração dos materiais utilizados no piso da via de
circulação, assim como da cor, de forma a alertar os condutores para existência de peões.
Arborização / Vegetação – Utilização de plantas como elementos paisagísticos.
Diminuição do Campo de Visão – Utilização de vegetação ou outros elementos de
desenvolvimento vertical, para criar ilusão de óptica, dando a entender que há estreitamento da
via.
Marcas Rodoviárias – Pinturas da faixa de rodagem e símbolos no pavimento.
L
h
Para obter um bom efeitona redução da velocidade:
Lh
1
h = altura do elementovertical m ais próximo.ex.: edifícios, árvores, etc.
\
Fonte: BHTrans, 2000
Figura. 9 – Diminuição do campo de visão
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Nestas Zonas, deverão cada vez mais, ser consideradas na nova geração de Planos
Municipais de Ordenamento do Território, os projecto que vierem a ser criados poderão,
também, considerar a instalação de equipamentos de lazer e recreio nos espaços públicos,
assim como apostas mais arrojas de mobiliário urbano.
O mobiliário urbano, poderá ser padronizado ou não, desde que seja funcional e não
agrida a estética visual. Os equipamentos de lazer serão fundamentais, pois são essenciais para
a forma como as pessoas são incentivadas a usufruir do espaço público, estimulando o
convívio social entre gerações, contribuindo assim, para fortalecer o sentido de comunidade.
Deverá haver ainda, um cuidado especial, para não impossibilitar a passagem dos
transportes públicos colectivos, criando plataformas de entrada e saída de passageiros
devidamente adaptadas, assim como locais de carga e descarga de mercadorias assinalados de
forma clara, de modo a suportar as actividades comerciais. Finalmente, um pré-requisito
fundamental, não criar impedimentos à circulação de veículos de emergência.
7. Conclusão
A criação destas Zonas e o desenho urbano, através da implementação destas medidas
físicas, com certeza não irá resolver os problemas das cidades, embora consoante as
especificidades de cada uma, possa contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida,
procurando soluções especificamente para cada cidade, consoante a sua dimensão e
características.
Um dos principais problemas das cidades de hoje, é sem dúvida o conflito entre o
tráfego rodoviário e as restantes actividades, deste modo, a criação destas Zonas será uma
forma de minimização de tais impactos e conflitos.
Através das experiências de países como a Holanda, embora em contextos diferentes,
conclui-se que a criação destas Zonas contribui para a melhoria da qualidade de vida das
populações, reduzindo simultaneamente os níveis de poluição. Proporcionam ainda, melhores
condições de acessibilidade aos equipamentos urbanos aí existentes, incentiva a apropriação
do espaço público e automaticamente, a convivência e a integração social de toda a
comunidade.
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Verifica-se que estas medidas referidas ao longo do artigo, medidas de acalmia de
tráfego, embora sejam universais ao nível da sua implementação, se enquadram perfeitamente
no Novo Urbanismo, corrente que assume o peão como o elemento fundamental, em
detrimento do automóvel no planeamento da rede viária. O Novo Urbanismo pretende fazer
com que os peões e os ciclistas tirem partido dos espaços públicos, incentivando ao mesmo
tempo, a utilização destes modos suaves de transporte.
Através destas medidas, humanizando o espaço público, o comércio local é
revitalizado, fomentam-se os encontros “ocasionais” e as relações de vizinhança que
fortalecem o sentido de comunidade, de bem estar e respeito, entre os membros da
comunidade que compõem a parte humana e social da rua ou do bairro.
É ainda um método simples de desenho urbano dirigido para o peão, que desincentiva
o uso do automóvel e fomenta a circulação pedonal, para além de outras actividades.
Quanto ao estacionamento, este deverá ser planeado de modo não a satisfazer a
procura, mas sim, consoante a capacidade de tráfego programada e pretendida para a via.
Num período em que os Planos Directores Municipais vigorantes, se encontram em
fase de revisão, porque não aproveitar esse facto para programar as cidades incluindo desde já
este tipo de soluções?
Através do apelo à consciencialização de todos os intervenientes, em especial da classe
politica, quanto às potencialidade das ferramentas do planeamento urbano, do ordenamento do
território e do planeamento de transportes, a qualidade de vida nas cidades irá melhorar.
Mas não basta apenas pensar em fazer, estudar, discutir… acima de tudo é fundamental
implementar!
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